QUADRO TEÓRICO- BARBARA FREITAG
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CIP-Brasil. Catalogaceo-na-Fonre
C ama ra Br asl fe ir a do L lv ro. SP
Freitag. Barbara.
F935e Escota. Estaoo e soctedaoe / Barbarae.ec. Freitag. - 4. ed. r ev . - Siill P au lo : Mon es . 1 9S 0.
(Cotecao educacao universuarla}
I.E duca~o e Estado-Brasil 2. Potnlca e eou-c ec eo 3 .S oc io lo gi a e du ca ci on al - B ra si l I. Titulo.
17. c IltCDO-379.81
17. e IS. · 370.1909SI17. -.179
18. ·379.2010-0514
ind ices para catalogo s ts temauco.
I. B ra si l: E du ca ca o e E sr ado 3 79 .81 ( 17. e I S_)
2 . B ra si l: E du ce ra o e s oc ie da de 37 0. 190 9S I ( 17. eIS.)
B ra si l: P ol ul ca e du ca ci on al 37 9. 81 ( 17. e I S. )
E du ca cl o e c oun ce 37 9. (17. ) 37 9. 201 ( IS >
Polidca. lnfluencia nil educacao 379 ( 17.1379 .201 (IS . )
ESCOl4:,
ESTAllD
eSOCIEDADE
Barbara Freitag
Sexta ·edicao revtsto
EDITORA MOR4:ES 1986
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QUADRO TEORICO
Estudar a educac;:ao no contexto da realidade brasileira re-
cente, a partir de urn enfoque sociol6gico, exige urn referencial te6-
rico que pode ser encontra do em parte na sociologia e na economia
da educac;:ao. '
Nao tentaremos aqui uma revisao de todas as posjcoes te6ricasexistentes; basta-nos, para justificar a p-os'icao por n6s adotada,
recapitular os limites e as vantagens das teorias mais conhecidas.
Quanto a conceituac;:ao de ecluc.acao e sua sttuacao num contexto
social, existe, em quase todos os autores, conoor dftncda em dois
pontos: .
1) a educatriio sempre expressa uma doutrina pedag6gica, a
qual implicita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida,
corice pcao de homem e sOciedade;
2) numa realidade social concreta, 0processo educacional se
dfl a.traves de insl:ituic;:oesespecificas (familia, igreja, escola, comu-
nidade) que se tor-narn' porta-vozes de uma determinada doutrina
pedag6gica.
Essa posicao foi primeiramente sistematizada por Emile Dur-
kheirn;' que nao espeCifica os corrteudos educacionais mas que
parte do conceito do hotnem egoista que precisa ser moldado para a
vida societar-ia. As novas geracoes apresentatn uma flexibilidade
J. V Ju OlJ RKI 1111M. Bm 1 IWueae 0., Socloloal •• M Ihorumentos. 8!' ed,.S "1',,,.1<>.1,)7 •
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para assimilar, internalizar e, finalmente, reproduzir os valores, as
normas e as experiencias das geracoes mais velhas. 0 processo
educacional e mediatizado basicamente pela familia, mas tambem
por instituicoes do Estado como escolas, universidades. As geracoesadultas suscitam na crianca, atraves dessas instituicoes, "certo rni-
mere de estados fisicos, intelectuais emorais, rec1amados pela socie-
dade politica no seu conjunto e pelo meio especial a que a crianca
particularmente se destina", 2
A filosofia de vida implicita nessa teoria educacional pressu-
poe que a experiencia das geracoes adultas e indispensavel para a
sobrevivencia das geracoes mais novas. A transmissao da experien-
cia de uma geracao a outra se da no interesse da continuidade de
uma sociedade dada. Tambern transparece aqui a posicao do socio-
logoque se opoe a qualquer forma de reducionismo. A educacao e
urnfato socia!. Portanto, se impoe coercitivamente aoindividuo que,
para 0 seu proprio bern, sofrera a acao educativa, integrando-se e
solidarizando-se com0 sistema social emque vive. Os conteudos da
educacao sao independentes das vontades individuais; sao as nor-
mas e os valores desenvolvidos por uma certa sociedade (ou grupo
social) em determinado momenta historico, que adquirem certa
generalidade e com isso uma natureza propria, tornando-se assim
"coisas exteriores" aos individuos. 3
E no processo educacional que essas coisas, ao mesmo tempo
que sao impostas de fora aoindividuo, sao por ele "internalizadas" e
comissoreproduzidas e perpetuadas na sociedade. 0 individuo que
originalmente apresentava uma natureza egoista, depois de edu-
cado, adquire uma segunda natureza, que 0 habilita a viver em
sociedade dando prioridade as necessidades do todo, antes das
necessidades pessoais. A educacao e para Durkheim 0 processo
atraves do qual 0 egoismo pessoal e superado e transformado em
altruismo, que beneficia a sociedade. Semessa modificacao subs-
tancial da natureza do homem individual emser social, a sociedade
nao seria possivel, A educacao se torna assim urn fator essencial e
constitutivo da propria sociedade.
2. Ibid. , p. 41.
3. Para a conceituacao de "Iato social" emDurkheim conlira: DURKHEIM,
E.: As Regras do Metodo Soclologico, Editora Nacional, 6~ ed., especialmente os
Caps. I e II, Sao Paulo, 1971.
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Talcott Parsons, absorvendo em seu Social System4 parte
substancial das ideias de Durkheim, vena educacao (emsua termi-
nologia apresentada como "socializacao") 0mecanismo basico para
a constituicao de sistemas sociais e de manutencao e perpetuacaodos mesmos emforma de sociedades. Sema socializacao 0 sistema
social e incapaz de manter-se integrado, preservar sua ordem, seu
equilibrio e conservar seus limites. 5
Para que 0 sistema sobreviva, os novos individuos que nele
ingressam precisam assimilar e internalizar os valores e as normas
que regem 0 seu funcionamento. Parsons, ao contrario de Dur-
kheim, nao destaca tanto 0 aspecto coercitivo do sistema face ao
individuo, mas ressalta a complementaridade dos mecanismos em
atuacao a fim de satisfazer os requisitos do sistema social e do
sistema de personalidade. Assimcomo 0sistema tern necessidade de
socializar seusmembros integrantes, tambern 0 individuo ternneces-
sidades que somente 0 sistema pode satisfazer.
Ha, portanto, no processo educativo uma troca de equlvalen-
tes emque tanto 0 individuo quanto a sociedade se beneficiam. A
fim de maximizar as gratificacoes e minimizar as privacoes 0 indi-
viduo se sujeita a certas exigencias impostas pelo sistema. Este con-
cede ao individuo certas gratificacoes para amenizar as tendencias
disruptivas do individuo e garantir assim 0 equilibrio e a harmonia
do todo. 0 equilibrio do sistema de personalidade, por sua vez, e
requisito do equilibrio do proprio sistema social. A crianca, ne-
cessitada de amor e carinho materno, aceita as normas e as proi-
bicoesformuladas no interesse da ordem social. Apropria satisfacao
dessesinteresses dosistema, mediatizada pelospais, vai sendo expe-
rimentada como gratificacao (reflexo condicionado) pela crianca.
