PROPRIEDADE INTELECTUAL E PATRIMÔNIO IMATERIAL EM MUSEUS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

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PROPRIEDADE INTELECTUAL E PATRIMÔNIO IMATERIAL EM MUSEUS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA Janaina Cardoso de Mello 1 Resumo: As concepções patrimoniais que muitas vezes encarceravam o bem cultural imaterial na idéia de “usos e costumes sem valor para comercialização”, pois a essência da preservação seria mais importante do que sua mercantilização, têm caído por terra nas últimas décadas com as discussões de promoção de sustentabilidade, redução da informalidade econômica, combate à exclusão social e elaboração de políticas públicas. Propõe-se nesse trabalho que os museus de ciência e tecnologia no Brasil devem atuar na difusão e popularização da C,T&I junto à sociedade, envolvendo órgãos governamentais, instituições científicas/comerciais e universidades na extensão tecnológica direcionada às associações de artesãos para a informação/formação, a apropriação e o uso de instrumentais que garantam os direitos de Propriedade Intelectual na conquista da cidadania e elevação da qualidade de vida individual e coletiva. Considera-se que a existência de distintas formas/concepções de registro quando atua de forma colaborativa, congregando o museu como um importante aliado na popularização da C,T&I junto à sociedade, serve com maior eficácia à proteção dos produtos e modos de saber-fazer, complementando as lacunas presentes na legislação. Palavras-chave: Museus; Tecnologia; Propriedade Intelectual Introdução As concepções patrimoniais que muitas vezes encarceravam o bem cultural imaterial na idéia de “usos e costumes sem valor para comercialização”, pois a essência da preservação seria 1 Pós-Doutoranda em Estudos Culturais (PACC-UFRJ); Doutoranda em Ciência da Propriedade Intelectual (PPGPI-UFS); Doutora em História Social (PPGHIS- UFRJ); Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano (GEMPS/CNPq). Professora Adjunta da Graduação em Museologia (UFS). E-mail: [email protected]

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As concepções patrimoniais que muitas vezes encarceravam o bem cultural imaterial na idéia de “usos e costumes sem valor para comercialização”, pois a essência da preservação seria mais importante do que sua mercantilização, têm caído por terra nas últimas décadas com as discussões de promoção de sustentabilidade, redução da informalidade econômica, combate à exclusão social e elaboração de políticas públicas. Propõe-se nesse trabalho que os museus de ciência e tecnologia no Brasil devem atuar na difusão e popularização da C,T&I junto à sociedade, envolvendo órgãos governamentais, instituições científicas/comerciais e universidades na extensão tecnológica direcionada às associações de artesãos para a informação/formação, a apropriação e o uso de instrumentais que garantam os direitos de Propriedade Intelectual na conquista da cidadania e elevação da qualidade de vida individual e coletiva. Considera-se que a existência de distintas formas/concepções de registro quando atua de forma colaborativa, congregando o museu como um importante aliado na popularização da C,T&I junto à sociedade, serve com maior eficácia à proteção dos produtos e modos de saber-fazer, complementando as lacunas presentes na legislação.

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PROPRIEDADE INTELECTUAL E PATRIMNIO IMATERIAL EM MUSEUS DE CINCIA E TECNOLOGIA

Janaina Cardoso de Mello

Resumo: As concepes patrimoniais que muitas vezes encarceravam o bem cultural imaterial na idia de usos e costumes sem valor para comercializao, pois a essncia da preservao seria mais importante do que sua mercantilizao, tm cado por terra nas ltimas dcadas com as discusses de promoo de sustentabilidade, reduo da informalidade econmica, combate excluso social e elaborao de polticas pblicas. Prope-se nesse trabalho que os museus de cincia e tecnologia no Brasil devem atuar na difuso e popularizao da C,T&I junto sociedade, envolvendo rgos governamentais, instituies cientficas/comerciais e universidades na extenso tecnolgica direcionada s associaes de artesos para a informao/formao, a apropriao e o uso de instrumentais que garantam os direitos de Propriedade Intelectual na conquista da cidadania e elevao da qualidade de vida individual e coletiva. Considera-se que a existncia de distintas formas/concepes de registro quando atua de forma colaborativa, congregando o museu como um importante aliado na popularizao da C,T&I junto sociedade, serve com maior eficcia proteo dos produtos e modos de saber-fazer, complementando as lacunas presentes na legislao.Palavras-chave: Museus; Tecnologia; Propriedade Intelectual

