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Simões, Regina Beatriz Silva. Psicanálise e literatura – o texto como sintoma
| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |
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PSICANÁLISEELITERATURA–OTEXTOCOMOSINTOMA
ReginaBeatrizSilvaSimões1
1 Regina Beatriz Silva Simões. Psicóloga Clínica, Psicanalista, Mestre em Psicologia pela UFSJ. Endereço paracorrespondência: Rua Cel Elpídio Gonçalves Costa, 125 - Vila Marchetti - 36 307 246 - São João del-Rei, MG. e-mails:[email protected]@gmail.comtelefone:988296559
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Introdução
Este artigo se propõe a apresentar possíveis articulações entre Psicanálise e Literatura,
tendocomoilustraçãoavidaeaobradeClariceLispectoreapostandonaLiteraturacomouma
amarraçãopossívelparatratarosintomadosujeito.Paraisso,seguimosopercursodeFreudeos
ensinamentosdeLacannoquedizrespeitoàconstituiçãodosujeitoparaacompanharavidaea
obradaescritora.RessaltamosfragmentosdostextosdeClariceLispectorquenosfazemaventara
hipótesedequeaescritapodeseapresentarcomorecursopossívelparasetratarosintoma.
ParaaPsicanálise, a linguagem faladaouescrita seapresenta comoumconstrutocaro
aos princípios de sua práxis. Pormeio dela, o sujeito se constitui e o discurso se faz presente,
viabilizandootrabalhocomoinconsciente.
ALiteraturapodesercompreendidacomoaartedecriarerecriartextos.Elapreexisteà
Psicanálise e pode ser tomada como expressão do inconsciente para, mediante as palavras,
apreenderaexperiênciadocorpocomarealidade.Háumrumoremcadadiscurso,umapalavra
dita,umapalavranãodita,umareticência,umainterrogação.Háumaapostanodesejodosujeito.
EsserumorinteressaàPsicanálise.
SeFreudapostounalinguagemcomoodiferencialparaaescutaclínica,eLacanpriorizou
a inserção na linguagem comomarca da constituição do sujeito fazendo valer os significantes,
interrogamos:épossíveltraçarrelaçõesdesemelhançasentreaPsicanáliseeaLiteratura?Comoa
poesia,aprosa,os troposde linguagemeaLiteraturaemgeralpodempromoverodiscursodo
inconsciente?Comootextoliteráriosefazpresentenodiscursoclínico?Oqueaobraeavidade
ClariceLispectortêmanosdizersobreisso?Sãoessasasquestõesquepermeiamesteartigo.
1Opercursofreudiano
NosprimórdiosdaPsicanálise, Freud sedebruçouno linguajarpopularparaenfatizar a
importânciadalinguagemcomoexpressãodoinconsciente.Em1900,emsuaobrafundamental,A
interpretaçãodossonhos,apontouasformaçõesdossonhosealinguagemembutidanelescomo
sinalizadoresdeprocessosinconscientes.Aseguir,emseutextode1901,Apsicopatologiadavida
cotidiana, nos apresentou inúmeros exemplos de esquecimentos, lembranças, lapsos de
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linguagemouescrita,errosedescuidosnodiaadia,paraenfatizara legitimidadeda linguagem
como via de acesso ao inconsciente. Em 1915, na inédita obra O inconsciente enfatizou a
relevância desse conceito e postulou que ele é dinâmico, composto por impulsos pulsionais,
constituídopor representaçõesequedelederivam formações substitutivas– fantasias, sonhos,
sintomas –, apontando para a valorização e compreensão dessa temática. A história de sua
doutrina seguiu esse trilhamento e marcou o diferencial da Psicanálise em relação às outras
formasdeabordagensterapêuticas.
SigmundFreudinaugurouseutrabalhodeinvestigaçãocomashistéricas,objetivandono
discurso delas o trabalho com o inconsciente. Com base na escuta de suas pacientes, Freud
atestouapossibilidadedeumtratamento,noqualapalavraocupouumlugarprivilegiado.
A palavra, escrita ou falada, bem mais precioso do trabalho psicanalítico e recurso
possíveldeacessoaoinconsciente,é,naverdade,trabalhadaporFreuddesdeseutrabalhocom
Joseph Breuer, detalhadamente exposto nos Estudos sobre a histeria (1893-1895). Essa obra
primordial,quemarcao iníciodaPsicanálise,nosrevelaquenotrabalhoanalíticonãoapenaso
sintomanosinteressa,masaformacomoelechegaanós:suaexpressãopelaassociaçãolivre.
Essaregra,apontadacomofundamentaldaPsicanálise,enfatizaaoanalisanteque“[...]
comunique tudo o que lhe ocorre, sem crítica ou seleção” (Freud, 1912/1980, p. 150). A partir
desse enunciado, a relação médico-paciente se transformou radicalmente, pois não mais ao
médicofoidelegadoosaberdacuradirigidaaopaciente,masaopacientefoirestituídoosaber
desconhecidosobreseusintoma.
Otratamentodaspacientesconsideradashistéricaspreparouocaminhoparaapráticada
Psicanálise. Trazemos, como exemplo, Anna O., personagem importante da saga psicanalítica,
pacientedeBreuer, primeira a demonstrar queo sintoma reagia à fala. Juntos, Breuer e Freud
relataramahistóriadessamoçavienensede21anosnarelevanteobraEstudossobreahisteria
(1893-1895/1980).
OqueadoençadeAnnaO.apresentoudeinaugural?Destacamosalgunspormenoresda
vida dessa moça que provocaram inquietação e interrogações nos tratamentos clínicos que
vigoravamatéentão.SegundoRoudinescoePlon(1998),BreuercuidoudeAnnaO.dedezembro
de1880ajunhode1882.Seussintomaseramossintomasclássicosdaépoca:apresentavaacessos
detosse,contraturasmusculares,distúrbiosdalinguagemedamotricidade,alémdealucinações.
Emboraaustríaca,falavaeminglêscomseuanalistaecriouaexpressão“talkingcure”(falarpara
curar)natentativadesefazercompreender.Dissecouessearranjocriadoporelatraduzindosuas
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sessõescomoumaverdadeira“limpezadechaminé”(Roudinesco&Plon,1998,pp.568-572).Esse
dadoimportantedopercursoclínicodeAnnaO.nospossibilitapensarnaforçaenainsuficiência
dalinguagemparaexprimiroquehádemaissingularemcadapaciente.Alínguainglesa,paraela,
traduziriamelhorseusafetos?Annatinhaumaveialiteráriamuitoforte,oquelhepermitiafazer
umbomusodaspalavras.
