Provas Existencia Deus Sao Boaventura

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    As provas da existncia de Deus em Boaventura

    Autor: Svio Laet de Barros Campos.Bacharel-Licenciado e Ps-Graduado emFilosofia Pela Universidade Federal de MatoGrosso.

    Introduo

    Boaventura foi o maior expoente da escola franciscana no sculo XIII. Nascido em

    Bagnoregio perto de Viterbo, antiga Tuscia Romana em 1217, Boaventura foi registrado

    com o nome civil de Giovanni Fidanza (nome que herdou do pai). Narra-se que ainda

    pequerrucho, Giovanni, cujos pais eram Maria di Ritella (Margaritella) e o mdico Giovanni

    di Fidanza, fora acometido de uma molstia gravssima que quase lhe custou a vida. Sua me,

    recomendando-o a Deus, sob os auspcios de So Francisco de Assis, morto pouco tempo

    antes, em 1226, alcanou que o infante recuperasse completamente a sade. Boaventura, ao

    longo de toda a sua vida, inclusive em seus escritos, jamais esqueceria que devia a sua

    existncia ao patrocnio do Poverello. De fato, nunca se afastou da Ordem. Tendo feito seus

    estudos primrios na casa franciscana de sua cidade, ainda jovem, em 1235 ou 1236, veio a

    Paris, onde, cursando a Faculdade de Artes (Facultas Artium), tornou-se magister artium

    (Mestre em artes) em 1242. No ano seguinte, fez-se franciscano. Em seguida, discpulo de

    Alexandre de Hales, e aps anos de estudo, conseguiu a titulao de magister in theologia

    (Mestre em Teologia), em 1253. Na verdade, ensinou no Estdio parisiense na qualidade de

    bacharel bblico a partir de 1248; depois, como bacharel sentencirio, de 1250 a 1253;

    posteriormente, j como mestre regente, lecionou em Paris entre os anos de 1253 a 1257.

    Sabe-se, porm, que, em virtude das grandes perseguies por parte daqueles que julgavam

    inoportuna a presena dos mendicantes nas universidades, s obteve o pleno reconhecimento

    da sua licenciatura para o magistrio em Teologia em 1257, quando, superada a crise, e com

    o apoio papal, recebeu, oficialmente, umadas cadeiras de Teologia da Universidade de Paris.

    S que, ainda no comeo de 1257 (2 de fevereiro, na verdade), fora eleito, por unanimidade,

    Ministro Geralda Ordem franciscana, o que o forou a abandonar precocemente a carreira

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    acadmica. A sua atividade na Ordem foi to intensa e significativa, que lhe valeu o epteto

    de segundo fundador dos Franciscanos. Gregrio X conferiu-lhe a dignidade de cardeal da

    Igreja, pelo que veio a se tornar, a 23 de maio de 1273, Bispo de Albano. Tendo participado

    do Conclio de Lyon com notvel destaque, ganhou a simpatia de todos, inclusivedos gregos.

    Extenuado, adoeceu depois do Conclio, vindo a falecer na madrugada de 15 de julho de

    1274. Sixto IV, a 14 de abril de 1482, elevou-o honra dos altares e, em 1588, foi

    proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Sixto V, com o ttulo de Doctor Seraphicus (Doutor

    Serfico).

    Dentre as suas inmeras obras de flego, destacam-se: Commentarii in quatuor libros

    Sentenciarum Petri Lombardi (compostos entre os anos de 1248 a 1255; outros situam a sua

    composio nos anos de 1250 a 1252; para Grabmann, este comentrio das Sentenas

    constitui o mais notvel da Alta Idade Mdia); Quaestiones disputatae de scientia Christi eDe Mysterio Trinitatis (Obras de grande valor para o conhecimento da teologia natural e

    gnosiologia do autor);Breviloquium (Composto certamente antes de 1257, talvez entre 1254

    a 1257; trata-se deumajoia que consiste num verdadeiro compndio de Teologia dividido em

    sete captulos);Itinerarium mentis in Deum (Opsculo composto em outubro de1259; alguns

    estendem a sua composio at 1260; nele a cincia usada para conduzir o homem, como

    por degraus, unio com Deus); Collationes in Hexaemeron (Pronunciadas no inverno de

    1273, encontram-se incompletas. Versam sobre as iluminaes de Deus, com enfoque numa

    interpretao simblica da obra dos seis dias). A edio crtica das obras completas deBoaventura veio a lume na clssica edio Quaracchi, realizada entre os anos de 1882 a

    1902.

    Neste artigo, concisamente, procuraremos delinear as provas da existncia de Deus

    desenvolvidas por Boaventura. H mais de um modo de abordar as vias que nos levam a

    Deus, no Mestre Franciscano. Aqui adotaremos o que nos parece mais razovel. Desta feita,

    teremos o ensejo de mostrar que, para Boaventura, o homem possui um conhecimento inato

    de Deus, de sorte que Sua existncia -lhe evidente; a rigor, portanto, para o Doutor Serfico,

    esta existncia reclama menos uma demonstrao do que o entendimento de como podemos

    tomar conscincia dela. Dando prosseguimento ao nosso intento,buscaremos dirimir algumas

    dvidas que podem ser suscitadas ao longo do nosso itinerrio at Deus; f-lo-emos

    arrolando qual o conceito de conhecimento e infinitude adotado por Boaventura quando

    pauta a questo de Deus. Posteriormente, esforar-nos-emos por constatar que, em

    Boaventura, a alma humana, por ser espiritual, est sempre e imediatamente presente a si

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    mesma; ademais, feita imagem e semelhana de Deus, este deixou nela, qual marca

    indelvel, uma noo inata de Si mesmo, pelo que tambm Ele est presente na alma e pode

    ser diretamente conhecido por ela enquanto se conhece a si prpria. Contudo, em virtude dos

    refolhos do pecado de origem e dos atuais, o homem alienou-se de si mesmo; destarte,

    obnubilado o conhecimento de si mesmo, tambm o conhecimento de Deus ficou obliterado.

    Por isso, o homem deve voltar-se a si mesmo novamente, a fim de reencontrar, no ntimo de

    si mesmo, Deus. Ora, este retorno a Deus, que s se consumar na Ptria,dar-se- por etapas;

    o nosso texto, de forma sucinta, esmerar-se- por segui-las.

    Atento, o homemdeve comear a sua ascenso a Deus pelas coisas sensveis; por elas,

    que so vestgios de Deus, chegar a encontr-lO como princpio e causa de todas as coisas.

    Em seguida, poder ento o homem redescobrir Deus no interior de sua alma, feita imagem

    do Criador e dotada de uma noo inata dEle. Encontr-lO-, ainda, como Verdade Primeiraque a ilumina e fonte de toda verdade. E, sendo a verdade primeira, Deus apresentar- se-

    tambm ao homem como o ser no sentido mais prprio do termo: imutvel, necessrio e

    eterno. Como tal, Ele no pode no existir e nem ser pensado como no existente. Boaventura

    retoma assim a prova agostiniana pela verdade, associando-a ao argumento de Anselmo

    (ratio anselmi). Neste passo, a alma descobre Deus enquanto pessoa; o momento seguinte

    ser o do encontro do eu do homem, no mais com uma noo ou ideia, mas com o Tu do

    Deus vivo, Bem supremo do homem. Estamos no limiar da mstica, mas no adentraremos

    em suas profundezas. Aps estes tpicos, passaremos aos comentrios finais sobre o texto.

