ptromano_n0_ver1.1

27
pag. 1 Monumental Santuário Romano do Sol e da Lua Sítio Arqueológico do Alto da Vigia (Praia das Maçãs, Colares) Via Romana Oculis - Tongóbriga Budens Boca do Rio O Circo de Miróbriga Revista de Arqueologia Romana em Portugal Ano: I Nº: 0

Transcript of ptromano_n0_ver1.1

Page 1: ptromano_n0_ver1.1

pag. 1

Monumental Santuário Romano do Sol e da Lua

Sítio Arqueológico do Alto da Vigia (Praia das Maçãs, Colares)

Via RomanaOculis - Tongóbriga

BudensBoca do Rio

O Circo deMiróbriga

Revista de Arqueologia Romana em Portugal

Ano: INº: 0

Page 2: ptromano_n0_ver1.1

pag. 2 pag. 3

Em destaque

Via RomanaOculis - Tongobriga

BudensBoca do Rio

O Circo de Miróbriga

Complexo industrial piscícola da praia da Boca do Rio, um dos maiores conhecidos a sul do território nacional.

Já no término de Colares, no Alto da Vigia, junto à ribeira do mes-mo nome, na foz do rio de Maçãs, existiu outrora um grande santuário dedicado ao Sol e à Lua e ao culto imperial, datável dos sécs. II-III d. C., mas de que no séc. XVI já só se viam esparsas ruínas. Na época, o recinto circular do santuário (talvez um templo, talvez um simples témenos, ou espaço sa-grado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa que avança-va pelo mar, até aos 40 metros de altitude, e que assim constituía um pequeno promontório. O importante santuário romano na região de Co-lares, aparentemente consagrado SOLI ET LUNAE, dele provém im-portantes inscrições. Ptolomeu situa a noroeste de Olisipo o «LUNAE MONS, PROMONTORIUM»

Provinha de Braga e colocava em con-tacto Oculis e Tongobriga, núcleos estes que terão por certo exercido influência a vários níveis no território.

Os lugares de espectáculo, tais como os teatros, os anfiteatros e os circos foram, nas províncias, uma das formas utilizadas para facilitar o processo de Romanização

Santuário Romanodo Sol e da Lua

Page 3: ptromano_n0_ver1.1

pag. 2 pag. 3

Edito

rial

Caros amigos

De um sonho de criança, cresceu um objectivo que me perseguia em adulto e que vejo hoje tranformar-se um projecto, um caminho na sen-da de ajudar a divulgar e valorizar o Legado Romano em Portugal.

É um tarefa árdua, onde espero ter a comunidade científica e os ci-dadãos que sentem ser importante a salvaguarda do Património Ar-queológico ao meu lado para, num futuro próximo, sentirmos que esta aposta valeu a pena e fez a diferença.

O projecto «Portugal Romano» nasce da minha enorme paixão pelo legado romano, dissiminado por todo o país, mas também da tomada de consciência que o mesmo poderá vir a ser ainda melhor conhecido e divulgado .

Nem sempre as prioridades de Governos ou entidades públicas foram, ou puderam ser, zelar escrupulosa ou sistematicamente por esse Património. Perderam-se algumas “batalhas”, quando o “betão” se sobrepôs ao Património: umas vezes a razoabilidade dos proces-sos o dificuldade das situações acabou por justificar decisões, mas outras de uma forma brutal, com efeitos nefastos para uma herança que a todos pertence.

Contudo, não é papel deste revista valorar decisões políticas, mas contribuir para enaltecer o esforço de muitos em prol de todos, aju-dando a criar ainda mais massa crítica que colabore na defesa e val-orização do Legago Romano.

Existem também, por este país fora, muitos casos de sucesso, muitos lugares mágicos devidamente acarinhados e que esperam a vossa visita, pois vale a pena conhecê-los e apreender o sentido das inter-venções ali efectuadas.

O projecto «Portugal Romano» nasceu e cresceu na plataforma da rede social Facebook, onde possui hoje um número de seguidores superior aos 5000.

Em boa hora aceitamos o repto da arqueóloga Filomena Barata, a quem também muito se deve este desenvolvimento e projecção desta ideia, e foi então criado o site portugalromano.com. , e que nos acom-panhará, bem como Miguel Rosenstok, na Direcção desta Revista.O sucesso foi imediato e o site tem actualmente cerca de 30 mil vi-sionamentos mensais e um crescimento constante.

Estes números reflectem e, felizmente, também contradizem o que muitas vezes se tenta passar na opinião pública sobre o povo portu-

Direcção:Director: Raúl LosadaDirecção Científica e Redactorial : Filomena BarataDirecção de Imagem e de Arte: Miguel Rosenstok

Colaboradores Externos neste número:

Luís de SousaArqueólogo da Câmara Municipal de Lousada

Ismael MedeirosTécnico Superior em Património Cultural – Licenciatura em Património Cultural. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Univer-sidade do Algarve. Frequência do Curso de Mestrado em Arqueologia, Teoria e Métodos Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Algarve. [email protected]

João Pedro BernardesProfessor Associado da Universidade do AlgarveLicenciatura em História (variante em Arqueologia), pela Universidade de Coimbra, em 1985Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de Arqueologia, pela Universidade de Coimbra em 2002.Coordenador do Projecto Internacional INTERREG III A “Mosaicos Romanos do Algarve e Andaluzia (MOSHUDIS)”., 2006-2008. Coordenador do Projecto “A Exploração dos Recursos Marinhos Algarvios na Época Romana”, 2008Responsável português pelo projecto internacional POCTEP “Ciudades Romanas del Suroeste de Hispania (CROSUDHIS)”, [email protected]

José Cardim RibeiroArqueólogo, Epigrafista, Director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (Sintra).

Contactos:Direcção: [email protected]

Estatuto editorial1. A PortugalRomano.com é uma publicação bimensal, podendo vir a tornar-se mensal, que aborda várias temáticas relacionadas com a Arqueologia e a História, com especial ênfase para a ocupação romana do actual território português. Os princípios que aqui se descrevem também se aplicam ao site ou a qualquer outra extensão de marca PortugalRomano.com .2. A PortugalRomano.com respeita os direitos e deveres constitucionais da Liberdade de Expressão e de Informação.3. A PortugalRomano.com rege-se por critérios jornalísticos e científicos de Rigor e Isenção, respeitando todas as opiniões ou cren-ças.4. Os jornalistas da PortugalRomano.com comprometem-se a respeitar escrupulosamente o código deontológico de jornalistas e princípios éticos dos especialistas da área da História e Arqueologia.5. Todos os textos e imagens veiculados pela PortugalRomano.com em qualquer suporte são de autoria reconhecida.6. A PortugalRomano.com distingue, criteriosamente, as notícias do conteúdo opinativo, reservando-se o direito de ordenar, interp-retar e relacionar os factos e acontecimentos.7. A PortugalRomano.com compromete-se a respeitar o sigilo das suas fontes de informação, quando solicitado, não admitindo, em nenhuma circunstância, a quebra desse princípio.8. A PortugalRomano.com cumpre a Lei de Imprensa e as orientações definidas neste Estatuto Editorial e pela sua Direção. 9. A PortugalRomano.com, na sua revista, tem um Director, uma Direcção Científica e Redactorial e uma Direcção de Imagem e de Arte, podendo vir a sentir-se a necessidade de vir a ser criado futuramente um Conselho editorial.

Ficha Técnicaguê: a ausência de ligação com a sua cultura e o património. Há, efectivamente, um público verdadeiramente interessado nas questões patrimoniais, para quem a História representa um valor identitário.

Hoje, é com grande satisfação que lançamos o Número 0 des-ta revista, onde pretendemos dar uma panorâmica sobre vári-os aspectos do Mundo romano, sítios arqueológicos, Museus , núcleos museológicos, acervos e colecções que testemunham a presença romana em Portugal.

O lançamento desta publicação digital e gratuita é para nós, não receio afirmá-lo, motivo de orgulho, mas acima de tudo uma enorme responsabilidade.

Através do percurso das suas páginas queremos ainda que possa ser perceptível o trabalho metódico e meritório de mui-tos e muitos arqueólogos e investigadores que dedicam a sua vida a estudar o Mundo Antigo.

É nossa intenção dar visibilidade a estes magníficos trabalhos, que infelizmente se encontram muitas vezes inéditos ou de difícil acessibilidade, sendo tantas vezes somente consulta-dos para trabalhos científicos ou universitários, e dar-lhes uma “nova vida” , partilhando-os com um público mais alargado, incentivando o respeito e conhecimento dos Sítios Arqueológi-cos e viabilizando uma melhor compreensão do papel dos Mu-seus na preservação da nossa Memória Colectiva.

Para finalizar, não posso deixar de enviar uma forte saudação todos os amigos que nos acompanham desde a primeira hora, fossem arqueólogos, investigadores ou instituições e que de uma forma simpática acarinharam este projecto.

À associação dos Arqueólogos Portugueses que, no passado sábado, dia 18 de Fevereiro, nos recebeu nas suas instalações para a primeira apresentação pública do projecto, ao seu pres-idente José Arnaud e ao arqueólogo João Marques a nossa gratidão pelas palavras de incentivo que nos transmitiram.

Agradecemos ainda ao Museu da Nazaré, Dr. Joaquim Manso, onde contamos fazer uma nova apresentação, no próximo dia 31 de Março; à Área Arqueológica de Tongobriga, Freixo, Marco de Canavezes, na pessoa do Doutor Lino Dias. À As-sociação Amigos de Tongobriga e à LASAM, Liga de Amigos de Miróbriga, na pessoa do seu presidente Francisco Lobo de Vasconcellos, pelo facto de terem acolhido a ideia de poder-mos também voltar a falar do «Portugal Romano» em Sítios Arqueológicos privilegiados, esperando que se possam vir a concretizar, efectivamente, todos esses encontros.

Obrigado a todos, cientes que estamos perante algo ainda em maturação e crescimento, que podemos ter lapsos ou cometer algumas incorrecções, mas também crentes que juntos iremos certamente contribuir para valorizar o nosso Património Ro-mano e ajudar a torná-lo cada dia mais protegido e divulgado.

Um abraço amigoRaul Losada

REViSTA DigiTAL, 100% AMigA DO AMBiEnTE.Para a produção desta revista não destruimos nenhuma floresta.Faça a sua parte: não imprima.

PROTEjA O PATRiMóniO HiSTóRiCO-ARQUEOLógiCO.O tempo não volta atrás...

Page 4: ptromano_n0_ver1.1

pag. 4 pag. 5

notíciasEXPOSiÇÃO«DO MAR ABERTO AO MARE inTERnUM» Vila Do Bispo Até dia 18 de Abril

MUSEU ARQUELógiCO AO AR LiVRE (Vila Pouca de Aguiar)Vila Pouca de Aguiar vai ter museu arquológico ao ar livre - O Complexo Mineiro Romano de Tresminas, em Vila Pouca de Aguiar, tornou-se no primeiro museu ar-queológico ao ar livre do país, mas o objetivo é ser clas-sificado como Património da Humanidade.

EXPOSiÇÃO: “FORTALEZA DE SAgRES”(Vila do Bispo)

De 22 de Janeiro a 18 de Maio está patente ao público, no Centro de Inter-pretação de Vila do Bispo, uma exposição de arqueologia intitulada “For-taleza de Sagres”.O tsunami resultante do terramoto de 1 de Novembro de 1755 colocou à vista as ruínas de uma povoação romana na Boca do Rio. Ocupada desde meados do século I, ali se produziram preparados de peixe, como o garum. Escavada desde o século XIX, a maioria das ruínas conservadas data de meados do século III. Dada a conhecer por Estácio da Veiga em 1897, a olaria romana, com os seus fornos, funcionou entre os séculos III e IV. Daqui saíam essencialmente ânforas, que serviam para transportar vários produtos, entre eles o garum e outros preparados de peixe, produzidos na Boca do Rio e em inúmeros outros locais da costa algarvia.De 22 de Janeiro | 18 Maio 2012Organização:Direcção Regional de Cultura do Algarve Universidade do Algarve

BRACARA AUgUSTAVisitas guiadas a espaços musealizados (Braga)O Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Braga promove visi-tas guiadas, para grupos e mediante marcação prévia, aos seguintes es-paços musealizados:

Azulejos do Convento do PópuloTermas Romanas do Alto da CividadeFonte do ÍdoloDomus da Escola Velha da SéPara mais informações, contactar o Gabinete de Arqueologia através dos

seguintes contactos:Azulejos do Convento do Pópulo e Domus da Escola Velha da Sé – [email protected] ou 253 203 150Termas Romanas – [email protected] ou 253 278 455Fonte do Ídolo – [email protected] ou 253 218 011

Fonte: Município de Braga

SEgUnDA FESTA DA ARQUELOgiAMarque na sua agenda... Em Maio - A Festa da ArqueologiaA Festa da Arqueologia é um evento vocacionado para a divul-gação da Arqueologia, dirigindo-se ao público em geral. Através de uma série de actividades, procura reforçar a ligação desta ciência à sociedade, contribuindo para a protecção, valorização e divulgação quer da actividade ar-

queológica, quer do património cultural.Após o sucesso da primeira edição da Festa da Arqueologia em Julho de 2010, num fim-de-semana que reuniu mais de 2500 visitantes e propor-cionou experiências práticas de interacção e experimentação de Arqueolo-gia ao vivo, encontra-se em preparação a segunda edição do evento.A Festa da Arqueologia é um evento dinamizado pela Associação dos Ar-queólogos Portugueses e o Museu Arqueológico do Carmo, sendo o resul-tado do esforço conjunto entre vários profissionais e instituições ligadas à Ar-queologia, só sendo possível graças à dedicação de todos os participantes e a todos aqueles que a apoiam.

i Congresso internacional sobreArqueologia de TransiçãoA Universidade de Évora e o Centro de História de Arte e Investigação Artística (CHAIA) organizam o Iº Congresso Internacional sobre Arqueo-logia de Transição: “Entre o Mundo Romano e a Idade Média”, que re-unirá em Évora, nos dias 3, 4 e 5 de Maio deste mesmo ano, alguns dos reconhecidos especialistas sobre esta temática. Este congresso centrar-se-á na busca das várias teorias que abarcam as realidades de transição, tantas vezes envoltas no mundo oculto da imprecisão históri-ca! Precisar estas realidades, torna-se, sem dúvida, o objectivo primor-dial deste evento. Pretende-se promover o debate científico relativo a problemáticas relacionadas com o mundo tardo-antigo. Link do site do evento: http://www.wix.com/congressoarqueologia/ciat2012, (Informações úteis, o programa provisório, a comissão cientifica.)

Ciclo de Conferências e Exposição

Vila Franca de Xira há três mil anos. «O Tejo palco de interação entre Indígenas e Fenícios.»

«O Povoado de Cabanas de Santa Sofia»

O Museu Municipal de Vila Franca de Xira encontra-se a organizar um cic-lo de palestras sobre a temática da exposição. Este ciclo irá desenrolar-se

ao longo do ano de 2012, com um ritmo mensal.A primeira palestra decorreu dia 23 de Fevereiro, sobre o tema:O povoado de Santa Sofia - Vila Franca de Xira e a pre-sença Fenícia no Vale do Tejo.

8 de Março, 16h - “O Bronze Final na região ribeirinha da margem norte do estuário do Tejo”. Apresentado pelo Pro-fessor Doutor João Luís Cardoso. Professor Catedrático da Universidade Aberta e Diretor do Centro de Arqueologia de Oeiras.

12 de Abril, 16h - “Fenícios no estuário do Tejo”. Apresen-tado pela Professora Doutora Ana Margarida Arruda. Pro-fessora da Faculdade de Letras da Universidade de Lis-boa.

10 de Maio, 16h - “Casal do Pego e o povoamento orien-talizante do rio da Silveira - Vila Franca de Xira”. Apresen-tado pelo Mestre João Pimenta e Dr. Henrique Mendes - Museu Municipal de Vila Franca de Xira.

14 de Junho, 16h - “A ocupação da foz do Estuário do Tejo em meados do 1º milénio a.C”. Apresentado pela Profes-sora Doutora Elisa Sousa. Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

11 de Outubro, 16h - “Um rio na(s) rota(s) do estanho: O Tejo entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro”. Apre-sentado pelo Professor Doutor João Carlos de Senna Mar-tinez. Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

14 de Novembro, 16h - “O Povoamento Pré-romano de Freiria - Cascais”. Apresentado pelo Dr. Guilherme Car-doso. Arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa. E pelo Professor Doutor José D`Encarnação. Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

13 de Dezembro, 16h - “Um Depósito Votivo da Idade do Bronze na Moita da Ladra. Síntese dos trabalhos re-alizados e resultados preliminares”. Apresentado pelos ar-queólogos - Dr. Mário Monteiro e Dr. André Pereira.

***

A exposição temporária Vila Franca de Xira há três mil anos - O povoado de cabanas de Santa Sofia. Patente ao público até ao dia 31 de Dezembro. Os visitantes poderão ficar a conhecer um pouco mais sobre o passado remoto de Vila Franca de Xira, principalmente sobre o período que mediou entre a Idade do Bronze Final e a Idade do Ferro. A evidência de artefatos fenícios, atestando contatos com estes mercadores provenientes do mediterrâneo oriental, num sítio como o do vale de Santa Sofia é verdadeira-mente inesperada, vindo acrescentar um novo vislumbre sobre a colonização deste povo na fachada atlântica.

A exposição pode ser visitada de 3ª feira a Domingo, entre as 9.30h e as 12.30h e as 14h e as 17.30h. Entrada livre. Para a realização de visitas guiadas, com grupos, contac-tar o serviço educativo do Museu Municipal, no telefone nº 263280350 ou pelo mail: [email protected] o Museu Municipal de Vila Franca de Xira para mais informações.

Entrada livre

Page 5: ptromano_n0_ver1.1

pag. 6 pag. 7

A realizar no próximo dia 17 de Março no Museu Nacional de Arqueologia.Uma Iniciativa do Centro de Arqueologia de Almada e do Museu Nacional de Arqueologia.Inscrições até dia 13 de Março

Para mais informações contacte: [email protected] de Arqueologia de Almada

Workshop

“Pigmentos e Corantes naturais no Mundo Antigo:Usos e Estruturas”

Projecto - “Portugalromano.com” apresentado públicamente na AAP

Com a organização da AAP, a que não será por demais agrade-cer, pôde o «Portugal Romano» fazer a sua primeira Apresentação Pública, no passado dia 18 de Março.Esta Apresentação teve lugar na Sede da Associação dos Arqueól-ogos Portugueses, no Museu do Carmo, local paradigmático para a História da Arqueologia Nacional, pois é a mais antiga Associação de Defesa do Património e o primeiro Museu de Arqueologia portu-guês.A Associação, fundada em 1863, passou designar-se « Real Asso-ciação dos Architectos Civis e Archeólogos Portugueses», a partir do momento que passou a integrar Arqueólogos.Foi , pois, para o «Portugal Romano» muito gratificante consta-tar o impacto que esta Apresentação teve e poder encontrar nesse espaço privilegiado amigos, colegas, arqueólogos, especialistas e cidadãos com interesse na herança romana em Portugal, motivo que nos levará a tentar organizar novos eventos no Norte, centro e Sul de Portugal.