Valelembrarqueanteriormenteelahaviasesubmetidoàhipnose,tratamentoproposto
porBreuer.AnnaO.experimentouumapaixãoporelenummomentodeagravamentode seus
sintomas.Issopossibilitouadescobertadeumconceitofundamentalnotratamentopsicanalítico
–a“transferência”–,situaçãoemqueopacientedevotaaoanalistasentimentosafetivoscapazes
dedesencadearumainterlocuçãoentreambos.
Comseudiscursofluente,suafalasolta,AnnaO.contribuiuparaoavançodaPsicanálise
epassoua fazerpartedoprogressoda ciência, comoaponta Soler (2005, p. 9): “[...] quandoa
Anna sonâmbula falava, do fundo de suas ausências hipnóticas, a outra Anna, a do estado de
vigília, curava-sedeseussintomas”.Medianteaassociação livre,pelapalavra,diziadaquiloque
desconhecia e que era justamente o que interessava à Psicanálise. O acesso ao inconsciente
estavasinalizado.
Jacques Lacan, a posteriori, por meio da releitura do texto freudiano, revigorou
enunciados domestre vienense e trouxe à luz relevantes questões direcionadas, sobretudo ao
discursoeà fala, itemprimordialaoestudoaoqualnospropomos.ParaLacan,éapalavraque
funda a história do sujeito, e o seu desejo vai depender do Outro como portador de sua fala.
Seguiremosnessepercurso trazendo a constituiçãodo sujeito no ensino lacanianoparamelhor
compreensãodarelevânciadaliteraturaedosescritoresnaabordagempsicanalítica.
2AconstituiçãodosujeitoemLacan
SegundoLacan(1957-1958/1995,p.195),“Nãohásujeitosenãohouverumsignificante
que o funde”. Para a Psicanálise, o sujeito é desejante, é o inconsciente que permite situar o
desejo,eissoocorrepormeiodapalavra.Oprocessodeanálisepossibilitaaosujeitosedescolar
dossignificantesqueoOutrolheimputouedeixaremergirosquelhesãopróprios.
Em seu seminário sobre James Joyce (1975-1976/2003), Lacan demonstrou que a arte
pode funcionar para o escritor como um sustentáculo, possibilitando uma saída do seu
adoecimento.Nesse texto, Lacanbuscouanalisar aposiçãode Joyceem relaçãoà suaescritae
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pôde,apartirdisso,avançarnoensinosobreapsicose,aprofundandoconceitosrelevantesparaa
Psicanálise.Oquenosinteressa,naPsicanálise,éjustamenteessecampoqueescapaàlinguagem;
oumelhor,quealinguagemtentaabarcar,oimpossíveldeserdito.Éoquebuscamosescutarno
discursodecadaanalisante,assimcomolernaobradeClariceLispector.
Para Lacan (1964/1985), a inserção na linguagem é o que marca a subjetividade do
sujeito.Essaésuapremissafundamental.Lacan(1964/1985,p.193)fazsuaapostaaoafirmarque
“[...]oinconscienteéestruturadocomoumalinguagem”e,comotal,apresençadodesejosefaz
pela articulação de um significante a outro significante. Marcamos aí a relevância da fala na
captura dos significantes. No desenvolvimento do sujeito, constatamos que ele nasce em total
desamparo,detalformaque,senãofortomadoporumOutroquedelecuide,queolheporele,
que responda por ele, está fadado a não sobreviver. Ao significar as expressões do infans: seu
grito, seu choro, como fome, sede, frio e insegurança, o Outro dá um sentido à demanda do
sujeito.Dessamaneira,dizemosqueosujeitosóseconstituinocampodoOutropelaaçãodos
significantesqueestelheimputa.
Em 1964, Lacan (1998), após a “excomunhão”, apresentou o Seminário 11, no qual
destacouosquatroconceitosfundamentaisdaPsicanálise,asaber:oinconsciente,arepetição,a
transferência e a pulsão.Marcou, na aberturadesse ensino, a intençãode “dar continuação” à
releiturado texto freudiano comouma “novaetapa”, cuja preocupação se ancorouemmanter
viva a escrita de Freud, assim como formalizar a base de seu ensino: os fundamentos da
Psicanálise(Lacan,1964/1998,pp.9-10).
Oinconscientesearticulacomolinguagemeanoçãodesujeito,apartirdaí,seancoraem
doisoperadoresfundamentais,asaber:alienaçãoeseparação(Lacan,1960-1964/1985).Osujeito
se aliena, capturando significantes do Outro e na separação deixa emergir seus significantes
particulares(idem,p.855).Formalizou-se,dessamaneira,oprocessopsicanalíticosoboolharde
Lacane,numatrajetóriavasta,avançaram-seosconceitosfreudianos.
Importa-nos, neste ponto do artigo, explanar, demaneira sumária, o conceito deReal,
colocadoemquestãonoensinodeLacan,poishá,emseuensino,umavalorizaçãodoRealemsua
obra.EnaescritadeClariceLispector,éimportanteacompreensãodesseconceito.
A noção de Real, para Lacan, recebeu conotações distintas ao longo de seu ensino.
Faremos um resumo de tal conceito respeitando a cronologia de sua obra. Em 1936, no texto
“Paraalémdoprincípioderealidade”,oReal jásedestacanopensamentolacaniano,aindaque
atrelado ao conceito de Imaginário. Sobre o trabalho psicanalítico, Lacan (1936/1998, p. 89)
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atesta: “suaação terapêutica [...] deve seressencialmentedefinida comoumduplomovimento
peloqualaimagem,aprincípiodifusaefragmentada,éregressivamenteassimiladaaoreal,para
ser progressivamente desassimilada do real, isto é, restaurada em sua realidade própria”. É a
tripartiçãolacaniana–Real,SimbólicoeImaginário–quecomeçaaseformalizar.Nessemomento
doensino,sósepensaoRealpeloImaginário.
Emmeadosde1950,essaconotaçãosealterouesósevaiaoRealpelaviadoSimbólico.
EmseutextoFunçãoecampodafalaedalinguagem(1953/1998,p.259),Lacannosorientasobre
a originalidade do método psicanalítico, pois “[...] a fala, na medida em que ela confere um
sentidoàsfunçõesdoindivíduo,seucampoéododiscursoconcreto,comocampodarealidade
transindividualdosujeito;suasoperaçõessãoasdahistória,noqueelaconstituiaemergênciada
verdadenoreal”.
