Do ponto de vista teórico, a pesquisa tem como objetivo colocar em discussão duas correntes

antropológicas distintas e em pleno choque: o (neo)estruturalismo francês, representado

principalmente pela figura de Françoise Héritier, discípula de Lévi-Strauss, e a teoria queer,

através dos escritos de Judith Butler. A escolha dessas teorias não é ao acaso, pesquisadores

filiados a elas têm se digladiado nas arenas do campo antropológico, devido à radicalidade

teórica de ambas as perspectivas quanto às questões de gênero. Se na França costuma-se

advogar política e teoricamente contra a homoparentalidade, a partir do conceito

estruturalista de “ordem simbólica”, fundada na classificação elementar dos dois gêneros, nos

Estados Unidos, por outro lado, defende-se o construtivismo histórico dessa oposição binária,

tentando evidenciar a impossibilidade de uma pré-discursividade dos gêneros, com objetivo

assim, de desnaturalizá-los. A partir dessas duas correntes, pretendo realizar um estado-da-

arte dos estudos antropológicos sobre gênero e parentesco, a fim de tentar dar conta

especificamente das proibições da homoconjugalidade e da homoparentalidade, encontradas

no mais diversos e difusos contextos etnográficos. Em outras palavras, duas perguntas deste

empreendimento são: Qual a origem estrutural e as consequências quanto à organização

social da proibição da conjugalidade, parentalidade e sexualidade entre indivíduos do mesmo

sexo? Que riscos sociais essa organização parental representa que justificaria a fortíssima

resistência em implementá-la? Suspeita-se desde já que o medo e a aversão a essas práticas e

modelos parentais têm razões mais profundas na cognição humana do que suspeitam as

teorias antropológicas vigentes. Para tentar respondê-las, essa pesquisa se focará

etnograficamente no arquipélago de Cabo Verde, África. Tal escolha tem a vantagem de

acompanhar a recente emergência das identidades gays e dos grupos organizados pela causa

GLBT naquele país, sendo confrontados pelos mais rígidos valores tradicionais locais.