Projeto de Lei quer tornar a motivação racial uma ... · da Capital do Mato Grosso e do referido...

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Número 32 Julho / Agosto 2014 Publicação bimestral Morre Mercedes Baptista Faleceu no dia 18 de agosto uma referência na dança afro-brasileira e a primeira negra a ingressar no Corpo de Baile do eatro Mu- nicipal do Rio de Janeiro. Pág. 6 Projeto Racismo: Conhecer para Enfrentar, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), desenvolvido pelo GT4 - Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Cultural, passa por atualizações. Pág. 2 Projeto de Lei quer tornar a motivação racial uma qualificadora do crime de homicídio CÓDIGO PENAL O Projeto de Lei n°7.749/2014 dá nova redação ao artigo 121 do Decreto-Lei n°2.848, de 7 de setembro de 1940, Código Penal. Inserido no capítulo I – dos Crimes contra a Vida, o artigo 121 passaria a ter o inciso IV, no segundo pará- grafo, do homicídio qualificado, com os termos “por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Págs. 4 e 5)

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Número 32Julho / Agosto 2014Publicação bimestral

Morre Mercedes Baptista Faleceu no dia 18 de agosto uma referência na dança afro-brasileira e a primeira negra a ingressar no Corpo de Baile do Theatro Mu-nicipal do Rio de Janeiro. Pág. 6

ProjetoRacismo: Conhecer para Enfrentar, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), desenvolvido pelo GT4 - Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Cultural, passa por atualizações. Pág. 2

Projeto de Lei quer tornar a motivação racial uma qualificadora do crime de homicídio

CÓDIGO PENAL

O Projeto de Lei n°7.749/2014 dá nova redação ao artigo 121 do Decreto-Lei n°2.848, de 7 de setembro de 1940, Código Penal. Inserido no capítulo I – dos Crimes contra a Vida, o artigo 121 passaria a ter o inciso IV, no segundo pará-grafo, do homicídio qualificado, com os termos “por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Págs. 4 e 5)

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02 | Recife, Julho / Agosto 2014 - gt racismo - mppe

MP em ação

EditorialO Projeto de Lei 7.749/2014,

criado pelo deputado Fábio Trad e pela promotora Jaceguara Dantas (ambos do Mato Grosso do Sul) tem o objetivo de tornar a motivação racial uma qualifi-cadora para o crime de homicí-dio, aumentando assim a pena. O GT Racismo vê a importân-cia da aprovação dessa proposta como uma reafirmação da tor-peza do tipo de crime, não mais aceitável na nossa sociedade; como também uma reafirmação do Estado Brasileiro em comba-ter a discriminação racial.

A resistência, a luta e o enfren-tamento ao racismo são velhas ações conhecidas por homens e mulheres negros e pardos brasi-leiros, e no mês de julho, no dia 25 deste ano, o Brasil celebrou a data oficial em homenagem às mulheres negras. Para tamanha responsabilidade de representar a luta da mulher negra, a Lei Federal 12.987/2014 resgatou a história de Teresa Benguela, líder do Quilombo do Piolho ou Quariterê, do século XVIII.

Em Cada luta usa-se a arma que se tem ou as habilidades. A promotora Jaceguara usou o conhecimento da lei; Teresa Benguela a capacidade de liderar e Mercedes Baptista, a dança. Mercedes através do conheci-mento da dança, das pesquisas e estudos construiu espetáculos criando a identidade negra e afro-brasileira da dança contem-porânea. A dança para Mercedes tem a ver com dignidade, com relevância, com estudo e com resistência. Apesar de sua morte, o seu exemplo deixou sementes que a tornarão viva na história do Brasil.

Racismo: Conhecer para Enfren-tar é um dos projetos desenvol-vidos pela Comissão de Direitos Fundamentais, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio do GT4 - Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Cultu-ral, que tem como principal ob-jetivo contribuir para a máxima eficácia da atuação do Ministé-rio Público Brasileiro no enfren-tamento ao racismo, atuando, principalmente, na formação e qualificação dos membros e ser-vidores.

