PROJETO DE UM SISTEMA DE MAPEAMENTO DE ROTA...

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PROJETO DE UM SISTEMA DE MAPEAMENTO DE ROTA TECNOLÓGICA (TRM) PARA A ESTRUTURAÇÃO DE UM PROGRAMA DE DESCOBERTA E DESENVOLVIMENTO DE DROGAS Jonathan Simões Freitas (NTQI/UFMG) [email protected] Juliana Paolucci Almeida (NTQI/UFMG) [email protected] Júlio Cézar Fonseca de Melo (NTQI/UFMG) [email protected] Veronica Mariana Oliveira Soares (NTQI/UFMG) [email protected] Lin Chih Cheng (NTQI/UFMG) [email protected] A estratetização visual tem sido apontada como uma prática que permite lidar com vários dos desafios cognitivos, sociais e emocionais enfrentados no processo de tomada de decisão em grupo. Dentre os métodos que utilizam representações visuaais interativas com essa finalidade, o chamado “Mapeamento de Rota” (Roadmapping) ocupa posição de destaque. Em especial, o Mapeamento de Rota Tecnológica (Technology Roadmapping, TRM), tem sido amplamente utilizado em diversas organizações de base tecnológica (OBTs) ao redor do mundo como ferramental de suporte ao planejamento conjunto do desdobramento de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ao longo do tempo. Nesse contexto, a adaptação do conteúdo e da forma do mapeamento (roadmap e roadmapping) para o escopo e o objetivo específicos de cada aplicação coloca-se como o principal determinante do sucesso do emprego desse método de visualização. Contudo, a avaliação da adequação substantiva e procedural do sistema de mapeamento projetado ao contexto organizacional em questão raramente tem sido feita. Além disso, os motivos subjacentes às adaptações realizadas e, conseqüentemente, os balizadores do processo de projeto do sistema de TRM permanecem obscuros. Nesse sentido, este trabalho consistiu num projeto de pesquisa-ação em uma OBT pública nacional que objetivou adaptar o TRM para a estruturação de um programa de descoberta e desenvolvimento de drogas (DDD), explicitando as justificativas da proposta formulada e avaliando sua viabilidade, usabilidade e utilidade para os membros da organização até o momento. Os resultados parciais obtidos explicitam, por meio de um exemplo concreto, o desenrolar de um processo de XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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  • PROJETO DE UM SISTEMA DE

    MAPEAMENTO DE ROTA

    TECNOLÓGICA (TRM) PARA A

    ESTRUTURAÇÃO DE UM PROGRAMA

    DE DESCOBERTA E

    DESENVOLVIMENTO DE DROGAS

    Jonathan Simões Freitas (NTQI/UFMG)

    [email protected]

    Juliana Paolucci Almeida (NTQI/UFMG)

    [email protected]

    Júlio Cézar Fonseca de Melo (NTQI/UFMG)

    [email protected]

    Veronica Mariana Oliveira Soares (NTQI/UFMG)

    [email protected]

    Lin Chih Cheng (NTQI/UFMG)

    [email protected]

    A estratetização visual tem sido apontada como uma prática que

    permite lidar com vários dos desafios cognitivos, sociais e emocionais

    enfrentados no processo de tomada de decisão em grupo. Dentre os

    métodos que utilizam representações visuaais interativas com essa

    finalidade, o chamado “Mapeamento de Rota” (Roadmapping) ocupa

    posição de destaque. Em especial, o Mapeamento de Rota Tecnológica

    (Technology Roadmapping, TRM), tem sido amplamente utilizado em

    diversas organizações de base tecnológica (OBTs) ao redor do mundo

    como ferramental de suporte ao planejamento conjunto do

    desdobramento de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ao

    longo do tempo. Nesse contexto, a adaptação do conteúdo e da forma

    do mapeamento (roadmap e roadmapping) para o escopo e o objetivo

    específicos de cada aplicação coloca-se como o principal determinante

    do sucesso do emprego desse método de visualização. Contudo, a

    avaliação da adequação substantiva e procedural do sistema de

    mapeamento projetado ao contexto organizacional em questão

    raramente tem sido feita. Além disso, os motivos subjacentes às

    adaptações realizadas e, conseqüentemente, os balizadores do

    processo de projeto do sistema de TRM permanecem obscuros. Nesse

    sentido, este trabalho consistiu num projeto de pesquisa-ação em uma

    OBT pública nacional que objetivou adaptar o TRM para a

    estruturação de um programa de descoberta e desenvolvimento de

    drogas (DDD), explicitando as justificativas da proposta formulada e

    avaliando sua viabilidade, usabilidade e utilidade para os membros da

    organização até o momento. Os resultados parciais obtidos explicitam,

    por meio de um exemplo concreto, o desenrolar de um processo de

    XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.

    São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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    projeto de sistema de mapeamento tido como bem-sucedido,

    salientando a dinamicidade das adaptações realizadas. Indicativos de

    padrões nos mapas obtidos e nos mapeamentos efetuados são

    identificados, contribuindo para o refinamento do recente framework

    arquitetural proposto para fundamentação do método.

    Desdobramentos da pesquisa e sugestões para trabalhos futuros são,

    por fim, apontados.

