Projeto Wikileaks: Uma análise dos vazamentos que questionaram os meios de se fazer jornalismo
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
AMANDA LOPES DEMETRIO DA SILVA
PROJETO WIKILEAKS:UMA ANÁLISE DOS VAZAMENTOS QUE QUESTIONARAM OS MEIOS DE SE
FAZER JORNALISMO
SÃO PAULO, 2011
AMANDA LOPES DEMETRIO DA SILVA
PROJETO WIKILEAKS:UMA ANÁLISE DOS VAZAMENTOS QUE QUESTIONARAM OS MEIOS DE SE
FAZER JORNALISMO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Comunicação Social, com
habilitação em jornalismo, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, como requisito para a conclusão do curso de graduação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elisabeth Saad Corrêa
SÃO PAULO, 2011
AMANDA LOPES DEMETRIO DA SILVA
PROJETO WIKILEAKS:UMA ANÁLISE DOS VAZAMENTOS QUE QUESTIONARAM OS MEIOS DE SE
FAZER JORNALISMO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Comunicação Social, com
habilitação em jornalismo, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, como requisito para a conclusão do curso de graduação.
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________________
Prof.ª Dr.ª Elisabeth Saad Corrêa
_________________________________________
André Deak
Jornalista, autor e cofundador da Casa de Cultura Digital
_________________________________________
Fabiano Angélico,
Jornalista e coordenador de projetos da Transparência Brasil
Aos meus pais. Por todos os sacrifícios que sei que fizeram para que eu pudesse
estar hoje apresentando um trabalho de conclusão de curso na USP. Por tudo de
que abriram mão para colocarem eu e meu irmão em primeiro lugar. Espero um dia
poder ter agradecido o suficiente.
Ao meu irmão, Eduardo, e ao meu namorado, Caio.
AGRADECIMENTOS
À professora Beth Saad, minha orientadora
Aos jornalistas Nelson de Sá, Alec Duarte e Caio Túlio Costa.
À Escola de Comunicações e Artes e a todas as pessoas que conheci aqui
RESUMO
O Projeto Wikileaks é uma reportagem que busca analisar do impacto dos vazamentos de documentos feitos pela organização Wikileaks entre o final de 2010 e o início de 2011. Inicialmente, a organização e seus vazamentos são apresentados. Depois, é feito um exercício de jornalismo comparado, colocando lado a lado a cobertura dos principais jornais sobre o assunto –aqui, é possível identificar uma tendência ligada à nova fase do jornalismo digital, a da produção de matérias a partir de grandes bancos de dados. Em seguida, a discussão ganha um cunho ético e são colocados no centro da reflexão fatores como o relacionamento entre repórter e fonte, a definição de uma organização jornalística, a questão ética por trás da publicação de documentos secretos e o tratamento dado pelas grandes publicações a Julian Assange, principal porta-voz do Wikileaks, e Bradley Manning, principal suspeito dos vazamentos. A terceira parte do trabalho questiona se a publicação dos documentos afetou o poder dos grandes jornais e revistas, e traça um retrato da fragilidade dessas publicações nos Estados Unidos. Por fim, é feita uma análise sobre como a organização dos usuários em rede, acentuada pela internet e pelas redes sociais, afetou o período posterior à publicação dos documentos secretos.
Palavras-chave: Wikileaks. Jornalismo. New York Times. The Guardian. Der Spiegel. Jornal. Revista. Banco de dados. Ética. Poder. Rede social.
ABSTRACT
The Wikileaks Project is a story that seeks to analyze the impact of the leaks of documents made by the organization Wikileaks between late 2010 and early 2011. Initially, the organization and the leaks are presented. After that, I make a comparative journalism exercise, placing side by side the cover of major newspapers on the subject. Here, you can identify a trend linked to a new phase of digital journalism, the production of stories from large databases. Then, the discussion gets an ethical nature and the relationship between reporter and source, the definition of a news organization, the ethical question behind the publication of secret documents and the treatment that major publications gave to Julian Assange, chief spokesman of Wikileaks, and to Bradley Manning, prime suspect of leaks are placed in the center of the discussion. The third part of the projects seeks to ask whether the publication of the leaks affected the power of major newspapers and magazines, and paints a portrait of the fragility of these publications in the United States. The final part examines how the organization of users in networks, accentuated by the internet and social networks websites, affected the period following the publication of the secret documents.
Key-words: Wikileaks. Journalism. New York Times. The Guardian. Der Spiegel. Newspaper. Magazine. Database. Ethics. Power. Social Networks.
SUMÁRIO
1. EDITORIAL ............................................................................................................ 82. O WIKILEAKS ........................................................................................................ 92.1 O que é o Wikileaks? ............................................................................................ 9
2.1.1 Vazamentos ....................................................................................................... 9
2.2 A cobertura fora do Brasil ................................................................................... 12
2.2.1 Afeganistão ...................................................................................................... 14
2.2.2 Iraque .............................................................................................................. 21
2.2.3 Documentos diplomáticos ............................................................................... 27
2.2.4 Guantánamo .................................................................................................... 32
2.2.5 Bases de dados ............................................................................................... 35
3. A ÉTICA ................................................................................................................ 373.1 A fonte ................................................................................................................. 37
3.2 Organização jornalística? ................................................................................... 41
3.3 A decisão da publicação: Público Vs. Privado .................................................... 43
3.4 O personagem criado para Assange .................................................................. 45
3.5 O tratamento com o soldado Manning ............................................................... 48
4. O PODER ............................................................................................................. 504.1 Fragilidade econômica ....................................................................................... 51
4.2 Visibilidade e escolha ......................................................................................... 52
5. A REDE ................................................................................................................ 545.1 Cultura hacker e Wikileaks ................................................................................. 55
5.2 O grupo Anonymous ........................................................................................... 57
5.3 Ser anônimo na era 2.0 ...................................................................................... 59
6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 62
8
1. EDITORIAL
O Projeto Wikileaks foi uma ideia que surgiu no final de 2010, no auge das
revelações feitas pela organização liderada por Julian Assange. Nos textos dispostos
aqui, tentei explorar a questão de acordo com quatro grandes temas, buscando
respostas para perguntas que ficaram depois que baixou a poeira em torno do caso.
A primeira parte do trabalho busca definir o que é o Wikileaks e fazer uma
espécie de análise comparada do que foi publicado no “Guardian”, no “New York
Times” e na “Der Spiegel”. Escolhi não incluir os jornais nacionais que cobriram o
caso por trabalhar em um deles –e ter feito parte da cobertura diária sobre o
assunto. Não sinto que sou uma pessoa isenta para avaliar um trabalho que ajudei a
fazer.
Não inclui todas as publicações que fecharam parceria como o Wikileaks ao
longo dos vazamentos por causa do volume de notícias e do tempo que tinha para
concluir esse trabalho. Ponderei que perder o foco poderia prejudicar o resultado
final do trabalho.
O mesmo trabalho disponibilizado aqui pode ser encontrado em formato digital e sob
a licença Creative Commons em projetowikileaks.com.br –o site pode ser melhor
visualizado em monitores de 15 polegadas.
Desejo uma boa leitura a todos que quiserem enfrentar os textos aqui
dispostos. Tenham a mente aberta e procurem os links associados às frases, para
ter acesso ao outro lado do que escrevo aqui.
9
2. O WIKILEAKS
Entenda como foi o vazamento de documentos que deu contornos reais a
duas guerras e escancarou a visão norte-americana sobre os outros países do
mundo. Veja como cada publicação internacional –Guardian, New York Times, Der
Spiegel– escolheu uma abordagem diferente.
2.1 O que é o Wikileaks?Se cada funcionário de um órgão governamental ou de uma grande empresa
tivesse um lugar para publicar documentos secretos e fazer denúncias, sem deixar
de lado o anonimato, a transparência das instituições atingiria um novo nível. Foi
nesse conceito que se baseou o Wikileaks, em sua criação.
Nascido no final de 2006, a ideia inicial era que o site fosse uma plataforma
segura, em que poderiam ser depositados documentos. Apostando no poder dos
usuários organizados em rede, a checagem ficaria a cargo de uma equipe
multidisciplinar, colaborativa e espalhada pelo mundo. Mas isso era no começo.
Para o “Financial Times”, o Wikileaks nasceu como uma espécie de ‘ser
híbrido’, formado pela junção da tradição hacker com a cultura jornalística. É a
mistura do Wiki –tecnologia que permite a colaboração coletiva, usada na
Wikipédia– com o relacionamento com as fontes e a necessidade de verificação das
informações.
Quatro grandes levas de vazamento depois, o site perdeu seu serviço de
hospedagem inicial e tem que se virar com sites-espelho espalhados pelo mundo. O
principal porta-voz do grupo, Julian Assange, encara uma acusação grave na Suécia
–oficialmente, não relacionada ao vazamento em si. Ex-integrantes do grupo já
montam uma nova iniciativa parecida. Hollywood já monta filmes sobre o assunto.
2.1.1 VazamentosEm abril de 2010, um vídeo1 mostrando soldados norte-americanos matando
civis, incluindo dois repórteres da agência Reuters, marcou a primeira grande
aparição do Wikileaks na grande mídia –desde 2007, o site já era bloqueado na
1 Ver http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=5rXPrfnU3G0
10
China.
Mas, foi em julho do mesmo ano, que veio a primeira grande avalanche. O
primeiro grande vazamento2 traz relatórios de inteligência, registros internos de
incidentes, descrições de ataques a inimigos e de reuniões com políticos locais
produzidos entre 2004 e 2009. São cerca de 90 mil documentos relacionados ao
posicionamento dos Estados Unidos na Guerra do Afeganistão.
Para publicar os documentos, o site firmou parceria com três grandes
publicações: “The Guardian”, do Reino Unido, “Der Spiegel”, da Alemanha, e “New
York Times”, dos Estados Unidos. Os documentos eram enviados com antecedência
aos jornais, para que pudessem ser produzidas matérias sobre o assunto. Mas os
arquivos também eram publicados no próprio site do Wikileaks.
Conhecidos como “War Logs”, os documentos sobre as guerras do
Afeganistão ganharam interpretações diferentes em cada veículo em que eram
publicados. Por onde passou, o Wikileaks basicamente expôs o que estava sendo
varrido para baixo do tapete pela inteligência dos Estados Unidos.
Nos jornais, o Wikileaks é apontado como aquele que mostrou a “guerra de
verdade”3. São relatadas as mortes de civis acobertadas, a ausência de julgamentos
para líderes do Taleban, casos de espionagem no Paquistão e relatos sobre
caçadores secretos, cujos erros chegavam a matar crianças. Surgem grandes
discrepâncias entre o que o governo norte-americano dizia e o que efetivamente
acontecia nas trincheiras.
De todos os lados, ficaram evidentes falhas da operação norte-americana na
guerra do Afeganistão. A Casa Branca reagiu e disse que os vazamentos colocam
vidas em risco. O analista de inteligência do exército norte-americano Bradley
Manning foi preso por suspeita de envolvimento nos vazamentos.
Segundo a “Folha de S. Paulo”, a primeira leva de vazamentos trouxe
informações relacionadas ao Brasil, mas nada que pudesse ser considerado
bombástico. Eram apenas análises feitas pela biblioteca do Congresso norte-
americano envolvendo temas como o posicionamento econômico e político do Brasil
na América Latina.
O segundo grande vazamento também veio dos campos de batalha
2 A divisão dos vazamentos está sendo feita para facilitar os estudos neste projeto3 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/jul/25/afghanistan-war-logs-military-leaks
11
ocupados por soldados norte-americanos. Eram relatórios feitos pelo exército norte-
americano em suas missões no Iraque. Os mais de 390 mil documentos são
referentes ao intervalo de duração da guerra.
Os relatórios secretos mostraram que o número de iraquianos civis mortos
na guerra era superior ao divulgado pela administração Bush. Também foram dados
detalhes e pequenas nuances aos abusos praticados contra os prisioneiros de
guerra. Dessa vez, também foi incluído no acordo de publicação o jornal francês “Le
Monde”, segundo relata o “New York Times”4.
O terceiro grande vazamento de documentos saiu das trincheiras para
desvendar parte do alto escalão norte-americano. São cerca de 250 mil documentos
confidenciais do Departamento de Estado dos Estados Unidos. O vazamento foi
formado, principalmente, por telegramas trocados com as embaixadas norte-
americanas espalhadas pelo mundo. Os dados são referentes ao período de
dezembro de 1966 a fevereiro de 2011.
Entre os assuntos abordados estão política externa, assuntos internos de
cada governo, direitos humanos, economia, terrorismo a uma boa dose de
comentários e análises pessoais feitas pelos diplomadas.
Os governos reagiram com força depois da gafe diplomática. O Reino Unido
emitiu uma notificação pedindo para revisar todo o material sobre o tema, antes da
publicação. Os Estados Unidos pressionaram a Amazon Web Services a interromper
o serviço que oferecia de hospedagem ao Wikileaks. O site chegou a ficar fora do ar
por algumas horas, mas transferiu sua hospedagem para a Suécia. Em dezembro de
2010, já surgiram notícias de um remanejamento estratégico de diplomatas por parte
dos Estados Unidos.
Mas o cerco em torno da organização e de seu principal líder não acabou. O
Wikileaks buscou outros lugares para se hospedar e foram criados os ‘mirrors’,
espelhos do site espalhados por todo o mundo para impedir que o conteúdo seja
perdido pelas vontades de uma única empresa.
Julian Assange também ficou em maus lençóis. Um processo contra ele pelo
suposto envolvimento no abuso de duas mulheres foi reaberto e ele passou a ser
procurado pela polícia. Entre a polícia do Reino Unido e da Suécia, ele hoje luta para
4 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/23/world/middleeast/23intro.html
12
conseguir provar que as alegações têm caráter político. Assange alega ter uma série
de documentos bombásticos guardados em segurança, para que sejam soltos se
algo acontecer com ele.
