ProvaFinal

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SAP 610 | Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo no Brasil Profs. Carlos Martins e Eulália Negrelos Gabriel Nery Prata | USP 5654600 QUESTÃO Tendo em vista Brasília, nota-se de imediato a plena articulação entre dois eixos que se cruzam. Um, de caráter mais monumental, para ser visto, admirado, expressão de um pen- samento, poder e cultura; o outro, a expressão da mais pura obviedade de uma cidade qual- quer que necessita se manter, sobretudo abrigar a população, enfim, de uma cidade que fun- ciona. Inicialmente, poder-se-ia pensar no principal motivo desta separação entre polis e urbs. Por que não se mesclar esses dois conceitos? Em um primeiro momento isto ocorreu quando a máquina estatal era dissolvida pela polis carioca, constituindo uma massa única – não que Brasília não a fosse – com o poder público aparentemente mais próximo da sociedade. Mas este não é o mote para o plano urbanístico da nova capital brasileira. A evidente separação daquilo que é cidade quanto à estrutura de base para alongar a máquina governamental e do que é cidade quanto às necessidades de habitação, comércio e circulação, permite se concluir que Brasília não se trata apenas de uma grande exposição de arquitetura e urbanismo modernos, mas de relevância de pertinência entre máquina estatal e toda a nação. Brasília é uma cidade normal, porém totalmente estruturada de modo que se permita a instalação de um aparato que não apenas lhe pertence, mas que é de toda a federa- ção brasileira. Para isso, nada como evidenciar o centro de todo o poderio nacional, destacando-o de maneira monumental, a fim de que seja um reflexo positivo de uma máquina estatal que fun- cione, que seja orgulho nacional, que seja poderosa e plena – que transponha os limites teóri- cos e que se consolide na arquitetura de seus edifícios – que se mostre pertinente à toda a sociedade que a sustenta. Tratando-se de uma linguagem moderna, o eixo monumental passa a ser expressão de toda uma nova concepção de idéias e pensamentos de um futuro promissor da sociedade brasileira. Entretanto, apesar do eixo monumental e seu valor simbólico representarem o conceito de urbs, de nada adianta todo o discurso se não estiver relacionada com a polis. O plano urba- nístico proposto por Lúcio Costa nota que existe um ponto em comum entre estas duas retas, ou seja, os equipamentos de transição de uma esfera e outra. Em Brasília, os eixos da urbs e da polis seguem em direções distintas, mas que se cruzam em determinado ponto. E é neste ponto em que os equipamentos de transitoriedade dos conceitos se encontram. O plano de Brasília, de maneira geral, trata-se de apenas mais uma concepção de ci- dade do século XX, destacando, obviamente, seu caráter particular de se tratar de uma capital, da nova capital do Brasil. Mas é necessário desenvolver que o tema do plano urbanístico e toda a linguagem moderna inserida nele é uma questão recorrente e que antecede a concep- ção de Brasília. Articulações de qualidade entre planos urbanísticos e edificações já eram relevantes na era Vargas, desde as modelações de grandes centros urbanos – como em São Paulo, por Prestes Maia e todas as suas radiais, modificações em gabaritos de edificações e alargamento de vias –, de expansão dos mesmos – no caso de São Paulo, com a verticalização dada pelas técnicas construtivas e a expansão horizontal, dada pelo plano de avenidas de Maia; e no caso de Belo Horizonte, as intervenções realizadas pelo até então prefeito Juscelino Kubitschek – e também na construção de qualidade de conjuntos dos IAPs. Destaque também para Carmen Portinho e Affonso Eduardo Reidy na divisão de obras da prefeitura do Rio de Janeiro. No caso destes últimos e dos IAPs, apesar de se tratar de construção de conjuntos habitacionais, esta- va clara que a indissociação entre arquitetura e urbanismo era algo que seria considerado a partir de então. Considerando o vínculo entre linguagem presente no edifício e a produção de um ur- banismo que dialoga, a indissociabilidade dos termos fica ainda mais forte em Brasília. O plano não descaracteriza a arquitetura dos edifícios e nem a linguagem compromete o funcionamento do plano. Muito pelo contrário. O plano permite colocar o observador em determinados pontos que o faz notar os edi- fícios não como apenas simples construções, mas como verdadeiras obras escultóricas, jóias da arquitetura moderna. As edificações, com suas características, mostram-se dotadas de i-

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QUESTÃO Gabriel Nery Prata | nº USP 5654600

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SAP 610 | Teoria e História da Arquitetura e Urbani smo no Brasil Profs. Carlos Martins e Eulália Negrelos Gabriel Nery Prata | nº USP 5654600 QUESTÃO

Tendo em vista Brasília, nota-se de imediato a plena articulação entre dois eixos que se cruzam. Um, de caráter mais monumental, para ser visto, admirado, expressão de um pen-samento, poder e cultura; o outro, a expressão da mais pura obviedade de uma cidade qual-quer que necessita se manter, sobretudo abrigar a população, enfim, de uma cidade que fun-ciona.