    Palavras-chaves: Gestão de Tecnologia, Technology Roadmapping -

    TRM, Mapeamento de Rota Tecnológica, Estratetização Visual,

    Descoberta e Desenvolvimento de Drogas

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    1. Introdução

    Organizações de base tecnológica (OBTs) são organizações nas quais a tecnologia é tida

    como o principal recurso disponível (GRINSTEIN & GOLDMAN, 2006). Nesse tipo

    organizacional específico, portanto, a gestão de tecnologia diferencia-se como um processo

    gerencial de fundamental importância (GREGORY, 1995). Concebido como uma capacidade

    dinâmica, esse processo visa estabelecer e manter o alinhamento entre recursos tecnológicos e

    objetivos organizacionais (CETINDAMAR, PHAAL, & PROBERT, 2009). Nesse contexto,

    ao Mapeamento de Rota Tecnológica – Technology Roadmapping (TRM) – tem sido atribuída

    destacada relevância (PHAAL, FARRUKH, & PROBERT, 2004a).

    Pertencente à classe de métodos denominada “Mapeamento de Rota” (Roadmapping), o TRM

    se configura como um suporte ferramental distintivo à chamada “estratetização visual”

    (EPPLER & PLATTS, 2009), no contexto da gestão de tecnologia (PHAAL, FARRUKH, &

    PROBERT, 2006). Afinal, fundamentado na aplicação sistemática da visualização como

    forma de auxílio à superação de desafios cognitivos, sociais e emocionais envolvidos no

    processo de formação de estratégias de pesquisa e desenvolvimento (P&D), esse método

    propicia o planejamento e controle das rotas tecnológicas a serem percorridas por

    pesquisadores para que um fluxo satisfatório de produtos da organização para o mercado

    possa ser mantido ao longo do tempo (EPPLER & PLATTS, 2009; PHAAL et al., 2004a).

    A adequada adaptação do conteúdo (i.e. mapa) e do processo (i.e. mapeamento) genéricos do

    TRM ao contexto organizacional específico em que será aplicado, entretanto, é crítica para

    que haja uma efetiva apropriação dos benefícios potenciais de seu uso pelos membros da

    organização (PHAAL & MULLER, 2008). Contudo, a avaliação dessa adequação e a

    explicitação dos motivos subjacentes às escolhas substantivas e procedurais realizadas têm

    sido, até o momento, aspectos comumente negligenciados nas publicações acadêmicas

    correlatas. Dessa forma, pouco se sabe sobre os determinantes do sucesso da adaptação do

    método e os fatores intervenientes nesse processo.

    Portanto, visando contribuir para a superação dessa lacuna na literatura acadêmica, o trabalho

    realizado teve por objetivo projetar um sistema de mapeamento de rota tecnológica adaptado a

    uma situação problemática particular, justificando as decisões metodológicas tomadas e

    avaliando a adequação da adaptação proposta.

    2. Referencial teórico

    A característica essencial do Mapeamento de Rota Tecnológica é o uso de uma estrutura

    gráfica que represente múltiplas camadas interdependentes ao longo do tempo (PHAAL &

    MULLER, 2008) – ver Anexo A para um exemplo. Essas dimensões interligadas devem ser

    tais que permitam a representação de desenvolvimentos de tecnologia motivados tanto por

    demandas do mercado (i.e. market-pull) quanto por capacidades da organização (i.e.

    technology-push), resultando em um mapa de rotas tecnológicas, o technology roadmap

    (PHAAL et al., 2004ª). Nesse contexto, o processo do TRM consiste no mapeamento dessas

    rotas (i.e. technology roadmapping), a partir da orquestração da discussão entre representantes

    das diferentes perspectivas relacionadas às camadas utilizadas (PHAAL et al., 2004a).

    Um mapa e um processo de mapeamento genéricos foram propostos no chamado “T-Plan” –

    uma abordagem para iniciar rapidamente o uso do método em uma organização (PHAAL,

    FARRUKH, & PROBERT, 2001). Nessa proposta, prevê-se, de um ponto de vista

    substantivo, o mapeamento da co-evolução de três camadas principais: mercado, produto e

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    tecnologia. Nesse sentido, propõe-se, no âmbito procedural, a realização de quatro oficinas de

    trabalho (i.e. workshops) sequenciais, sendo as três primeiras dedicadas a cada camada

    separadamente (indo da de mercado para a de tecnologia) e a última, ao mapeamento das

    relações entre elas (PHAAL et al., 2001).

    Apesar de propiciar uma apreciação rápida dos benefícios do método, esse padrão para o

    conteúdo e o processo do TRM não se aplica plenamente, em geral, aos contextos

    organizacionais específicos em que os trabalhos serão realizados (PHAAL et al., 2001). Dessa

    forma, uma aguçada sensibilidade contextual no planejamento (e ao longo) da aplicação faz-

    se necessária, a fim de que possam ser concebidos formatos de mapa e formas de mapeamento

    que sejam particularmente adequados à organização (PHAAL et al., 2004b).

    Nesse sentido, um framework foi recentemente proposto visando orientar a concepção de um

    sistema de mapeamento de rotas (i.e. roadmapping system) em seus aspectos substantivos e

    procedurais (PHAAL & MULLER, 2008). Constituindo-se como uma primeira tentativa de

    explicitação de princípios subjacentes ao projeto do conteúdo e do processo do método, esse

    trabalho representa uma pioneira contribuição conceitual para a sistematização da tarefa de

    adaptação do TRM a diferentes contextos de aplicação.

