PROPRIEDADES FUNCIONAIS DAS PROTEÍNAS DO PEIXE

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Proteínas do peixe

propriedades fUncionais

das proteÍnas do peixe

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composiÇÃo e Valor nUtricional

Um maior interesse foi dado ao peixe após a expansão da nutrição como área de conhecimento, que apresentou as vantagens do peixe como alimento, devido ao seu valor nutritivo, principalmente em relação aos teores de vitaminas A e D e da qualidade dos lipídeos.

Embora extremamente variável, a composição química da carne do pescado, particularmente dos peixes, aproxima-se bastante da composição de aves, bovinos e suínos. Seu principal componente é a água, cuja proporção, na parte comestível, pode variar de 64% a 90%, seguido pelas proteínas, de 8% a 23%, e pela gordura, de 0,5% a 25%. Entre os constituintes minori-tários dos pescados encontram-se os sais minerais, cujo teor varia de 1,0% a 2,0%, os carboidratos, que no caso dos peixes não chegam a representar 1,0% da sua composição, e as substâncias nitrogenadas não protéicas, sem im-portância nutricional, que não atingem 0,5% na carne dos peixes frescos.

A carne de peixe apresenta a mes-ma proporção de proteínas que as carnes bovinas, suínas e de aves, porém de qualidade superior devido ao fato de conter menor teor de tecido conjunti-

Embora nenhum alimento por si só consiga melhorar a saúde, comer mais peixe pode ajudar a melhorar

os hábitos alimentares e, conseqüentemente, a saúde. As proteínas miofibrilares dos peixes determinam, em grande parte, a qualidade da textura dos produtos derivados da pesca. O controle das condições da cadeia de abastecimento e a utilização de processos específicos que irão atuar sobre as propriedades dessas proteínas podem maximizar a qualidade do produto do peixe.

vo - constituído de proteínas de baixa qualidade - do que as outras carnes.

Dentro do aspecto da qualidade protéica do peixe, um estudo sobre implicações nutricionais da qualidade de peixes e alimentos marinhos deter-minou que os peixes contêm níveis de proteínas de 17,0% a 25,0%; a proteína de peixe é altamente digerível e rica em metionina e lisina, considerados aminoácidos essenciais, não sendo sintetizados pelo organismo humano e cuja ingestão na dieta é fundamental.

A composição de aminoácidos essenciais (histidina, isoleucina, leu-cina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina) no peixe é completa, balanceada e bastante semelhante entre as espécies de água doce e água salgada. Quanto às proteí-nas da carne dos peixes, a miosina é rica em ácido glutâmico (22,5%), ácido aspártico, lisina, leucina e isoleucina, que juntos perfazem aproximada-mente 55% dos aminoácidos totais, podendo variar em função da espécie, tamanho, gênero, habitat e estação do ano, compreendendo, geralmente, cerca de 20% de proteína total.

Dentre os carboidratos do peixe estão o glicogênio e os mucopolis-sacarídeos, além de açúcares livres e fosfossacarídeos. Seu conteúdo é de 0,3% a 1,0%, mas determinados

mariscos estocam parte da reserva energética, como glicogênio, o qual contribui para o sabor adocicado ca-racterístico desses produtos.

O peixe é boa fonte de vitaminas, no entanto, na prática, nos processos de conservação, como durante a cocção, po-dem ocorrer perdas devido à lixiviação pelo calor, luz, oxigênio e enzimas. As vitaminas lipossolúveis são encontradas, sendo que alguns tipos de peixes con-centram até 50.000 UI de vitamina A e 45.000 UI de vitamina D. As vitaminas hidrossolúveis distribuídas por todo o organismo do peixe são a tiamina (vi-tamina B1), riboflavina (vitamina B2), piridoxina (vitamina B6), ácido pantotê-nico (vitamina B5), ácido fólico (vitami-na B9) e ácido ascórbico (vitamina C), presentes no tecido muscular do peixe. Os peixes magros são mais pobres em vitamina A e os elasmobrânquios, ou peixes cartilaginosos, apresentam apenas traços de vitamina D.

Com relação aos minerais, a carne de peixe é considerada uma fonte valiosa de cálcio e fósforo, em particular, apresen-tando quantidades razoáveis de sódio, potássio, manganês, cobre, cobalto, zin-co, ferro e iodo. No músculo dos peixes encontram-se magnésio, cloro, enxofre, selênio, cromo e níquel, entre outros.

A composição de lipídeos do peixe é responsável pelas maiores diferen-

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Proteínas do peixe

O ácido eicosapentaenóico (EPA

ou também ácido icosapentaenóico)

é um ácido graxo dos ômega 3 (ω-3).

O EPA e seus metabólitos atuam no

organismo, principalmente, em virtu-

de de sua associação com o ácido

araquidônico. Na literatura bioquímica

recebe o nome de 20:5(n-3), por ter

uma cadeia de 20 carbonos (um eico-

sanóide) com cinco ligações duplas cis

a partir do carbono número 3. É conhe-

cido também como ácido timnodônico.

Quimicamente, é um ácido carboxílico.

O ácido eicosapentaenóico é um

ácido graxo insaturado e o precursor

da prostaglandina-3 (um agregador

plaquetário), do tromboxano-3 e do

leucotrieno-5 (todos eicosanóides).