Inicialmente, poder-se-ia pensar no principal motivo desta separação entre polis e urbs. Por que não se mesclar esses dois conceitos? Em um primeiro momento isto ocorreu quando a máquina estatal era dissolvida pela polis carioca, constituindo uma massa única – não que Brasília não a fosse – com o poder público aparentemente mais próximo da sociedade. Mas este não é o mote para o plano urbanístico da nova capital brasileira.

A evidente separação daquilo que é cidade quanto à estrutura de base para alongar a máquina governamental e do que é cidade quanto às necessidades de habitação, comércio e circulação, permite se concluir que Brasília não se trata apenas de uma grande exposição de arquitetura e urbanismo modernos, mas de relevância de pertinência entre máquina estatal e toda a nação. Brasília é uma cidade normal, porém totalmente estruturada de modo que se permita a instalação de um aparato que não apenas lhe pertence, mas que é de toda a federa-ção brasileira.

Para isso, nada como evidenciar o centro de todo o poderio nacional, destacando-o de maneira monumental, a fim de que seja um reflexo positivo de uma máquina estatal que fun-cione, que seja orgulho nacional, que seja poderosa e plena – que transponha os limites teóri-cos e que se consolide na arquitetura de seus edifícios – que se mostre pertinente à toda a sociedade que a sustenta. Tratando-se de uma linguagem moderna, o eixo monumental passa a ser expressão de toda uma nova concepção de idéias e pensamentos de um futuro promissor da sociedade brasileira.

Entretanto, apesar do eixo monumental e seu valor simbólico representarem o conceito de urbs, de nada adianta todo o discurso se não estiver relacionada com a polis. O plano urba-nístico proposto por Lúcio Costa nota que existe um ponto em comum entre estas duas retas, ou seja, os equipamentos de transição de uma esfera e outra. Em Brasília, os eixos da urbs e da polis seguem em direções distintas, mas que se cruzam em determinado ponto. E é neste ponto em que os equipamentos de transitoriedade dos conceitos se encontram.

O plano de Brasília, de maneira geral, trata-se de apenas mais uma concepção de ci-dade do século XX, destacando, obviamente, seu caráter particular de se tratar de uma capital, da nova capital do Brasil. Mas é necessário desenvolver que o tema do plano urbanístico e toda a linguagem moderna inserida nele é uma questão recorrente e que antecede a concep-ção de Brasília.

Articulações de qualidade entre planos urbanísticos e edificações já eram relevantes na era Vargas, desde as modelações de grandes centros urbanos – como em São Paulo, por Prestes Maia e todas as suas radiais, modificações em gabaritos de edificações e alargamento de vias –, de expansão dos mesmos – no caso de São Paulo, com a verticalização dada pelas técnicas construtivas e a expansão horizontal, dada pelo plano de avenidas de Maia; e no caso de Belo Horizonte, as intervenções realizadas pelo até então prefeito Juscelino Kubitschek – e também na construção de qualidade de conjuntos dos IAPs. Destaque também para Carmen Portinho e Affonso Eduardo Reidy na divisão de obras da prefeitura do Rio de Janeiro. No caso destes últimos e dos IAPs, apesar de se tratar de construção de conjuntos habitacionais, esta-va clara que a indissociação entre arquitetura e urbanismo era algo que seria considerado a partir de então.

Considerando o vínculo entre linguagem presente no edifício e a produção de um ur-banismo que dialoga, a indissociabilidade dos termos fica ainda mais forte em Brasília. O plano não descaracteriza a arquitetura dos edifícios e nem a linguagem compromete o funcionamento do plano. Muito pelo contrário.

O plano permite colocar o observador em determinados pontos que o faz notar os edi-fícios não como apenas simples construções, mas como verdadeiras obras escultóricas, jóias da arquitetura moderna. As edificações, com suas características, mostram-se dotadas de i-

dentidade e, com um conhecimento prévio, permitem a localização do observador uma vez inserido no plano.

Em suma, possuindo todo um discurso amplo e demasiadamente poético, Brasília, com todo o seu plano de vias, seu zoneamento, suas centralidades, edificações e monumentalida-de, é indubitavelmente expressão do pensamento moderno da época, cuja racionalidade e funcionalidade eram instrumentos de construção de uma concepção de futuro a ser atingido.

É satisfatório notar a grande e forte relação que Estado e Arquitetura mantinham du-rante fins do século XIX e XX, principalmente a forma de encarar a Arquitetura e o Urbanismo como ferramentas de política social, em destaque à produção dos IAPs, sobretudo à brilhante atuação de Carmen Portinho e Affonso Eduardo Reidy na prefeitura do Rio de Janeiro. Uma arquitetura pública, com uma linguagem simples e acessível à população, não como simples expressão de um pensamento elitista, mas, em parceria com um Estado, instrumento de base para discussão e formação social. Técnica, mão-de-obra e projetos bons se têm até hoje, mas ali parecia ser menos invisível certa vontade política.

A título de conclusão de idéias, toda a discussão leva a um conjunto de questões a se pensar, dentre elas, qual o papel que os arquitetos em formação deverão desempenhar ou, de modo geral, de que maneira é possível a Arquitetura retomar um papel mais próximo do Estado e se constituir de maneira mais forte e bem estruturada como ferramenta de política urbana e habitacional, que contribua para o desenvolvimento sócio-cultural do país?