Introduo

As concepes patrimoniais que muitas vezes encarceravam o bem cultural imaterial na idia de usos e costumes sem valor para comercializao, pois a essncia da preservao seria mais importante do que sua mercantilizao, tm cado por terra nas ltimas dcadas com as discusses de promoo de sustentabilidade, reduo da informalidade econmica, combate excluso social e elaborao de polticas pblicas. At ento a maior preocupao com o registro de um bem imaterial (tcnica/modo de saber-fazer) orbitava quase que exclusivamente em torno do Inventrio Nacional de Referncias Culturais (INRC). Porm, vem se discutindo h algum tempo que esse instrumento/metodologia, regulado pelo decreto 3551/00 , visou muito mais a preservao do bem cultural no mbito dos conhecimentos tradicionais do que a proteo vinculada aos direitos de propriedade intelectual (BELAS, 2004, p.34). Segundo Almeida, Monde e Pinheiro "os direitos de propriedade intelectual so aqueles relacionados com a proteo legal que a lei atribui criao do intelecto humano, garantindo aos autores de determinado contedo o reconhecimento pela obra desenvolvida, bem como a possibilidade de expor, dispor ou explorar comercialmente o fruto de sua criao" (ALMEIDA; MONDE; PINHEIRO, 2012-2013, p.11). Pensando na relao entre tcnica-cadeia tecnolgica e cultura, em 2010, a 4 Conferncia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao (C,T&I) para o Desenvolvimento Sustentvel, ocorrida em Braslia, preocupou-se significativamente com o direcionamento da C,T&I para o desenvolvimento social que favorecesse uma maior difuso das tecnologias sociais e da economia solidria, promovendo o crescimento e organizao em rede da C,T&I em espaos culturais como museus e centros de cincia (MCT, 2010, p.89). Afianava o documento da Conferncia:

Uma interface importante entre C,T&I e a cultura se refere ao patrimnio cultural brasileiro: a C,T&I um instrumento essencial para a preservao do patrimnio. Ao mesmo tempo, tambm um elemento de produo desse patrimnio e dele usufrui como fonte de pesquisa e de construo da cultura cientfica. A interao entre cincia, cultura e arte, com valorizao dos aspectos culturais e humansticos da cincia, uma perspectiva relevante, assim como o a promoo da interculturalidade na relao entre a cincia e os demais conhecimentos. Saberes populares e tradicionais devem ser reconhecidos e valorizados no processo de constrruo do conhecimento e em polticas de popularizao da C,T&I (MCT, 2010, p.90).Prope-se nesse trabalho que os museus de cincia e tecnologia no Brasil devem atuar na difuso e popularizao da C,T&I junto sociedade, envolvendo rgos governamentais, instituies cientficas/comerciais e universidades na extenso tecnolgica direcionada s associaes de artesos para a informao/formao, a apropriao e o uso de instrumentais que garantam os direitos de Propriedade Intelectual na conquista da cidadania e elevao da qualidade de vida individual e coletiva. Considera-se que a existncia de distintas formas/concepes de registro quando atua de forma colaborativa, congregando o museu como um importante aliado na popularizao da C,T&I junto sociedade, serve com maior eficcia proteo dos produtos e modos de saber-fazer, complementando as lacunas presentes na legislao.Entre a tradio e a modernidade: Propriedade Intelectual, Artesos e Museus de Cincia e TecnologiaNo final de 2012, foi aprovada junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a Indicao Geogrfica (IG) da Renda Irlandesa produzida no municpio de Divina Pastora em Sergipe. A entrega do certificado aconteceu no Museu da Gente Sergipana, em Aracaju, na noite de 11 de abril de 2013, junto s autoridades polticas sergipanas e representantes da Associao para o Desenvolvimento da Renda Irlandesa de Divina Pastora (Asderen).