Nome IUPAC: Ácido (5Z,8Z,11Z,14Z,17Z)-icosa-5,8,11,14,17-pentaenóico Número CAS: 1553-41-9 Fórmula molecular: C20H30O2 Massa molar: 302.451 g/mol

o Ácido eicosapentaenÓico

ças observadas, variando bastante entre diferentes espécies e também dentro da mesma espécie, durante diferentes fases do ano. Os peixes oní-voros ou herbívoros, migradores, com desova total uma vez ao ano, apre-sentam grande variação de gordura entre os períodos de inverno e verão. Esta variação é menor ou ausente nos peixes carnívoros, os quais ocupam o fim da cadeia alimentar, não migram tanto e têm desova contínua.

Com relação ao conteúdo de lipídeos, os peixes dividem-se em dois grupos: peixes magros e peixes gordos, conforme a idade, estado biológico, tipo de alimentação e estado de nutrição do peixe, como também, da temperatura da água.

Outro fator que torna o conheci-mento dos teores de lipídeos muito importante é a presença de ácidos graxos poliinsaturados, principalmen-te os da família ω-3. O fornecimento de ácidos graxos ω-3 para a espécie humana depende da fonte alimentar, sendo portanto, importante conhecer quais são as fontes capazes de suprir essas necessidades. Dentre estas fontes, podem ser citados o leite hu-mano, óleos vegetais, peixes, óleos de peixes, diversos animais marinhos e

margarinas fortificadas, entre outros.Os óleos de peixe contêm uma

grande variedade de ácidos graxos com 20 a 22 átomos de carbono, alta-mente insaturados, destacando-se o eicosapentaenóico, ou também ácido icosapentaenóico, (EPA C20:5, ω-3) e o docosaexaenóico (DHA C22:6, ω-3), da série ω-3, os quais não ocorrem em outros animais em quantidades além de traços. Estes ácidos graxos têm a capacidade de reduzir o risco de doenças coronarianas, além de serem atribuídos outros efeitos imunológicos e antiinflamatórios, principalmente no caso de asma, artrite reumatóide e auto-imunidade. Estes efeitos são resultado do fato de que estes ácidos possuem a capacidade de reduzir o teor de lipídeos séricos, levando a sua conversão a compostos chamados eico-sanóides, que apresentam ação direta sobre a fisiologia do sistema vascular.

Além da redução do risco de doen-ças coronarianas, outros efeitos são ainda atribuídos aos ácidos graxos da família ω-3 e ω-6. Pesquisas com áci-dos graxos pertencentes à família ω-3, particularmente o EPA (C20:5 ω-3), indicam uma interferência na produ-ção de prostaglandina trombótica e tromboxano, ou são transformados

em prostaglandinas antitrombóticas e, devido aos estudos com os eico-sanóides, têm se conhecido as suas ações vasculares e hemostáticas. Ainda segundo as pesquisas, o ácido graxo DHA (C22:6, ω-3) é o maior constituinte da porção fosfolipídica das células receptoras e está presente na retina, no cérebro humano e em diversos tecidos corporais.

Os lipídeos de alimentos marinhos possuem baixa quantidade total de óleos saturados, que favorecem a formação do colesterol do tipo LDL (lipoproteína de baixa densidade), com concentração variando de 11% a 17%, enquanto que na carne de suínos a proporção é, em média, de 36% e de bovinos de 48%. Além disso, os ácidos graxos poliinsaturados que compõem os óleos de pescados são responsáveis pela fluidez das mem-branas biológicas, ou seja, são essen-ciais nas membranas biológicas para que desempenhem adequadamente suas funções. A microviscosidade e a fluidez de proteínas associadas às membranas são afetadas pela qua-lidade dos ácidos graxos presentes e por essa alteração ter sua difusão melhorada ou prejudicada. A difusão é muito maior em membranas que possuem alto teor de ácidos graxos poliinsaturados.

Os ácidos graxos poliinsaturados presentes nos lipídeos de peixes podem reduzir efetivamente o teor de lipídeos no plasma sangüíneo. En-tretanto, não se sabe ainda quais as quantidades que devem ser ingeridas para produzir os efeitos desejados. Segundo estudos epidemiológicos realizados no Japão e na Groelândia, o consumo aproximado de 30g de óleo de pescados por dia pode ser o sufi-ciente para causar efeitos benéficos ao organismo humano, principalmen-te em moléstias cardíacas.

os lipÍdeos e os peixes

Lipídeos são biomoléculas orgâ-nicas insolúveis em água que podem ser extraídas de células e tecidos por solventes de baixa polaridade,

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como por exemplo, o clorofórmio e o éter. Junto com as proteínas e os carboidratos, os lipídeos são um dos mais importantes nutrientes, que fornecem ao corpo energia e man-tém os processos celulares vitais. Os lipídeos de reserva incluem triglicerí-deos, diglicerídeos, monoglicerídeos, ácidos graxos, colesterol, ésteres do colesterol e fosfolipídeos. Outros lipídeos, embora presentes em quan-tidades relativamente pequenas, de-sempenham papel importante como co-fatores enzimáticos, carregadores de elétrons, pigmentos, agentes emul-sificantes, hormônios e mensageiros intracelulares.