    No que se refere à concepção dos mapas de rota, propõe-se que o projeto do sistema de

    mapeamento deve levar em consideração pelo menos duas dimensões: horizonte de tempo –

    tipicamente, o eixo horizontal – e camadas – tipicamente, o eixo vertical. Na primeira, podem

    ser consideradas as perspectivas de passado, presente e futuro – sendo que este pode ser

    subdivido em curto, médio e longo prazos. Na segunda, as camadas utilizadas devem servir

    como “lentes” para se refletir, de maneira sistêmica, sobre a evolução tecnológica no contexto

    da evolução de outros aspectos que a constrangem e/ou que são por ela constrangidos. Nesse

    sentido, camadas que permitam a exploração de explicações (know-why) e de implicações

    (know-how) da evolução de aspectos (know-what) relevantes para o planejamento do

    desenvolvimento de tecnologia ao longo do tempo (know-when) devem ser escolhidas. Como

    diretriz, propõe-se que a camada central represente o know-what, a camada superior, o know-

    why, e a inferior, o know-how, sendo o know-when representado no outro eixo. Além disso,

    decisões sobre espaço reservado para cada parte do mapa, formas de anotação da visão dos

    participantes, uso de estruturas auxiliares para análise de relações (e.g. grids) e modos de

    hierarquização dos roadmaps para lidar com diferentes níveis de granularidade da informação

    devem ser tomadas. O mais importante, porém, é que cada mapa “conte”, visualmente, uma

    história, fornecendo uma linguagem comum aos envolvidos, para que, por meio da promoção

    do processo comunicativo, haja a facilitação da estratetização em grupo.

    Já no que diz respeito ao projeto do processo de roadmapping, a iteratividade é destacada

    como princípio fundamental. Nesse sentido, propõe-se a realização de múltiplas iterações do

    mapeamento, constituídas por atividades de ideação, reflexão divergente e convergente acerca

    das ideias levantadas e síntese das conclusões. Nesse contexto, prevê-se a realização de

    muitas iterações iniciais, seguidas por iterações mais longas e menos freqüentes em seguida.

    O trabalho de Phaal e Muller (2008) fornece, portanto, orientações valiosas para o projeto de

    sistemas de TRM. Contudo, os fatores balizadores das decisões envolvidas e os determinantes

    do sucesso dos sistemas projetados permanecem, ainda, obscuros, representando

    oportunidades de investigação para futuras pesquisas na área.

    3. Metodologia

    Visando lançar luz sobre essas questões ainda pouco abordadas na literatura revisada, este

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    trabalho consistiu num projeto de pesquisa-ação (COUGHLAN & COUGHLAN, 2002;

    EDEN & HUXHAM, 1996; THIOLLENT, 1997) voltado para a adaptação do TRM a um

    contexto organizacional específico, explicitando as razões para as decisões de projeto tomadas

    e avaliando o sucesso do sistema proposto. Essa estratégia metodológica foi considerada

    adequada aos objetivos do trabalho, uma vez que a problemática pesquisada mostra-se

    complexa e pouco explorada, demandando uma forte interação dos pesquisadores com o

    objeto de pesquisa (RAPOPORT, 1970).

    Uma vez adotada essa metodologia, houve, ao longo da pesquisa, um processo iterativo de

    diagnóstico do problema, planejamento da ação, intervenção, avaliação e consolidação do

    aprendizado (SUSMAN & EVERED, 1978), sendo essa construção conjunta dos resultados

    intermediada, basicamente, por entrevistas individuais (presenciais e por meio de

    questionário) e oficinas de trabalho.

    4. Caso

    Nesta seção, o caso é apresentado. Inicialmente, faz-se uma contextualização do problema

    abordado. Em seguida, o sistema de mapeamento projetado para essa situação problemática é

    descrito e justificado. O relato da operacionalização desse sistema, da retroalimentação

    dinâmica obtida e dos reprojetos realizados é, então, fornecido. Por fim, os resultados da

    avaliação da adequação da proposta ao contexto de aplicação do método são mostrados.

    4.1. Contextualização

    A pesquisa foi realizada entre março e abril de 2010, num centro de pesquisa (CP) de uma

    organização de base tecnológica pública nacional do setor de saúde. Nesse CP, como tende a

    ocorrer no âmbito das OBTs, o alto nível de especialização de pesquisadores leva a uma

    elevada diferenciação departamental, a qual, por sua vez, dificulta o desenvolvimento de

    atividades conjuntas.

    Nesse sentido, percebendo essa necessidade de maior integração de seus laboratórios, o

    referido Centro lançou, no fim de 2009, o Programa de Descoberta e Desenvolvimento de

    Drogas (P3D). Por meio do Programa, o CP espera estabelecer uma visão compartilhada que

    sirva como diretriz para esforços de P&D cooperativos e que esses transcendam os objetivos

    particulares de cada grupo de pesquisa.

    Para alcançar tal objetivo, faz-se necessário desenvolver canais de comunicação entre os

    diversos envolvidos no P3D, estabelecendo uma linguagem comum entre os participantes.

    Visando realizar esse processo, membros do CP, juntamente com os pesquisadores autores

    deste artigo e com uma empresa especializada em biotecnologia, propuseram à diretoria do

    Centro o Projeto Estruturante (PE) do P3D. O objetivo principal do PE é operacionalizar a

    reflexão, conjunta e periódica, no contexto do Programa, acerca das potencialidades

    sinérgicas da articulação das competências internas para o melhor cumprimento do papel

    multifacetado da instituição.

    Tendo em vista esse objetivo, foi concebida uma abordagem baseada no Mapeamento de Rota

    Tecnológica para orientar o processo. Afinal, o TRM possibilita a orquestração da discussão

    entre participantes representantes de diferentes pontos de vista, por estabelecer, visualmente,

    uma linguagem comum para subsidiar a definição de estratégias conjuntas de P&D.

    Como resultado final do projeto, esperava-se, nesse sentido, um mapa que representasse, ao

    longo do tempo, as rotas de desenvolvimento tecnológico a serem seguidas pelos

    pesquisadores para que novas drogas para o tratamento de doenças priorizadas pudessem ser

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    lançadas pelo Centro. Dessa forma, a maneira pela qual se daria o alinhamento entre as

    capacidades internas da organização e entre essas e as demandas externas de seu ambiente

    poderiam ser visualizadas, reorientando os projetos de pesquisa e criando, no CP, uma rotina

    de reflexão conjunta de P&D.