Entre as ações previstas do pro-jeto estão a elaboração de minu-tas de resolução para apresentar ao plenário do CNMP sobre políticas afirmativas étnico-ra-ciais nos concursos públicos de membros e servidores do Minis-tério Público; e a inclusão nos editais dos certames da temática do enfrentamento ao racismo, assim como também no conte-údo programático de cursos de formação e capacitação.

Outra iniciativa do Conhecer para Enfrentar é buscar de-monstrar o caráter fundamental da temática do enfrentamento ao racismo na agenda conforme definido pelo mapa estratégi-

co nacional e difundir entre os membros e servidores do Minis-tério Público o conhecimento sobre conceitos e instrumentos legais relacionados ao enfrenta-mento ao racismo. Essa medida começou a ser feita através de ofício destinado aos procura-dores-gerais de Justiça de cada Estado, solicitando a indicação de um membro com afinida-de com a temática racial como

promotor-referência. Vários dos indicados participaram do Se-minário do CNMP realizado, em maio deste ano, em Recife.

Estratégias foram estabelecidas para o fomento e monitora-mento da atuação dos promoto-res-referência a partir das infor-mações e encaminhamento das ações ao hotsite do CNMP.

Atualização no projeto do GT4 Racismo: Conhecer para Enfrentar

GT RACISMO - MPPE

Aguinaldo FenelonProcurador-geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo Fi-gueiroa (Coordenadora), Helena Capela Gomes (Sub-coordenadora), Janeide Oliveira de Lima, Maria Betânia Silva, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva,

Irene Cardoso Sousa, Fernanda Arco-verde C. Nogueira, Roberto Brayner Sampaio, Antônio Fernandes Oliveira Matos Júnior, Marco Aurélio Farias da Silva, Humberto da Silva Graça, André Felipe Barbosa de Menezes, Muirá Belém de Andrade, Ana Karine Ferraz, Emma-nuel Morim, Izabela Cavalcanti Pereira e Isabela Lima (estagiária)

Projeto gráfico: Leonardo DouradoTexto e edição: Giselly Veras e Izabela Cavalcanti (jornalistas), Gabriela Alen-castro, Marcelle Sales, Marilena Smith (estagiárias de jornalismo).

www.mppe.mp.br - [email protected] - (81)3182.7201 - Rua 1º de Mar-ço, 100, 3º andar, Stº Antônio Recife-PE - CEP: 50010-170

Expediente

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Durante os anos de 2013, o GT Racismo do MPPE, com o patrocínio da Secretaria de Polí-ticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir), promoveu três oficinas de Capacitação e Coo-peração para o Enfrentamento ao Racismo Institucional, reali-zadas nos municípios de Gara-nhuns, Gravatá e Petrolina. Com essas três oficinas, o GT somou 10 oficinas realizadas ao longo de sua criação (em dezembro de 2002) promovendo encontros e debates com membros e servido-res da Instituição. Essas últimas três tiveram como novidade a

participação de membros das Polícias Civis e Militar. Além das oficinas, o GT fez várias palestras durante os treinamentos dos no-vos promotores, bem como dos estagiários de Direito.

Para a coordenadora do GT Racismo, procuradora de Justi-ça Maria Bernadete Figueiroa, é um avanço reunir membros do MPPE e das polícias de Pernam-buco para discutir a temática, mas ainda falta a participação das outras instituições do siste-ma de Justiça, como a Defenso-ria Pública e o Judiciário.

arredores de Vila Bela da San-tíssima Trindade, hoje território do Mato Grosso, após a morte do seu marido José Piolho. Não se sabe se brasileira ou africana. Revelou-se uma líder natural, comandando a estrutura políti-ca, econômica e administrativa daquele povoado, além de man-ter um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou resgatadas das vilas próxi-mas.