No final de abril de 2011, houve um quarto grande vazamento, com mais de
700 documentos relativos à situação dos presos em Guantánamo e trouxe o
Wikileaks novamente à tona. Foram vazadas informações sobre prisões de
inocentes e sobre a situação de saúde de alguns dos prisioneiros.
Hoje o Wikileaks vive de doações. Alguns de seus ex-membros criaram uma
iniciativa parecida, o Openleaks. A ideia seria retomar a pretensão inicial do projeto,
sem a personalidade centralizadora e controversa de Assange, como alegam os ex-
colegas do líder.
2.2 A cobertura fora do BrasilPara chegar mais longe, o Wikileaks resolveu fazer uma mudança no jeito
como publicava os documentos vazados. Passou a fechar parcerias com jornais e
adiantar o material para que jornalistas pudessem realizar seus procedimentos
padrão de apuração. Era preciso omitir o nome dos que corriam perigo, ouvir os que
estavam sendo acusados… Enfim, checar tudo o que os documentos prometiam
revelar. Um rápido estudo de jornalismo comparado nos ajuda a entender o papel
que cada publicação tomou durante o vazamento dos documentos.
A primeira informação publicada no site do Wikileaks que causou impacto na
mídia internacional5 foi um vídeo gravado em julho de 2007, que mostrava soldados
norte-americanos dentro de um helicóptero atirando na direção de civis. Um fator
agravante chamou a tenção da mídia: entre os mortos, estavam um jornalista da
agência de notícias Reuters e seu motorista. O vazamento ocorreu em abril de
20106.
A cobertura internacional alternou seu foco entre o diálogo travado pelos
soldados norte-americanos enquanto atiravam sobre o que diziam acreditar ser um
grupo de insurgentes e o vazamento em si, feito por um site relativamente
desconhecido até então.
5 Para facilitar os estudos, serão analisadas apenas as publicações “Guardian”, “New York Times” e “Der Spiegel”. Elas serão tomadas como representantes do que foi feito na mídia fora do país
6 Veja mais em collateralmurder.com
13
O “Guardian”7 focou seus esforços em relatar o diálogo entre os soldados:
”Uma filmagem secreta de uma equipe norte-americana falsamente alegando ter
encontrado um tiroteio em Badgá e depois rindo diante dos mortos foi revelada pelo
Wikileaks hoje. O ataque matou uma dúzia de pessoas, incluindo dois iraquianos
que trabalhavam para a agência ‘Reuters’”, diz a matéria do jornal britânico.
O parágrafo inicial do “Guardian” é único por assumir, logo de cara, que o
tiroteio não existia e citar a postura desrespeitosa dos soldados diante da situação.
O jornal também não sente a necessidade de explicar do que se trata o Wikileaks –
não o define como “um site” ou “uma ONG”, como estavam fazendo os outros
veículos na época. Tal familiaridade com o assunto talvez possa ser explicada pela
proximidade entre Julian Assange, o fundador e principal porta-voz do Wikileaks, e
os repórteres do jornal.
O “Guardian” segue seu texto dizendo que o Departamento de Defesa norte-
americano ficou “envergonhado” com a publicação dos vídeos. Depois de
contextualizar o leitor, volta a mostrar os abusos: as risadas dos soldados, a espera
de que o ferido ‘apenas pegue em um arma’ para obter permissão para atirar.
O “New York Times” dá mais destaque ao fato de funcionários da Reuters
estarem entre os mortos. Ao longo dos primeiros parágrafos,8 discorre sobre a
dificuldade que a agência de notícias teve em obter as imagens antes do
vazamento. Assim como o “Guardian”, o Times declara que “o vídeo demonstra que
não houve atitudes hostis [por parte dos iraquianos que foram atacados]“. Também
se fala sobre os diálogos grotescos travados pelos soldados dentro do helicóptero.
A “BBC” dá o seu primeiro parágrafo9 para o vazamento em si, e segue: “Os
organizadores do site [como a "BBC" faz referência ao Wikileaks] dizem que
receberam as filmes, que alegam ter vindo das câmeras de helicópteros Apache dos
Estados Unidos.” A rede britânica ainda fala sobre a missão do Wikileaks, antes de
passar efetivamente para o conteúdo das filmagens.
Entre os veículos analisados para este projeto, a abordagem inicial mais
curiosa veio da Al Jazeera10. Logo de início, o Wikileaks é colocados como “uma das
maiores fontes da internet sobre informações secretas de governo”. Enquanto uns
7 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/apr/05/wikileaks-us-army-iraq-attack8 Ver http://www.nytimes.com/2010/04/06/world/middleeast/06baghdad.html9 Ver http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/8603938.stm10 Ver http://english.aljazeera.net/news/americas/2010/04/201045123449200569.html
14
ainda estavam chamando a organização de “site”, a Al Jazeera parecia já ter uma
definição mais apurada do que era efetivamente o Wikileaks.
Nesse início, fala-se sobre o que o Wikileaks define como sua missão e
sobre o fato de ser um repositório de documentos vazados, mas não define a
instituição como fonte do jornal ou como organização não governamental.
2.2.1 AfeganistãoOs documentos relacionados à Guerra do Afeganistão tiraram a grossa
camada de poeira que se formou sobre a guerra travada no país ao serem
publicados no final de julho de 2010. “A névoa da guerra é inesperadamente densa
no Afeganistão”, diz o “Guardian”, em seu editorial sobre o assunto. No geral, os
mais de 90 mil documentos mostraram os traços de uma guerra que eram
escondidos entre comunicados oficiais –se é que se era informado. São relatos
produzidos no campo de confronto, informações táticas e relatos de inteligência.
MAPA DO AFEGANISTÃO
Foram mostrados mais de 150 ‘incidentes’ que geraram mortes ou
ferimentos em civis, mas que nem sempre foram oficialmente relatados. Um grupo
de caçadores secretos cujos erros geravam mortes de crianças ganhou contorno.
Antigos aliados foram relatados como inimigos –Afeganistão e Paquistão são mais
15
amigos do que os Estados Unidos gostaria, por exemplo.
No “Guardian”, a cobertura foca bastante as mortes de inocentes, mostrando
quase que uma “negligência casual” em relação às vidas de inocentes. “Os
documentos nos mostram como, ao ir atrás de um lutador estrangeiro, as tropas
acabaram matando sete crianças. As crianças não foram prioridade imediata”, conta
o editorial do jornal sobre o assunto11.
No mesmo texto, o “Guardian” tenta deixar claro sua abordagem e apuração
jornalística ao assunto: “Nós removemos qualquer material que pode ameaçar a
segurança das tropas, informantes locais e outros colaboradores”, diz o texto.
Na cobertura do jornal britânico, parece surgir uma grande simpatia em
relação à figura de Julian Assange, o principal representante do Wikileaks. Ele
parece ser tratado como fonte e parceiro, ao mesmo tempo. As notícias do
“Guardian” incluem um vídeo de Assange12, dizendo que os documentos mostraram
“natureza real desta guerra”.
No vídeo, Assange compara o vazamento dos mais de 90 mil documentos
com os chamados “Papéis do Pentágono”.
Cabe aqui um parênteses para colocar lado a lado os dois vazamentos. O
Papéis do Pentágono foi um vazamento de documentos de um estudo estratégico
relacionados à Guerra do Vietnã, ocorrido em 1971. Na época, ficou claro que o
governo manipulava informações e tomava decisões precipitadas, antes mesmo de
ter a autorização do Congresso norte-americano. Eram 14 mil páginas, que foram
publicadas no “New York Times”. O vazamento não teve as dimensões, nem a
possibilidade de interação que a internet possibilitou ao Wikileaks, anos depois.
O “Guardian” também publicou o posicionamento da Casa Branca, diante
dos vazamentos. Foi o início de uma série de declarações com o mesmo tom: a
publicação dos documentos estaria colocando em risco as vidas dos norte-
americanos e de seus parceiros, diziam os representantes norte-americanos. Em
relação ao Afeganistão, o posicionamento da instituição também foi de atribuir os
relatos ao governo anterior, para tentar tirar um pouco a pressão de Barack Obama.
Um fator importante de localização jornalística também aparece nos relatos
do “Guardian”. Em sua cobertura, o jornal também tenta dar a dimensão do papel
11 Ver http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/jul/25/afghanistan-war-logs-guardian-editorial12 Ver http://www.guardian.co.uk/world/video/2010/jul/25/julian-assange-wikileaks-interview-warlogs
16
das tropas britânicas na guerra13: “Os compiladores dos Estados Unidos mostram
um conjunto de quatro tiroteios britânicos em Cabul, no espaço de apenas um mês,
em 2007, culminando com a morte do filho de um general afegão.”
Um dos grandes destaques da cobertura do “Guardian” foi uma espécie de
mapa interativo registrando onde e como ocorreram alguns dos relatos obtidos pelo
Wikileaks, tudo organizado de maneira cronológica. Os milhares de número vazados
pelo Wikileaks ganharam uma forma tangível e organizada aos leitores.
MAPA INTERATIVO CRIADO PELO "GUARDIAN"14
O “New York Times” se mostra mais contido ao abordar a Guerra do
Afeganistão do ponto de vista dos vazamentos do Wikileaks. O foco principal inicial
do jornal foi em relação à “amizade” não autorizada entre Paquistão e as tropas
insurgentes no Afeganistão. Apesar de receber dinheiro dos Estados Unidos, o
Paquistão estaria com uma “mão invisível” apoiando grupos como a Al Qaeda,
13 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/jul/25/afghanistan-war-logs-military-leaks14 Ver http://www.guardian.co.uk/world/datablog/interactive/2010/jul/26/ied-afghanistan-war-logs
17
segundo dizem os relatos do Wikileaks publicados pelo “Times”.
O jornal norte-americano parece duvidar mais do que está sendo publicado:
“Boa parte da informação não pode ser verificada e, provavelmente, vem de fontes
aliadas da inteligência do Afeganistão, que consideram os paquistaneses como
inimigos”, diz a matéria do jornal15. O Wikileaks é apontado como uma “organização”
e não um lugar onde desembocam denúncias, como aparece no “Guardian”.
Apesar disso, o “New York Times” deixa claro o contraste entre os relatos
oficiais dos Estados Unidos sobre o Paquistão e o que aparecia no calor de batalha,
no Afeganistão. “Por trás das cortinas, oficiais tanto a administração Bush, quanto da
Obama e comandantes norte-americanos confrontaram miliares paquistaneses
sobre a cumplicidade em ataques no Afeganistão.”
Aqui, o governo norte-americano parece ter sua versão mais ouvida do que
no “Guardian”. Surgem relatos de oficiais que pediram informações sobre o real
papel dos Paquistaneses, são mostradas brigas no alto comando dos dois países.
Outro ponto focal da cobertura do “New York Times” trata do fortalecimento
do Taleban, durante os anos de guerra. “Os documentos ilustram o porquê de,
depois de os Estados Unidos terem gastado mais de US$ 300 bilhões na guerra do
Afeganistão, o Taleban estar mais forte do que nunca”, diz a reportagem16.
O jornal também traz o lado do governo norte-americano: “No geral, os
documentos não contradizem as contas oficiais da guerra. Mas, em alguns casos, os
documentos mostram como o exército norte-americano fez declarações públicas
ilusórias –atribuindo a queda de um helicóptero a armas convencionais ao invés de
mísseis.”
O “New York Times” também descreve os documentos como um arquivo
“incompleto da guerra”. Destaca que faltam referências em relação a importantes
períodos da guerra, bem como relatos do ano de 2010.
Forma-se um retrato interessante das forças do Taleban. São exibidos
relatos sobre como eles tentam manipular as forças norte-americanas, se vestindo
como pessoas do governo e usando informantes. Conta-se a história de um
15 Ver http://www.nytimes.com/2010/07/26/world/asia/26isi.html16 Ver http://www.nytimes.com/2010/07/26/world/asia/26warlogs.html
18
comandante Taleban que usou a “emoção da multidão” que estava presente no
funeral de um “insurgente”.
Aqui, vemos uma construção bastante parecida com a força atribuída à
Guerra do Iraque por Noam Chomsky em seu “Estados Fracassados”. O
pesquisador mostra como o governo Bush formou no Iraque uma massa de novos
terroristas e trouxe à população local a simpatia em relação a causas extremistas. A
guerra acabou gerando a formação de um exército de práticas extremistas apoiado
pela população, segundo o pesquisador.
Os relatos escolhidos pelo “Times” também nos mostram como os
investimentos do governo norte-americano na polícia local têm tido consequências
inesperadas. Segundo o jornal, existem relatos de brutalidade, corrupção e estupro
da polícia local. “Alguns oficias de polícia saem para se juntar ao Taleban”, diz o
jornal.
O “New York Times” também dedica um texto inteiro17 às razões dadas pelo
Wikileaks à publicação dos documentos. Aqui, coloca uma frase dita por Assange
em uma entrevista: “[O vazamento] nos mostra não só os incidentes, mas a miséria
da guerra, da morte individual de crianças a grandes operações que mataram
centenas.”
O jornal também publica um editorial sobre o assunto, uma espécie de nota
aos leitores18. No texto, surge um posicionamento do “Times” em relação ao
Wikileaks, que determinaria o futuro da relação entre as duas instituições. Quando
cita a fonte do material obtido, o jornal deixa claro que o Wikileaks não se envolveu
na “pesquisa, reportagem, análise e escrita das notícias”. Existe aqui uma escolha
pelo afastamento entre “Times” e Wikileaks.
A razão dada pelo jornal norte-americano por ter decidido ir em frente com a
publicação dos documentos, a priori sigilosos, também parece bem diferente da
apresentada pelo “Guardian”. Enquanto o britânico quer tirar a “névoa” da guerra e
mostrar as mortes de civis, o “Times” diz que os documentos “iluminam a dificuldade
extraordinária que os Estados Unidos e seus aliados têm enfrentado.”
