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Agrupamento de Escolas da Azambuja Psicologia – Cursos Profissionais 10º Ano

Módulo 1 – Descobrindo a Psicologia

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Os primórdios da Psicologia – a sua evolução como ciência

"A individualização da psicologia enquanto saber independente não é muito antiga. Efetivamente,falamos de uma disciplina que mal tem um século. (...)

Se nos ativermos à etimologia, o termo «psicologia» designa o estudo da alma: na realidade, a realidade abarcada por esta palavra formada por dois radicais gregos ultrapassa em muito o sentido literal. A ideia de uma psicologia numa aceção moderna apenas surge no século XVIII, com o filósofo alemão Christian Wolff (1679--1751). Hoje em dia, a psicologia cobre o estudo do funcionamento mental em todos os seus aspetos e manifestações; o psicólogo interessa-se pela afetividade, pela inteligência, pelas relações sociais, pela génese e pelo desenvolvimento destas várias atividades humanas. Tudo campos que haveriam de abrir o caminho a diversas especialidades no seio da disciplina.

A primeira questão que surge quando tomamos a cargo escrever a história da psicologia é,tal como para qualquer outra, a de saber quando e em que condições é que este «saber» pôde ver a luz do dia. [...]

De que modo é que esta independência pôde ser conseguida? Para entender a origem e o crescimento de uma disciplina incomparavelmente mais nova que a medicina ou, com mais razão ainda, que a matemática, temos de remontar até longe na história. Assim, esta viagem no passado far-nos-á descobrir uma «pré-história» da psicologia. Desta forma, veremos que a psique abrangeu durante muito tempo, em particular na Antiguidade, uma realidade diferente daquela a que atualmente chamamos o «psiquismo». Literalmente, a psicologia é o estudo da alma, mas na Grécia antiga, a palavra «psique» designava uma realidade bem distinta da que hoje em dia tentamos determinar pela via da prática da disciplina «psicologia».

Jean-François Braunstein e ÉvelynePewzner, História da Psicologia, Instituto Piaget, 1999

A influência da Filosofia

As reflexões dos filósofos sobre questões de ordem psicológica nãoestão, inicialmente,

separadas de uma metafísica, de uma moral. Isto significa que as suas teorias não passam de

especulações sem fundamento empírico, sem uma verificação experimental. Mesmo quando

as suas teoriascomeçam a distanciar-se da metafísica não há ainda uma

metodologiacientífica, quantitativa, objetiva e factual na abordagem dessas questões.Este

período, em que os filósofos refletem sobre questões psicológicas,corresponde a um período

pré-científico da Psicologia.

A Filosofia, tanto quanto temos conhecimento, teve início na Grécia do século VII a.C. No

pensamento grego, assim como na nossa cultura, o conceito de alma está ligado essencialmente a dois aspetos:

Está relacionado com o conhecimento intelectual

E está relacionado com a vida.

Platão e Aristóteles são dois grandes filósofos da Grécia Clássica, doséculo IV a.C. Apresentam teorias filosóficas com diferenças significativas, embora haja algumas semelhanças entre os dois. Pertencem ambos à civilização grega e partilham de muitas formas de pensar características dos gregos. Por exemplo, não conseguem separar o domínio físico do domínio psicológico e ambos estabelecem uma distinção entre o corpo e a alma, se bem que em sentidos diferentes.

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Segundo Platão a alma pertence ao mundo inteligível (não sensível). O ser humano é visto por Platão como um ser dualista, dividido em corpo e alma, que constituem naturezas

completamente distintas. A união daalma com o corpo não é um estado essencial da

alma, mas antes um estado transitório, visto que o seu lugar próprio é o mundo inteligível. Pla-

tão concebe a alma como ser espiritual, aquilo que permite ao ser humano um

pensamento racional e, por isso, ele é um ser distinto dos outros seres. Isto significa que a

alma é, no fundo, aquilo que permite ao ser humano o conhecimento. Unida ao corpo, a

alma tem como função purificar-se, no sentido de alcançar a contemplação das ideias no

mundo inteligível, a verdadeira realidade e o verdadeiro conhecimento.

A obra «Acerca da alma», de Aristóteles, com mais de dois mil anos, é por vezes designada como o primeiro manual de Psicologia. A conceção aristotélica da natureza é uma conceção

biológica, é enquanto biólogo que Aristóteles se interroga sobre a alma. Para Aristóteles a alma é uma força incorpórea mas que move e domina os corpos, é o princípio da vida. A união

da alma com o corpo é explicada de forma diferente de Platão, pois é uma união natural,

dado que constituem uma só substância natural, uma totalidade: o ser vivo. Aristóteles

considera o ser humano como um ser essencialmente político, social, que apenas existe e se

desenvolve na polis (cidade), pois só assim consegue desenvolver as suas capacidades

intelectuais. Tal como uma parte do corpo não funciona separadamente do todo, também o ser humano não sobrevive individualmente. Daí que Aristóteles afirme que "o todo é anterior

à parte".

No século XVII formou-se uma corrente filosófica denominada Empirismo Inglês. Para os empiristas, o conhecimento é possível essencialmente através da experiência dos nossos

sentidos. Ao defenderem que devemos investigar as ideias por nós mesmos em vez de

aceitarmos as dos outros, que devemos tentar comprovar as teorias com os factos,

promovem o desenvolvimento da Psicologia científica.

Em David Hume, que faz parte desse conjunto de filósofos empiristas, a alma, como princípio fundamental da vida intelectual e afetiva, desaparece do campo psicológico. Este filósofo

rejeita toda a hipótese metafísica. Funda uma psicologia das atividades mentais em que as

ideias complexas derivam de ideias simples que se relacionam entre si, se associam, mas

todas elas têm origem, direta ou indiretamente, na experiência sensível. Na Psicologia, nos

primeiros tempos enquanto ciência, o Associacionismo marcou a discussão psicológica.

O séc. XVIII foi marcado pela ciência de Newton e a filosofia de Kant. Este rejeita a metafísica

enquanto ciência, dado que o modelo de conhecimento que defende se baseia na ciência newtoniana. Este constitui mais um passo no processo que leva à criação da psicologia

científica.

A partir do momento em que a reflexão filosófica se liberta de uma teologia e de uma

metafísica, torna-se possível a criação da Psicologia científica. Começa a ver-se o ser humano

como um objeto de estudo científico e a utilizar-se metodologias próprias, nomeadamente o

método experimental. Este afastamento da Filosofia por parte da Psicologia e a sua

constituição como ciência autónoma ocorre apenas no século XIX. Para trás fica um longo

percurso de reflexão filosófica sobre questões psicológicas, o que possibilitou, quando

começaram a ser utilizados métodos próprios, a criação de uma nova ciência: a Psicologia.