. Reforcada pelo sistema com elogios, carinho, sorrisos, ela nao per-
cebe que as necessidades do sistema estao se tornando suas proprias
necessidades. E assim que 0individuo passa a atuar no sistema
comournelemento funcional domesmo.
ComoDurkheim, Parsons nao fixa quais seriamosvalorese as
normas especificas de cada sistema. Mas como Durkheim, Parsons
deixa claro que valores genericos como continuidade, conservacao,
4. PARSONS, Talcott: The Social System, The Free Press 01Glencoe, Lon-
dres, 1964 (l~ ed. paperback).
S. Ibid. Confira especial mente 0Cap. VI.
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ordem, harmonia, equilibrio sao os principios basicos que regem 0
funcionamento do sistema societario como urn todo e de seus subsis-
temas, aos quais osindividuos se sujeitam no seu proprio interesse.
E por essa razao que tanto Durkheim como Parsons tern sido criti-cados por seus pressupostos conservadores, que os levam a exor-
cizar, com auxilio de uma teoria educacional, 0 conflito, a contra-
dicao, a luta e a mudanca social de seus sistemas societarios. Os dois
autores nao veern na educacao urn fator de desenvolvimento e de
superacao de estruturas societarias arcaicas, mas sim 0 know-how
necessario, transmitido de geracao emgeracao, para manter a estru-
tura e 0 funcionamento de uma sociedade dada.
Divergem substancialmente dessa posicao autores como De-
weyouMannheim. Ambos veemna educacao nao urnmecanisme de
correcao e ajustamento do individuo a estruturas societarias dadas,
mas urn fator de dinarnizacao das estruturas, atraves do ato ino-
vador do individuo. No processo educacional 0 individuo e habili-
tado a atuar no contexto societario em que vive, nao simplesmentereproduzindo as experiencias anteriores, transmitidas por geracoes
adultas, mas emvista de tais 'experiencias, sua analise e avaliacao
critica, ele se torna capaz de reorganizar seu comportamento e
contribuir para a reestruturacao e reorganizacao da sociedade rno- .
derna. Tanto 0 individuo como a sociedade sao vistos num contexto
dinamico de constantes mudancas.
Urna analise mais detalhada da posicao dessesautores mostra,
porern, como tarnbem a sua posicao encerra limites intransponiveis.
Dewey>exigeque nao se faca uma separacao entre educacao e vida.
"Educacao nao e preparacao, nemconformidade. Educacao e vida,
e viver, e desenvolver-se, e crescer." 7
Aoviver sua propria vida 0 individuo e forcado a atuar e sua
acao se transforma emprocesso educativo. Isso porque Deweypartedoprincipio de que 0individuo se dispoe para novas acoes depois de
avaliar e reorganizar suas experiencias. 0ate educacional consiste,
pois, emdar a esse individuo ossubsidios necessaries para que essa
6. DEWEY, John: Vida e Educa~o, Melhoramentos, Sao Paulo, 1971 (7~
ed.).
7. Ibid. Veja a introducao de Anisio Teixe ira: A Pedagogia de Dewey -
EsbD90da Teoria de Educacao de John Dewey, p. 31.
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reorganizacao de experiencias vividas se de emlinhas mais oumenos
ordenadas e sistematizadas. Ora, J;>araque isso se efetive, 0meio em
que se da 0processo educacional tern que ser organizado e reestru-
lurado para que haja uma seqiienda adequada de experiencias quepossam ser avaliadas e alargadas de forma mais ou menos siste-
matica.
Para Dewey este meio e a e~cola, que deve assumir as carac-
teristicas de uma pequena comunidade dernocratica. Aqui a crianca
aprenderia pela propria vivencia lis praticas da democracia, habili-
tando-se a transferi-las, futuramente, em sua vida adulta, a socie-
dade dernocratica como tal. Ainds, mais, a vivencia democratic a na
escola, onde ficariam excluidos osmomentos perturbadores do estilo
dernocratico de vida, fortaleceria na crianca e no futuro adulto as
regras do jogo democratico, Pois os cursos dessas escolas estariam
aptos a reestruturar e reorganiza- a sociedade global, que muitas
vezes apresenta desvios em rela9~0 aos principios da democracia,
seja nocampo economico, politico ou ideologico.Assim vista, a educacao eX:igidapor Dewey vern a ser uma
doutrina pedagogics especifica da sociedade dernocratica. Educacao
nao e simplesmente urn mecanismo de perpetuacao de estruturas
sociais anteriores, mas urn mecanismo de implantacao de estruturas
sociais ainda imperfeitas: as democraticas. Educacao nao se reduz
aos valores e normas formuladas lJor Durkheim e Parsons, de cara-
ter extremamente formal e conservador, mas esta incondicional-
mente ligada aos valores e normae da democracia. Pressupoe indi-
viduos que tenham chances iguaia, dentro de uma sociedade livre e
igualitaria, onde eJescompetem P\)r diferentes privilegios. A compe-
ticao se da mediante regras de j<)goclaramente fixadas, aceitas e
internalizadas pelos individuos te em vigor e funcionamento nas
diferentes instituicoes democratic gg Pode haver diferencas de nivel
e de qualidade entre os individuos., mas eJesas aceitam como justas
porque adquiridas democraticam~nte pelos diferentes individuos. 0
modelo societario subjacente e 0 da igualdade das chances, nao 0 da
igualdade entre os homens. Essa igualdade das chances e reconhe-
cida e aceita pelos individuos que se admitem e aceitam como dife-
rentes quanto a certos dons da n!\tureza (forca, inteligencia e habi-
Jidade). As desigualdades na sO~iedade nao sao percebidas como
diferencas geradas historica e s~ialmente pelo proprio sistema so-
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cial estabelecido, mas como justas, decorrentes das diferencas natu-
rais entre os homens.
Por isso este modelo societario tarnbern nao e questionado,criticado ou modificado. Reina nele a ordem regulamentada pela
cornpeticao: os conflitos sao democraticamente solucionados. As
mudancas admitidas nesse sistema societario se resumem no aper-
feicoamento das estruturas dernocraticas. Uma vez implantado esse
sistema societario, todos os mecanismos funcionarao para a conser-
vacao do mesmo. A divergencia inicial constatada entre a concepcao
de Durkheim e Parsons se apaga ao compararmos os resultados a
que ambos os processos educacionais levam.
