PSICOLOGIA CRÍTICA: INTEGRAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA COMUNIDADE
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PSICOLOGIA CRÍTICA: INTEGRAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTI CA NA
COMUNIDADE
Fernando César Paulino-Pereira*
Professor na Universidade Federal de Goiás (UFG)/CAC. Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Núcleo Identidade. Pesquisa Identidade e Processos
Grupais – inserido nas Comunidades periféricas de Catalão. Tem como referencial teórico e metodológico
o materialismo histórico e dialético.
Para iniciarmos discussão sobre teoria e prática do fazer do psicólogo, tornam-se
importantes algumas considerações no campo da pesquisa e da prática que esse
profissional possa desenvolver. O envolvimento do profissional, independente da área
de ocupação ou pesquisa com a comunidade, tem inicialmente e por ética uma rigorosa
consideração teórico-metodológica sobre o sujeito e o objeto. Essa consideração nos
leva, a priori, a uma análise do binômio sujeito-objeto, uma vez que, dentro do campo
de pesquisa, e em muitos momentos, torna-se difícil para o profissional lidar com
termos que denotam certa ambiguidade.
Adorno (1995b) propõe uma discussão complexa nesse campo, uma vez que a
ambiguidade dos conceitos sujeito e objeto apontam certa notoriedade no campo da
pesquisa e do envolvimento do profissional com a comunidade a ser pesquisada e
trabalhada. Para Adorno (1995b, p. 181),
sujeito pode referir-se tanto ao indivíduo particular (einzelne Individunn) quanto
a determinações gerais; de acordo com os termos dos Prolegômenos
2
Kantinianos1, à consciência em geral. A ambiguidade não pode ser eliminada
simplesmente mediante a uma classificação terminológica. Pois ambas as
significações necessitam-se reciprocamente; mal podemos apreender uma sem a
outra.
A proposta de Adorno para entender sujeito e objeto é demasiadamente
complexa, uma vez que ambos são fortemente ligados no que tange a pesquisa de campo
e, completamente isolados em subjetividade. A dicotomia de ambos serve para nos
atentar para o trabalho em campo, especialmente com a comunidade que, no aspecto
comum, é em sua maioria composta de leigos e cada um desses componentes, sujeitos de
sua própria identidade e história.
Portanto, a discussão do papel da Psicologia na Comunidade, necessariamente,
leva-nos a abordar a relação do psicólogo com a sociedade contemporânea, procurando
entender em demasia o contexto, a individualidade e, se possível, a subjetividade do
grupo/comunidade a que se engendra um trabalho, seja de pesquisa ou operacional – no
caso de uma Psicologia Social Crítica, a pesquisa é sempre operacional (rompendo com a
dicotomia teoria e prática).
É pensando nessa prática direta de intervenção e orientação junto a comunidade
que o profissional da Psicologia pode exercer uma leitura bem próxima e pontual com o
grupo de referência a ser trabalhado, uma vez que é na comunidade que os profissionais
têm a oportunidade de traduzir para o campo operativo os conhecimentos que a ciência
vem produzindo.
1 Prolegômenos a toda metafísica futura que queira se apresentar como ciência é um livro de Immanuel Kant que foi publicado em 1783. Essa data é importante porque sabemos que a obra magna do autor, a Crítica da razão pura, tem a primeira edição em 1781, e a segunda em 1787. Diante da recepção da sua obra, Kant escreveu os Prolegômenos..., mudando o método de exposição de analítico para sintético, e buscando assim atingir um público mais amplo para suas pretensões de estabelecer uma ciência metafísica. Os Prolegômenos... são, pois, como que uma explicação da Crítica..., com as mesmas questões tratadas de forma menos detalhada.
3
Assim, a aproximação do psicólogo com a comunidade deve ocorrer com a
indissociabilidade da pesquisa-prática e da teoria-conceito, pois a tradução do
conhecimento científico no campo operativo exige profissionais com competência para
a produção do conhecimento científico e técnico, como exige também habilidades ao
socializarem esses conhecimentos aos grupos sociais, de forma a contribuir para a sua
autonomia. O que se observa, numa Psicologia Crítica, é que a aproximação do
psicólogo com a comunidade que detém o saber popular tem possibilitado novos
campos de investigação nas mais diversas áreas do conhecimento, possibilitando assim
ampliar o campo de intervenção do profissional da Psicologia, particularmente nas áreas
fundamentais de preservação da vida humana. Cabe ao psicólogo auxiliar na
identificação das demandas sociais e na elaboração de propostas para a construção de
um projeto de sociedade que se aproxime dos ideais humanitários, garantindo igualdade
e equidade nas relações sociais.