17 Ver http://www.nytimes.com/2010/07/26/world/26wiki.html18 Ver http://www.nytimes.com/2010/07/26/world/26editors-note.html
19
A terceira publicação que teve acesso
adiantado aos documentos vazados pelo Wikileaks foi
a revista semanal alemã “Der Spiegel”, cuja cobertura
se aproxima mais, editorialmente, do que foi feito pelo
“Guardian”.
Logo de cara, a revista nos conta19 que os
documentos mostram a “escala real” do
desenvolvimento do ocidente nos campos de batalha. Aqui, a revista fala sobre
como os documentos possibilitam a comparação entre o que realmente ocorreu nos
campos de batalha com o que é propagado pela máquina de publicidade norte-
americana e a formação de um retrato real da Guerra do Afeganistão.
Ao mesmo tempo, vemos a “Der Spiegel” tentando trazer os documentos
para perto da realidade do povo alemão a todo momento –”Eles [os documentos]
mostram que a área ao norte do Afeganistão, onde estão as tropas alemãs, está se
tornando cada vez mais perigosa.”
Uma das histórias mais impressionantes contadas pela “Der Spiegel” é sobre
a Task Force 37320, uma espécie de força militar (até então) secreta que é designada
para caçar e matar ou prender líderes do Taleban e de outros grupos de insurgentes.
O esquema lembra um pouco o “velho oeste”, como diz a revista, já que não existem
julgamentos ou evidências. A Task Force 373 é pintada como algo secreto até para
os outros soldados norte-americanos. Também são mostrados eventos em que as
atividades do grupo colocam inocentes em risco.
A importância de tal força para o governo alemão fica evidente quando a
revista nos conta que parte dos soldados que estão nessa força especial ficaram
localizados em uma base alemã no Afeganistão –fica claro que formou-se um ar de
constrangimento pela presença do grupo21. Diz-se que a presença da força no local
tornou-se uma espécie de tabu para as autoridades alemãs. A situação também se
complicou para o governo alemão pelo fato de os documentos mostrarem que há
muito mais da guerra do que está sendo dito ao parlamento local.
19 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,708314,00.html20 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,708559,00.html21 Ver http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,708407,00.html
CAPA DA DER SPIEGEL SOBRE A TASK FORCE 373
20
Há outra crítica ao governo alemão quando se fala no papel das tropas
alemãs na guerra. “Eles [os documentos] mostram o quão pouco preparados
estavam a Alemanha e seu exército quando entraram na guerra –e porque,
provavelmente, sua missão não será cumprida no final”, diz a revista.” O exército
alemão é descrito como “sem noção” e “inocente” ao entrar na guerra. Também é
citado que a situação no local está pior do que a chanceler Angela Merkel estava
relatando.
Os documentos obtidos pela revista22 também falam da presença de
estrangeiros do Afeganistão, já que, em 2006, a população se recusava a entrar no
meio do conflito. Pessoas vindas de países como Chechenia e das Arábias tiveram
um papel importante no início da guerra, segundo mostram os documentos.
Também existem relatos
de ameaças às equipes de
reconstrução alemã localizadas
na área de Kunduz (veja no
mapa ao lado). “Os relatos
mostram emboscadas e
dispositivos explosivos
improvisados, mas eles também
incluíam alertas sobre possíveis
sequestros”, conta a reportagem
da revista. Entre os alvos
estariam funcionários de uma
agência alemã, que tinham a
função de reconstruir o local.
A antes pacata região de Kunduz ganhou traços de cidade de guerra já em
2007, segundo diz a “Der Spiegel”. Os relatos vazados pelo Wikileaks contam três
ataques suicidas com bombas em maio de 2007.
O que ocorreu, de acordo com a revista, foi uma mudança de
posicionamento por parte dos insurgentes. Eles deixaram de evitar envolver os civis
22 Ver http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,708393,00.html
ÁREA DE KUNDUZ, LOCALIZADA NO AFEGANISTÃO (PONTO A)
21
e passaram a intimidar a população e desencorajá-la para que não cooperasse com
as tropas aliadas dos Estados Unidos. A situação teria piorado ainda mais em 2009.
A “Spiegel” também fez um levantamento da cobertura alemã23 em relação
aos vazamentos. Ele conta que, no geral, a opinião da mídia local é que os
documentos não trouxeram muitas surpresas, mas mostraram que a esperança de
que os Estados Unidos e seus aliados algum dia cheguem a ganhar a guerra está
diminuindo.
2.2.2 Iraque
Muito do que ocorreu no Iraque desde a invasão dos Estados Unidos ficou
de fora dos informes oficiais. Essa é a impressão que fica depois de ler a cobertura
relacionada aos documentos da guerra, que vazaram para a imprensa por meio do
Wikileaks em outubro de 2010².
O volume foi maior que o vazamento anterior: de quase 92 mil documentos
sobre o Afeganistão, passou-se para 400 mil no Iraque. São relatórios secretos
sobre as missões realizadas pelos Estados Unidos e seus aliados no Iraque –datam
de 1º de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2009. Ali, ficam expostos detalhes de
práticas de tortura, execuções primárias e crimes de guerra. Além, é claro, dos
danos colaterais presentes em cada morte de um civil.
MAPA DO IRAQUE, COM DESTAQUE PARA A CAPITAL BAGDÁ
23 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,708665,00.html
22
No vazamento de documentos relacionados à Guerra do Iraque, o
“Guardian” parece focar seus esforços na contagem de corpos, já que, até então, as
informações oficiais eram de que não havia um relatório geral de mortos. Contou-se
o número de civis, aliados e até de insurgentes, que estavam se rendendo, mas
acabaram mortos. Segundo os dados obtidos pelo jornal, foram mais de 100 mil
mortes violentas desde a invasão do Iraque24 e cerca de 66 mil delas são estimados
como de civis. O jornal reforça que até 2002, a posição do governo norte-americano
era: “Nós não contamos corpos”.
Mas a realidade não era bem assim. Nos campos de batalha, os soldados
faziam relatórios das mortes que ocorriam em cada operação. Não que os dados
ofereçam um retrato exato da situação. O jornal britânico compara os dados de
outras organizações relacionadas à guerra com os obtidos pelo Wikileaks e mostra
que nem sempre os relatos dos soldados são compatíveis com o que as entidades
defendem. Também é preciso ressaltar que não estão ali contabilizadas as mortes
do ano de 2003, logo em seguida da invasão norte-americana. O “Guardian” montou
um mapa interativo com as mortes registradas ao longo dos anos de guerra25.
As mortes também ocorreram por conta de fogo amigo. “O catálogo de
mortos e de feridos nos mostra o quão séria é a decisão errada de um homem jovem
com uma arma mortal na mão em uma situação de estresse, confusão e burocracia”,
relata o jornal em sua matéria26.
O
“Guardian”
afirma que as
tropas norte-
americanas
mataram ao
menos sete e
feriram 34
compatriotas em
ataques envolvendo fogo amigo. Dos quais, poucos chegaram aos ouvidos da
24 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/oct/22/true-civilian-body-count-iraq25 Ver http://www.guardian.co.uk/news/datablog/2010/oct/23/wikileaks-iraq-data-journalism26 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/oct/22/american-troops-friendly-fire-iraq
SARGENTO DAVID HART, QUE MORREU EM CIRCUNSTÂNCIAS DUVIDOSAS NO IRAQUE
23
população. O jornal cita apenas alguns casos em que as famílias foram informadas
de que as circunstâncias das mortes estavam sendo investigadas.
São contadas diversas histórias como as do Sargento David Hart e dos
soldados Ivan Merlo e Phillip Pannier. Os três acabaram mortos em circunstâncias
confusas, com suspeita de fogo amigo. Um dos relatos vazados pelo Wikileaks
mostra a equipe de um helicóptero norte-americano se defendendo da acusação de
que suas armas teriam matado os soldados, segundo conta o “Guardian”.
Para trazer o cenário mais para perto da realidade de seu público, o jornal
britânico também conta que, ao menos onze vezes, as tropas britânicas foram
atacadas pelos Estados Unidos ou seus aliados.
Outro relato interessante é feito pelo “Guardian” na forma de uma espécie de
“diário de guerra”. O jornal compila cronologicamente, no decorrer de um dia, todos
os ataques e mortes registrados no Iraque. “Iraque: um dia, 146 mortes”27 é como foi
intitulada a matéria que mostra uma fina fatia da rotina de guerra.
Uma das declarações mais fortes do “Guardian” em relação ao
posicionamento das tropas norte-americanas foi feito em uma matéria que relata
batalhas na fronteira entre Iraque e Síria. As tropas estavam tentando impedir a
entrada de estrangeiros, que estariam ajudando os insurgentes iraquianos.
Diz o jornal28: “Em releases lançados para a imprensa e outras declarações
públicas sobre sua maior ofensiva no Iraque, os oficiais dos Estados Unidos jogaram
para baixo de maneira consistente o número de civis mortos –ou negaram tê-los
matado.” Segue, então, o relato da missão que ocorreu na fronteira da Síria. Em
uma rara exceção, relata o “Guardian”, desta vez houve contagem de civis mortos.
Ao menos 25 civis não sobreviveram à passada das tropas pela região.
Outro foco importante da cobertura do “Guardian” em relação a esse
vazamento foi quanto à tolerância das tropas dos Estados Unidos e seus aliados aos
casos de tortur29a. “As autoridades norte-americanas falharam ao investigar
centenas de denúncias de abuso, tortura, estupro e até estupro da polícia iraquiana,
cuja conduta parece ser sistematicamente não punida.”
27 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/oct/23/iraq-war-logs-october-17-2006128 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/oct/24/steel-curtain-air-strikes-husaybah29 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/oct/22/iraq-war-logs-military-leaks
24
A política da coalizão é de “ignorar as alegações” de abuso cometidas pelas
forças iraquianas. “Ele registram como ‘não é necessário investigar’ e passam os
registros para a mesma polícia a quem é implicada a violência,” diz o jornal. Apesar
disso, ele deixa claro que “todas as alegações envolvendo as forças de coalizão são
submetidas à julgamentos formais.”
Para o “New York Times”, as revelações do Wikileaks relacionadas ao Iraque
não são reveladoras, mas retratam uma espécie de sabor amargo da guerra. “Eles
oferecem um insight, dão textura e contexto, do ponto de vista dos que estão lutando
nessa guerra,” diz o jornal, em sua reportagem30.
O jornal destaca algumas revelações principais dos documentos do Iraque:
– A guerra no Iraque gerou uma dependência das empresas privadas maior
do que era prevista. No início, mostram os documentos31, as companhias foram
contratadas porque “não havia homens suficientes para fazer o trabalho”. Depois
de alguns anos, ficou claro o quão difícil de administrar se tornou a situação.
– As mortes dos civis iraquianos, que seriam em maior número do que foi
tornado público pelos Estados Unidos durante a administração Bush. O “New
York Times” cita o mês de dezembro de 2006 como o pior mês da guerra, com
3.800 civis mortos32. O jornal ressalta que a maioria das fatalidades foram por
culpa das forças iraquianas, mas diz que as mortes de civis iraquianos pelas
mãos dos norte-americanos fez com que a população local se voltasse contra a
presença dos Estados Unidos no local.
– Os abusos por parte dos iraquianos aliados dos Estados Unidos em
relação a seus prisioneiros; e como os Estados Unidos ignoraram as práticas.
“Espancamentos, queimaduras e amarrações [de prisioneiros] aparecem em
centenas de relatos, dando a impressão de que tal tratamento não era uma
exceção”, diz a reportagem33.
– A participação do exército do Irã, fortalecendo os insurgentes xiitas
Aqui, o jornal norte-americano toma um posicionamento que incomodaria
Julian Assange. O “New York Times” informa aos seus leitores que informou ao
Pentágono quais documentos específicos planejava publicar e como eles seriam
30 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/23/world/middleeast/23intro.html?_r=131 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/24/world/middleeast/24contractors.html32 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/23/world/middleeast/23casualties.html33 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/23/world/middleeast/23detainees.html
25
editados. “O Pentágono disse que teria preferido que o ‘Times’ não publicasse o
material secreto, mas não propôs nenhum corte.”
A esta altura, o Wikileaks já estava sob forte pressão do governo norte-
americano, já que alguns documentos relacionados à guerra do Afeganistão foram
publicados sem a omissão de nomes, revela o “New York Times”. Os argumentos do
governo se voltam à segurança das tropas e dos aliados dos norte-americanos nos
campos de batalha.
O “New York Times” publicou uma extensa resposta do Departamento de
Defesa aos vazamentos relacionados ao Iraque. O discurso segue o padrão do
vazamento anterior, dizendo que as tropas estariam mais vulneráveis com os
vazamentos, e é adicionada a informação de que entidades terroristas estariam
usando os dados vazados do Afeganistão para tomar ações contra os norte-
americanos e seus aliados.
Além disso, a cobertura do jornal veio acompanhada de um editorial34 muito
similar ao publicado durante à revelação dos documentos relacionados à Guerra do
Afeganistão. Fala-se que o Wikileaks não teve participação na apuração das
matérias e que o “New York Times” pesou o “custo-benefício” de se publicar
documentos considerados confidenciais.
Assim como o “Guardian”, o “New York Times” mostrou as mortes da cidade
de Bagdá durante a guerra em um mapa interativo35. Os destaque fica para os anos
de 2006 e 2007, quando pipocaram pontos vermelhos no mapa da cidade.
A revista alemã “Der Spiegel” declarou que os documentos adicionam “novas
dimensões à guerra” –eles a comparam à Segunda Guerra Mundial, que teve um
papel importante na história alemã. A série de documentos é colocada como um
diário dos soldados norte-americanos no campo de batalha: “As centenas de
análises, relatórios de ataque e de prisões permitem uma reconstrução muito precisa
da escala da batalha entre xiitas e sunitas, como ela brutalizou a sociedade
iraquiana e como sequestros, execuções e tortura de prisioneiros se tornaram
práticas de rotina”, diz a revista36.
34 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/23/world/middleeast/23box.html35 Ver http://www.nytimes.com/interactive/2010/10/24/world/1024-surge-graphic.html36 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,724845,00.html
26
Ao mesmo tempo, ela se mostra cautelosa em relação aos documentos.