    Dada a estratégica relevância atribuída ao PE, o próprio diretor do referido Centro colocou-se

    como o “dono” (i.e. owner) do problema; como coordenador do projeto, foi designado o vice-

    diretor de gestão; e, como subcoordenador, um dos 23 pesquisadores doutores participantes

    do P3D, visando garantir a realização das atividades pelos demais envolvidos.

    4.2. Projeto inicial do sistema

    Definidos o objetivo, o escopo e os participantes do projeto, foi projetada, a partir de reuniões

    com os coordenadores, uma proposta inicial para o sistema de mapeamento de rota

    tecnológica, em seus aspectos substantivos e procedurais, conforme descrito a seguir.

    4.2.1. Conteúdo

    A dimensão temporal dos mapas projetados foi dividida em passado, passado-presente e

    futuro, refletindo, respectivamente, os seguintes fatos constatados com a coordenação:

    Passado: alguns projetos de desenvolvimento e aplicação de tecnologia que não são mais realizados no presente poderiam ter influência sobre a estratégia de P&D atual e futura do

    CP – podendo, inclusive, ser retomados;

    Passado-presente: vários dos projetos de desenvolvimento e aplicação de tecnologia realizados no presente foram iniciados no passado – ainda que no passado recente;

    Futuro: as rotas de desenvolvimento tecnológico a serem seguidas pelos pesquisadores deveriam ser relacionadas às rotas seguidas até o presente (i.e. path dependence).

    No que diz respeito ao eixo vertical, as camadas foram divididas por categorias de conteúdo,

    sendo prevista a representação da evolução, na camada central, da base tecnológica do grupo

    envolvido no P3D; na camada superior, do ambiente externo à esfera de atuação direta desse

    grupo; e, na camada inferior, do ambiente interno. Essa divisão distinguiria claramente, assim,

    os aspectos ambientais (relacionados à tecnologia) sobre a evolução dos quais o grupo do P3D

    teria poder direto de intervenção (i.e. “internos”) dos demais (i.e. “externos”).

    Nesse sentido, a categoria de conteúdos relativos ao ambiente externo foi, ainda, diferenciada

    nas seguintes subcamadas:

    Macroambiente: referente a conteúdos que extrapolam os limites do próprio setor de saúde (e.g. tendências e direcionadores na pesquisa básica internacional: renovação do interesse

    pela química de produtos naturais, evolução de ferramentas moleculares etc.);

    Mercado: referente a conteúdos relacionados especificamente ao setor de saúde (e.g. falta de investimento das indústrias farmacêuticas nas doenças chamadas “negligenciadas”;

    inexistência de formulação infantil para droga de combate à Doença de Chagas etc.);

    Instituição/Órgão: referente a conteúdos relacionados ao CP ou à própria OBT (e.g. diretrizes que contingenciam o trabalho do P3D: uso da bioinformática para rastreamento

    de novas entidades químicas; constituição de uma extratoteca etc.).

    Semelhantemente, a camada relativa ao ambiente interno foi subdividida nos três tipos de

    recursos percebidos pelos autores como principais na perspectiva dos coordenadores: físicos

    (e.g. equipamentos); humanos (e.g. contratações); e sociais (e.g. parcerias) – ver Anexo A.

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    Assim, diferentemente do que se sugere na literatura (PHAAL & MULLER, 2008), as

    camadas e subcamadas foram definidas com base na categoria de conteúdo que

    representariam, e não no tipo de conhecimento envolvido (i.e. know-what, know-why, know-

    how). Afinal, partiu-se da premissa de que um mesmo conteúdo pode representar mais de um

    tipo de conhecimento, dependendo de suas relações. Um equipamento, por exemplo, pode ser

    tanto a motivação – know-why – para o desenvolvimento de uma tecnologia quanto sua

    implicação – know-how. Afinal, o interesse pelo desenvolvimento de uma tecnologia pode ter

    sido tanto uma decorrência da aquisição de um equipamento quanto a sua causa. Nesse

    sentido, optou-se por representar o tipo de conhecimento, alternativamente, nas ligações entre

    diferentes conteúdos, de tal forma que a orientação da seta representasse a direção de

    causalidade pressuposta.

    4.2.2. Processo

    A partir de uma reunião preliminar com os coordenadores, ficou claro que a unidade de

    análise do mapeamento deveria ser “doença”, pois, dessa forma, em um mesmo mapa,

    pesquisadores de diferentes áreas tecnológicas teriam que refletir sobre possibilidades de

    integração de suas competências para uma finalidade comum (i.e. nova droga). Assim, o

    planejamento do desenvolvimento tecnológico de maneira desintegrada e desvinculada de um

    resultado para o mercado seria evitado (como poderia ocorrer caso a unidade de análise

    tivesse sido definida, por exemplo, como “laboratório”).

    Contudo, de acordo com os coordenadores, mesmo priorizando-se as chamadas “doenças

    negligenciadas” (DNs), pelo alto apelo social que têm, certamente não haveria, a priori, um

    consenso acerca de qual delas escolher (e.g. pelo fato de diferentes pesquisadores serem

    especializados em diferentes doenças). Nesse sentido, caso fosse grande a quantidade de

    doenças (negligenciadas) que teriam que ser levadas em consideração para que nenhum dos

    envolvidos no P3D fosse excluído do processo, a unidade de análise teria que ser repensada,

    devido ao curto prazo estabelecido pela instituição para realização do PE.