Segundo Reboredo (1983), é na relação da Psicologia com os movimentos
sociais que encontramos a convivência do saber popular e o saber erudito, de forma
efetiva e comprometida com a transformação social emancipatória e politizada. Assim,
é imprescindível que o profissional da psicologia estabeleça/mantenha uma relação de
parceria e que, nesta aliança, busque contribuir com o seu processo organizativo de
forma que, na atual conjuntura, sejam transformadas as desigualdades sociais
econômicas e políticas reafirmando os valores da democracia e a ética da humanização
dos indivíduos.
A ação do psicólogo social crítico deve ser indissociada do ensino e da pesquisa.
No que diz respeito ao processo de reflexão teórica, faz-se necessário efetivar alguns
objetivos, quais sejam: o primeiro diz respeito à formação para o exercício da profissão,
que implica a formação pessoal, crítica, científica e técnica do profissional da
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psicologia; o segundo contempla o avanço da área de conhecimento, prioritariamente
por meio da formação dos pesquisadores envolvidos; o terceiro deve ser o de garantir
que a ação materialize parcerias com segmentos da sociedade que buscam subsídios na
Psicologia Social para aperfeiçoar e exercitar a democracia plena, ou seja, que esta área
do saber contribua para tornar concreta a necessidade da humanização dos indivíduos
(REBOREDO, 1983).
Torna-se necessário, a fim de alcançar os objetivos propostos, a participação
efetiva da categoria nos Conselhos de Controle Social. Na luta e no esforço de
construção das políticas públicas2, os Conselhos de Controle Social são espaços
importantes para a materialização delas. Portanto, o engajamento do psicólogo, como
cidadão e como profissional que possui conhecimentos e instrumentos técnicos, é
bastante valioso.
O envolvimento da categoria com as políticas públicas pode contribuir com a
formação para o exercício da profissão elevando à prática profissional a categoria de
práxis-processo, numa perspectiva ética e militante, assim como o envolvimento com as
políticas públicas certamente possibilitará o avanço na área de conhecimento do sujeito.
Somente assim haverá a integração teoria/prática. Com sua participação ética, crítica e
articulada, o psicólogo deve ser um ator social importante, sensível às demandas sociais,
além de criativo na busca de soluções.
Na participação em Conselhos de Direitos3 e Conselhos de Controle Social4, o
profissional tem a oportunidade, também, de representar a Psicologia e defender seu
2 Políticas públicas podem ser entendidas como um conjunto de normas que orientam práticas e respaldam os direitos dos indivíduos em todos os níveis e setores da sociedade. Elas devem ter como base os princípios da igualdade e da equidade, disseminando o sentido da justiça social. Por meio delas, os bens e serviços sociais são distribuídos, redistribuídos, de maneira a garantir o direito coletivo e atender às demandas da sociedade. 3 Conselhos de Direitos têm papel fundamental para o controle das políticas públicas, cabendo aos seus membros lutar pela garantia dos direitos humanos fundamentais. 4 O termo [Controle Social] é usado para nos referirmos à participação popular na formulação, deliberação e fiscalização das políticas públicas. Trata-se de um mecanismo de controle social sobre a
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espaço profissional na área das políticas públicas. Assim, o Conselho Federal de
Psicologia (CFP) criou o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas (Crepop), estabelecendo como meta a sistematização e difusão de
conhecimento na área em questão.
A seguir centraremos nossos esforços num rápido percurso sobre a produção da
psicologia no Brasil ao longo dos últimos anos.
RETOMANDO ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS
A Psicologia teve, no Brasil, seu início marcado por um forte viés técnico-
científico de enfoque liberal-individualista. Embora tenha acumulado muitas realizações
e conquistas desde então, ainda nos encontramos diante de muitos desafios, como a falta
de acesso de grande parcela da população brasileira ao atendimento adequado de suas
necessidades básicas.