Em Mannheim temos uma versao ampliada da teoria de De-
wey.
o jovem sociologo de formacao hegeliana, depois de experi-
men tar 0 caos do fascismo e da II Guerra Mundial na Alemanha,
emigra para a Inglaterra onde se deixa seduzir pelo modelo demo-
cratico da sociedade britanica. Ern seus trabalhos, a partir de entao,
se torna advogado de uma sociedade dernocratica planejada." A
natureza e a historia do homem e da sociedade precisam ser contro-
lad as de forma racional e democratica. Para tal se oferecem uma
serie de tecnlcas sociais e entre elas, estrategicarnente, a educacao.
Essas tecnicas precisam ser manipuladas de tal forma que impecam
a repeticao do caos e garantam a manutencao de uma ordem social
essencialmente dernocratica,
Para que as sociedades modern as alcancem esse objetivo su-
premo da democracia, precisam educar os seus membros nas regras
dojogo, valores e normas democraticos a partir das bases e desde 0
inicio da vida do individuo ern sociedade. A educacao assume aqui
c1aramente uma conotacao politica. A educacao vern a ser 0 pro-
cesso de socializacao dos individuos para uma sociedade racional,harmoniosa, democratica, por sua vez controlada, planejada, man-
tida e reestruturada pelos proprios individuos que a cornpoem. A
pesquisa e uma das tecnicas sociais necessarias para que se conhe-
cam as constelacoes historicas especificas. 0 planejamento e a inter-
vencao racional controlada nessas constelacoes para corrigir suas
8. VejaMANNHEIM, Karl: Freedom,Power and Democratic Planning, New
York,1950.
distorcoes e seus defeitos. 0 instrumento que por excelencia poe em
pratica os pIanos desenvolvidos e a educacao."
Essa, compreendida no senti do mais amplo como sociali-
:l.ar;:ao,encontra agentes nas mais variadas formas e instituicoes.
As mais fundamentais sao a familia (mas tarnbem grupos de refe-
rencia, vizinhanca, etc.), a escola e 0lugar de trabalho (inc1uindo
xindicatos, partidos, c1ubes, 0 boteco da esquina, etc.). E ness as
insti tuicoes que as praticas democratic as sao adquiridas, forta-
lccidas e reproduzidas. No complexo societario uma e outra insti-
tuicao exercem urn controle reciproco sobre os individuos que a
integram.
Assim, Mannheim, apesar de partir do objetivo final de uma
sociedade democratic a empleno funcionamento, revela-se como urn
teorico na linha das reflexoes de Dewey. E na propria experiencia da
vida em insti tuicoes de cunho democratico que se da a educacao
para a democracia. Resta perguntar para ambos os autores 0 que
vern primeiro: a democracia ou 0 individuo dernocratico? Pois, porurnlado, a educacao deve produzir individuos democraticos, capazes
de criarem e manterem ern funcionamento instituicoes e estruturas
democraticas, Mas, por outro lado, esses individuos so virao a ser
democratas convictos se as proprias instituicoes ern que vivem lhes
transmitirem as regras dojogo democratico. Ambos partem do pres-
suposto que tanto os individuos como as instituicoes sao - do ponto
de vista dos valores basicos da democracia - imperfeitos, Essa
imperfeicao deve ser corrigida pela educacao. Mas a propria edu-
cacao seefetiva emestruturas sociais concretas, as quais por sua vez
sao imperfeitas.
Surge 0 impasse. Dewey, que se limita ao nivel da institucio-
nalizacao da educacao ern escolas, propoe que essas assumam 0
carater de comunidades dernocraticas artificiais que reproduzam de
mane ira perfeita as comunidades imperfeitamente dernocraticas dasociedade global envolvente. Os alunos que deixam essas escolas-
-rnodelo serao futuramente capazes de aperfeicoar as instituicoes
deficitarias da sociedade. Mannheim recorre it ciencia e aos homens
que a praticam: a intelligentsia.
9. Cf. MANNHEIM, Karl e STEWART, W. A. C.: Introdu\'ilo" Soclologla
da Educaeao, Cultrix, Sao Paulo, 1972, p. 41e segs.
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Treinados pela inteligencia e pela razao, conhecendo as estru-
turas em que vivem e os mecanismos historicos que as regem, os
intelec tuais se libertam com auxilio da reflexao consc iente, dos
condicionamentos e das deformacoes de classe, tornando-se aptos a
planejarem e executarem 0modele da sociedade democratica racio-nalmente planejada e controlada." Sao eles, portanto, uma elite
rarefeita que irnpora aos demais membros da sociedade os princi-
pios da organizacao da vida democra tica. Os demais individuos,
membros da soc iedade, assirnilarao, de born grado, essas impo-
sicoes, porque nelas aprendem a reconhecer sua propria felicidade.
A democracia se transforma assim no autor itar ismo democratico
consent ido pelo povo. Tambem nesse modele se visa a implantacao
do sistema perfeito, ao qua l os individuos precisam se adapta r. Os
conflitos sao controlados racionalmente e erradicados a longo prazo
pelo comportamento democratico incuIcado em cada urn.
Tambern aqui, na doutr ina educacional de Mannheim, desco-
brimos, subjacente, 0modele da ordem, da harmonia, da ausencia
de confl itos e contradicoes de uma sociedade sem classes em que as
diferencas horizontais e verticais entre os individuos sao justificadas
por uma ideologia democratica, Admite-se, porern, que, para che-
gar a esse modelo, muitos esforcos ainda precisam ser fei tos, espe-
cialmente atraves da educacao, para cria r nos individuos as cons-
cienc ias adequadas de aceitacao e reproducao do novo status quo
proposto. Apesar de a educacao ser uma "tecnica social" de dinami-
zacao, superando velhas estruturas pela sugestao do novo modelo
dernocratico, este - uma vez implantado - nao permite novas
mudancas. A educacao passa a ser urn processo rotineiro de cons-
tante reproducao do mesmo: estruturas sociais supostamente demo-
craticas que de fato perpetuam desigualdades sociais e histor icas ,
interpretadas como naturais e devidas a diferencas individuais, comauxilio do postulado da igualdade de chances.
Alern dessas restricoes fei tas ao modele teorico proposto por
Mannheim permanece sem resposta a pergunta levantada por Marx:
quem educa os educadores, quem planeja os planejadores, quem
forma a intelligentsia que decidira (democraticamente) sobre 0 des-
tino dos homens na sociedade planejada de Mannheim?
10. Cf . MANNHElM, Ka rl : F re edom, Power . •.• op. c it.
As teorias educacionais ate agora revis tas pecam por seu alto
grau de general idade e seu extreme formalismo. Assim, referem-se a
individuos e sociedades histor icas, de caracter ist icas universais.
