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PRÁTICAS EDUCATIVAS DO MUSEU NACIONAL DO RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX. Paulo Rogério Marques Sily 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Colégio Pedro II [email protected] Palavras-chaves: museus escolares – cultura material escolar – práticas educativas. Esse trabalho tem por objetivo apresentar indícios e pistas que permitam considerar a criação de coleções didáticas e a confecção de mapas murais, produzidos pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, assim como a distribuição e os usos desses materiais nos estabelecimentos de ensino, como exemplos de estratégias de divulgação e de ensino da História Natural nos museus escolares do país, nos anos de 1920, em meio a um contexto de debates e valorização de ações relativas à educação, na perspectiva de afirmação do nacionalismo 2 . Para isso, pretendo interpretar e compreender esses objetos em sua materialidade e intencionalidade, tendo como referencial teórico e metodológico as contribuições de Carlo Ginzburg (1989; 2001) e os marcos conceituais apontados por Abreu Junior (2005), buscando contribuir para a pesquisa no campo da cultura material escolar. Tenho como questões principais: por que, no início do século XX, a aquisição e os usos de coleções didáticas e mapas murais nos gabinetes escolares ganharam relevância nas escolas brasileiras? Quais relações podemos estabelecer entre a produção desses materiais, a criação de museus escolares e as políticas de educação? Qual papel desempenhou o Museu Nacional no contexto educacional brasileiro, nas duas últimas décadas da Primeira República? Para este estudo utilizei como fontes de pesquisa a documentação existente na Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional/UFRJ (SEMEAR), no Núcleo de Documentação do Colégio Pedro II (NUDOM) e no Centro de Memória (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), tais como: Relatórios Anuais dos Diretores do Museu Nacional e do Colégio Pedro; Livro de Ofícios expedidos pelo Museu Nacional e Livro de Ofícios recebidos e expedidos pelo Colégio Pedro II; Livro de Recibos e publicações do Instituto de Educação do Rio de Janeiro; Boletim de Instrução Pública do Distrito Federal; Revista Pedagógica; Publicações do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, entre outros. Além desses documentos, tive acesso a exemplares das coleções didáticas e mapas murais produzidos pelo Museu Nacional, podendo proceder a uma análise mais detalhada desses materiais, assim como busquei a leitura e estudo de teses, dissertações e publicações referentes à Educação, ao Museu Nacional e ao contexto histórico e cultural do Brasil na Primeira República. Para tanto, apresento a trajetória de constituição do Museu Nacional, como instituição dedicada à pesquisa e educação, destacando sua relevância na produção e divulgação de conhecimento para o público, em geral, até os dias de hoje. Em seguida, busquei situar as transformações mais significativas que ocorriam no início do século XX, dando relevância às novas tendências da educação, do ensino e da cultura, partindo das inovações propostas pela Reforma Benjamim Constant, de 1890, com destaque para

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PRÁTICAS EDUCATIVAS DO MUSEU NACIONAL DO RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX.

Paulo Rogério Marques Sily1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Colégio Pedro II

[email protected]

Palavras-chaves: museus escolares – cultura material escolar – práticas educativas. Esse trabalho tem por objetivo apresentar indícios e pistas que permitam

considerar a criação de coleções didáticas e a confecção de mapas murais, produzidos pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, assim como a distribuição e os usos desses materiais nos estabelecimentos de ensino, como exemplos de estratégias de divulgação e de ensino da História Natural nos museus escolares do país, nos anos de 1920, em meio a um contexto de debates e valorização de ações relativas à educação, na perspectiva de afirmação do nacionalismo2. Para isso, pretendo interpretar e compreender esses objetos em sua materialidade

e intencionalidade, tendo como referencial teórico e metodológico as contribuições de Carlo Ginzburg (1989; 2001) e os marcos conceituais apontados por Abreu Junior (2005), buscando contribuir para a pesquisa no campo da cultura material escolar. Tenho como questões principais: por que, no início do século XX, a aquisição e

os usos de coleções didáticas e mapas murais nos gabinetes escolares ganharam relevância nas escolas brasileiras? Quais relações podemos estabelecer entre a produção desses materiais, a criação de museus escolares e as políticas de educação? Qual papel desempenhou o Museu Nacional no contexto educacional brasileiro, nas duas últimas décadas da Primeira República? Para este estudo utilizei como fontes de pesquisa a documentação existente na

Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional/UFRJ (SEMEAR), no Núcleo de Documentação do Colégio Pedro II (NUDOM) e no Centro de Memória (CEMI) do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), tais como: Relatórios Anuais dos Diretores do Museu Nacional e do Colégio Pedro; Livro de Ofícios expedidos pelo Museu Nacional e Livro de Ofícios recebidos e expedidos pelo Colégio Pedro II; Livro de Recibos e publicações do Instituto de Educação do Rio de Janeiro; Boletim de Instrução Pública do Distrito Federal; Revista Pedagógica; Publicações do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, entre outros. Além desses documentos, tive acesso a exemplares das coleções didáticas e

mapas murais produzidos pelo Museu Nacional, podendo proceder a uma análise mais detalhada desses materiais, assim como busquei a leitura e estudo de teses, dissertações e publicações referentes à Educação, ao Museu Nacional e ao contexto histórico e cultural do Brasil na Primeira República. Para tanto, apresento a trajetória de constituição do Museu Nacional, como

instituição dedicada à pesquisa e educação, destacando sua relevância na produção e divulgação de conhecimento para o público, em geral, até os dias de hoje. Em seguida, busquei situar as transformações mais significativas que ocorriam no início do século XX, dando relevância às novas tendências da educação, do ensino e da cultura, partindo das inovações propostas pela Reforma Benjamim Constant, de 1890, com destaque para

a organização de gabinetes escolares nos estabelecimentos de ensino, assim como as idéias nacionalistas, os debates e ações promovidas referentes à escolarização e educação brasileira. Adiante, apresento uma breve análise das coleções didáticas e mapas murais, buscando compreender suas origens, materialidade e intencionalidade, nos diferentes contextos nos quais estão inseridos esses objetos. Por fim, apresento a relevância desses materiais, destacando as inspeções oficiais realizadas nos estabelecimentos escolares e gabinetes de História Natural e as considerações finais.