Nos últimos anos, a produção científica evoluiu no Brasil e em toda a América
Latina. Esta produção, vinculada às ações políticas, contribuiu para a melhoria das
condições objetivas devidas dos indivíduos, assim como para a compreensão do seu
movimento de constituição como sujeitos. Reboredo (1995) cita dois autores que
trabalham nessa direção. O primeiro é Carlos Carvajal, que trouxe contribuições as
quais permitiram pensar o espaço grupal como lócus privilegiado para a práxis5 da
Psicologia Social. O segundo trata-se de Ignácio Martin-Baró, um exemplo de
ação do Estado que oportuniza a participação pluri-representativa da sociedade civil organizada na esfera pública. 5 A práxis é compreendida como atividade humana, real, efetiva e transformadora. A práxis originária é o trabalho humano, a produção material, que esclarece a práxis social e a história como autoprodução do homem por si mesmo. Assim, na compreensão histórica do grupo como processo, a práxis está relacionada à ideia de projeto, pois é atividade humana efetiva na transformação de objetivos individuais em objetivos coletivos. Transforma-se em negatividade, pois leva a considerar, num momento inicial, o primeiro termo negado por um segundo e, num momento seguinte, o segundo termo negado por um terceiro (a ‘negação da negação’, portanto). Isto se aplica a eventos que se desenrolam no tempo, servindo para compreender a história (do homem e da natureza). Contrapõe-se a uma visão linear de história.
6
dedicação às causas políticas, e com produções teóricas que ajudaram a compreender as
questões ligadas ao poder e à ideologia; no Brasil, encontramos os trabalhos de Silvia T.
Lane e Sueli Terezinha Ferreira Martins, comprometidas com as classes populares
entendendo que a práxis do psicólogo social se dá no trabalho com grupos. No caso de
Martins, encontramos vasta publicação sobre sua militância na luta por políticas
públicas de saúde no Brasil que visem a transformação da realidade do SUS,
possibilitando que o sistema seja, no mínimo, mais justo e humano.
O tema das políticas públicas tornou-se fundamental para a Psicologia, pois nos
remete tanto ao exercício da cidadania como à participação profissional da categoria na
transformação da realidade rumo a uma sociedade mais justa e saudável. Cabe-nos,
então, consolidar o espaço de trabalho e ampliar o campo de atuação do psicólogo nas
discutindo o crescimento da demanda social pela presença e atuação do psicólogo na
formulação e no desenvolvimento de políticas públicas6 de saúde, habitação, educação,
transporte, direitos da mulher, direitos das crianças e adolescente, entre outras.
Tomamos como princípio que a Psicologia e o psicólogo têm papéis fundamentais nessa
área, já que nela estão presentes a diversidade e a subjetividade dos processos e das
pessoas, configurando-se uma rede complexa de inter-relação.
Ao falar da preocupação da Psicologia com as questões sociais, tem-se
incentivado a criação de espaços de discussão e reflexão que viabilizam os processos
grupais como campo de conhecimento e de intervenção específicas da Psicologia Social.
Constata-se um movimento na direção de elevar as práticas profissionais à condição de
práxis.
A Psicologia tem proposto uma ação conjunta com a comunidade, desenvolvida
em diferentes espaços, investigando temáticas tais como cultura, ética, cidadania,
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processos grupais, políticas pedagógicas institucionais e valores comunitários e tem
como finalidade a melhoria da transformação social e o fortalecimento de valores
indispensáveis para a organização de uma sociedade democrática, justa e solidária,
como dito.
O que temos visto na prática de uma Psicologia Social Crítica na comunidade, e
que norteia nossa própria prática, é que a mesma tem como lócus de intervenção a ação
grupal, estabelecendo como objetivo desenvolver habilidades teórico-práticas para
analisar e intervir em processos grupais, como: identificando os grupos como entidades
que se desenvolvem dialeticamente no campo operativo e afetivo segundo a dinâmica
das relações sociais e o cenário em que ocorrem; identificando fatores que interferem
nas dimensões que compõem o movimento grupal; elaborando, organizando e lidando
com instrumentos de intervenção que permitam trabalhar o processo grupal sob a ótica
educativo-terapêutica; identificando a prática profissional como atividade facilitadora
que deve contribuir para aperfeiçoar o processo grupal no âmbito operativo/afetivo em
espaços comunitários e ou institucionais (REBOREDO, 1995).
AÇÕES NORTEADORAS: DA PRÁTICA À PRÁXIS-PROCESSO
A Psicologia Social Crítica compreende o homem como um ser histórico; suas
ações e pensamentos mudam no tempo e nas diferentes situações por ele vivenciadas.
Esse fato não ocorre somente do ponto de vista da vida coletiva, mas também na vida de
cada um, portanto o homem é síntese desse devir, desse processo em movimento da
construção da cultura e de si próprio.
6 As políticas públicas surgem como necessidades em resposta aos problemas sociais. Devem refletir, portanto, soluções para as necessidades identificadas na vida coletiva, nas suas diversas áreas, como educação, saúde, trabalho, social, entre outras tantas.