O Quilombo do Quariterê era organizado politicamente por um parlamento e um con-selheiro para a rainha Benguela, desenvolvia agricultura de algo-dão, fabricava tecidos usando teares e comercializava fora da comunidade, bem como os ex-cedentes da plantação de milho, mandioca, banana, entre outras. Teresa esteve à frente do Qui-lombo até 1770, século XVIII. Quanto à sua morte, não se sabe

se foi assassinada ao ser captura-da ou se cometeu suicídio, após uma invasão de uma Bandeira. Sua cabeça foi cortada e exposta no meio do Quilombo para avi-sar aos resistentes. O Quilom-bo do Piolho ou Quariterê foi extinto em 1795.

A história de Teresa foi re-lembrada, em 1994, pela escola de samba Unidos da Viradouro com o samba-enredo Tereza de Benguela, uma rainha negra no Pantanal.

Lei Federal 12.987/2014

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Marco de luta e resistência

25 de Julho: Dia Nacional Teresa Benguela e da Mulher Negra Brasileira

O Dia 25 de julho foi insti-tuído pela Lei Federal n°12.987 deste ano como o Dia Nacional Teresa de Benguela e da Mulher Negra no Brasil. A data come-morativa nacional foi escolhi-da a partir do já celebrado Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, que é um marco internacional da luta e resistência da mulher negra contra a opressão de gê-nero, o racismo e a exploração de classe. Foi instituído, em 1992, no I Encontro de Mu-lheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, para dar vi-sibilidade e reconhecimento à presença e à luta das mulheres negras nesse continente.

Quem foi Teresa (ou Tereza) de Benguela ?

No Século XVIII, Teresa de Benguela comandou o Quilom-bo do Piolho ou Quariterê, nos

Oficinas promovem sensibilização internarelatório

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Projeto de Lei quer tornar a motivação racial uma qualificadora do crime de homicídioO Projeto de Lei

n°7.749/2014, apresentando pelo Deputado Federal Fábio Trad (PMDB – MS), qualifi-ca o homicídio motivado por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O proje-to de lei, apresentando no início de julho deste ano, foi resulta-do de uma ideia conjunta da promotora de Justiça Jaceguara Dantas da Silva Passos, titular da 67ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos da Capital do Mato Grosso e do

referido deputado, após as mor-tes violentas de jovens negros no Estado, notadamente os ir-mãos Anderson da Silva Farias, em 2007, vítima de homicídio com motivação racial; e Isaías da Silva Farias, em abril deste ano, também, em tese, por mo-tivação racial. O caso se tornou conhecido por Cleonice Rocha da Silva, mãe dos dois.

O referido Projeto de Lei dá nova redação ao artigo 121 do Decreto-Lei n°2.848, de 7 de setembro de 1940, Código Pe-

nal. Inserido no capítulo I – dos Crimes contra a Vida, o artigo 121 passaria a ter o inciso IV, no segundo parágrafo, do homicí-dio qualificado, com os termos “por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, et-nia, religião ou procedência na-cional.

Como justificação da medi-da, o deputado Fábio Trad afir-ma que os crimes raciais “pas-sam mensagens ameaçadoras aos demais integrantes do grupo social sobre o risco que estão

correndo. A literatura, de uma maneira geral, destaca que os crimes de ódio são formas vio-lentas de relacionamento com as diferenças sociais e culturais e se sustentam numa densa trama cultural de discriminação, rejei-ção e desprezo. Por essa razão, o homicídio praticado nessas cir-cunstâncias deve ser qualifica-do”. Para a promotora de Justiça Jaceguara Dantas, a iniciativa “é o reconhecimento da importân-cia dos direitos humanos e do papel que cabe ao legislador de escutar os anseios da sociedade”.

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aumento da pena

“O GT Racismo do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) vê como importante a aprovação da proposta porque reafirma duas coisas: uma, é que homicídio por motivação racial trata-se de uma conduta torpe; a ou-tra, é o Estado Brasileiro se comprometendo com o enfrentamento à discriminação ra-cial”, destaca o promotor de Justiça Roberto Brayner, membro do GT Racismo.