Os lipídeos possuem um número grande de funções, entre elas a função energética, provendo uma energia de 9kcal por grama, sendo armazenados pelo corpo como triglicerídeos, até sua utilização estrutural, pois são um dos principais componentes das membranas celulares e são vitais para manter a integridade celular, forma, flexibilidade e permeabilida-de; processos fisiológicos, uma vez que os lipídeos da dieta são decisivos para o funcionamento de cada órgão e tecido por estarem diretamente en-volvidos na produção de eicosanóides (substâncias parecidas aos hormônios que regulam muitos sistemas do or-ganismo); participam na manutenção da parede vascular e nas respostas imunes; absorção de vitaminas, pois os lipídeos atuam como transporta-dores de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), ajudando na sua absorção e palatabilidade, pois os lipídeos pro-porcionam aos alimentos sabor, odor e textura, além de darem a sensação de saciedade.

Quimicamente, os lipídeos mais abundantes são misturas de glicerí-deos que, por sua vez, são moléculas formadas pela associação química entre o glicerol e uma, duas ou três moléculas de ácidos graxos. Os ácidos graxos mais comuns nos alimentos consistem em um número par de átomos de carbono, variando de 12 a 22 carbonos.

Mais importante do que o teor lipídico dos alimentos, é a forma com que estes são encontrados e a existência, ou não, de produtos de oxidação lipídica (de ácidos graxos ou colesterol) e ácidos graxos insa-turados (forma cis/trans).

Especialistas em nutrição e ali-mentos recomendam que a ingestão de ácido linoléico (C18:2 ω-6) deve fornecer entre 4% a 10% das ener-gias. Ingestões no limite superior são recomendadas quando a ingestão de ácido graxo saturado e colesterol são relativamente altos; o consumo de colesterol na dieta deve ser limi-tado a menos que 300mg/dia; níveis elevados de colesterol sérico, LDL e ácido graxo trans constituem os maiores fatores de risco para arte-riosclerose e doenças coronarianas; os ácidos graxos láurico, mirístico e palmítico elevam a LDL e coles-terol; o ácido graxo poliinsaturado linoléico reduz moderadamente a LDL e colesterol, e o colesterol dietético eleva o colesterol sérico e os níveis de LDL, mas a extensão do aumento é altamente variável.

Ácidos graxos e os peixes

Os ácidos graxos são ácidos carbo-xílicos, geralmente monocarboxílicos, que podem ser representados pela forma RCO2H, freqüentemente

nomeados em forma abreviada de acordo com suas estruturas químicas, sendo classificados como saturados e insaturados. Na maioria das vezes, o grupamento R é uma cadeia carbôni-ca longa, não ramificada, com número par de átomos de carbono, podendo ser saturada ou conter uma ou mais insaturações.

A nomenclatura química conven-cional e a sistemática, a qual inicia a numeração dos átomos de carbonos pelo grupo carboxila terminal. Os átomos de carbono de número 2 e 3 adjacentes ao grupo carboxila, são denominados de carbonos α e β, respectivamente, enquanto o último carbono é o ω. A posição da dupla ligação é indicada pelo símbolo Δ, seguido por um número, por exemplo, Δ9 refere-se a dupla ligação entre os carbonos 9 e 10, numerados a partir do grupo carboxila.

Os ácidos graxos saturados se encontram, predominantemente, em alimentos como carne, ovos, queijo, leite e manteiga, óleos de coco e palma, como também em vegetais oleaginosos. O ácido oléico (C18:1 ω-9) é o mais comum dos ácidos graxos mo-noinsaturados encontrados na maio-ria das gorduras animais, incluindo aves, carne de vaca e cordeiro, bem como em azeitonas, sementes e nozes.

A biossíntese dos ácidos graxos se

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Proteínas do peixeinicia após hidrólise na cavidade oral e no estômago. Os lipídeos da dieta são emulsificados no duodeno com a ajuda dos ácidos biliares. Os lipídeos e os sais biliares interagem para formar as micelas, as quais são formadas por triacilgliceróis, ésteres de colesterol e fosfolipídeos, que são digeridos com a ajuda da lipase e colipase e, sub-seqüentemente, os lipídeos digeridos entram passivamente nos enterócitos. Os ácidos graxos de cadeia curta são transportados no sangue ligados a albumina. A absorção dos ácidos graxos poliinsaturados para dentro dos enterócitos é facilitada por uma proteína ligante de ácidos graxos (FABP). A FABP á uma pequena pro-teína que tem grande afinidade por ácidos graxos de cadeia longa. Após absorção, os ácidos graxos de cadeia longa são esterificados novamente a triacilglicerol por aciltransferases, sendo liberados na circulação linfática como quilomícrons.

Muitas plantas marinhas (espe-cialmente algas unicelulares) e alguns óleos de peixes marinhos são ricos em EPA e DHA, que são os produtos da elongação e dessaturação do ácido α-linolênico.