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Heller (1985) nos possibilita pensar o homem de maneira mais ampla, fazendo-
nos compreender que o mundo humano não se define somente pela totalidade da
sociedade global, pela história e pela cultura, ou ainda pelas superestruturas políticas
permeadas de ideologia, mas também pela mediação da vida cotidiana, não sendo
possível conhecer a sociedade envolvente sem conhecer a cotidianidade, sem
conhecimento crítico da sociedade mais concreta de vida dos indivíduos.
Nesses apontamentos, Heller (1985) dedica sua atenção às relações entre ética e
a vida social e a estrutura da vida cotidiana. A análise do humano é feita observando
que os homens jamais escolhem valores, mas ideias concretas. Para Heller (1985, p. 14),
atos concretos de escolha estão naturalmente relacionados com sua atitude
valorativa geral, assim como seus juízos estão ligados à sua imagem do mundo.
E, reciprocamente, sua atitude valorativa se fortalece no decorrer dos concretos
atos de escolha.
A vida cotidiana é a vida do indivíduo, único e irrepetível, que assimila a
realidade social dada, segundo a autora; essa mesma vida está carregada de alternativa e
escolhas. Assim, pensar em uma natureza humana a partir de um modelo ou criar um
estereótipo e tentar instituí-lo torna-se uma tarefa impossível de concretização, uma vez
que lidamos com esferas heterogêneas da substância, a saber: produção, relações de
propriedade, estrutura política, vida cotidiana, moral, ciência, arte etc.
Por considerar a historicidade do humano, suas relações e produções, é que nos
orientamos pela epistemologia do materialismo histórico, que tem como método de
investigação a dialética, método que nos permite captar o coletivo no seu processo,
tendo como contrários o grupo e o não-grupo.
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Numa leitura dialética, o pensamento adotado é o de que não existe nada pronto
ou acabado, não há ideias que possam ser estabelecidas como verdades ou verdades que
possam ser ditas como únicas. Na análise dialética, tudo o que existe na vida está em
constante mudança, sujeita à própria história.
Dentro desta orientação é que encontramos as ações norteadoras para trabalhar
com processos grupais – essas têm como objetivo a compreensão da constituição da
identidade das pessoas do grupo, bem como a movimentação dos sujeitos e a
movimentação do grupo nos campos operativo, afetivo, valorativo.
Na movimentação das pessoas no grupo, vemos como as mesmas vão
construindo sua identidade dentro da inter-relação grupal. A identidade é compreendida
não como algo estático e cristalizado, mas em movimento, em construção, que muda a
cada dia. Portanto, o que uma Psicologia Crítica como ação na comunidade propõe é a
análise do movimento grupal, que, segundo Reboredo (1995), para que ocorra, o grupo
deverá passar por alguns momentos, os quais são pertinentes às relações sociais.
Para identificar como o grupo caminha nos campos operativo, valorativo e
afetivo, faz-se necessário uma melhor compreensão do processo de movimentação do
grupo. Com base em Sartre (1970), podemos fazer uma leitura do grupo nos seguintes
momentos: serialidade, fusão, juramento, organização, fraternidade-terror,
institucionalização.
A característica de cada momento é identificada pelas atitudes do grupo/
indivíduo no percurso de sua vivência, a saber:
- serialidade/alienação: o indivíduo vive a condição de solidão, são facilmente
substituídos, pois são reduzidos meramente a números. Segundo Reboredo (1995),
10
Esta condição, em que os indivíduos são facilmente substituídos, pois se
reduzem a números numa série, contém as condições que possibilitam a
aglutinação e movimento para constituir-se num grupo. Este coletivo empreende
uma luta constante, sem duração determinada, para sair da condição de
alienação.
- Fusão: depois de superado o momento da serialidade, passa-se à fusão, momento em
que pode ser instituído um espaço comum às pessoas que estarão experienciando as
mesmas necessidades. Para Reboredo (1995), a fusão é o momento em que o grupo tem
consciência da tarefa em comum, e cada um depende do outro. Ainda não há a
consolidação do grupo, porém já há a ideia das tarefas e a unidade irá marcar a
diferença do realizar na prática o necessário para todos.