    Observemos, enfim, que, em Boaventura, a questo da existncia de Deus inserida

    como sendo um dos estgios que constituem a redeno do homem, conquistada por Cristo

    no calvrio. Assim sendo, ela encontra-se enxertada num contexto religioso e quem a busca

    o homem regenerado pela graa. No entanto, isto no compromete a vigncia filosfica da

    prova, visto que, para o nosso pensador, a filosofia precisamente um dos estgios que

    compem este longo retorno do homem a Deus. Na verdade, tornar o homem cnscio de que

    Deus existe um condo que o nosso telogo no denega filosofia. Por conseguinte, se a

    prova da existncia de Deus, em Boaventura, no tem um fim em si mesma, sendo apenas

    uma passagem para outro estgio, o mnus de fazer esta passagem da alada da filosofia.

    Ouamo-lo numapercope luminosa,na qual afirma, com meridiana clareza,que no demove

    da prova o rigor racional que alenta:

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    No h dvida de que Deus existe, se por duvidosa entendemosaquela verdade qual falte alguma razo de evidncia, seja em si, sejaem comparao com o meio da prova, ou seja, em comparao com oentendimento que apreende. E a dvida pode ser por parte docognoscente, a saber, por defeito nos atos de apreenso, comparao

    ou resoluo.1

    Alm do aporte das fontes, servir-nos- de referencial terico o clssico de tienne

    Gilson, em sua edio castelhana nica autorizada do original francs La Philosophie de

    Saint Boaventure, mxime no seu captulo III: La Evidencia de La Existencia de Dios.

    Comecemos, pois, pela anlise de Boaventura acerca da existncia de Deus como evidente ao

    homem.

    1.A evidncia da existncia de Deus

    A princpio, deve-se dizer que a existncia de Deus no precisa ser demonstrada, j

    que a sua ideia est impressa na prpria natureza do homem: (...) a existncia de Deus est

    impressa em todas as mentes racionais2. Destarte, para Boaventura, a existncia de Deus no

    se apresenta como um problema, pois certo que O conhecemos. O que lhe interessa, naverdade, a maneira como O conhecemos: No se trata, pois, de averiguar se podemos saber

    da existncia de Deus, e sim, como que a conhecemos3. Trata-se, portanto, menos de

    provar que Deus existe do que demonstrar que o homem, purificado, pode descobrir, em seu

    interior, Aquele que lhe mais presente do que ele a ele mesmo: (...) Boaventura, mais do

    que provar Sua existncia, preocupa-se em refinar ou purificar o olhar interior, para que, nele,

    o homem encontre a marca de Deus impressa em sua mente (...)4.

    1 BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis. I, 1. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura.Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 143. (A traduo, para o portugus, nossa).2 BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis. I, 1. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura.Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 127. (A traduo, para o portugus, nossa).3 VIER, Raimundo. Da Certeza do Conhecimento de Deus em So Boaventura. In: GARCIA, Antnio (Org.).Estudos de Filosofia Medieval: A Obra de Raimundo Vier. 2 ed. RIO DE JANEIRO: Vozes, 1997. p. 35: Oproblema de Boaventura , antes, o de saber qual o tipo de certeza que caracteriza o nosso conhecimento deDeus.4 REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Histria da Filosofia: Antiguidade e Idade Mdia. 5 ed. So Paulo:Paulus, 1991. p. 583.

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    Agora bem, se o problema o quomodo conhecemos Deus, nosso telogo, antes de

    tudo, comea definindo que, para ele, conhecer pode significar duas coisas. Primeiro,

    compreender, o que implica ser o cognoscente igual ao cognoscvel, a fim de que aquele

    consiga abarcar este em sua totalidade; nesta primeira acepo, nunca poderamos chegar a

    conhecer Deus nesta vida. Segundo, pode-se conceber conhecer como apreender, e isto

    consiste em que a verdade do objeto fique evidente e que a sua presena se torne patente;

    neste sentido, ainda que o objeto seja inapreensvel em sua totalidade, se ao menos sua

    existncia se torne manifesta para ns, temos um conhecimento por apreenso. Deste

    conhecimento, nossa alma , em sentido absoluto (simpliciter), capaz, pois ela , sob certo

    ponto de vista (secundum quid), todas as coisas, j que tende a conhec-las todas por

    assimilao. Ora, em relao a Deus, ela encontra-se maximamente apta para conhec-lO por

    apreenso, uma vez que a Sua noo est impressa nela, enquanto ela feita imagem esemelhana de Deus. Explica-nos Boaventura:

    Para o primeiro conhecimento (o de apreenso) se requer a proposiode convenincia, e esta existe na alma com respeito a Deus, pois, decerto modo, a alma tudo por assimilao de todas as coisas, j queest destinada a conhecer todas as coisas, e sumamente capaz deconhecer a Deus, porquanto imagem e semelhana de Deus. Para oconhecimento de compreenso, requer-se a proporo de igualdade eequivalncia, e esta no existe na alma em relao a Deus, pois a alma finita e Deus infinito.5

    Poder-se-ia, todavia, insistir algum em objetar: como ns, seres finitos, podemos

    conhecer um ser infinito? Como o finito pode apreender o infinito? O erro do qual padece

    quem assim pensa , no ultrapassando o mbito do sensvel, supor que estamos falando de

    uma infinitude material, a qual nos remete multiplicidade, e que se ope, em termos,

    simplicidade divina. Ora, se se tratasse disso, ou seja, se estivssemos a falar de um pretenso

    infinito fsico, realmente no poderia ser apreendido pelo finito. Entretanto, no esta a

    infinitude que se predica de Deus. Atribui-se a Ele, antes, uma infinitude espiritual, que

    implica, como consequncia, ser Ele sumamente simples. Sendo assim, Ele est todo em toda

    parte, sem estar totalmente, isto , exclusivamente em parte alguma, posto que est todo em

    todas as partes no por extenso, mas espiritualmente. Destarte, tambm nosso intelecto finito

    pode conhec-lO todo, inclusive porque s se pode conhec-Lo assim j que pelo prprio

    5 BOAVENTURA. I Sent. 3, 1, 1, ad 1. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad.Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 130.(A traduo, para o portugus, nossa).

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    fato de ser sumamente simples, por ser sumamente espiritual, tambm sumamente

    indivisvel , mas sem que O conhea totalmente e sem que Ele ou Sua noo esteja

    quantitativamente em nosso intelecto, o quecontrariaria no sa Sua natureza eminentemente

    inteligvel, mas tambm a nossa prpria natureza racional. Remata o Doutor Serfico,

    acentuando que a noo de infinito no pode ser entendida univocamente:

    O infinito duplo: um que por oposio ao simples, e no pode serpercebido pelo finito, como o o infinito de quantidade ou mole; ooutro o que tem a infinitude com simplicidade, como Deus; e esteinfinito, pelo prprio fato de ser simples, est todo em todas as partes;e pelo prprio de fato de ser infinito, no est em nenhuma parte comexcluso de outra localizao. Assim se h de entender noconhecimento de Deus. Por isso, de que se conhea todo Ele, no sesegue que seja compreendido, porque o entendimento no encerra sua

    totalidade, da mesma forma que a criatura no pode encerrar suaimensidade.6

    Outro poderia ainda questionar: mas se nossos sentidos no so capazes de captar o

    inteligvel, quanto menos nossa razo pode ser capaz de captar o infinito, ainda que espiritual.