“Eles não são do maior nível secreto possível –estão marcados como ‘secreto’ e não
‘muito secreto’. Além disso, muitas dos mais expressivos eventos da Guerra do
Iraque não fazem aparições, incluindo o escândalo de tortura em Abu Ghraib.
Existem outros pontos fracos: eles representam apenas a visão de um lado e são
subjetivos, não são verificáveis e, em muitos casos, foram produzidos nos campos
de batalha –facilitando a ocorrência de erros.” Mas a precisão com a qual os relatos
pintam a guerra é sempre ressaltada pelas publicações, como argumento máximo
usado na publicação dos documentos.
Em certa ocasião37, a “Der Spiegel” chama a Guerra do Iraque de “guerra
burra” e levanta a questão: “Valeu a pena?”. A revista defende que a invasão norte-
americana livrou a população iraquiana de um grande tirano, mas destriu centenas
de vidas, como pode ser visto nos documentos liberados pelo Wikileaks: “Para fazer
essa guerra, os Estados Unidos violaram leis internacionais, denegriram aliados e
zombaram as Nações Unidas”, diz a publicação.
Assim como o “Guardian” e o “New York Times”, a revista alemã tenta trazer
os números dos documentos para a realidade do leitor. Montou-se quase que uma
narrativa de um dia de guerra, como fizeram as duas outras publicações -”É um dia
típico de trabalho [para o soldado norte-americano]. A rotina diária brutal desta
guerra.” O dia (23 de novembro de 2006) teve ao menos 300 mortos e 300 feridos.
Ganha destaque a grande quantidade de bombas improvisadas e caseiras nos
combates do Iraque.
Em um texto inusitado38, a “Der Spiegel” aproxima os interesse de duas
forças que, à aquela altura, eram consideradas de lados opostos. A revista defende
que o exército norte-americano e o Wikileaks têm uma visão parecida: ambos
consideram os documentos como uma olhada para dentro da guerra –”a visão mais
precisa, detalhada e compreensível em relação à verdade sanguínea, já mostrada.”
Os problemas internos do Wikileaks voltam a aparecer. “Os oficiais de
imigração suecos negaram o pedido de Assange para visto de residência e trabalho
no país. Isso significa que ele não pode se registrar como um jornalista do Wikileaks
37 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,725090,00.html38 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,724855,00.html
27
lá, como ele pretendia fazer para fazer uso das leis locais [...] Além disso, vários
trabalhadores cortaram laços com o fundador e deixaram a organização.”
2.2.3 Documentos diplomáticosO Wikileaks já havia vazado documentos que deram gosto, cheiro e textura
a duas grandes guerras quando ocorreu o vazamento que mais impactou o mundo,
diplomaticamente falando. Não se tratava de dados importantes sobre uma guerra,
eram documentos que descreviam –às vezes, com crueldade– o mundo, pelos
olhos dos diplomatas norte-americanos.
Foram cerca de 250 mil papéis diplomáticos do Departamento de Estado dos
Estados Unidos. Neles, é possível ver como os embaixadores de cada país
descreviam os líderes locais e os ecos da economia e cultura norte-americana no
resto do mundo.
Os documentos foram revelados no final de novembro de 2010 e faziam
referência à troca de informações de mais de 270 embaixadas norte-americanas
espalhadas pelo mundo. Os registros começam em 1966 e tratam de política
externa, assuntos internos de cada governo, direitos humanos, condições
econômicas e do Conselho de segurança da ONU, entre outros assuntos.
De acordo com a “Folha de S. Paulo”, o Iraque é o país mais citado, com
15.354 telegramas. Essa leva de documentos teve mais impacto em terras
brasileiras, já que existiam correspondências da embaixada brasileira. A jornalista
independente Natália Viana foi chamada pela organização para catalogar os
documentos e decidir qual seria o seu melhor destino no Brasil. No país, ”Folha” e
“O Globo” passaram a fazer parte do grupo de publicações que fecharam parcerias
com o Wikileaks. O suspeito do vazamento foi, mais uma vez, o soldado Bradley
Manning, 22.
Esse vazamento também teve uma reação mais forte dos Estados Unidos e
do Reino Unido.
Segundo artigo publicado pelo próprio Assange na “Folha” o Reino Unido
emitiu uma notificação para a imprensa chamada DA-Notice. Uma espécie de
“pedido oficial” para que todo o material sobre o tema passasse por uma
“verificação” antes de ser publicado.
28
O governo dos Estados Unidos foi ainda mais duro. Depois de quatro dias do
início do vazamento, a Amazon Web Services, que mantinha o Wikileaks, foi
pressionada a interromper o serviço de hospedagem ao site. O site da organização
chegou a ficar fora do ar por cerca de cinco horas, mas as operações foram
transferidas para outros países.
Foi neste momento que surgiram os mirrors, espécie de sites-espelho com o
mesmo conteúdo do site “original” da organização espalhados por diversos
servidores no mundo. A estratégia foi: se um cair, outros estarão de pé.
Foi também depois de alguns dias do vazamento que a Interpol emitiu um
alerta internacional informando que Assange estava em sua lista de mais
procurados. Não pelo vazamento em si, mas pela suspeita de ter abusado de duas
mulheres na Suécia –caso que, afirma-se, estava arquivado antes dos vazamentos.
Neste caso, a
maneira como
ocorreu o
vazamento foi
tão notícia
quanto o
conteúdo dos
documentos
vazados –isso já
ocorreu nos
vazamentos
anteriores, mas
aqui ganhou maiores proporções. Ficou famoso o suposto CD da Lady Gaga que
teria sido usado para fazer o transporte dos documentos. “Eu [o suposto autor do
vazamento, o soldado Bradley Manning] entrava na sala com um CD regravável com
alguma etiqueta como ‘Lady Gaga’, apagava as músicas e gravava os arquivos por
cima. Ninguém suspeitava”, teria dito o soldado a um amigo hacker, segundo
publicou o “Guardian”.
“A Hilary Clinton e seus diplomatas ao redor do mundo terão um ataque do
coração quando acordarem um dia pela manhã e descobrirem que todo o repositório
RECORRÊNCIA DAS PALAVRAS EM ALGUNS DOS TELEGRAMAS; GRÁFICO MONTADO PELO "GUARDIAN"
29
de política externa está disponível ao público… Em todos os lugares que existe um
posto norte-americano, existe um escândalo a ser revelado. Uma anarquia mundial
no formato CSV [formato de arquivos em que foram vazados os documentos]… É
lindo, e assutador”, teria dito Manning ao homem que o denúnciou, segundo o
“Guardian”.
No texto “Como 350 mil telegramas das embaixadas dos Estados Unidos
foram vazados”39, o jornal conta como recebeu os documentos: “Um cartão de
memória de aparência inofensiva chegou às mãos de um repórter do ‘Guardian’ há
uns meses. O dispositivo é tão pequeno, que pode ser pendurado em um chaveiro,
mas seu conteúdo irá enviar ondas de choque pelas embaixadas do mundo.”
Mais uma vez, o jornal britânico apostou na visualização gráfica dos dados
vazados por meio do Wikileaks. Montou-se um mapa por meio do qual é possível
pesquisar os telegramas a partir dos países aos quais se faz referência:
MAPA MONTADO PELO "GUARDIAN"40
Já o “New York Times” listou as principais revelações trazidas pelo
vazamento41. Entre eles:
39 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2010/nov/28/how-us-embassy-cables-leaked40 Ver http://www.guardian.co.uk/world/interactive/2010/nov/28/us-embassy-cables-wikileaks41 Ver http://www.nytimes.com/2010/11/29/world/29cables.html
30
– O fato de Estados Unidos e Coreia do Sul já terem colocado em pauta a
questão de uma Coreia unificada, caso o regime do norte entre em colapso.
Também se comentou sobre o medo da China de “viver com uma Coreia
unificada”.
– Uma espécie de “barganha” para que outros países aceitem prisioneiros
de Guantánamo. Teriam sido oferecidos um encontro com Obama e uma boa
quantia em dinheiro aos países, para que aceitassem os detentos.
– Um contato chinês teria dito à embaixada chinesa que o governo
comandou o ataque aos sistemas do Google
– Quase uma década depois de 11 de setembro, o terrorismo ainda reina
nas relações dos Estados Unidos com o resto do mundo
Em seu texto, o “New York Times” deixa claro que consultou o Departamento
de Estado dos Estados Unidos na hora da publicação. Posicionamento não tolerado
por Assange, e que azedou as relações entre a organização e o jornal norte-
americano.
No geral, a maioria dos jornais revela que a importância dos telegramas é
dar detalhes sobre os fatos, nem sempre revelando-os. “Mesmo os eventos que já
são conhecidos ganham ótima quantidade de detalhes com o vazamento”, conta o
jornal norte-americano.
Outro ponto interessante revelado pelos telegramas, segundo o “Times”, é
que os Estados Unidos expandiram os papéis de seus diplomatas na direção da
espionagem.
“Reveladas nos documentos do Departamento de Estado, as ordens,
parecem misturar os limites entre diplomatas e espiões”, diz o jornal. Entre as
informações que os diplomatas deveriam captar nos países estavam “números de
cartão de crédito”, além de “outras informações biograficamente relevantes”. Um
telegrama assinado pela própria Hillary Clinton solicitava que os diplomatas
captassem “informações biográficas e biométricas dos diplomatas da Coreia do
Norte”.
O jornal publica a resposta do governo dizendo que “os nossos [dos Estados
Unidos] diplomatas são só isso, diplomatas”.
31
No caso dos papéis diplomáticos, o editorial do jornal norte-americano42 se
diferenciou bastante dos que haviam sido publicados diante dos vazamentos
anteriores. Aqui, já sem contato direto com o Wikileaks, o jornal conta que recebeu o
material de uma fonte que “insistiu em se manter anônima”. Apesar disso, o “New
York Times” deixa claro que o material foi obtido originalmente pelo Wikileaks.
Repetiu-se um posicionamento-padrão dos jornais neste caso: todos eles
buscam deixar claro que excluíram nomes e referências que podem colocar pessoas
em risco. O jornal chegou a alfinetar o Wikileaks: “Os textos editados do ‘Times’
foram compartilhados com outras organizações de notícia e enviadas ao Wikileaks,
na esperança de que eles fizessem uma edição similar dos documentos antes de
publicá-los online”, diz o editorial.
O “New York Times” também conta que enviou os telegramas editados para
a administração Obama para ver se eles achavam que havia sobrado alguma
informação que colocasse pessoas em risco. “O ‘Times’ concordou com algumas
[das mudanças propostas], mas não todas”, relata o jornal.
Para o jornal, a maior razão para a publicação dos telegramas é que eles
mostram “a história real de como o governo toma suas maiores decisões”.
A “Der Spiegel” definiu o vazamento dos telegramas como “nada menos que
um desastre político”, já que muitos dos documentos questionavam o
posicionamento da chanceler Angela Merkel, comandante do país. “Nos olhos da
diplomacia norte-americana, cada ator é rapidamente categorizado como um amigo
ou um adversário”, diz a revista43.
O texto continua: “Nunca antes na história, uma superpotência perdeu
controle de tanta quantidade de informações tão sensíveis –dados que ajudam a
pintar um quadro da fundação sobre a qual a política externa dos Estados Unidos é
construída.”
A revista traz um caso em que um popular político não tem vergonha de
criticar severamente um colega a um membro da diplomacia norte-americana. A
questão de traz o texto para mais perto do povo alemão está presente em toda a
cobertura da “Der Spiegel”. O texto também mostra que a revista aceitou mudanças
propostas pelo Departamento de Estado norte-americano.
42 Ver http://www.nytimes.com/2010/11/29/world/29editornote.html43 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,731580,00.html
32
A “Der Spiegel” dedica uma boa parte do seu texto para falar do gosto dos
diplomatas norte-americanos em publicar “fofocas” dos países onde estavam
situados. “A maioria dos documentos foi enviada com uma certeza de que eles não
seriam tornados publicados ao menos por 25 anos. Isso pode explicar porque os
embaixadores e os emissários de Washington estavam tão dispostos a reportar
fofocas ao Departamento de Estado”, diz a reportagem. É contado um caso de um
telegrama sobre a mulher do líder do Azerbaijão que teria feito tantas cirurgias
plásticas que estaria parecendo uma de suas filhas, mas que não conseguiria mexer
seu rosto direito.
A crítica dos documentos a alguns líderes, em particular, fez com que a
revista compilasse a reação de líderes como o primeiro-ministro italiano Silvio
Berlusconi, que é descreditado como líder e ganha contornos de “festeiro” nos
telegramas. Segundo os informantes, o líder teria dado uma “boa risada” com tudo o
que foi publicado. Ângela Merkel também teria ganhado adjetivos nos documentos:
“raramente criativa”.
À esta altura, a classificação da organização formada pelo Wikileaks
também se torna relevante, principalmente para o governo dos Estados Unidos. Um
republicano do Congresso norte-americano teria pedido que a administração de
Obama determinasse se o Wikileaks pode ser considerado como uma “organização
terrorista”, como relata a revista.
No dia 6 de dezembro, a “Folha de S. Paulo” noticiou que o governo dos
Estados Unidos haviam começado a remanejar o seu pessoal diplomático, depois do
constrangimento dos vazamentos. No mesmo dia, o Wikileaks divulgou uma lista
secreta do governo norte-americano com cerca de 300 estruturas, em vários países,
consideradas estratégicas e que devem ser protegidas de atentados terroristas –são
gasodutos, linhas de comunicação, depósitos minerais, indústrias e fábricas de
equipamento militar.
Dois dias depois, a organização anônima de hackers Annonymous instaurou
a Operação Payback, atacando virtualmente as empresas que retaliassem o
Wikileaks.
2.2.4 Guantánamo
33
No final de abril, um novo vazamento trouxe luz aos eventos que cercam à
prisão de Guantánamo, criada pelos Estados Unidos em Cuba no ano de 2002.