Da Casa dos Pássaros ao Museu Nacional: trajetória institucional.

A mais antiga instituição científica do Brasil e da América do Sul, o Museu Nacional tem suas mais remotas origens, ainda, no período colonial brasileiro, na Casa de História Natural, chamada pelo povo de Casa dos Pássaros, criada no governo do Vice-Rei, D. Luiz de Vasconcelos (1779 – 1790). Nesse período era costume dos Vice-Reis o envio de “objetos” da natureza do Brasil para a metrópole a fim de divulgar e tornar conhecido o que existia na terra, expor o exótico, apresentar à corte de Lisboa as belezas e riquezas naturais da colônia. Eram enviados exemplares de animais, plantas, minerais e adornos indígenas, coletados no Brasil por viajantes e colonizadores. Conforme nos informa Carvalho (1977), no período Joanino, em 1818, D. João VI assinou decreto determinando a criação de um Museu Real, de acordo com os interesses naturalistas da Imperatriz Leopoldina e da Missão Científica que viera para o Brasil, formada por pesquisadores como Martinus, Ender, Natterer, Pohl, entre outros. Instalado, inicialmente, no campo de Sant’Anna, sendo para lá transportado o acervo existente na Casa dos Pássaros, onde durante sete anos as coleções foram usadas para o ensino, com a Independência, em 1822, passou a Museu Imperial, sediado no campo de Sant’Anna, conservando esta denominação até a República, quando passou a Museu Nacional. Transferido em 1892 para o Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, até então, local de residência da família Imperial durante oitenta e um anos, o Museu Nacional está, hoje, localizado em um dos mais belos parques públicos da cidade do Rio de Janeiro, comportando original acervo histórico e paisagístico. Seu acervo constituído, atualmente, de mais de um milhão de peças, está distribuído nos departamentos de Geologia, Paleontologia, Arqueologia, Antropologia, Botânica e Zoologia, reunido ao longo de séculos, através da compra de peças de valor histórico e científico, doações e da aquisição de material através de inúmeras expedições empreendidas por cientistas do Museu Nacional, por todo o território nacional, com destaque para as expedições dirigidas pelo Marechal Cândido Rondon durante assentamento das Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas, entre 1906 e 1930. Como unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde 19453 o Museu Nacional desenvolve a pesquisa e o ensino em cursos de Pós-Graduação, nas áreas de Antropologia Social, Botânica e Zoologia. Em seus laboratórios e Salas de Pesquisa, atualmente, sob a orientação de professores e pesquisadores de Pós-Graduação, o Museu Nacional recebe inúmeros estagiários, procedentes de cursos universitários, mas também alunos de Ensino Médio, vinculados ao Programa de Iniciação Científica Júnior, desde 2000, em parceria com o Colégio Pedro II, o primeiro estabelecimento de ensino público do país, sendo, atualmente, a maior escola pública de Educação Básica da América Latina. O Museu Nacional recebeu no ano de 2007, um público estimado em torno de 128.000 pessoas, formado, sobretudo, por professores e alunos de escolas de Educação

Básica, visitando as galerias do palácio, conhecendo as coleções organizadas em 1.200 mª, em trinta e uma salas de exposição, permanente4.

A Reforma de 1890 e a organização dos gabinetes de História Natural.

As décadas de 1870 e 1880 foram marcadas por conflitos entre concepções políticas e ideológicas que refletiam o conjunto de transformações sociais e econômicas que o Brasil vivia, estando em jogo, principalmente, forças monarquistas e escravocratas, contrárias, às republicanas e pelo fim da escravidão.

A proclamação da República e a nova organização do Estado a partir de 1889, implicaram em uma reordenação do poder, afastando as oligarquias mais tradicionais, particularmente, os cafeicultores fluminenses, afirmando o poder das diversas oligarquias regionais, que assumiram o poder da máquina administrativa.

A afirmação da mão de obra livre e remunerada e a crescente chegada de imigrantes, principalmente nas regiões sudeste e sul do país, implicaram em mudanças nas relações de trabalho e produção no campo, assim como nas cidades, com destaque para o desenvolvimento industrial, contribuindo para ampliar e diversificar a economia, a sociedade e a cultura brasileira, criando novas demandas sociais.

No aspecto político, a República, apesar de inaugurar o federalismo e a descentralização, dando maior acesso às forças sociais dominantes ao Estado, caracterizou-se pela permanência da oligarquia rural no poder e pela manutenção de uma ordem política excludente em relação à participação política das camadas populares.

Em meio a essa conjuntura, quais as tendências da cultura e da educação brasileiras?

Em seus estudos sobre a educação no Brasil, Otaíza Romanelli (1978) nos informa que no período Imperial a educação esteve voltada para atender às elites rurais e à nova camada intermediária que se impunha social e economicamente após a Independência, que já percebia o valor da escola como instrumento de ascensão social, interessada em ocupar, na ordem oligárquica, as funções administrativas, burocráticas e intelectuais.

O quadro geral do ensino no Brasil, durante o Império, compunha-se de poucas escolas primárias, dos Liceus provinciais, em cada capital de província e dos colégios particulares, em algumas cidades importantes, alguns cursos normais, o Liceu de Artes e Ofícios, criado na Corte, em 1856, os cursos superiores de Direito, Medicina, Engenharia e Artes, prioritariamente.