Vemos, nestemomento, um Real atrelado ao Simbólico. Em 1964, no Seminário 11, o
autorinterroga:“Essereal,ondeoencontramos?É,comefeito,deumencontro,deumencontro
essencialquesetratanoqueapsicanálisedescobriu–deumencontromarcado,aoquesomos
semprechamados,comumrealqueescapole” (Lacan,1964/1985,pp.55-56).Nomesmotexto,
elucidaosconceitosdetichêeautomaton,paralocalizaroReal.EmPsicanálise,napercepçãode
Lacan(1964/1998),otermotichêrefere-seaoencontrocomoReal.Jáoconceitodeautomaton
secaracterizapelainsistênciadossignos.SegundoSimões(2015),oautomatonsecaracterizapelo
automatismo inconsciente da cadeia de significantes,marcando, sob o domínio do princípio do
prazer,oretorno;ouseja,avoltainsistentedossignos.Atichêindicaumalémdoautomaton,um
além do princípio do prazer (Simões, 2015, p. 117). Nesse sentido, compreendemos, pela
elaboraçãolacaniana,queatichêindicaoencontrocomoreal,encontrosemsentido(nonsense),
que força um novo sentido, que desloca a série do automaton e das leis dos significantes. É
justamenteesseencontrocomoqueésemsentidodafalaquenospermitepensaraclínicacomo
umespaçodecriação,ondeonovo,osingular,podeemergir:sujeitoatravessadopelalinguagem.
Seguindootrilhamento lacaniano,encontramos,notextoOsimbólico,o imaginárioeo
real (1953/2005,p.13),essestrêsregistroscomofundamentaisdahistóriadosujeito,eoautor
potencializaorealcomooinapreensível:“[...]umacoisanãopoderianosescapar,asaber,quehá,
na análise, toda uma parte do real em nossos sujeitos que nos escapa”. Isso nos interessa na
abordagemproposta – a Psicanálise e a Literatura –, pois apostamos nesta como a busca pelo
inapreensível,eaobradeClariceLispectorenfatizaaquiloquenãoseapreende.
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Há algo que queremos destacar: “em 1974, ele os escreve como letras – R.S.I.)”
(Rodrigues,2013,p.23).Estamosdiantedeumpercursodepensamento,oqualsugereque,ao
escrevê-los como letras, Lacan se posiciona ao lado do inconsciente (estruturado como
linguagem),assimcomodeumaescritamatemáticaqueutilizatambémasletras,paranomearo
queéincógnita.Portanto,eleformulouumaescritaquefazbarraaosignificado,privilegiandoas
letrascomomaneiradeaperfeiçoaraestruturasignificante.Aousar letras,Lacanapresentaum
estatuto de nomeação para aquilo que é inominável, estatuto que indica ao mesmo tempo o
sentido e o sem sentido numa só escrita. Retomemos, resumindo, os conceitos definidos por
Lacanparamelhorcompreensãodaarticulaçãoàqualnospropomosnesteartigo.
O registro imaginário,paraaPsicanálise,envolveas imagens,a fantasiaeo registroda
identificação especular: identificação formadora do eu. A imagem refletida no espelho alcança
umaidentidadealienantequeacompanhaosujeitoemtodooseudesenvolvimento.Osujeitose
aliena àquilo que vê, àquilo que enxerga, àquilo que consegue capturar. A unidade do eu é,
portanto, imaginária.Essa imagemésustentadapeloolhardeumrepresentantedoOutro.Nem
tudoda realidade subjetiva é capturadopela imagem. Existe algonãoespecularizável, o objeto
foradoespelho,aoquechamamosdeincompletude,faltaaser.
Oregistrosimbólicorepresentaolugardocódigofundamentaldalinguagem;ouseja,o
lugardalei,ondefalaacultura,avozdoOutro.Oacessoaosimbólicotemcomoefeitoadivisão
dosujeito,porquenosimbólicoosujeitosópodeserrepresentado.Nomeadonodiscursodospais
oudequemexerceessa função,osujeitoentranocircuitodetrocae,narelaçãocomoOutro,
algo se perde. A condição para que o sujeito emirja é a sua divisão: sujeito dividido perante o
Outro,poisaelesealiena.
Oregistrodorealédaordemdoindizível,íntimoeestranho,oquenãoseoculta,aquilo
que irrompe quando o véu que o recobre é descoberto: o êxtimo (estranho e familiar). O real
comporta uma realidade inacessível a qualquer pensamento subjetivo, comporta um resto não
significável,representandoalgodaordemdogozo.
Isso nos interessa quando nos deparamos com o texto de Clarice Lispector, pois nele
encontramosumaescritasingular,íntimaeestranha(estrangeira),sobreaqualfalaremosadiante.
2Clarice
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Clarice Lispector, cujo nome de origem era Chaya (que em hebraico significa “vida”)
PinkhasovnaLispector,nasceunaUcrâniaem10dedezembrode1920efaleceunoRiodeJaneiro
em1977.Emsuabiografia,assinadaporBenjaminMoser(2011,p.18),oautorenfatiza:“Asraízes
deClarice,nascidaamilharesdequilômetrosdoBrasil,emmeioaumahorripilanteguerracivil,
comamãecondenadaàmorteporumatodeindizívelviolência,eraminconcebivelmentepobres
ebrutais”.SuafamíliadeixouaUcrâniaem1921,comorefugiadadeguerra,e,numajornadaem
buscadasobrevivência,chegouaoBrasilem1922.Filhacaçuladeumcasaldetrêsfilhas,Clarice,
comumanoemeio,chegouaoPaís, inicialmenteemMaceió,ondea famíliaresidiu, fixando-se
posteriormente emRecife, onde viveu alguns anosde sua vida. Publicou seuprimeiro conto,O
triunfo,aos18anos.
Benjamin Moser, em Todos os contos (2016, p. 10), nos revela: “Clarice Lispector se
tornou famosa no final de 1943, com a publicação do contoPerto do coração selvagem. Tinha
acabadodecompletar23anos,umaestudanteobscuradeumafamíliadeimigrantespobres”.A
seguir,instalou-senoRiodeJaneiro,ondesecasoucomodiplomataMauryGurgelValente,com
quemtevedoisfilhos:PedroePaulo.Viveu16anosnoexterior,sentiuoexíliocomointolerávele,
lá fora, sua tendência à depressão se acentuou. Podemos encontrar indícios dessa condiçãona
vastacorrespondênciaquemantevecomosfamiliares.