    Aqui o equvoco ocorre por identificar-se o planodo sercom o do conhecer. No plano do ser,

    h, de fato, maior distncia entre nossa razo e Deus do que entre nossos sentidos e o

    inteligvel. Contudo, no plano do conhecimento, importa dizer que h entre Deus e a alma um

    parentesco, pois, embora em propores mui diversas, ambos so inteligveis, sendo a alma,

    de resto, a imagem do prprio Deus. Pondera o Frade de Bagnoregio:

    objeo fundada na distncia do inteligvel ao sensvel, diremos queexistem distncia secundum rationem entis, e distncia secundumrationem cognoscibilis. No primeiro caso a distncia maior, mas nono segundo, pois ambos os termos so inteligveis, a saber: Deus e aalma. No assim o entendimento e o sentido, pois o sentido potnciadeterminada, e o entendimento, no.7

    Poder-se- arguir tambm: e quanto queles que negam a existncia de Deus? Quantoa estes, v-los-emos mais adiante, que, quando a negam, a simultaneo, a afirmam. Perguntar-

    se-: e quanto aos idlatras? Quanto a estes devemos ter presente que eles no erram quanto

    existncia de Deus, mas sim quanto a Sua natureza, seja afirmando ser Ele o que no , seja

    6 BOAVENTURA. I Sent. 3, 1, 1, ad 2. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad.Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 126.(A traduo, para o portugus, nossa).7 BOAVENTURA. I Sent. 2, 1, 1, ad 3. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad.Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 125.(A traduo, para o portugus, nossa).

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    negando Ser ele quem . Acerca do idlatra ou herege, assevera Boaventura: E porque falha

    no conhecimento do que , por isso pensa com frequncia que Deus o que no , como um

    dolo, ou que no o que (...)8.

    Entretanto, uma ltima dificuldade se levanta. Sendo que o nosso conhecimento

    abstrativo, e sendo que a abstrao se d quando separamos a forma da matria e das

    condies materiais em que ela se encontra, teramos que admitir que conhecemos Deus por

    abstrao, ou seja, por uma imagem abstrata. Ora, Deus sumamente espiritual; nada h nEle

    de sensvel a ser abstrado; como, pois, submet-lO ao mesmo processo a que submetemos as

    coisas materiais? E, se no por abstrao, como conhecemo-lO? Ser vendo-O em si

    mesmo? Decerto que no, j que isto pertence somente aos celcolas; a ns, transeuntes neste

    mundo, tal conhecimento -nos vedado. Ora, a isto se deve responder que no conhecemos

    Deus por abstrao, nempor viso, mas sim por um conhecimento por semelhana que Elemesmo imprimiu em nossa alma e que se torna notria cada vez que Ele a ilumina pelo

    conhecimento da verdade. Sem dvida, este conhecimento que Deus imprime em ns e que

    atestado quando alcanamos uma verdade incomutvel, inferior ao prprio Deus; porm,

    deveras superior a ns mesmos, pois enriquece o nosso conhecimento. Acentua o Doutor

    Franciscano:

    Deus est presente mesma alma e a todo entendimento pela verdade;por isso mesmo no necessrio abstrair dEle a semelhana pela qual conhecido; sem embargo, quando o entendimento O conhece, esteinformado por certa noo, que como uma semelhana noabstrada, mas impressa, inferior a Deus, porquanto est em umanatureza inferior; e superior, sem embargo, alma, porquanto a fazmelhor.9

    A rigor, portanto, a existncia de Deus evidente para todo homem. Mas para

    tomarmos conscincia dela, importa passarmos por estgios que despertem a nossa reflexo.

    Passemos, pois, a considerar estes estgios de nossaassuno a Deus.

    8 BOAVENTURA. I Sent. 8, 1, 1, 2. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad. Estebande Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 128.(A traduo, para o portugus, nossa).9 BOAVENTURA. I Sent. 3, 1, 1, ad 5. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad.Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 127.(A traduo, para o portugus, nossa).

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    2. Os trs estgios de ascensopara Deus

    Ora, o caminho de nossa ascenso a Deus comporta especificamente trs estgios: oprimeiro consiste em descobrirmos, no mundo sensvel, os vestgios de Deus, que so

    corpreos, temporais e externos a ns; o segundo d-se quando, recolhidos em ns mesmos,

    percebemos que a nossa alma uma imagem espiritual e imortal de Deus e que nela est a Sua

    marca indelvel; o terceiroindica uma passagem s alegrias e adorao msticas e consiste

    na contemplao do Princpio sem princpio, esprito puro, transcendente e eterno, a um s

    tempo presente na alma e superior a ela. Afirma Boaventura:

    Assim orando, somos iluminados de modo a conhecer as etapas daascenso a Deus. Com efeito, para ns homens, em nossa atualcondio, toda a realidade constitui uma escada para ascender a Deus.Ora, entre as coisas, algumas so vestgios de Deus, outras suaimagem; algumas so corpreas, outras espirituais; algumas sotemporais, outras so imortais; e, portanto, algumas esto fora de ns,outras, ao contrrio, em ns. Por conseguinte, para chegar considerao do primeiro Princpio, que puro esprito, eterno etranscendente, necessrio que passemos antes pela considerao deseus vestgios que so corpreos, temporais e externos a ns, e istosignifica ser conduzido no caminho de Deus. necessrio, finalmente,que nos elevemos ao que eterno, puro esprito e transcendente,

    fixando o olhar sobre o primeiro Princpio, e isso significa alegrar-secom o conhecimento de Deus e com a adorao de sua majestade.10

    Com efeito, os vestgios de Deus encontram-se em todas as criaturas; a imagem, em

    todos os intelectos; a semelhana, somente nos seres racionais que se conformam a Deus.11

    Desta sorte, Boaventura v nesta caminhada a Deus, segundo aludimos, menos uma prova da

    sua existncia do que um exerccio pelo qual o homem, sob a gide da graa, tomando

    conscincia de que Deus existe, caminha para o encontro dAquele que lhe mais ntimo do

    que ele prprio. Em suas meditaes, pedagogicamente, o Doutor Serfico conduz o homem

    presena do Deus sempre presente: primeiro, fazendo com que o homem O encontre fora de

    10 BOAVENTURA. Itinerrio da Alma para Deus. 2, 2. In: REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Histriada Filosofia: Patrstica e Escolstica. 2 ed. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. So Paulo: Paulus,2005. p. 264.11 BOAVENTURA. Hexaemeron. II, 27. In: MONDIN, Batistta. Curso de Filosofia: Os Filsofos doOcidente: vol 1. 10 ed. Trad: Bnoni Lemos. Rev. Joo Bosco de Lavor Medeiros. So Paulo: Paulus, 1981. p.189: (...) a razo de vestgio encontra-se em todas as criaturas, a razo de imagem em todos os intelectosespirituais de carter racional, a razo de semelhana somente naqueles que so conformes a Deus.