Dessa vez, houve uma lista de parceiros: “'Washington Post', dos EUA, o 'El Pais',
da Espanha, o 'Telegraph', do Reino Unido, a revista 'Der Spiegel', da Alemanha, o
francês 'Le Monde', o 'Aftonbladet', da Suécia e o italiano ''La Repubblica”, segundo
a agência de jornalismo investigativo Publica44.
São 779 arquivos referentes ao período entre 2002 e 2008. Segundo a
Publica, são memorandos que descrevem informações sobre os presos –estados de
saúde, graus de periculosidade, fotos e dados sobre os que foram detidos por
engano.
A própria Publica, que tem em sua organização Natália Viana, que tem
contato direto com Assange, conta o imbróglio da publicação nos jornais: “Apesar de
não estarem entre os parceiros oficiais, os jornais ‘New York Times’, dos Estados
Unidos, e ‘Guardian’, do Reino Unido, publicaram ontem reportagens baseadas nos
mesmos documentos secretos, entregues por uma outra fonte, que preferiu
permanecer anônima. Segundo a Pública apurou, por causa disso, o vazamento foi
adiantado porque os dois jornais pretendiam ‘furar’ o Wikileaks.”
O “New York Times” trouxe um texto com o título “Arquivos secretos trazem
nova luz aos presos [de Guantánamo]”45, e o jornal obteve os papéis por outra
“fonte”. O “Times” fala especialmente sobre os perfis traçados para alguns dos
presos, como Khalid Shaikh Mohammed, a quem o jornal atribui o planejamento dos
ataques de 11 de setembro.
“Os dossiês também mostram os esforços de inteligência nas zonas de
guerra que levaram à detenção de inocentes durante anos, em caso de erro de
identidade ou simples azar”, diz o “New York Times”. O jornal também traz o
posicionamento do governo norte-americano que, como nos outros casos, se diz
contra a publicação dos documentos. O governo tenta novamente se desassociar do
posicionamento da gestão anterior (a administração Bush): “Eles disseram que os
documentos publicados pelo ‘Times’ não representam a visão atual do governo para
os presos de Guantánamo.
44 Ver http://apublica.org45 Ver http://www.nytimes.com/2011/04/25/world/guantanamo-files-lives-in-an-american-limbo.html?_r=1
34
A publicação norte-americana também trouxe um acompanhamento
interessante da história: mesmo após os vazamentos, os advogados dos prisioneiros
não poderiam ter acesso legítimo aos documentos, diz o “Times”46. O jornal também
montou um infográfico interativo com os dados obtidos:
INFOGRÁFICO DO "NEW YORK TIMES"47
O “Guardian” optou pelo destaque aos inocentes que sofreram com a
“controversa” prisão de Guantánamo. “Os arquivos mostram um sistema
frequentemente mais focado em extrair inteligência do que conter terroristas ou
inimigos. Entre os presos que se provaram inocentes está um afegão de 89 anos e
um menino de 14″, diz o jornal48.
46 Ver http://www.nytimes.com/2011/04/27/world/guantanamo-files-detainees-lawyers-restricted-leaked-documents.html?_r=1&scp=5&sq=wikileaks%20guantanamo&st=cse
47 Ver http://projects.nytimes.com/guantanamo?ref=world48 Ver http://www.guardian.co.uk/world/2011/apr/25/guantanamo-files-lift-lid-prison
35
A publicação também fala de como os britânicos foram afetados pela prisão:
“Alguns britânicos também foram detidos por anos [em Guantánamo], mesmo com
as autoridades norte-americanas conscientes de que eles não eram membros do
Taleban ou da Al Qaeda. Um britânico, Jamal al-Harith, foi rendido apenas por ter
sido detido em uma prisão do Taleban e ter supostamente conhecimento sobre as
técnicas de interrogação deles.”
A revista “Der Spiegel” trouxe a realidade de Guantánamo para mais perto
de seus leitores contando a história de um alemão que, mesmo inocente, ficou preso
por quase cinco anos49: “Os americanos construíram Guantánamo para segurar os
terroristas mais perigosos, mas os arquivos secretos mostram que suas informações
em suspeitos era frequentemente baseada em rumores e suspeitas. O arquivo sobre
o prisioneiro Murat Kurnaz, nascido em Bremen (Alemanha), mostra as histórias de
um homem inocente preso por quase cinco anos.”
2.2.5 Bases de dadosO Wikileaks exacerbou uma tendência do jornalismo digital, a reportagem
que trabalha com bancos de dados. Trata-se, segundo definição da professora
Suzana Barbosa, da terceira fase do jornalismo digital: “A caracterização desse
estágio pressupõe base tecnológica ampliada, acesso expandido por meio de
conexões banda larga, proliferação de plataformas móveis, redação descentralizada
e adoção de sistemas que permitam a participação do usuário”, diz Suzana, em seu
“Jornalismo Digital e base de dados: mapeando conceitos e funcionalidades”.
É uma tendência vista desde o ano de 2005 e que possibilita criações de
infográficos como os vistos nos exemplos citados acima. São produtos
“originalmente criados para veiculação no ciberespaço”, segundo Barbosa. É um
novo tipo de organização de informação. As bases de dados, aliadas à tecnologia,
permitem uma nova estruturação das informações, permitem que vejamos a
quantidade e localização dos mortos na Guerra do Iraque, as informações
individuais e coletivas dos presos de Guantánamo, etc.
Barbosa também afirma que a bases de dados trazem à forma de
apresentação das notícias uma certa flexibilidade. As bases de dados podem
49 Ver http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,759343,00.html
36
responder às clássicas perguntas do jornalismo –o que? quando? onde? por que?–
de uma maneira diferente.
Outra função importante atribuída às bases de dados no jornalismo digital é
a da memória e do arquivamento dos conteúdos. Como Barbosa nos mostra, as
notícias publicadas online vão ganhando significado à medida em que são aliadas
ao texto inicial entrevistas e novas apurações. Apesar disso, devido ao contexto
multitemporal da internet, não é possível afirmar que o leitor irá seguir uma linha
determinada para adquirir conhecimento sobre determinado assunto. Está ai a
importância da base de dados, que tem em sua matriz a vocação de organizar a
“história” de um determinado assunto.
As bases de dados digitais também são vistas como meios de agregar
significado à uma determinada notícia. “As correlações entre as notícias inseridas
numa base de dados, considerando a classificação por meio de diversos campos,
bem como as possibilidades combinatórias entre elas permitirá produzir, extrair
novas informações, novos dados, que vão gerar mais conhecimento, mais contexto,
sobre os eventos”, diz o texto de Barbosa.
37
3. A ÉTICA
Os editores dos jornais que fecharam parceria com um tal de Julian Assange
no meio 2009 não sabiam o que estava por vir. Eles teriam que se posicionar em
diversos embates éticos, ligados à publicação dos documentos e às atitudes do
próprio Assange. Como tratariam Assange, uma fonte ou uma organização parceira?
Como decidiram que informações seriam retiradas de cada documento? Quais
documentos deveriam mesmo continuar secretos?
Antes de se posicionar, é preciso definir a palavra base de toda a discussão:
ética. Uma boa definição foi colocada pela professora Mayra Rodrigues Gomes em
seu livro “Ética e jornalismo: uma cartografia de valores”. Para ela, ética –ou
“filosofia moral”– é o “nome dado à ciência ou reflexão sobre os costumes, os
valores morais e seus fundamentos”. Cabe, então, dizer que a ética não é algo
definitivo, ou um posicionamento padrão, e sim uma análise, algo em constante
estudo. Talvez por isso, a publicação dos documentos não tenha sido fácil.
Antes de tudo porque, segundo os editores dos grandes jornais, o
australiano Julian Assange complicou a vida deles. Nesse caso, a relacionamento
com a fonte foi um problema extra. Quando o “New York Times” resolveu adiantar os
documentos para o governo norte-americano e escrever um perfil pouco simpático à
Assange, o principal representante da entidade não perdoou e cortou a entrega de
vazamentos ao jornal norte-americano. Ele não queria ser tratado como uma
“simples” fonte.
3.1 A fonte“O projeto envolvia uma fonte que se esquivava, era manipuladora e volátil –
além de abertamente hostil ao ‘Guardian’ e ao ‘Times’”. Foi assim que Bill Keller,
editor-executivo do “New York Times”, descreveu Julian Assange um texto
dedicado50 a tratar do relacionamento do jornal com o porta-voz do Wikileaks.
Ele conta que o jornalista especializado em documentos militares Eric
Schmitt foi o primeiro membro do jornal a entrar em contato com Assange. Já na
primeira ligação para a redação, ele teria tido que era preciso manter uma distância
50 Ver http://www.nytimes.com/2011/01/30/magazine/30Wikileaks-t.html?_r=1
38
em relação à Assange. “Nós consideramos o Assange como uma fonte, e não um
parceiro, mas ele tinha sua própria agenda”, diz Keller.
Assange é descrito como um excêntrico, abertamente “desdenhoso” ao
governo norte-americano e com uma leve síndrome de perseguição. “Uma fonte que
age de como um fugitivo, mudando de e-mail e celulares frequentemente”, diz o
editor do “Times”.
A fonte também fazia exigências. Segundo Keller, a condição para o acesso
aos documentos era que nada fosse publicado antes da data em que o Wikileaks
planejava tornar os documentos públicos pela internet. Mas como esse tipo de
embargo é uma prática jornalística comum foi aceito, diz o jornalista.
Já na publicação dos documentos relacionados à Guerra do Iraque, a
relação com Assange torno-se “hostil”, de acordo com o texto do “Times”. O porta-
voz estaria bravo com o fato de o ‘New York Times’ não ter colocado links para o site
da organização em sua coberta –”nós ficamos com medo de que os documentos
publicados lá iam trazer nomes de informantes de baixo-nível e torná-los alvos do
Taleban”, justifica Keller.
Assange também teria ficado bravo com o perfil feito pelo jornal sobre o
soldado Bradley Manning, principal suspeito dos vazamentos. Mas a gota d’água
para a relação entre o jornal e o porta-voz foi um perfil feito sobre o próprio Assange,
publicado em outubro de 2010, segundo relata o jornalista. “O artigo trazia fraturas
de dentro do Wikileaks, atribuídas ao gerenciamento de Assange.” Para Keller,
tornar-se uma celebridade transformou Assange.
O posicionamento final do editor do “Times” de Nova York é que o
tratamento dado à Assange foi como de uma fonte, apesar de não ser uma “pura e
simples fonte”. “A relação com uma fonte é simples: você não precisa,
necessariamente, defender a sua agenda, ecoar a sua retórica, aplaudir seus
métodos ou, mais importante, permitir que eles moldem ou censurem o seu
jornalismo”, relata o editor.
O relacionamento do “Guardian” com Assange também azedou com o
tempo. O que fez Assange querer distância do jornal britânico foi a publicação de
documentos do processo contra ele que circula na Suécia, segundo diz o próprio
jornal. “O Assange decidiu que o ‘Guardian’ o estava perseguindo”, diz um texto de
39
Ian Katz, do “Guardian”51.
O primeiro dilema do caso surgiu porque quem estava sendo encarado como
fonte queria ser mais do que um simples informante, dizem os editores. Assange
tinha suas exigências e seus objetivos com a publicação. A relação azedou quando
isso não foi respeitado.
“O próprio Assange tratou sua relação com os jornais como parceria, tanto
que estabeleceu uma série de regras. Isso é estranhíssimo, porque fontes jamais
deveriam ser parceiras”, opina Alec Duarte, que dá aulas na Fundação Armando
Álvares Penteado (a Faap) e mantém o Webmanário52. Para ele, o Wikileaks é uma
fonte – “um meio para se conseguir material potencialmente jornalístico, mas que,
sem o tratamento jornalístico, é muito próximo de lixo.”
A visão de Assange sobre o embate ficou bem clara em um painel realizado
na Berkeley University em abril53: “O governo dos Estados Unidos está dizendo que
qualquer forma de colaboração entre fonte e jornalistas investigativos é espionagem.
É por isso que o ‘New York Times’ está dizendo que eles não colaboraram conosco,
que somos apenas uma fonte. Mas a verdade é que foi uma colaboração”.
A jornalista Natalia Viana, que é responsável pela publicação dos
documentos do Wikileaks relacionados ao Brasil, defende que a aproximação
aconteceu dos jornais à Assange, e não o contrário. “Ele nunca tinha se relacionado
com a empresa”, diz. A estratégia de se aliar a vários veículos em diversos países foi
feita com o intuito de descentralizar as informações, segundo ela.
A relação entre repórteres e fontes é um assunto complicado, já que os
interesses dos dois lados devem ser pesados antes da decisão de levar a pauta
adianta. No caso do Wikileaks, os termos da relação fonte-repórter parecem não ter
ficado claros para as partes, desde o início, ou ter mudado de acordo com a
gravidade das publicações. Não é possível saber qual das duas opções se encaixa
melhor.
Uma relação de transparência em relação à fonte é defendida como um dos
princípios jornalísticos pelos autores do livro “Os elementos do jornalismo”.
51 Ver http://www.guardian.co.uk/media/2011/feb/05/wikileaks-collaboration-distrust-legal-threats52 Ver http://webmanario.wordpress.com/ 53 Ver http://www.pbs.org/mediashift/2011/04/wikileaks-julian-assange-ny-times-feud-at-logan-
symposium099.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+pbs%2Fmediashift-blog+%28mediashift-blog%29&utm_content=Google+Reader
40
“Obviamente, eles [os repórteres] não devem mentir nem enganar suas fontes no
processo de tentar contar a verdade ao público. (…) Embora à primeira vista a
sinceridade possa atrapalhar o trabalho dos repórteres, na maioria dos casos isso
não acontece”, diz o livro.
No caso do Wikileaks, ficou para o público a imagem de que houve uma
confusão entre o que Assange e o que os jornais queriam. O “Guardian” não queria
deixar de publicar informações sobre o processo de Assange, só porque havia sido
firmado um relacionamento entre o jornal e o porta-voz, por exemplo, segundo
relatou o jornal.