Cabe destacar, ainda, o Colégio Pedro II, criado na Corte, sendo o único mantido pelo Governo Central para servir de modelo aos demais cursos secundários do país e preparatório para os cursos de nível superior. Somente esta instituição tinha o privilégio de conferir o grau de bacharel aos estudantes, título necessário para o ingresso nas universidades brasileiras.

Numa tentativa de organizar o sistema educacional no início da República, a reforma Benjamim Constant, em 1890, criou o Ministério da Instrução Pública. Dentre suas propostas, apenas parte delas foram postas em prática, com destaque para a substituição de um currículo acadêmico por um currículo enciclopédico; a inclusão de disciplinas científicas; o estabelecimento do ensino seriado; a busca de maior organicidade ao sistema como um todo; a criação do Pedagogium, centro de aperfeiçoamento do magistério e impulsor das reformas.

Proposto ao governo da República, em 1890, pelo Inspector Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, Sr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, foi aceito e criado projeto de organização do Museu Pedagógico, denominado Pedagogium, pelo Sr. Ministro da Instrução Pública5, Benjamim Constant.

Tendo o Pedagogium por finalidades, impulsionar a reforma educacional e os melhoramentos necessários à Instrução Nacional, oferecendo aos professores públicos e particulares os meios de instrução profissional de que poderiam carecer, a exposição dos melhores métodos e do material de ensino mais aperfeiçoado, em seu artigo 1°, estabelece, dentre os meios necessários para alcançar tais objetivos a organização de gabinetes e laboratórios de ciências físicas e naturais e a organização de coleções

modelos para o ensino científico concreto nas escolas públicas (REVISTA PEDAGÓGICA.1890, p. 35).

De acordo com o Regulamento da instrução primária e secundária do Distrito Federal, constante do Decreto nº 346, de 16 de abril de 1890, a instrução primária, livre, gratuita e leiga, seria dada no Distrito Federal em escolas públicas, em duas categorias: Escolas Primárias do 1º Grau e Escolas Primárias do 2º Grau6.

Em ambas as escolas primárias, está presente em suas grades curriculares o ensino de Elementos das Ciências Físicas e História Natural, devendo ser aplicado em todas as disciplinas o método intuitivo, servindo o livro de simples auxiliar, de acordo com programas minuciosamente especificados.

Ainda por esse Regimento ficou estabelecido que

“cada escola primária terá além das salas de classe e outras,

dependências, sua biblioteca especial, um museu escolar provido de coleções mineralógicas, botânicas e zoológicas, de instrumento e de quanto for indispensável para ensino concreto, um ginásio para

exercícios físicos, um pátio para jogos e recreios, e um jardim preparado segundo preceitos pedagógicos7”.

Para o funcionamento das escolas primárias o governo providenciaria a construção de edifícios apropriados ao ensino, de acordo com os mais severos preceitos da higiene escolar e com habitações anexas destinadas ao professor, sendo de responsabilidade do Conselho Diretor da Instrução Primária e Secundária a formulação e aprovação do projeto de construção desses prédios escolares8.

No ensino secundário integral, de acordo com a Reforma Benjamim Constant, a disciplina de História Natural compunha o curso integral de estudos, equivalente a sete anos, dado pelo Estado, no Ginásio Nacional9. Os conteúdos da disciplina de História Natural seriam ministrados no 6º ano, no 2º período referentes às noções de botânica, zoologia, meteorologia, mineralogia e geologia10.

Museu Nacional: pesquisa e educação no início do século XX.

No período compreendido entre 1822 e 1868 o Museu Imperial esteve

subordinado ao Ministério dos Negócios do Império, o mais importante junto à Academia Imperial de Medicina, a Academia de Belas Artes, Arquivo Público, Biblioteca Nacional, Escola Politécnica e Observatório Nacional. Esse Ministério abrigava os demais órgãos voltados para a Instrução.

A vinculação com a Educação se intensifica quando, com a Reforma Benjamim Constant, em 1890, o Museu Nacional passa a participar como membro do Conselho Diretor da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal11, com voz e voto, nas

decisões referentes à educação, pertinentes à Secretaria de Instrução Pública do Distrito Federal.

Em 1892, sofrendo reformas institucionais, sendo transferido para o Paço Imperial de São Cristóvão, o Museu Nacional afirmava-se como casa de ensino e pesquisa e não apenas como depósito de peças (DIAS, 2005, p. 42), desenvolvendo atividades e práticas educativas em diferentes áreas do conhecimento, relacionadas à História Natural.

Durante as duas primeiras décadas do século XX as atividades do Museu Nacional buscaram atender seus objetivos institucionais relacionados à pesquisa, organização e divulgação de seu acervo, conforme podemos encontrar nos relatórios anuais, organizados pelos Diretores, no sentido de apresentar as atividades desenvolvidas aos Ministérios aos quais esteve vinculado12.

A divulgação da História Natural, a propagação do gosto e o

interesse pela mesma e as oportunidades de travar conhecimento com os diferentes tipos de rochas, plantas e animaes do país e, em grão

menor, com os tipos que representam o solo, a flora e a fauna de outros países eis um dos principais fins a que se destina o Museu Nacional à semelhança dos outros institutos congêneres, pátrios e

estrangeiros (MUSEU NACIONAL, 1920).