Segundo a definio legal do artigo 177 do CPI, considera-se indicao de procedncia o nome geogrfico de pas, cidade, regio ou localidade de seu territrio, que se tenha tornado conhecido como centro de extrao, produo ou fabricao de determinado produto ou de prestao de determinado servio. J a denominao de origem, disciplinada no artigo 178 do CPI o nome geogrfico de pas, cidade, regio ou localidade de seu territrio, que designe produto ou servio cujas qualidades ou caractersticas se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geogrfico, includos fatores naturais e humanos (LEMOS, 2011, p.149).

A posse do certificado de IG confere ao grupo a procedncia e a qualidade dos produtos, agregando valor e credibilidade ao artesanato de Divina Pastora. Mas foi longo o caminho, desde 2008, quando a Asderen solicitou o reconhecimento ao Sebrae-SE, e foram desenvolvidas vrias atividades para sensibilizao das artess e gestores pblicos, alteraes no Estatuto da Associao, pesquisa histrica da tcnica da renda irlandesa e a elaborao de normas sobre o processo de confeco das peas.

No ms de setembro de 2011, a documentao com 307 pginas contendo todas as informaes necessrias sobre o produto renda de agulha em lac foi entregue ao INPI, obtendo o registro de Indicao de Procedncia (IP) em 26/12/2012 sob o nmero de IG201107.

O selo IP certifica um produto de uma regio que se tenha notabilizado como centro de produo de um determinado produto. [...] necessrio que haja uma clara ligao estabelecida entre o produto, o territrio e o talento do homem (o saber-fazer) (GUIMARES FILHO, 2014, p.43).

Embora este seja um processo comum na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil ainda bem recente e poucos so os produtos beneficiados com essa concesso. Antes da busca pelo IG junto ao INPI, em 27 de novembro de 2008, o ofcio do fazer renda irlandesa em Divina Pastora foi includo no Livro de Registro dos Saberes, junto ao Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), tornando-se Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil.

Em janeiro de 2013, durante a 14 Feira de Sergipe na Orla de Atalaia realizada pelo Sebrae em Aracaju, a prefeitura de Divina Pastora montou trs estandes para mostrar a sua cultura e as tradies do seu povo, sobretudo a renda irlandesa. Em entrevista, o prefeito Sylvio Cardoso afirmou que:

O municpio surge como principal territrio do artesanato porque no local se encontram os elementos que culminaram com a apropriao do ofcio por mulheres humildes que reinventaram a tcnica, o uso e o sentido deste saber-fazer.

O fato da entrega da certificao de IG na modalidade IP para a Renda Irlandesa ser realizada em cerimnia no Museu da Gente Sergipana, um museu erigido sob a alcunha de museu tecnolgico remete ao papel dos museus de Cincia e Tecnologias em sua interao com a comunidade na qual se insere. Para alm de meros templos de contemplao ou laboratrio de aprendizado, a contemporaneidade cada vez mais exige desses lugares de saber/poder que socializem seus conhecimentos na formao e empoderamento social daqueles que esto em grande parte distanciados das universidades.Desde os anos 2000, o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) tem cumprido esse papel no dilogo com as comunidades mantenedoras de culturas imateriais atravs de editais de financiamento, publicaes, exposies e registros.