    Porém, ao analisarem o histórico de pesquisa dos participantes do Programa, os

    coordenadores observaram que, considerando-se apenas DNs, o mapeamento de quatro

    doenças poderia ser suficiente para envolver todos os participantes de maneira satisfatória em

    tempo hábil. Portanto, foi definido que, inicialmente, os 23 pesquisadores inscritos no P3D

    seriam divididos, por competência e interesse, em quatro equipes (uma por doença), podendo

    um mesmo pesquisador participar de mais de uma equipe, mas não havendo possibilidade de

    não participar de nenhuma.

    Com cada equipe, seria realizada uma primeira oficina de trabalho, visando à explicitação das

    partes das trajetórias tecnológicas que os interessados seguiram até o momento que tivessem

    relação com a doença em questão. O objetivo desse mapeamento interno, centrado nas

    perspectivas de passado e passado-presente, seria começar o mapeamento por aquilo que é

    mais familiar para os pesquisadores – sua própria história de P&D –, dando-lhes segurança

    para participação no processo e nivelando o conhecimento do grupo quanto ao que já foi feito

    na instituição em relação àquela doença.

    A partir dessa representação dos direcionamentos de pesquisa de cada envolvido ao longo dos

    últimos anos, um mapeamento externo, voltado para a identificação de balizadores das

    possíveis trajetórias futuras a serem seguidas, seria realizado. O objetivo dessa etapa seria,

    portanto, levantar, com cada equipe, informações externas relevantes (e.g. depósitos de

    patentes, testes clínicos em andamento etc.) para uma reavaliação crítica das tendências

    internas de P&D.

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    Após a recuperação do histórico tecnológico dos participantes e a varredura do ambiente

    externo, seria feita uma segunda rodada de mapeamento interno, centrada, desta vez, na

    definição da trajetória futura do P3D em relação à doença em questão. O objetivo desse novo

    mapeamento seria, portanto, não mais o de apenas explicitar as trajetórias pessoais, mas o de,

    fundamentado nelas, planejar estratégias conjuntas de P&D para o avanço rumo à descoberta

    e ao desenvolvimento de drogas.

    Dessa forma, todos teriam a oportunidade de praticar o processo e de contribuir com a sua

    especialidade no mapeamento relativo a pelo menos uma doença. Ao final, a partir dos

    trabalhos feitos pelas equipes, o grupo, como um todo, já teria embasamento suficiente para

    selecionar uma das doenças, em especial, para refinamento, em conjunto, do respectivo mapa.

    Nesse sentido, no fim do processo projetado, consistentemente com o que havia sido definido

    como o objetivo da aplicação do método, foi previsto um mapeamento-piloto da trajetória a

    ser seguida pelos envolvidos no P3D em relação a uma doença considerada “alvo”. Devido ao

    prazo determinado para realização do PE, esse mapa foi caracterizado como “piloto”, visando

    servir de referência para que, em consonância com os objetivos da pesquisa-ação, os próprios

    membros da organização possam revisá-lo e replicá-lo para as outras doenças futuramente.

    Especificamente no que diz respeito aos procedimentos para o mapeamento, foi decidido, em

    conformidade com a prática comum, registrada na literatura (PHAAL et al., 2001), que post-

    its seriam utilizados para representação, por parte dos autores, das ideias (i.e. elementos e

    ligações) dos membros de cada equipe em um grande mapa feito à mão, de papel, preso à

    parede. Pressupunha-se que essa abordagem se mostraria descomplicada e eficaz, favorecendo

    a participação de todos, o foco no mapa e a identificação de interfaces entre trajetórias.

    Posteriormente, os mapas seriam digitalizados e impressos, para refinamento pela equipe e

    compartilhamento com os demais participantes do Programa.

    4.3. Operacionalização do sistema, retroalimentações e reprojetos

    Até o momento, o processo projetado não foi ainda concluído, estando a pesquisa, atualmente,

    na fase de mapeamento externo. Portanto, o relato contido nesta seção limita-se à descrição da

    operacionalização da etapa de inicialização e da primeira rodada de workshops. Contudo, já é

    possível identificar no relato alguns fatores intervenientes nos reprojetos do sistema.

    A operacionalização do mapeamento teve como marco inicial uma reunião com todos os

    envolvidos no P3D, para apresentação formal do projeto. Na ocasião, foram validados o

    objetivo, a estrutura organizacional, o processo geral e o cronograma das atividades. Também

    foram definidas as quatro principais doenças de interesse, delimitando-se o escopo do

    trabalho. Por fazerem parte do grupo classificado como “doenças negligenciadas” e por serem

    pesquisadas por parcelas significativas dos pesquisadores do P3D, a Doença de Chagas, as

    leishmanioses, a esquistossomose e a dengue foram escolhidas. Em média, 10 pesquisadores

    se candidataram por doença de interesse. Dois integrantes de cada equipe foram escolhidos

    para liderar os demais e representá-los quando necessário. Dessa forma, nas quatro semanas

    subseqüentes, cada uma dessas doenças foi o tema de uma oficina de trabalho em grupo para

    mapeamento interno, nas perspectivas de passado e passado-presente.

    A fim de fazer um pré-teste do processo inicialmente projetado para esse mapeamento, foi

    realizada uma reunião, antes da primeira oficina, apenas com a subcoordenadora do PE,

    visando simular, a partir do mapeamento de sua trajetória relacionada à Doença de Chagas,

    situações de provável ocorrência nos workshops. Ao contrário do que se pensava, constatou-

    se, a partir dessa simulação, que a trajetória dos pesquisadores que trabalham em uma mesma

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    área de conhecimento (e.g. química, imunologia, genômica, ensaios biológicos) é muito

    semelhante e que, portanto, a expectativa de representação de histórias individuais não era

    aderente à situação. Ficou decidido, então, que os participantes de cada oficina seriam

    divididos em subgrupos relativos à sua competência, a fim de os membros de cada subgrupo

    mapearem, juntos, sua história compartilhada.