Buscando atender às diretrizes de uma política educacional, traçada pela Instrução Pública do Distrito Federal e de difusão da História Natural, o Museu Nacional desenvolve um conjunto de métodos de divulgação, como podemos ler em relatório do Museu Nacional, de 1919, organizado pelo então diretor, Bruno Álvares da Silva Lobo:

Desejoso de atingir a tantos quanto possa interessar o estudo da História Natural, fez, como nos annos anteriores, uso dos seguintes méthodos de divulgação e ensino: a) Mostruários scientificamente

organizados; b) Guias de colleções expostas; c) Escola de Botanica; d) Admissão de praticantes nas secções e laboratórios; e)

Distribuição de colleções didáticas; f) Organização de mapas

muraes; g) Arquivos do Museu Nacional (RELATÓRIO DO MUSEU NACIONAL, 1919, p. 34).

A partir de 1919, em suas diferentes seções, o Museu Nacional produz coleções didáticas e confecciona mapas murais, destinados aos estabelecimentos de ensino, de todos os níveis, em todo o país, com o objetivo de divulgar as riquezas naturais do Brasil, popularizar a cultura natural brasileira e contribuir para o desenvolvimento das Sciências Naturais nos estabelecimentos de ensino superior e secundário, dando-lhe um

cunho prático, pela distribuição de colleções didácticas de História Natural (MUSEU NACIONAL, 1920, p. 49).

Essas práticas educativas desenvolvidas pelo Museu Nacional encontram sentido e ressonância nas idéias nacionalistas que a partir da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1919) serviram de base para os debates e ações de movimentos que se afirmaram no Brasil nos anos de 1920.

Afirmou-se a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar seria possível incorporar grande parte da população brasileira na perspectiva do progresso nacional, superando a injustiça social,

configurada na república oligárquica, pelo domínio das elites sobre a maioria que não sabia ler e escrever, correspondente a 80% dos brasileiros13.

A preocupação para com os problemas nacionais, particularmente os relacionados com a educação, deu origem a amplos debates na sociedade14, estimulando reformas da escolarização que buscaram modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares, nas diferentes modalidades e níveis de ensino, configurados em novos modos de formulação de programa escolar, nova instrumentação para tornar mais eficaz o trabalho docente, e, também, diversificar as atividades escolares e introduzir novas práticas.

Uma das características desse novo ideário assentava-se na crítica ao ensino livresco, abstrato, na forma de ensino acadêmico, predominante nos cursos secundário e superior. Propunha-se um ensino mais prático, concreto e científico, conforme podemos ler nos Anais da IIIª Conferência Nacional de Educação, realizada em São Paulo, em 192915:

(...) desenvolver, disciplinar e apurar a percepção externa, a atenção,

o raciocínio, a comparação, a generalização (...) as operações intelectuais, em suma, mais necessárias à observação perspicaz, ao estudo paciente e à interpretação exata dos fenômenos da natureza, à

experimentação cuidadosa, à análise, à crítica e à contraprova dos resultados obtidos nessa aplicação rigorosa do método objetivo (ibid., p. 157).

Materialidade e intencionalidade dos objetos. Considerando que todo objeto tem sua história singular, sua historicidade, o que permite, através de seu estudo, conhecer as redes e contextos nos quais foram gerados e, portanto, é fruto, compreendo essas coleções e mapas murais como vestígios, que oferecem a possibilidade de, a partir do estudo de sua materialidade e intencionalidade (ABREU JUNIOR, 2005), proceder a uma aproximação para com as condições culturais e históricas em meio as quais foram produzidos, identificar práticas educativas desenvolvidas pelos museus e nos gabinetes escolares, assim como, as formas como foram utilizados e ressignificados, como objetos de estudo. No entanto, como proceder a essa investigação? Quais procedimentos metodológicos podem e devem servir de referência para a pesquisa com fontes dessa natureza? Dentre as contribuições propostas por Carlo Ginzburg (1989), considero fundamental, para as pesquisas futuras, utilizar suas considerações teóricas, mais especificamente àquelas por ele estudadas, referentes a um modelo epistemológico surgido no final do século XIX, no âmbito das Ciências Sociais, denominado “paradigma indiciário”, o qual propõe um olhar para o universo micro, o universo do diminuto e do detalhe, considerando, dessa forma, que a cada encontro de particularidades significativas ressaltam-se as minudências que compõem a base da

urdidura do contexto (ABREU JUNIOR. op.cit., p. 147). Dessa forma, acredito poder problematizar o objeto em estudo, com um “olhar epistemológico”, que permita uma “investigação minuciosa”, adotando, como nos orienta Abreu Junior (ibid, p.152), com base em Ginzburg (2001), uma postura de “estranhamento”, frente ao objeto analisado. Um olhar que não se atém à linearidade das causas aos efeitos, mas que rompendo com a visão globalizante das estruturas sociais, leva em conta a leitura do que é pequeno e dos detalhes, sem, no entanto, desprezar a idéia de totalidade, como escreve o autor:

Assim, Ginzburg inaugura um caminho em que o debruçar-se pelo

micro-universo, longe de impedir a visão do todo, permite a abertura para enxergar algo novo ou emergente – de qualquer jeito, uma outra

forma que se diluiria na absorção de uma estrutura globalizante. Os detalhes são os indícios aos quais o investigador deve estar atento para a compreensão de uma história mais complexa, pois inabarcável

em categorias fechadas e merecedora de cuidados e critérios

rigorosos e diferenciados de investigação (ABREU JUNIOR. op.cit., p. 149).

Referindo-se ao conto do escritor americano, Edgar Alan Poe – “A carta roubada” -, Abreu Junior (ibid, p. 150) toma como marco conceitual a valorização do que é considerado “banal” e “corriqueiro”; dos objetos que em nosso cotidiano não são, em geral, por nós percebidos como dignos de serem utilizados como fontes para pesquisas. Materiais que, muitas vezes, como as coleções didáticas e mapas murais utilizados nas escolas brasileiras no início do século XX, foram esquecidos e abandonados, quando não postos fora, como descartável. Coleções Didáticas e Mapas Murais: origem, confecção e distribuição.