Os mentores do Projecto - Portugalromano.com:Miguel Rosenstok, Filomenda Barata e Raúl Losada

Foto: Marina Figueiredo

Lotação esgotada para surpresa da organizaçãoFoto: Marina Figueiredo

Page 6: ptromano_n0_ver1.1

pag. 8 pag. 9

Boca do Rio (Budens, Vila do Bispo). Paisagem e arqueologia de um sítio

produtor de preparados de peixeTexto e fotos:ismael Estevens Medeiros1

joão Pedro Bernardes1

foto:Estuque com Figuração Humana da Escavação de 2010

Page 7: ptromano_n0_ver1.1

pag. 10 pag. 11

A romanização manifestou-se em todo o território português por uma profunda transformação das paisagens e modos de viver. Surgiram olarias, forjas, pedreiras, minas, tecelagens e salgas de peixe. Como economia inserida nas actividades transformadoras de produtos alimentares, a indústria romana de preparados de pei-xe foi determinante na definição dos mod-elos de povoamento romano do litoral. O complexo industrial piscícola da praia da Boca do Rio (Budens, Vila do Bispo, Faro), um dos maiores conhecidos a sul do ter-ritório nacional, é um sítio arqueológico importante pela quantidade de dados so-bre a manufactura de conservas de peixe salgado que dali têm resultado. Em 2008, a prospecção geomagnética de uma parte do sítio revelou uma grande área com tanques de salga (cetárias). A par da quantidade de tanques revelada, edifícios com paredes revestidas a estuque pintado e pavimentos de mosaico comprovam a prosperidade económica que esta fábrica conheceu e a dimensão exportadora da indústria pesqueiro-conserveira no su-doeste da Hispania Romana.

O sítio. Breve enquadramentoBoca do Rio corresponde ao vale que acompanha o troço final da Ribeira de Budens, situado nos limites orientais do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, a sudeste da povoação de Budens (Vila do Bispo, Faro). O acesso principal é feito através da EN 125, a seguir ao en-troncamento de Budens.Este vale interrompe as arribas vivas que mod-elam a parte mais oci-dental da costa algarvia, que é formada por um al-inhamento escarpado de rochas calcárias erosi-vas. Na desembocadura da pequena praia local, a qual dá nome ao lugar e constitui a extremidade de um antigo estuário que, ao sedimentar, deu origem ao vale actual, encontram-se as ruínas da fábrica romana de salga de peixe. A praia resume- se a uma curta língua de areia interposta entre as falésias de dois morros que apresentam, igualmente, vestígios de ocupações arque-ológicas: a nascente, o Cerro de Almáde-

na, que acolhe as ruínas do forte seiscen-tista de São Luís, e a poente, o Morro dos Medos ou Lomba das Pias2, não tão impo-nente quanto o primeiro e onde, presum-ivelmente, se situa a necró-pole romana associada à fábrica piscí-cola.O antigo es-tuário, com uma exten-são de 2km, apresentava e x c e l e n t e s condições de abrigo para as embarcações que navega-vam à cabo-tagem entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Estas cara-c t e r í s t i c a s geomorfológi-cas da lagu-na ofereciam ainda aos bar-cos a possibilidade de invernar, tal como acontecia em outros pontos do litoral lusi-tano. Na Ilha do Pessegueiro (Sines), por

exemplo, terá existido um dos principais fundeadouros da costa alentejana, activo, pelo menos, a partir dos séculos IV/III a.C.Sensivelmente a 1km da linha de costa, o vale pauta-se pela união da Ribeira de Budens, a qual converge no mar a nas-cente das ruínas, a dois tribu-tários: as ribeiras de Boi e Vale Barão. A primeira alinha-se de norte para sul e a segunda, que corre sazonalmente no sentido nordeste-sudoeste, alimenta a parcela de terreno mais fértil do vale, onde se pratica o cultivo e o pastoreio.Entre a Ribeira de Budens e a

Ribeira de Vale Barão encontra-se o Paul de Budens. Apesar de ocupar um espaço bastante reduzido, em consequência de alterações significativas provocadas pelas modernas estratégias de cultivo, irrigação

e ocupação dos terrenos envolventes, este paul ou sapal é equiparado à reser-va natural da Ria Formosa, à ria de Alvor

e à laguna dos Salgados, en-tre outros, como ecossistema do litoral algarvio onde se podem ver várias espé-cies de aves nas suas migrações para o continente africano.A grande carga de sedimentos depositada no vale da Boca do Rio ao longo dos últimos séculos torna hoje a agri-cultura praticável em praticamente toda a sua ex-tensão, desde o acesso da EN 125 à praia. Em ambos os lados da estrada po-dem ser vistas pequenas hor-tas irrigadas por

noras. Mas, tendo em conta que a produ-tividade dos solos não deveria ser tão el-evada na época romana, as gentes locais tiraram maior partido da riqueza em recur-sos naturais marinhos e da exploração de sal proporcionada pela abertura oceânica do estuário. Tal justificou a fixação da fá-brica de salga naquele lugar.Actualmente toda a linha de costa algar-via é fortemente afectada pela erosão marinha, sendo a praia da Boca do Rio um dos pontos onde o fenómeno é bem expressivo. Um estudo publicado há cinco anos apresentou a evolução da linha de costa naquela praia, entre 1945 e 2001. O notório recuo da faixa costeira conduziu à inevitável destruição das estruturas arque-ológicas conservadas na frente do mar. No término do Inverno de 2010 verificou-se que o areal resistente na extremidade nas-cente da praia desaparecera completa-mente, ficando só um monte de burgaus e seixos. Este fenómeno já tinha sido refer-ido em 1878, quando o primeiro arqueól-ogo a escavar no sítio, Sebastião Phillipe Estácio da Veiga, descreveu as estruturas arqueológicas que observou. Também

António Santos Rocha, outro estudioso que ali empreendeu trabalho, comprovou o mesmo cenário anos depois, dizendo não vislumbrar uma “praia de areia” mas sim “pedras de construção até à orla do mar” (ROCHA, 1896, p. 77). Em 1933, o avanço do mar sobre a praia intensificou-se, lev-ando José Formosinho à extracção de um dos mosaicos descoberto por Estácio da Veiga então ameaçado pelas marés.

investigações arqueológicasDesde o século XVIII que circulam notícias do aparecimento de ruínas arqueológicas na praia da Boca do Rio, as quais terão sido colocadas a descoberto em 1715, no seguimento de um temporal, e em 1755, quando o tsunami originado pelo terramoto que destruiu grande parte da baixa lisboe-ta e várias outras povoações portuguesas, galgou o vale. As notícias fizeram despon-tar o interesse dos arqueólogos dos sécu-los seguintes. As obras de João Baptista da Silva Lopes (LOPES, 1988) e de Pinho Leal (LEAL, 1873) veiculam várias alusões às ruínas.Uma das notícias dada a conhecer por Silva Lopes cita os relatos de um médico lacobrigense que teria assistido ao cata-clismo e assinalado as estruturas que en-tão se tinham ficado a ver junto à praia. Dimas Tadeu de Almeida Ramos de seu nome frisou que, além das muitas estru-turas e materiais postos à vista pelo mar em 1755, já quarenta anos antes se teria identificado “hum caes” em resultado de “outro impulso do mar”. Disse ainda que o mar teria entrado terra adentro por “mais de meia legua em altura de 10 a 12 varas, arrazando huns grandiosos médãos de areia, onde estavão 50 ferros dos mais pezados pertencentes à armação que ali se lança, os quaes arrastou a mais de hum quarto de légua” (LOPES, 1988, p. 222). Ao recolher-se, o mar deixou a desc-oberto junto à água, grandes e luxuosos edifícios, e “onde era terra firme, hum lago bastante grande”, referindo-se o médico, muito provavelmente, à zona mais baixa do vale ocupada pelo paleoestuário da ribeira de Budens (idem, ibidem). Os mes-mos compartimentos postos a descoberto pelo tsunami foram documentados pelo pároco de Budens, que refere as estru-turas arqueológicas como “fundamentos de avultada Povoaçaõ q continuava para aparte do Mar, pois no abrir das ondas se divezaraõ a montes de pedras soltas de destruidos edificios que com o continuo dos tempos submergioraõ as agoas, e na pequena parte q perto das ondas as áreas descobriraõ vi, e observei muitas pedras de cantaria bem fabricados e princípios de edifícios q ao parecer e modo guardavaõ a Povoaçaõ das inundações, e Marés naquelle tempo; e hoje se acha tudo no-vamente coberto de área como antes, e

seprezume ter sido humã antiga cidade de Buda, donde tomou nome esta fregue-sia de Budens, mas disto naõ vi escrito” (CARDOSO, 1758 apud in CARVALHO e VIDIGAL, 2006, pp. 44-46).Animado pelas notícias, Estácio escava no local. Mas o arqueólogo tavirense não terá escondido a desilusão por não ter encontrado “os nobres edifícios” que os autores anteriores tinham referido e que a Companhia Geral das Pescas do Reino do Algarve, fundada em 1773, provava existirem aquando da construção dos dois barracões de apoio às armações de atum situavadas ao largo das praias da Boca do Rio e do Burgau (para captura do atum

de direito e do atum de revés, respectiva-mente).Em 1894, Santos Rocha, com a intenção de enriquecer os depósitos de materiais do museu da Figueira da Foz, faz também escavações na Boca do Rio. Ainda que só tenha recolhido um conjunto de artefactos do qual faz parte um fragmento de mosai-co aparentemente distinto de qualquer um dos três identificados por Estácio e mag-istralmente desenhados pela sua esposa Amélie Luccote, considerou, ao contrário do primeiro, a pré-existência de um cais ou molhe que, ao ser desmontado para re-cuperação de uma lápide, fora destruído pelo impacto das ondas (ROCHA, 1896, p. 77).Por esta altura Boca do Rio havia já sido considerado um dos sítios romanos mais importantes da região algarvia. Tendo isso em consideração, o fundador do Museu de Lagos, José Formosinho, começa a fre-quentar assiduamente o sítio, que já con-hecia desde pequeno, pelo menos a partir

de 1930, ano em que a Câmara Municipal de Lagos cria um museu que fica a seu cargo. Nesse ano, numa das visitas, dá conta do estado de conservação em que se encontrava o mosaico que pavimentava a sala K da planta de Estácio. Disse ainda que tinha visto um outro mosaico quase in-tacto que entretanto o mar destruíra e que o exemplar dos compartimentos C e D já teria desaparecido (SANTOS, 1971).José Formosinho também registou algu-mas cet|rias, pois refere que “ao longo da praia, quer a E quer a W da Boca do Rio, abundam os tanques de salga”. Além de ter extraído o mosaico, Formosinho abriu “valas de reconhecimento” a norte da área

explorada por Estácio da Veiga, encontran-do um grande número de estruturas, onde se incluem “várias piscinas com formas di-versas, com fundo e paredes de formigão”, que, certamente, corresponderão às ce-tárias. Cavou mais duas valas estreitas, uma das quais com cerca de 60m de com-primento, no sentido nascente-poente, a partir da área de onde havia recuperado o mosaico, tendo confirmado a continuidade dos edifícios ao longo do talude da praia (correspondentes às estruturas e derrubes de muros que hoje se vêem à superfície). A outra vala terá incidido na área contí-gua pelo lado sul aos armazéns de pesca.

Boca do Rio (Budens, Vila do Bispo). Paisagem e arqueologia de um sítio produtor de preparados de peixe

Page 8: ptromano_n0_ver1.1

pag. 12 pag. 13

Na mesma altura Formosinho faz ex-plorações na villa romana da Abicada (Portimão). Ali, levanta, pelo menos, um mosaico monocromático. O procedimento de extracção desse pavimento ficou reg-istado no seu caderno de campo. Crê-se que seguiu uma metodologia semel-hante na recuperação do exemplar da Boca do Rio. Os dois mosaicos foram remontados no Museu de Lagos, sendo o primeiro as-sociado a uma porção de estuque pintado originário de um dos compartimentos da Boca do Rio para repre-sentar uma divisão romana típica.Entre os dias 24 e 26 de Setembro de 1934, o mes-mo arqueólogo regressa à praia da Boca do Rio para prosseguir com as ex-plorações, direccionando os trabalhos para a zona do compartimento de onde tinha extraído o mosaico. Encontra um tesouro con-stituído por 19 moedas de bronze e uma estatueta de um Eros em ferro forrado a bronze. Do mesmo local já o seu conterrâneo algarvio tinha recolhido uma figura representando a Fortuna. Em 1938 dava entrada no Museu de Lagos um recipi-ente cerâmico com outro te-souro monetário composto por mais de mil moedas. A ocultação destas moedas, que não deve ter aconteci-do antes dos primeiros anos do século V d.C., reflecte a época de insegurança vivi-da em toda a Hispania.Das intervenções arque-ológicas de Estácio da Vei-ga, Santos Rocha e José Formosinho na Boca do Rio resultou um conjunto significativo de artefactos. O es-pólio obtido nas escavações de Estácio veio a ser depositado no Museu Arque-ológico do Algarve, criado nas dependên-cias da Academia de Belas Artes de Lisboa no ano de 1880 e extinto escassos meses depois. Santos Rocha entregou ao museu da Figueira da Foz tudo o que recolhera. Já Formosinho depositou no museu da sua cidade (Lagos) o fragmento de mosai-co e os restantes materiais recuperados. A quantidade e variedade deste espólio es-pelham bem a natureza deste sítio maríti-mo da época romana, que aclama uma indústria conserveira que, negociando o peixe salgado e os preparados derivados

a grandes distâncias, praticaria, directa ou indirectamente, contactos com os maiores portos da geografia mediterrânica. A quali-dade dos fragmentos de cerâmicas finas de importação ali encontradas atestam-no.

As escavações dos três arqueólogos in-cidiram invariavelmente na frente marítima do sítio, área onde se situavam os edifí-cios residenciais e termais, ficando por ex-plorar a área que lhes é anexa por trás, ou seja a parte industrial. Qualquer um dos três arqueólogos tinha prévia noção da importância e da extensão dos vestígios arqueológicos da Boca do Rio, admitindo as limitações das suas intervenções que, manifestamente, teriam sido insuficientes para ficar a conhecer o sítio na íntegra. A falta de meios foi o fundamento utili-zado pelos três. O apelo a uma grande exploração era na óptica de Formosinho a metodologia necessária para o local. Mas esses trabalhos, abrangentes a todo

o espaço arqueológico e desejados pelo arqueólogo lacobrigense, nunca vieram a acontecer, sendo que durante cinquenta anos perdeu-se o interesse pelo sítio.O sítio só volta a ser escada em 1982,

desta feita por Francisco Alves (ALVES, 1990/92 e 1997). Incidindo as investigações em quatro locais inexplorados da área traseira da frente marítima, regista três nú-cleos de tanques de salga e recol-he uma quanti-dade significativa de materiais ar-queológicos, en-tre estes utensi-lagem de pesca. Esta intervenção permitiu confir-mar a natureza industrial do sítio, já patenteada por Formosinho, ten-do identificado, de forma inequívoca, as primeiras ce-tárias3. E ape-sar de algumas das estruturas da frente marítima registadas por Estácio terem já d e s a p a r e c i d o , foi também pos-sível identificar as que tinham sido poupadas pelo mar (ALVES, 1990/92).Em 2003, foi necessária uma intervenção de emergência para levantar uma sep-

ultura e respectivo esqueleto deixados à vista pelo recuo da falésia do morro dos Medos. Tudo leva a crer que se trata de um dos enterramentos da necrópole referi-da por Santos Rocha (ROCHA, 1896). Nos finais do mesmo ano, Adolfo Silveira Mar-tins4 e João Pedro Bernardes localizaram e registaram parte da sala K da planta de Estácio e o que restava dos compartimen-tos nesta assinalados com as letras F, F’ e F’’. O primeiro arqueólogo, dois anos de-pois e em colaboração com uma equipa americana, levaria a cabo prospecções geomagnéticas e subaquáticas das quais não se conhecem resultados publicados.Foi necessário esperar mais cinco anos para que as estruturas visíveis à super-

fície do talude da praia fossem finalmente registadas, tanto as encontradas já derru-badas pela acção destruidora do mar, de carácter mais urgente, como as que esta-vam nos sítios originais e para as quais o risco de queda, ainda que mais reduzido, era efectivo (MEDEIROS, 2009 e 2010). A metodologia seguida baseou-se no reg-isto gráfico pelo desenho arqueológico e fotografia dos muros dos diferentes com-partimentos e na descrição da morfologia e características construtivas dos muros. Simultaneamente, uma equipa de geól-ogos da Universidade Göethe de Frank-furt, prospectou uma parte da área onde apareceram os tanques de salga, tendo detectado anomalias magnéticas que indi-cavam a presença de estruturas positivas (HAENSSLER, 2008). Com base na ima-gem obtida pela geofísica e nos desen-hos das cetárias escavadas por Francisco Alves, tudo leva a crer que essas anoma-lias correspondem a alinhamentos dos muros que delimitavam os edifícios que albergavam as cetárias. A confirmar-se tal cenário é fácil perceber porque é que três das sondagens que F. Alves implantou aleatoriamente “caíram em cima” de três

núcleos de tanques. Não terá sido fruto do acaso mas sim da anterior constatação de que aquela faixa de terreno, com cerca de 150m de extensão, poderia estar repleta com este tipo de estruturas (BERNARDES et al., 2008, p. 116).O inverno rigoroso de 2009/2010 teve grande impacto na destruição das ruínas. O recuo da linha de costa foi particular-mente evidente e em consequência dis-so, em Março de 2010, numa das visitas regulares ao sítio, João Pedro Bernardes deu conta das consequências da abrasão marítima ao descobrir parte de um pavi-mento de mosaico. No corte do talude, em frente aos antigos armazéns, era visível uma linha de tesselas in situ, e na zona de preia-mar, alguns fragmentos do rudus do ao qual pertenceriam. Tratava-se de parte do pavimento correspondente ao desenho do mosaico da planta de Estácio da Veiga que acompanhava o ângulo do corredor D e que se prolongava ao longo do mesmo e do compartimento C. Com vista ao seu sal-vamento, entre os meses de Julho e Ago-sto do mesmo ano, teve lugar uma nova intervenção de emergência (BERNARDES & MEDEIROS, 2011 e 2012). O mosaico,

que já se encontrava muito destruído, foi levantado por uma equipa especializada e ficou a cargo da autarquia local.Os primeiros esforços para a valorização e divulgação do sítio arqueológico e da paisagem no qual este é inscrito devem-se a Francisco Alves5. Logo após ter esca-vado na Boca do Rio e reconhecido a sua importância patrimonial defendeu a viabi-lização da musealização das estruturas pela criação de um pequeno centro inter-pretativo (ALVES, 1997). Esta abordagem museológica abarcaria as estruturas ro-manas, os restos do navio francês Océan, naufragado ao largo da praia, as ruínas do Forte de São Luís, a paisagem e a fauna e flora locais. Na época, o projecto assumia-se como uma mais-valia turística, ambien-tal e cultural, perfeitamente adequada ao tipo de turismo que se queria na região, mas nunca chegou a arrancar.Além da relevância patrimonial e pais-agística, o vale da Boca do Rio é ainda importante por outro motivo: a sua geo-logia. Foram feitas sondagens e furos com o propósito de registar a estratigra-fia do paleoestuário, os sedimentos de-positados pelo tsunami de 1755 e outros

Page 9: ptromano_n0_ver1.1

pag. 14 pag. 15

mecanismos da geodinâmica da interface costeira. Sabendo que o lugar ofereceu condições excepcionais como porto de abrigo para embarcações, lugar de apoio à pesca e ao marisqueio e, provavelmente, para extracção de sal, têm sido apresen-tadas diversas candidaturas a programas de investigação científica. Concluído no final de 2011, o projecto da Universidade do Algarve – A Exploração dos Recursos Marinhos Algarvios Durante a Época Ro-mana – foi o último a produzir conheci-mento sobre o sítio.