A implementao do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial pelo Decreto n 3.551/2000 ampliou as aes de tombamento do patrimnio histrico nacional partir de novos instrumentos de acautelamento dos bens intangveis: Livro de registro dos saberes, Livro das formas de expresso, Livro das celebraes e Livro dos lugares. Estando contido nos dois primeiros livros os conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades (PELEGRINI, 2009, p. 29-30).

A preocupao com o registro da memria coletiva e a salvaguarda do patrimnio cultural decorre do reconhecimento de que: as expresses culturais constituem um dos mais intensos exemplos da criatividade e da persistncia das tradies das diversas etnias que se entrecruzaram e formaram a nao brasileira (PELEGRINI; FUNARI, 2008, p.82).Apropriar-se da cultura no apenas atravs das relaes identitrias, mas tambm monetrias faz com que os grupos sociais, que outrora estavam margem da macroeconomia, se empoderem de seus prprios destinos como sujeitos de suas trajetrias. Assim, a articulao cultura/comrcio no uma novidade, mas, recente seu enquadramento no quadro da Economia da Cultura, aqui entendida como:

o aprendizado e o instrumental da lgica e das relaes econmicas - da viso de fluxos e trocas; das relaes entre criao, produo, distribuio e demanda; das diferenas entre valor e preo; do reconhecimento do capital humano; dos mecanismos mais variados de incentivos, subsdios, fomento, interveno e regulao; e de muito mais em favor da poltica pblica no s de cultura, como de desenvolvimento (REIS, 2009, p.25).

O aprendizado das relaes de fluxo circular de renda no mercado pelos pequenos povoados produtores de artesanato via saber/fazer, inserindo-os nos eixos de oferta e procura visa o bem estar da comunidade envolvendo questes econmicas que so referncias para a mesma, como produo, distribuio, escassez, necessidades, incentivos e escolhas (VALIATI apud REIS; MARCO, 2009, p.55).

H algum tempo tem ocorrido um intenso debate respeito da atuao dos agentes nos campos de natureza dos registros (direitos autorais, propriedade intelectual, propriedade industrial) em relao aos conceitos de patrimnio cultural imaterial (INRC). Para Di Blasi (2002) citado por Wanghon e Costa (2004):O Patrimnio Imaterial pode ser considerado bem, uma vez que bem tudo aquilo, corpreo ou incorpreo, que contribuindo direta ou indiretamente, venha propiciar ao homem o bom desempenho de suas atividades, que tenha valor econmico e que seja passvel de apropriao pelo homem (WANGHON; COSTA, 2004, p.02).Conceituao muito prxima da concepo de Russo, Silva e Nunes (2012) citando Quintella et alli (2010) sobre a Propriedade Intelectual: um conjunto de direitos que incidem sobre a criao do intelecto humano. Trata-se de um termo genrico utilizado para designar os direitos de propriedade que incidem sobre a produo intelectual humana (coisa intangvel, ativo ao titular o direito de auferir recompensa pela prpria criao, por determinado perodo de tempo (RUSSO; SILVA; NUNES, 2012, p.56).

Assim, no processo de fluidez das relaes de produo e comercializao, a compreenso dos usos da Propriedade Intelectual permite:

[...] a identificao de tecnologias passveis de patenteamento, a negociao e contratao de licenas e a utilizao de marcas, desenhos industriais e patentes para aumentar o valor agregado e promover a diferenciao competitiva e o aumento das exportaes (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p.13).Sob esse aspecto salientam ainda Jungmann e Bonetti (2010) que:

[...] o direito a propriedade intelectual est relacionado a informao ou ao conhecimento que pode ser incorporado, ao mesmo tempo, a um nmero ilimitado de cpias de um objeto, em qualquer parte do mundo, e no ao prprio objeto copiado. Ento, a propriedade intelectual no se traduz nos objetos e em suas cpias, mas na informao ou no conhecimento refletido nesses objetos e cpias, sendo, portanto, um ativo intangvel (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p.19).Ainda segundo Almeida, Monde e Pinheiro (2012-2013):

Os direitos de propriedade intelectual so aqueles relacionados com a proteo legal que a lei atribui criao do intelecto humano, garantindo aos autores de determinado contedo o reconhecimento pela obra desenvolvida, bem como a possibilidade de expor, dispor ou explorar comercialmente o fruto de sua criao (ALMEIDA; MONDE; PINHEIRO, 2012-2013, p.11).