Todos os individuos sao sujeitos ao mesmo processo de socializacao
em uma sociedade dada , caracterizando-se esta por seu funciona-
mento global, sua harmonia e ordem interna.
Durkheim e Parsons , negando a dirnensao histor ic a e com isso
a possibi lidade de mudanca do contexto societario em que vivem os
individuos, negam tambern a concepcao do homem historico que
seria produto dos condicionamentos socio-economicos, ao mesmo
tempo que ator consciente dentro das estruturas que 0condicionam.
Negam ainda a dimensao inovadora e emancipatoria da edu-
cacao, que em suas teorias e reduzida a urn instrumento de manu-
tencao e apologia do status quo. Nao se fa la nos conteudos educa-
cionais especif icos e no interesse de grupos em nome dos quais esses
estao sendo transmitidos de geracao em geracao , Isso porque nao
partem de uma concepcao de sociedade estruturada em classes ougrupos com interesses e aspiracoes distintas, ja que a soc iedade e
concebida como um todo sistemico compos to por elementos (os indi-
viduos) interligados que garantem 0 funcionamento harmonioso do
todo. Os referidos autores expelem os confl itos e as contradicoes de
seus modelos teoricos, escondendo com isso as diferencas sociais
existentes. Ainda mais, pos tulam ser 0sistema educacional 0meca-
nismo de ajustamento por excelencia entre homem (individuo) e
sociedade. Somente se aquele falhar , podem emergir os confl itos ,
concebidos como disfuncoes do sistema.
Dewey e Mannheim parecem, ao contrario, ver na educacao
urn instrumento de mudanca social, ja que e atraves dela que se
impora e realizara a sociedade democratica, Educacao, em verdade,e concebida como agente de democratizacao da sociedade.
A teoria dos dois autores esta subjacente a concepcao de
sociedades empiricamente imperfeitas, contraditorias, conflituosas,
nao (perfeitamente) democraticas. No caso de Dewey a democrati -
zacao g lobal se ra alcancada pela a~ao da escola "que educara para a
vida". Quanto a Mannheim essa democratizacao se dara mediante
estudo cientifico meticuloso das condicoes societarias vigentes (ta-
refa da ciencia). A base dos resultados desse estudo entra em a~ao 0
planejamento social que recorrera a educacao como urn dos seus
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I ,
T
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instrumentos estrategicos para encaminhar e garantir a democrati-
zacao.
o objetivo final, no caso de ambos os autores, e a sociedade
democratica harmoniosa, em que reina a ordem e tranqiiilidade,onde conflitos e contradicoes encontram seus mecanismos de solu-
cao e canalizacao. Assim sendo, Dewey e Mannheim nile diferem -
quanto aos resultados finais de suas teorias - da posicao a priori
conservadora de Durkheim e Parsons. Pois, uma vez implantada a
sociedade democratica, a funcao da educacao se reduzira a sua
manutencao,
Divergem fundamentalmente dessa concepcao do processo
educativo autores como Passeron e Bourdieu. Tern eles uma visao
hist6rica da sociedade e do homem Partem da analise e critica da
sociedade capitalista (especificamente da sociedade frances a do se-
culo XX).11 A caracteristica fundamental dessa sociedade e a sua
estrutura de classes, decorrente da divisao social do trabalho, basea-
da na apropriacao diferencial dos meios de producao,
o sistema educacional e visto como uma instituicao que pre-
enche duas funcoes estrategicas para a sociedade capitalista: a
reproducao da cultura (nisso os autores coincidem com as·colo-
cacoes feitas por Durkheim ou Parsons) e a reproducao da estrutura
de classes. Uma das funcoes se manifesta no mundo das "repre-
sentacoes simb6licas" (Bourdieu) ou ideologia, a outra atua na
pr6pria realidade social.
Ambas as funcoes estao intimamente interligadas, ja que a
funcao global do sistema educacional e garantir a reproducao das
relacoes sociais de producao, Para que essa reproducao esteja total-
mente assegurada, nao basta que sejam reproduzidas as relacoes
factuais que os homens estabelecem entre si (relacoes de trabalho e
relacoes de classe); precisam tambern ser reproduzidas as represen-
tacoes simb6licas, ou sejam, as ideias que os homens se fazem dessasrelacoes, Durkheim, Parsons, Dewey e Mannheim praticamente
reduziram a funcao das instituicoes escolares a essa ultima, ou seja,
a reproducao de cultura, deixando de lade 0que Bourdieu chama de
reproducao social, isto e, a funcao de perpetuar a pr6pria estrutura
11. BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean Claude: A Reprcdueao - Ele-
mentos para uma Teorla do Sis tema de Ensino, Francisco Alves , Rio de Janeiro,
1975.
/ 2S
social hierarquizada, imposta por uma classe social a outra. Assim,
nas palavras de Bourdieu, 0 sistema educacional garante a "trans-
missao hereditaria do poder e dos privilegios, dissimulando sob a
aparencia da neutralidade 0 cumprimento desta funcao" .12Dai deriva uma nova conceituacao de sociologia da educacao,
Esta - segundo Bourdieu - "configura seu objeto particular
quando se constitui como ciencia das relacoes entre a reproducao
cultural e a reproducao social, ou seja, no momenta em que se es-
Iorca por estabelecer a contribuicao que 0 sistema de ensino oferece
com vistas iI reproducao da estrutura das relacoes de forca e das
relacoes simb6licas entre as classes, contribuindo assim para a
reproducao da estrutura da distribuicao do capital cultural entre as
classes"."
o sistema educacional consegue reproduzir as relacoes sociais,
ou seja, a estrutura de classes, reproduzindo de mane ira diferen-
ciada a "cultura", i. e., a ideologia da classe dominante. Como Dur-
kheim, Bourdieu considera 0 processo educativo uma acao coerci-
tiva, definindo a acao pedag6gica como urn ato de violencia, de
Iorca.'
Neste ato sao impostos aos educandos sistemas de pensamento
diferenciais que criam nos mesmos habitus diferenciais, ou seja,
predisposicoes de agirem segundo urn certo c6digo de normas e va-
lores que os caracteriza como pertencentes a urn certo grupo ou uma
classe."
Bourdieu e Passeron mostram que 0 sistema educacional fran-
ces moderno consegue, desta maneira, desempenhar, de forma mais
ajustada que 0sistema tradicional, a sua dupla funcao de reproducao
(cultural e socia!). Se 0 sistema tradicional se caracterizava por dois
tipos de escolas: as escolas da classe dominante (de "elite") e as es-
colas "para 0 povo", hoje, 0 moderno sistema educacional nao
ostenta mais essa dualidade. Aparentemente unificado, ele "cul-
12. BOURDIEU, Pierre: A Economa das Treeas Slmbellees. Perspectiva,
Sao Paulo, 1974, Cap. 7: Reproducao Cultural e Reproducao Social, p. 296.