Como visto anteriormente, desde a Reforma Benjamin Constant, a proposta de

desenvolver um ensino intuitivo e concreto nas escolas brasileiras foi uma preocupação dos órgãos de governo ligados à Instrução. Para isso, criaram, entre outras medidas, museus escolares, compostos, entre outros materiais, por coleções didáticas e mapas murais, que permitissem aos professores e alunos um método de ensino e aprendizagem mais prático, particularmente aqueles conteúdos ministrados nas disciplinas das ciências naturais e físicas.

De acordo com a documentação pesquisada, até agora, foi possível concluir que até o final do século XIX, essas coleções didáticas e quadros murais não eram produzidos no Brasil, sendo importados de diferentes países da Europa, como podemos verificar em documento emitido pelo então presidente do Pedagogium, Sr. Joaquim José de Menezes Vieira, em 15 de maio de 1891, dirigido ao Sr. Ministro Benjamin Constant:

(...) atendendo ao estado miserável do museu no tocante ao material para o ensino de ciências físicas e de História Natural, pedi ao Sr.

Ministro, em ofício de 13 de outubro de 1890, que por conta do crédito aberto por Decreto de 4 do mesmo mês, ficasse a minha

disposição na Delegacia do Tesouro Nacional, em Londres, a quantia de 40.000$000 para ocorrer às despesas com a aquisição desse material e do mais que se tornasse preciso à biblioteca, á escola

modelo e às oficinas. Em 17 de outubro, sendo atendido, imediatamente, encomendei ao

representante dos principais editores e fabricantes o material mais urgente. Esta encomenda acha-se na Alfândega a espera que se realize a

mudança para o prédio da rua do Visconde do Rio Branco (INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1891, A–E–7).

Informações sobre a origem dessas coleções, ainda, carecem de maiores pesquisas. No entanto, Relatório do Inspetor da Instrução Pública, de 1891, destinado ao

Sr. Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em prestação de contas das atividades desenvolvidas pela sua Secretaria, faz referência às dificuldades encontradas para a entrada, no almoxarifado, de material comprado no exterior, destinado às escolas de 2º Grau, em função da demora do desembarque das cargas dos paquetes transatlânticos, no porto do Rio de Janeiro. Dentre os materiais chegados da Europa, de maior interesse para esse trabalho, estão listados os quadros naturais de P. Gervais; quadros de anatomia e de Fisiologia, de P. Regnard e Johnson; globos geográficos, de Ch. Simon; parte das coleções de

zoologia, botânica e mineralogia, do editor Deyrolle; gabinetes escolares de física, da

casa Hachette; parte das coleções de História Natural, e os mapas geográficos, de

Levasseur, dentre outros16. Assim, as pesquisas até aqui por mim realizadas indicam que a produção de coleções didáticas e confecção de mapas murais pelo Museu Nacional têm origem no atendimento à demanda por material didático, ainda em 1891, quando foi ordenado pelo então Ministro da Instrução Pública ao Diretor do Museu Nacional que preparasse pequenas coleções de história natural apropriadas para o ensino elementar que deveriam ser remetidas ao Pedagogium para posterior distribuição nos estabelecimentos de ensino17. Na busca dessas coleções didáticas e mapas murais venho me debruçando sobre documentação disponível no Museu Nacional, assim como nos arquivos de estabelecimentos de ensino que os receberam e utilizaram em seus gabinetes de História Natural e museus escolares. Surpreendi-me ao constatar que, nas instituições escolares, seus exemplares não se encontram arquivados, sequer guardados, estando, no entanto, na memória de alguns funcionários, mais antigos, que deles falam com clareza, descrevendo-os, em detalhes. Esse desprestígio para com os materiais escolares, relacionados à educação, principalmente nas escolas, fato comum não apenas no Brasil18, é destacado por Dominique Julia (2001), quando aponta as dificuldades encontradas para uma análise histórica da cultura escolar e de suas práticas culturais devido à escassez de fontes preservadas, com relação àquelas utilizadas e produzidas pelos agentes da escola, principalmente, alunos e professores. Considerando a importância pedagógica desses materiais, para a época em que foram utilizados, e a diversidade das coleções didáticas produzidas pelo Museu Nacional, compostas de exemplares de fauna, flora, mineralogia, geologia e antropologia brasileira, assim como dos mapas murais que, através de desenhos, reproduziam espécies, dessas mesmas áreas científicas, em tecido e papel, tamanho 0,84 X 1,15, cabe, no mínimo, a denúncia quanto ao descaso para com esses materiais, de uso escolar19. Dentre os objetivos para sua produção e distribuição pelo Museu Nacional, nos anos de 1920, e sua utilização nos estabelecimentos escolares destaca-se o de tornar o ensino das ciências, no caso relacionadas à História Natural, mais prático, concreto e intuitivo, a fim de facilitar o processo de ensino-aprendizagem e o conhecimento do Brasil, como podemos ler em Relatório do Museu Nacional, de 1919:

Além das colleções didácticas de História Natural, chamou a si o Museu Nacional, a confecção de mapas muraes, os quaes já estão

sendo organizados. Com o auxílio das colleções didácticas e dos mappas muraes será

possível ensinar a História Natural, nos diversos estabelecimentos de ensino, documentando o professor a prelecção com os elementos do solo, flora e fauna do Brasil. Demais, representa um dos meios de

melhor tornar conhecido o nosso paiz aos que se iniciam na vida

prática (RELATÓRIO DO MUSEU NACIONAL, 1919, p.51). As coleções didáticas foram produzidas nas seções do Museu Nacional, em grande número, na medida em que, anualmente, eram enviados a muitos estabelecimentos de ensino espalhados pelo país e também para o exterior20. Para efeito de ilustração, o departamento de Botânica produziu e distribuiu, nos anos de 1921 e 1922, respectivamente, 40 e 23 coleções21. A correspondência das instituições de ensino, por ofício, para o Ministério ao qual estava subordinado o Museu Nacional, solicitando o envio de coleções didáticas; assim como as respostas dos Diretores do Museu Nacional para os estabelecimentos de ensino, demonstram o papel que o Ministério exercia como mediador entre as instituições e como organizador da educação nacional, assim como o reconhecimento por parte dos professores e autoridades de ensino quanto ao trabalho científico e educativo desempenhado pelo Museu Nacional. No sentido de ilustração, em livro de ofícios do Colégio Pedro II, datado de 1918, encontramos documentos referentes à correspondência entre esta instituição e o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em papel timbrado, do Museu Nacional, dirigido ao “Exmo. Sr. Director do Collegio Pedro II” – Dr. Carlos de Laet - , assinado pelo Diretor do Museu Nacional, Sr. Bruno Lobo, o seguinte texto: Com as cópias do offício do Sr. Professor Bourguy de Mendonça e da relação

junta, tenho a honra de remeter ao gabinete de História Natural do Collegio Pedro II

uma colleção de peixes, crustáceos e conchas de molluscos, das duplicatas do Museu

Nacional (LIVRO DE OFÍCIOS, 1918, F – 103). Tomando como referência os relatórios anuais dos Diretores do Museu Nacional dos anos de 1919 e de 1920, apenas para dar uma idéia do número de coleções didáticas produzidas e distribuídas, são citados, respectivamente, 33 e 37 estabelecimentos, no Brasil, sendo em número de 90, as coleções enviadas no ano de 1919. Em sua maioria esses estabelecimentos estavam concentrados no Distrito Federal, sendo enviadas coleções também para outros estados da região Sudeste, Sul, Nordeste e Norte, como podemos observar no quadro nº. 1, abaixo. Distribuição de coleções didáticas, por estado da Federação. Ano Estado da

Federação Estabelecimentos de ensino (nº)

Ano Estado da Federação

Estabelecimentos de ensino (n°)

Rio de Janeiro 22 Rio de Janeiro 20 São Paulo 1 São Paulo 4 Minas Gerais 3 Minas Gerais 3 Rio Grande do Sul

1 Rio Grande do Sul

5

Santa Catarina - Santa Catarina

2

Paraná - Paraná 1 Bahia 1 Bahia 1 Alagoas 1 Alagoas -

1919

Rio Grande do Norte

1 Rio Grande do Norte

-

Pará 3

1920

Pará 1 Fonte: Relatórios Anuais do Museu Nacional, anos de 1919 e 1920.

Cabe destacar, no período a que se refere o quadro nº.1, a predominância de estabelecimentos de ensino situados no Rio de Janeiro e a ausência de estados da Região Centro-Oeste e do Norte, com exceção do Pará, demonstrando a não integração dessas regiões ao sistema educacional e à nação. Além dessas coleções distribuídas no Brasil, foram produzidas e enviadas pelo Museu Nacional, em 1919, três coleções para a França, Estados Unidos da América do Norte e Japão e uma, em 1920, para o Paraguai. Quanto aos mapas murais, entre os anos de 1919 e 1922 o Museu Nacional confeccionou 13 exemplares, em diferentes áreas científicas, conforme quadro nº. 2, abaixo:

área Temática Número Antropologia 1

Aves 1,2,3 Mamíferos 1,2 Répteis e batráquios 1

Zoologia

Peixes 1 Rochas eruptivas 1 Geologia Rochas sedimentares 1 Classificação das plantas 1 Morfologia externa e interna da folha

1 Botânica

Caule e raiz. 1 A importância atribuída às coleções didáticas e aos mapas murais produzidos pelo Museu Nacional, pode ser percebida quando nos relatórios anuais do Museu Nacional seus exemplares ganharam relevância não apenas nos textos escritos, mas, também, em imagens reproduzidas em suas páginas, demonstrando o interesse da instituição em tornar a produção desses materiais conhecidos das autoridades brasileiras, particularmente, aqueles que exerciam cargos no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, ao qual o Museu Nacional encontrava-se vinculado. Como parte da coleção intitulada Quadros elementares de história natural do Brasil produzidos pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, escrito no alto à direita, o mapa mural aqui reproduzido é o primeiro exemplar da área de Antropologia (n° 1), tratando da ordem dos Primatas, com representações, em desenho, do “Homo Sapiens”, “Gorilla”, “Chimpanzé”, “Orango” e “Gibbão”. Confeccionado em tecido e papel, em sua margem inferior, apresenta uma breve descrição das espécies reproduzidas, em desenho, no mapa mural:

O homem é o único primata cosmopolita, vive em todas as regiões. O Gorila e o Chimpanzé vivem na África intertropical. O Gibão acha-se na Ásia Meridional. O Orango encontra-se em Bornéo, Sumatra e mais ilhas do Archipélago Malaio. Todos esses símios que são os mais próximos da espécie humana, formam a família dos Anthropínios. São também chamados macacos Catarhinos ou do Antigo Continente. Os Símios do Novo Continente, macacos platyrhinos, são providos de cauda e afastam-se mais do typo humano.