Tem sido atribuída uma elevada importância nutricional aos ácidos da família ω-3, especialmente aos ácidos α-linolênico C18:3 ω-3 (LNA), eicosa-pentaenóico C20:5 ω-3 (EPA) e doco-saexaenóico C22:6 ω-3 (DHA). Assim, inúmeras pesquisas surgiram sobre os ácidos graxos ω-3 e, conseqüentemen-te, as indústrias alimentícias e farma-cêuticas suplementaram alimentos e desenvolveram concentrados com ω-3 em todo o mundo.

Os resultados das pesquisas têm confirmado que um aumento na in-gestão de ácido graxo poliinsaturado ω-3 reduz a taxa total de colesterol no sangue. Além disso, estudos rea-lizados com base em intervenções de dietas comprovaram que o consumo de ácido graxo poliinsaturado e/ou óleos de pescado reduz fatores bioquí-micos de risco associados às doenças cardiovasculares, psoríase, artrite

TABELA 1 - CONTEÚDO EM ω-3 DE PEIXES, MOLUSCOS E CRUSTÁCEOS (POR PORÇÃO DE 100G)

Salmão do Atlântico, de viveiro, cozido 1,8

Biqueirão europeu, enlatado em óleo, escorrido 1,7

Sardinha do Pacífi co, enlatada com molho de tomate, escorrida, com espinhas 1,4

Arenque do Atlântico, em vinagre 1,2

Sarda do Atlântico, cozida 1,0

Truta arco-íris, de viveiro, cozida 1,0

Imperador, cozido 0,7

Atum branco, enlatado em água, escorrido 0,7

Arinca do Atlântico, cozido 0,5

Peixes chatos (solha e linguado), cozidos 0,4

Alabote do Atlântico e do Pacífi co, cozido 0,4

“Tipo bacalhau” (Haddock), cozido 0,2

Bacalhau do Atlântico, cozido 0,1

Mexilhões azuis, cozidos ao vapor 0,7

Ostras ao natural, cozidas 0,5

Vieiras, diversas espécies, cozidas 0,3

Amêijoas, diversas espécies, cozidos em água 0,2

Camarões, diversas espécies, cozidos em água 0,3

e câncer, e pode estar envolvido na fertilidade humana.

Os ácidos graxos poliinsaturados são encontrados em óleos vegetais, principalmente os da série ω-6, na qual se destaca o ácido linoléico. Alguns óleos, como o de soja, linhaça e canola, apresentam ácido graxo da família ω-3. Os ácidos graxos poliinsaturados presentes em peixes apresentam como principais funções biológicas a manutenção do mosaico fluido das membranas, bem como a reserva de energia e a regulação da densidade, através do acúmulo em depósitos de gordura, preferencial-mente na forma de triglicerídeos.

É recomendada a escolha de peixes com elevado teor de ácidos graxos ω-3, no mínimo, duas vezes por semana, para sentir os seus efeitos benéficos para a saúde. Embora nem todos os peixes sejam ricos nestes componentes, diferentes tipos de peixes ingeridos regularmente podem fornecer quantidades significativas. A Tabela 1 fornece uma visão geral do conteúdo em ω-3 de diferentes peixes e crustáceos.

as proteÍnas do mÚscUlo de peixe

Nos países industrializados, o co-mércio de peixe está em grande parte baseado em produtos congelados; nos Estados Unidos e na Europa, ele chega à mesa dos consumidores através de grandes e tradicionais marcas de produtos de consumo. Para o consumidor, os principais atributos que determinam a qualidade dos produtos congelados de peixe são o aroma e a textura. Embora as enzi-mas no peixe possam contribuir para que ocorram mudanças no aroma du-rante o armazenamento, as proteínas atuam principalmente na textura dos produtos de peixe.

A Figura 1 mostra a organização estrutural da carne de peixe. O filé de peixe é dividido em blocos de músculos conhecidos como miotomas, que são separados através de tecidos conectivos ou conjuntivos colagenosos chamados de miocomatas. No cozi-mento, o colágeno das miocomatas é desnaturado e os miotomas (mús-culos) podem se separar, formando

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“flocos” de peixe cozido. As fibras de músculo do peixe passam entre os miocomatas adjacentes. Dentro das fibras do músculo encontram-se as miofibrilas, os elementos contráteis do músculo. As miofibrilas são com-postas de filamentos grossos, forma-dos pela miosina (mais especificamen-te miosina II), e de filamentos finos, formados por monómeros de actina, nebulina, tropomiosina e troponina. A actina é uma proteína que possui peso molecular de 43 kDa e que pode formar filamentos medindo entre 5 e 7nm de diâmetro. Além destes fila-mentos, está presente uma proteína gigante denominada titina, que possui um alto grau de elasticidade. A sua função é a de evitar que ocorra um estiramento excessivo do músculo.