13. Ibid., p. 295.
14. BOURDIEU, P. e PASSERON, J. C.: A Reprodueso, op. cit., p. 20.
15. BOURDIEU, P.: A Economa dee Trocas 51mbOUcas , op. cit. Veja espe-
clalmente 0 Cap. Sis temas de Ensino e Sis temas de Pensamento, publicado origi-
nalmente em: Revue Internatlonale d.. Sciences Social.. , Vol. XIX, 3, 1967, pp.
367-88.
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tiva" certos sistemas de pensamento que permitem por urn lado a
retencao do individuo no sistema escolar, garantindo-Ihe a aseensao
aos niveis superiores do en ino. Para os demais que vl10 sendo
excluidos oferece outros sistemas como justificativa de sua exc1usl1o.
Dessa maneira, 0 sistema educacional nllo reproduz estritarnente a
configuracao de classes, como 0Iazia 0 anterior, mas consegue,
impondo 0habitus da c1asse dorninante, cooptar membros isolados
das outra classes.
Tendo tido hlto segundo os padroes fixados pela acao peda-
g6gica e estando por iS50familiarizados com os esquemas e rituals
da classe dominante, os cooptados vllo defender e impor de maneira
mais radical a classe dominada os sistemas de pensamento que a
fazem aceitar sua sujeicao a dominacao. Ao mesmo tempo que 0
sistema educacional promove aqueles que, segundo seus padroes e
mecanismos de selecao, se demons tram aptos a participarem dos
privilegios e douso da forca (do poder), ele cria, sob uma aparencia
de neutralidade, os sistemas de pensamentos que legitimam a exclu-
sao dos nao-privilegiados. convcncendo-os a se submeterern a domi-
nacao, sem que percebam que 0Iazem.
Emgeral, a exclusao e explicada em termos de falta de habi-
lidades, capacidades, mau desempenho, etc., colocando-se 0 sis-
tema educacional como arbitro neutro. Como mostra Bourdieu, a
pr6pria escola canaliza e aloea os individuos que a percorrern ou
deixam de percorrer em uas respectivas classes, facilitando-Ihes a
justificacao desse fato, atraves de sistemas de pensamento que ela
rnesma trans mite. Assim a escola cumpre, simultaneamente, sua
func,:il.oe reproducao cultural e social, ou seja, reproduz as relacoes
sociais de producao da sociedade capitalista.
Mas seria ela somente isso? Suas funeoes realmente se Limitam
A reproducao cultural e social das relacees sociais?
Se assim Iosse, como se justificariam as investidas e interfe-rencias das empresas e do Estado na esfera educaeional com a
intencao de aprimorar recuesos bumanos e refuncionalizar 0sistema
educacional?
Parece 6bvio que a sociologia da educacao tem negligenciado 0
aspecto economico da educacao, dando origem-a disciplinas para-
lelas como planejamento educacional e economia da educacao que
procuram preencher as areas nao consideradas pelas teorias educa-
27
.ionais ate aqui recapituladas. Becker, I. Schultz.P Edding " e
Solow" sao os pais dessas novas disciplinas que hoje orientam as
tlecisOesde muitos governos na area cducacional.
Partern eles de urna constatacao empiric a que fundamenta
xuas rcflexoes te6ricas: a alta correlacao entre crescimento econd-
mico e myel educacional dos membros de uma sociedade dada.
Partindo de uma abordagem econsmica, nao encontravam eles urna
explicacjlo satisfat6ria do crescimento economico do mundo oci-
dental dos ultimos decenios que seguemall Guerra Mundial, Os
Iatores input da func,:aode crescimento - capital e trabalho - nao
bastaram para justificar 0output (taxa de crescimento) registrado.
Durante muito tempo essa grandeza residual foi atribuida a urn
"terceiro fator", fator desconhecido que para alguns era a tecnica.
para outros "a measure of ignorance", da propria econornia. Becker
e Schultz procuravam desvendar 0rnisterio, atribuindo a educacao a
causa do crescirnento exeedente. Aceita como valida essa hip6tese,
o. investimentos economicos "rentaveis" seriam aqueles que se con-
ccntrassem no aumento quantitativo e qualitative da educacao for-
mal da populacao ativa. Desde entao se vern falando em investi-rnento em recursos humanos, formacao de capital humano, for-
macae de manpower.
o pJanejamento educacional 56vern a ser uma consequencia
logica das colocacoes anteriores.
J8. que a Iormaeao educacional e considerada direito e dever de
todos e 0 Estado tem a obrigacao de criar as condicoes para que
todos estudem, era 0proprio Estado 0autor dos investimentos e do
planejamento educacional. A econornia da educacao Ihe fornece 0
embasamento te6rico e, portanto, a justificativa tecnocratica para
tal. Como 0 Investlmento e feito em nome do desenvolvirnento da
16. BECKER, Gary S, : Hu", .. . Capital. National Bure u of E<:onomlc Re-search, lOW York. 1964.
17. SCHULTZ. Tbedore W: 0 Capital Humano - In.Htimento. em Edu·
~ e Pnquba. Zahar, Riode Janeiro, 1971.18. EDDING. Friedrich: Inumatlollale TendenuD In du EnlWlcldUDI de.
Ausgab= (ue. Sebulen uDd Hocludoulc", Kieler Srudien, Kiel, 1958; e EOOING.
F.: Oekonomle des BlJdunpwHen,. Lehree und Lemen.w. H .... halt IlDdIn_tltton.
Freibur8 ;'Br., 1965.19. SOLOW Robert M.: Capital Theory and the Rat., of Rdum. North
Hollund Publi$hing Company, Am ierdn. 1963.
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28
nacao, produzindo uma taxa de crescimento que beneficia a todos,
os cofres publicos podem e devem arcar com as despesas. A maior
produtividade dos individuos nile beneficia, porem, somente esse
crescimento economic'oda nafi!io.Segundo os te6ricos da economia
da educacao ha uma "taxa de retorno social e individujjv Isto
significa emoutros termos que a taxa de lucro criada com amaior
produtividade dos individuos devida ao seu mais em ed\lca~ilo e
repartida de maneira justa entre 0 individuo e 0 Estado, Aquele
porque investiu esforco, energia e tempo, perdendo potencialmente
salaries se tivesse utilizado esse tempo para seguir urn trabalho
remunerado. 0 Estado receberia de volta, sob forma de taxas e
impostos, os investimentos originais mais a parcela da taxa de
lucro, justamente repartida entre ele e 0 individuo. Numa analise
ideol6gico-critica a taxa de retorno se desmascara como a taxa de
mais-valia que emverdade naobeneficia 0 trabalhador que a.produz,
nem uma entidade abstrata como a nafi!iio,representada pelo Es-
tado, mas sim 0 empresario capitalista, que empregou a Iorca de
trabalho.