ClariceacompanhouomaridoemsuatrajetóriadiplomáticaeviveunaEuropasemterse
desligadodoBrasil.Mesmoàdistância,manteverelaçõesestreitascoma família,osamigosea
literatura,comoesclareceMoser(2016,p.19).ClaricesóvoltouaoBrasilem1959,comomarido,
já reconhecida como uma escritora promissora. Enquanto casada, escreveu três romances e os
contosdeLaçosdefamília,queaconsagraram.
Teve uma vida cercada por uma atmosfera de mistério e nostalgia, mas uma vida
produtiva.Apresentou-nosumaobrainesgotável,inquietanteeprovocadora.Suahistóriapessoal
é marcada por riqueza intelectual, profusa em angústias, afetos, questionamentos e silêncios.
Umamulherdiferenciada.Umaescritoraenigmáticaetalentosa.Umaestranha.Umaestrangeira.
Trouxe-nosummododepensar edeescreverbastanteespecial, comumaampla variedadede
estilos.
BenjaminMoser(2016,p.9)afirma:
A lendariamente bela Clarice Lispector, alta e loura, usando os extravagantes óculosescuros e as bijuterias de uma grande dama carioca de meados do século passado,adequava-seàdefiniçãomodernadeglamour.Trabalhoucomojornalistademodaesabiamuito bem encarnar o papel. Mas é no sentido mais antigo da palavra que Clarice
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Lispector é glamourosa: como uma feiticeira, literalmente encantadora, um nervosofantasmaqueassombratodososramosdasartesbrasileiras.
Eacrescenta:“HaviaemClaricealgoquenãoeraoquepareciaser,umaestranheza...”
(Moser,2016,p.12).Portadoradeferimentosincuráveis,encontrounaescritaapossibilidadede
se agarrar à vida e lidar com seus sintomas. Isso é retratado em seus contos quando relata
problemas do cotidiano com marido, filhos, dinheiro, envelhecimento etc. “Seus personagens
lutamcontraconcepçõesideológicassobreolugarprópriodamulhernasociedade”(Moser,2016,
p.11),temamarcadoemsuacontemporaneidade.
Rastreandosuasbiografias,suatristeemarcadahistóriafamiliareinfantil,suasperdase
seuslutos,bemcomoseusmaisgenuínosafetos–airmãTânia,oamigoLúcio,apresençadeuma
mãeparalítica–,deparamo-noscomtraçosdemelancoliaeumadepressãopersistente,quetalvez
possamnosaproximardaquiloquerefleteasingularidadedessainexplicávelescritora.
Lúcia Castello Branco (1988, p. 73) aponta que “[...] podemos colocar uma escritora
brasileira,muitoloucaenadíssimapsicótica–ClariceLispector–,quequeriatambémescrevero
grito,osussurro,osopro”,apostandonasuaescritacomoadeumlamentodarealidade.
BenjaminMoser(2016,p.17)nosinterrogacomsutileza:“ComoéqueClariceLispector–
logoela–conseguiutriunfar?Elavinhadeumatradiçãodefracassos[...]Seusprimeirosanosde
vidaforamtãocatastróficosqueéummilagrequehajaconseguidosobreviver”.Issonosfortalece
nahipótesedequeaescritasalvaosujeitoquandofazconexãocomosintomaeabreespaçopara
interpretaçõeseanálise.
Emboranãosejaautobiográfica,aescritadeClaricetrazumamisturadesuavidanados
seus personagens, observação que se esclarece segundo os momentos compatíveis com sua
existência:otédio,aspequenasfelicidadesclandestinasdavidadedonadecasacomum,oprazer
damulherjovemcomsuabelezaeseuscuidados,assimcomoapercepçãodoenvelhecimentoe
as marcas que o espelho não esconde: o belo rosto encoberto pela maquiagem, o corpo
engordando,ascicatrizesqueavidanãopoupouàbelaescritora.
Ressaltamos, entre tantos, três textos em que podemos sinalizar a afirmação
anteriormente,dequenaobradaescritorahaviaamisturade suavidacomseuspersonagens,
juntamentecomosentimentodevazioedor.EmTodososcontos(2016),encontramosalgunsque
retratamessaafirmação.Em“ApaixãosegundoG.H.”,elaescreve:“Eufinalmentemelevanteida
mesa do café, essa mulher” (p. 23). No conto “O triunfo”, a escritora expressa a dor da
personagemLuizaaoserabandonada:“Eacasaficaraemsilêncio.Elaparadanoquarto,comose
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tivessem extraído de seu corpo toda a alma” (p. 29). Em “Obsessão”, a personagem Cristina
confessa: “Às vezes, melancolia sem causa escurecia-me o rosto, uma saudade morna e
incompreensíveldeépocasnuncavividasmehabitava”(p.34).
Essamistura de personagens com elamesmamostra uma quebra de gramática e nos
permite pensar na ruptura de sua vida pessoal, nas oscilações emocionais combinadas com a
realidadevigente.
Na instigante história de Clarice Lispector, encontramos um episódio, em 1966, que
marcademaneiratrágicasuavidapessoal.Aescritoratinhadoisvíciosquecobraramseupreçona
sua trajetóriadevida:o cigarroeos remédiosparadormir. SegundoMoser (2011,p.482) “[...]
depois de tomar suas pílulas, ficou fumando na cama. Quando acordou o quarto estava em
chamas”.Clarice,comocorpoqueimado,foisocorridapelofilhoPauloepordoisvizinhos:Saule
Heloisa Azevedo. A mão com que escrevia ficou seriamente comprometida, e os médicos
chegarama levantarahipótesedeamputação.Esse fatodeixaria sequelaspara sempreemsua
vida. No período de convalescença, encontramos registros de depoimentos da escritora que
sinalizamumaangústiamescladaaomasoquismo,compaixão,comopodemosconferirnestassuas
palavras:
Maseuquerovisitas,elasmedistraemdadorterrível[...]todosforamrecebidospormim,gemendodedor, comonuma festa:eu tinha-me tornado falanteeminhavozeraclara:minha alma florescia comoumáspero cactos [...] enquanto sofresse fisicamente de ummodo tão insuportável, isso seriaaprovadeestarvivendoaomáximo. [...]Aproveiteiadoredeigritospelopassadoepelopresente.Atépelo futurogritei,meuDeus. (Moser,2011,p.483)
Claricepermaneceuporaproximadamentetrêsmesesemumhospitalparasetratardos
ferimentosatéconseguirretornaràssuasatividadesderotina,inclusivedatilografar,suamaneira
costumeiradetrabalhar.