As ruínasDo conjunto de escavações arqueológicas realizadas entre os finais do século XIX e o presente na Boca do Rio, no que à or-ganização dos espaços funcionais diz res-peito, saltam à vista duas realidades bem distintas, à semelhança do que acontece nas villae:- uma, habitacional, localizada junto ao mar e por isso já muito destruída, corre-spondente a um conjunto de comparti-mentos de habitação integrando termas e uma área de armazenagem;- outra, industrial, desenvolvida nas trasei-ras da primeira e onde se estabeleceram as estruturas fabris ligadas ao processa-mento de preparados de peixe – as ce-tárias;As cetárias, de formato regular (quadran-gular ou rectangular), serviam uma grande produção de salgas, molhos e pastas de peixe, géneros alimentícios estruturantes da tradicional dieta mediterrânica e muito

apreciados na Antiguidade. Estas estrutur-as atestam a existência de um complexo industrial centrado na exploração inten-siva de recursos marinhos e no posterior processo de transformação pela conserva em sal ou fermentação controlada.Os compartimentos da parte habitacional apresentam configurações construtivas muito idênticas, com recurso a aparel-hos calcários de corte regular e a balas-tros irregulares obtidos na região. Entre as fiadas de pedra surgem, incrustadas na argamassa dos muros, pedras már-more e cerâmicas comuns, na maioria telhas e tijolos reaproveitados de antigas construções. Estes elementos constru-tivos apontam na direcção de várias fases de ocupação para o sítio, ainda que se desconheça a sua (des)continuidade. Por outro lado, a inexistência de muros sobre-postos ou a orientação dos compartimen-tos não permitem determinar momentos de adaptação, reestruturação ou ampli-ação de espaços, salvo raras excepções. Os topos dos muros, rematados com ar-gamassa alisada, sugerem uma técnica construtiva em que a parte inferior é con-struída com pedras argamassadas e a parte superior com taipa ou madeira. Esta solução é comummente verificada em contextos arqueológicos mediterrânicos, sendo certamente motivada pelas exigên-cias climáticas da região e pela abundân-cia, rentabilidade económica e fácil ma-nipulação das matérias-primas utilizadas.Pequenos orifícios regulares identificados em certos compartimentos, cotados a um

nível superior ao do pavimento original, po-dem estar associados a uma de duas fun-ções: à captação/canalização das águas pluviais, como é sugerido na estrutura do tipo cisterna; ou à sustentação de traves de madeira de um estrado ou escadaria de acesso a piso superior, tendo em conta estruturas habitacionais/termais de sítios com ocupações análogas, por exemplo, Tróia.Os restos de estuque e de mosaicos vi-síveis em alguns dos compartimentos da frente marítima são reveladores de uma certa ostentação económica e estética, mesmo que para o período romano o nível vivencial num complexo de salga de peixe não possa ser equiparado ao das grandes villae latifundiárias.De um modo geral, as estruturas eviden-ciam um avançado grau de destruição, causado, sobretudo, pela exposição aos mecanismos naturais que modelam a lin-ha de costa e pela ausência de políticas e de infra-estruturas de protecção, com excepção para o referido registo ocorrido entre 2008 e 2009. Note- se que face às irreversíveis alterações morfológicas do talude da frente marítima, são cada vez menos as estruturas resistentes.

Referências bibliográficasALLEN, H. D. (2003) “A Transient Coastal Wetland from Estuarine to Supratidal Conditions in Less Than 2000 Years – Boca do Rio, Al-garve, Portugal” in Land Degradation & Development, No 14, John Wiley & Sons Lda., pp. 265-283.ALVES, F. (1990/92) “O Itiner|rio Arqueológico Subaqu|tico do Océan” in O Arqueólogo Português, Série IV, 8/10, pp. 445-467.(1997) “Em Torno dos Projectos da Boca do Rio e do Océan” in Setúbal Arqueológica, Vols. 11 e 12, Setúbal: MAEDS, pp. 225-239.ANDRADE, C. (2005) “O Registo Geológico do Tsunami no Algarve” in 1755, Terramoto no Algarve, Faro: Centro Ciência Viva do Algarve, pp. 188-206.AZEVEDO, P. de (1896) “Extractos Archeologicos das «Memorias Parochiaes de 1758» ” in O Archeologo Português, Vol. II, Lisboa: Mu-seu Ethnographico Português, p. 315.BERNARDES, J. P. (2007) “Boca do Rio, 130 Anos Depois” in XELB 7 (Actas do 4o Encontro de Arqueologia do Algarve), Silves: Câmara Municipal, pp. 341-354.BERNARDES, J. P. & MEDEIROS, I. E. (2011) – Relatório de Intervenção Arqueológica Sítio Romano da Boca do Rio. Campanha de Junho/Julho de 2010.BERNARDES, J. P. & MEDEIROS, I. E. (2012) – “Escavação Arqueológica de Emergência no Sítio Romano da Boca do Rio (Budens – Vila do Bispo – Faro). Contributo Para o Entendimento da Organização do Espaço Num Sítio Produtor de Preparados de Peixe” in XELB 11 (Actas do 9o Encontro de Arqueologia do Algarve), Silves: Câmara Municipal, No Prelo.BERNARDES, J. P. et al. [MARTINS, A. S. & FERREIRA, M. R.] (2008) “Boca do Rio (Budens, Lagos). História e Perspectiva de Investi-gação de Uma das Mais Emblemáticas Estações Arqueológicas Romanas do Algarve” in Promontoria Monográfica 10. Hispânia Romana (Actas do IV CAP.), Faro: Universidade do Algarve, pp. 115-124.BLÁZQUEZ, J. M. (1994) “Mosaicos da Boca do Rio y Abicada (Lusitania) ” in Journal of Roman Archaeology, Suplemento 9, Parte I, pp. 187-198.CARRASCO, A. R. et al. [FERREIRA, O; MATIAS, A. & DIAS, J. A.] (2006) “Management Measures for Ancient Settlements Threatened by Coastal Hazards at Boca do Rio, Algarve, Portugal” in Promontoria, No 4, Faro: Universidade do Algarve.(2007) Historic Monuments Threatened by Coastal Hazards at Boca do Rio, Algarve, Portugal. Coastal Management, 35:2, Londres: Taylor & Francis, pp. 163-179.CARVALHO, G. & VIDIGAL, L. (2006) – Vila do Bispo e o Algarve em 1758, Vila do Bispo: Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Vila do Bispo, pp. 22-24, pp. 43-46.EDMONDSON, J. C. (1987) Two Industries in Roman Lusitania: Mining and Garum Production, Oxford.FABIÃO, C. (1997) “A Exploração dos Recursos Marinhos” in Portugal Romano. A Exploração dos RecursosNaturais, Lisboa: MNA, pp. 34-41.FORMOSINHO, J. (1997) “O Dr. José Formosinho e a Arqueologia do Algarve” in 90 Séculos entre a Serra e o Mar,Lisboa: IPPAR, pp. 59-67.HAENSSLER, T. (2008) – Geomagnetic Prospection Results – Boca do Rio, Portugal. Policopiado, Não Publicado.LEAL, A. S. P. (1873) – Portugal Antigo e Moderno. Diccionario Geographico (...) a Tradição, Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 12 Vols.LOPES, J. B. da S. (1988) – “Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topogr|fica do Reino do Algarve” in Temas e Estudos Al-garvios, 1a Ed. De 1841, No 11, V.R.S. António: Algarve em Foco Editora, pp. 323-340.MEDEIROS, I. E. (2009) – O Sítio Romano da Boca do Rio. Identificação e Registo das Estruturas Arqueológicas Visíveis à Superfície, Monografia do Curso de Licenciatura em Património Cultural (Arqueologia) Apresentada à Universidade do Algarve, Policopiado.(2010) “O Sítio Romano da Boca do Rio. Identificação e Registo das Estruturas Arqueológicas Visíveis { Superfície” in Xelb 10 (Actas do 7o Encontro de Arqueologia do Algarve), Silves: Câmara Municipal, pp. 717-724.RIBEIRO, O. (1993) Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, Lisboa: Edições Sá da Costa.

ROCHA, A. S. (1896) “Notícia de Algumas Estações Romanas e Árabes do Algarve” in O Archeologo Português, Vol.II, No 8, Lisboa: Museu Ethnographico Português, pp. 77-79.SANTOS, M. L. dos (1971) Arqueologia Romana do Algarve, Vol. I, Lisboa: AAP, pp. 78-106.VEIGA, S. E. da (1910) “Antiguidades Monumentais do Algarve. Cap. V. Tempos Históricos” in O Archeologo Português, Vol. XV, Lisboa: Museu Ethnographico Português, pp. 212-218.VIANA, A. et al. (1953) “De lo Preromano a lo Arabe en el Museo Regional de Lagos” in Archivo Español de Arqueologia, Vol. XXV, No 87, Madrid.

Legenda1 Departamento de Artes e Humanidades, Universidade do Algarve ([email protected] / [email protected]).2 O topónimo “pias” refere-se à presença de cet|rias na vertente do morro. J| “medos” relaciona-se com as dunas formadas após o maremoto de 1755.3 Na sondagem no 3 foi registada uma cetária, na no 4 um conjunto de três, e, na no 8 mais sete. A este número de tanques acresce mais quatro identificados por Santos Rocha em 1894 (ROCHA, 1896).4 CEMar – Universidade Autónoma de Lisboa.5 O sítio arqueológico está classificado como Imóvel de Interesse Público, através do Decreto-Lei no 129/77 de 29 de Setembro.

Page 10: ptromano_n0_ver1.1

pag. 16 pag. 17

Por Luís Sousa Arqueólogo - CMLousada.

[email protected]ípio de Lousada

introdução

O troço viário sobre o qual incide o pre-sente estudo corresponde a um dos possíveis itinerários, de classificação principal ou secundária, que partindo de Bracara Augusta (Braga) se dirigia a Ton-gobriga (Freixo-Marco de Canaveses).

Ao balizarmos a nossa presente análise entre Oculis (Vizela) e as proximidades da cidade romana de Tongobriga, que, genericamente, equivale ao tramo fi-nal do referido itinerário principal ou se-cundário, pretendemos, ainda que de modo superficial, apontar, por um lado, o hipotético traçado viário no concelho de Lousada (fig.1) e, por outro, evidenciar o papel socioeconómico que certos assen-tamentos de Época Romana, conhecidos neste aro administrativo, terão desem-penhado na trama económico-adminis-trativa da região, mormente os situados nas bacias hidrográficas do Ave-Vizela, Sousa, Ferreira e Tâmega.

Eixo viário romano Oculis-Tongobriga Este trecho da via que provinha de Bra-ga, ultrapassava os 40km de extensão e, como atrás mencionado, colocava em contacto dois importantes núcleos urba-nos romanos – Oculis e Tongobriga, nú-cleos estes que terão por certo exercido influência a vários níveis no território. Neste tramo sobre o qual nos debruça-mos estão documentados dois marcos miliários, ambos encontrados em Marco de Canaveses, concretamente em Tuías, de Valentiniano e Valente (364-375) e um outro surgido no Freixo, datado do século III-IV d.C. Trata-se, deste modo, de dois marcadores da milia passuum que ates-tam, de por si, a importância conferida a este eixo, o que possibilita anuir estar-mos perante uma provável via de classi-ficação principal ou secundária de relevo no plano viário romano regional.Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1968:41) refere a passagem de uma via por Lousada, dizendo que esta sairia das

Caldas de Vizela, a partir da Ponte Vel-ha, e passaria por Casais, Nespereira, Penafiel, Calçada, descendo a Entre-os-Rios.

T a m b é m J o r g e A l a r c ã o (1988: 91) menciona a passagem de uma via a cruzar o conce lho , provinda de Braga, que ligaria à região das minas de Valongo e Gondomar, passando por Meine-do, onde, segundo o autor, de-veria bifur-car. Uma estrada desceria para o Monte Mózinho e daqui atingiria o Douro.

Uma outra estrada deveria dirigir-se para o Freixo, local onde se situa a cidade de Tongobriga.

Mais recentemente Mendes Pinto (1995: 279) faz passar pelo território lousadense esta estrada, dando nota que partindo da Ponte Velha de Vizela, seguiria “ao longo do rio Mezio pelas freguesias d e Casais e Nespereira, passando pelo vicus de Meinedo, onde atravessaria o rio Sousa”.

De igual modo Lino Dias (1997: 320) insere este eixo no grande traçado que partindo de Braga ia a S. Martinho de Sande, cruzava Caldas das Taipas e Caldas de Vizela, atingindo de seguida Meinedo, área onde o autor considera haver lugar a uma bifurcação, com um troço a ir a Monte Mózinho e um outro a Tongobriga.

Na sequência do que vem sendo pro-palado pelos autores citados, considera-mos conformemente o início desta via na Ponte Velha de Vizela, sobre o rio Vizela,

ponte modificada em momento posterior, mas que ainda conserva um pequeno arco romano, fora do leito do rio (Almei-da CAF, 1968: 41). Daqui dirigia-se a Santa Eulália de Barrosas, onde foram

i d e n t i f i c a d a s duas necrópoles romanas: Senra e Rielho, subia a Lustosa, passava nas proximidades do castro de São Gonçalo (Lus-tosa Lousada/RaimondaPaços de Ferreira), pela parte Este, ia à Boca da Ribeira (Souse la -Lou -sada), seguia a margem direita do rio Mezio, próximo à capela de São Cristóvão (Sousela), local onde se encontra

uma epígrafe ded-icada aos deuses Manes (fig.2) (Pinto M, 1992).

Atingia, de seguida, a Quinta de Eira Vedra (Sousela), onde se documentou o aparecimento de uma estela funerária (Fig.3), depositada no Museu Nacional de Soares dos Reis (Fortes, 1905-1908:479-480; Peixoto, 1913, 308: 1;Vasconcelos, 1913: 421; Pinto M, 1992) e onde abun-dam fragmentos de tegula e cerâmica comum romana, o que permite deduzir a presença de um assentamento romano de tipo uilla e de uma necrópole coeva nas imediações.Esta uilla romana parece ter granjeado alguma importância nesta área do ter-ritório, certamente desenvolvida pela atracção do cruzamento viário neste lo-cal. Encontram-se vestígios ceramológi-cos ao longo de cerca de 400 metros em ambas as margens do rio Mezio, com cronologias entre o século III e IV d.C. Talvez houvesse lugar à bifurcação da via nesta área, com ligação a outros eixos de menor importância, designada-mente com direcção a Paços de Ferreira.

Nesta zona a via transpunha o Mezio,

passando o rio para a margem esquerda, cruzava a freguesia de Sousela em di-recção à de Santa Eulália (1) da Ordem, passava no lugar de Servecia, atingindo a ladeira Oeste do castro de São Domin-gos (2).

Este povoado implanta-se num outeiro de formato cónico com boas condições naturais de defesa, principalmente as vertentes voltadas a Este e a Sul. Apre-senta-se bastante destacado na orogra-fia circundante, o que lhe confere amplo domínio visual sobre a paisagem, e, por isso, visibilidade directa com o castro do Alto de Nevogilde, Monte Pedroso, Santa Águeda, Mortórios e Bufo.

O povoado fortificado de São Domin-gos é detentor de, pelo menos, três pa-nos de muralhas (3) e um fosso a Norte, área de íngremes vertentes no lugar de Travassos entre este reduto defensivo e o Crastinho. Trata-se, sem dúvida, do maior e mais expressivo assentamento da Proto-História no concelho de Lou-sada.

Daqui seguia a via por Boim, onde se reconheceram vestígios da existência de um provável forno romano no lugar do Irmeiro (Pinto M, 1997), assim como da permanência no mesmo espaço de três sepulturas medievais cavadas na rocha (Nunes, Sousa e Gonçalves, 2006: 47-67).

Consideramos que, de seguida, a via atingia, sem dúvida, a ponte de Sousa (fig.4). Porém, sem antes passar nas proximidades da ponte de Espindo, para o qual temos dúvidas se a via transpo-ria ou não aqui o rio Sousa tomando a direcção de Meinedo, em todo o caso julgamos plausível uma bifurcação nes-ta freguesia de Lousada a partir do eixo viário Oculis/Tongobriga em direcção a São Martinho de Recezinhos e Croca, freguesias do vizinho concelho de Pena-fiel.