É o arranjo desses filamentos, mos-

trado na Figura 1, que dá ao músculo seu padrão característico. A repetição das miofibrilas, a distância entre duas linhas Z, é conhecida como um sarcó-mero. O sarcómero, também designado miómero, é um dos componentes bási-cos do músculo estriado que permite a contração muscular. Em outros ter-mos, o sarcómero é constituído por um complexo de proteínas, entre as quais actina e miosina, alinhadas em série para formar uma estrutura cilíndrica designada miofibrila, no interior das células musculares. As proteínas dos sarcómeros organizam-se em bandas com características particulares, que ao microscópio eletrônico dão um aspecto estriado ao músculo esquelético (e ao músculo cardíaco). O músculo liso organiza-se de uma forma diferente e não possui sarcómeros. A zona em

que um sarcómero se liga ao seguinte traduz-se por uma linha mais escura, designada linha (ou disco) Z (do ale-mão zwischen - entre ou no meio). Um sarcómero corresponde ao espaço que separa duas linhas Z consecutivas. De cada lado da linha Z encontra-se uma banda clara, denominada banda I (de isotrópico, quando observada sob luz polarizada), composta por filamentos finos de actina. Entre as bandas I encontra-se a banda A (de anisotrópico), mais escura, onde ocorre uma sobreposição de filamen-tos finos com filamentos grossos de miosina. No centro da banda A está a linha M e circundando-a encontra-se uma faixa estreita, mais clara, designada banda H, onde se encon-tram filamentos de miosina.

A titina estende-se da linha Z, onde está ligada ao filamento fino, para a linha M, onde acredita-se que haja interação com o filamento grosso. Quando é feito um corte transversal na banda A, na região onde há sobreposição dos filamentos finos e grossos, observa-se que um filamento grosso encontra-se en-volvido por seis filamentos finos. É nessa zona que se inicia a contração muscular, através da interação entre filamentos finos e grossos.

A proteína do músculo de peixe é normalmente dividida em três grupos principais: as proteínas sarcoplasmáti-cas, as p roteínas miofibrilares e o tecido conjuntivo. As proteínas sarcoplasmá-ticas são solúveis em água e consistem, principalmente, de enzimas que estão envolvidas no metabolismo da célula. Essas proteínas se precipitam no cozi-mento e não contribuem significativa-mente para a textura do peixe. O tecido conjuntivo inclui principalmente coláge-no. A Tabela 2 apresenta a quantidade de proteínas do músculo esquelético.

No músculo de mamíferos existem ligações cruzadas químicas, em vários graus, dos colágenos fazendo com que seja necessário, às vezes, extenso cozimento para amaciar o músculo. Em contrapartida, o colágeno do mús-culo do peixe possui temperaturas de

Miotoma

Linha M Linha ZLinha Z

Filamentos grossos:contendo miosina

Faixa IFaixa A

Seções cruzadas da mio�brila

Sobreposição de �lamentosgrossos e �nos

Filé ou carne do peixe

Fibra do músculo:50-200 µm de diâmetro

Filamentos �nos:Contendo actina

Mio�brila1-2 µm

de diâmetro

FIGURA 1ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL DO FILÉ DE PEIXE

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Proteínas do peixe

derretimento inferiores e é facilmente convertido em gelatina no cozimento.

Dependendo da espécie de peixe, as proteínas miofibrilares, miosina e actina, podem representar 65% a75% do total das proteínas. As miofibrilas ocupam um volume significativo do músculo, sendo comprovado que mudanças na capacidade de retenção de água do músculo decorrem de alte-rações da capacidade de retenção de água das miofibrilas. É justamente essa alta capacidade de retenção de água das proteínas do músculo do peixe que conferem à sua carne uma suculência típica.

Associadas às proteínas miofibrila-res estão as proteínas do citoesqueleto, que formam uma rede tridimensional dentro e entre as células do músculo. A Figura 2 é uma representação dia-gramática do sarcómero, mostrando os elementos-chaves do citoesqueleto associados com as proteínas miofibri-lares. Filamentos conectivos estão associados com os filamentos grossos de miosina, unindo-os à linha Z.

Atualmente, muitas pesquisas es-tão sendo realizadas para determinar o papel das proteínas do citoesqueleto na textura do peixe. Em particular, vários autores atribuíram o amole-cimento do músculo do peixe post mortem à degradação de elementos do citoesqueleto.

fUncionalidade da proteÍna

A qualidade textural de um produ-to congelado de peixe, na hora do pre-

paro pelo consumidor, é determinada por vários elementos diretamente ligados a cadeia de abastecimento. Conforme mencionado anteriormen-te, as proteínas miofibrilares são as principais determinantes da textura e vários passos da cadeia de abaste-cimento poderão ter reflexos diretos sobre essas proteínas.

Após a morte, a circulação do sangue cessa e, como o músculo não é mais abastecido em oxigênio, as mitocôndrias não podem produzir ATP aerobicamente. O ATP é produ-zido, então, principalmente anaero-bicamente, a partir das reservas de glicogênio, com a produção de ácido láctico. Quando o nível de ATP já não pode ser mantido, o músculo endurece em função da ocorrência de interação entre os filamentos grossos e finos. Como resultado dessa ligação entre os filamentos grossos e finos, o músculo fica rígido, estado conhecido como rigor mortis. Normalmente, os peixes passam para o estado de rigor mortis antes do processamento. Se o músculo é removido do peixe em estado de pré-rigor, uma contração extrema, que conduz a uma dureza inaceitável, pode ser o resultado do rigor.