Desse modo, os autores trazem para si um campo de reflexo terica importante para o entendimento da Propriedade Intelectual em sua feio de salvaguarda e agregao de valor do bem produzido pelos grupos sociais e ademais, avanam para a discusso em tela nesse projeto, no que tange as IGs como instrumentos potenciais para o destaque dos aspectos distintivos dos produtos, atravs da identificao e uso dos fatores naturais e humanos. Assim, o registro das indicaes geogrficas no Brasil feito pelo INPI e tem suas regras disciplinadas pela resoluo do INPI n 75/00. Esta resoluo estabelece no pargrafo nico de seu artigo 1 que o registro referido no caput de natureza declaratria e implica no reconhecimento das indicaes geogrficas. O registro tem carter declaratrio e no constitutivo. Ele reconhece uma situao de fato previamente existente (LEMOS, 2011, p.151).

Perspectiva que coloca em foco a forma como os setores sociais produtivos visualizam a certificao da IG, quer enquanto uma ferramenta para a conquista e fidelizao de clientes, quer como uma estratgia competitiva, tendo em vista que:[...] uma indicao geogrfica identifica para o consumidor que um produto e produzido em um determinado lugar e tem certas caractersticas que so ligadas ao local de produo. Pode ser utilizada por todos os produtores que desenvolvem suas atividades na localidade designada pela indicao geogrfica e cujos produtos apresentam aquelas determinadas caractersticas (OMPI apud JUNGMANN; BONETTI, 2010, p.67)

Sob esse aspecto ao agregar valor a um determinado produto, a IG levaria tambm uma hierarquizao territorial dos fatores de qualidade e do grau de conhecimento dos consumidores dos produtos certificados.Em termos econmicos, as Indicaes Geogrficas constituem um meio de valorizar a localidade e o pas de origem. Elas estabelecem um vnculo entre um produto agropecurio ou artesanal com a sua regio de origem, se tornando uma ferramenta coletiva dos produtos para promover seus produtos e territrios, podendo permitir uma melhor distribuio do valor agregado ao longo da cadeia de produo (LIMA e TAPAJS, 2010 apud RUSSO; SILVA; NUNES, 2012, pp.80-81).

Compondo tambm esse quadro a Indicao de Procedncia (IP) que segundo Kipper, Grunevald e Neu (2011, p.26):

[...] caracterizada por ser o nome geogrfico conhecido pela industrializao de um determinado produto, ou pela prestao de dado servio, possibilitando agregao de valor quando indicada a sua origem, independente de outras caractersticas. Seu objetivo proteger as relaes existentes entre o produto ou servio e sua reputao, considerando sua origem geogrfica, condio na qual no pode ser ignorada. Assim, percebe-se que enquanto o INRC do IPHAN agrega um valor de reconhecimento cultural ao modo de fazer do artesanato brasileiro registrado em suas bases, o IG (nas modalidades IP ou DO) agrega valor de reconhecimento econmico e potencializador de comercializao do artesanato produzido em um determinado espao. A unio desses instrumentos alm de assegurar os direitos de propriedade dos artesos, conferem-lhes seus mecanismos de ampliao de renda e sustentabilidade provenientes de seus ofcios tradicionais.

Tendo por pressuposto que na relao C,T&I os museus podem atuar como setores mais dinmicos no que diz respeito a execuo de programas mais abrangentes de investigao e registro do patrimnio cultural, uma vez que:

Os museus so essencialmente contextualizadores de contedos. Um elemento importante para o licenciamento de propriedade intelectual de instituies culturais o conhecimento adicional que os museus podem fornecer para ser agregado aos activos a serem licenciados (SAIAS, 2011, p.7).