Lembramos que na área envolvente à Quinta dos Padrões (Meinedo), onde se inclui o campo de futebol, é possível

observar-se um considerável número de vestígios de construção de feição romana. Salienta-se, ainda, a referên-cia a algumas epígrafes que, pelo con-junto e a restrita área do seu achado, se poderão conotar com a existência de uma necrópole nas proximidades do ac-tual apeadeiro de Meinedo. À saída da freguesia, em direcção a Montes Novos (Croca-Penafiel), no lugar hoje chamado de Carreira Branca, conhecem-se refer-

ências documentais medievas a Portus Carrarius (4), o caminho para o Porto certamente.

Para além dos vestígios citados, este caminho apresenta nas proximidades um casal romano e uma ara em São Ma-mede (Meinedo), um provável povoado aberto em Monte Felgueiras (Meinedo-Lousada/São Mamede-Penafiel), o cas-tro de Croca e a necrópole romana de Montes Novos, integralmente escavada por Gilda Pinto (Pinto G, 1996).

A ponte de Sousa apresenta elementos enquadráveis na Idade Média, talvez pe-los finais do século XII, possuindo um arco de volta perfeita em boa cantaria, observando-se em alguns dos silhares siglas de pedreiro, todavia, não obsta a existência de uma ponte anterior, de fundação romana, que não teria obriga-toriamente de ser de materiais perenes, dado o baixo leito que o rio nesta zona apresenta.

Daqui, a via atingia o lugar de Monteiras (Bustelo-Penafiel), sítio onde têm apare-cido inúmeros materiais arqueológicos, nomeadamente numismas, surgidos aquando de trabalhos agrícolas em cam-pos contíguos ao actual campo de jogos, tendo junto deste, inclusive, aparecido uma necrópole romana, que foi já alvo de uma intervenção arqueológica.

Nas proximidades, a existência dos topónimos Padrão e Tresvia parecem ser demonstrativos da passagem de uma via nesta área.

A continuidade do traçado a partir daqui surge-nos pouco claro até Santa Marta (Penafiel), tendo, por isso, servido de base ao traçado do percurso o posicion-amento de um conjunto de topónimos suevovisigodos contidos no Parochial Suevo do século VI.

Em Santa Marta, são conhecidas refer-ências a uma necrópole romana no lugar da Estrada e a presença de um provável povoado da Idade do Ferro, sendo nas proximidades deste, a sudeste, que per-manece uma pequena ponte de feição medieval, de um só arco de volta perfeita, por onde se julga passar a via romana, que daqui atingia o castro de Quires (Vila Boa de Quires-Marco de Canaveses), cruzando o lugar de Carvalhos (Croca-Penafiel), onde existia ainda há alguns anos um longo troço de via integralmente lajeado, intercalando com trechos em terra batida e aproveitamento da rocha base natural, sobre a qual se observa-vam profundos entalhes de circulação carrária.

Após o castro de Quires, a via apresenta-se mais bem documentada, sendo aceite o trajecto a cruzar Videbaste, Pedra, Bur-iz, Torre, Avessões, passando nas imedi-ações da uilla romana de Urro (Casa da Babilónia) (5) (Dias, 1997: 307-308), Pe-nidos (6), atingindo, de seguida, a Ponte Romana de Canaveses, daqui por São Nicolau, Tuías (7) e, por fim Tongobriga (Freixo-Marco de Canaveses).

Legenda de fotografias:Fig. 1 – Hipotético traçado do eixo viário romano Oculis-Tongobriga sobre mapa do Concelho de Lousada.Fig. 2 – Ara romana de São Cristóvão (Sousela).Fig. 3 – Desenho da estela funerária de Eira Vedra (Sousela). Segundo Vasconce-los JL, 1913-421.Fig. 4– Ponte de Sousa sobre o rio Sousa (Lodares-Lousada/Bustelo-Penafiel). Per-spectiva de montante.

Eixo viário romano Oculis -Tongobriga: sua presença no Concelho de Lousada

Page 11: ptromano_n0_ver1.1

pag. 18 pag. 19

Notas1 – Santa venerada em Emerita Augusta (Mérida-Espanha) des-de o século IV d.C.2 – A partir da via que vem sendo descrita, junto do castro de São Domingos (Cristelos-Lousada), a partir do quadrante Este, nas proximidades da necrópole de Cristelos, sairia possivelmente um troço a cruzar Santa Eulália de Margaride (Felgueiras), seguia por Silvares e Alvarenga (Lousada), Idães, Sousa, Tor-rados e Santa Eulália de Margaride (Felgueiras), onde se con-hecem referências a uma necrópole romana, em Campo3 – Talvez uma plataforma de formato circular que coroa o topo do outeiro, recentemente identificada, possa revelar um quarto pano de muralha com função defensiva ou não.4 – P.M.H., Inq., 1258: 5435 – Neste local têm aparecido fustes de coluna de tipo tos-cano, pedras almofadadas, lajes de prováveis tampas de sep-ultura, mós de formato circular, canalizações escavadas em blocos graníticos e grande número de cerâmica comum romana atribuível ao século I e II d.C., grupos cerâmicos 3 e 7, e ao século IV, grupo 11, segundo a nomenclatura crono-tipológica proposta por Lino Dias (1997: 307-308).6 – No lugar de Penidos, topónimo que advém da existência no local de uma crista granítica saliente, fontes colhidas nas prox-imidades revelaram a existência por aquelas bandas de uma ou duas pedras com vestígios de almofadado, o que poderá indi-ciar a presença de um casal (?) romano nesta área. Materiais cerâmicos enquadráveis na Baixa Idade Média foram por nós identificados no referido morro granítico, o que prova de certa maneira uma pervivência ocupacional deste espaço que, no século XIV, vai ser enriquecido com a construção de uma capela de invocação a São Martinho.7 – Aqui apareceu um miliário de Valentiniano e Valente (364-375) (Dias LAT, 1997: 320).

BibliografiaALARCÃO, Jorge de (1988) – O Domínio Romano em Portugal. 3ªEdição. Mem Martins: Publicações Europa América.ALARCÃO, Jorge de (1990) – O Domínio Romano, in Nova História de Portugal (Dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques),Portugal das origens à Romanização, vol. I. Lisboa: EditorialPresença.ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de (1979) – A rede viária doConventus Bracaraugustanus. Via Bracara Asturicam Quarta, inMinia, 2.ª série, ano 2, n.º 3. Braga: ASPA (Associação para a

defesa, estudo e divulgação do património cultural), pp. 61-163.ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de (1968) – Vias medievais. EntreDouro e Minho I. Dissertação para Licenciatura em História.Porto: FLUP (policopiado).ALMEIDA, Carlos A. Brochado de e ALMEIDA, Pedro Miguel D.Brochado de (2007) – Sinais de Romanização junto à igrejaromânica de Meinedo, in Oppidum, Revista de Arqueologia, História e Património, n.º 2. Lousada: Câmara Municipal, pp. 75-94.ISSN: 1646-513X.BILOU, Francisco (2005) – Sistema viário antigo na região de Évora.2.ª Edição. Lisboa: Edições Colibri. ISBN: 972-772-542-2.CAAMAÑO GESTO, José Manuel (1978) – Apartaciones al es-túdio de las vias romanas: tecnicas de construccion y caracter-isticasgenerales de su trazado, in Minia, 2.ª série, ano 1, n.º 2. Braga: ASPA (Associação para a defesa, estudo e divulgação do património cultural). pp. 80-98.DIAS, Lino Tavares Dias (1997) – Tongobriga. Lisboa: IPPAR. ISBN:972-8087-36-5.MORENO GALLO, Isaac (2006) – Vías Romanas. Ingeniería y técnica constructiva, 2.ª edição, [sl]: Ministerio de Fomento CE-DEXCEHOPU. ISBN: 84-7790-425-I.NUNES, Manuel; SOUSA, Luís Sousa; GONÇALVES, Carlos (2006)– Sepulturas medievais escavadas na rocha no concelho deLousada: o cemitério rupestre do Irmeiro (Boim), in Oppidum, nº 1.Lousada: Câmara Municipal. pp. 47-67. ISSN: 1646-513X.PEIXOTO, Pe. Francisco A. (1913/1915) – Louzada: sua origem eantiguidades, in Jornal de Louzada. Louzada: Typografia do“Jornal de Louzada”.PINTO, José Marcelo Sanches Mendes (1992) – Património Ar-queológico de Lousada: Plano Director Municipal. Lousada (poli-copiado)PINTO, José Marcelo Sanches Mendes (1995) – O povoamento daBacia Superior do rio Sousa da Proto-História à Romanização.Actas do 1.º Congresso de Arqueologia Peninsular, vol. V, inTrabalhos de Antropologia e Etnologia Vol. 35 (1). Porto: Socie-dade Portuguesa de Antropologia e Etnologia. pp. 265-291.PINTO, José Marcelo Sanches Mendes (1997) – O Castro de S.Domingos (Cristelos-Lousada) e o povoamento do vale do rioMezio, in Castrexos e Romanos no Noroeste. Actas do Coló-quio de homenaxe a Carlos Alberto Ferreira de Almeida. San-tiago de Compostela.

PINTO, José Marcelo Sanches Mendes (2008) – Do castro de S.Domingos a Meinedo: Proto-História e Romanização da baciasuperior do rio Sousa, in Oppidum, Número Especial. Lousada:Câmara Municipal. pp. 45-63. ISSN: 1646-513X.SOUSA, Luís Jorge Cardoso de (2007) – Proto-História e ÉpocaRomana no concelho de Lousada: Aplicação de um SIG naanálise espacial em Arqueologia (Tese de Licenciatura). Porto:FLUP/DCTP (Policopiado).VASCONCELOS, J. Leite de (1898; 1905 e 1913) – Religiões daLusitânia. Vol. I, II e III. Col. Temas Portugueses. Lisboa: Imp-rensa Nacional/Casa da Moeda.

Fontes Documentais PMH_Portugaliae Monumenta Historica. Inquisítiones. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa. 1888-1897.

CartografiaMapa da Província d’Entre Douro e Minho [Material cartográfico], da autoria de Custódio José Gomes Villasboas, 1798.Carta Militar de Portugal, IGE, escala 1/25 000, folha n.º 98 [Ma-terialcartográfico], 3.ª edição, 1998, série M888, ISBN: 972-764-983-1.Carta Militar de Portugal, SCE, escala 1/25 000, folha nº 99 [Ma-terial cartográfico], 1.ª edição, 1949.Carta Militar de Portugal, IGE, escala 1/25 000, folha n.º 99 [Ma-terial cartográfico], 3.ª edição, 1998, série M888, ISBN: 972-764-984-X.Carta Militar de Portugal, SCE, escala 1/25 000, folha n.º 111 [Material cartográfico], 1.ª edição, 1934.Carta Militar de Portugal, IGE, escala 1/25 000, folha nº 111 [Ma-terial cartográfico], 4.ª edição, 1998, série M888, ISBN: 972-764-997-1.Carta Militar de Portugal, SCE, escala 1/25 000, folha n.º 112 [Material cartográfico], 1.ª edição, 1937.

OPPIDUM Revista Municipal de Lousada, Suplemento de Arqueologia, Ano 13 N.º 94. O Projecto «Portugal Romano agradece ao autor a autorização para a partilha do documento.

imagem do mês

Amanhecer em MiróbrigaFotografia por: Miguel Rosenstok

Page 12: ptromano_n0_ver1.1

pag. 20 pag. 21

Parcerias:

Associação dos Arqueólogos Portugueseswww.arqueologos.pt/p_aap.html

Associação de Amigos de Tongobrigawww.amigosdetongobriga.blogspot.com

Liga dos Amigos do Sítio Arqueológico de Miróbrigawww.ligadeamigosmirobriga.blogspot.com

visite:

Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas

Av. Prof. Dr. D. Fernando de Almeida, São Miguel de Odrinhas2705-739 São joão das Lampas - Sintra

gPS: 38º53’13,52”n, 9º21’58,61”W

TLF: (+351) 219 609 520

[email protected]

WEB:www.museuarqueologicodeodrinhas.pt

Horário do MuseuDe Terça-feira a Sábado, das 10.00 às 13.00 e das 14.00 às 18.00 O Museu encerra aos Domingos, Segundas-feiras e Feriados

Turismo do Alentejo - E.R.T.www.visitalentejo.pt

Museu Dr. joaquim Mansowww.mdjm-nazare.blogspot.com/

Page 13: ptromano_n0_ver1.1

pag. 22 pag. 23

Sabia que...

O Sol e a Lua assumem emquase todas as religiões antigas

e mistéricas um papel fundamental.texto: Filomena Barata

Foto: Alvaro Rosendo

O Sol e a Lua assumem em quase todas as religiões antigas e mistéricas um pa-pel fundamental. O Sol com a força vivificante dos seus raios, desempenha genericamente o pa-pel masculino e patriarcal e, por isso foi associado quer a Febos, quer a Hórus; e a Lua, telúrica, é a força feminina e matriarcal que se associa a Cibele, Ísis, Proserpina, que faz desabrochar os fru-tos e condiciona o crescimento de ervas e plantas.A propósito da Lua, astro satélite sem luz própria, recordo uma velha oração que conheci no Alentejo que várias vezes tenho tazido à lembrança e ainda uma outra citada no «Asno de Ouro» de Ap-uleio que dão conta, por um lado, do sincretismo religioso daquele território e do papel que os cultos lunares desem-penham nas crenças e religiões desde épocas remotas. Passarei a citar: “Lua, Luar Toma lá este Bébé Ajuda-mo a criar Tu és Mãe e eu sou ama Cria-o tu que eu lhe dou mama Em louvor da Virgem Maria Padre Nosso, Avé Maria” A outra, citada por Apuleio, no Asno de Ouro, faz também eco da mesma de-voção lunar, pois atribui ao burro na sua caminhada iniciática uma oração dedi-cada à “Lua cheia resplandecente de admirável brilho” a quem confere uma “transcendente majestade, e que todas as coisas humanas se regiam por sua providência; que não somente o gado e as bestas feras, mas também as inani-madas, vegetavam pelo divino influxo de sua luz e divindade (...)”. E o Asno suplica à Lua, apelando a atributos que lhe foram conferidos ao longo dos tempos: “ Rainha dos céus, ou tu sejas Ceres criadora, primeira mão dos frutos (...); ou tu sejas a celeste Vénus, que na primeira origem das cousas ajuntaste os diferentes sexos gerando amor, e propa-gaste a espécie humana de eterna de-scendência (...) que, favorecendo o par-to das mulheres com brandos remédios, tens dado à luz tantos povos (...); ou tu sejas Prosérpina, horrível pelos uivos nocturnos, que reprimes com a triforme face os ímpetos dos espectros, e encer-ras os arcanos da terra e, vagueando por diversos bosques, és aplacada com diferentes modos de culto: tu que alumi-as os muros de todas as cidades com a tua feminina luz, que crias as alegres se-

mentes com teu húmido fogo e esparges uma luz incerta segundo as revoluções do Sol: por qualquer nome, quaisquer ri-tos e debaixo de qualquer forma que é lícito invocar-te, tu me socorre agora em minha extrema calamidade (...), tu dá-me paz e repouso depois de tão cruéis desgraças sofridas”. Na primeira oração ainda hoje rezada por grávidas ou por mães que vão ofer-ecer à Lua os seus bébés, é clara a as-sociação da Lua com a feminilidade e a maternidade. Na segunda oração, a que Apuleio põe na boca do Asno, a Lua aparece-nos com uma feição mais complexa: ora símbolo criador, fecundador; ora rainha e regradora do mundo humano, animal e inanimado; ora símbolo do amor e da união dos sexos, associada a Vénus. Mas a Lua também nos surge aí asso-ciada a uma divindade do mundo subter-râneo, Proserpina, “horrível pelos seus uivos nocturnos”, pois esta divindade, filha de Zeus e Demetra, foi raptada por Hades o deus dos mortos que fez dela a sua esposa, vivendo com ela parte do ano, nesse mundo das “entranhas da Terra”. Também Diana, antiga divindade itálica, foi identificada com Artemis, protectora das margens, da caça e da natureza sel-vagem, assumindo também a protecção das mulheres. No caso de algumas regiões da Hispânia, aparece relacio-nada com o culto da Lua, com Proser-pina e, possivelmente, com cultos de cariz funerário, a exemplo de uma árula da zona de Sines, estudada por José d’Encarnação (IRCP. 104).Daí advêm, certamente, muitas das as-sociações maléficas que se atribuem à Lua na tradição popular, com efeitos perniciosos de mau-olhado ou de “que-branto”. Mas também por isso a Lua representa a passagem da vida para a morte, tan-to mais que, como astro que aparece e desaparece, ela tanto está tanto morta, como viva. Ainda por esses ritmos de aparecimento/desaparecimento; Luz/Escuridão; Morte/Vida, a Lua funcionou como símbolo dos ritmos biológicos, motivo porque ainda hoje a gravidez é marcada pelas Luas, atribuindo-se-lhe também grande im-portância nas marés e nos ciclos agríco-las. Também por isso alguns calendários da Antiguidade se regeram pelos ciclos lunares. A Lua na sua conotação com o mundo

feminino, sem Luz própria, ou seja o as-tro satélite natural da Terra que reflecte a Luz do Sol de forma descontínua, sim-boliza também transformação e cresci-mento. Caminho ou caminhada. Mas é do casamento místico entre o Sol e Lua que se faz a verdadeira Luz, sen-do por isso comum a sua associação em santuários, a exemplo do SOLI AETER-NO LUNAE, localizado no sopé da «Ser-ra da Lua» em Sintra, e que será tema central desta revista.Por sua vez, o Sol, sendo a maior luz do céu visível aos Humanos, é para mui-tos povos um dos símbolos mais impor-tantes, sendo até venerado como um Deus ou encarado como manifestação da divindade entre muitos. Ao contrário da Lua, o Sol que tem luz própria, é afinal a própria essência da Luz, e é quase sempre interpretado como símbolo masculino e por isso as-sociado ao princípio Yang. Ou seja, representa em muitos culturas, se bem que nem em todas, o princípio activo, enquanto a Lua é um princípio passivo. Ao Sol associa-se ainda a noção de calor e de Vida, pois sem ele nada sobrevive. Na Alquimia ele corresponde ao Ouro, encarnando a ideia do espírito imutável.Sendo muitas vezes invocado como “olho omnipresente do Sol”, como acon-tece no Prometeu Agrilhoado, ou “Olho do Deus Supremo”, como acontece entre os Bosquímanos, relembro, no entanto, aqui com mais pormenor o papel que as-sume no culto mitraico cujos rituais têm características mistéricas.Na Antiga Roma, com o principado de Augusto, assiste-se, por um lado, a um retorno dos valores antigos da religião romana, assumindo-se o império como um período de “Restauração” dos va-lores religiosos ancestrais e, por outro, à oficialização de alguns cultos orientais, que vão ter particular adesão, quer pe-los orientais com domicílio no Ocidente, quer pelos cidadãos e legionários roma-nos, como se verifica com o culto desse deus solar de origem persa, Mitra. O culto mitraico parece ter chegado ao Ocidente no decorrer do século II d.C., através das legiões romanas.Com a chegada dos invasores romanos à Península Ibérica, e particularmente dos exércitos, originou-se um novo sur-to desses cultos orientalizantes, apesar da sua penetração no Ocidente ser de período muito anterior ao romano. Quer na cidade romana de Tróia, Grân-dola, quer em Beja está comprovado o