Esse episódio, aliado ao comportamento estranho da escritora, evasivo, inquieta nos
relacionamentos afetivos, esquiva no convívio social, gerou rótulos desconfortáveis a Clarice:
escritorafalida,obsoleta,supérflua,inconvivíveletc.Emmeadosde1970,areputaçãodaescritora
comodesajustada,degênioexcêntrico,avessaàvidasocialatingiuseuapogeu.Nãocomparecia
aoseventos literáriosparaosquaiseraconvidada, tinharespostas inadequadase intempestivas
quando procurada para entrevistas, evitava as reuniões íntimas dos amigos ou apresentava
comportamentohostilnamaioriadesuasaparições.Em1976,seu filhoPaulosecasou,com23
anos,fatoqueabalouaindamaisoemocionaldeClarice.
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Não há relatos detalhados de Clarice em relação ao tratamento psicanalítico. Moser
(2011,p.504)afirmaque“Claricesesentiaenvergonhada,ouconstrangida,por fazeranálise,e
nãoqueriaqueofatochegasseaoconhecimentopúblico”.Emdeterminadomomentodesuavida,
aautorarelata:“ElianeZaguryfoiumaqueperguntouseeufaçooufizanálise[...]porquemeus
livros tinhamaprofundezaque só seatingenaanálise” (ibidem).Clarice responde: “Euneguei”
(ibidem). Podemosmarcar esse relato comoumadificuldadeda autoradiantedo tratamento e
apontar,maisumavez,queaescrita,dealgumamaneira,aaliviavadossintomas.
Em 1977, ela deu uma única entrevista, que foi feita diante de câmeras, a qual teve
grandeimpactonamídia,comorelataMoser(2011,p.625),poiselapermaneceulongosperíodos
emsilêncio,comumavozestranha,inconfundível.
Aescritora,aolongodavida,diziaquequeriamorrerescrevendo(Moser,2011,p.648).
Nodia9dedezembrode1977,ClaricemorreuaoladodesuaamigaOlgaBorelliefoisepultada
segundoosrituaisortodoxos.
O que dizer de uma vida marcada por talentos, adversidades, lutas, conquistas,
incertezas,amores,desafetos,perdas,interrogações?OqueaLiteraturafoicapazdenosrevelar
sobreessaautora/personagem?
AhistóriadosujeitoéestruturadaeorganizadaapartirdasuarelaçãocomoOutro.As
contingências da vida possibilitam o caminho necessário para o sujeito ser o que deverá ser:
passadoarticuladoàspromessasde futuro.Comopodemos situar a escritadeClarice Lispector
soboolhardaPsicanálise?
3Clarice:otextocomosintoma?
Antes de nos reportarmos ao texto de Clarice Lispector, demaneira sumária, façamos
umapequenadigressãoarespeitodarelaçãodosujeitocomoeunateoriapsicanalítica.
APsicanáliseacreditaque,aonascer,acriançaémarcadapelasensaçãodedesconforto
que o ato do nascimento produz. A constituição do sujeito perpassa pelos restos que essa
experiênciatraz,comotambémseestabelecepelasetapasquesesucedemaela.Ressaltamoso
estádiodoespelho,períodoqueseiniciaaproximadamenteaosseiseseestendeatéos18meses
de idade,caracterizadopela representaçãocorporaldacriança identificadaà imagemdoOutro,
que lhedá a ilusãode completude. Segundo Lacan (1998, p. 100), “o estádio do espelho é um
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drama [...] que fabrica para o sujeito [...] as fantasias que se sucedem desde uma imagem
despedaçadadocorpoatéumaformadesuatotalidade”.
Éaexperiênciadacriançadiantedoespelho(imagemespecular)quepossibilitaqueela
estabeleçaarelaçãodoseueucomarealidade.IssosedájustamentenoencontrocomoOutro,
quenãoobturaessafalta,produzindooquenomeamosdefalta-a-ser.
Simões(2013,p.54)afirma:
Nas complexas relações que o sujeito estabelece ao longo da vida, marcadas pelapresença do Outro, com os significantes que ele elegeu, a história de cada um vai seescrevendo, tendo comobaseumaconstituiçãodefinidapelapalavra,peladivisão,pelaperda, pela castração vivida no Complexo de Édipo e pelos restos que essa experiênciadeixoucomosobra.
Éessafalta,marca indeléveldosujeito,queoconduznaconstruçãodesuahistória.Ao
sujeitofaltoso,restabuscarincessantementealgoqueocomplete.Ressaltamosqueaentradado
sujeitonomundofundaasrelaçõesinterpessoaisnocamposocial.Oqueficaderegistro,oquese
apreendeeaquiloquefazlaçomarcamaformacomoosujeitolidacomoseuuniverso.Issonos
interessaàmedidaqueotextodeClariceLispector,inquietanteeinstigante,nosfazremeteraos
dadosdesuahistóriapessoaleaospossíveissintomasqueelanosrevelouemsuaescritaeemsua
maneirapeculiardeviver.
AcreditamosqueaPsicanálisepodeservislumbradacomoapossibilidadede,pelafala,o
sujeito reeditar sua história, desde que haja uma demanda, uma língua, um analista, um
analisante. Buscamos salientar que a fala pode ser compreendida também como aquilo que o
sujeito é capaz de editar pela escrita. Dessa maneira, a escrita nos interessa, pois ela é uma
modalidadederefazero laçosocial:emlugardo laçoperdidocomoOutroda infância,ouseja,
com a família, a escola, os amigos. O ato de escrever, tal como o ato sexual, para Lacan,
testemunhaohiatoqueexisteentrecadaUmeoOutro.Oatodaescritapossibilitaarrancara
angústia, afeto que não camufla, pois diante do objeto causa de desejo, o sujeito se angustia.
Podemosnosperguntarporquê?Podemosnosaventuraradizerqueaquiloqueanteriormente
serviapararecalcaraangústiaédestituídoeoquedeveriapermanecerveladovemàluz?
Para Lacan (1959-1960/2008, p. 24), a verdade tem uma estrutura de ficção, pois é
abordada por um semidizer, por meio de um saber colocado em posição de verdade. Dessa
maneira,arealidadeimplicaadimensãofantasmática.Aescritacomportaosrestos–chamados
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de objeto a –, que não são assimiláveis pela linguagem, ou seja, pelo simbólico; restos que
permitemaconstruçãodeumsentidonovoparaaquiloqueescapaaosentido,oindizível.
NádiaLima (2014,p.100)esclareceque“[...]escreverparaosoutros significa ‘perder’.
