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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UERJ

    FACULDADE DE FORMAO DE PROFESSORES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    CURSO DE MESTRADO ACADMICO

    PRTICAS EMANCIPATRIAS E DEMOCRACIA: EM BUSCA DE SABERESFAZERES

    LIBERTRIOS NOS CURRCULOS PRATICADOS

    Suzana Martins Esteves

    RESUMO

    Este trabalho parte da premissa que vivemos inseridos em diferentes espaos estruturais: a

    sociedade, o espao domstico, a comunidade, a cidadania, o mercado, a produo (Santos,

    2010) e, nestes espaos, tecemos nossas identidades e relaes sociais. Com base nessa ideia,

    da complexidade da sociedade e os fatores que interferem na constituio das prticas sociais, a

    pesquisa busca mergulhar na educao libertria, em suas experincias e propostas, estudando

    prticas cotidianas adotadas pelos anarquistas. Do ponto de vista metodolgico, uma pesquisa

    terico-epistemolgico-metodolgica no/do/com o cotidiano. Do ponto de vista terico Francisco

    Ferrer, que inspirou a educao libertria no Brasil, e Boaventura de Sousa Santos com a

    desinvisibilizao da noo de experincia. Sendo um dos objetivos ajudar a estabelecer a

    relevncia do estudo das ideias anarquistas, pouco discutido no meio acadmico e desvalorizada,

    muitas vezes pela dificuldade de encontrar material sobre essas escolas, pensando essas prticas

    como potencial para contribuir para a emancipao social.

    PALAVRAS-CHAVE: Prticas emancipatrias, saberesfazereslibertrios, democracia.

  • PRTICAS EMANCIPATRIAS E DEMOCRACIA: EM BUSCA DE SABERESFAZERES

    LIBERTRIOS NOS CURRCULOS PRATICADOS

    Suzana Martins Esteves

    Eixo Temtico 2 - Pesquisa e Prticas Educacionais

    INICIANDO NOSSA CONVERSA...

    Os processos sociais de aprendizagem no podem ser resumidos formalidade das

    prticas educativas escolares, na medida em que tecemos nossas identidades individuais e

    sociais a partir das redes formadas por aquilo que aprendemos em todas as instncias da vida

    social, de modo dinmico e permanente, sempre condicionado pelas [nossas] razes (OLIVEIRA,

    2006).

    Partindo da premissa de que vivemos inseridos em diferentes espaos estruturais da

    sociedade, enredados uns aos outros, o espao domstico, o da comunidade, o da cidadania, o

    do mercado, o da produo e o mundial (Santos, 2010) e neles tecemos nossas identidades e

    relaes sociais, compreendo que os diferentes saberes e prticas no esto isolados uns dos

    outros, compondo uma nica rede de saberesfazeres. Esto, articulados uns aos outros. E na

    medida em que o dilogo acontece, ns tecemos nossas redes de conhecimentos. Uma espcie

    de artesania das prticas (CERTEAU, 1994) que pe em relevo diferentes perspectivas, diferentes

    usos que circulam em meio aos encontros e s trocas de experincias. Compreender que as

    prticas sociais produzem saberes, e que essa produo coletiva. E nesta produo coletiva

    percebo indcios dos princpios da educao anarquista,no processo de tessitura do currculo e

    das praticas cotidianas. As prticas coletivas assumem significaes especficas em funo dos

    processos de recriao permanente. Dessa forma, busquei entender os modos como essas

    articulaes aconteceram.

    Estudando o percurso histrico do currculo, percebo que as ideias de linearidade e de

    ordem mantm-se impregnadas na cultura escolar, a linearidade, ainda que ocorram experincias

    menos conservadoras. Essa racionalidade dominante nos espaostemposescolares invisibiliza

    outras prticas de organizao do conhecimento escolar.

    Considerando que cada escola conta sua histria de currculo e que para compreend-la,

    precisamos desaprender os saberes que aprendemos a partir das teorias sociais da

    modernidade, ser necessrio acreditar numa outra perspectiva epistemolgica que nos ajude a

    enxergar as diferentes ordens, as diferentes prticas de currculo, tentando repensar o modelo

    hegemnico que nos influencia.

    Com base nessa premissa, este trabalho tem como objetivo compreender os processos de

    criao curricular, na Escola Profissional Visconde de Mau no incio do sculo XX, entendendo-

    os como enredados numa complexa rede de saberesfazerespoderesque movimenta o cotidiano

    escolar. Busco encontrar, mergulhar e articular as prticas cotidianas adotadas pelos libertrios

  • nas experincias da Escola Moderna de Ferrer y Guardia e da Escola Tcnica Estadual Visconde

    de Mau dirigida por Orlando Correia Lopes, tambm escritor dos jornais anarquistas A Plebe e

    O Germinal.