Page 14: ptromano_n0_ver1.1

pag. 24 pag. 25

Culto Mitraico, que se expandiu na Hispânia a partir de finais do século II – inícios do século III d. C., a par de outros cultos orientais, tais como de Serápis, Ísis, Cibele-Magna Mater.O Sol ou Ormuzd, para os Persas, enquanto fonte de Luz, representava a Vida, a Saúde e a Fertilidade da terra enquan-

to criadora de todas as coisas necessárias à sobrevivência do Homem; por sua vez, à Lua ou Arimânio, atribuíam-lhe forças maléficas; as trevas e a esterilidade da Terra. Mitra surge assim, do ponto de vista simbólico, como um ter-ceiro elemento, como uma espécie de divindade mediadora entre duas forças antagónicas, viabilizando o nascer de um novo dia, ou seja, não permitindo que a Lua ocultasse o Sol. Mais do que o Sol, Mitra representa a Luz Celestial, ou a es-sência da Luz, que desponta antes do Astro-Rei raiar e que ainda ilumina depois dele se pôr e, porque dissipa as trevas, é também o deus da Integridade, da Verdade e da Fertilidade, motivo pelo que também surge associado à força genésica do Touro, o Touro primordial que Mitra é incumbido de matar, como de seguida falaremos. Segundo as lendas de origem persa, Mitra terá recebido uma ordem do deus-Sol, seu pai, através de um seu mensageiro, na figura de um corvo. Deveria matar um touro branco no in-terior de uma caverna.O ritual de iniciação nos mistérios de Mitra era o Taurobólio, porque exigia o sacrifício do touro que foi, aliás, uma con-stante no mundo mediterrânico oriental e greco-latino, onde esse sacrifício assume um carácter fundacional, pois o culto deste animal assenta a sua sacralidade no vigor e violência cósmica, e num poder fecundante. É a morte ritual do touro que dá origem à vida com o seu sangue, à fertilidade, à dádiva das sementes que, recol-hidas e purificadas pela Lua, dão, por sua vez, origem aos “frutos”,bem como é dessa vitalidade que surgem as espécies animais, pois a sua carne é comida e o seu sangue fecunda-dor é bebido. Os candidatos à iniciação dos mistérios mitraicos, praticados quer na Pérsia, quer em Roma, tinham vários graus de ini-ciação, passando por provas severas e o iniciado, antes de fazer o seu voto sagrado (sacramentum), prometia não trair o que lhe havia sido revelado. Depois, o iniciado subia os sete degraus, recebendo em cada um deles um nome diferente. O banquete ritual da morte do touro, o taurobolium, sempre em companhia do Sol, viabiliza ainda aos adeptos do culto mi-traico o “nascimento para uma nova vida” ou “Renascimento” que o Cristianismo, que baniu a ideia de sacrifício iniciático do touro, transformou na água do baptismo e, através da Eu-caristia, transmutou em pão e vinho, substituindo o sangue e

a carne do touro divino. O deus solar Mitra parece ter nascido numa gruta que simboli-za o firmamento e, a sua abóbada, o céu de onde sairá a Luz para a Terra. Por isso mesmo os rituais de iniciação mitraicos eram também praticados em gruta. Geralmente Mitra, que se faz sempre acompanhar do Sol, tem ainda um corvo à sua esquerda – que curiosamente é também o totem do deus solar de origem celta Lug, - e no ângulo esquerdo tem a figura do Sol e, à direita, da Lua. Mas há quem refira que Lug, parece ter sido também cultuado no Promontorium Sacrum. Exactamente pela associação que quer Mitra, quer Lug têm aos corvos, quer a cultos solares ou astrais, e ainda porque se trata também de um finis tarrae como o templo SOLI AETER-NO LUNAE, recordamos aqui o Promontorium Sacrum, esse lugar onde, desde tempos imemoriais, se sacralizavam pe-dras, e se temia o pôr do Sol, porque se dizia que fazia um rugido ao “deitar-se” no Oceano.Desconhecendo-se se efectivamente se tratava do cabo de S. Vicente ou de uma área compreendida entre o Cabo de Sagres e o Cabo de S. Vicente, é um facto que esta área foi descrita desde a Antiguidade.

Uma das primeiras referências ao promontório é a de Avieno, que na “Ora Marítima”, escrita no século IV d.C., mas base-ada num périplo comercial massaliota do século VI a.C. com acrescentos gregos e latinos, a ele se refere como o Cabo Ci-nético: «Então, lá onde declina a luz sideral, emerge altaneiro o cabo Cinético, ponto extremo da rica Europa, e entra pelas águas salgadas do Oceano povoado de monstros» (vv. 201-205)». Avieno refere ainda que o promontório era dedicado a Saturno e «que assusta pelos seus rochedos».

O Promontório Sacro deveria tratar-se, em período pré-ro-mano e romano, de um santuário ao ar livre dedicado muito possivelmente ao deus púnico Baal Hammon, associado por

um fenómeno de sincretismo ao Saturno dos latinos, pois o geógrafo Estrabão nega, no século I, a existência de qualquer templo dedicado a Hércules ou a qualquer outro deus no lo-cal. Este autor descreve-o como o ponto mais ocidental da Ibéria: «Este é o ponto mais ocidental não só da Europa, mas tam-bém de toda a oikouméne» (Estr. III, 1, 4) onde «Não é per-mitido oferecer sacrifícios nem aí pernoitar pois dizem que os deuses o ocupam àquelas horas. Os que o vão visitar pernoi-tam numa aldeia próxima, e depois, de dia, entram ali levando água, já que o lugar não o tem» (Estr. III, 1, 4) e acrescenta Estrabão que, segundo tradições populares, neste local o Sol aumenta no Ocaso, pondo-se com ruído, como que a extin-guir-se entre as águas do Oceano (Estr. III, 1, 5).

O Ocidente, para lá das Colunas de Hércules era, pois cono-tado com o mundo lunar, infernal e da morte o «Mundo das Trevas» como que a entrada num mundo fantástico e mítico, povoado de monstros e onde a natureza é inóspita, onde Sat-urno impera.

Quer se tratasse de um santuário dedicado a Baal Hammon/Saturno ou a Melkart/Hércules, como alguns autores defen-dem, é, contudo, evidente a identificação deste local com enti-dades sagradas de clara conotação marítima e astral, aliás como acontecia noutras Finisterrae, a exemplo do Cabo Car-voeiro, em Peniche, que Avieno, na sua Ode Marítima, atribui também ao local o culto de Saturno. Aliás, Kronos, o Tempo, quase sempre surge aliado a estes lugares do fim do mundo onde o Sol se põe.

O Promontorium Sacrum foi desde sempre lugar de per-egrinação, tendo, em período de dominação islâmica, acol-hido peregrinos cristãos e muçulmanos que lhe chamavam Chakrach.A Igreja do Corvo, associada ao acolhimento das relíquias do santo levantino S. Vicente, porque diz a lenda que o corpo do Santo Mártir do século IV terá dado à costa neste local, quando era levado de Valência, onde tinha sido martirizado, para Lisboa, parece ter desempenhado um papel fundamen-tal na própria fundação do reino português, ou não tivesse D. Afonso I organizado duas expedições para resgatar o corpo do santo, trazendo-o para Lisboa. Lugar de culto moçárabe, Sagres acolherá outras lendas mais ou menos infundadas, como a de ter sido o local onde se fundou a “escola” de navegadores criada pelo Infante D. Hen-rique, que ali, ou, muito possivelmente na vizinha povoação de Vila do Bispo, se instalava frequentes vezes. Ali no Promontorium parece ter sido, segundo a lenda, guar-dado o Santo mártir, S. Vicente - o que vem dar a origem ao nome com que é denominado, a partir de certa altura, o próp-rio Cabo, até que também sempre acompanhado pelos corvos chega a Lisboa, em 1173, tornando-se assim esse pássaro negro, atributo de divindades conotadas com a Luz, o símbolo da cidade que ainda hoje mantém a barca que transportou o féretro e os dois corvos no seu escudo de armas. E serão ainda os corvos, segundo reza a história, que acom-panharão os Portugueses, no seu caminho para o Sol rumo ao Ocidente, seguindo a Via Láctea.

Page 15: ptromano_n0_ver1.1

pag. 26 pag. 27

Monumental Santuário Romanodo Sol e da LuaSítio Arqueológico do Alto da Vigia (Praia das Maçãs, Colares)

texto e fotosRaúl Losada

Portugalromano.com

introdução

Através deste texto onde pretendemos dar a conhecer um local que, do nosso ponto de vista, tem características únicas, desejamos também homenagear todos os arqueólogos que por ali passaram ao longo dos séculos, não podendo deixar de fazer uma referência especial a José Cardim Ribeiro pelo seu contributo para o conhecimento da Epigrafia e da Arqueologia deste concelho e de âmbito na-cional.

Para José Cardim Ribeiro vai também uma referência especial, pois sem o seu contributo e apoio não poderia ter sido elaborado este texto central da nossa Re-vista 0, tendo sido fundamental toda a bibliografia e textos que nos disponibilizou que por diversas vezes aqui seguiremos ou citaremos.

Remontam a 1505 as primeiras referências ao santuário, que é visitado ao longo do século XVI e seguintes. Progressivamente encoberto pelas dunas e perdidas, dele apenas restava o seu registo escrito e um desenho da autoria de Francisco d’Ollanda.

Em 2008 durante uma intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi possível identificar finalmente a sua localização.

O recinto circular do santuário (que talvez se tratasse de um templo, um simples témenos, ou espaço sagrado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa que avançava pelo mar, até aos 40 metros de altitude, e que assim constituía um pequeno promontório.

Deste importante santuário romano da região de Colares, consagrado a SOLI ET LUNAE, provém importantes inscrições. Ptolomeu situa –o a noroeste de Ol-isipo o «LUNAE MONS, PROMONTORIUM»

Page 16: ptromano_n0_ver1.1

pag. 28 pag. 29

Historiografia do sítio arqueológico

As primeiras informações que nos falam da existência de um san-tuário romano junto à foz do Rio das Maças, no lugar denominado Alto da Vigia, são da autoria de Valentim Fernandes, em 1505; e de Francisco d’Ollanda, por volta de 1541. Este autor inclui na sua obra “Da Fábrica que falece à cidade de Lisboa” o desenho das estruturas que então terá conseguido observar e que pertence-riam ao santuário romano.

A identificação daquelas ruínas no século XVI corresponde à primeira descoberta arqueológica feita em Portugal. A importân-cia do local foi largamente reconhecida na época, passando a ser ponto de visita obrigatória para os eruditos, portugueses e es-trangeiros, durante o Renascimento.

Entre os ilustres visitantes que acorreram ao local, destaca-se a presença de Francisco d’Ollanda e de André de Resende, mas também de elementos da família Real, nomeadamente do Rei D. Manuel I e, mais tarde, do Infante D. Luís, irmão de D. João III.

Tais descrições indicam que o sítio terá permanecido visitável du-rante quase todo o século XVI, altura a partir da qual as estruturas terão, a pouco e pouco, deixado de estar visíveis, contribuindo desta forma para uma certa confusão relativamente à sua locali-zação precisa.

Apesar de tudo, a memória de um santuário romano no litoral sin-trense permaneceu.

Os vários estudos e trabalhos científicos recentemente desen-volvidos acabariam por apontar para um pequeno outeiro sobran-ceiro à Praia das Maçãs, onde ainda hoje se conservam os micro-topónimos Alto da Vigia e Alconchel. Foi precisamente nesse pequeno promontório, na margem es-querda daquela Ribeira, que a equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas iniciou uma intervenção em 2008, junto das estruturas de uma torre de facho de época Moderna que ainda se encontravam parcialmente visíveis.

A intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas permitiu confirmar a ex-istência naquela zona de um santuário romano monumental, bem como a caracterização dos alicerces parcialmente visíveis como sendo pertencentes a uma torre de facho dos inícios do século XVI. Nas escavações foi recuperada uma nova inscrição que at-

esta a importância do local, dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família. Para além daquela ara e de uma inscrição funerária da época de Augusto - ou seja, anterior ao próprio santuário - foram recolhidos outros elementos arquitectónicos romanos com alguma monumentalidade, nome-adamente uma imposta moldurada, fragmentos de coluna, de ara e grandes blocos de construção.

O Santuário Romano do Sol e da Lua

A importância do santuário na época romana está reflectida no facto dos votos conhecidos até agora, expressos pela saúde do imperador e eternidade do Império, serem colocados não por de-votos particulares, nem sequer pelas elites locais ou provinciais, mas apenas por detentores de altos cargos imperiais, nomeada-mente governadores da Lusitânia ou legados do Imperador, em-bora por vezes através do senado de Olisipo, município em cujo território se localizava este santuário.

O achado é descrito pela primeira vez por Valentim Fernandes, «O Móravio». No seu texto, em duas cartas, são referidas “tres colunas de pedra cortadas em forma de prisma, com uma grande quantidade de letras(...) incisa nos respectivos pedestais.” e relato de uma forte estrutura à qual tais lapides se encontravam presas.O conteúdo original desses monumentos epigráficos é-nos trans-mitido por outros autores e correspondem a três aras consagra-das respectivamente a Soli et Lunae, Soli Aeterno Lunae e Soli Aeterno (Cil II 258, Cil II 259,Cardim Ribeiro,1994 p.86-87 e fig.4-5).

Os dedicantes são exclusivamente Legados e Procuradores im-periais na província da Lusitânia. A análise efectuada por Cardim Ribeiro ao conteúdo epigráfico dos monumentos citados permite situar uma datação aproximada:Tigidius (ou Tuldicius) Perenis - Legatus Augusti pro praetore pron-vinciae Lusitaniae

O primeiro monumento (CIL II 258), dedicado Soli et Lunae por um legatus Augusti pro praetore provinciae Lusitaniae com gentilício de leitura controversa – provavelmente Tigidius ou Tulcidius(2) – e com o cognomen Perennis, poderá datar de 180-198 d.C., ou seja, do imperialato de Cómodo ou do de Septímio Severo antes da proclamação de Caracala como Augustus.

Valerius (ou Iunius, ou Iulius) Coelianus - Legatus AugustorumO segundo (CIL II 259) invoca Soli Aeterno Lunae, pro aeternitate Imperii et salute Imperatoris Caesaris Lucii Septimii Severi Augusti Pii, et Imperatoris Caesaris Marci Aurelii Antonini Augusti Pii, et Publii Septimii Getae Nobilissimi Caesaris, et Iuliae Augustae Ma-tris Castrorum. Trata-se de um texto datável, de uma forma lata, de 198 a 209 d.C., anos limites estabelecidos a partir do título Pius conferido a Caracala (finais de 198(3)) e o de Augustus atribuí-do a Géta (Setembro/Outubro [?] de 209), que não surge ainda nesta epígrafe; mas, dentro da referida década, o momento mais provável deverá situar-se entre os anos de 201 – 204 d.C.O dedicante é um legatus Augustorum de gentilício incerto – Vale-rius, Iulius, Iunius – e de cognomen Coelianus(5), que agiu con-juntamente com alguns notáveis provinciais, muito provavelmente olisiponenses.

C. Iulius C. F. Quir. Celsus - Procurator provinciae LusitaniaeA estes dois monumentos pode hoje juntar-se um outro, cuja cui-dada análise – inclusive dos vestígios literais subsistentes da trun-cada linha 1 – permite com assinalável grau de segurança pre-sumir consagrado Soli [Lunae O]ceano (fig. 1) por C. Iulius C. f. Quir. Celsus, legatus missus in Lusitaniam ad censos.

Datará do imperialato de Antonino Pio, talvez entre 139-141 d.C. (fundamentalmente com base na análise do cursus honorum de C. Iulius Celsus e no consabido preenchimento do cargo de governa-dor da Lusitânia por C. Iavolenus Calvinus nos anos imediatamente subsequentes).

Nas recentes escavações que a equipa do Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas se encontrada a realizar no sitio ar-queológico foi encontrada uma nova inscrição, ainda em estudo, mas que atesta a importância do local, sendo dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família.

O Santuário do Sol e da LuaO locus sacer do Sol e da Lua implementava-se na época romana sobre uma elevação rochosa de cerca de 40 metros sobre o mar. Situado no sopé do mons Sacer (Serra de Sintra) é referida por muito autores da antiguidade, e mais tarde designada por Cláudio Ptolomeu como “Serra da Lua”, inclui no seu estreito junto ao mar o promontório Magno ou Olisiponense descrito por Plínio e que o geógrafo denomina igualmente por “da Lua”.

Plínio refere ser esta a região da Hispânia onde se dividem “as ter-ras, os mares e os céus”, pelo que pela sua específica localização santuário do Sol e da Lua assinalava e sacralizava os limites do Império ocidental.

Aqui as diferentes formas se separavam, o Mundo mediterrâneo e o Mundo oceânico, terminava a terra pisada pelos homens e se iniciava o vasto oceano, onde o próprio sol se escondia, local privi-legiado para o contacto entre o humano e o divino.

Aqui se encontra uma intencional forma de ligação entre culto astral e culto imperial, operada num santuário carregado de simbolismo pela sua localização e por certo herdeira de remotas tradições re-

ligiosas locais, quer ligadas ao ciclo solar, quer ao culto à Deusa Lunar e salutífera nos Montes sagrados, da Serra da Lua.

A sua única função seria direccionar as protecções dos astros eter-nos e garantir assim o bem estar dos imperadores, e do próprio império - A Roma Aeternae.Assim se justifica não se encontrar na epigrafia do santuário dedi-cantes particulares ou mesmo magistrados municipais. Apenas altos dignitários Imperiais, que ali representavam os próprios Au-gustus, e em favor dos quais invocavam os grandes Luminares Ce-lestes.

Fundação, desenvolvimento, apogeu, decadência e abandonoExistem três momentos que podem ter propiciado a fundação deste santuário em meados do séc. II d.C.