Já o “New York Times” pareceu não querer ter sua imagem associada à de
Assange e à do Wikileaks, mas também não pretendia perder a chance de publicar o
que os documentos vazados revelavam. Esse distanciamento pode ser atribuído à
várias possibilidades, como a chance de Assange e o Wikileaks poderem ser
julgados por crimes graves por causa do vazamento.
Fica a imagem de que Assange achou que era casamento, mas os jornais
não deixaram claro que aquela relação era só um caso.
Um diagnóstico mais apurado do que ocorreu aqui pode ser feito a partir da
teoria de Paul Grice, explicitava em um artigo de Nilson Lage, professor da
Universidade Federal de Santa Catarina. Segundo ele, Grice ensina que “toda
conversação depende do que um dos envolvidos imagina que o outro pretende. Se
ambos admitem boa fé, procurarão atender às máximas e esperarão que o
interlocutor faça o mesmo. Nenhum deles será: lacônico, deliberadamente falso,
excessivamente minucioso ou ambíguo.”
De início, relatos dos repórteres do “New York Times” ao editor Bill Keller
davam a entender que Assange não via o “Guardian” e o “New York Times” com
bons olhos. “O resultado de uma consulta à fonte depende, assim, basicamente, da
intenção que essa fonte atribui ao repórter. Se acha que o repórter é uma ameaça,
será parcimoniosa nas respostas; se vê na conversa uma oportunidade de defender
seus direitos, enfatizará reivindicações e reclamações”, diz Lage. Como as intenções
vistas por Assange nos jornais já eram, de início, questionáveis, do seu ponto de
vista, parece lógico que a relação tenha degringolado como ocorreu.
No último vazamento feito por intermédio do Wikileaks no final de abril,
41
apenas a revista alemã “Der Spiegel” era parceira que resistia ao lado da
organização desde o vazamento inicial. Agora, o “New York Times” foi substituído
pelo “Washington Post” e o “Guardian” deu lugar ao “Telegraph”. Também fecharam
parceria com o Wikileaks, o “El País”, o “Le Monde”, o “Aftonbladet” e “La
Repubblica”.
3.2 Organização jornalística?A decisão de considerar, ou não, o Wikileaks como uma organização
jornalística pode ser um fator de influência no julgamento da maneira de se lidar com
uma fonte. Uma organização jornalística, talvez, poderia ter se tornado mais que
uma fonte. Apesar disso, julgar o que o Wikileaks faz como jornalismo não parece
ser consenso dos especialistas.
“Eles não são uma organização jornalística. Eles são uma espécie de grupo
de defesa. Você pode chamá-los de grupo de vigilância”, disse Bill Keller, em debate
promovido pela George Washington University54.
Alec Duarte concorda que não se trata de jornalismo. “Simplesmente vazar
documentos, sem tratamento editorial, não significa absolutamente nada, além de
vazar. Nem sequer estamos diante de uma revolução: muito antes da web (a internet
já existia), o Garganta Profunda entregou o presidente Nixon”, conta. O caso dos
Papéis do Pentágono –o vazamento de milhares de páginas secretas sobre a
Guerra do Vietnã– também pode ser citado como um caso parecido.
Para Holger Stark, do “Der Spiegel”, o Wikileaks “se aproximou” cada vez
mais de se tornar uma organização jornalística ao longo dos vazamentos. “Eles
publicavam tudo o que encontravam na internet. No verão passado, ele queria
postar todos os documentos da Guerra do Afeganistão online, mas nós o
convencemos de que seria irresponsável. Hoje, o Wikileaks é muito mais uma
organização jornalística do que era antes”, defendeu o repórter, em um painel de
discussão sobre o assunto55. Stark ainda trabalha com Assange, ao contrário dos
repórteres do “Guardian” e do “New York Times”.
Natália Viana, colaboradora do Wikileaks, conta uma história diferente vista
54 Ver http://www.gwu.edu/~kalb/2011/All_The_News/full.html55 Ver http://www.pbs.org/mediashift/2011/04/wikileaks-julian-assange-ny-times-feud-at-logan-
symposium099.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+pbs%2Fmediashift-blog+%28mediashift-blog%29&utm_content=Google+Reader
42
de dentro. “Dizer que o Assange não é um jornalista é um absurdo”, diz. Segundo
ela, existe uma equipe multidisciplinar e colaborativa dentro do Wikileaks que apura
a veracidade dos documentos e faz edições para que os vazamentos não façam
vítimas inocentes. “O que ocorreu com o primeiro vazamento sobre a Guerra do
Afeganistão [os documentos foram publicados sem censura nos nomes de quem
poderia correr risco de vida] foi um erro. “Todos os documentos têm que ser
revisados e são retirados os nomes das pessoas que podem correr risco. Todos os
nossos parceiros são obrigados a fazer isso por contrato”, revela.
Para ela, trata-se de uma organização jornalística com uma lógica diferente.
“É a lógica da colaboração, que representa muito o momento que estamos vivendo.
Estamos espalhados pelo mundo e temos especialidades diferentes”, explica.
O professor de jornalismo da New York University, Jay Rosen, vai mais
longe. Ele diz que o Wikileaks é, na verdade, uma organização de notícias sem
Estado –uma associação que não está submetida às leis e cultura de uma
determinada nação. “O Wikileaks pertence à internet. Ele não obedece às leis de
nenhum pais”, conta. Para ele, trata-se de um tipo de organização jamais visto
antes. “É um conceito que fica entre a fonte e a organização de mídia tradicional”.
A confusão é justificada, já que a proposta do Wikileaks foge do que
consideramos como uma “redação jornalística” atualmente. Mas, mesmo antes de se
associar a grandes publicações, o Wikileaks já trazia algumas das características de
uma organização jornalística listadas no livro “Os elementos do jornalismo”, de Bill
Kovach e Tom Rosentiel. São elas:
– Construir um sentido de comunidade, de cidadania e de democracia
– Oferecer voz aos esquecidos
– Contar a verdade, para que as pessoas possam ter informações
suficiente para terem sua independência
– Dar ao público o que ele precisa para encontrar por si próprio a verdade,
a longo prazo
Enquanto vemos essas características claras no ato de publicação de
documentos secretos vazados por meio do site, o erro ocorrido na publicação dos
documentos não censurados da Guerra do Afeganistão pode prejudicar a tese de
que o Wikileaks é uma organização jornalística, já que um jornalista é mais do que
43
um vazador de informações. ”O jornalista ajuda o público a colocar em ordem as
coisas. Isso não significa simplesmente acrescentar interpretação ou análise a uma
reportagem. A primeira tarefa dessa mistura de jornalista e ‘explicador’ é checar se a
informação é confiável e ordená-la de forma que o leitor possa entendê-la.” Apesar
de se guiar por grandes preceitos jornalísticos, o Wikileaks em seu estágio primário
falhou em alguns aspectos.
Por outro lado, a organização tomou um passo á frente na questão do
acesso do público às informações, no ato de “dar ao público o que ele precisa para
encontrar por si próprio a verdade”, segundo diz o “Elementos do jornalismo”. E o
Wikileaks não errou novamente –não que se tenha notícia. Além disso, procurou os
jornais para ter mais mãos para analisar e editar os documentos.
3.3 A decisão de publicação: Público Vs. PrivadoTodos os jornais que decidiram publicar os documentos do Wikileaks
publicaram um longo editorial, explicando que pesaram os benefícios e malefícios da
publicação antes de tomar uma atitude. Mas aonde está o limite entre o bem e o mal
neste caso?
A ideia de bem comum é explicitada pela professora Mayra Rodrigues no
seu “Ética e jornalismo”: “Ora, o bem comum joga-se no jogo de interesses e de
forças entre o individual e coletivo, sob a compreensão de que se privilegiarmos um
pólo ou outro o equilíbrio da equação se desfaz.” Ela defende que o jornalismo
nasce como uma espécie de guardião do equilíbrio entre essas relações.
A questão da publicação do que é considerado de âmbito privado também é
explicada pela professora. “O âmbito privado só merece exploração e é sujeito a
julgamento público, sob o ponto de vista moral, quando justamente cruzar-se com
questões de interesse público.” É neste momento que documentos inicialmente
secretos podem ser considerados para a publicação pelos jornais: o privado interfere
no público.
No artigo em que Bill Keller, editor do “New York Times”, fala sobre seu
relacionamento com Assange, surgem diversos traços relacionados ao debate ético
sobre publicar documentos secretos. Segundo ele, a principal função do repórter que
teve o primeiro contato com Assange era descobrir se o material era genuíno e se
44
era de “interesse público”. As possíveis questões privadas que estivessem exibidas
nos documentos também seriam retiradas, segundo ele. “Desde o início, nós
decidimos que nos nossos artigos ou documentos que publicássemos do arquivos
secretos não haveria material que pudesse colocar vidas em risco.”
Keller conta que foram deletados dos documentos nomes de civis, oficiais
locais, ativistas, acadêmicos e outros que tivessem tido contato com soldados norte-
americanos ou diplomatas. Também foram cortados detalhes que pudessem revelar
operações de inteligência ou militares que estivessem em andamento e material que
pudesse ajudar terroristas a construir armas.
Além disso, foi questionado o valor real dos documentos a serem
publicados: “O valor dos documentos –que acredito ser enorme– não é expôr
alguma política desconhecida, e sim dar textura, nuances e drama às histórias”,
justificou o editor.
Do outro lado, o jornalista Dean Baquet, condenou o jornal norte-americano
pela publicação. “O ‘New York Times’ se tornou alguém que possibilitou a publicação
de várias histórias baseadas nos documentos vazados pelo Wikileaks. E, quando eu
uso o verbo ‘possibilitar’, eu não estou usando de uma maneira positiva”, disse o
jornalista56.
A publicação dos documentos do Wikileaks também pode ser vista como
parte do processo da busca pela verdade, um dos grandes princípios a serem
seguidos pelos jornalistas segundo o “Os elementos do jornalismo”. “Nós podemos
buscar a exatidão, a equidade e a verdade, e essa busca nunca termina”, segundo
declaração de Patty Calhoun reproduzida no livro. Ao trazer nuances, texturas e
quantificar guerras e relações internacionais, os documentos acabam relatando algo
além do fato, a “verdade sobre o fato”, como diz o livro. “Já não é suficiente relatar o
fato de forma veraz.” De alguma maneira, a publicação dos vazamentos poderia
significar ir além.
O caso também pode ser visto como um reforço dos jornalistas enquanto
“monitores independentes do poder”, função dos repórteres defendida no “Os
elementos do jornalismo”. A cobertura oficial das guerras do Afeganistão e do Iraque,
56 Ver http://www.pbs.org/mediashift/2011/04/wikileaks-julian-assange-ny-times-feud-at-logan-symposium099.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+pbs%2Fmediashift-blog+%28mediashift-blog%29&utm_content=Google+Reader
45
feita por meio de informações concedidas pelo governo, ganhou textura, cores e
nuance com os documentos. Práticas inaceitáveis feitas pelo governo foram
mostradas a todos, ganharam números, exemplos. A quantidade de mortes
registradas na cidade de Bagdá mostrou o impacto do conflito no país. A política
internacional, também normalmente feita a partir de relatos dos líderes e seus
representantes, ganhou contornos e constrangimentos inimagináveis sem o
vazamento de documentos.
3.4 O personagem criado para AssangeAo contar uma história, o jornalista frequentemente busca falar com
personagens envolvidos para tornar a reportagem mais viva e humana. Vez ou
outra, destaca-se uma pessoa que tenha dito envolvimento de destaque no evento e
conta-se sua história. “O jornalismo também ajuda a identificar os objetivos da
comunidade, seus heróis e vilões”, diz o livro “Os elementos do jornalismo”. Com
Julian Assange, a construção do herói/vilão atingiu um novo nível: ele virou
celebridade internacional, cultuado por uns, inimigo número um de outros.
Ele é descrito como um “geek” profissional, que procura uma tomada para
seu notebook imediatamente ao entrar em uma sala, antes mesmo de cumprimentar
os presentes –segundo a “Der Spiegel”57, única publicação do grupo inicial de jornais
que ainda tem uma relação amigável com Assange. Os outros jornais foram mais
cruéis, afinal foram horas e horas de reuniões entre Assange e os jornalistas para a
divisão do material vazado, dando aos repórteres a chance conviver por horas com
seu personagem principal –puderam cheirar, ouvir e observar atentos aos hábitos do
personagem principal da história.
O perfil feito pelo “New York Times” de Assange58 foi a gota final na
decadência da relação entre a organização e o jornal. Entre outros, ele é descrito
como um cara com estilo de vida de um fugitivo, que nem sempre tem dinheiro e se
tornou ditatorial com a fama que conseguiu após os vazamentos do Wikileaks.
“Ele exige que seus advogados usem caros celulares encriptados e troca o
seu próprio como outros trocam de camiseta. Ele entra em hotéis usando nomes
falsos, pinta o cabelo, dorme em sofás ou até mesmo no chão. Ele usa dinheiro ao
57 Ver http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,708632,00.html58 Ver http://www.nytimes.com/2010/10/24/world/24assange.html
46
invés de cartões de crédito, frequentemente emprestado dos amigos”, diz o texto. O
“New York Times” conta que o porta-voz muito mudou desde o ano de 2006, quando
o australiano usou anos de conhecimento de computação e seu QI quase genial
para criar o Wikileaks.
O jornal descreve a infância de Assange como “perturbada”: “[Sua infância]
na Austrália como um desajustado social que quase foi preso pela condenação por
25 acusações de invasão de computadores em 1995.” Depois dos grandes
vazamentos das guerras do Afeganistão e do Iraque, muitos dos colegas de
organização resolveram deixar Assange. Um dos motivos da ruptura foi o fato de
Assange ter publicado parte dos documentos da guerra do Afeganistão sem editar
os nomes de pessoas que poderiam correr risco de vida com os relatórios tornados
públicos, segundo relataram os jornais.
