Psicologia: a cultura

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Escola Secundária de Tondela 12º Apontamentos de Psicologia: CULTURA

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Apontamentos de Psicologia do 12º ano

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Escola Secundária de Tondela

12º

Apontamentos de

Psicologia: CULTURA

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Cultura

7. FACTORES FUNDAMENTAIS NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO (TORNAR-SE HUMANO)

Caracterizar factores fundamentais no processo de tornar-se humano: Apresentar dados que suportam a hipótese de uma predisposição genética do

ser humano para a sociabilidade. Explicar a importância do meio social na determinação do ser humano. Ilustrar as consequências da ausência de socialização a partir dos exemplos

de “crianças selvagens”. Definir o conceito de socialização. Distinguir socialização primária de socialização secundária. Definir cultura. Caracterizar a cultura por oposição à natureza. Identificar as características básicas das condutas culturais. Definir padrões culturais Evidenciar o papel dos padrões culturais na vida do ser humano. Explicar em que consiste a aculturação. Relacionar evolução cultural com fenómenos de aculturação.

a) O Homem – uma construção social:

A espécie humana tem características genéticas próprias. Uma delas

relaciona-se com o seu inacabamento biológico (prematuridade) que

torna uma criança totalmente dependente dos pais durante longos anos,

sem capacidade de vida autónoma. Uma segunda, a neotenia, permite

ao indivíduo manter capacidades de alterações físicas e mentais

profundas ao longo da vida.

Logo após o nascimento, o bebé – dotado de uma actividade reflexa

inicial (reflexo de sucção, de preensão, de marcha…) – construirá

mecanismos de interagir com o meio e muito particularmente com o

contexto social (sobretudo familiar). A estrutura biológica do bebé

contém um potencial de aptidões extraordinárias, mas estas só se

desenvolverão no contacto com a sociedade.

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A predisposição para a sociabilidade: – Tal como algumas espécies animais, também o Homem é um animal

gregário. Isto significa que organiza a sua vida em interacção com os

outros. A “gregaridade” supõe sociabilidade, a estruturação da vida

individual de acordo com a organização social.

– Há razões que permitem pôr a hipótese de haver em cada recém-

nascido uma predisposição inata, uma raiz genética, para viver em

sociedade. Esta “apetência de base” para a sociabilidade é suportada

por um conjunto de capacidades que permitem interagir com os outros.

Salientam-se as seguintes competências:

Sensoriais: relativas às capacidades dos órgãos dos sentidos

(captação de estímulos).

Cerebrais: a estrutura nervosa permitirá a aprendizagem, a

memorização e a recuperação da informação. Este processo é

acompanhado, nos primeiros anos, por uma complexificação das

ligações neuronais.

Perceptivas: possibilitadas pelo córtex cerebral. A percepção

traduz-se pela capacidade de associar cada novo estímulo a

dados anteriormente registados, o que leva a perceber e a

assumir comportamentos positivos ou negativos em relação ao

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que se vai sentindo e, naturalmente, em relação a cada contexto

social.

Simbólicas/verbais: se a acção é o ponto de partida da relação

da criança com os outros, é sobretudo na e pela linguagem que

se geram processos de aprendizagem e de relação com os

outros (assim como é nela e por ela que as sociedades se

organizam).

Relacionais: há indicadores de que o recém-nascido é levado a

estabelecer elos afectivos com os que a rodeiam, cabendo lugar

prioritário à figura materna (que é a pessoa que alimenta, trata e

dá carinho ao bebé).

b) Os casos conhecidos de crianças selvagens (que cresceram entre

animais) revelam que:

A aquisição de comportamentos e de capacidades próprias do ser

humano só se verifica se as crianças viverem em sociedades humanas.

O contacto social nos primeiros anos de vida é decisivo para a

aprendizagem das diferentes competências humanas, uma vez que as

estruturas genéticas passam por um processo de maturação sujeito a

prazos. Isto é, como se diz popularmente “há uma idade para tudo”: se

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uma criança não aprende a falar nos primeiros anos, posteriormente terá

graves dificuldades em comunicar verbalmente.