Tramitação – O Projeto de Lei n° 7.749/2014 foi publi-cado no Diário Oficial da Câ-mara dos Deputados no dia 15 de julho de 2014 e tramita em conjunto com outra pro-posta de alteração do Código Penal, o PL 4893/12. Ambos

os textos deverão ser analisa-dos pelo Plenário. A trami-tação pode ser acompanhada através do endereço: http://www.camara.gov.br/proposi-coesWeb/fichadetramitacao?i-dProposicao=619278.

Campanha Jovem Negro Vivo, da Anistia Internacional

CÓDIGO PENAL

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Projeto de Lei quer tornar a motivação racial uma qualificadora do crime de homicídioEntrevistas

1)Há muitos registros de ca-sos de homicídios por mo-tivos raciais registrados no Ministério Público do Mato Grosso do Sul?Inicialmente esclareço que a 67ª Promotoria de Justiça de Direi-tos Humanos da comarca de Campo Grande-MS, passou a contar com Promotora de Justi-ça titular na data de 22 de maio de 2014, tendo sido criada pelo Procurador-Geral de Justiça, Humberto de Matos Brittes, atendendo à solicitação de 40 entidades do movimento social, pedindo para que fosse efetiva-da uma Promotoria de Direitos Humanos. A 67ª Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da comarca de Campo Grande, segundo o artigo 4º, inciso III, da Reso-lução nº 18/2010-PGJ possui atribuição para requisitar e acompanhar inquéritos policiais visando apuração de crimes que envolvam racismo, homofobia e demais ilícitos motivados por discriminação ou preconcei-to, com exceção dos delitos de competência do juizado especial criminal e do Tribunal do Júri. Sendo assim, não atuo direta-mente nos feitos que envolvam delitos contra a vida, tenham

ou não motivo racial e, desta forma, não disponho dos dados relativos aos casos de homicí-dios por motivos raciais regis-trados no Ministério Público de Mato Grosso do Sul, uma vez que o mesmo não é exigido no relatório das tabelas unifica-das, podendo ser inseridos pelo CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público referido dado, em face de sua relevância. No entanto, neste breve perío-do de trabalho esta Promotoria de Justiça ajuizou, até o presen-te momento, sete denúncias cri-minais por cometimento do cri-me de injúria racial previsto no artigo 140m, §3º, do CP, sendo que não foi elaborada nenhuma denúncia por crime de racismo (lei nº 7.716/1989). Ainda, quatro notícias de fato instauradas, sendo três sobre cotas para negros em concursos públicos e uma sobre discrimi-nação racial individual (todas arquivadas). Por fim, com relação a crime de homicídio por motivo racial, não obstante esta Promotoria de Justiça não atuar nos delitos do Tribunal do Júri, foi instau-rado o Procedimento Adminis-trativo nº 25/2014, ainda em trâmite, para tutelar os direitos

fundamentais da senhora Cleo-nice Rocha da Silva, genitora de Isaias da Silva Farias, vítima de homicídio em abril do corrente ano, em tese, com motivação ra-cial, após seu comparecimento a esta Promotoria de Justiça para prestar declarações no dia 21 de maio de 2014, que na ocasião, ressaltou o seu sofrimento, in-clusive porque seu outro filho, Anderson Faria, também foi vítima de homicídio por moti-vo racial no ano de 2008, nesta capital. 2)A motivação racial é nor-malmente explícita ou implí-cita?Como regra, a motivação racial é implícita, sendo camuflada pelas circunstâncias do crime e muitas vezes não fica claramen-te evidenciada após as investiga-ções policiais. 3)Como se deu a iniciativa de criar o projeto de Lei?A ideia de obter o apoio para apresentação do Projeto de Lei nº 7.749/2014 adveio após reuniões com integrantes de movimentos sociais ocorrida no bojo do procedimento adminis-trativo que tutela os direitos da senhora Cleonice, objetivando