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    si, isto , nosvestgios das coisas sensveis; depois, atraindo-o (i., o homem) para si prprio,

    f-lo- deparar-se com Deus dentro de si; por fim, o homem descobri-lO- enquanto realidade

    imutvel que est acima de si, ao mesmo tempo em que lhe habita o interior. Sendo assim, a

    cada estgio o homem fica mais prximo da viso beatfica. Em Boaventura, a prova da

    existncia de Deus d-se neste mbito: o homem, gradual e paulatinamente, elevado

    presena do Deus presente, a fim de ador-lo e am-lo, pois este Deus -lhe, a um s tempo,

    ntimo e sumamente superior:

    A estas trs etapas progressivas correspondem, em nossa alma, trsmodos diversos segundo os quais ela considera as coisas. Com oprimeiro se volta para as realidades corpreas, externas a ns, e chamado animalidade ou sensibilidade; com o segundo, volta-se parasi mesma, sem sair de si, e chamado esprito; com o terceiro, que

    dito mente, a alma se volta para as realidades que a transcendem. Apartir de todas as coisas a alma deve se preparar para ascender a Deus,para que ele seja amado com toda a mente, com todo o corao, comtoda a alma; nisto consiste a perfeita observncia da Lei e, ao mesmotempo, a sabedoria crist.12

    Segundo Frei Boaventura, a sabedoria crist, pois, um caminho do homem viajor at

    a viso beatfica; a demonstrao da existncia de Deus faz parte desta caminhada do homem

    viandante, que s se consumar na viso da glria. Mas passemos a considerar os estgios

    desta viagem que esta vida comporta. Desta feita, abord-los-emos passo a passo. O primeiro

    d-se no encontro do homem com Deus atravs do mundo sensvel.

    3. O mundo sensvel como revelao de Deus

    Para Boaventura, podemos encontrar Deus fora de ns mesmos, porque o mundo

    exterior no tem outro sentido seno o de revelarDeus. Em nosso pensador, o mundo sensvel uma teofania, uma espcie de livroescrito pelo Deus-Trino ao homem, objeto do seu amor

    sempiterno: O mundo uma espcie de livro no qual brilha, reproduzida, e pode ser lida a

    12 BOAVENTURA. Itinerrio da Alma para Deus. 2, 4. In: REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Histriada Filosofia: Patrstica e Escolstica. 2 ed. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. So Paulo: Paulus,2005. pp. 264 e 265.

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    Trindade, que o produziu (...)13. Desta sorte, todas as criaturas so como luminares que

    representam, cada uma a seu modo, a sabedoria divina: Disso se v que o mundo todo

    como que um espelho cheio de reflexos, que representam a sabedoria divina, e como que uma

    fornalha que espalha uma luz divina14. Destarte, ao homem testemunha ocular deste

    espetculo cabe no ser cego diante do esplendordesta sabedoria que as coisas refletem e

    ante o amor que reluz em todo ser criado. A bem da verdade, se mantiver os ouvidos abertos,

    o homem ouvir das coisas que elas gritam por Deus. De mais a mais, qualquer quese depare

    com o magnfico desfile das criaturas, com a luz maravilhosa que nelas fulgura, precisar ser

    cego para no reconhecer, neste resplendor, vestgiosdo sapientssimo Deus, emudo para no

    louvar ao Criador:

    Cego , portanto, quem no iluminado pelos inumerveisesplendores das realidades criadas; surdo, quem no despertadopelas vozes to numerosas; mudo, quem no impelido a louvar aDeus pela considerao de todos estes seus efeitos; idiota quem, apartir de tantos sinais, no reconhece o primeiro Princpio. Abre,portanto, teus olhos; tende as orelhas de teu esprito; abre teus lbios edispe teu corao de modo a poder ver, ouvir, louvar, amar e adorar,glorificar e honrar teu Deus em todas as criaturas, a fim de que ouniverso inteiro no se insurja contra ti.15

    De sorte que possvel partirdo sensvel no nosso itinerriopara Deus. O prprio

    Boaventura o admite quando diz: Portanto, dessa realidade visvel o intelecto se eleva considerao da potncia, sabedoria e bondade de Deus, existente, vivente, inteligente,

    puramente espiritual e imutvel16. Contudo, urge ponderarmos que a considerao do

    universo sensvel, inobstante a beleza estupenda do cortejo dos seres que o povoam, por si s,

    no nos pode conduzir a Deus. A falar com exao, o mundo sensvel faz parte da nossa

    persecuo; porm, no estagnados nele que atingiremos a consecuo da nossa meta, a

    saber, a unio com o Deus vivo, nosso Bem supremo. Por meio do mundo sensvel, podemos

    13 BOAVENTURA. Breviloquium. II, 27. In: MONDIN, Batistta. Curso de Filosofia: Os Filsofos doOcidente: vol 1. 10 ed. Trad: Bnoni Lemos. Rev. Joo Bosco de Lavor Medeiros. So Paulo: Paulus, 1981. p.189.14 BOAVENTURA. Breviloquium. II, 12. In: MONDIN, Batistta. Curso de Filosofia: Os Filsofos doOcidente: vol 1. 10 ed. Trad: Bnoni Lemos. Rev. Joo Bosco de Lavor Medeiros. So Paulo: Paulus, 1981.p.189.15 BOAVENTURA. Itinerrio da Alma para Deus. 1, 15. In: REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Histriada Filosofia: Patrstica e Escolstica. 2 ed. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. So Paulo: Paulus,2005. p. 267.16 BOAVENTURA. Itinerrio da Alma para Deus. 1, 13. In: REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Histriada Filosofia: Patrstica e Escolstica. 2 ed. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. So Paulo: Paulus,2005. p. 266.

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    apenas vislumbrar as perfeies sublimes de Deus. Entretanto, para o Doutor Serfico, mister

    irmos mais longe; cumpre encontrarmos Deus mais de perto, ao menos o quanto nos for

    possvel nesta vida. Sendo assim, o mundo sensvel apresenta-se to somente como um

    estgio, decerto necessrio devido a nossa natureza atual, mas no qual no nos devemos

    estacionar e que deve, pois, ser sucedido e superado por outro estgio, que consistir numa

    ascenso at a alma, onde encontraremos propriamente a imagem de Deus que somos ns

    mesmos , bem como Sua noo impressa em ns, e no mais somente sombras ou vestgios

    da Sua divindade. Comenta Raimundo Viver:

    (...) No que ele exclua a considerao da natureza criada ou docosmos sensvel do processo de ascenso da mente para Deus; noItinerarium, a considerao do mundo sensvel constitui mesmo o

    ponto de partida deste processo de elevao. Todavia, emborarepresente o primeiro estgio ou degrau no caminho da ascensoda alma, este caminho tem de passar, forosamente, pela alma. Aconsiderao das criaturas vem a ser, assim, um como degraupreambular; neste sentido, parece at mesmo indispensvel aohomem, pelo menos no seu estado atual. Mas, repetimos, esta via nobasta, por si s, para conduzir o esprito a Deus.17

    De todo modo, fato que, do mundo sensvel, podemos ascender, como por degraus,

    at Deus, a fim de alcan-lO enquanto acausa e oprincpio primeiro de todas as coisas. De

    resto, tal via ascendente, ajusta-secom a nossa natureza sensvel e espiritual. Este encontro

    com Deus enquanto causa perfeitamente possvel, pois Se Deus realmente a causa das

    coisas, devemos poder inferir-Lhe a existncia a partir dos efeitos 18.