Para o Wikileaks, Assange se diz “indispensável”, segundo o “New York
Times”. “Eu sou o coração e a alma dessa organização, sou seu fundador, seu
filósofo, seu porta-voz, seu organizador, seu financiador e todo o resto”, teria dito
Assange, de acordo com o jornal.
O perfil criado pela revista “New Yorker”59 para o porta-voz do Wikileaks foi
mais completo, porém anterior ao grande vazamento de documentos das guerras do
Afeganistão e Iraque. O repórter acompanha Assange e sua equipe momentos antes
da publicação do vídeo que mostraria a morte dos funcionários da Reuters –também
teve voz a mãe do próprio Assange.
“Ele consegue se concentrar intensamente, mas ele é o tipo de pessoa que
esquece de reservar uma passagem de avião, ou reserva a passagem e esquece de
pagá-la, ou paga a passagem e esquece de ir ao aeroporto. As pessoas ao redor
dele parecem querer cuidar dele; eles se certificam de que ele está onde precisa
estar, e de que ele não deixou suas roupas na secadora antes de mudar de lugar
novamente. Em alguns momentos, ele pode parecer inocente diante da influência
que adquiriu”, diz o texto.
Fica a imagem de um Assange paranóico, que espalha o medo para os que
o cercam. “Eu fui para a Suíça e me hospedei na casa de uma garota que era a
editora de um jornal estrangeiro lá, e ela ficou tão paranoica que a CIA estava me
59 Ver http://www.newyorker.com/reporting/2010/06/07/100607fa_fact_khatchadourian?currentPage=1
47
procurando que ela saiu de casa e me abandonou”, teria dito Assange, segundo a
“New Yorker”.
Para o professor Alec Duarte, faltou um equilíbrio na hora de criar um retrato
jornalístico para Assange. “Acho que no Brasil ele foi apresentado como um herói
injustiçado, enquanto no exterior, como um pária. Faltou, portanto, equilíbrio.
Certamente ele não é nem uma coisa nem outra”, explica.
Mas o fato pessoal que mais interessou a imprensa foi a investigação que
conecta o fundador do Wikileaks a acusações de estupro e abuso envolvendo duas
mulheres suecas. Assange nega, e diz que o sexo foi consensual. Formou-se um
escândalo.
Tornar a vida pessoal e privada de um personagem em notícia é um debate
tão complicado quanto o de decidir pela publicação de documentos secretos. É
preciso saber o que do âmbito privado interfere o suficiente na vida pública para que
mereça publicação, como ensina a professora Mayra em seu “Ética e jornalismo”. No
caso de Assange, mais uma vez, as complicações foram muitas. Ele próprio defende
que o processo vai além das acusações descritas pelas autoridades. Assange tenta
relacionar a vontade de vingança dos Estados Unidos pelo vazamento com a
abertura do processo e as tentativas de que ele seja extraditado para a Suécia.
Talvez, se o argumento público principal do caso fosse somente o abuso
sexual, a validação da publicação da notícia fosse questionável. Mas, como o
próprio acusado envolve as intenções de um país e se diz perseguido, o escândalo
ganha contornos de notícia revelante para o público geral, interessado no
posicionamento dos países diante de um homem que publicou segredos de Estado.
Assange pensa diferente. Em entrevista à revista brasileira “Trip”, ele
declarou que “transparência é para as empresas e não para as pessoas”.
Os cuidados de higiene do fundador do Wikileaks também são colocados à
prova em alguns textos, contando detalhes de Assange talvez desnecessários para
a cobertura. O repórter da “New Yorker” conta a história de uma repórter que surgiu
no centro de operações do grupo com uma camiseta para que Assange trocasse de
roupa. “Você precisa se trocar”, teria dito ela. O porta-voz respondeu colocando a
camiseta de lado e continuando a trabalhar, segundo o texto. O próprio editor do
“New York Times”, que se tornou inimigo público de Assange, chegou a dizer que ele
48
fedia como alguém que não toma banho há dias.
Aqui, o interesse público levado em conta na hora da publicação não se
torna tão claro. Talvez, a anedota pudesse dar ao leitor uma dimensão extra da
personalidade de Assange, mas a notícia não parece ter tanto valor para o bem
público.
3.5 O tratamento com o soldado ManningBradley Manning tem
apenas 23 anos, mas carrega
nas costas graves acusações:
ele é suspeito de vazar os
documentos das guerras do
Iraque e do Afeganistão, além
dos telegramas diplomáticos
para o Wikileaks. Teria sido ele
a fonte que acreditou que
poderia colocar o conteúdo na
caixa segura fornecida pelo
Wikileaks. Apesar disso, ele
também teria falado sobre o
vazamento para um colega, que
o teria denunciado.
Ele também ganhou perfis longos dos grandes jornais. O “New York Times” o
descreve60 como um menino que sofreu bullying na infância por ser gay e geek ainda
em agosto de 2010. O menino teria entrado no exército em 2007 onde convivia com
a política “não pergunte, não diga”, relacionado aos gays que não podem se revelar
dentro do exército norte-americano. Ele é descrito como um homem problemático,
apenas tentando encontrar alguma forma de aceitação.
“Na escola, Bradley Manning era claramente diferente da maioria dos seus
colegas. Ele preferia hackear jogos de computador, ao invés de jogá-los, dizem seus
antigos vizinhos”, diz o “New York Times”. O soldado é descrito como bastante
60 Ver http://www.nytimes.com/2010/08/09/us/09manning.html
BRADLEY MANNING
49
combativo quando o assunto era religião. O jornal conta que ele se recusava a fazer
deveres de casa relacionados ao assunto. A frase “eu não me importaria de ser
sentenciado à prisão perpétua ou ser executado” também é atribuída a ele.
O jornal também publicou um editorial sobre o caso de Manning, meses
depois de ele ter sido preso e depois das denúncias de que o soldado seria vítima
de maus tratos. Em um texto publicado em março de 2011, o “New York Times” diz:
“O exército têm tratado dele com abusos, de um jeito que nos traz memórias
assustadoras de como a administração Bush ameaçava suspeitos de terrorismo.”
No final de maio, Julian Assange descreveu a cobertura midiática sobre o
caso de Manning como “apavorante”. Em entrevista ao Huffington Post61, ele disse:
“Têm surgido alguns jornalistas bons, que estão começando a ir além disso. Eu vejo
que o ‘Washington Post’ tem melhorado sua cobertura. O Glenn Greenwald, do
Salon, sempre discutiu esse assunto, lidando com ele de um jeito compreensivo.”
Manning ficou na prisão de Quantico por meses e e foi transferido para Fort
Leavenworth, no Estado norte-americano do Kansas. O Pentágono alega que agora
ele não está mais em uma célula solitária. O tratamento que ele estava recebendo
anteriormente foi condenado por diversas entidades ligadas aos direitos humanos
incluindo a Anistia Internacional.
Para o professor Alec Duarte, a história de Manning foi subvalorizada.
“Colocou-se Assange tão à frente que até hoje nem sequer sabemos realmente qual
o real tamanho da ligação de Manning com o caso.”
Hoje, as pessoas que apoiam Manning mantém o
www.bradleymanning.org, um site que ajuda quem quiser dar apoio ao caso do
soldado.
61 Ver http://www.huffingtonpost.com/2011/05/25/wikileaks-julian-assange-bradley-manning_n_866980.html
50
4. O PODER
A ideia inicial da organização Wikileaks era a seguinte: as pessoas poderiam
vazar documentos secretos por meio de uma espécie de caixa preta em que o
remetente não poderia ser identificado. Os dados seriam analisados por
especialistas da organização que editariam seu conteúdo, e decidiriam se a
publicação valeria a pena. Os documentos seriam então disponibilizados na web.
Seria uma espécie de banco de dados de documentos, algo essencialmente
colaborativo. Feito nos moldes de algo que nasce nos porões da internet.
Mas, diante de um vazamento da inteligência norte-americana de tamanho
sem precedentes, Julian Assange e seu grupo decidiram ir em outra direção. Em prol
de um maior impacto da mensagem que queriam passar, se associaram aos jornais.
Os documentos foram adiantados às publicações parceiras da organização, que
produziam notícias por meio de seus tradicionais padrões jornalísticos profissionais.
Assim, em uma decisão, a mensagem parece ter prevalecido sobre a vontade de
mudar o meio.
“Foi uma demonstração do prestígio da velha mídia. Julian Assange
procurou os jornalões para que o material recebido fosse decupado, editado e,
principalmente, publicado em fontes consideradas fidedignas. Sem mediação
profissional, o material distribuído pelo site faria pouco sentido”, conta o professor da
FAAP, Alec Duarte. “Os documentos secretos só repercutiram realmente na
sociedade quando divulgados pelo “New York Times”, “Guardian”, “El Pais”, “Le
Monde” e “Der Spiegel”, os veículos com os quais o Wikileaks estabeleceu acordos
iniciais”, explica Duarte. O professor da PUC-SP e da ECA-USP Caio Túlio Costa
concorda com a visão de Duarte.
Para entender a mudança de posicionamento de Assange, é importante
lembrar conceitos relacionados a fatos e relatos jornalísticos propostos pelo
professor Eugênio Bucci, em sua introdução ao livro de Mayra Rodrigues Gomes, o
“Poder no jornalismo”. O fato de Assange ter entregue os papeis a jornais
consagrados já é um fato/relato que merece atenção. Apesar de apostar totalmente
no poder dos usuários organizados em rede por meio da internet, Assange entregou
51
os documentos à mídia tradicional, fato que já representa um ato discursivo
específico, um posicionamento.
Sobre fatos que são relatos, o professor Bucci dá o exemplo dos militantes
antiglobalização que atiram pedras em lojas do McDonalds. “Seus atos são atos de
fala. (…) Assim, alcançam visibilidade –e a condição de notícia”. Aqui, é possível
dizer que o ato de Assange (de adiantar os documentos para os jornais) são atos de
fala. Por outro lado, o vazamento para os jornais foi importante para a mensagem
que a organização gostaria de passar. Fora dos porões da internet, a mensagem
conseguiria mais visibilidade, condição de notícia e todas as repercussões obtidas
por uma notícia publicada em um grande jornal.
Natalia Viana, colaboradora do Wikileaks no Brasil, mostra um outro lado
dessa discussão. De dentro da organização, ela defende que a publicação dos
documentos, mesmo quando aliada aos grandes jornais, questionou os modos de
operação tradicionais dos jornais. “Vazar documentos para os jornais sempre existiu,
mas Assange possibilitou uma conexão encriptada, em que a pessoa não seria
identificada. Além disso, o Wikileaks começou a disponibilizar os documentos
originais online, para que as pessoas pudessem ler e tirar suas próprias opiniões”,
diz a jornalista.
Segundo ela, a associação aos jornais fez parte de uma estratégia de
descentralização da informação. “Hoje em dia, são pelo menos 80 jornais parceiros,
e eles estão tentando aumentar esse número para ter representantes em todos os
países do mundo. Não são apenas os grandes jornais dos países centrais que têm
acesso a esses documentos. Acredito na importância de que essas mensagens
cheguem às pessoas”, disse.
Para Natália, o Wikileaks possibilitou que as pessoas pudessem ler
diferentes interpretações de um mesmo documentos, feitas das diferentes redações
para onde os arquivos foram enviados. “Nós mudamos um pouco o jeito como as
coisas foram feitas dentro dos jornais e possibilitamos uma descentralização das
informações”, conta.
4.1 Fragilidade econômica
52
Houve quem analisasse a ascensão do Wikileaks como algo ocorrido em um
momento oportuno, de certa fragilidade da mídia tradicional fora do país –em tempos
de redução de custos e adaptação aos novos limites traçados pela internet.
Nesse contexto, o professor Caio Túlio vê essa fragilidade como algo de
cunho econômico, e projetado para o futuro. “Ela [a imprensa tradicional] não está
fragilizada. A imprensa de qualidade, apesar de ter perdido audiência, está bem
economicamente. Os jornais estão ganhando circulação em todo o mundo,
principalmente nas democracias emergentes. E estão se organizando para o mundo
digital”, conta.
A fragilidade econômica da mídia tradicional norte-americana foi
escancarada no dia 23 de julho de 2008, dia que ficou conhecido como a “quarta-
feira negra” para os jornais dos EUA. Naquele dia, o Atlanta Journal demitiu 200 e o
Wall Street Journal perdeu 50 postos na redação (o jornal já havia cortado os
revisores). No final da tarde, o presidente da Newsweek renunciou. Foi também em
julho de 2008 que o Los Angeles Times anunciou a demissão de 250 funcionários
(17:% da área de jornalismo) e uma redução semanal das páginas da publicação.
Dados do Recovering Journalist62 mostram que, em 2008, foram mais de 6
mil jornalistas demitidos nos Estados Unidos. Além disso, dois terços dos veículos
de comunicação reduziram suas folhas de pagamento.
Com as redações mais magras, sobrou espaço para investigação de fora
dos jornais. Mas Assange fez o caminho de volta, quando fez acordos com as
grandes publicação.
4.2 Visibilidade e escolhaA escolha do Wikileaks de levar a mensagem para ser publicada nos
grandes jornais é justificada por um dos grandes poderes das mídias: trazer a
visibilidade a um fato –não que um blog ou um tuíte não tenham o mesmo efeito,
mas as proporções ainda são diferentes, podendo ser catalizadas com a
organização dos usuários em rede.
Como a professora Mayra explica em “Poder no jornalismo”, a mídia mostra
o “mundo do ponto em que ele deve ser visto e esse ponto, por si mesmo, já é
62 Ver http://recoveringjournalist.typepad.com/
53
disciplinar: a educação da visão pela determinação do visível”. Em palavras mais
simples, os jornais trazem os fatos à tona e, assim, determinam quais partes serão
(ou não) vistas pela massa de leitores.