Juramento: nesse momento, abre-se para a continuidade do processo grupal através do
juramento, instante em que os indivíduos vivem mais intensamente que na fusão, a
condição de pertinência ao grupo é real, inicia-se o processo de assimilar o
compromisso, dispersa a serialidade que marca fortemente o individualismo. Sartre
(1970, p. 109) mostra esse momento da seguinte forma:
Com o juramento o grupo assegura o estatuto ontológico que diminui os perigos
da diferenciação. O juramento não é necessariamente uma operação verdadeira e
uma decisão explicitada. Na verdade, quando um grupo em cada terceiro e por
cada um se propõe como seu próprio fim, e quando esta reflexibilidade prática
define mesmo implicitamente, a aceitação comum do tema, basta que a violência
em suas formas negativas (liquidação dos indiferentes e dos suspeitos) e
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políticas (fraternizações) se manifestem para que o estatuto de permanência seja
imediata evidência para cada terceto totalizador.
Para Sartre (1970), o momento do Juramento desperta o sentimento de que
“somos todos irmãos”. Ao experienciar esse momento, o grupo tende a abrir-se para a
ideia de organização.
- Organização: como o próximo momento, é caracterizado por uma organização
de poder interno do grupo. É priorizada a divisão de tarefas, de acordo com as
facilidades e potencialidades de cada um. Esse momento traz tensão ao grupo. Sartre
(1970, p. 111) descreve-nos da seguinte maneira:
A palavra Organização designa ao mesmo tempo a ação interior, pela qual o
grupo define suas estruturas, e o próprio grupo, como atividade estruturada, que
se exerce no campo prático, sobre a matéria trabalhada e sobre os grupos.
Dizemos fracassamos porque a organização (distribuição de tarefas) não era boa
ou nossa organização decidiu que... Esta ambiguidade é significativa, pois
expressa uma realidade complexa que poderia ser descrita com os seguintes
termos: o grupo não atua sobre objeto transcendente, mas pela mediação de seus
membros. O agente individual não exerce sua ação sem o marco definido pela
Organização.
Reboredo faz ainda uma reflexão sobre o momento da organização que é
relevante para a apreciação do psicólogo em face de intervenção de um grupo,
particularmente quando este está inserido em grupos comunitários. Ela aponta que
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O momento da Fraternidade – Terror começa a esboçar-se quando o grupo entra
na fase de Organização, mas seu germe está no juramento, onde o temor pela
dispersão é constante. Nesse momento, o grupo procura controlar as
possibilidades de fuga, de desvio e de não participação, tomando medidas mais
duras do que as dos momentos anteriores. Busca-se uma condição que deve
evitar, de todas as formas, a dispersão, ou seja, a Serialidade (REBOREDO,
1995, p. 45).
- Fraternidade-terror: este momento faz com que o grupo viva a experiência da
normatização, ou seja, é um retorno do grupo a um projeto normativo das relações de
seus membros.
- Institucionalização: último momento e que significa uma separação do grupo,
pelas próprias divisões de tarefas já esboçadas na organização. Há a consolidação de
subgrupos e também a possibilidade de dispersão.
Esses conceitos nos fazem perceber o grupo em diferentes momentos de relação
entre seus componentes. Momentos esses que não serão necessariamente identificados
numa sequência, a saber, de sua constituição, sua história de formação, relações que
podem ser construídas e desconstruídas no próprio grupo.
Reboredo (1995, p. 30) afirma que “a proposição de Sartre é pensar a dialética
como um movimento de criação onde a humanização do homem se faz pela mediação
do grupo”. Para a autora, o dualismo matéria-espírito se supera na práxis da dialética
humana realizada pelo homem.
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Sartre procura reafirmar a dialética na perspectiva do materialismo histórico,
baseando-se em cinco condições: a primeira considera a dialética como
racionalidade da práxis, como tal deve ser a aventura de todos e a liberdade de
cada um como experiência e como necessidade. A Segunda consiste em que a
única possibilidade de que exista dialética é que ela mesma seja dialética, ou
seja, não se deve partir a priori do objetivismo ou subjetivismo, mas da dialética,
na qual se descobre o ser e o conhecer. A subjetividade e a objetividade
coexistem juntas e se delimitam. A terceira condição afirma que os homens
fazem a história sobre as bases de condições anteriores; isto significa a negação
da influência de fatores somente naturais, evitando a reifição do homem. A
Quarta condição é a humanização da natureza e por outro se humaniza o homem;
Sartre afirma que sem o conhecimento, qualquer que seja sua forma, a relação do
homem com o mundo, não existe. A quinta posição defende a dialética como
razão e não como uma lei cega, isto é, a dialética não é uma vontade divina ou
uma força oculta atrás da história, mas um movimento que desvenda o processo,
ou seja, que nenhuma natureza original o determina (REBOREDO, 1995, p. 30).