    Mas, concreta e efetivamente, como podemos alcanar Deus por meio das coisas

    sensveis? Antes de tudo, pela constatao da imperfeio e finitude das coisas que nos

    rodeiam. Partindo disto, inferimos que elas so causadas. De fato, todo efeito remete-nos

    sua causa e a supe: se existe um ser produzido, existe aquele que o produziu; se h seres que

    no tm em si a razo da sua existncia, deve necessariamente haver um ser que por si

    mesmo. Da mesma forma acontece quando atestamos a existncia de um ser composto. Comefeito, da sua existncia podemos deduzir a existncia de um ser simples, jque o composto

    nada mais do que uma carncia do simples: o composto provm do simples. Da mesma

    maneira acontece ainda quando testificamos a existncia de seres mistos. Ora, a partir deles

    17 VIER. Op. Cit. In: GARCIA, Antnio (Org.). Estudos de Filosofia Medieval: A Obra de Raimundo Vier .2 ed. RIO DE JANEIRO: Vozes, 1997. p. 37.18 BOEHNER, Philotheus, GILSON, Etienne. Histriada Filosofia Crist: Desde as Origens at Nicolau deCusa. 7a ed. Trad. Raimundo Vier. Petrpolis: VOZES, 2000. p. 441.

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    podemos supor a existncia de um ser puro, pois o misto no seno a ausncia de pureza.

    Ademais, os seres em movimento devem reduzir-se a um ser imvel, posto que todo

    movimento pressupe algo imvel. Na verdade, a mobilidade da mo depende da imobilidade

    do brao e o movimento do brao est ligado imobilidade do ombro. Igualmente, enfim,

    podemos deduzir tambm: se existe um ser relativo, deve existir um ser absoluto. Ora, o

    absoluto no pode pertencer somente a um gnero, pois no seria absoluto seno naquele

    gnero, e, portanto, seria relativo aos outros. Donde deve haver um ser absoluto do qual

    procedemtodos os seres relativos.19

    Agora bem, todas estas inferncias mostram que a ordem sensvel no basta a si

    mesma e requer, deveras, a existncia de uma causa primeira, a qual Deus.20 De fato, em

    Boaventura, Deus est presente e o sustentculo constante de toda a natureza . Ao seu sentir,

    o mundo se apresenta como um desfile das criaturas, onde cada uma a seu modo imitaDeus e nos fala permanentemente dEle: Toda criatura, em virtude de sua natureza, de

    algum modo, imagem e semelhana da eterna sabedoria de Deus21. por isso, inclusive, que

    nosso Doutor abandona os argumentos tcnicos; estes se lhe afiguram desnecessrios ante os

    exemplos to eloquentes fornecidos pela prpria natureza: Toda verdade proclamada por

    toda criatura indubitvel: toda criatura proclama que Deus existe22. Mas j tempo de

    passarmos considerao do segundo estgio, a saber, a ascenso a Deus pela via anmica.

    19Idem. Ibidem. p. 441: As coisas so manifestamente imperfeitas e finitas, e conseqentemente, causadas. O

    que nos permite estabelecer as seguintes concluses. Se h um ser produzido, h tambm um ser primeiro; pois oefeito supe a causa. Se h um ser por outro, relacionado a outro, e para outro, ento h um ser por si mesmo,correspondente a si mesmo, e para si mesmo. Se h um ser composto, h um ser simples, a que o composto devesua existncia; pois composio carncia de simplicidade. Se h um ser misto, deve haver um ser puro; poisnenhum ser criado puro. Se h um ser em movimento, deve haver um ser imvel; pois todo movimentodepende de algo imvel: a mobilidade da mo, da imobilidade do brao, a mobilidade do brao, da imobilidadedo ombro, etc. Se h um ser relativo, deve haver um ser absoluto; pois toda criatura se subordina a umdeterminado conceito genrico; ora, o que representa apenas um gnero do ser, no pode dar-se o ser; donde aexigncia de um ser absoluto, do qual todos os outros recebem o ser.20

    Idem.Ibidem: Nesta ordem de idias, Boaventura aduz nada menos que dez determinaes, cuja explicaoderradeira se encontra exclusivamente na Causa Primeira ou Deus.21 BOAVENTURA. Itinerarium mentis in Deum. II, 12. In: MONDIN, Batistta. Curso de Filosofia: OsFilsofos do Ocidente: vol 1. 10 ed. Trad: Bnoni Lemos. Rev. Joo Bosco de Lavor Medeiros. So Paulo:Paulus, 1981. p. 189.22 BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis. I, 1, 10-20. In: GILSON, tienne. La Filosofia de SanBuenaventura. Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 132. (A traduo, para oportugus, nossa).

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    5. A existncia de Deuspela via anmica

    Ora, podemos e devemos buscar Deus tambm em nossa alma. Alis, nelapropriamente que O encontraremos, pois nela no encontramos mais apenasvestgiosde Deus

    e sim a Sua prpria imagem, bem como Sua noo impressa em ns. De fato, Deus no

    somente causa da alma como o das outras coisas, nem est presente nela somente por

    vestgios como nas demais. Urge dizer que Deus habita no recndito da alma, que ela a Sua

    morada e o Seu templo, enquanto a Sua imagem e nela est a Sua noo e a Sua luz. Por

    isso, a alma possui Deus tambm comoobjeto. Da no O buscarmos na alma simplesmente

    como causa, mas tambmcomo imagem, criador e Verdade de toda verdade: objeto no s de

    conhecimento, mas ainda digno de todo amor, completa reverncia e total adorao.Sem embargo, enquanto tomvamos somente as coisas sensveis, deparvamo-nos

    apenas com os efeitos de Deus, seus vestgios; agora, quando O buscamos em nossa alma,

    encontramo-lO enquanto ela imagem dEle e possui em si mesma Sua noo impressa23;

    depois, conforme veremos no prximo tpico, e j pudemos vislumbrar, descobri-lO-emos

    ainda como luz inteligvel, verdade primeira, origem de toda verdade e ser supremo; por

    ltimo, segundo corolrio espontneo dos estgios anteriores, como pessoa e nosso Bem

    supremo.