    Sendo assim, para levantamento dos dados empricos, serviram como fontes principais:

    dissertao de Mestrado de Isabella Gaze, peridicos digitalizados da Biblioteca Nacional, livros

    de ofcios do Diretor Geral de Instruo Pblica, encontrados no Arquivo Geral da Cidade do Rio

    de Janeiro (AGCRJ); as publicaes anarquistas A Vida, Na Barricada, o Germinal, Boletim da

    Escola Moderna e A Plebe encontradas no Arquivo de Memria Operria do Rio de Janeiro

    (AMORJ).

    Os praticantes do cotidiano escolar, a partir das redes sociais, polticas, culturais,

    pedaggicas etc - nas quais esto inseridos, nessa perspectiva, reapropriam-se do espao

    organizado pelas diretrizes legais. Essas maneiras de fazer (CERTEAU, 1994) constituem-se

    de uma mobilidade relativa s ocasies, modificando os sistemas onde se desenvolvem.

    Diante disto, apresento os indcios (GINZBURG, 1990) curriculares da Escola Profissional

    Visconde de Mau, e algumas prticas cotidianas com potencial emancipatrio desta escola,

    situada no Rio de Janeiro, em um tempo onde fervilhava o trabalho tecnicista e industrial dirigida

    por um diretor que se dividia entre diretor desta escola e escritor dos fascculos do movimento

    anarquista, comuns no inicio do sculo XX no Brasil, advindo dos imigrantes italianos, espanhis,

    que buscavam melhorias salarias e de condies de trabalhos nas fbricas e indstrias, nesse

    perodo.

    Acreditando que algumas prticas escolares podem contribuir para a emancipao social,

    tentei reconhecer essas aes por meio dos indcios encontrados nos documentos acima citados,

    em que os sujeitos, nos processos de interao social, desenvolvem alternativas de convivncia,

    de participao coletiva.

    Para pensar a educao libertria parto da premissa de que nenhuma das concepes e

    prticas anarquistas pode ser entendidas isoladamente, elas fazem parte de uma rede daquilo que

    os anarquistas pensavam quanto sociedade e a poltica e aquilo que entendiam por educao.

    O pensamento anarquista um pensamento em que acredita que a sociedade deve ser

    autogestionria, contra a existncia do estado, e como isso poderia ser feito subvertendo a ordem

    dentro de uma escola estadual? o espao onde sujeitos autnomos se relacionam em condio

    de igualdade.

    A leitura e discusso de artigos de jornais, nas reunies organizadas pelos anarquistas,

    serviam como um mtodo pedaggico para refletir sobre problemas do cotidiano e tambm para

    sistematizar as ideias e organizar o pensamento. Os anarquistas possuam uma intensa produo

    de peridicos, buscando caminhos para divulgar seus princpios.

    Esses peridicos foram fundamentais para o movimento anarquista. Faziam convenes

    em diversos espaos criando assim um caminho de aprendizagem e divulgao de ideias, se

  • fortalecendo como uma de rede de saberesfazeres, no seio da qual proporcionavam acesso a

    alfabetizao para muitos. Inscritos nessa rede de prticas sociais e concepes educativas, os

    sujeitos sociais desenvolviam os conhecimentos na perspectiva do reconhecimento do outro como

    legtimo outro (Maturana, 2002), do dilogo que viabiliza a produo coletiva de conhecimento.

    Nessa perspectiva, no existe produo individual de conhecimentos, pois no dilogo entre as

    realidades diferentes e os praticantes que vivem em meios sociais diferentes que ele se tece. O

    que muitas vezes acontece uma cegueira epistemolgica (OLIVEIRA, 2006).

    que h, em cada um de ns, oriunda da parcialidade de nossa viso

    desenvolvida do seio de uma cultura, tambm sempre parcial, e de

    experincias singulares.

    Em que medida aquilo a que no conseguimos atribuir sentido imperceptvel? O que

    muitas vezes acontece na proposta educacional moderna que no se consideravam as

    sutilezas, as especificidades. Preocupada com a universalizao do conhecimento a Modernidade

    no considera as particularidades, as sutilezas do cotidiano. No entanto, as prticas dos

    praticantes do cotidiano esto permanentemente em dilogo com a norma, com essa

    universalidade genrica, produzindo novos sentidos e fazendo-os dialogar com o j estabelecido.

    Como percebemos o mundo de acordo com as redes que formamos, compreendemos as junes

    que iro nos facilitar os dilogos e superao da nossa cegueira epistemolgica. A crtica do

    cientificismo e de sua compartimentalizao do conhecimento em especializaes

    potencializada pela adeso ideia de que o conhecimento se tece em rede. No uma aquisio,

    construo do sujeito!

    Para a pedagogia libertria, a racionalidade e a liberdade so princpios fundamentais para

    promover mudanas bsicas na estrutura da sociedade e substituir o estado autoritrio por um

    modo de cooperao entre indivduos livres. A sociedade esperada pelos anarquistas uma

    sociedade livre, igualitria, solidria e autogestionria. A partir desses pressupostos, a educao

    libertria busca desenvolver um indivduo que vise a socie