A inteligência humana, pressupondo uma estrutura genética específica,

resulta do contacto social. Podemos, então, considerar dois aspectos

centrais do processo que constroem em cada criança um ser humano: a

socialização e a cultura.

c) Socialização:

Noção: é o processo de integração do indivíduo na sociedade. Supõe

uma aprendizagem dos aspectos culturais, da interiorização das regras

de cada grupo social (em família, na creche, escola….).

A aprendizagem em contexto social processa-se espontaneamente, de

forma automatizada e inconsciente. Cada criança, pouco a pouco, passa

de animal instintivo a animal cultural (pessoa).

Tipos de socialização:

– A socialização primária consiste na aprendizagem dos aspectos

básicos do convívio social. Decorre fundamentalmente durante a

infância e também adolescência.

– A socialização secundária prolonga-se ao longo da vida e relaciona-

se com as adaptações de cada pessoa a novos contextos e alterações

sociais: (nova vida familiar, emprego…).

A integração social:

– A socialização faz com que a criança comece a abandonar

gradualmente o comportamento instintivo e espontâneo próprio dos

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animais para o substituir por formas de comportamento características

de cada cultura.

– Integração social não supõe igualdade comportamental: assim como

cada indivíduo possui características únicas, de igual modo não há

uma rigidez absoluta de comportamentos no contexto de cada cultura.

d) Cultura e padrões culturais: (vídeo)

A cultura: constitui a marca distintiva por excelência entre

comportamento humano e comportamento dos outros animais. Por outro

lado permite distinguir os povos uns dos outros.

A cultura abrange:

– O conjunto de aspectos que caracterizam cada sociedade (tradições,

crenças, regras, costumes, formas de comunicação, técnicas, atitudes,

sentimentos…).

– O conjunto de aprendizagens do indivíduo sob a influência social.

A cultura abrange:

– Processos materiais (fabrico de utensílios, artesanato, indústria,

habitação…).

– Relações sociais (formas de convívio, grupos sociais, instituições,

formações políticas…),

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– Aspectos mentais: teorias, formas de sentir, pensar e comunicar

(mentalidades, religião, linguagem, superstições, sistema de valores).

A integração numa cultura leva cada criança a adoptar um

comportamento que substitui, pouco a pouco, uma natureza dada por

uma natureza adquirida:

“Natureza dada” “Natureza adquirida” Determinada biologicamente: hereditária, inata. Comportamento espontâneo, resultante das necessidades biológicas.

Determinada culturalmente: aprendida no contacto social. Comportamento normativo, ditado por padrões culturais.

Sem processos culturais a vida resumir-se-ia à defesa contra

predadores e à procura de alimentos: aproximar-se-ia do estilo de vida

dos macacos.

Padrões culturais:

– Servem de modelo de conduta aos indivíduos de uma sociedade.

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– Noção: - Os padrões designam o conjunto de normas de

comportamento próprias de uma cultura ou grupo social. Caracterizam

e permitem distinguir culturas ou grupos.

– Os padrões levam o indivíduo a agir, mais ou menos espontânea e

inconscientemente, de acordo com determinadas regras.

– Características dos padrões:

Têm, pois, carácter normativo: indicam o comportamento

socialmente tido como adequado.

São prescritivos: indicam como cada um se deve comportar.

Têm uma função cognitiva e preditiva, na medida em que

permitem que cada um saiba (conheça) como se comportar em

cada situação, assim como permitem prever qual será o

comportamento dos outros.

Importância dos padrões culturais: - O facto de cada um conhecer as

regras próprias da sua cultura permite: agir de acordo com os seus

padrões, sendo, por isso aceite; saber como se há-de comportar em

diferentes contextos; prever o modo de reagir dos outros. Os padrões

facilitam, por isso, a adaptação ao contexto social e traduzem-se numa

harmonia social.