No Brasil o Museu Paraense Emlio Goeldi, em razo de sua dedicao projetos de pesquisa na regio amaznica, criou o seu Ncleo de Inovao Tecnolgica (NIT) em 2006 e desde ento tem se destacado na realizao de seminrios, oficinas sobre propriedade intelectual e patentes, inovao e tecnologia. Ainda, os projetos so cadastrados em um banco de dados, chamado Sistema de Informaes Gerenciais e Tecnolgicas (SIGTEC), e aps a verificao do potencial de uso comercialpode ocorrer a indicao para a proteo. Como ressaltou Graa Ferraz, coordenadora do Ncleo de InovaoTecnolgica da Amaznia Oriental e o Arranjo de Ncleos de Inovao Tecnolgica da Amaznia Oriental (RedeNamor):Trs pedidos de registros so titularidade somente do Museu Goeldi, pois so idias de seus pesquisadores: Inocncio Gorayeb, DirseKern e Cristine Amarante. Os outros trs pedidos de registros de patentes so em co-titularidade porque so pesquisas realizadas por vrias instituies. No caso especfico, so pesquisas lideradas pela Dra. Fni Dolabela, da Universidade Federal do Par (UFPA) e a Dra.Marlia Coelho, do Museu Goeldi, pesquisadora participante (LEO, 2013).

Todavia, o Museu Goeldi se caracteriza por pesquisas especficas na rea da biodiversidade e seus registros destinam-se quase que exclusivamente aos pesquisadores das reas biolgicas, que j possuem uma formao universitria.

Portanto, defende-se uma subverso dessa idia no sentido de que os Museus de Cincia e Tecnologia podem cumprir um papel social mais ativo, ao estabelecerem parcerias com o IPHAN, INPI, o Sebrae, as Fundaes de Apoio Tecnolgico locais, as universidades pblicas e privadas, com o intuito de formar equipes multidisciplinares com habilidades especficas para instrumentalizar os grupos sociais de arteso, oriundos de comunidade tradicionais, no preenchimento correto dos formulrios de registro de IP, na coleta e anexao das informaes complementares sobre cada ofcio cujo selo de certificao possa ser requerido.

Na atualidade apenas quatro produtos oriundos do artesanato possuem registro de IP junto ao INPI, sendo estes obtidos pelas: Asderen em Divina Pastora SE (2012), a Associao dos Artesos em Capim Dourado da Regio do Jalapo TO (em 2011), a Associao das Paneleiras de Goiabeiras APG/ES (2011) e a Associao dos Artesos de Peas em Estanho de So Joo Del-Rei/MG (2012).

Consideraes Finais

Desde o sculo XIX os Museus de Cincia esto presentes no cenrio institucional brasileiro ao lado de Academias e Institutos especficos. Com um discurso pedaggico do empirismo e da difuso da cincia atravs de suas exposies, boletins e revistas tm realizado um constante intercmbio com outras instituies de pesquisa nacionais e internacionais.

Entretanto no que diz respeito s comunidades de artesos que poduzem peas oriundas de elementos naturais e portanto participam do extrativismo natural, atuando como propagadoras de seu modo de fazer tradicional, ainda h um profundo distanciamento das instituies museiais que em geral s se aproximam destas para usar seu artesanato como objeto expositivo.