Pois o sujeito sai do segredo para a dimensão da circulação social”. A escrita, por esse viés,
escancara o desassossego particular do escritor. Ela é singular. Diante do mal-estar, a escrita
permiteabrirasestancasdosujeito,doautor.Asubjetividadeescoanatentativadeestabilização,
desustentaçãodosafetos.ParaLima(2014,p.123),“[...]todaescritaé[...]dirigidaaumoutro,a
quem o sujeito busca agradar, fazer-se compreender ou adequar”. Podemos mensurar essa
colocaçãonaescritadeClariceLispector?
Afirmamos que o inconsciente se manifesta justamente pela falência da linguagem:
vazios, reticências, atos falhos,que são,naverdade,elementosestranhosànarrativa.Podemos
dizer que são furos da linguagem daquilo que é impossível de dizer? A escrita escorre nas
tessiturasimagináriasdeumtexto,vindasdoinconsciente,manifestando-senosespaços,naquilo
quenãosealcançatodo.
Articulandoaescrita comoprocessoanalítico, dizemosquea análise sedáapartir da
apresentaçãodeumrelatodeumahistória.Relatoquenãoécronológico,massebaseianalógica
doinconsciente,assimcomoaescrita.Éotestemunhodeumaexperiênciasingular,comritmoe
alternânciaspróprios.História tecida comseus cruzamentos, seus furos, seuestiloúnico.Nessa
construçãopaulatina,oinconscienteéprivilegiado,inconscientequeéatemporal,porissosempre
atual.
BaseadosnaobradeClariceLispector,podemosdizerqueaescritanosinteressaquando,
apartirdeumencontrocomoreal,osujeitoconstróiumasaídaparatalconfronto.Aoperaçãode
constituiçãodosujeitodeixamarcas,restosdesseencontroinaugural,queacompanhamosujeito,
nocaso,oautor,eserefletemnassuasconstruçõesaolongodavida.Nasdesilusões,fracassos,
angústias ou mesmo na euforia, a escrita salvaguarda o autor da angústia. No percurso da
narrativa,existempontosderuptura,dequebra,queapontamparaainsuficiênciadalinguagem,
quenãopodetudodizerarespeitodosujeito.
Ao tropeçar nos limites da linguagem, o autor se ergue pela narrativa escrita, e surge,
assim,oquechamamosdeestilo:umamaneiraúnica,particular,orientadapeloobjetoa,causade
desejo.ConformeHouaisseVillar(2001,p.1254),“estiloéumponteiroouhastedemetal,osso
etc. usado pelos antigos para escrever sobre tábuas cobertas de cera, dispondo de uma
extremidadepontiaguda,aque imprimeoscaracteres,eoutraachatada,paraapagaroserros”.
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Esseaspectodestacadopelolinguistanosindicaumacaracterísticademarca,corteoufuro,oque
nos servirá para a compreensão do estilo na linguagem psicanalítica. Na perspectiva de Lacan
(1956/1998, p. 469), “[...] não há forma de estilo, por mais elaborado que seja, em que o
inconsciente não abunde”. Apostamos no estilo dos escritores para nos aproximarmos das
questõesinconscientesqueelestratamemsuaobra.
Nesteponto,interessa-nosamaneiracomoClariceLispectorexpressaseusinfortúniosna
escrita.Seubiógrafoafirma:“HaviaemClaricealgoquenãoeraoquepareciaser,umaestranheza
percebidaporaquelesqueencontravamemseustextospelaprimeiravez”(Moser,2011,p.11).
Seutextotrazumasonoridadeeumsilêncioquetambémsãotraçosparticulares.CristinaMoreira
Marcos(2015,p.92)sublinha:
Clariceaspiraaosilêncioaomesmotempoemquevênaescritaaúnicapossibilidadedevida.Temosumaescritaqueanseiapeloseufim,pelosilêncio.Ora,fielàsuaaspiração,aescritadeClaricepersegueosilêncioquehabitaaspalavras,buscanãoabafá-lo,sabendo,contudo,daimpossibilidadedeseuvoto.
Silêncio, respiração, sussurros. Uma escrita que alude a uma busca do objeto perdido,
sem abordá-lo totalmente com palavras diretas, fortes; algo que estaria além e aquém da
linguagem.Issotambémnosremeteàquestãodonomepróprio,construtovaliosodaPsicanálise,
quenaescritadeClariceaparecenebulosa.Seunomedeorigemfoiseapagando,eoutronome
ocupaoquefoidestinadopelafiliação.
Emrelaçãoaonomepróprio,CristinaMoreiraMarcos(2015,p.95)sustenta:
Nãosetratasimplesmentedadesignaçãodeumsujeito,elefazumtraçoecomotalelecompletaovazioparaumsignificantedesdesempreausentenocampodoOutro.Comoeumechamonãolhediznadademim.Ora,seosujeitodesapareceportrásdonome,aomesmotempo,onomeconvida-oafalar.
Vamosnos reportaraalgumasexpressõesvigorosase repetidasdaobradeClariceque
revelam, a priori, uma posição inquietante diante da vida, apontando para a divisão e a
insuficiência do sujeito. Tendo como base o livroClarice na cabeceira, de José Castello (2011),
destacamos:
- piedade é aminha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o queme sustentacontraomundo;(p.27)
-[...]comoligar-seaumhomemsenãopermitindoqueeleaaprisione?;(p.36)
-estoumelancólica[...]descansonamelancolia;(p.199)
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-Eu,quenuncasouadequada;(p.103)
-Souforte,mastambémdestrutiva;(p.203)
-Nãoseiusaramor.Àsvezesmearranho,comosefossemfarpas;(p.204)
- Os fatos são sonoros, mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro o que meimpressiona;(p.214)
-Sofrerumpoucoéoquemeimpressiona;(p.215)
-Àsvezesescreverumasólinhabastaparasalvaroprópriocoração;(p.242)
-Équaseintolerávelviver.(p.259)
Diagnosticar Clarice seria reduzi-la a um nome, e isso não é o objetivo deste artigo.
Clarice não se resume a um termo, a um rótulo, nem mesmo a um determinado sintoma.
Encontramos,sim,traçosquenosaproximamdessamulherquebuscouferozmentenomundoo
que lhe parecia obscuro. A escritora dispunha de uma gigantesca capacidade reveladora sobre
aquilo que era indizível. Apresentou-nos ao longo da vida uma obra afortunada, cheia de
incógnitasereticências.