O indivíduo que se afaste do padrão sofre por parte da sociedade

diversas pressões que vão desde a crítica, à exclusão social ou mesmo

à prisão (consoante as situações). O mesmo não acontece a quem se

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integra plenamente: é reconhecido e aceite pelos outros, não entrando,

por isso, em conflitos.

e) Evolução cultural e processos de aculturação:

Cada sociedade está em permanente processo de construção e, por

isso mesmo, sujeita a mudanças. No entanto as mudanças tendem a ser

relativamente lentas; assim como, no interior de cada cultura, há

aspectos que são particularmente estáveis.

Se olharmos para a forma de vestir, verificamos que há aspectos

relativamente estáveis (os homens não andam de saias), mas os

padrões da roupa já mudam com facilidade.

Muitas das mudanças sociais resultam do contacto entre culturas de

que emergem processos de aculturação. Os fenómenos de aculturação

resultam da influência de uma cultura sobre a outra.

Genericamente, na aculturação há: 1º - um contacto entre culturas; 2º - a

influência de uma cultura sobre outra; 3º - a alteração da realidade

cultural devido à influência da “cultura invasora”.

Fenómenos de aculturação existiram constantemente, no passado,

associados ao colonialismo: os povos invasores procuraram introduzir a

sua cultura (não é por acaso que o Português tem raízes latinas e

árabes). No entanto, há muitos fenómenos de aculturação em que uma

cultura integra espontaneamente as práticas de uma outra (veja-se o

fenómeno do Pai Natal ou do Dia das Bruxas que tende a espalhar-se,

como outrora se vulgarizou o Carnaval).

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8. Organização pessoal da experiência:

Explicar a história pessoal como um contínuo de organização entre factores internos e

externos:

Caracterizar os aspectos presentes na formação da identidade do ser humano.

Evidenciar o papel dos significados atribuídos à experiência pessoal.

Mostrar que o ser humano se singulariza pela capacidade de auto-organização.

Explicar porque é que o ser humano é uma criação sociocultural.

a) Cada pessoa é um ser bio-sociocultural. Possui uma estrutura biológica

herdada dos antepassados, dotada de potencialidades que, em contacto

com o meio sociocultural, permitirão a cada um construir-se como pessoa.

b) Aquilo que cada pessoa é no presente resulta, assim, da interacção de

factores que ela integrou na sua experiência. É desta interacção

indivíduo-meio que nasce a inteligência consciente e o sentido de

identidade individual (pessoal/singular) e cultural.

Cada um reconhece-se como ser único, original, especial. Esta

demarcação de cada um relativamente ao mundo e aos que o rodeiam,

processo de individuação, é algo que se constrói e que se vinca

sobretudo durante a adolescência. O sentido de entidade/identidade

singular leva o indivíduo a querer ser aceite, ouvido e estimado

socialmente. A consciência de si mesmo como elemento válido propicia

a auto-estima. O mundo de referências culturais é propiciador da

estabilidade emotiva.

O processo de individuação desenvolve-se num contexto de referências

sociais (grupos, modelos, estilos de vida, valores, símbolos) que levam o

indivíduo a identificar-se com uma determinada cultura, a cultura de

pertença (identidade cultural). Logo, o mundo de cada um resulta

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interacção das suas referências afectivas e do seu carácter com as

referências culturais envolventes.

c) Papel dos significados atribuídos à experiência:

O mundo físico e o mundo psíquico e mental: - A realidade objectiva,

física, é diferente do modo como a pensamos ou sentimos, pela simples

razão de que o pensamento e o sentimento resultam da organização

interactiva entre o que me rodeia (factores externos) e o modo como

capto o que me rodeia (factores internos: sentidos, coordenação

cerebral, integração de novos dados nos dados da experiência anterior).

A experiência e a construção de significados: - Uma criança diz um

palavrão, os adultos riem-se, a criança reforça este tipo de

comportamento. Este é um dos muitos exemplos da criação de

comportamentos e da atribuição de significados. No contacto com o

mundo e os outros, cada pessoa constrói um universo próprio que

mobiliza: pensamentos (interpretações, preconceitos, estereótipos…),

“afecções” (sentimentos, afectos, emoções…), influências culturais,

contextos sociais.