A grande questo desse momento, quando desde 2009 h um intenso incentivo do Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) no pas direcionado ao desenvolvimento de tecnologias sociais e garantia de maior acessibilidade aos conhecimentos por um pblico mais amplo, segue no uso da intelectualidade, da profissionalizao e das prprias dependncias museais no processo de orientao de grupos sociais artesos, ribeirinhos e outros para que possam lidar com seu cotidiano de forma mais segura no que diz respeito aos registros de propriedade e indicao geogrfica, mas tambm, que esses instrumentos os auxiliem na sustentabilidade.Referncias Bibliogrficas

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GUIMARES FILHO, Clvis. Uma estratgia de insero no mercado para produtos do Semirido (Certificao de Indicao Geogrfica). Disponvel em: http://www.seagri.ba.gov.br/sites/default/files/4_socioeconomia02v9n1.pdf, Acesso em: 19/05/2014.HALBWACHS, Maurice. A Memria Coletiva. So Paulo: Centauro, 2006.JUNGMANN, Diana de Mello; BONETTI , Esther Aquemi. Inovao e propriedade intelectual: guia para o docente . Brasilia: SENAI, 2010. 93 p.KIPPER, Liane Mhlmann; GRUNEVALD, Isabel; NEU, Daiane Ferreira Prestes. Manual de Propriedade Intelectual. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011.LEO, Silvia de Souza. Os primeiros registros de patentes de pesquisas do Museu Goeldi. 22/05/2013. Disponvel em: http://www.museu-goeldi.br/portal/content/os-primeiros-registros-de-patentes-de-pesquisas-do-museu-goeldi-0, Acesso em: 01/07/2014.

LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual (Caderno de Direito). Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2011. MCT. Livro Azul da 4 Conferncia Nacional de Cincia e Tecnologia e Inovao para o Desenvolvimento Sustentvel. Braslia: Ministrio da Cincia e Tecnologia/Centro de Gesto e Estudos Estratgicos, 2010.

PELEGRINI, Sandra de Cssia Arajo. Patrimnio cultural: conscincia e preservao. So Paulo: Brasiliense, 2009.____; FUNARI, Pedro Paulo. O que Patrimnio Cultural imaterial. Col. Primeiros Passos, 331. So Paulo: Brasiliense, 2008.REIS, Ana Carla Fonseca; MARCO, Ktia (orgs.) Economia da Cultura. Idias e vivncias. Rio de Janeiro: Publit, 2009.RUSSO, Suzana Leito; SILVA, Gabriel Francisco da; NUNES, Maria Augusta Silveira Netto (Orgs). Capacitao em inovao tecnolgica para empresrios. So Cristvo: Editora UFS, 2012.SAIAS, Marco Alexandre. A Propriedade Intelectual e os museus. Uma ferramenta para sustentabilidade. In: Actas Encontro Museus e Sustentabilidade Financeira. Porto: ICOM, 2011. 10p.

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Cdigo de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96).

exemplo do queijo roquefort, do sul da Frana, e do espumante da cidade de Champagne, tambm na Frana.

exemplo da cachaa artesanal de Salinas (MG), das panelas de barro de Goiabeiras (ES) e do mrmore da regio de Cachoeiro do Itapemirim (ES).

Conf. DIVINA PASTORA mostrou a sua cultura e suas tradies. In: Ecofinanas - Economia e Finanas Notcias (28/01/2013). Disponvel em: HYPERLINK "http://www.ecofinancas.com/noticias/divina-pastora-mostrou-cultura-tradicoes"http://www.ecofinancas.com/noticias/divina-pastora-mostrou-cultura-tradicoes, Acesso em: 13/05/2014.

Partindo-se da premissa de que a memria coletiva uma corrente de pensamento contnuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, pois no retm do passado seno o que est vivo ou capaz de viver na conscincia do grupo que a mantm (HALBWACHS, 2006, p.102).

Referncia ao conceito de campo proposto por Pierre Bourdieu (2012, p.9), para quem campo representa um espao simblico, por onde perpassam as lutas de distintos agentes que determinam, validam e legitimam representaes. Nesse sentido, o campo assume a forma de poder simblico. Cultura, Cincia, Tecnologia seriam assim entendidos enquanto campos sob a tica bourdiana.

Referncia s Indicaes Geogrficas reconhecidas junto ao INPI, atualizadas em 15/10/2013.