    Desse pré-teste, observou-se, também, que o tempo previsto para o mapeamento estava

    subestimado e que um período maior deveria ser reservado para a geração e representação das

    ideias. Por fim, percebeu-se, ainda, que a representação das relações entre os elementos

    deveria ser feita à parte do mapa, como forma de consolidação da história contada.

    Com base nesses aprendizados, foi feita, no primeiro workshop, uma breve apresentação do

    processo da oficina a todos os participantes, utilizando-se o exemplo elaborado anteriormente

    pela subcoordenadora como ilustrativo do resultado esperado. Uma agenda foi, também,

    proposta, prevendo-se uma (1) hora para a representação da trajetória de cada grupo no mapa

    e a hora restante para a apresentação da história de cada equipe para as demais, visando-se

    identificar relações e pontos de discussão.

    Feita essa introdução, três subgrupos de especialidades técnicas foram formados, ficando pelo

    menos um dos autores em cada subgrupo, visando facilitar o processo. Todos optaram por

    fazer, inicialmente, um brainstorm das trajetórias, registrando-as em rascunho, para,

    posteriormente, redigir os elementos principais nos post-its que seriam afixados ao mapa. Tal

    procedimento implicou em um tempo maior do que havia sido previsto para essa atividade,

    principalmente em um subgrupo em que havia mais de uma história para ser representada.

    Como conseqüência, não foi possível mapear as relações entre os post-its e o tempo para as

    apresentações das histórias foi reduzido pela metade. Tal redução foi indesejável, pois várias

    discussões interessantes foram suscitadas neste momento, levando, inclusive, à identificação,

    por parte do coordenador, de uma possibilidade (efetivada nas semanas seguintes) de

    integração entre duas áreas, até então não vislumbrada. Apesar desse tempo reduzido, a

    impressão geral, contudo, foi a de que o processo havia sido muito proveitoso.

    A partir da experiência da primeira oficina, foram feitas algumas alterações para o segundo

    workshop, que teve como tema as leishmanioses. Novamente, foi feita uma breve introdução,

    já utilizando-se como exemplo, dessa vez, o mapa feito para a doença anterior. Um dos

    subgrupos havia comentado na oficina anterior que sua história seria muito semelhante nessa

    doença; então, para facilitar, foram levados prontos os post-its da trajetória anteriormente

    representada. De fato, a base da história era semelhante, mas a presença de uma pessoa

    diferente no subgrupo a enriqueceu de maneira inesperada.

    Outra observação interessante refere-se ao fato de que uma das participantes de outro

    subgrupo, que havia participado da oficina anterior, levou suas histórias já anotadas em post-

    its para a oficina, demonstrando grande interesse pela atividade e entendimento da dinâmica;

    nas suas palavras: “Fiquei pensando na minha história a semana inteira”.

    Mais uma vez, contudo, não foi possível fazer as relações entre os elementos das histórias.

    Houve, também, grande discrepância no número de participantes de cada subgrupo e, em

    geral, os subgrupos com maior número de pessoas envolvidas mostraram-se mais complexos,

    gerando múltiplas histórias interligadas. Além disso, apesar de ter sido disponibilizado um

    tempo maior para discussão, este ainda não foi suficiente. Por fim, constatou-se que, durante

    as apresentações das histórias, os participantes ficaram confusos com a quantidade de post-its

    não relacionados no mapa e a falta de critério para o posicionamento dos mesmos, o que não

    favoreceu a visualização da linha de raciocínio seguida. De qualquer forma, comentários

  • 10

    como “Estou ainda mais apaixonada com a instituição depois deste projeto” e “Todos que

    entrassem aqui deveriam ter contato com esse trabalho” foram feitos espontaneamente por

    participantes, ao final da oficina.

    Na terceira semana, foi realizado o workshop de esquistossomose, o qual, por sua vez,

    apresentou algumas mudanças significativas com relação aos dois anteriores. Decidiu-se que

    seria feito um mapa por subgrupo (ao invés de um mapa para toda a equipe), a fim de evitar a

    dificuldade de apresentação constatada na oficina anterior. Assim, cada subgrupo se reuniu ao

    redor de seu próprio mapa para a construção de sua trajetória. Esse novo processo também

    evitou a necessidade de um rascunho, já que os post-its eram redigidos e inseridos no mapa no

    momento em que a história era contada. O fato de não ter sido necessário separar um período

    específico para a afixação dos post-its resultou numa redução significativa do tempo gasto

    com a representação das histórias. Dessa forma, a maioria dos grupos pôde explicitar,

    também, as relações de causalidade entre as ideias, por meio de setas nos próprios mapas. O

    tempo de discussão no final foi, assim, ainda maior, o que foi muito importante visto que,

    nessa semana, compareceram à oficina algumas pessoas externas ao P3D que enriqueceram

    muito o debate. Foi possível registrar vários pontos críticos a serem melhor analisados.

    Para finalizar a primeira rodada de workshops, foi realizado o mapeamento da trajetória de

    pesquisas em dengue na instituição. Devido aos resultados positivos obtidos na última oficina,

    os autores julgaram ter chegado a um processo de intervenção adequado ao contexto de

    aplicação. Todos os subgrupos fizeram a relação entre os post-its de forma a contarem,

    visualmente, uma história. Outros fatores também podem ter contribuído para tal fato, como o

    número reduzido de participantes e a presença de membros que haviam participado de outras

    oficinas. O tempo de discussão foi considerado apropriado e suficiente para o estabelecimento

    dos pontos críticos para avaliações posteriores.