O tempo que o peixe permanece no gelo antes do processamento pode ter efeito significativo na qualidade. O processo post mortem leva ao amolecimento do tecido do músculo, nos mamíferos; assim, um período de armazenamento em câmara frigorífica é freqüentemente necessário para amolecer o músculo. Na carne de

TABELA 2 - PROTEÍNAS DO MÚSCULO ESQUELÉTICO (GRAMA POR 100G DE MÚSCULO)

Proteínas miofi brilares: 10,0

fi lamentos grossos:

miosina proteína C proteína M

5,0 0,2 0,3

fi lamentos fi nos:

actina tropomiosina troponina β-actinina

2,5 0,8 0,8 0,1

linha Z:

α-actinina desmina

0,2 0,1

Proteínas sarcoplasmáticas 7,0

enzimas sarcoplasmáticas e mitocondriais mioglobina hemoglobina citocromo e fl avoproteínas

6,0 0,6 0,2 0,2

Proteínas do estroma 3,0

colágeno e reticulina elastina outras proteínas insolúveis

1,5 0,1 1,4

Total de proteínas 20,0 Fonte: FLORES & BERMELL, 1984

FIGURA 2REPRESENTAÇÃO DIAGRAMÁTICA DO SARCÓMERO

Linha Z

Molécula de titina Molécula de nebulina

Linha M Linha Z

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peixe, além das mudanças caracterís-ticas de aroma, o processo de acondi-cionamento post mortem pode levar a um excessivo amolecimento. Embora se acredite que as principais proteínas miofibrilares, como a actina e a miosi-na, permaneçam na sua maioria intac-tas durante o condicionamento, muitas proteínas do citoesqueleto, como por exemplo, a conectina, a nebulina e a desmina, vão se degradando. Recen-tes estudos de acondicionamento post mortem enfatizam que o processo pode não ser o mesmo em todas as espécies de peixe. Certamente, a taxa à qual a modificação degradativa, e conseqüente amolecimento ocorre, varia consideravelmente entre as espécies de peixe.

Depois de congelado, a degrada-ção microbiana cessa, mas o flavour e

a textura de muitas espécies de peixe continuam mudando. Em espécies gordurosas de peixe, a mudança no flavour é o resultado da oxidação dos lipídeos, que pode limitar o shelf life. Para os produtos de peixes per-tencentes a ordem dos gadiformes como, por exemplo, o bacalhau, o haddock e a polaca do Alaska, a principal preocupação é a potencial perda de qualidade por mudanças texturais. Para entender a origem das mudanças texturais que podem ocorrer durante o armazenamento em câmaras frigoríficas, é preciso considerar o que acontece quando o peixe está congelado.

efeitos do congelamento

Nos processos normais de conge-lamento, os núcleos de congelamento não estão entre as miofibrilas, mas entre as células do músculo. À medida que esses cristais de gelo crescem, a água é abstraída das miofibrilas e as células se tornam condensadas.

O efeito dessa condensação das fibras musculares sobre a trama miofibrilar é apresentado na Figura 3. Aparece, de forma clara, como re-sultado da condensação das fibras, que os miofilamentos passam a ficar

A chave para se conseguir um pro-

duto de qualidade está em controlar

os fenômenos post mortem, ou melhor,

as fases de pré-rigor e de rigor mortis.

Quanto mais longo for o período de

pré-rigor, ou seja, quanto mais cedo o

pescado sofrer o abate após a sua cap-

tura/despesca, mais tempo preservará

a sua qualidade. Para que isso ocorra,

o pescado também deve possuir reser-

va energética, ou seja, é necessário

manter a presença de glicogênio e

ATP (trifosfato de adenosina) no peixe.

Os peixes que lutam para se liber-

tarem da rede ou morrem em agonia

nos barcos pesqueiros, vão esgotando

suas reservas de energia e entram em

rigor mortis rapidamente, dando opor-

tunidade à ocorrência de deterioração

mais rápida e intensa.

Por outro lado, os peixes abatidos

imediatamente após sua captura/des-

pesca apresentam maior reserva de

energia e, portanto, rigor mortis mais

tardio e duradouro, mantendo assim a

boa qualidade do peixe por mais tem-

po. Isso acontece porque no período

de rigor mortis ocorre enrijecimento

da carne e redução do pH da mesma,

barrando o processo de deterioração.

Portanto, quanto mais tempo durar

o rigor mortis, mais tempo o pescado

conservará sua qualidade. Para prolon-

gar esse período de rigor lança-se mão

do denominado abate por hipotermia.

A morte por hipotermia deve ser

realizada o mais breve possível após

a captura ou despesca do pescado

e consiste na imersão dos peixes

em um sistema composto de água e

gelo, mantendo-os sob uma tempera-

tura de +/- 3ºC. Esse processo evita

que o pescado fique se debatendo,

pois a baixa temperatura anestesia

o pescado e promove a morte quase

instantânea, sem agonia.

Os peixes mortos com agonia mos-

tram baixo teor de ATP e logo em se-

guida entram em rigor. Por outro lado,

aqueles mortos de forma instantânea

gastam menos energia e seu teor de

ATP é alto, retardando o início do rigor

e, conseqüentemente, prolongando a

sua vida útil.

a cHaVe para se ter Um prodUto de QUalidade

Congelamento

Descongelamento

Descongelamento

Se não ocorrer nenhuma interação entre os �lamentos grossos,a trama voltará ao espaçamento original, após o descongelamento.