Toda concepcao da educacao como investimento e valida,
desde que conscientizada como investimento lucrativo para as em-
presas privadas. A politica educacional que adota essa C()ncep~il.o
garante 0 crescimento da taxa de lucro para essas empreSas. Alt.
vater.P urn dos criticos da economia da educacao, reinterpreta e
traduz para uma terminologia marxista a versao economil::istados
investimentos educacionais. Para ele, ha de fato uma soclalizafi!io
dos gastos educacionais, mediatizada pelo Estado, no interesse da
empresa privada e do capital monopolistico. Os investimentos feitos
para aprimorar a forca de trabalho, sob a forma .dec1a.radada
"qualificacao da mao-de-obra", "aperfeicoamento dos rec\lrsos hu-
manos", precisam ser vistosno contexto da producao capitalista. A
forca de trabalho nile e qualificada, no interesse do trabalhador,
para que melhore sua vida, se independentize e se emancipg das re-
lacoes de trabalho vigentes, mas sim,para aprimorar e tOl'lJ.armais
eficazes essas relacoes, ou seja, a dependencia do trabalhador em
20. ALTVATER, Elmar: Krise und Kri tik - Zum Verthaelthis von Oeko-
nomischer Entwicklung und Bildungs und Wissenschaftspolitik, em: LEIBFRIED.
Stephan (ed.): Wider die Untertanfabrlk - Handbucb zur Demokratl 'lerung der
lI"dIH.hulen, Koeln, 1967, pp. 52·6.
29
relacao ao capitalista. Os investimentos educacionais vistos no con-
texto da reproducao ampliada precisam ser compreendidos como
investimentos emcapital variavel, que tornara mais eficientes inves-
timentos em capital constante, aumentando com isso a produtivi-
dade do processo de producao e reproducao capitalista. A economia
da educacao, baseada nos principios da economia neoclassica, nada
mais faz que explicar "0crescimento economico" por manipulacoes
feitas comauxilio da intervencao estatal na composicao organica do
capital. E mais, atraves do seu manpower approach torna-se uma
disciplina normativa. Ela prop5e ao Estado as formas de investi-
mentos. Os gastos educacionais devemser feitos comurn minimo de
desperdicio e desajustamentos entre 0 output do sistema educacio-
nal e as necessidades do mercado de trabalho. Essas silo, em ver-
dade, as necessidades das empresas privadas em ter uma forca de
trabalho adequadamente treinada. A forca de trabalho devidamente
treinada, como mostra Altvater, funciona como capital variavel, no
processo produtivo, sendo 0 verdadeiro produtor da mais-valia.
A fimde cumprir com essa tarefa, a economia da educacao
recorre aoplanejamento educacional. Os dois modelos classicos da
economia da educacao - 0modele do investimento (input ourate of
return) e 0 modelo da demanda.(output, manpower ou social de-
mand approach) - se complementam servindo ao mesmo tempo
como modelos explicativos e normativos do processo economico. No
primeiro, a unidade de calculo e 0dinheiro. Aqui se procura res-
ponder as perguntas de como otimizar os gastos estatais; como
alocar da maneira mais adequada os meios disponiveis (escassos)
para alcancar maior rentabilidade. No segundo modelo, a ujiidade
considerada e a pessoa qualificada, formada pelo sistema educa-
cional, a ser alocada adequadamente na estrutura ocupacional. Se 0
primeiro modele enfatiza a racionalidade (rneios escassos ajustados
a fins cuidadosamente ponderados), 0 segundo se preocupa com 0
equilibrio entre oferta e procura de mao-de-obra no rnercado de
trabalho. No prirneiro modelo ha uma manipulacao do orcamento
publico que vai beneficiar ounegligenciar certos ramos de ensino ou
tipos de escolas. Nosegundo, a manipulacao do sistema educacional
e doseducandos e direta, procurando-se fazer da escola uma fabrica
de mio-de-obra. Na quantidade e qualidade de seu output, ela pre-
cisa considerar a demanda (e as oscilacoes dessa demanda) do mer-
cado de trabalho. Como siloos interesses da empresa privada que se
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manifestam neste mercado, 0 modelo negligencia os interesses da
sociedade global e os interesses individuais, a favor daqueles.
o planejamento educacional executa na pratica 0que os dois
modelos propoem em teoria. Ele alern de ajudar a alocar os meios
escassos de maneira 6tima a fim de garantir 0output quantitativo e
qualitativo necessario para cobrir a demanda do mercado, funcionacomo mecanismo corretivo entre 0sistema educacional e 0mercado
de trabalho. Naquele a lei da oferta e da procura nao funcionam
plenamente, pelo fato de a norma da maximizacao de lucros nao lhe
ser aplicavel, No mercado de trabalho tanto a lei quanta a 'norma
_"atuam sem restricoes. 0 planejamento educacional vern, pois, pre-
encher a lacuna das leis de mercado inoperantes.
Segundo Huisken;" os modelos da economia e do plarieja-
mento educacional nada mais fazem que ajustar 0pessoal formado
pelas escolas aos ciclos e as crises geradas pela economia capitalista.
Criam eles uma certa flexibilidade do sistema capitalista face a tais
crises. Sob a ideologia do desenvolvimento e do crescimento conti-
nuado da economia e alegando ao mesmo tempo assegurar ernpre-
gos duradouros a forca de trabalho disponivel, defendem, em ver-
dade, os interesses da maximizacao dos lucros da empresa privada,pois mantem em reserva urn potencial de trabalhadores que cons-
tantemente sao recic1ados em funcao das novas demandas geradas
pela dinarnica e irracional idade do modo de producao. 0 planeja-
mento educacional constitui assim uma mane ira de manipular "0
exerci to industrial de reserva"; dando-lhes sua plena funcional i-
dade: fornecer a cada momenta a Iorca de trabalho necessaria aexpansao ou contencao da producao e degradar os salaries.
Os modelos da economia da educacao nao divergem, em seus
pressupostos basicos, das colocacoes de Durkheim e Parsons. Pode-
mos dizer que os economistas da educacao reassentaram 0modelo
sistemico de Parsons em suas bases economic as , pois a teoria do
papel nele formulada consiste numa aparente troca de equivalentes.
Ego define suas expectativas e suas acoes em vista de alter e vice-
-versa; e ego satisfaz as expectativas de alter porque espera que
tambern alter satisfaca as suas. Por isso nao se podem definir, no
sistema, papeis isolados~ mas sempre complementares. 0 papel do
21. HUISKEN, Freerk: Zur Krltlk Buergerllcher Dldaktlk und BlIduiigsoe-
konomle. List Verlag. Muenchen, 1973.