Segundo Lúcia Castello Branco (1988, p. 73), “Os depoimentos (e mesmo a obra) de
diversos escritores [...] oferecem-nos algumas pistas para pensarmos em quanto a loucura e a
escritaliteráriatêmemcomum”.SeguiremosessaspistasqueClariceLispectornosdeixou.Pelos
traçossintomáticosqueahistóriadaescritoranosapresenta,comportaumbreveesclarecimento
sobreamelancoliaeadepressão,poiselassediferenciamenosauxiliamnacompreensãodoseu
texto.
Em seu artigo Luto e melancolia, Freud (1917[1915]/1980) esclarece esses conceitos.
Segundo o autor, “[...] amelancolia contém algomais do que o luto normal. Namelancolia, a
relação comoobjetonãoé simples; ela é complicadapelo conflitodevido aumaambivalência
(Freud,1917[1915]/1980,p.289).Nomesmotexto,Freud(1917[1915]1980,p.290)especificaque
aambivalênciapodeserconstitucional,formadaporumelementoparticulardarelaçãoamorosa:
pertence,portanto,pornatureza,aoreprimido,ouéoriundadeexperiênciasqueenvolverama
ameaça da perda do objeto, emque as vivências traumáticas em relação ao objeto podem ter
ativadooutromaterial reprimido.Assim,no luto,podemosaferirumaperda realdoobjeto.Na
melancolia,naspalavrasdeFreud,“[...]travam-seinúmeraslutasisoladasemtornodoobjeto,nas
quaisoamoreoódiosedigladiam”(ibidem).
A psicanalista Maria Rita Kehl (2013, on-line), analisando o texto de Freud, Luto e
melancolia,destacaque,naobrafreudiana,
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[...]otrabalhopsíquicoempreendidopeloenlutado,emboraempobreçaoegoetorneosujeito inapetente para quaisquer outros investimentos libidinais, pode ser consideradocomoumtrabalhodaordemdasaúdepsíquica.Éumtrabalhodepaulatinodesligamentoda libido em relação ao objeto de prazer e satisfação narcísica que o ego perdeu pormorteouabandono.
Apartirdesteponto,épossívelrefletirsobreoqueostextosdeClariceexpressam:aluta
peloenfrentamentodetodososlutosreais.
Melancolia, para a Psicanálise, não é o mesmo que depressão. A melancolia está
articulada com a dimensão do ir e vir pulsional. Podemos dizer que o Eu se encontra
comprometido.Amelancoliaé,então,umprocessopsicóticoqueresultanoempobrecimentoda
consciência,enquantooinconscienteésecretamenteexaltadoeexibido.Omelancólicoapresenta
ideias delirantes. O discurso do melancólico é marcado pela culpa exibida e reinventada com
relevância, bem como com a própria indignidade. Em seu discurso, não há vergonha nem
modéstia:omelancólicosecolocanocentrode interessedomundo.Paraele,édifícil tolerara
falta a ser, fundamentalmente humana. Na depressão, o sujeito se apresenta paralisado, sem
lugar, sem ânimo, na apatia. Não há necessariamente empobrecimento da consciência, e a
angústiaétraçopersistente.
Esclarecemos: ambas, melancolia e depressão, podem ser compreendidas como o
resultadopelotrabalhodelutoquesesegueàperdadeobjeto.AhistóriaeaescritadeClaricenos
aproximam de um sujeito predominantemente marcado por traços depressivos, embora
possamosencontrar,emseutrabalhoenavida,sinaisdemelancolia.
Consideraremos, para Clarice Lispector, inspirados nos estudos da Psicanálise, traços
sinalizadoresdedepressãobaseadosnainfânciarude,naguerra,nadoença,naperdadospais,na
pátria que não foi concebida, na busca por um lugar onde se identificasse, os quais nos
possibilitamaventaressahipótese.
Aviolênciaguardadaecontidaarespeitodossofrimentosmaternos,apercepçãodeum
mundocruel,entre tantosepisódiosdesuavida,nosaproximamdeumaescritoramarcadapor
sofrimentosedesilusões.Nocorpoqueimado,apresençadapulsãodemorteealutavorazpela
sobrevivência. O afeto amistoso, sem paixão, pelo marido, a cerimônia no cotidiano da vida
matrimonial,achegadadosfilhos,alidaárduacomumfilhoesquizofrênico,aintolerânciacomos
amigos,entreoutrosepisódios,deixamrestosquecolaboramcomaparecimentodefortestraços
depressivos. Podemos traduzir a suposta depressão de Clarice como a “dor de existir”, termo
usadoporLacan?
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SegundoIlkaFranco(2006,p.111),“[...]dordeexistirnãoéalgoquesóosmelancólicos
experienciam[...].Existir supõeadordeser lançadonomundo, supõea linguagemquenãodá
contadetodososjuízos”.AcreditamosqueaescritasalvaClaricedemuitasmarcas,poisdeixaque
seussintomasvenhamàtona.Permitequeeladeixeviroladoavessodesuaex-sistência.
Assim como Dostoievski e Virgínia Woolf, Clarice encontrou na escrita não um
apaziguamento,masumaestradacriativa.Suamodalidadedeescrituraparecesesituarnocampo
daLituraterra(1971/2003),quemarcaumaescritadeborda,poisesbarranoindizível,nolimitedo
gozoedosemsentido,comoLacan(1981,p.109)apontouemLiçõessobreLituraterra.“Nãoéa
letrapropriamenteo litoral?Abordanofurodosaberqueapsicanálisedesigna, justamenteao
abordá-lo,nãoéissooquealetradesenha?”
Nesse texto, Jacques Lacan começa a construir uma teoria da letra, afastando-se
gradativamentedaênfasedada,atéentão,aosignificante.Há,notexto,umapassagemda letra
literal,desenvolvidaemseuensinoemInstânciadaletranoinconscienteouarazãodesdeFreud
(1957/1998),paraaletralitoral.Oquediferealetradosignificante,nonossoentender,équea
letraestásituadanorealeganha,assim,umanovaconotaçãonoensinolacaniano.
Encontramos, na obra de Clarice Lispector, ummesmo significante repetidas vezes: “a
Coisa”,inclusive,comagrafiaemletramaiúscula.Sehárepetição,algodoinconscienteinsisteem
se apresentar.Oqueaescritoraquismarcar com tantaprecisão?QueCoisaé essaqueClarice
insistentementeperseguiu?Podemos identificarnestepontoquealgodoRealestá implícitoem
suaescrita?