discutir e analisar a situação dos direitos e garantias pertencentes à população negra de Campo Grande que teve ampla partici-pação da sociedade e de autori-dades ligadas à causa. Após essa mobilização, surgiu a iniciativa de procurar o Deputa-do Federal pelo Estado de Mato Grosso do Sul, Fábio Trad, inte-grante da Comissão de Consti-tuição e Justiça da Câmara dos Deputados, e de levar ao mes-mo a necessidade de inserir uma qualificadora específica para os delitos de homicídio com moti-vação racial. Na oportunidade, o Deputado Fábio Trad foi ex-tremamente sensível à temática e encampou a proposta, sendo que após reunião com esta Pro-motora de Justiça, apresentou de imediato o Projeto de Lei, com devidas justificativas. 4)O PL vai alterar também as circunstâncias agravantes do artigos 61, que trata dos cri-mes em geral?Não, referido projeto vai acres-centar uma qualificadora espe-cífica ao crime de homicídio (artigo 121, §2º, CP), qual seja: - por motivo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

67ª Promotora de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público do Mato Grosso do Sul , Jaceguara Dantas da Silva Passos

A promotora de Justiça Jaceguara Dantas tem 22 anos de carreira no Ministério Público de Mato Grosso do Sul, é mestre em Direito Constitucional pela PUC São Paulo e doutoranda pela mesma academia. Neste ano de 2014, está representando o MPMS no Comitê Gestor Nacional do projeto Racismo: Conhecer para En-frentar. Jaceguara Dantas é natural de Guajará Mirim, Rondônia.

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06 | Julho / Agosto 2014 - gt racismo - mppe

Entra para a história Mercedes Baptista: referência na dança afro-brasileira, militante da arte, cultura e identidade negra brasileira

Faleceu no dia 18 de agosto deste ano, a bailarina Mercedes Baptista, a primeira negra a ingressar no Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a partir de um exigen-te concurso público, em 1948. Nascida em 1921, no Campo de Goytacazes, Rio de Janeiro, Mercedes participou da seleção pública, que foi dividida em cin-co etapas, cada uma ministrada por um coreógrafo. Foi aprovada em quatro etapas, a quinta prova ninguém a avisou da data. Mer-cedes teve que lutar para fazer o último teste, que, posteriormen-te, foi autorizado, mas junto com os homens. Mercedes conquis-tou a vaga.

Mercedes foi admitida como bailarina profissional no dia 18 de março de 1948, ela, junta-mente com o bailarino Raul Soa-res se tornaram os primeiros bai-larinos negros a serem admitidos pelo Theatro Municipal do Rio, marcando a história da própria instituição.

No livro Mercedes Baptista – A criação da identidade negra na dança, de Paulo Melgaço da Silva Júnior, narra que em 1945, uma outra bailarina negra, Con-suelo Rios, havia sido vítima de racismo por não conseguir se ins-crever no concurso para o Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, apesar de sua excelente técnica clássica, porque o funcionário informou que só brancas se inscreviam. Esse fato foi publicado no jornal o Globo na época, o que pode ter favore-cido a Mercedes a conseguir se inscrever.

Apesar do ingresso no Corpo de Baile, Mercedes Baptista sen-tiu na pele a discriminação que a afastava da atuação no palco do Theatro. “Madeleine Rosay, Vas-

lav Veltchek, Edy Vasconcelos e Nina Verchinina me deram boas oportunidades na carreira, sem olhar a minha cor. Os proble-mas vieram depois. Eu me vi de repente excluída de tudo, e nem que pusesse um capacho cobrin-do meu rosto me deixavam pisar em cena. Só uma vez atravessei o palco usando sapatilhas de pon-tas e, ainda assim, lá no fundo”, narrou Mercedes numa entrevis-ta publicada pelo jornal O Glo-bo, em 25 de janeiro de 1981.

Em paralelo ao ingresso de Mercedes como bailarina profis-sional no Theatro, surgia no Rio de Janeiro o começo do Movi-mento Negro, no período da Se-gunda Guerra Mundial, a partir de 1945, quando diversos grupos se reuniam para discutir e bus-car caminhos para a valorização e reconhecimento da identidade cultural e social do negro. Segun-do Silva Júnior, um dos negros mais influentes dessa época e um dos precursores da luta em favor da queda da barreira racial no País foi Abdias Nascimento. Ele, juntamente com Solano Trinda-de, fundou, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN), com o objetivo de criar um am-plo movimento de educação, arte e cultura; e o Comitê Afro-Bra-sileiro, em 1945.