Mais uma vez, afirmamos que a teoria e a prática pautadas na episteme do
materialismo histórico e dialético compreendem que o indivíduo é um ser em constante
movimento, constante mudança, constante devir – que vai e vem. Entendemos, então,
que os processos não param aqui, devem continuar e, apesar da “racionalidade do
sempre igual”, como aponta Adorno (1995a), o processo deve seguir em direção a tirar a
Psicologia da condição de práxis pela práxis.
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Dever-se-ia formar uma consciência de teoria e práxis que não separasse ambas
de modo que a teoria fosse impotente e a práxis arbitrária, nem destruísse a
teoria mediante o primado da razão prática, próprio dos primeiros tempos da
burguesia e proclamado por Kant e Fichte. Pensar é um agir, teoria é uma forma
de práxis; somente a ideologia da pureza do pensamento mistifica este ponto. O
pensar tem um duplo caráter: é imanentemente determinado e é estringente e
obrigatório a si mesmo, mas, ao mesmo tempo, é um modo de comportamento
irrecusavelmente real em meio à realidade. Na medida em que o sujeito, a
substância pensante dos filósofos, é objeto, na medida em que incide no objeto,
nessa medida, ele é, de antemão, também prático (Adorno, 1995a, p.204-205).
Portanto, salientamos que a ação do psicólogo crítico na comunidade vai além
do integrar teoria e prática como um processo de conscientização de grupos ou
comunidades. A ação deve trazer a marca da práxis como resultado de uma reflexão
possível no grupo, é o fazer junto com a comunidade, é tornar possível o entendimento
do grupo dentro do seu próprio processo de organização – a relação não pode ser sujeito
e objeto e sim sujeito-sujeito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O psicólogo social crítico deve ter como meta contribuir para o fortalecimento
de mecanismos que permitam a organização e a conscientização das pessoas. Além da
bagagem teórica e da reflexão crítica que ele constitui como psicólogo social, impelido
a transformar a sociedade, sua atividade transformadora da realidade social deve se
movimentar no intuito de que sua prática se torne práxis-processo (REBOREDO, 1995;
LANE; CODO, 1984).
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Seja qual for o campo de trabalho do psicólogo, este deve levar em consideração
o compromisso da categoria com as políticas públicas, bem como compreender o
panorama geral sobre as diversas possibilidades de atuação do psicólogo na área. A
Psicologia enquanto ciência e profissão tem a obrigação ética de oferecer contribuições
nessa área social e política (LANE; CODO, 1984).
A relação entre Psicologia e políticas públicas ocorre como suporte para a
construção de espaços mais democráticos de convivência, no trato à alteridade,
propiciando a reflexão racional do sujeito envolvido de maneira integral, valorizando
suas formas de pensar e agir, produzindo, assim, novas identidades (CIAMPA, 1987),
promovendo controle social em políticas públicas.
Assim, entendemos que a dimensão educativa da prática do psicólogo social na
comunidade está envolvida por uma outra de cunho muito maior. Isso só é percebido
quando paramos e refletimos sobre a questão. Mesmo que a intervenção não alcance seu
objetivo total, o desvendamento de que o psicólogo social está integrando teoria e
prática é ao mesmo tempo doloroso e instigante, pois a consciência da semiformação
como uma não-formação o disponibiliza a procurar mecanismos que deem conta de
suprir essa deficiência que é chamada de formação e atuação do psicólogo.
Referências
ADORNO, T. W. Notas Marginais sobre teoria e práxis. In: ADORNO, T. W. Palavras
e sinais. Petrópolis: Vozes, 1995a. p. 202-229.
ADORNO, T. W. Sobre sujeito e objeto. In: ADORNO, T. W. Palavras e sinais.
Petrópolis: Vozes, 1995b. p. 181-201.
CIAMPA, A. da C. A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de
Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1987
16
HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
Lane, S. T. M.; CODO, W. (Orgs.). Psicologia social: o homem em movimento. São
Paulo: Brasiliense, 1984..
REBOREDO, L. A. A Transformação de um bairro operário em uma comunidade: um
estudo na psicologia social do quotidiano. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1983.
REBOREDO, L. A. De eu e tu a nós: o grupo em movimento como espaço de
transformação das relações sociais. Piracicaba: Unimep, 1995.
SARTRE, J. P. Crítica de la razón dialética. Buenos Aires: Losada, 1970. V. I.