31
pai s6 esta completamente circunscri to vis-a-vis do papel do filho
(dos filhos), etc. Tarnbern a mercadoria A s6 consegue expressar seu
vlllor num equivalente de B (uma unidade de A =uas unidades de
13).0 valor deste s6 se configura em sua plenitude quando expresso
em A. A maximizacao das gratificacoes por parte de individuos
corresporidc em Parsons a maximizacao dos lucros ambicionadapelos capitalistas. A harmonia e 0 equi librio do sistema social de-
pendem da livre e igual competicao dos individuos atomizados (por-
tadores de papeis), por posicoes sociais (poder e prestigio) que tern
diferentes valores na hierarquia social. Ocupa a posicao quem para
ela estiver mais habilitado. Isso corresponde perfeitamente a lei daoferta e da procura no mercado em que diferentes vendedores e
compradores de mercadorias competem na Iixacao dos precos,
dando equilibrio ao sistema. A mao invisivel que regulamenta a
harmonia e ordem dessas diferentes formas de competicao e a
mesma. Ela tambem e responsavel pel a "igualdade de chances"
garantida a cada urn, tanto no modelo social (de adquiri r posicoes
de prestigio e poder) como no modelo econfrrnico (de adquirir mer-
cadorias). As recompensas e gratifica"Oes correspondem ao quan-
tum de mercadorias disponiveis ou compraveis. As perturbacoes dosistema nunc a se originam de confli tos internos, mas sao sempre
produto de interven,,5e~ externas.
A economia da educacao justamente ajuda a disfarcar a essen-
cia do problema subjacente a estas ideologias da igualdade de chan-
ces e da troca de equivalentes. Marx mostrou em sua teoria do valor
que de fato pode haver equlvalencla entre duas mercadorias desde
que me did as com uma unidade padrao que seja comum a ambas: 0
tempo medic social mente necessario absorvido para a sua producao.
Por isso se pode trocar urn saco de arroz por dois de feijao, A {mica
mercadoria disponivel no mercado em que a equivalencia nao fun-
cion a e em relacao a propria forca de trabalho. 0 seu valor de uso
diverge do seu valor de troca. Pois ela, ao ser comprada no mercado
por urn valor, quando usada no processo de trabalho, produz mais
valor do que custou ao comprador, 0capitalista. Os individuos ou 0
Estado, investindo pois na qualificacao da Iorca de trabalho, ejusta:
mente para aqueles setores e ramos em que ha necessidade de tra-
balhadores mais ou menos qualificados, criam urn valor. Este, no
ato da troca, recebe seu equivalente (tempo socialmente .necessario
paraproduzi-Io) em salario, Mas na hora que essa forca de trabalho
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e empregada no processo produtivo, ela gera mais valor do que 0
salario percebido. Este excedente nao retorna ao individuo ou ao
Estado que nele investiram para qualifica-Io, mas e apropriado pelo
comprador, 0ernpresario capitalista.
A tese da economia da educacao de que ha uma "taxa de
retorno individual e social, mascara esse problema da diferenca deequivalentes. Nos salaries que os individuos recebem, de fato se
troca equivalente por equivalente. 0 salario correspondera, em seu
valor, ao tempo medic socialmente necessario para a producao e
reproducao da forca de trabalho, 0 que inclui sua qualificacao para
o trabalho. Mas esse salario e bern menor que 0 valor que 0 traba-
lhador cria no tempo pelo qual vendeu sua forca de trabalho. Sua
maior produtividade face a sua maior qualificacao nao beneficia a
ele, aumentando gradativamente seu salario, mas ao seu emprega-
dor que se apropria da diferenca, a mais-valia.
Assimcomo Parsons e os economistas permaneceram, em sua
analise dos mecanismos de troca, na superficie dos Ienomenos,
assim tambern 0 faz, necessariamente, a economia da educacao.
Mais especificamente, ela procura mascarar a exploracao e alie-
nacao da forca de trabalho com sua teoria do crescimento e das
taxas de retorno individuais. A "taxa de retorno social e individual"
corresponde exatamente a taxa de lucro, apropriada pela empresa
privada para assegurar 0processo de acumulacao docapital.
Osmodelos te6ricos sisternicos tanto de Parsons como de Be-
cker ou Schultz descrevem, portanto, 0 aspecto exterior do funcio-
namento dos sistemas sociais. Nao revelam os verdadeiros rneca-
nismos que produzem emantern as estruturas de desigualdade, mas
os escondematras de aparentes igualdades e equivalencias, Somente
uma analise radicalmente critica pode desmascarar 0 carater ideo-
logico dessas teorias e da realidade que elas alegam descrever.
Essa analise e feita pela primeira vez de forma exaustiva e
explicita por Althusser, 22 Poulantzas 23 e Establet. 24
22. ALTHUSSER, Louis : Ideol og ie e t Appa re il s Ideo logiques d 'E tat , Pens ee,
Par is , junho de 1970.
23. POULANTZAS, Nicos: Escola em Questao, Tempo BrasUelro, n? 35,
Rio de Janei ro, 1973, pp. 126-37.
24. ESTABLET, Roger: A Escola, Tempo BrasUelro, n? 35, Rio de Janeiro,
1973, pp. 93-125.
33
Estes autores nao analisam somente funcoes isoladas preen-
chidas pela educacao, escola ousistema escolar (como foi 0 caso dos
te6ricos ate agora examinados), permanecendo emurn nivel mera-
mente descritivo, mas tentam chegar a essencia do fenomeno, atra-
yes de uma analise critica da sociedade capitalista como urn todo,
nas instancias econornica, politica e social. E Althusser que, pelaprimeira vez, caracteriza a escola como "aparelho ideologico do
estado" (AlE). Localizada no ponto de interseccao da infra-estru-
tura e dos aparelhos repressivos e ideologicos do Estado, a escola
preenche a funcao basica de reproducao das relacoes materiais e
sociais de producao, Ela assegura que se reproduza a forca de tra-
balho, transmitindo as qualificacoes e 0 savoir faire necessaries para
omundo do trabalho: e faz com que aomesmo tempo os individuos
se sujeitem a estrutura de classes. Para isso lhes inculca, simulta-
neamente, asformas dejustificacao, legitimacao e disfarce das dife-
rencas e do conflito de classes. Atua, assim, tambern ao nivel e
atraves da ideologia.
"A reproducao da forca de trabalho exige nao somente uma
reproducao da sua qualificacao, mas aomesmo tempo uma repro-
ducao de sua subrnissao as regras da ordem estabelecida, i. e., uma
reproducao da sua submissao a ideologia dominante para os opera-
rios e uma reproducao de sua capacidade de bern manejar a ideo-
logia dominante para os agentes da exploracao e da repressao, a fim
de assegurar, tambern pela palavra a dominacao da classe domi-nante. "25
A escola contribui, pois, de duas formas, para 0 processo de
reproducao da formacao social do capitalismo: por urn lado repro-
duzindo as forcas produtivas, por outro, as relacoes de producao
existentes.