“É por conta da visibilidade que as mídias tradicionais assumem um papel
crucial como disciplina e controle, portanto, como promotoras/mantenedoras das
escalas de valores, como vigilantes”, segue Mayra. Esse papel de trazer
determinadas partes do mundo à tona reforça o poder do jornalismo enquanto
vigilante da ordem social. Diante de tanto poder na formação do que é considerado
parte do mundo, a escolha pela divulgação nos meios tradicionais mostra o quão
Assange pretendia valorizar a mensagem que pretendia passar.
54
5. A REDE
A publicação dos segredos guardados nos documentos secretos revelados
pelo Wikileaks mexeu com alguns poderosos norte-americanos, e houve retaliação.
Empresas como Amazon e Paypal cancelaram os serviços que prestavam à
organização. O Wikileaks foi abandonado pelas grandes corporações norte-
americanas, mas ganhou respaldo entre os usuários.
Quem atacasse a organização de alguma maneira também era retaliado, só
que na internet, por meio dos usuários organizados em rede. Os sites do Visa, do
Mastercard e de um banco suíço foram invadidos e ficaram fora do ar. Isso tudo
porque, a partir de um perfil no Twitter, um grupo de usuários comandava uma legião
para derrubar os sites.
A possibilidade de organização das pessoas em uma rede efetivamente
distribuída, acentuada pela internet e as redes sociais, facilitou o processo. O autor
Augusto de Franco explica três possibilidades de organização em rede:
REDES CENTRALIZADA, DESCENTRALIZADA E DISTRIBUÍDA
55
A web atual pode ser vista na terceira opção acima, a rede distribuída, já que
ela nos dá mais de um meio para chegar a determinados pontos –não são vários
centros ou um grande centro. Sendo assim, as mensagens e o conhecimento são
distribuídos de maneira mais uniforme. “A distribuição cresce o número de
conexões”, diz o autor, em seu blog63.
A expansão do potencial da internet com a criação das redes sociais se
aproxima do que Sérgio Amadeu da Silveira define como esfera pública
interconectada, em seu “Redes cibernéticas e tecnologias do anonimato”. Segundo
ele, existe a esfera pública interconectada e a esfera pública controlada pelos meios
de comunicação em massa.
“As principais diferenças da esfera pública interconectada para uma esfera
pública controlada pelos mass media são os baixos custos para se tornar um falante
e sua arquitetura informacional distribuída, sem necessidade de autorizações e
controles para e dela participar”, diz Silveira. Fato é que hoje qualquer um pode criar
um blog ou publicar um vídeo no YouTube e se tornar um falante.
5.1 Cultura hacker e WikileaksA represália em rede contra a publicação dos documentos também trouxe à
tona um movimento de hackers conhecido como ciberativismo. Para definir melhor o
que aconteceu, vamos usar uma definição desse movimento proposta por Sérgio
Amadeu da Silveira, em seu “Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo
colaborativo”. Silveira define ciberativismo como “conjunto de práticas em defesa de
causas políticas, socioambientais, sociotecnológicas e culturais, realizadas nas
redes cibernéticas, principalmente na internet.” Em poucas palavras, são as
atividades virtuais que visam defender algum ideal e, no caso do Wikileaks, a
retaliação aos que foram contra a organização ganhou um significado extra, já que o
Wikileaks representa muito do que é a cultura hacker.
A cultura dos hackers tem sua origem no movimento norte-americano da
contracultura, que teve seu auge na década de 1960. “O movimento social inspirado
pela contracultura, que pregava distribuir o poder e emancipar as pessoas pelo
acesso às informações, tem nos hackers a sua principal representação”, defende
63 Ver http://augustodefranco.locaweb.com.br/
56
Sérgio Amadeu. Ele cita alguns dos pilares da comunidade hacker, extraídos de um
livro de Pierre Levy:
– O acesso aos computadores deve ser ilimitado e total
– Todas as informações devem ser livres
– Hackers desconfiam das autoridades e promovem a descentralização
– Hackers devem ser julgados por seus ‘hackeamentos’ e não por outro
critérios, tais como escolaridade, idade, raça ou posição social
– Você pode criar arte e beleza com um computador
– Os computadores podem mudar sua vida para o melhor
A semelhança com os ideais do Wikileaks, e do próprio Julian Assange, são
claras. A todo o tempo, Assange defende a liberação das informações, questiona as
autoridades, promove a descentralização do poder contido em informações
confidenciais e, enquanto faz isso, acredita que isso torna melhor a vida das
pessoas. A própria formação de Assange, cuja mãe não permitia que ele fosse à
escola para que não fosse limitado, mostra essa falta de preocupação com a
escolaridade e a valorização dos feitos.
Sérgio Amadeu traz ainda outras informações que permitem colocar em
paralelo a cultura hacker e os ideais da organização Wikileaks: “Na matriz do
pensamento hacker está enraizada a ideia de que as informações, inclusive o
conhecimento, não devem ser propriedade de ninguém e, mesmo se forem, a cópia
de informações não agride ninguém dada a natureza intangível dos dados.” Aqui, a
cultura hacker parece corroborar com a ação de Assange de decidir pela publicação
dos dados vazados.
Também é interessante ver como houve uma mistura entre a cultura
jornalística e a cultura hacker, com os esforços para omitir os nomes de pessoas que
correriam risco de vida com aquela informação tornada pública.
Aqui também é importante destacar a visão
deturpada sobre os ideais dos hackers, que ocorre
em alguns momentos na mídia tradicional. “Após 11
de setembro, ocorreu uma alteração no discurso [da
mídia]. Os hackers, que eram apresentados como
criminosos comuns passaram a ser conhecidos ANDROID, DO GOOGLE
57
também como ciberterroristas”, diz Silveira. É importante lembrar que a cultura
hacker anteriormente já era retratada de uma maneira criminosa porque a “liberdade
de informação e com o compartilhamento de códigos eram vistos como negativos
para a acumulação de lucratividade nas grandes corporações.”
Hoje em dia o valor mercadológico de certos ideários hackers foi percebido
por grandes empresas. O Google é um exemplo disso, já que criou o Android, um
sistema para dispositivos móveis com código aberto. A empresa tem diversas
iniciativas em uma direção mais aberta –um sistema operacional para computadores
de código aberto, por exemplo, o Chrome OS.
Toda a gama de significados em torno da palavra hacker –e do conjunto de
costumes e ações que a cercam– ainda é bastante confusa. Sérgio Amdeu cita
palavras da antropóloga Gabriella Coleman, ao criticar as diversas acepções do
hacker: “Ora são apresentados como jovens insanos envolvidos em atividades de
intrusão em ambientes protegidos, ora são vistos como visionários tecnológicos
utópicos cujo estilo de vida teria um grande potencial de perturbar as patologias do
capitalismo e da modernidade em geral”. Dois exemplos que combinam com as
visões retratadas: Julian Assange (retratado como o “insano”) e Mark Zuckerberg (o
executivo-chefe e criador do Facebook, o “visionário”).
Amadeu conclui comparando a cultura hacker a uma nova forma de
resistência –algo bem parecido com os ideais iniciais do Wikileaks. “Os hackers
realizam um novo modo de resistência que passa pelo autoconhecimento e pela
autoformação de indivíduos autônomos colaborativos. Isso porque os hackers
exploram as falhas dos protocolos, suas propriedades e suas formas de controle”,
diz o pesquisador.
5.2 O grupo AnonymousOs ataques contra os que agrediam a organização Wikileaks de alguma
maneira foram comandados por um grupo (seria mais correto dizer uma “formação”)
conhecida na internet como Anonymous. Trata-se de um grupo sem estruturas de
comando, sem uma grande liderança, mas que consegue enfrentar grandes
empresas.
58
O Anonymous64
tem sua origem no fórum
virtual 4chan, uma espécie
de porão da internet.
Segundo uma reportagem
do “Guardian”, ele é
formado essencialmente
por adolescentes tentando
causar um impacto com o
pouco conhecimento que
têm, mas também existem
pais, profissionais de
tecnologia da informação e pessoas que têm tempo e recursos para gastar.
O “Guardian” falou com um porta-voz do grupo que se autonomeia “Cold
Blood”. Ele disse que são pessoas que compartilham os mesmos ideais que quer ser
uma força em direção a um bem caótico. “Somos contra corporações ou governos
interferindo na internet. Acreditamos que ela deve ser aberta e livre para todos”,
disse o porta-voz. Cold Blood conta também que o Anonymous funciona como um
bando de pássaros: para identificá-los, é preciso ver-los voando todos juntos, depois
eles se separam e seguem seus caminhos.
Foram essas pessoas que tomaram para si a causa do Wikileaks e criaram a
Operation Payback. A partir de um perfil no Twitter, eles passaram a comandar os
ataques às grandes empresas que se tornavam contra a organização. Era simples,
tudo o que quem quisesse participar precisava fazer era instalar um programa em
sua máquina. Eles facilitavam a vida e espalhavam o conhecimento para aqueles
que quisessem fazer parte do movimento.
A organização criou ainda outras “operações” relacionadas ao Wikileaks.
Uma delas foi a Operation: Leakspin, na qual pedia que os usuários fizessem buscas
nos arquivos do Wikileaks a procura dos documentos que tivessem tido menos
exposição. “Publique resumos eles, junto com o documento original completo.
Encoraje seu leitor a buscar mais informações. Faça vídeos de um ou dois minutos
64 Ver http://anonops.blogspot.com/
IMAGEM DE DIVULGAÇÃO DO ANONYMOUS
59
lendo os vazamentos e publique-os no YouTube”, diz um manifesto publicado no
blog do grupo. Também era recomendado associar as publicações à palavras-chave
que pudessem confundir quem quisesse controlar o movimento –usar Justin Bieber
no lugar de Wikileaks, por exemplo.
O Anonymous montou também uma paródia do filme “A rede social”, com o
caso Wikileaks, zombando das acusações de abuso sexual recebidas por Assange
na Suécia65.
Outra operação promovida pelo Anonymous, em defesa de Assange, foi a
Paperstorm. Nela, o grupo pedia que os usuários imprimissem diversas imagens e
manifestos relacionados ao caso de Assange e os distribuíssem em banheiros
públicos, parques infantis, postos de gasolina e outros lugares nos quais as
mensagens pudessem ser vistas. A maioria delas trazia dizeres sobre Assange,
“verdade”, “vazamento”, “liberdade de informação”, entre outros temas.
5.3 Ser anônimo na era 2.0Outra questão sobre o comportamento dos usuários na web trazida pelo
Wikileaks é sobre o anonimato do usuários, já que a organização promete
anonimato e uma rede segura aos que decidirem vazar documentos por meio do
site. No artigo “Redes cibernéticas e tecnologias do anonimato”, Sérgio Amadeu de
Silveira traz novamente um posicionamento importante sobre o assunto.
Como se sabe, a comunicação via internet como temos hoje não permite a
associação direta da identidade de um civil a um determinado endereço de IP. Para
identificar quem está usando um computador em um determinado local, é preciso
solicitar uma busca e, mesmo assim, as pessoas podem mudar o seu endereço de
IP com uma facilidade considerável –alguns programas simulam que o usuário está
até em outro país. Se, por um lado, a situação do anônimo dá maior liberdade de
navegação para o usuário, por outro, ela dá espaço para abusos e crime.
Silveira nos explica que essa noção da identidade individual de cada um
surgiu com a modernidade: “A modernidade forjou um sujeito histórico portador de
diretos e uma identidade individual. Trouxe também a comunicação em massa e
novos ideais do que seria legítimo e ilegítimo em uma interação social”.
65 Ver http://www.youtube.com/watch?v=cHtakp6iips&feature=player_embedded
60
O pesquisador nos mostra um embate entre utilitaristas e liberais na
formação desse pensamento moderno. Enquanto os utilitários buscavam a
identificação de cada um alegando a promoção da felicidade, os liberais defendiam
que o “anonimato, como integrante da privacidade, era imprescindível à liberdade
dos modernos”.
Somados esses valores ao conceito de esfera pública interconectada citada
anteriormente, os pensadores que defendem o anonimato na rede consideram que o
direito de ser anônimo –de criar um blog, emitir opiniões polêmicas e não precisar se
identificar, por exemplo– é necessário para que o usuário tenha seu direito de
opinião respeitado.
“Você não pode ter liberdade de expressão sem a opção de continuar
anônimo. (…) Existe uma concepção enganosa de que você não pode confiar em
informações anônimas. Isso não é necessariamente verdade”, disse o hacker Ian
Clarke, segundo o texto de Silveira.
O pensamento da comunidade hacker em relação às informações
provenientes de fontes anônimas vai de encontro com a concepção inicial do
Wikileaks. “O argumento hacker sobre a verdade e a verificação dos conteúdos
anônimos passa pelos mecanismos de reputação, de denúncia colaborativa e pelas
redes de confiança, ou seja, os ‘instrumentos interativos de busca e enquete da
comunicação distribuída tornamo anônimo reputável’”, diz Silveira. Trata-se de toda
a premissa inicial do Wikileaks: receber documentos anônimos, publicá-los na web e
permitir que os usuários, em rede, verifiquem as informações.
Aqui, a questão do anonimato defendida por Assange –ele nunca confirmou
se foi o soldado Manning quem lhe passou os documentos secretos norte-
americanos– também colide com um costume vital ao exercício do jornalismo, o
direito ao sigilo da fonte. Tanto a organização quanto as grandes instituições
jornalísticas se apóiam no poder que pode ser trazido por meio das informações
anônimas. Mas, enquanto os jornalistas realizam seus processos de apuração e
checagem, o Wikileaks propõe que essa verificação seja feita pela própria rede.
Há também, claro, os argumentos contra a opção pelo anonimato. A principal
tese nesse caso, segundo Silveira, é a de que podem existem consequências
negativas quando não há quem responsabilizar por algo que foi dito.
61
No fim, emerge uma contradição tecnológica da própria rede, já que as
mesmas ferramentas que permitem que o usuário seja anônimo, também podem ser
usadas na hora de rastreá-los, segundo colocou Fernanda Bruno, em frase citada
por Silveira.
62
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SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo
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