Durante o Imperialato de Antonio Pio, que após a morte da sua mulher, promove a emissão em 141/142 e, posteriormente, em 152 de moedas onde se faz figurar com os atributos de Sol e da Lua, bem como a Faustina, assiste-se à assimilação do casal imperial aos astros do dia e da noite.Durante os últimos anos do Imperialato de Cómodo verifica-se que a ideologia privilegia cada vez mais a astrologia, se bem que não o Sol e a Lua, mas ás estrelas.

Foi durante o reinado do Imperador Septímio Severo, época em que se assiste a uma manifesta solarização do culto dos sobera-nos, que se ergueu no santuário a única ara datável (201 d.C. - 204 d.C.) e de tão importante significado para a compreensão da união simbólica entre a eternidade cósmica e imperial.

É dificil apenas com estes elementos epigráficos datar de forma precisa a fundação do santuário. O paralelismo entre Antonino Pio e Faustina e Sol e Lua parece apontar para a conjuntura mais ad-equada, e caso a ara de C. Iulius Celsus, aludir efectivamente a Dacia Superior remete-nos para a mesma ocasião.Contudo, rigorosamente não se possui dados concertos, sendo a hipótese apontada por Cardim Ribeiro a mais provável, e que propõe a fundação em meados do século II d.C., com Antonino Pio, porventura em 148, ocasião em que Roma celebrava 900 anos de sua fundação.O desenvolvimento do Santuário terá sido sobretudo durante o re-inado de Cómodo (176 d.C.-192 d.C.), atendendo ao afastamento do Imperador Marco Aurélio a este tipo de Cultos, e o seu apogeu deve ter-se atingido sob o imperialato de Septimio Severo. Entra em decadência após Caracala.O santuário poderá não ter durado uma centúria, sendo aban-donado em momento indeterminado no segundo quartel do século III d.C., atendendo a que a Aeternitas Imperii se diluísse na crise política que se acentuou a partir dos Severos.

Legenda: Desenho de forma provavelmente imaginativa da autoria de Francisco de Holanda incluido na sua obra “Da Fábrica que Faleçe ha Çidade de Lysboa” em 1571.

Legenda: Moeda de Faustina, Mulher do Imperador Antoninos Pius, cunhada em Roma em 142 d.C. O reverso apresenta a Lua com sete estrelas. (RIC 1199)

Page 17: ptromano_n0_ver1.1

pag. 30 pag. 31

Durante a intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi ainda surpreendentemente identificado um importante conjunto de vestígios de época islâmica, totalmente desconhecidos até então, mas para os quais o topónimo Alconchel (al-concilium) parece apontar. Os testemunhos arquitectónicos de época islâmica correspondem a um ribat (“convento”), tendo sido, até ao momento, identificado um conjunto constituído por várias salas, destacando-se uma delas pela presença de um mirhab orientado para Sudeste, virtualmente no sentido de Meca. A presença de restos de materiais de utilização quotidiana asso-ciados à ocupação islâmica é bastante residual. No entanto, foram recolhidos alguns fragmentos de cerâmica com cronologia do século XII que assinalam provavelmente a fase final de ocupação. De salientar a grande quantidade de conchas, algumas ainda associadas a vestígios de fogueiras, indícios do aproveitamento dos recursos marinhos disponíveis no local. Para além dos edifícios, foi também identificada uma

área de necrópole com várias sepulturas, hoje sem qualquer vestígio de espólio ar-queológico ou osteológico no seu interior e que, tudo leva a crer, estarão associadas à fase de ocupação islâmica do sítio. Na edificação das estruturas do ribat foram utilizados múltiplos elementos arquitectónicos de época romana, onde se incluem al-gumas inscrições, que testemunham a existência no local de um importante santuário romano, para a existência do qual já apontavam os relatos de Valentim Fernandes e de Francisco d’Ollanda, no século XVI.As construções de período islâmico encontram-se, em muitos casos, bastante destruí-das devido à remoção de elementos pétreos de grandes dimensões, dos quais mui-tas vezes apenas subsiste o negativo da forma conservado na argamassa do alicerce onde assentavam, ou apenas as pedras mais pequenas utilizadas como cunhas den-tro das valas das fundações. Porém, alguns desses blocos de grandes dimensões ou de melhor qualidade no talhe ainda se conservavam nas paredes. É provável que a remoção daqueles elementos esteja relacionada com a construção da torre de facho nos inícios do século XVI, quando as estruturas islâmicas foram parcialmente utiliza-das como “pedreira”.

RibatÉpoca islamica

Linha de tempoSéculo ii d.C. - Construção do grande santuário dedicado ao Sol e à Lua e ao culto imperial.

Século ii d.C.( talvez entre 139-141 d.C.) - inscrição que poderá provir do mesmo santuário, Datará do imperialato de Antonino Pio, Con-sagrada ao Soli [Lunae O]ceano por C. Iulius C. f. Quir. Celsus, legatus missus in Lusitaniam ad censos.

Século ii d.C. (Cerca 180-198 d.C) -Inscrição romana (CIL 258) – Con-sagrada ao Soli et Lunae por Sextus (Ti)gidius Perenis, governa-dor da Lusitânia.

Cerca de 201 - 204 d.C. (CiL 259) – Consagrada ao “Soli aeterno Lunae” por D. Iun(ius) Coelianus.

Século ii d.C. – Uma inscrição descoberta em 2008 no santuário e em fase de estudo, dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procura-dor dos Augustos e sua família.

Século Xii - Época islâmica - Vestígios a um ribat (“convento”), tendo sido identificado um conjunto arquitectónico constituído por vári-as salas, destacando-se uma delas pela presença de um mirhab orientado para Sudeste, virtualmente no sentido de Meca.

Século XVi (inícios) - construção da torre de facho, utilizando par-cialmente as estruturas islâmicas como “pedreira”.

1505 - O monumento é relatado pela primeira vez, através da descoberta, por Valentim Fernandes ou Valentim de Morávia, de três aras consagradas a Soli et Lunæ, Soli Æterno Lunæ e Soli Æterno, que as descreve como sendo “três colunas de pedra cor-tadas em forma de prisma, com uma grande quantidade de letras (...)”

1541 - Francisco de Holanda, é o autor do único testemunho vis-ual do santuário que chegou aos nossos dias, e que o desenhou de forma provavelmente imaginativa. O desenho do santuário encontra-se na sua obra “Da Fábrica que Faleçe ha Çidade de Lysboa”

1593 - André de Resende estuda e publica o monumento na sua célebre obra “De Antiquitatibus Lusitaniæ”

Séculos XX/XXi -O arqueólogo José Cardim Ribeiro publica vários estudos especializados sobre o Santuario e a sua epigrafía. Actualmente é Director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (Sintra) onde se encontra visitável a epigrafia romana referente ao sítio arqueológico.

2008 - A equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrin-has iniciou uma intervenção junto das estruturas de uma torre de facho de época Moderna. Confirmou-se a existencia de um santuario romano monumental.

Page 18: ptromano_n0_ver1.1

pag. 32 pag. 33

Local onde foi en-contrada a nova

inscrição do san-tuário e elementos

arquitectónicos romanos reutilizados

no “Ribat”.

Principais inscrições romanas do Santuário

Século ii d.C.( talvez entre 139-141 d.C.) - inscrição que poderá provir do mesmo santuário, Datará do imperialato de Antonino Pio, Consagrada ao Soli [Lunae O]ceano por C. Iulius C. f. Quir. Celsus, legatus missus in Lusitaniam ad censos.

Século ii d.C. (Cerca 180-198 d.C) -Inscrição romana (CIL 258) – Consagrada ao Soli et Lunae por Sextus (Ti)gidius Perenis, governador da Lusitânia.

Cerca de 201 - 204 d.C. (CiL 259) – Consagrada ao “Soli aeterno Lunae” por D. Iun(ius) Coelianus.

Século ii d.C. – Uma inscrição descoberta em 2008 no santuário e em fase de estudo, dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família.

A serra de Sintra e o cabo da Roca - que assinalam o verdadeiro finis terræ Mundo Antigo, foram palco, desde tempos pré-históricos, de cultos astro-látricos que se prolongaram durante o período fenício-púnico e a dominação romana.

Estrabão menciona que os povos celtiberos ofereciam sacrifícios a um “Deus sem nome”, ao qual nas noites de lua cheia dedicavam danças colecti-vas até ao amanhecer:

“Dizem alguns que os Calaicos não têm nenhum deus, mas os Celtibérios e os seus vizinhos do Norte oferecem sacrifícios a um deus sem nome nas fases da lua cheia, durante a noite, em frente às portas das suas casas, e todas as famílias dançam em coro durante toda a noite” (5, Livro III, Cap. IV, 16).

Este aparente culto astrolátrico dedicado à Lua em tempos pré-históricos parece ter prosseguido ao longo dos séculos. A Igreja durante a época medieval chegou a condenar repetidamente o uso de amuletos em forma de lua que parece ter atingido grande vigor na Serra de Sintra, cujo Cabo da Roca marca o ponto mais ocidental do continente europeu.

O Culto ao longo dos tempos

Proposta de reconstituição da linha 1 de j. CARDiM RiBEiRO em“Soli aeterno Lunae” da ara consagrada ao Soli [Lunae O]ceano por C. iulius C. Celsus.

em “Soli Aeterno Lvnae”, CARDiM RiBEiRO (j.), 1995-2005, Sintria, iii-iV

Page 19: ptromano_n0_ver1.1

pag. 34 pag. 35

BiBLiOgRAFiA ALARCÃO (J. de), 2005, «Os equívocos dos promontórios Sacro(s) e Cúneo», Promontoria, 3, Faro, pp. 251-285. ALFÖLDY (G.), 1969, Fasti Hispanienses, Wiesbaden. ALVAR (J.), 1981, «El culto de Mithra en Hispania», Memorias de Historia Antigua, V, Oviedo, pp. 51-72. APIANUS (P.), AMANTIUS (B.), 1534, Inscriptiones Sacrosanctae Vetustatis, Inglostad. AUJAC (G.), 1993, Claude Ptolémée Astronome, Astrologue, Géographe: Connaissance et Représentation du Monde Habité, Paris. BALIL (A.), 1965, «Los legados de la Lusitania», Conimbriga, IV, Coimbra, pp. 43-57. BARATA (M. F.), 1997, «O Promontorium Sacrum e o Algarve entre os escritores da Anti-guidade», in Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, Lisboa, pp. 117-133. BERMEJO BARRERA (J. C.), 1982, Mitología y Mitos de la Hispania Prerromana, I, Madrid. CAGNAT (R.), 19144, Cours d’Épigraphie Latine, Paris. CANTO, Alícia Maria – Los viajes del caballero inglés John Breval a España y Portugal: novedades arqueológicas y epigráficas de 1726, in Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 7, Lisboa, 2004CARDIM RIBEIRO (J.), 1982-83, «Estudos histórico-epigráficos em torno da figura de L. Iulius Maelo Caudicus», Sintria, I-II, Sintra, pp. 151-476. —, 1994, «Felicitas Iulia Olisipo», Al-Madan, IIª série, 3, Almada, pp. 75-95. —, 2002, «Soli Aeterno Lunae. O santuário», in Religiões da Lusitânia – Loquuntur Saxa, Lisboa, pp. 235-239. —, 2002a, «Uma paisagem sagrada: o Promunturium Sacrum», in Religiões da Lusitânia – Loquuntur Saxa, Lisboa, p. 361. —, no prelo, «Para uma outra abordagem contextual dos Turduli Veteres», Archivo Español de Arqueología, Madrid. CARDOSO (J. L.), 2004, A Baixa Estremadura dos Finais do IV Milénio A.C. até à Chegada dos Romanos: Um Ensaio de História Re-gional (= Estudos Arqueológicos de Oeiras, 12), Oeiras. CHASTAGNOL (A.), 1984, «Les fêtes décennales de Septime Sévère», Bulletin de la Société Nationale des Antiquaires de France, 7, Paris, pp. 91-107. CUMONT (F.), 1896-99, Textes et Monuments Figurés Relatifs aux Mystères de Mithra, Brüssel (= M.M.M.). DESSAU (H.), 19792, Inscrip-tiones Latinae Selectae, Chicago. DODDS (E. R.), ed. 1977, Les Grecs et l’Irrationnel, trad. franç. de GIBSON (M.), [Paris]. ÉTIENNE (R.), 1958, Le Culte Impérial dans la Péninsule Ibérique d’Auguste à Dioclétien, Paris. FRANCISCO CASADO (M. A.), 1989, El culto de Mithra en Hispania, Granada. GAGÉ (J.), 1934, «Les jeux séculaires de 204 ap. J.-C. et la dynastie des Sévères», Mélanges d’Archéologie et d’Histoire, 51, Paris, pp. 33-78. GARCIA (J. M.), 1991, Religiões Antigas de Portugal, Lisboa. GARCÍA Y BELLIDO (A.), 1967, Les Religions Orientales dans l’Espagne Romaine, Leiden. GARCÍA QUINTELA (M. V.), 1999, Mitología y Mitos de la Hispania Prerromana, III, Madrid.- 1999a, «El sol que nasce del mar y el Promontorio Sacro», in Pueblos, Lenguas e Escrituras en la Hispania Prerromana, Salamanca, pp. 233-241. —, 2001, Mitos Hispánicos. La Edad Antigua, Madrid.GONÇALVES (J. L.), 2004, Gravuras Rupestres de Magoito (Rochas A e B): Levantamento e Reconstituição, Sintra [centro de documen-tação do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas: relatório inédito]. GORRIE (C.), 2001, «The Septizodium of Septimius Severus revisited: the monument in its historical and urban context», Latomus, 60 (3), Bruxelles, pp. 653-670. GRIMAL (P.), ed. 1992, Dicionário da Mitologia Grega e Romana, trad. port. de JABOUILLE (V.), Lisboa. GROSSE (R.), 1959, Las Fuentes desde César hasta el siglo V d.J.C. (= Fontes Hispaniae Antiquae, VIII), Barcelona. GRÜNER (A.), 2005, «Die Altäre des L. Sestius Quirinalis bei Kap Finisterre. Zur geopolitischen konstruckion des Römischen herr-schaftsraums», Madrider Mitteilungen, 46, Wiesbaden, pp. 247-266. GUERRA (A.), 1993, «O -Promontório Sacro-», in História de Portugal, II: O Mundo Luso-Romano, coord. de GONÇALVES (V.), Amadora, pp. 140-142. —, 1996, «Os nomes do Rio Lima. Um problema de toponímia e de geografia histórica», in La Hispania Prerromana. Actas del VI Coloquio de Lenguas y Culturas Paleohispánicas, Sala-manca, pp. 147-159. —, 2005, «O Promontório Magno. Perspectivas da geografia antiga sobre o extremo ocidental da Hispânia», in Actas do Congresso “A Presença Romana na Região Oeste”, Bombarral, pp. 119-129 – [versão alemã: «Das Promontorium Magnum. Zuz antiken Geographie der Hispanischen Atlantikküste», Madrider Mitteilungen, 46, Wiesbaden, 2005, pp. 235-246]. HANNESTAD (K.), 1944, «Septimius Severus in Egypt: a contribution to the chronology of the years 198-202», Classica et Mediaevalia, 6, Copenhagen, pp. 195-222. HELENO (M.), 1933, Grutas Artificiais do Tojal de Vila Chã (Carenque), Lisboa. HILL (P. V.), 1977, The Coinage of Septimius Severus and his Family of the Mint of Rome A.D. 193--217, London. HÜBNER (E.), 1869, Inscriptiones Hispaniae Latinae (= Corpus Inscriptionum Latinarum, II), Berlin (= CIL II). —, 1871, Noticias Archeologicas de Portugal, Lisboa. JANNI (P.), 1998, «Los límites del mundo entre el mito y la realidad: evolución de una imagen», in Los Límites de la Tierra: El Espacio Geografico en las Culturas Mediterráneas, Madrid, pp. 23-40. KIENAST (D.), 1996, Römische Kaisertabelle, Darmstadt. LAMBRINO (S.), 1952, «Les inscriptions de São Miguel d’Odrinhas», Bulletin des Études Portugaises, XVI, Coimbra, pp. 134-176. LEISNER (V.), 1965, Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Der Western, Berlin. LEITE DE VASCONCELLOS (J.), 1897, Religiões da Lusitania, vol. I, Lisboa. —, 1905, Religiões da Lusitania, vol. II, Lisboa. —, 1913, Religiões da Lusitania, vol. III, Lisboa.

LE ROUX (P.), 2006, «Les dévotions des gouverneurs de province dans la Péninsule Iberique au Haut-Empire romain», in Pouvoir et Religion dans le Monde Romain, Paris, pp. 367-385.LUSNIA (S.), 2004, «Urban planning and sculptural display in Severan Rome: reconstruc-ting the Septizodium and its role in dynastic politics», American Journal of Archaeology, 108 (4), Boston, pp. 517-544. MARCHETTI (M.), 1922, «Hispania», in Dizionario Epigrafico di Antichità Romane, III (F-H), Roma, pp. 754-941. MATTINGLY (H.), 1950, Coins of the Roman Empire in the British Museum, V: Pertinax to Elagabalus, London. PEREIRA (F. A.), 1914, «Por caminhos da Ericeira», O Archeologo Português, XIX, Lisboa, pp. 324-362. PFLAUM (H.-G.), 1960, Les Carrières Procuratoriennes Équestres sous le Haut-Empire Romain, vol. I, Paris. —, 1961, Les Carrières Procuratoriennes Équestres sous le Haut-Empire Romain, vol. III, Paris. —, 1978, Les Fastes de la Province de Narbonnaise, Paris. PISO (I.), 2008, «Le cursus honorum de São Miguel d’Odrinhas», Sylloge Epigraphica Barcinonensis, VI, Barcelona [no prelo]. RESENDE (A.), 1593, Libri Quatuor de Antiquitatibus Lusitaniae, Ebora [cfr. ainda reedição facsimilada, tradução portuguesa e comen-tários de FERNANDES (R. M. R.), 1996, As Antiguidades da Lusitânia, Lisboa]. RIBEIRO (O.), 1935, A Arrábida (separata da Revista da Faculdade de Letras, III), Lisboa. ROMERO (M.), 1999, «El rito de las piedras volteadas (Str. 3.1.4)», Arys, 2, Huelva, pp. 69-82. —, 2000, Cultos Marítimos y Religiosidad de Navegantes en el Mundo Griego Antiguo (BAR International Series, nº 897), Oxford. SALINAS DE FRÍAS (M.), 1988, «El -Hierón Akroterión- y la geografía religiosa del extremo Occidente según Estrabón», in Actas 1er Congreso Peninsular de Historia Antigua, Santiago de Compostela, II, pp. 135-147. SCHULTEN (A.), 1959, Geografía y Etnografía Antiguas de la Península Ibérica, vol. I, Madrid. SIMÕES (T.), 1993, «A Pré-história de Sintra», in História de Portugal, vol. I, coord. de GONÇALVES (V.), Amadora, pp. 224-230. —, 1999, O Sítio Neolítico de São Pedro de Canaferrim, Sintra, Lisboa. SOUSA (E. M. de), 1990, «Núcleo de gravuras ruprestre proto-históricas descoberto a norte do Cabo da Roca: breve notícia», Zephyrus, XLIII, Salamanca, pp. 363-369. VERMASEREN (M. J.), 1956-60, Corpus Inscriptionum et Monumentorum Religionis Mithriacae, Den Haag (= C.I.M.R.M.).