Se ocorrem interações durante o congelamento, a trama não voltarátotalmente ao espaçamento original. Em função disto, a capacidadede retenção de água do �lé de peixe será reduzida.

FIGURA 3EFEITO DO CONGELAMENTO NA TRAMA MIOFIBRILAR

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Proteínas do peixe

mais próximos uns aos outros. Se o peixe é descongelado pouco tempo após ter sido congelado, a trama miofibrilar retoma suas dimensões originais e uma grande proporção de água retorna às células do músculo. Nestas circunstâncias, a qualidade textural do peixe é mantida. Porém, se o peixe for armazenado no esta-do congelado por maior período de tempo, podem ocorrer interações entre os miofilamentos. Como resultado, no descongelamento, a água não é mais capaz de retor-nar às células, e fica nos espaços extracelulares. Uma parte dessa água pode ser perdida, por goteja-mento, e outra pode ser perdida no cozimento. Esta redistribuição ou perda de umidade pode resultar nas características sensoriais típicas de um peixe congelado deteriorado. Os peixes nesse estado podem apresen-tar uma suculência inicial muito alta,

mas logo a seguir, na mastigação, são duros, fibrosos e secos.

O processo de agregação das proteínas miofibrilares pode ser mo-nitorado pelo estudo da diminuição da solubilidade da proteína em sal. Também são observadas mudanças na distribuição da água dentro do músculo e na capacidade de retenção da água. Apesar das extensas pesqui-sas, a natureza das interações entre as proteínas do músculo de peixe ou os mecanismos pelos quais elas são formadas, ainda não são totalmente compreendidos. Sabe-se apenas que a estratabilidade da miosina diminui e que sua atividade de ATPase é re-duzida durante o armazenamento do produto congelado. Como a cabeça das proteínas miosinas apontam na superfície dos filamentos grossos, é razoável presumir que a interação entre os filamentos grossos via as regiões da cabeça das moléculas seja

provável. Esta hipótese é amparada pelos resultados dos trabalhos des-critos a seguir.

preVenÇÃo da deterioraÇÃo no congelamento

A seguir são descritos alguns trabalhos patenteados para prevenir a agregação de proteína durante o ar-mazenamento de bacalhau em câma-ras frigoríficas. A tecnologia se baseia nos efeitos já amplamente conhecidos da Alta Pressão Hidrostática (APH) em proteínas.

Princípios do processamento sob alta pressão hidrostática. A aplicação de pressão favorece mu-danças que resultam na redução de volume. Conseqüentemente, a alta pressão hidrostática tende a estabi-lizar ligações de hidrogênio, já que sua formação resulta em uma leve

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Cauda da miosina:estabilizada por ligações de hidrogênio

Cabeça da miosina:estabilizada por ligações hidrofóbicas

As cabeças da miosina apontam do corpo central do �lamento grossoe podem interagir com �lamentos vizinhos no estado congelado.

FIGURA 4A MOLÉCULA DE MIOSINA

redução do volume. Reciprocamente, ligações iônicas e interações hidro-fóbicas são quebradas, já que seu rompimento resulta em uma diminui-ção do volume. Ligações covalentes tendem a não serem afetadas pela alta pressão hidrostática.

No processo de alta pressão hidros-tática, como o próprio nome sugere, alimentos líquidos ou sólidos são sub-metidos a pressões acima de 100 MPa (1 MPa = 145,038 psi = 10 bar). Em sistemas comerciais, as pressões utili-zadas enquadram-se na faixa de 400 a 700 MPa. Na pressurização, realizada em espaço confinado, emprega-se fluido (que no caso da hidrostática é a água) que atua como meio de transfe-rência da pressão. A pressão é aplicada igualmente em todas as direções, o que permite aos sólidos a retenção de seu formato original. Uma das vantagens desse processo sobre os convencionais é que a compressão isostática indepen-de do tamanho e geometria do produto. A pressão aplicada e o tempo de apli-cação dependem do tipo de produto a ser tratado e do produto final desejado. Normalmente, a inativação enzimática requer o uso de pressões mais elevadas do que a inativação microbiana.

Este método baseia-se em dois princípios gerais:

– Princípio de Le Chatelier: segun-do o qual qualquer fenômeno (transi-ção de fase, mudança de conformação molecular ou reação química) acompa-nhado por uma redução de volume é favorecido pelo aumento de pressão (e vice-versa). No caso de uma reação, a pressão alterará o equilíbrio na direção do sistema de menor volume.

– Princípio isostático: o qual indica que a pressão é transmitida de uma forma uniforme e quase instantânea através de uma amostra biológica. O processo de pressurização é, portanto, independente do volume e da forma da amostra, ao contrário do processo térmico. No processo à alta pressão é utilizado um líquido de baixa com-pressibilidade, como a água.

A alta pressão causa a ruptura da membrana celular de microrganis-

mos e altera a estrutura de enzimas, ocasionando sua destruição e desna-turação, respectivamente.

