Pulsologia Chinesa

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Pulsologia Chinesa: o estudo moderno e a prática clássica Nesta palestra vou abordar o tema da pulsologia chinesa. Acredito que para um praticante ocidental compreender um assunto tão vasto e tão complexo é necessário saber distinguir, organizar, analisar e aplicar as muitas concepções chinesas que se encontram emaranhadas e, não raro, originando incompreensões diversas. Sei que muitos acupunturistas rejeitam a idéia de que somos orientados pela razão cartesiana. Sei também que é dito por seus professores que é necessário “pensar como um chinês” para entender a Medicina Tradicional Chinesa. No entanto, preciso dizer o quanto isso é impossível e improvável. À um ocidental só seria possível pensar desse modo caso dominasse o idioma chinês (e as suas categorias de raciocínio) há longos e longos anos. E sabendo que este não é o caso, eu sugiro raciocinarmos a medicina chinesa mediante as nossas próprias categorias de pensamento. Isto, porém, não significa dizer que devemos lançar um olhar etnocêntrico (e nefastamente científico) sobre a cultura milenar do oriente. De fato, não conseguiremos “pensar como chineses”, mas podemos, e devemos, pensar como é que os chineses pensaram a sua medicina. E faremos isto utilizando as ferramentas teóricas da sociologia e da filosofia do ocidente.

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Pulsologia Chinesa: o estudo moderno e a

prática clássicaNesta palestra vou abordar o tema da pulsologia chinesa. Acredito que para um

praticante ocidental compreender um assunto tão vasto e tão complexo é necessário

saber distinguir, organizar, analisar e aplicar as muitas concepções chinesas que se

encontram emaranhadas e, não raro, originando incompreensões diversas.

Sei que muitos acupunturistas rejeitam a idéia de que somos orientados pela razão

cartesiana. Sei também que é dito por seus professores que é necessário “pensar como

um chinês” para entender a Medicina Tradicional Chinesa. No entanto, preciso dizer o

quanto isso é impossível e improvável. À um ocidental só seria possível pensar desse

modo caso dominasse o idioma chinês (e as suas categorias de raciocínio) há longos e

longos anos.

E sabendo que este não é o caso, eu sugiro raciocinarmos a medicina chinesa mediante

as nossas próprias categorias de pensamento. Isto, porém, não significa dizer que

devemos lançar um olhar etnocêntrico (e nefastamente científico) sobre a cultura

milenar do oriente. De fato, não conseguiremos “pensar como chineses”, mas podemos,

e devemos, pensar como é que os chineses pensaram a sua medicina. E faremos isto

utilizando as ferramentas teóricas da sociologia e da filosofia do ocidente.

Neste sentido, proponho três abordagens para a pulsologia chinesa.

Abordagem Sistemática

A primeira abordagem consiste na exposição didática dos vinte e oito tipos de pulso a

fim de sistematizar o aprendizado. E fazendo assim, definir as características físicas de

cada pulso, descrever a natureza yin-yang deles, detalhar sua técnica de palpação e

situar quais as situações patológicas onde aparece cada um desses vinte e oito pulsos.

Essa abordagem é bastante simples e é a mais utilizada nos cursos de acupuntura. No

entanto, considero importante ressaltar que isto tende à superficialidade quando não

apoiado por uma reflexão bem mais aprofundada acerca das origens, das mesclas e das

aplicações da pulsologia chinesa.

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Abordagem Analítica

No sentido de não permanecer na superficialidade, a segunda abordagem vem embasar

o estudo do pulso. Partindo das pesquisas sociológicas sobre as escolas de pensamento

da medicina chinesa e fazendo uso das categorias da filosofia ocidental vamos buscar

compreender como:

1. diferentes racionalidades, desde a dinastia Zhou até a República Comunista, se aglutinaram ao

longo da história de modo a compor aquilo que se nomeia conhecimento do pulso;

2. perceber que esse conhecimento se organizou à revelia de uma coerência sistemática (como

ocidental gostaria!);

3. e refletir que na medicina chinesa não há uma única pulsologia, e sim, dezenas que coexistem

ao mesmo tempo dentro do exame e das interpretações do diagnóstico pelo pulso (o que causa

muitos conflitos).

Abordagem Prática

É o passo adiante das abordagens didática e analítica. Constituí-se de duas frentes: (1)

treinar a identificação dos pulsos; e (2) praticar a racionalização do diagnóstico. Isto nos

conduzirá a um estudo racional e a um estudo táctil da pulsologia chinesa.

No estudo racional acho positivo nos atermos à cinco processos mentais: enumeração,

descrição, definição, classificação e comparação dos pulsos e sintomas apresentados

pelo paciente. Esta forma de raciocínio foi tanto praticada por Confúcio (e influenciou

vários clássicos da medicina chinesa), quanto por Hipócrates, o pai da medicina

ocidental.

No estudo táctil é necessário seguirmos o método e a técnica tradicionais.

O Método

O método do pulso é chamado de Pressão dos Grãos de Arroz. Foi descrito nos três

principais clássicos da pulsologia chinesa, a saber: Mai Jing (Clássico do Pulso), Jia Yi

Jing (Clássico sistemático) e Bin Hu Mai Xue (Estudo de Pulso de Bin Hu).

O método consiste em pressionar uniformemente com os dedos indicador, médio e

anelar nas posições cun (polegar), guan (barreira) e chi (pé) a fim de progressivamente

atingir o pulso do paciente em cinco níveis. Esses níveis correspondem à: pele, vasos,

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músculos, tendões e ossos. No nível da pele faz-se uma pressão equivalente a três grãos

de arroz; no nível dos vasos faz-se uma pressão de seis grãos de arroz; no nível dos

músculos faz-se uma pressão de nove grãos de arroz; no nível dos tendões faz-se uma

pressão de doze grãos de arroz; e no nível dos ossos faz-se uma pressão com os dedos

até sentir o osso rádio.

A importância do método está no fato de que somente através da prática da Pressão dos

Grãos de Arroz o acupunturista desenvolverá as habilidades necessárias para conseguir

executar a técnica do pulso.

A Técnica

É conhecida pela denominação clássica de As Sete Buscas e As Nove Localizações.

Com ressalvas tanto históricas quanto à utilização da mesma, podemos dizer que a

técnica foi descrita no Nan Jing (Clássico das Dificuldades). Oposta e complementar ao

Método dos Grãos de Arroz, a técnica consiste em pressionar alternadamente com os

dedos sobre o pulso do paciente.

Sua execução ocorre da seguinte forma: primeiro fazer pressão leve, pressão moderada

e pressão profunda em cada uma das três posições no intuito de encontrar a

profundidade do pulso. Depois comparar o pulso esquerdo com o pulso direito para

distinguir a natureza da moléstia. E por fim, pressionar alternadamente sobre as

posições cun e chi para e verificar as nuanças quanto ao ritmo da pulsação.

As Sete Buscas e As Nove Localizações visa encontrar o pulso, identificar sua tipologia

e saber como está o movimento desarmônico do qi-xue. E desta forma proceder o

diagnostico através do pulso.