O finisterra do Mundo Antigo

Page 20: ptromano_n0_ver1.1

pag. 36 pag. 37

CiRCO ROMAnOMiróbriga

Planta do hipódromopor joão Cruz e Silva,

à altura da sua descobertaMuseu Municipal de Santiago do Cacém.

Texto: Filomena Barataimagens: Arquivo

Os lugares de espectáculo, tais como os teatros, os anfiteatros e os circos foram, nas províncias, uma das formas utilizadas para facilitar o processo de Romanização, pois incentivavam as deslocações perió-dicas dos rurais à cidade, sendo ainda os locais ideais para a expansão da mística imperialista.

A construção de um hipódromo ou circo em Miróbriga deve ter obedecido aos mesmos princípios, contribuindo para consumar a ideologia imperial.

Embora não sejam conhecidos quaisquer mecenas ou evergetas que possam ter contribuído para o financiamento da sua edificação, como aconteceu em muitos edifícios monumentais do Império, existe, contudo, uma inscrição com invocatória a Esculápio, a que já fizemos referência, atestando um legado testamentário feito por um medicus pacensis, Gaio Átio Ja-nuário, que deixou dinheiro ao conselho municipal para que organizasse os quin-quatrus, jogos que possivelmente se rea-lizariam no hipódromo.

O hipódromo de Miróbriga dista aproxima-damente 1Km em linha recta da zona cen-tral do aglomerado urbano, como acontece

em muitos locais de espectáculo com es-tas características, que são afastados por motivos práticos, dada a grande afluência de público. O acesso ao hipódromo ou cir-co de Miróbriga deveria fazer-se através de uma fachada que se localizava frontal-mente em relação a uma estrada de saída do aglomerado urbano. Justifica-se, desse modo, o facto da entrada se fazer de cos-tas viradas para o centro da cidade.

Reconhecido por Cruz e Silva em 1949 quando da construção de uma estrada que afectou parcelarmente a zona da en-trada, este estudioso promoveu trabalhos arqueológicos no local e efectuou a pri-meira planta conjectural do hipódromo. Posteriormente o imóvel foi escavado por D. Fernando de Almeida, tendo sido ainda efectuadas sondagens pela equipa luso--americana, que contribuíram para definir mais exactamente as suas características, e feito novo levantamento das suas estru-turas, o mais actualizado até este momen-to.

Podendo considerar-se um recinto de mé-dia proporção, se comparado com o de Mérida e o de Todelo, a arena de Miróbriga é, contudo, de maior dimensão do que a

do circo de Tarragona. O hipódromo de Mi-róbriga mede aproximadamente 359m de comprido por 77,5m de largo.

Este lugar de espectáculo está orientado NE/SW, orientação que é considerada a conveniente para não ofuscar os agitado-res ou aurigae a qualquer hora do dia. A sua implantação foi condicionada pela to-pografia do local, que aqui é incompara-velmente mais plano do que o sítio onde cresceu o aglomerado urbano.

Do hipódromo conhecem-se as fundações da spina, construída em opus caemen-ticium, e os limites da arena. Pesem os restauros e reconstituições parcelares, é clara a evidência de metae – meta prima e meta secunda. Ainda é visível o reves-timento que era utilizado em grande parte da spina, tratando-se de opus signinum, a exemplo do que sucede no circo de Mérida e no recentemente posto a descoberto de Olisipo.

Os muros que delimitam a arena são sim-ples, construídos em opus caementicium, variando a sua grossura entre 60 a 90cm. A construção do hipódromo deve datar do

Page 21: ptromano_n0_ver1.1

pag. 38 pag. 39

século II d. C. e o auge da sua utilização terá correspondido ao século III d. C., seguida do seu declínio a partir de finais dessa centúria. No lado sul do circo situam-se algumas construções que D. Fernando de Almeida identificou como tratando-se dos carceres, comparando-o ao circo de Mérida.

De bancadas perenes ou pétreas e do derrube das mesmas não existem quaisquer referências ou vestígios arqueológicos. Pode admitir-se, portanto, que as mesmas fossem construídas de madeira, suportadas por postes feitos do mesmo material.

Nunca poderiam, portanto, ter tido a monumentalidade das reconhecidas em circos da Hispânia e menos ainda das do Circo Máximo de Roma, que foi o modelo arquitectónico dos circos em período romano, cuja construção monumentalizada, do período de Trajano, vai contribuir, de forma paradigmática, para consumar a ruptura com a tradição do hipódromo grego de estrutura mais simples ou mesmo efémera.

Essa ruptura vinha, aliás, a ser já feita desde o século I a. C. através da construção de vários tipos de edifícios dedicados a corridas de cavalos. Contudo, mais do que as implicações arquitectónicas que possa ter, a edificação de um lugar de es-pectáculo com as características monumentais do Circo Máxi-mo reflecte aspectos políticos e ideológicos relacionados com o culto imperial e com a sua exaltação através da realização dos ludi circenses. Reedificado num local já historicamente usado para corridas de cavalos, junto ao Palatino, passa a es-tar preparado para uma utilização polivalente, ou seja, podem aí decorrer outros tipos de manifestações lúdicas e comemo-rativas, como as procissões triunfais.

Em Miróbriga, mantém-se, portanto a filiação dos hipódromos, como anteriormente referimos e a sua pista deveria ser térrea, pois é visível ao longo da spina uma camada de terra muito escura e compactada.

Por Filomena Barata

( Adaptado a partir de Comunicação efectuada em Mérida no contexto do encontro sobre o Tema).

Info:

Hipodromo de Mirobriga por Verónica Mira(info:http://miro-briga.drealentejo.pt/images/PDF/hip%D3dromo%20-%20mir%D3briga%20-%20doc%203.pdf)

Hipódromo de Mirobriga -Imagens de reconstituição do Circo Romano por Andrea Alves e Nuno Cruz

reconstituição 2D da arena e spino

reconstituição 2D das bancadas e tribuna

Vista aerea Hipodromo de

Mirobriga-2005

Projecto

com o apoio instituicional de:

Turismo do Alentejo - E.R.T.

Page 22: ptromano_n0_ver1.1

pag. 40 pag. 41

Uma Peça, Um Museu...

Começaremos este número a rúbrica «Uma peça, um museu» fazendo a honra a uma ideia que nunca nasceu: O Museu do Algarve. É a nossa forma de homenagear uma figura ímpar do conhecimento do século XIX, Estácio da Veiga, a quem, pese um notável trabalho, a Fortuna não deixou que pudesse concretizar o sonho de fazer o museu para que, com tanto afinco, anos trabal-hara. Para este trabalho foi-nos fundamental o artigo que lhe dedi-cou Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, publicada no livro «Algarve, Noventa Séculos entre a Serra e o Mar», editado pelo IPPAR que citaremos sempre, ao longo deste trabalho, mas cuja leitura recomendo para maior detalhe na informação. Estácio da Veiga, é uma das figuras ilustres do século XIX, que assistiu a uma tomada de consciência, mais acentuada a partir da segunda metade da centúria, sobre a importânia dos valores do Passado, designadamente no que respeita ao seu conhecimento e salvaguarda, não sendo o Algarve isento a esse fenómeno. De seu nome completo Sebastião Philipes Martins Estácio da Vei-ga, nasceu em Tavira a 6 de Maio de 1828.Após ter concluído o liceu em Faro, vem, em 1845, cursar para a Escola Politécnica, na especialidade de Engenharia de Minas, in-gressando, após a conclusão dos seus estudos, na carreira públi-ca como oficial da sub-inspecção geral das Postas e Correios do Reino, cargo de que acaba por aposentar em 1865.

Paralelamente à sua carreira pública desenvolve uma actividade intelectual, inicialmente literária pois, desde cedo, o acompanhava e ,depois, científica que marcará a sua vida a partir de certa altura.

Entre 1860 e 1877 divide-se entre a investigação etnográfica no-meadamente a recolha de literatura popular algarvia, podendo-se citar as obras “O Romanceiro do Algarve” e o “Cancioneiro”, até hoje inédito, e a investigação da História Antiga e Contemporânea, sobre cuja temática publicará vários artigos, as Ciências Naturais, efectuando vários estudos sobre a flora dos Açores e do Algarve de que resultaram a “Memoria descriptiva das belezas da Serra incluindo a villa e as suas tão nomeadas thermas” de que não se conhece paradeiro, e a Arqueologia, sendo a esta última que se dedicará exclusivamente a partir de 1877.

São estas as plavras de Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos «É porém na Arqueologia, uma ciência nascida no séc XIX, que Estácio da Veiga vai investir a totalidade do seu capital cientí-fico e revelar-se inovador, criativo e pedagogo, desenvolvendo teorias sobre o ensino, organização administrativa e prática desta disciplina.«(…) O início da actividade arqueológica de Estácio da Veiga com carácter sistemático, insere-se por um lado (no) movimento cientí-fico promovido pela Academia das Ciências, através sobretudo da Comissão Geológica, e por outro no surto da Arqueologia Clássica verificado após a estadia de Hübner em Portugal em 1861, que

sem qualquer dúvida estimulou e desencadeou uma corrente de investigação».

A actividade de Estácio da Veiga será, doravante imparável, e város estudos de História Antiga são publicados em 1861 e 1862, tendo em 1864 feito um trabalho sobre as inscrições romanas e paleocristãs do Convento de Chelas. Em 1865, recomeça a recol-ha de materiais e a assinalar com carácter sistemático os monu-mentos arqueológicos no Algarve, especialmente no concelho de Tavira, anotando os inúmeros vestígios de construções romanas e de necrópoles na Quinta da Torre de Ares, defendendo a tese so-bre a localização da cidade de Balsa, como mais tarde tudo o virá comprovar, na Quinta de Torre de Ares, na obra “Povos Balsenses” publicada em 1866.Em 1873 ingressa na “Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portugueses” e, no ano seguinte estava concluída a obra “Varias Antiguidades do Algarve”, trabalho esse que se pode considerar o estudo preparatório das “Antiguidades Monumentaes do Algarve”.

Entre 1877-1878 reside no Algarve, promovendo escavações e dedica-se à respectiva Carta Arqueológica, celebrando, em 1879, um contrato com o Governo no qual se compromete a redigir uma obra em 5 ou 6 volumes, intitulada “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, iniciando a organização do “Museu Archeologico do

ESTÁCiO DA VEigA,A CARTA ARQUEOLógiCA E O MUSEU DO ALgARVE

texto: Filomena Barata

Foto: Arquivo Histórico de Portimão

Algarve”, na Academia Real de Belas Artes. De 1883 até 1891 ocupa-se na redacção de “Antiguidades Monu-mentaes do Algarve”, sendo “Os tempos pré-históricos” publicados no Vol. I das “Antiguidades”, na organização de novas colecções, que guarda numa casa de campo das Cabanas, desdobrando-se em esforços junto do Governo, de molde a tentar obter autorização da transferência do Museu para o Algarve, mas sem êxito.Em 1883 a “Carta Archeológica do Algarve”, Tempos Pré-históri-cos é dada por concluída, mas só é publicada em 1886 no vol I das “Antiguidades”. Os materiais acabaram por ser transferidos para Lisboa, onde foi fundado o Museu do Algarve «numas dependências da Academia Real de Bellas Artes, tendo sido o arqueólogo algarvio, por ofício de 1 de Abril de 1880 assinado por Rodrigues Sampaio, Ministro do Reino, nomeado para fazer a “Catalogação dos Monumentos do Algarve para a comprovação da Carta Archeologica” (…).«As colecções compostas de materiais arqueológicos e an-tropológicos agruparam-se em 4 secções: Arqueológica, Epigrá-fica, Antropológica e Paleontológica. As colecções de arqueologia Pré-histórica, Época Romana, Visigótica, Árabe e Portuguesa, es-tavam expostas em cantoneiras, mesas e armários envidraçados; os objectos de reduzidas dimensões encontravam-se distribuí-dos por 168 caixas de madeira, entre os quais se incluiam caixas mostradores para os anéis romanos. Os fragmentos de pavimento e os murais de 40 mosaicos exibiam-se por ordem geográfica as-sentes em caixas de madeira, bem como algumas ânforas segu-ras em pés de ferro.As colecções antropológica e paleontológica também se apre-sentavam em armários envidraçados. Todo este conjunto de ma-teriais era valorizado e relacionado com o respectivo contexto arquitectónico através de plantas, desenhos e fotografias dos monumentos em que foram encontrados. Em lugar de destaque foi colocado o original da “Carta Archeologica do Algave” com os sinais convencionais a cores e emoldurada a folha de ouro. Mais seis cartas geográficas completavam a valorização documental das colecções e facilitavam a compreensão do binómio território-cultura.A Epigrafia e a Escultura foi montada ao ar livre num dos pátios, como mostra uma fotografia feita em 4 planos. As inscrições ex-postas estavam divididas em cinco regiões: Lacobrigense, Os-sonobense, Balsense [Ba] Esuriense, Myrtiliense. Aí figuravam também estátuas, baixos relevos, capitéis, um nicho, um fragmen-to de entablamento, etc, e outros revestimentos escultóricos de edifícios romanos.Dispunha ainda de dois serviços, uma oficina de restauro onde se fizeram trabalhos de limpeza, colagem, assentamentos de mo-saicos e moldes de peças, executados sobretudo pelos mestres italianos Ponsiano Pier e Guido Baptista Lipi, que trabalhavam para os artistas da Academia, e uma “oficina fotográfica” com câ-mara escura, conhecida através deste documento de despesa «pago a 4 carregadores para transportarem monumentos para a oficina fotográfica do Museu Archeológico 1$740 (…)». Em 1881, Estácio da Veiga é intimado a devolver as instalações do Museu à Academia, porque se alegou falta de espaço. Pese as críticas quanto à decisão e o esforço do arqueólogo pelo regresso do Museu do Algarve à região de origem, iniciam-se novos inven-tários, entre 1882 e 1885,sucessivos inventários das colecções.Em Outubro 1882, Estácio da Veiga funda em Faro o Instituto Ar-queológico do Algarve, entidade que solicita ao Ministério do Re-ino o regresso do museu a Faro. Mas logo em 1885 o Governo decreta nova elaboração de um inventário das colecções e do re-spectivo equipamento e ainda no último trimestre desse ano, por ordem do Ministério do Reino, é obrigado a entregar o Museu à Academia.O Museu do Algarve ficou portanto na capital a partir de 1885 em poder efectivo da Academia de Bellas Artes. Esta instituição acaba por o desmembrar e seleccionar algumas peças, como os mo-

saicos e estátuas, para compor o novo “Museu de Bellas Artes e Archeologia”.

Estácio da Veiga acaba por falecer em 1891, «no meio de profun-da tristeza, financeiramente falido, e moralmente espoliado», sem ter conseguido que no Algarve conseguisse ter as suas colecções organizadas num Museu de Arqueologia Provincial, situação que ainda se mantém, infelizmente, até à Actualidade.

Copo de vidro salpicado. Século iV - V d.C. Balsa. MnA.Este vidro foi publicado no Catálogo «O Vidro em Portugal», APAi,1989. Encontra-se actualmente no Museu nacional de Arqueologia.

«Trata-se de uma taça de vidro pertencente a um espólio funerário danecrópole norte da cidade de Balsa, recolhido por Estácio da Veiga em1887. Pertence a uma colecção de 200 objectos, dos quais 50 emvidro.Corresponde à fase mais tardia para a qual se conhecem objectosda necrópole (2ª metade do século iV ou talvez a 1ª década do V). nocatálogo sistemático de vidros de Balsa publicado por jeannetteSmit-nolen tem o nº vi-97. (Cerâmicas e Vidros da Torre de Ares.Balsa, MnA/iPM, Lisboa, 1994: p. 195, tabela de vidros na p. 234,estampa 39 vi-97 e fig. 14)». Luís Fraga da Silva.

Page 23: ptromano_n0_ver1.1

pag. 42 pag. 43

Roreiro do mês:

introduçãoO lançamento nesta Revista dos «Roteiros Arqueológicos» dos municípios ou regionais, ou mesmo ainda temáticos é um dos objectivos do projecto Portugal Romano, uma das tarefas que nos propomos realizar em todas as edições da publicação. Contudo, nesta fase, são ainda propostas de trabalho que podem e devem ser melhoradas ao longo do tempo, tendo em mente os estudos recentes e a análise da viabilidade de implementação no terreno, através constituição de parcerias com instituições públicas e privadas. Efectuámos, neste caso, um percurso com início na Barragem Romana de Belas e finalizando no Santuário Romano do Sol e da Lua, de molde a poder proporcio-nar ao viajante o magnífico pôr-do-sol num local enigmático de culto do Mundo romano.Existem duas versões que pode descarregar para TomTom e ViaMichelin. Não obstante, serão dadas todas as indicações relativas a cada local de visita, para que possa criar o seu próprio itinerário.A participação de entidades, arqueólogos, investigadores e da própria socie-dade civil é importante para o sucesso da iniciativa. Solicito, assim, a vossa melhor colaboração enviando-nos sugestões e comentários, de molde a que se possa fazer sair do esquecimento um rico e magnífico património que deve ser acarinhado por todos.No caso de Sintra, foi-nos fundamental a informação obtida no Museu Arque-ológico de São Miguel de Obrinhas que, em grande parte, citaremos, agradecen-do todas as facilidades que nos deram na consulta e registo dos elementos.