O TEN começou a promover, a partir de 1947, dois concursos anuais de beleza (para levantar a autoestima da mulher negra): Rainha da Mulata e Boneca de Pixe. Em 1948, Mercedes par-ticipou e foi eleita a Rainha das Mulatas. A partir desse fato, Mercedes e Nascimento inicia-ram uma grande relação de ami-zade e parceria no TEN, no qual atuou como bailarina, coreografa e colaboradora.

Com a chegada da bailarina

negra norte-americana Katherine Dunham, o TEN promoveu vá-rios eventos objetivando o inter-câmbio entre as culturas negras do Brasil e dos EUA, sendo uma das propostas oferecer uma bolsa de estudos, em Nova Iorque, para um artista brasileiro que se desta-casse. A escolhida foi a Mercedes Baptista. Alguns não concorda-ram, insinuavam a influência do Abdias Nascimento. No entanto, Celso Cardoso, ex-diretor do Instituto de Dança da FUNDA-CEM, que acompanhou a traje-tória artística da bailarina ressal-tou que: “na época, Mercedes era a bailarina que melhor assumia a condição de negra, já fazia parte do movimento negro, era a mais indicada”.

Mercedes teve direito à licença do Theatro, usando o argumento de que não era aproveitada no Corpo de Baile porque era ne-gra, portanto, não faria falta, se-gundo Silva Júnior. Em meados de 1950, Mercedes inicia a sua temporada na Dunham School of Dance, em Nova Iorque, na qual pode compreender como as raízes sociais e culturais da dança negra podem estar a serviço da coreografia, e sobretudo da luta pela igualdade racial, bem como que estava trabalhando num im-portante centro de pesquisa Nor-te-Americano para o desenvolvi-mento da dança negra.

A equipe era formada por bai-larinos negros de diversas nacio-nalidades. Mercedes explicou ao Jornal do Brasil no dia 11 de no-vembro de 1986 que o material obtido através dessas pesquisas era utilizado coreograficamente por Dunham, mas com a ressalva que deviam ser usados de forma criativa, não se tendo sentido apenas copiar a arte de um povo.

Ao retornar ao Brasil, após uma temporada de um ano e meio, Mercedes percebeu que, em relação a ela e a sua cor, nada tinha mudado, continuando sen-do subutilizada nos palcos do Theatro, mas a bailarina tinha voltado com uma grande baga-gem cultural e artística que pode-riam ser utilizados para construir novos espaços. No entanto, o que tinha aprendido nos Estados Unidos era diferente da cultura afro-brasileira, precisando que Mercedes iniciasse diversas pes-quisas, frequentasse terreiros de candoblé para conhecer a religio-sidade.

Com isso, fundiu o seu esti-lo, a partir da dança de ruas, seus conhecimentos de clássico e mo-derno e as informações recebidas pela religiosidade. Em 1952, deu início às aulas de dança, na Estudantina, para um grupo de negros, formado por filhos de santo, empregadas domésticas, balconistas, cozinheiros, desem-pregados etc. Era oferecido co-nhecimento de balé clássico, mo-derno e afro. No ano seguinte, nascia o Ballet Folclórico Merce-des Baptista, com o pioneirismo de criar novos rumos para dança negro no Brasil.

Desde a criação do grupo, em 1953 até quando começou a escassear em 1969, o trabalho foi direcionado para o Teatro Revista, shows e viagem, era a

Homenagem

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Recife, Julho / Agosto 2014 - gt racismo - mppe | 07

Dica de leitura

Melgaço, Paulo Jr.Fundação Cultural PalmaresRio de Janeiro2007

Mercedes Baptista - A criação da Identidade Negra na Dança

O livro de Paulo Melgaço traz a trajetória de vida de Mercedes Baptista e a sua contribuição para a identidade negra na dança. Foi a primeira bailarina a ingressar por meio de concurso o Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

necessidade do momento sem planejamento. Por isso, o Bal-let demorou a se apresentar nos teatros brasileiros em espetácu-los próprios, que veio acontecer em 1962, no teatro de Arena da Guanabara, com o título África.