Esse exemplar foi organizado pelo professor Roquette Pinto e desenhado por P. Sandig, editado pela Companhia Lith – Ypiranga, estabelecida em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 1920. Na busca dos mapas murais para essa pesquisa, consegui localizar um exemplar, como que deixado de lado, em uma das salas do Museu Nacional, no setor de Assistência ao Ensino (SAE) e um, outro, guardado na “papeleira” do Centro Institucional de Memória (CEMI), do ISERJ, junto a, inúmeros, mapas murais, de origem européia e americana, produzidos no início do século XX. Na Biblioteca do Museu Nacional, no setor de Obras Raras, graças ao empenho de seus funcionários, tive acesso a nove dos treze exemplares de mapas murais, originalmente confeccionados, guardados em espaço reservado como mapoteca. Esses mapas murais estavam espalhados e agora, graças a esse trabalho, serão arquivados em conjunto, faltando localizar três exemplares, para estar completo22. O empenho da Instrução Pública, através de seu Ministério, em consonância com aqueles que estavam na Direção do Museu Nacional, com destaque para os Srs. Bruno Lobo (1915 – 1922), Arthur Neiva (1923 – 1926) e Roquette Pinto (1926 – 1935), na produção de coleções didáticas e na confecção e distribuição de mapas murais, pode justificar-se pela importância que atribuíam à popularização da cultura brasileira, permitindo que o maior número de pessoas, no Brasil, conhecesse espécies animais, vegetais e minerais, valorizando as “riquezas” nacionais. Podemos encontrar essas preocupações nos registros oficiais dos Diretores do Museu Nacional para o Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, em seus relatórios anuais.

A orientação do Museu Nacional se manteve, no correr do ano findo,

fiel ao princípio que a instrução popular e a diffusão de noções sobre as sciencias naturaes, em todos os meios, constitue um dos seus deveres primordiaes, Teve durante todo o exercício findo muito a

peito a divulgação dos conhecimentos os elementos de nosso solo, fauna e flora e typos de habitantes regionaes, procurando

proporcionar ao público e aos que estudam, por todos os méthodos ao seu alcance a oppportunidade de se familiarizarem com as rochas, plantas, animaes e núcleos humanos existentes em nosso Paíz,

estimulando desse modo o gosto e o interesse pelo estudo da natureza

em suas diferentes manifestações (Relatórios Anuais do Museu Nacional, anos de 1919 e 1920, p. 16).

A importância atribuída aos Museus Escolares e Gabinetes de História Natural, assim como a preocupação por parte do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e do Museu Nacional com relação à sua organização e funcionamento nos estabelecimentos de ensino resultou em diversas inspeções oficiais realizadas por funcionários públicos em escolas de ensino elementar e secundário em diferentes estados brasileiros. Inspeção nos gabinetes escolares: pela valorização das novas práticas educativas. Uma dessas inspeções foi realizada no final do ano de 1920 pela Sra. Bertha Lutz, então Secretária do Museu Nacional, sendo visitadas escolas dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Quando de seu regresso ao Distrito Federal apresentou relatório23 ao Ministro, Sr. Bruno Álvares da Silva Lobo, com parecer sobre sua viagem, visitas e inspeção. Neste relatório relata a Sra. Bertha Lutz o grande número de coleções encontradas nos estabelecimentos de ensino visitados, principalmente de mineralogia, em sua maioria, procedentes da Escola de Ouro Preto (MG), assim como a existência de gabinetes de História Natural, onde aconteciam aulas práticas dessa disciplina, destacando o empenho e dedicação de diretores e professores desses estabelecimentos para com a disciplina, as coleções e os museus escolares. No entanto, apesar dessas positivas considerações, considerou problemático o fato desses gabinetes não terem uma sistematização das coleções, avaliando ser preferível que houvesse menos material, mas que no espaço que ocupa o gabinete obedecesse a uma metodização mais rigorosa, faltando aos organizadores – diretores e professores – maior experiência e orientação. Nesse sentido, sugere, para uma boa organização dos museus e gabinetes escolares no Brasil: maior divulgação dos processos de colheita e conservação do material; orientação da organização do material exposto, a sua disposição e sua documentação. Para tais tarefas indica o Museu Nacional como instituição capaz de fazê-lo, com a colaboração do Conselho Superior de Ensino. Conclui o relatório considerando a necessidade de incentivar e ampliar a criação dos museus escolares e gabinetes de História Natural, tendo o Museu Nacional à função de auxiliar mais diretamente em sua organização, imprimindo-lhes uma orientação científica, tendo ao mesmo tempo valor prático, filosófico e pedagógico. Sugere, ainda, que os mapas murais, em confecção, deveriam servir para complementar as coleções, compondo os museus escolares. Quanto aos seus objetivos, pondera que as medidas por ela sugeridas, caso colocadas em prática, seriam de real serviço, permitindo substituir o ensino teórico pelo ensino prático por si só tão estéril e improfícuo, despertando o interesse e a curiosidade dos alunos e gravando no seu espírito, por meio de exemplares concretos, os princípios de uma disciplina que se baseia essencialmente no estudo da natureza, através de suas

variantes e modalidades e que, portanto, possui real interesse filosófico e social

(MUSEU NACIONAL, 1921, p. 30 - 31). As preocupações da Sra. Bertha Lutz, em consonância com as do Museu Nacional e da Instrução Pública, se aproximam das idéias e princípios nacionalistas, que marcaram as duas últimas décadas da Primeira República no Brasil, particularmente os

referentes à instrução e educação no Brasil, aos novos métodos de ensino e a popularização do conhecimento sobre a cultura brasileira. Considerações finais: Neste artigo busquei analisar algumas das práticas educativas desenvolvidas pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro no início do século XX. Através do estudo da materialidade e da intencionalidade das coleções didáticas e mapas murais, pude esboçar uma rede de relações entre esses materiais, sua instituição de origem, concepções de educação e de ensino, na época em debate, políticas públicas anunciadas, que permitiram situá-las e compreendê-las em seus contextos histórico, educacional e cultural. Pude inferir que no Museu Nacional, seus agentes, encontravam-se sintonizados nos debates nacionais, particularmente aqueles que se ocupavam das questões referentes aos destinos da nação, referentes à educação, ao ensino, a escolarização e aos novos métodos pedagógicos, levando-os à implementação de ações, junto a órgãos oficiais de governo, com ideais nacionalistas, em defesa da popularização do conhecimento, particularmente aqueles referentes à cultura brasileira.