Roteiro arqueológico romano do Concelho de SintraDuração: 1 diaDistancia: aproximadamente 60 km

Barragem Romana de Belasfoto por: Rui Franco

Barragem Romana de BelasNas margens da ribeira de Carenque está um monumento classifi-cado em 1974 como Imóvel de Interesse Público, que hoje em dia vive ofuscado pelo aqueduto das Águas Livres, em melhor estado de conservação e alvo de visitas turísticas. Datada do século III dC., a antiga barragem é uma das maiores do mundo romano, mantêm de pé apenas uma parte central com cerca de quinze met-ros de comprimento, sete de largura e uma altura de oito metros, estando escondida entre a vegetação, na parede virada a jusante é reforçada por 3 contrafortes.Estendia-se pelo local hoje ocupado pela estrada e deveria ir até ao morro, onde desse lado ficava a muralha. A outra parte ia fir-mar-se a “penedia” no outro lado do vale, onde grande parte da muralha foi também destruída. A albufeira que a muralha criava poderia armazenar cerca de 125 ml cúbicos de água.A barragem romana de Belas é um dos mais importantes e impo-nentes vestígios romanos da de engenharia hidráulica romana em Portugal e no Mundo .Reconhecida e estudada desde o século XVI, quando Francisco de Holanda escreve ao Rei D. Sebastião afirmando que seria im-

portante transportar águas livres a Lisboa, mencionando a existên-cia de um “muro larguíssimo e forte que lhe represava a água de um vale em uma lagoa ou estanque”.Este monumento engloba todo um conjunto de engenharia hidráu-lica que pressupõe a detecção e a escolha de várias nascentes próximas, é uma contrafortada construção maciça em pedra, uma das mais alta de todo o Império Romano, e que data do século III d.C..A sua localização é fruto da grande qualidade e abundância dos caudais terá permitido a execução de uma barragem de pedra e cantarias que, articuladas de forma harmoniosa, tornam possível o acesso às águas que se acumulam no seu interior.Este vão é encimado por uma cantaria gótica, cujo parapeito reaproveita um fragmento de uma antiga lápide romana moldura-da. A estrutura é coroada por uma abóbada nervada interiormente, sobre a qual assenta, no exterior, uma cúpula maciça. Trata-se, afinal, de uma fonte tardo-medieval, do gótico final, ou seja, de finais do século XV.

Localização: Estrada Belas-Caneças (km 16,423 da EN 250).Visitas: Aberto ao público

Page 24: ptromano_n0_ver1.1

pag. 44 pag. 45

Fonte Romana de ArmésO fontanário de Armés, situado na aldeia com o mesmo nome, constitui mais um exemplo da arquitectura civil, pública, de que os roma-nos deixaram tantos exemplares por todo o império. O fontanário situa-se 3 metros abaixo do nível actual do solo. Um dos principais mo-tivos de interesse deste fontanário é uma laje epigrafada, com 17 cm de espessura, que encima o depósito, Inscrição na Fonte é datável do século I, entre 14 e 20 d.C. data da sua construção por Lúcio Júlio Melo Caudico. Foi referenciada pela primeira vez no século XVI por André Resende. A inscrição que a laje apresenta é a seguinte:

L.IVLIVS.MAELO.CAVDIC.FLAM.DIVI.AVG.DFSOu seja: L(ucius).IVLIVS.MAELO.CAVDIC(us).FLAM(en).DIVI.AVG(usti). D(e)S(uo)F(ecit),

Tradução: «Lúcio Júlio Melo Caudico, flâmine do divino Augusto fez (este monumento) à sua custa».

Um flâmine era um sacerdote romano, geralmente de Júpiter ou Marte. A inscrição é portanto reveladora do poder socio-económico de um flâmine municipal e a sua dedicação ao imperador Augusto sugere a possibilidade de o fontanário ter um carácter sacralizado.Segundo o arqueólogo e investigador Cardim Ribeiro, deveria relacionar-se-ia com o “culto das águas” associado ao culto imperial, como aliás se verifica noutros locais do Município Olisiponense. Por outro lado, as dimensões das letras sugerem terem sido concebidas tendo em vista uma leitura de longe, o que nos faz supor que o fontanário faria parte de um conjunto arquitectónico de maiores dimensões, com um grau de monumentalidade compatível com o tamanho das letras.Fonte Romana de Armés está classificada como imóvel de interesse público desde 1990.

Localização: Na aldeia de Armés (estrada Sintra-Mafra), Rua da Fonte Romana.Visita: O fontanário encontra-se fechado, devendo a chave ser pedida a senhora Maria Angelina, proprietária do Café/Mercearia no Largo Central da povoação de Armés (Largo Visconde Asseca) ou solicitar ajuda ao senhor Manuel, vivenda branca ao lado da oficina de már-mores na rua da fonte.

O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas assenta os seus mais profundos alicerces no Renascimento, quando alguém – muito provavelmente Francisco d’Ollanda – decidiu reunir em torno da antiga Ermida de São Miguel um apreciável conjunto de monumentos epigráficos encontrados por entre as ruínas roma-nas ainda então visíveis no local.Mais recentemente, em 1955, a Câmara Municipal de Sintra ten-tou uma experiência inovadora para o seu tempo: a construção, em plena zona rural, de um pequeno núcleo museológico que per-mitisse voltar a reunir, em Odrinhas, as antiguidades entretanto dispersas, além de outras mais recentemente detectadas.O actual Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas herdou, do seu mais remoto antecessor, o espírito humanista e cosmo-polita que foi apanágio do Renascimento. Do mais recente, colheu o vínculo privilegiado ao meio que o rodeia e à população rural do Termo de Sintra, região onde, de algum modo, se podem ainda hoje escutar os longínquos ecos do Passado.

Finis terrae do Mundo Antigo, zona privilegiada de intercâmbio en-tre o Norte Atlântico e o Sul Mediterrânico, beneficiando ainda da extrema proximidade ao Estuário do Tejo e à grande metrópole que desde cedo junto a ele se implantou, integra-se uma paisagem multifacetada – desde a Serra Sagrada, emergindo do Oceano, às colinas que de Lisboa, ao Termo de Mafra. Aproveitando-se das plataformas cerealíferas entre si divididas por profundos vales flu-viais, fecundos em hortas e culturas de regadio -, a Região de Sintra abunda em monumentos e vestígios arqueológicos de to-das as épocas, que não se apresentam como um todo sequencial monótono e previsível, mas sim como um mosaico polícromo e fé-rtil dos mais variados motivos que inesperadamente se cruzam e fundem, como se os antepassados da Europa e do Mediterrâneo aqui viessem convergir e sincretizar-se.Sintra é, pois, uma amostragem legítima e plurifacetada de muitas arqueologias, de muitas histórias, de muitas tradições.

Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas

Page 25: ptromano_n0_ver1.1

pag. 46 pag. 47

Destaque: Exposição permanente

“O Livro de Pedra”

Sarcófagos etruscos, monumentos romanos, lintéis “visigotistas”, túmulos medievais e outras lápides epigrafadas perfazem, no seu todo, aquilo que no Museu se designa como «O Livro de Pedra».

“Basílica Romana”

Cerca do ano 30 a. C. Olisipo (actual Lisboa) recebeu de Octa-viano, herdeiro do Divino César, o singular estatuto de “Município de Cidadãos Romanos”, o que lhe conferia as melhores regalias jurídicas, políticas, administrativas e económicas, permitindo-lhe harmonizar a Lei Romana com as antigas leis da própria cidade, mantendo assim as suas tradições sem prejuízo da mais excelente integração no Império. O seu território era muito vasto incluindo toda a Baixa Estremadura a Sul de Montejunto e a Norte da Ar-rábida.Fértil de gentes oriundas das mais diversificadas partes do Império, em Olisipo os negócios e a riqueza material misturavam-se com o gosto pela palavra escrita e pelas artes. As elites municipais vive-riam na sua maior parte fora da cidade, em grandes propriedades rurais – as uillae -, localizando-se as mais importantes, ao que tudo leva a crer, na actual região de Sintra.Não admira, pois, que aqui surjam largas dezenas de monumentos epigráficos que nos falam dessas elites e da sua clientela. O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas é disso um testemunho inequívoco.

“Cronos Devorator”

Cronos devorava os seus próprios filhos. Zeus foi um dos poucos que escapou, por ardil materno. Chronos é o Tempo. Daí escrever-se, antigamente, “chronologia”, “chronometro” e outras palavras similares. No entanto, Cronos e Chronos são palavras praticamente homófonas. E o tempo também devora os seus próprios filhos, que somos todos nós. Assim Cronos, o deus terrível que se define no epíteto “devorador” – devorator -, desde cedo se confundiu com o próprio tempo que tudo altera à sua inexorável passagem.Nesta sala do Museu existem sepulturas romanas que, poucos séculos volvidos, foram reutilizadas e transformadas em pesos de lagar de azeite ou de vinho; outras que foram transformadas em

pias para os mais variados usos; outras, ainda, que foram cristiani-zadas – sem esquecer as que alimentaram o imaginário das popu-lações da região saloia…

«igreja Visigótica»Neste espaço reúne-se uma excepcional colecção de lintéis epigra-fados e/ou decorados, ostentando inscrições de inequívoca temáti-ca cristã, provenientes do lugar de Faião.

informações Úteis Morada: Avenida Professor Doutor Fernando d’AlmeidaSão Miguel de Odrinhas

Localização do MuseuCoords. GPS | 38º53’13,52-N, 9º21’58,61-WA meio caminho entre Sintra e a Ericeira (EN 247). Na povoação de Odrinhas, cruzamento para São Miguel de Odrinhas/Funchal.

Horário do MuseuDe Terça-feira a Sábado, das 10.00 às 13.00 e das 14.00 às 18.00O Museu encerra aos Domingos, Segundas-feiras e Feriados

Ingressos: 2 euros

Visitas: Todas as visitas são guiadas.

O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, um projecto arrojado? Não! Uma realidade arrojada! Concebida à proporção da riqueza patrimonial de Sintra e dos parâmetros internacionais por onde forçosamente se terão de pautar todas as iniciativas congé-neres que pretendam validamente ultrapassar as fronteiras do lo-calismo e das gerações imediatas.

Site: www.museuarqueologicodeodrinhas.pt

«Texto citado na íntegra ou adaptado a partir do Museu Arqueológi-co de São Miguel de Odrinhas»

Ruínas da uilla romana de São Miguel de Odrinhas“Abóbada de um templo romano” é a designação com que o “pai” da arqueologia portuguesa, o hu-manista André de Resende, assinalou a velha ábside que, na sua época, sobressaía da terra fértil em vel-has inscrições romanas e outras antiqualhas, junto à Ermida de São Miguel de Odrinhas.Essas ruínas foram visitadas ao longo dos séculos e suscitaram as mais diversas interpretações: no século XIX, António Gomes Barreto e Gabriel Pereira continuam a chamar-lhe templo romano. Nos inícios do século XX, Félix Alves Pereira vê ali a estrutura de um antigo mausoléu e Vergílio Correia a de um baptistério paleocristão. As escavações vieram ape-nas nos anos 50, com Fernando de Almeida, e então deu-se como coisa certa tratar-se de uma basílica paleocristã. Hoje, porém, as dúvidas persistem: Justino Maciel retoma a hipótese do mausoléu, conferindo-lhe, no entanto, data tardo-romana; Pedro Palol acredita na basílica cristã, mas adianta-a vários séculos; Car-dim Ribeiro defende estarmos, muito simplesmente, perante a exedra, ou sala nobre, da villa romana em que estruturalmente se insere, provida de um espaço para triclínio e datável de inícios do séc. IV d. C..

As ruínas da uilla romana de São Miguel de Odrin-has e, até certo ponto, a própria ermida – que con-tinua aberta ao culto -, funcionam como extensões ao ar livre do próprio Museu que foi construído em estreita articulação com esta estação arqueológica. Por detrás do Museu, ergue-se um outeiro onde aflo-ramentos e menires se misturam, sincretizando num espaço outrora sagrado a obra do Homem e a da Natureza.As Ruínas de São Miguel de Odrinhas encontram-se classificadas como imóvel de interesse público através do Decreto n.º 42692 de 30 de Novembro de 1959.Informações Úteis Morada: Avenida Professor Doutor Fernando d’AlmeidaSão Miguel de OdrinhasLocalização do MuseuCoords. GPS | 38º53’13,52″N, 9º21’58,61″WA meio caminho entre Sintra e a Ericeira (EN 247). Na povoação de Odrinhas, cruzamento para São Miguel de Odrinhas/Funchal.Horário do MuseuDe Terça-feira a Sábado, das 10.00 às 13.00 e das 14.00 às 18.00O Museu encerra aos Domingos, Segundas-feiras e Feriados

Site: www.museuarqueologicodeodrinhas.pt«Texto da autoria do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas»

Page 26: ptromano_n0_ver1.1

pag. 48 pag. 49

Villa Romana de Santo André de AlmoçagemeEm Santo André de Almoçageme (Sintra) localiza-se a uilla mais ocidental do Império romano.

Descoberta no início do século, quando da abertura da estrada que liga este local à Praia Grande, só na década de 1980 se começaram os trabalhos de escavação que vieram trazer alguma luz sobre o achado.

Trata-se de uma uilla áulica romana tardia, de proporções monumentais, com cerca de 400m de comprimento e 80m de largura.As escavações puseram a descoberto várias salas de pavimentos decorados com mosaicos policromos, e permitiram datar a ocupação do local entre o século II d.C. e o século VI d.C., situação atestada pelo vasto espólio aqui recolhido, entre ele uma grande quantidade de cerâmicas finas de importação da Gália, do Norte de África e também do Mediterrâneo Oriental.As referências mais antigas sobre a existência de vestígios arqueológicos em Santo André de Almoçageme remontam ao Século XVII, mas foi apenas em 1905 – quando foi transformado em estrada o antigo caminho para o Rodízio – que ali foi reconhecida a existência de ruínas e mosaicos romanos, cuja importância desde logo motivou a intervenção dos arqueólogos do então Museu Etnológico Português (actual Museu Nacional de Arqueologia).

As primeiras escavações modernas decorreram na década de 1980 e revelaram grande parte da planta da casa senhorial – pars urbana –, na qual se destaca a existência de várias salas com pavimentos de mosaico polícromo, que se desenvolvem a Norte do peristilo; aliás, tal conjunto de mosaicos revelou-se, até hoje, o de maior importância e amplitude até agora descoberto em todo o Distrito de Lisboa.

Nos anos de 1980 foi ainda escavada uma área da pars rustica da uilla, destinada à produção de cerâmica, onde numa fase tardia, e após o abandono do forno e das estruturas anexas, foram inumadas pelo menos duas crianças recém-nascidas. Desde 2007 a equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas tem vindo a desenvolver novos trabalhos na uilla de Santo André de Almoçageme, no âmbito de um projecto de valorização e futura musealização deste sítio arqueológico, na sequência das es-cavações realizados anteriormente. Com a aquisição do terreno onde se situa a uilla por parte do município de Sintra foram criadas as condições para a escavação, restaurar dos pavimentos de mosaicos descobertos e estudo da villa e a relação com o antigo santuário do Sol e da Lua (séculos II-III), que se presume ter existido nas proximidades, tanto mais que se encontrou uma pequena estátua de júlia Domna, mulher do imperador Séptimo Severo.

Localização: Estrada do Rodízio, AlmoçagemeVisitas: Acesso condicionado, visitável junto às estrutura de protecção do sítio arqueológico.

Santuário Romano do Sol e da LuaRemontam a 1505 as primeiras referências ao santuário, que é visitado ao longo do século XVI e seguintes. Progressivamente en-coberto pelas dunas e perdidas, dele apenas restava o seu registo escrito e um desenho da autoria de Francisco d’Ollanda. Em 2008 durante uma intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi possível identificar finalmente a sua localização. O recinto circular do santuário (que talvez se tratasse de um templo, um simples témenos, ou espaço sagrado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa que avançava pelo mar, até aos 40 metros de altitude, e que assim constituía um pequeno promontório. Deste importante santuário romano da região de Colares, consagrado a SOLI ET LUNAE, provém importantes inscrições. Ptolomeu situa -o a noroeste de Olisipo o «LUNAE MONS, PROMONTORIUM»Aqui se encontra uma intencional forma de ligação entre culto astral e culto imperial, operada num santuário carregado de sim-bolismo pela sua localização e por certo herdeira de remotas tradições religiosas locais, quer ligadas ao ciclo solar, quer ao culto à Deusa Lunar e salutífera nos Montes sagrados, da Serra da Lua.

A sua única função seria direccionar as protecções dos astros eternos e garantir assim o bem estar dos imperadores, e do próprio império - A Roma Aeternae.Assim se justifica não se encontrar na epigrafia do santuário dedicantes particulares ou mesmo magistrados municipais. Apenas altos dignitários Imperiais, que ali representavam os próprios Augustus, e em favor dos quais invocavam os grandes Luminares Celestes.(Saber mais consulte o tema de capa da Revista)

Localização: Rua da VigiaVisitas: Aberto ao público

Page 27: ptromano_n0_ver1.1

pag. 50

“ Todos, ou quasi todos os geographos modernos estrangei-ros, reconhecem que o Lima é o Lethes dos antigos. (…)Não se sabe com certeza a razão porque a este rio se deu o nome de Lethes (esquecimento) Strabão diz que lhe proveio do facto seguinte:

Alliando-se os túrdulos e celtas, para certa expedição que intentavam fazer, querendo passar este rio, se suscitou um motim, do qual resultou a morte do seu chefe: pelo que ficaram os soldados dispersos por esta ribeira, esquecidos completamente da tal expedição e dos motivos d’ella.Os romanos, que depois dominaram esta provincia, esta-vam tão persuadidos que as aguas d’este rio produziam o esquecimento que a maior parte dos seus capitães, temen-do esquecer-se de Roma, não queriam tentar a passagem d’este rio.

Tito Livio (Epitom lib. 55) diz que — Desejando o consul ro-mano, Decio Junio Bruto, passar o rio Lima, para fazer guer-ra aos callaicos (gallegos) pelos annos 135 antes de Jesus Christo – e vendo que seus soldados recusavam atravessar o rio, com receio de se esquecerem da sua patria, tomou a

bandeira das aguias, da mão do alferes, e passou intrepida-mente o rio, chamando da outra margem os soldados pelos seus nomes, para lhes provar que se não tinha esquecido. Isto serviu de estimulo ás legiões romanas, que a exemplo do seu general atravessaram então o rio.Dizem outros que se lhe deu o nome de Lethes, pelo sum-mo descuido e brandura com que corre, e pela amenidade e belleza dos seus campos, que fazem a quem os vê, esquec-er-se das outras terras. “

PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de, Por-tugal Antigo e Moderno, Lisboa, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo IV, p. 93

imagem:Título: “Rio Lima”

Autor: Almada negreiros

Lendas e estórias do mundo romano

Lenda do Rio Lethes (Rio Lima, Ponte de Lima)