Em geral, o processamento de alimentos sob pressões entre 200 e 600 MPa (método hidrostático) inativa leveduras, fungos e a maioria das célu-las vegetativas de bactérias, incluindo a maioria dos patógenos infecciosos presentes nos alimentos; esporos de bactérias e fungos não são inativados por pressões de até 1.000 MPa.

No processamento isostático, o produto é embalado em garrafa ou bolsa plástica e colocado no interior do vaso de pressão para ser proces-sado. O processamento de produtos líquidos pode ser realizado através de um sistema semi-contínuo (fora da embalagem), utilizando três vasos de pressão e um sistema de válvulas automáticas, de modo que na primeira câmara a pressão do produto é au-mentada até a pressão de processo, quando é liberado; na segunda câ-mara, o produto fica sob a pressão e tempo especificados para o processo; e na terceira câmara, o produto é descomprimido e encaminhado para envase asséptico.

A estabilidade das ligações co-valentes com relação à alta pressão hidrostática oferece vantagens claras no processamento de alimentos. Mui-tas moléculas de baixo peso molecular,

como flavours e vitaminas, não são afetadas pela pressão hidrostática. Entretanto, considerando que a pres-são é transmitida de maneira uniforme e instantânea nas substâncias alimen-tícias, o processo é independente de volume de amostra ou geometria.

Efeito da pressão hidrostática nas proteínas miofibrilares. A Figura 4 mostra uma representação diagramática da molécula de miosina e da organização das moléculas de miosi-na nos filamentos grossos. As cabeças das miosinas são estabilizadas através de ligações hidrofóbicas internas e tendem a ser desnaturadas sob alta pressão hidrostática. Reciprocamente, a cauda da miosina é estabilizada, pre-dominantemente, por ligações de hi-drogênio, sendo estabilizada pela alta pressão. Assim, é possível desnaturar a miosina, seletivamente, na região da cabeça sem induzir grandes mudanças no corpo principal do filamento grosso, preservando a maioria da estrutura das miofibrilas.

As moléculas de actina dos fi-lamentos finos são globulares por natureza e unidas umas nas outras como se fossem dois colares de pé-rolas torcidos (veja Figura 5). As moléculas de actina são estabilizadas por ligações hidrofóbicas e também são desnaturadas por pressão.

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Proteínas do peixe

Estabilização do músculo de bacalhau contra a deterioração por congelamento, pela aplicação de APH. Pela aplicação de alta pressão hidrostática torna-se possível des-naturar seletivamente a molécula da miosina. Desnaturando seletivamente as regiões da cabeça da miosina, de forma a torná-la inerte antes do congelamento, possibilita prevenir/reduzir a associação de filamentos grossos durante o armazenamento

em câmaras frigoríficas. Reduzindo a extensão da associação de filamentos grossos no estado congelado, irá per-mitir que a trama miofibrilar seja me-lhor recomposta no descongelamento e reduzirá a perda de água dos filés de bacalhau. Se o tratamento pelo processo de alta pressão hidrostática consegue ser feito de tal forma a não desnaturar nem as regiões helicoidais da miosina nem a actina nos filamen-tos finos, então a estrutura miofibrilar

Perd

a no

coz

imen

to (%

)

35

30

25

20

15

100 50 100

Pressão MPa150 200 300250

FIGURA 6EFEITO DA ALTA PRESSÃO HIDROSTÁTICA NA

PERDA DE ÁGUA DE BACALHAU COZIDO A 85°C

será amplamente preservada. Conse-qüentemente, a capacidade da reten-ção de água das miofibrilas não deve ser reduzida e os peixes manterão a aparência de um produto fresco, não processado.

A desnaturação seletiva da molécu-la da miosina através do calor, embora em princípio seja possível, tende a cau-sar desnaturação das regiões helicoi-dais da miosina, levando a uma perda de água e a uma aparência de cozido.

Foi mostrado que a aplicação da APH pode reduzir perdas no cozi-mento de filés de bacalhau congelado. Foi observado que a aplicação de uma pressão de 100 MPa no filé de baca-lhau (antes do congelamento) causa desnaturação de partes da molécula da miosina, e uma leve mudança na estrutura miofibrilar. O aumento do tratamento por pressão para 200 MPa causou desnaturação da actina. A desnaturação da actina coincidiu com uma mudança dramática na estrutura miofibrilar e um aumento na quantidade de umidade perdida no cozimento. Isso sugere que o desnaturamento do filamento fino da proteína actina causa uma queda dramática da capacidade de retenção de água das miofibrilas. Isso deixa claro que uma cuidadosa seleção das condições de pressurização permite atingir efeitos específicos sobre as proteínas do músculo do peixe.

A Figura 6 mostra a quantidade de água perdida no cozimento do filé de bacalhau, que esteve congelado e sujeito a um período curto de arma-zenamento, em função da pressão hidrostática aplicada.

Embora os dados dos estudos desenvolvidos sugiram que esses aumentos na capacidade de retenção da água possam ser mantidos no congelamento e no armazenamento, ainda são necessários estudos adicio-nais para determinar o impacto que o processo hidrostático causa nas propriedades sensoriais do filé de bacalhau e determinar se a qualidade textural do bacalhau é preservada durante o armazenamento.

FIGURA 5ESTRUTURA DOS FILAMENTOS FINOS