    Todos os mapas elaborados em todos os workshops (i.e. 11 mapas) foram posteriormente

    digitalizados e refinados, obtendo-se, em todos os casos, a(s) história(s) completa(s) de cada

    subgrupo. Um exemplo ilustrativo dos padrões observados nos mapas é dado no Anexo A.

    Diferentes tipos de representação foram utilizados para as relações (identificadas, no Anexo

    A, pelas letras A, B, C, D e E). Destaque é dado para as setas do tipo C, que representam

    pontos considerados críticos durante a discussão com todos os demais subgrupos, e às do tipo

    E, que representam relações entre as histórias de diferentes subgrupos. Quanto à

    representação dos elementos dos mapas, em si, ressalta-se o pequeno povoamento do setor

    dedicado ao “futuro” (por não ter sido o foco do mapeamento) e a concentração de post-its na

    região referente ao “passado” em se tratando de ambiente externo, o que evidencia a

    tendência, na instituição, a enxergar o desenvolvimento interno de tecnologia como uma

    decorrência direta de mudanças estruturais externas, privilegiando a perspectiva outside-in.

    4.4. Avaliação da adequação do sistema ao contexto

    A avaliação da adequação do sistema de mapeamento (projetado e reprojetado) ao contexto

    organizacional específico em que se deu a pesquisa foi realizada pelos participantes da

    primeira rodada de oficinas do P3D utilizando-se o questionário proposto por Eppler e Platts

    (2009), estando os resultados mostrados na Tabela 1.

    Nível de concordância

    0 1 2 3 Ainda

    não tenho

  • 11

    (Discordo

    totalmente)

    (Concordo

    totalmente)

    condições

    para

    avaliar

    Disponibilidade de informação: a coleta das

    informações a serem incorporadas no

    mapeamento foi viável

    7,69% 84,62% 7,69%

    Tempo: a agenda proposta para o mapeamento

    foi apropriada 30,77% 61,54% 7,69%

    Participação: foi possível que todos

    participassem do mapeamento 7,69% 30,77% 53,85% 7,69%

    Clareza: o processo de mapeamento foi claro 7,69% 92,31%

    Facilidade de uso: o mapeamento foi fácil de ser

    realizado 46,15% 46,15% 7,69%

    Adequação: o processo adotado foi adequado

    para a situação em questão 15,38% 69,23% 15,38%

    Relevância: O mapeamento e o mapa resultante

    foram relevantes 15,38% 15,38% 61,54% 7,69%

    Benefício: O mapeamento e o mapa resultante

    serão úteis 23,08% 61,54% 15,38%

    Facilitação: A facilitação do processo por

    pessoas externas à organização foi útil 7,69% 84,62% 7,69%

    Tabela 1 – Resultados da avaliação da adequação do sistema proposto, omitindo-se os valores iguais a 0,00%

    Como se pode observar, em todos os itens, os maiores percentuais de resposta

    corresponderam à opção “concordo totalmente”, indicando uma forte concordância dos

    participantes do Programa quanto à adequação do sistema de mapeamento proposto ao

    contexto do projeto em questão. A “facilidade de uso” foi o único item para o qual o nível de

    concordância máximo não foi superior a 50%, apontando para a necessidade de se simplificar

    ainda mais o método ao introduzi-lo em um novo contexto. Os itens relativos ao “tempo” e à

    “participação” também tiveram percentuais significativos de concordância em nível 2,

    refletindo a inadequação da agenda proposta para as duas primeiras oficinas, a qual limitou o

    tempo e a participação no período de apresentação e discussão das histórias. Por fim, houve

    um percentual significativo de respostas correspondentes à opção “ainda não tenho condições

    para avaliar” para os itens “relevância” e “benefício”, refletindo o fato de o processo ainda

    não ter sido concluído e, portanto, não ter cumprido, plenamente, o objetivo inicial do PE.

    De modo geral, contudo, as respostas indicam uma avaliação altamente positiva do sistema

    projetado, o que foi reforçado pelos comentários por extenso incluídos por vários dos

    respondentes: “Estamos gostando do processo, pois está gerando mais entrosamento”; “A

    condução dos trabalhos foi bem planejada e as discussões produtivas e estimulantes. O tempo

    é que foi curto para o aprofundamento das questões.”; “Foi um momento riquíssimo para o

    autoconhecimento do grupo. A dinâmica foi muito proveitosa. A capacidade do grupo externo

    de escutar e sintetizar as idéias foi marcante.”

    5. Conclusão

    Neste artigo, foram apresentados e discutidos os resultados de um trabalho de pesquisa-ação

    que teve por objetivo projetar um sistema de mapeamento de rota tecnológica para

  • 12

    estruturação de um programa de descoberta e desenvolvimento de drogas. Ênfase foi dada à

    explicitação das justificativas para a proposta formulada e à avaliação da adequação do

    sistema concebido ao contexto organizacional em questão. A expectativa é a de que, com esse

    enfoque, este artigo venha a contribuir para a superação de duas lacunas existentes na

    literatura acadêmica correlata ao TRM: a discriminação de fatores balizadores das decisões de

    projeto e a identificação de determinantes do sucesso da aplicação do método. De fato,

    algumas contribuições nesse sentido puderam ser observadas.