A experiência pessoal: - É única e resulta da interacção indivíduo-

meio: e constrói-se por um modo particular de agir, de sentir, de viver,

de pensar. Ela resulta de um universo envolvente (o meio físico ou

social) com infindas situações e do modo como o indivíduo capta,

organiza e integra nas suas vivências anteriores cada nova situação. Daí

a diversidade e a complexidade de atitudes e de comportamentos de

diferentes pessoas perante situações objectivamente iguais.

d) Auto-organização e criação sociocultural:

Quando uma criança nasce, encontra à sua frente um mundo que ainda

não organizou mentalmente. Já o sente de forma primária e difusa, mas

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não o interpreta nem o vive. Depois, pouco a pouco, conhece,

estabelece relações (agradável-desagradável, por exemplo), dá

significados e cria afectos. A criança que, aos três meses, fica

indiferente perante um boneco, aos três anos fala com ele, cobre-o para

não ter frio. É desta proximidade com as coisas e, sobretudo, com as

pessoas que nasce e se organiza o mundo do comportamento.

O papel do indivíduo: - A organização mental do mundo é uma auto-

organização. Isto é, os sentidos transmitem informações que, actuando

sobre o complexo sistema nervoso, levam cada um a auto-

-organizar o seu mundo de referências. Apesar de o tipo e a intensidade

de estímulos terem uma palavra no modo de cada um o organizar, não é

menos verdade que o papel do indivíduo é fundamental: é ele que

percepciona cada novo estímulo e, automaticamente, organiza-o e

integra-o na experiência já adquirida. [As diferenças “experienciais”, a

que não é alheia a idade, explicam muitos desentendimentos entre pais

e filhos].

A influência sociocultural: - O ser humano é dotado de plasticidade:

copia e representa o que copia. Quer isto dizer que cada pessoa,

construindo-se a si própria, vai ser criada à imagem da sociedade em

que se integra: é uma criação sociocultural. Este mimetismo não dá

origem a comportamentos estandardizados (uniformes). É que o tecido

social caracteriza-se pela diversidade de comportamentos, de situações

e de estilos de vida. Por outro lado, cada pessoa absorve o mundo em

contextos diferenciados e com a sua experiência pessoal única que teve

como ponto de partida um determinado referencial hereditário.

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9. Riqueza e diversidade humana:

Analisar a riqueza da diversidade humana:

Diferenciar herança genética e herança cultural.

Dar conta da heterogeneidade cultural a partir da identificação da diversidade de valores,

normas e modelos diferenciadores das culturas.

a) Heterogeneidade cultural:

As necessidades humanas não divergem muito, em cada cultura,

quanto à sua tipologia: necessidades básicas, de expressão artística,

de relação com o transcendente ou divino, de realização pessoal, de

poder e reconhecimento social… O que diverge é o modo de cada

sociedade concretizar cada uma.

Não há duas sociedades com formas iguais de responder a cada uma

destas necessidades. Significa que o mundo é constituído por um

mosaico de referências culturais em que o bom e o mau, o bonito e o

feio, o justo ou o injusto se caracterizam pelo relativismo (relativismo

cultural). Isto é, em Portugal é considerado bom que as mulheres

sejam socialmente interventoras, o mesmo não acontece na Arábia

Saudita. Quem está certo ou errado? [A própria noção de certo ou de

errado obedece a critérios culturais].

b) Diversidade individual:

No interior da diversidade de culturas há múltiplos indivíduos, cada um

com um património genético próprio, uma personalidade única e uma

experiência singular. Somos, por isso, todos diferentes.

No entanto, pertencemos biologicamente à mesma espécie, somos

seres sociais e culturais com necessidades e formas comuns de actuar

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no mundo: o que torna possível o entendimento entre os indivíduos não

só numa mesma cultura como entre diferentes culturas.

FIM