Notas

1 Doutorando em Educação na UERJ. Professor do Colégio Pedro II. Coordenador do Programa de Iniciação Científica Júnior – PIC Jr. – Colégio Pedro II e Museu Nacional. 2 O presente texto resulta de pesquisas que venho desenvolvendo para o curso de Doutorado em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, iniciado no primeiro semestre de 2008, sendo estas as primeiras reflexões sobre o tema. Investigando no campo da História da Educação, na linha de Instituições, Práticas Educativas e História, sob a orientação da professora, Doutora, Ana Chrystina Venâncio Mignot, pretendo desenvolver a pesquisa tendo como tema as práticas educativas de museus nas primeiras décadas do século XX, no Brasil. Nesse artigo, faço um recorte da temática proposta, utilizando como referência para pesquisas o Museu Nacional do Rio de Janeiro e como objeto de estudo as coleções didáticas e os mapas murais produzidos nesta instituição, destinados aos estabelecimentos de ensino do Distrito Federal, principalmente, e de outros estados do país. 3 Pelo Decreto nº 8.689 de 16 de janeiro de 1945, foi incorporado o Museu Nacional à Universidade do Brasil e integrado a ela pelo Decreto nº 21.321 de 18 de julho de 1946, na qualidade de Instituição Nacional. (CARVALHO, 1977, p. 33). 4 A exposição permanente do Museu Nacional encontra-se, hoje, distribuída em 2 salas históricas, 13 salas relacionadas às Ciências Humanas, 2 salas de Paleontologia, 1 sala de Meteorítica, 13 salas de Zoologia. 5 Decreto ministerial n° 667, de 16 de agosto de 1890. 6 Cf. Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, constante do Decreto nº 346, de 16 de abril de 1890, Título II, p. 28. 7 Cf. Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, constante do Decreto nº 346, de 16 de abril de 1890, Título II, p. 30 e 31. 8 Cf.Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, constante do Decreto nº 346, de 16 de abril de 1890, Título II, p. 30. 9 O ginásio Nacional, anteriormente denominado Instituto Nacional de Instrução Secundária, hoje, Colégio Pedro II. 10 Cf. Revista Pedagógica. Tomo I, n. 1, 1890, p. 40. 11 O Conselho Diretor da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal era composto pelos seguintes membros: o Inspetor Geral, Presidente; os dois Reitores do Ginásio Nacional; o diretor da Escola Normal; o diretor do Pedagogium; o diretor do Museu Nacional; um professor primário do 1º grau; um professor primário do 2º grau; um lente do Ginásio Nacional; dois lentes de curso superior, um da Escola de Medicina e outro da Escola Politécnica. Cf Revista Pedagógica, p. 48. 12 Ao longo de sua história institucional o Museu Nacional, até 1937, esteve subordinado aos seguintes Ministérios: de 1818 a 1822 – Ministério dos Negócios do Reino; 1822 a 1868 – Ministério do Negócios

do Império; 1868 a 1890 – Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas; 1890 a 1892 – Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos; 1892 a 1909 – Ministério da Justiça e Negócios Interiores; 1909 a 1930 –Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio; 1930 a 1937 – Ministério da Educação e Saúde Pública. (CARVALHO, op. cit., p.33) 13 Pela Constituição brasileira de 1891, art. 70, parágrafo 2º o analfabeto não tinha direito ao voto. 14 Cf Jorge Nagle destacaram-se nesses debates as Ligas Nacionalistas, tanto a Nacional como as estaduais, criadas na segunda década do século XX. (NAGLE, 2001, p. 136) 15 A Iª Conferência Nacional de Educação foi realizada em Curitiba, em dezembro de 1927 e a IIª, em Belo Horizonte, em novembro de 1928. Todas as três organizadas por iniciativa da Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924. 16 Cf. relatório do Inspetor Geral da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. 1891. A-F1-4. 17 Cf. Relatório do Inspetor Geral de Instrução Pública, Correios e Telegrafos. 1891. A-F-6. 18 Recentemente, devido a preocupação com a preservação da memória e da história das instituições escolares e a educação, em geral, vêm sendo realizadas em Núcleos de Documentação e Centros de Memória institucional, a guarda e a manutenção de materiais, escritos ou não, produzidos e/ou utilizados nos estabelecimentos de ensino. 19 Felizmente, graças ao interesse por esses materiais nessa pesquisa, funcionários da Seção de Arquivo e Memória e da Biblioteca do Museu Nacional, têm empenhado esforços em procurar possíveis exemplares dessas coleções e mapas murais, em diferentes seções e setores da instituição. 20 Até hoje, o Setor de Assistência ao Ensino (SAE), do Museu Nacional faz empréstimo de coleções didáticas aos estabelecimentos de ensino que as solicitam, assim como de livros e boletins científicos. No entanto, a produção de coleções com fins didáticos e pedagógicos para serem distribuídos em estabelecimentos de ensino deixou de ser feita. 21 Cf. Relatórios de Diretores do Museu Nacional, anos de 1922 e 1923. 22 Faltam ser localizados os mapas murais: “Répteis e Batráquios” e “Peixes” (Zoologia); Caule e Raiz (Botânica). 23 Faço referência ao Relatório da Sra. Bertha Lutz, intitulado “A organização de gabinetes escolares de História Natural”, de 1921, publicado no relatório do Sr. Bruno Lobo para o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 1922.

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