    Em relação ao mapa projetado:

    A diferenciação, na dimensão temporal, entre “passado” e “passado-presente” permitiu a distinção entre elementos comumente tratados em conjunto nos mapas tradicionais (nos

    quais, em geral, inclui-se somente a coluna “passado-presente”). Afinal, propiciou a

    separação visual, por exemplo, de tecnologias que fazem parte do repertório da

    organização e que poderiam ser retomadas, apesar de não estarem diretamente relacionadas

    a nenhum projeto de P&D atual;

    No eixo vertical, o uso da esfera de atuação direta do grupo em questão como critério para a diferenciação entre “ambiente interno” e “ambiente externo” permitiu a distinção visual

    entre elementos sobre a trajetória dos quais se tinha mais ou menos poder de intervenção,

    respectivamente. Além disso, a divisão por categoria de conteúdo (e.g. mercado,

    tecnologia) sem fixar a priori o tipo de conhecimento envolvido (e.g. know-why, know-

    how) mostrou-se mais robusta do que a forma de divisão usualmente praticada. Afinal,

    permite, em princípio, uma maior flexibilidade de representação, pois, por meio da

    orientação das setas, pode-se definir um mesmo elemento do mapa ora como motivação,

    ora como decorrência de outros elementos.

    No que se refere ao processo projetado,

    Corroborou-se a importância de se definir, preliminarmente, uma unidade de análise que proporcione a comunicação entre diferentes perspectivas em torno de uma finalidade

    comum, fomentando a integração entre os pontos de vista. Além disso, a estratégia de se

    iniciar o processo pelo mapeamento apenas das dimensões “passado” e “passado-presente”

    mostrou-se interessante. Afinal, ao partir da demanda por informações que os participantes

    já detêm, essa abordagem facilita a introdução do método no novo contexto organizacional,

    além de fundamentar as bases sobre as quais a reflexão de futuro será feita, nivelando o

    conhecimento de todos acerca da história dos demais envolvidos;

    A concepção do mapeamento em termos de várias iterações (e.g. primeiro, “passado” e “passado-presente”, depois, “futuro”; uma equipe por vez) propiciou a reconfiguração

    dinâmica do sistema projetado, a partir da contínua incorporação das retroalimentações

    obtidas. Assim, foi possível testar várias alternativas de processo com base nos resultados

    intermediários gerados;

    A divisão em uma etapa com enfoque interno ao grupo (i.e. trajetórias dos interessados), seguida por outra focada no desenvolvimento tecnológico observado no ambiente externo,

    balanceia as perspectivas outside-in e inside-out no processo de formação de estratégia.

    Assim, tanto uma visão baseada em recursos e capacidades como visões baseadas na

    indústria e em instituições são levadas em consideração;

    A importância de se trabalhar com a noção de projeto-piloto, em se tratando de uma pesquisa-ação, foi reforçada, uma vez que, com essa abordagem, a ênfase recai sobre o

    aprendizado do processo pelos membros da organização, para que, posteriormente, estes

    possam refiná-lo e replicá-lo autonomamente. Assim, ao mapeamento é atribuída maior

  • 13

    importância do que ao mapa em si, pois a internalização da maneira como a visualização

    pode auxiliar na orquestração estruturada de uma discussão é vista como o principal

    benefício da intervenção;

    O uso de post-its para coleta de informação e do mapa como “lousa” para representação interativa das histórias contadas mostrou-se uma estratégia adequada para a introdução do

    método em grupos de trabalho, por promover, de forma descomplicada, a participação dos

    envolvidos e a avaliação, em tempo real, das relações. O balanceamento entre o uso de

    softwares especificamente projetados para a edição de roadmaps mas desconhecidos pelos

    membros da organização e o uso de aplicativos comumente utilizados mas não projetados

    para esse fim específico mostrou-se um fator crítico, porém, para a continuidade da

    participação após as oficinas;

    O valor de cada contribuição individual, mesmo em se tratando de uma história grupal, foi, também, reforçado. Afinal, a presença de um único novo membro em um subgrupo (de um

    workshop para outro) enriqueceu substancialmente a representação da história correlata.

    A divisão em equipes de trabalho paralelas, mas não exclusivas, poderá dar suporte para a priorização da doença a ser tratada como “alvo”, fato que se constituiria como uma

    exemplificação de como a visualização pode servir para superar dificuldades vivenciadas

    quando da tomada de decisão por um grupo com múltiplos interesses conflitantes.

    Como era de se esperar, o entendimento do contexto organizacional específico mostrou-se

    como o principal fator balizador das decisões de projeto tomadas. Formas de subdivisão do

    grupo de participantes, atividades previstas para as oficinas, tempo reservado para cada

    atividade e maneiras de representação das relações são exemplos de questões fortemente

    influenciadas pelo contexto da organização na qual o projeto foi realizado. Nesse sentido, a

    simulação prévia de situações de possível ocorrência nos workshops foi de grande utilidade

    para captar, operacionalmente, traços organizacionais típicos.

    O sucesso da adequação do sistema proposto ao contexto foi validado tanto pela quantidade e

    qualidade de mapas gerados quanto pelas respostas ao questionário aplicado ao final do

    trabalho. Além disso, a adesão aos workshops de pesquisadores externos ao P3D após a

    realização da primeira oficina reforçou, também, o feedback positivo que o projeto obteve

    internamente, explicitado pela divulgação do trabalho no jornal interno da instituição.

    Atualmente, tem sido dada continuidade ao processo projetado. A etapa de mapeamento

    externo está em vias de finalização, sendo que, nos próximos meses, será realizada a segunda

    rodada de workshops (com ênfase no futuro) e a priorização da doença-alvo, para a qual se

    detalhará o mapa correlato. A expectativa é a de que a finalização dessas demais etapas

    fornecerá subsídio empírico suficiente para complementar as conclusões obtidas até então e

    identificar novas questões a serem investigadas por futuros trabalhos. O presente artigo, nesse

    sentido, constitui uma primeira contribuição nessa direção.

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  • Anexo A – Mapa de um subgrupo da equipe de esquistossomose