Com esse espetáculo, em 1963, o Ballet Folclórico se apresentou no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Segundo Silva Júnior, foi uma grande vitória para Mercedes, que foi a produtora, diretora, coreografa, primeira bailarina de um grupo formado por apenas bailarinos negros, reconhecida nacionalmente, dançando na casa que por muito tempo a ig-norou como bailarina do Corpo de Baile.

Segundo Celso Cardoso, a grande fase do Ballet Folclóri-co Mercedes Baptista durou até mais ou menos 1966, depois o grupo de formação original co-meçou a se desintegrar.

Ingressou, em 1960, no Grê-mio Recreativo Escola de Samba Acadêmico do Salgueiro, por meio do convite de Fernando Pamplona, para ajudar com o en-redo Quilombo dos Palmares, que conquistou o título do carnaval daquele ano.

No livro biográfico, informa

que a escola de dança de Merce-des Baptista manteve suas portas abertas por aproximadamente 20 anos. Depois, uma conjunção de fatores, como o agravamento da saúde de seu marido, as is-quemias que a bailarina sofreu, aliados à crise financeira sofrida pelos brasileiros, fizeram com que Mercedes deixasse as aulas e encerrasse seu trabalho.

A valorização do seu trabalho nos EUA, diferentemente das di-ficuldades enfrentadas no Brasil, foi revelada pelo jornal O Globo, que publicou no dia 8 de julho de 1972, “praticamente desconhe-cida no Brasil, onde só conhe-cem seu nome os aficcionados da dança, Mercedes é apresentada no boletim do Dance Theatre do Harlem (DTH) como uma das personalidades mais conhecidas em todo o mundo como profes-sora de balé”.

Por fim, para encerrar um enredo que não cabe num jor-nal, Mercedes contribuiu nas coreografias afro-brasileiras para televisão. Seu último trabalho foi na novela Xica da Silva, em 1986, exibida na extinta rede Manchete.

Texto construído a partir da leitura do Livro Mercedes Baptis-ta, de Paulo Melgaço.

Na Bahia, a Secretaria de Educação colocou o livro de Paulo Melgaço da Silva Júnior: Mercedes Baptista – A criação da Iden-tidade Negra na Dança para os professores trabalharem em sala

de aula.

Dignidade

Indicação para professores da Bahia

Segundo Paulo Melgaço da Silva Júnior, o TEN tinha aversão à exploração de temá-ticas eróticas de baixo nível, que diminuía o valor artístico dos espetáculos e desrespeita-va o valor humano das artis-tas, especialmente as negras. Mercedes Baptista seguiria firme nessa direção, sempre atenta para a dignidade hu-mana de seus artistas e de suas artistas. Manteve uma postura de respeito e valorização da mulher negra desde os tempos em que, bem jovem, foi coro-ada Rainha das Mulatas em um dos concursos do TEN destinados a exaltar a beldades

e as qualidades das afro-bra-sileiras. Mas, assim como os concursos do TEN, Mercedes não conseguia escapar das ati-tudes que prevaleciam numa sociedade preconceituosa, de acordo com as quais a mulher negra artista seria sempre su-jeita às suposições e pré-julga-mentos negativos sobre o seu caráter moral. Vale destacar como uma de suas melhores qualidades a firmeza e a in-tegridade com que Mercedes Baptista construía, na sua atu-ação como artista e líder de sua classe, um exemplo digno e capaz de desmentir e comba-ter tais preconceitos.

Vídeo é um teaser sobre a bailarina

PDF do livro

Entra para a história Mercedes Baptista: referência na dança afro-brasileira, militante da arte, cultura e identidade negra brasileira

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08 | Recife, Janeiro / Fevereiro 2014 - gt racismo - mppe

GT RACISMO - MPPE

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