    Com efeito, a prpria via anmica comporta estgios. Antes de qualquer coisa,reconhecemos Deus na alma quando conseguimos constatar a nossa tendncia natural e

    inexplicvel sabedoria. No h como negar que o amor sabedoria -nosinato. Na verdade,

    aspiramos a uma sabedoria eterna e esta aspirao no pode ser explicada seno pela

    existncia de um certo conhecimento da mesma, visto que no se pode amar o que se

    desconhece totalmente. Ora, esta sabedoria eterna que, ao mesmo tempo, conhecemos

    confusamente e desejamos, Deus.24 Ademais, inevitvel a constatao de que todos

    desejamos ser felizes; ora, isto no seria possvel se no tivssemos saboreado algo da

    felicidade. Por conseguinte, urge admitir que j existe em ns um certo conhecimento do

    23 GILSON, Etienne. A Filosofia Na Idade Mdia. Trad. Eduardo Brando. Rev. Carlos Eduardo SilveiraMatos. So Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 549: Procurando Deus em nossa alma, , ao contrrio, para oprprio Deus que nos voltamos; o que faz que encontremos nela no mais uma sombra, nem um vestgio, mas aprpria imagem de Deus que ele no apenas a causa dela, mas tambm o objeto.24 BOEHNER, GILSON. Histria da Filosofia Crist. pp. 440 e 441: Ao volver o olhar para o nosso interior,verificamos haver ali uma aspirao natural pela sabedoria; ora, no h sabedoria mais desejvel que a sabedoriaeterna; logo, todo amor sabedoria inato ao homem. Pois no se pode amar o que se ignora; logo, o homemdeve trazer em sua prpria natureza um saber acerca da sabedoria eterna, isto , de Deus.

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    objeto da nossa beatitude, que no pode ser outro seno o Sumo Bem.25 inegvel aindaque

    todos temos uma sede de paz. Esta paz se nos apresenta como uma venturosa bonana,

    imutvel e eterna. Agora bem, como explicar este desejo de paz eterna, seno pela presena

    em ns de uma marca indelvel deixada pelo eterno?26

    Todos estes dados colhidosda vida da alma pressupem duas coisas: primeiro, que ela

    se conhece imediatamente; segundo, que existe nela uma presena misteriosa do Absoluto.

    Por ser espiritual, a alma pode apreender-se a si mesma sem intermedirios, de tal sorte que

    nada a impede de estar presente a si mesma e conhecer a si prpria diretamente. E quando isto

    acontece, e ela chega ao mais ntimo de si, encontra a a marca indelvel do Criador, a Sua

    noo impressa nela. Na verdade, ocorre que estamos diante de dois inteligveis por si, a

    saber, a alma e Deus, e, visto que a noo de Deus est impressa no mais ntimo da alma ,

    quando esta se encontra imediatamente presente a si mesma, depara-se com ela prpriaenquanto imagem de Deus e com a noo de Deus que como um selo deixado pelo autor em

    sua obra. o que esclarece Gilson: (...) do mesmo modo que a alma inteligvel por si

    mesma, assim tambm Deus inteligvel por si mesmo. Temos, pois, um inteligvel presente a

    outro inteligvel27. Em suma, se ser espiritual ser inteligvel por si e assim poder estar

    presente a si mesmo, conhecendo a alma a si mesma, e sendo ela imagem de Deus e tendo

    nela uma noo inata de Deus, o Deus presente torna-se uma presena na alma que se

    conhece. Explica-nos o prprio Boaventura de forma pormenorizada:

    Tambm est dentro da alma racional a noo ou notcia de si mesma;por isso mesmo que a alma est presente a si mesma, e comocognoscvel por si mesma: Deus, contudo, est sumamente presente mesma alma e como cognoscvel por si mesmo: logo, est impressa naalma mesma a noo de Deus.28

    Assim sendo, a alma, enquanto imagem de Deus, conhecendo-se direta e

    imediatamente a si mesma, conhece tambm Deus direta e imediatamente, precisamente

    porque imagem de Deus e contm impressa em si mesma uma noo de Deus. por isso

    25Idem. Ibidem: O mesmo deve dizer-se da nossa tendncia para a felicidade, que permaneceria

    incompreensvel sem algum conhecimento prvio de seu objeto, a saber, do Sumo Bem.26

    Idem.Ibidem: Outro tanto ocorre com a nossa sede de paz, porquanto a paz da criatura racional s pode estarnum ser imutvel e eterno. Visto que tal sede de paz pressupe um conhecimento do seu objeto, mister que anoo de um ser imutvel e eterno haja sido inoculada prpria natureza do esprito racional.27 GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: EdicionesDescle, 1948. p. 129. (A traduo, para o portugus, nossa).28 BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis. I, 1, 10. In: GILSON, tienne. La Filosofia de SanBuenaventura. Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 129. (A traduo, para oportugus, nossa).

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    que Gilson pode arguir: E como no havia de ser? A alma est presente a si mesma e se

    conhece imediatamente (...) Deus est eminentemente presente alma (...)29. Logo, a

    princpio, no fosse o pecado que nos aliena de ns mesmos, poderamos conhecer a Deus,

    direta e imediatamente pela nossa alma, e isto sem a necessidade de recorrermos mediao

    dos sentidos. o que acentua tambm tienne: (...) do mesmo modo que conhecemos

    diretamente a nossa alma e suas operaes, tambm conhecemos Deus sem o auxlio dos

    sentidos exteriores (...)30. Di-lo- Boaventura acerca do conhecimento inato que a alma tem

    de Deus:

    (...) o conhecimento desta verdade inato mente racional enquantotem razo de imagem, por cuja razo existe nela o natural apetite,noo e memria dAquele a cuja imagem foi feita, para o qual

    naturalmente tende, a fim de encontrar nEle a perfeita beatitude.31

    Passemos anlise do terceiro estgio, ondenos encontramos na fronteira da mstica.

    Ater-nos-emos incorporao da ratio anselmi na prova agostiniana pela verdade. o

    momento em que a alma descobre Deus no mais simplesmente como sua imagem ou noo

    que lhe seja inata, mas como verdade, ser e, finalmente, pessoa.

    5. A incorporao da ratio anselmi na prova pela verdadeagostiniana

    Prosseguindo o nosso itinerrio, veremos que, na concepo do Mestre Franciscano,

    no o conhecimento de Deus que nos certifica da Sua presena; ao contrrio, a Sua

    presena que nos faculta o Seu conhecimento e confirma a Sua existncia. Afirma Gilson:

    (...) no afirmamos mais aqui a presena de Deus porque conquistamos o seu conhecimento;

    ao contrrio, conhecemos Deus porque ele j nos est presente (...)32 Portanto, Sua presenafunda o conhecimento que temos dEle e nos impede de pens-lO como no existente.

    29 GILSON. La Filosofia de San Buenaventura. p. 129. (A traduo, para o portugus, nossa).30 Idem. A Filosofia na Idade Mdia. p. 549.31 BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis. I, 1. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura.Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 129. (A traduo, para o portugus, nossa). p. 130.32 GILSON. A Filosofia na Idade Mdia. p. 550.

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    Destarte, como diz Gilson, se a Sua presena j nos atesta a Sua existncia, (...) nem

    preciso dizer que a idia que temos de Deus implica a existncia deste33. V-se, assim, que

    em Boaventura, a impossibilidade de Deus no existir no um dado atestado pela pura

    lgica, mas se torna patente por meio da presena e iluminao que o prprio Deus exerce

    sobre a alma. Aqui, a lgica j no tem mais a primazia na prova; encontra- se subordinada a

    um fato maior: a presena de Deus na alma. Embora haja um movimento lgico, a presena

    de Deus, em ltima instncia, que nos impede de pens-lo como no existente.34 A respeito

    desta presena misteriosa, Gilson conclui: Quando se toma conscincia desse fato, v-se que

    a prpria noo de Deus implica sua existncia35, porque a sua noo indica a sua presena.