NavãtentativadecapturaraCoisa,Claricelançaapalavraqueescoa,emociona,seduz,
fazbrotar.AperseguiçãodaCoisa,entretanto,nãoaconduziuaumaescritaautobiográfica.Sua
escrita é um exercício árduo e doloroso de introspecção. Uma aventura interior e a maneira
possíveldesobreviveràsvicissitudesdosinúmerosmomentosdepressivos.SegundoJoséCastello
(2011,p.9),Clarice“[...]viveuparabuscaroqueseescondeatrásdedetrásdopensamento.Não
foipoucooquesepropôs”.
Encontramos traços masoquistas, sádicos, obsessivos em seus romances, seus contos,
suasentrevistas,bemcomotraçosváriosemcadaanálisequefazemos,quenosnorteiamaalgum
diagnóstico.Porém,navidadaescritora,algunstraçossesobressaem,edeterminadasfalas,entre
outras,citadasporCastelo(2011),merecemserdestacadas:
-Abondademedáânsiasdevomitar;(p.24)
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-Piedadeéminhaformadeamor,deódioedecomunicação.Éoquemesustentacontraomundo;(p.27)
-Quecoisaestranhaéessadequeprecisamos,quecoisaávidaéesseexistirquefazcomqueamãoarranhecomogarra?(p.108-109)
Compreendemos que o texto, para Clarice, não pode ser analisado como um sintoma,
mascomoumapossívelsaídaparaosintoma.Elabuscouexpressaroindizível.
Clarice sai em busca do preenchimento deste ponto que é dejeto, estrutural,
irremediavelmentefaltoso.Apalavra,sobapenadeClarice,éumachave,prontaaabrirportas.
Seu texto, rico e inédito, convocou-a a uma escrita singular, permitiu que enfrentasse os
obstáculosqueavidalheapresentavaeaaproximoudaquiloquelhefoiparticular.Clarice,coma
escrita,conviveucomseussintomas,pôdeexpressá-los,inclusive,namisturaqueexpressavaem
seuscontosdoquelheerapróprio,remetidoaopersonagemcitado.
Resta a nós, pela leitura de seu texto, pela possibilidade de estudá-la, admirá-la e
compreendê-la,apenasreverenciá-la.Clarice,pelaescrita,reinventouasuavida.
5Consideraçõesfinais
PorqueaobradeClariceLispector interessariaàPsicanálise?Inúmerassãoaspossíveis
respostasquepodemsurgirdiantedessaquestão.Aartenosensina,comopsicanalistas,umolhar
eescutasutisdosmodosdesubjetivaçãoqueestãoemjogonaclínica.Umamaneiradiferenciada
deseposicionardiantedosujeito.
A Literatura, como o artigo buscou apresentar, pode ser tomada como expressão do
inconscienteedespertaraassociação livredo leitor,bemcomopromoverodiscursoparticular,
vindodoreal,dosujeito-autor.Oescritor,comonaanálise,endereçasuaspalavras,escolhendo
significantes de sua história particular. A literatura, a nós, analistas, ilumina com o seu dizer e
oferece a chance de uma escuta diferenciada, acolhe o enigma da linguagem, pois oferta ao
sujeitoapossibilidadedeseexpressar.
AobradeClariceseorientadiantedetrajetóriasquebuscamaconstituiçãodosujeitoe
descortinamsuainexistência,seusvazios,seuspontosinalcançáveis.Umaconstruçãofictícia,mas
na qual podemos ler sua história e sua contemporaneidade, seus medos, seus anseios e seus
desejos.Elanãoapagaapresençadesuapessoaemsuaobra.
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Aescrita sobressaiucomoumavitóriadeClariceLispector sobreouniversodapossível
depressão. Embora sua escrita não seja autobiográfica, seus personagens revelam uma
personalidadeconturbadaeatentativadetrabalharseusafetoselutos.Suaangústiafoitraduzida
pelaspalavras,pelossussurros,pelasreticências,gerandoumaobradeextremovalorliterário.
Procuramossubtrair,daextensaobradeClariceLispector,aspectosquenospareceram
enfáticos, relevantes e que fazem conexão com o tema proposto: a possível articulação entre
PsicanáliseeLiteratura.
Esteartigobuscoupromoverumadiscussãoteóricasobreaescritacomopossibilidadede
saídadoestadoadoecidoparaumoutro lugar:oprodutivo,pois,comodisseFreud(1928[1927]
1980,p.205),completamenteimplicadoemseutexto,“Diantedoproblemadoartistacriador,a
análise,aidenós,temdedeporsuasarmas”.
PsicanáliseeLiteratura,demãosdadascomaescutadiferenciadaealinguagem,abrem
espaçoparatrocaspossíveis,esbarrandonoimpossíveldetudodizer.
Referências
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ResumoOartigopretendedesenvolver,combasenateoriadeFreudenoensinodeLacan,asarticulaçõespossíveisentreaPsicanálise e a Literatura, contemplando a vida e a obra de Clarice Lispector. Apostamos na escrita, vinda do real,marcandoasingularidadequesepriorizanateoriaenaclínicapsicanalítica.Palavras-chave:Psicanálise.Literatura.Escrita.Real.Sintoma.
Simões, Regina Beatriz Silva. Psicanálise e literatura – o texto como sintoma
| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |
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AbstractThearticleproposes,basedonFreud’s theoryandLacan’s teachings, todevelop thepossiblearticulationsbetweenPsychoanalysisandLiterature,throughthelifeandworkofClariceLispector.Webelievethewriting,comingfromtheRealmarksthesingularitywhichisemphasizedinthepsychoanalyticaltheoryandclinic.Keywords:Psychoanalysis.Literature.Word.Real.Symptom.AbstractL'article cherche à développer, sur la base de la théorie de Freud et de l'enseignement de Lacan, les articulationspossiblesentrelapsychanalyseetlalittérature,enconsidérantlavieetl'œuvredeClariceLispector.Nousparionssurl'écriture,venantduréel,marquantlasingularitéprioritairedelathéorieetdelapratiquepsychanalytiques.Key words: psychoanalysis; literature; writing; real; symptom. ResúmenElartículobuscadesarrollar, conbaseen la teoríadeFreudyen laenseñanzadeLacan, lasarticulacionesposiblesentreelPsicoanálisisy laLiteratura,contemplando laviday laobradeClariceLispector.Apostamosen laescritura,venidadeloreal,marcandolasingularidadquesepriorizaenlateoríayenlaclínicapsicoanalítica.Palabras-clabe: psicoanálisis; literatura; escritura; real; síntomas