    Agora bem, como se torna manifesta esta presena? Ns a atestamos pela presena da

    verdade em ns. A verdade um conhecimento certo. Ora, todo conhecimento seguro tem que

    ser imutvel quanto ao seu objeto e infalvel quanto ao sujeito que conhece.36

    Todavia, ofundamento da veracidade dos nossos conhecimentos no pode provir nem do mundo exterior

    onde todos os objetos so mutveis e contingentes nem do nosso esprito, que tambm

    igualmente mutvel e falvel.37 Logo, a nica coisa que condiciona e justifica a existncia da

    verdade em ns a presena, em ns, de um ser imutvel, necessrio e eterno que nos

    ilumine: Deus.38 Donde a simples existncia da verdade em ns, mesmo de uma verdade

    parcial, supe a presena de Deus, e evidencia, consequentemente, a sua existncia: Basta,

    pois, afirmar uma verdade parcial para afirmar, simultaneamente, a existncia de Deus39.

    Diz Boaventura, acerca da existncia de Deus pela verdade:

    Prova-a tambm e a pressupe toda proposio afirmativa; pois todaafirmao pe algo, e posto algo, pe-se o verdadeiro, e com ele averdade, causa de tudo o que verdadeiro.40

    33Idem.Ibidem.

    34Idem. Ibidem: Portanto, a prpria necessidade de Deus que, iluminando constantemente nossa alma, tornaimpossvel, para ns, pensar que Deus no existe e sustentar isso sem contradio.35

    Idem.Ibidem36

    Idem. Ibidem. p. 553: Um conhecimento certo apresenta duas caractersticas: imutvel quanto ao objetoconhecido e infalvel quanto ao sujeito cognoscvel.37Idem. Ibidem. Ora, nem o homem um sujeito infalvel, nem os objetos que ele alcana so imutveis.BOEHNER, GILSON. Histria da Filosofia Crist.p. 438: Pois um saber seguro pressupe a presena de umobjeto imutvel. Ora, tal objeto no se encontra nas coisas mutveis, nem tampouco o nosso esprito, sujeito,tambm ele, a numerosas modificaes.38 Idem. Ibidem. p. 438: Em todo conhecimento absolutamente certo, deparamos com algo de imutvel,necessrio e eterno. E no entanto, o nosso conhecimento contingente. Ora, s Deus e a Verdade so superioresao nosso esprito.39

    Idem.Ibidem. p. 442.

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    Ademais, mesmo quando negamos a existncia da verdade, precisamente quando a

    negamos, estamos a afirmar a sua existncia, pois dizer que uma verdade no existe j

    propor uma verdade. Por conseguinte, basta que exista uma verdade para que exista uma

    verdade primeira, a qual Deus. Destarte, no se pode negar Deus sem afirm-lO no mesmo

    juzo.41Salienta o Frade Franciscano:

    Que Deus o primeiro sumamente manifesto, porque de todaproposio, tanto afirmativa, como negativa, se segue que Deusexiste; at se dizes: Deus no existe, se segue: se Deus no existe,Deus existe; porque toda proposio se infere a si mesma afirmativa enegativa, como se Scrates no corre, verdade que Scrates nocorre.42

    Na verdade, o que Boaventura quer ressaltar o seguinte: como admitimos que todoconhecimento verdadeiro existente em ns procede da iluminao da Verdade Primeira, e,

    visto que, nem o nosso esprito, nem tampouco os objetos que nos rodeiam, so capazes de

    explicar a existncia de conhecimentos certos e seguros em ns, no podemos, ento, valer-

    nos desta mesma luz da verdade, proveniente da Verdade Primeira, que Deus, para negar a

    existncia do prprio Deus. Diz Gilson: Se Deus est presente em nossa alma pela verdade

    que nela descobrimos, como podemos neg-lo precisamente em nome dEle mesmo? 43 Di-lo-

    o prprio Boaventura:

    Nosso entendimento nada entende seno graas primeira luz everdade; por conseguinte, todo ato do entendimento, que est a pensarque algo no existe, realiza-se pela primeira luz; porm, pela primeiraluz no ocorre o pensar que no existe a primeira luz ou verdade;logo, de nenhuma maneira pode ocorrer o pensar que a primeira luzno existe.44

    40 BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis. I, 1, 5. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura.Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 137. (A traduo, para o portugus, nossa).41 BOEHNER, GILSON. Histria da Filosofia Crist. p. 442. Isto se esclarece ainda melhor, quandoatendemos verdade como tal. Se lhe negssemos a existncia, declarando que a verdade no existe, sempreseria verdade que a verdade no existe; e, se h uma verdade, porque existe uma verdade primeira.Eimpossvel, pois, negar a existncia da verdade ou de Deus, sem afirm-la no mesmo juzo.42 BOAVENTURA. Hexaemeron. X, 11. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad.Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 137. (A traduo, para o portugus, nossa).43 GILSON. La Filosofia de San Buenaventura. p. 138. (A traduo, para o portugus, nossa).44 BOAVENTURA. I Sent.8, 1, 1, 2. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad. Estebande Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 138. (A traduo, para o portugus, nossa).

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    Agora bem, se todo conhecimento certo e seguro, conforme vimos, pressupe que o

    seu objeto seja imutvel, vale dizer, no sujeito mudana; se,tambm conforme vimos, todo

    conhecimento verdadeiro se fundamenta na verdade primeira, que Deus, temos que admitir

    que Deus um ser absolutamente imutvel, posto que dele provm a imutabilidade de toda

    verdade. Destarte, devemos admitir tambm que Ele o ser necessrio, ou seja, que Ele e

    no pode no ser. Ele , pois, o ipsum esse, isto , o que mais propriamente se denomina ser.

    Por conseguinte, est acima de tudo quantose possa pensar. Donde na proposioDeus existe,

    o predicado existe ser inerente ao sujeito Deus, pois o que de modo imutvel e

    necessrio no pode no ser e nem ser pensado como no existente. desta forma que

    Boaventura incorpora o argumento de Anselmo (ratio anselmi) na prova agostiniana pela

    verdade:

    Porque Deus, ou a suma verdade, o mesmo ser, melhor do qual nadase pode pensar; portanto, no pode Ele no ser, nem ser pensado comono ser, porquanto o predicado se encerra j no sujeito.45

    Percebemos, enfim, que, em Boaventura, a ratio anselmi s foi incorporada prova

    agostiniana pela verdade, depois de ele haver testificado, pela via anmica, a presena de

    Deus na alma enquanto imagem e como uma noo inata. Sendo assim, se a prova pela

    verdade acrescenta via anmica um novo modo de presena de Deus na alma, a saber, como

    uma luz superior e fonte de toda verdade, a ratio anselmi, por sua vez, aduz ao argumento

    pela verdade, aquele rigor lgico que nos impede de pensar Deus, inclusive no mbito

    terico-especulativo, como uma iluso.46 Ademais, na ratio anselmi que tambm nos

    descobrimos perante o Deus, ser do qual no se pode pensar nada maior. De fato, sendo

    Deus a prpria Verdade, princpio de toda verdade, e sendo a verdade aquilo que , segue-se

    que Deus o ser supremo, o verdadeiro ser, aquele que possui o ser em grau mximo. Assim,

    45 BOAVENTURA. I Sent.8, 1, 1, 2, concluso. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura.Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 134. (A traduo, para o portugus, nossa). Numa frmula mais breve: se Deus o ser acima do qual nada se pode pensar de maior, certo queDeus existe. Ora, indubitvel que Deus este ser. Logo, indubitvel que Deus existe, pois impossvel que oser acima do qual nada se pode pensar de maior no existe ou seja pensado como no existente:BOAVENTURA. De Mysterio Trinitatis.I, 1, 29. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura.Trad. Esteban de Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 134: Se Deus Deus, Deus existe; e comoo antecedente to verdadeiro que nem se pode pensar que no o seja, logo uma verdade indubitvel que Deusexiste. (A traduo, para o portugus, nossa).46 O primado sempre da presena de Deus. ela, antes de tudo, que nos impede de pensar Deus como noexistente. A ratio anselmi vem to somente complementar esta impossibilidade, conferindo a ela, na esferaterico-especulativa, o rigor lgico.

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    so-lhe inerentes todos os predicados do ser. Por isso, este Deus no mais s existente,

    seno tambm vivente, inteligente, espiritual47, pessoal, Bem supremo do homem peregrino; a

    um s tempo, transcendente e capaz de se relacionar conosco. H, desta feita, em Boaventura,

    um encontro harmonioso entre cincia e amor, tanto que, para ele, (...) chama-se

    propriamente sabedoria, aquilo que designa o conhecimento experimental de Deus48, o qual

    (...) principia no conhecimento (puro) e remata no amor (...)49.

    Passemos s consideraes finais sobre o texto.

    Concluso

    Ora, se a noo da existncia de Deus inata nossa alma, por que nem sempre

    reconhecemos a presena de Deus nela? Por que temos que nos voltar aos sentidos, a fim de

    ascendermos a Deus? A estes questionamentos, responde Gilson: (...) se a existncia de

    Deus parecia carecer de evidncia, isso s poderia se dar por falta de reflexo de nossa

    parte50. E conclui dizendo: Se a concupiscncia e as imagens sensveis no interpem seus

    vus entre a verdade e ns, torna-se intil provar que Deus existe: isso se torna evidente51.

    Neste artigo, esposamos a seguinte ordem: encontramo-nos com Deus enquanto causa

    das coisas exteriores; depois, voltamos a encontr-lO como imagem segundo a qual nossa

    alma fora criada, deparando-nos, alm disso, com a Sua noo impressa nela; por fim,

    alcanamo-lO enquanto fundamento de toda verdade e ser do qual no se pode pensarnada

    maior. Verificamos, pois, que este encontro com Deus foi ascendente; descobrimos diversos

    modos ou formas de presena do Deus onipresente. Presente est, primeiro, em seus

    vestgios; segundo, na alma enquanto criada Sua imagem e semelhana e dotada de Sua

    noo inata; terceiro, por Sua luz imutvel, em cada juzo que formulamos. Mais do que uma

    47 Vide nota 10. p. 5.48 BOAVENTURA. III Sent. 35, 1. In: GILSON, tienne. La Filosofia de San Buenaventura. Trad. Estebande Zudaire. Buenos Aires: Ediciones Descle, 1948. p. 442.49 BOAVENTURA. III Sent. 35, 1, ad. 5. In: BOEHNER, Philotheus, GILSON, Etienne. Histriada FilosofiaCrist: Desde as Origens at Nicolau de Cusa. 7a ed. Trad. Raimundo Vier. Petrpolis: VOZES, 2000. p. 424.(o parntese nosso).50 GILSON. A Filosofia na Idade Mdia. p. 549.51

    Idem.Ibidem.

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    prova, tratou-se de um encontro cada vez mais intenso com o Deus-causa, o Deus-Imagem52

    e o Deus-Verdade e Luz.

    Mais do que demonstrar a necessidade da sua existncia, desposamos exercitationes

    que, purificando-nos, conduziram-nos a nveis diversos de encontro com o Deus-Onipresente.Primeiro, chegamos ao Deus presente, enquanto causa, nas coisas sensveis; depois, ao Deus

    presente, enquanto imagem segundo a qual a nossa alma fora por Ele mesmo criada e a noo

    inata que temos dEle; enfim, encontramo-nos com o Deus presente em cada ato intelectual

    que fazemos. Ora, exatamente neste estgio do itinerrio, chegamos at o Deus-Ser, Deus-

    Verdade, Deus-Pessoa. A partir deste encontro pessoal, animado pela f, mas escalado pela

    razo, tornou-se nada menos que impossvel pens-lO como no existente. Da em diante

    comea aquele conhecimento de Deus que prprio dos umbrais trevosos da mstica, a saber,

    cognitio Dei experimentalis, que no consiste mais somente num encontro, seno em umaunio do homem com Deus e de Deus com o homem. O bem supremo do homem, ei-lo: unir-

    se ao Bem Supremo que Deus. Boaventura assim define o conhecimento que brota desta

    relao da alma com Deus: (...) o modo mais perfeito do conhecimento de Deus consiste na

    experincia da sua doura: esta muito mais sublime, nobre e deliciosa do que a argio

    argumentativa53. Nasce, pois, a mstica; adensam-se as caligens do mistrio. Eis onde reside

    o xtase (excessus mentis).Esta escada, por assim dizer, que a nossa alma percorre at Deus,

    sintetizada pelo Serfico nas seguintes palavras:

    Nossa alma teve a intuio de Deus fora de si; em si, mediante suaimagem e em sua imagem; acima de si, pela semelhana da luzdivina, que resplandece acima de ns, e na mesma luz, o quanto possvel em nossa condio de peregrinos e medida que ela seexercita na contemplao.54

    52 Imagem exemplar, est claro. Expliquemo-lo. Deus, enquanto conhece a Si mesmo, gera um Verbo idntico aSi, Deus, portanto. Ademais, como o conhecimento que Deus tem de Si mesmo exaustivo, Ele conhece em Simesmo, alm do Seu ser infinito, todos os entes reais e possveis enquanto imitativos da Sua essncia. Ora, segundo estes arqutipos, que esto no Seu Verbo, que Deus cria todas as coisas. Destarte, toda criatura retrata,de acordo com o grau de participao que comporta, o prprio Deus Criador. E, especialmente da alma racional,pode-se dizer que ela foi criada segundo o seu prottipo, que est no Verbo de Deus, enquanto ideia. Assim,Deus semelhante a um artista que cria segundo os modelos que concebeu. Vide: BOEHNER, GILSON.Histria da Filosofia Crist: Desde as Origens at Nicolau de Cusa. pp. 432 a 435; REALE, Giovanni.ANTISERI, Dario. 2 ed. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon Histria da Filosofia: Patrstica eEscolstica. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. So Paulo: Paulus, 2005. pp. 258 e 259.53 BOAVENTURA. III Sent. 35, 1, ad 5. In: BOEHNER, Philotheus, GILSON, Etienne. Histriada FilosofiaCrist: Desde as Origens at Nicolau de Cusa. 7a ed. Trad. Raimundo Vier. Petrpolis: VOZES, 2000. p. 423.54 BOAVENTURA. Itinerrio da Alma para Deus. 3, 1. In: REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Histriada Filosofia: Patrstica e Escolstica. 2 ed. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon. So Paulo: Paulus,2005. p. 267.

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