Se emBourdieu emcertos momentos se tinha a impressao de a
escola ser nao somente instrumento, mas tambem causa da divisaoda sociedade emclasses, Establet 26 e Poulantzas 27 deixambernclaro
que tanto a escola como outras instituicoes de socializacao (os AlE
de Althusser), como a igreja, meios de cornunicacao de massa,
25. ALTHUSSER, Louis: Ideologia e Aparelhos Jdeol6gicos, op. cit., p. 6.26. ESTABLET, Roger: A Escola, op. cit., p. 107.
27. POULANTZAS, Nicos: A Escola em Questao, op. cit., p. 129.
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familia, "nao criam a divisao em classes, mas contribuem para esta
divisao, e, assim, para sua reproducao ampliada". 28
Nisso se apoiarn no proprio Marx, que deixou bern claro que a
sociedade de classes nao soe gerada, mas tarnbern reproduzida na
propria esfera da producao. "A producao capitalista . .. , em si mes-
rna reproduz a separacao entre a forca de trabalho e os meios detrabalho. Reproduz e perpetua, assim, as condicoes de exploracao
do trabalhador ... 0 processo de producao capitalista considerado
em seu contexto global, ou seja, como urn processo de reproducao,
nao produz apenas mercadorias ou mais-valia, mas produz e repro-
duz, igualmente, a relacao capitalista: de urn lade 0capitalista, de
outro 0 trabalhador assalariado." 29 '
A escola vern a ser, portanto, urn mecanismo de reforco dessa
propria relacao capitalista.
A contribuicao de Althusser, Establet e Poulantzas a teoria daeducacao nao consiste somente em perceber a multifuncionalidade
do sistema educacional na complexa sociedade capitalista. Longe de
verem nessas funcoes urn mero sorrratorio, revelam a dialetica in-
terna das mesmas, no contexto da estrutura global da sociedade.
Assirn a escola, na medida em que qualifica os individuos para 0trabalho, inculca-lhes uma certa ideologia que os faz aceitar a sua
condicao de classe, sujeitando-os ao mesmo tempo ao esquema de
dorninacao vigente. Essa sujeicao e, por 'sua vez, a condicao sem a
qual a propria qualificacao para 0rabalho seriaimpossivel.
E, pois, a escola que transmite as formas de justificacao da
divisao do trabalho vigente, levando os individuos a aceitarem, com
docilidade, sua corrdicao de explorados, ou a adquirirem 0instru-
mental necessario para a exploracao da classe dominada.
Importante nessa exphcacao e 0fato de que 0caminho que
garante a reproducao da forca de trabalho, e com isso das relacoes
materiais de producao, precisa ser preparado pelos aparelhos ideo-
logicos. A reproducao material das relacoes de classe depende da
eficacia da reproducao das falsas consciencias dos operarios. Essas
sao criadas e mantidas com auxilio da escola. A reproducao daideologia vern a ser uma condicao sine qua non da reproducao das
, I
28, Ibtd., p. 129.29. MARX, Karl: Das Kapltal, Vol. I, Dietz Verlag, Berlin, 1958, pp. 606-7.
35
" I ,, ~· ,s materiais e sociais de producao, A escola, como AlE mais
lI11polante das sociedades capitalistas modernas, satisfaz plena-uu-u tc cssa f'uncao. 30
A escola atua no interesse da estrutura de dorninacao estatal e
" 1 1 ' ultirna instancia, no interesse da dominaoao de classe. Essa
do,"inac;ao nao se da por via direta, atraves da aplicacao explicita.1.1 violericia, mas de maneira disf'arcada, com 0 consentimento dos
individ'uos que sofrem a violencia da "ac;ao pedagogica", A escola
1<'111. pois, uma funcao basica de reproducao das re lacoes de pro-
"",,:110. Para satisraze-Ia, ela age de diferentes maneiras, ao nivel das
Ir~sinstancias, As diferentes formas de atuacao, em seu desdobra-
'" .nto rnultiplo, vistas dialeticamente no contexte estrutural global,
ncubam por se reduzir a uma essencial: ada rnanutencao e perpe-t uucao das relacoes existentes.
Althusser, Poulantzas e Establet fornecem urn referencial teo-
rico que realmente permite analisar, explicar e criticar 0funciona-
mento da escola nas modern as sociedades capitalistas.
Ate aqui, porern, ainda nao foram esclarecidas quais as condi-
~'i'icshistoricas e estruturais que permitiram 0fortalecimento dos
AlE, em geral , e da escola, em especial , como mecanismos hojeindisperisaveis da rep roducao material e social das relacoes de produ-
~·1to.Em outras palavras, Althusser nao revela como surgiram esses
rnccanismos que procuram bloquear a tomada de consciencia da
classe operaria, na inrencao de anular os dinamismos que - se-
gundo Marx -levariam inevitavelmente a luta de classes. Nao que-rcmos com isso insinuar que os al thusserianos ve jam nos AlE, e
cspecialmente na escola, os mecanismos exclusivos de formacao e
perperuacao da falsa consciencia, impedindo a luta de classes e
paralisando a historia. Mas se aceitarmos as colocacoes dos autores
ao nivel puramente descrit ivo, entao as coisas se passam na socie-
clade capital ista como se de fato a escola tivesse esse poder. Essa
deducao seria falsa, ja que os dinamismos que criarn 0conflito e a
(uta de classes se localizam fora da escola, manifestando-se tambem
nos AlE, mas nao soneles. 0 peso da escola nao pode, portanto, sersobreestimado. A escola nao e nem a causa da falsa consciencia nemo urricofator que a perpetua.
30. Cf. as exposfcbes sobre Gramsci no texto a seguir.
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36
Em ultima instancia, a causa determinante da condicao de
classe e da falsa consciencia e a infra-estrutura econornica. Nas
condicoes concretas das sociedades capitalistas modernas ha porern
uma sobredetermlnaeao em que a escola assume urn papel funda-
mental na manutencao e reproducao das falsas consciencias e, com
isso, das relacoes materiais e sociais deproducao,
Falta, na analise dos althusserianos, a genese desse momento
da sobredeterrninacao, bern como uma analise estrutural global
detalhada que revele a conjuncao de todos os fatores (adicionais ao
da educacao) que permitem que esta, institucionalizada em urn
AlE, assuma urn papel estrategico na manutencao do status quo,
procurando bloquear a historia,
Falta tarnbem a explicitacao de uma estrategia que permita,
ao nivel da superestrutura e dentro dos AlE, a superacao desse
momento de sobredeterrninacao. Uma teoria da educacao realmente
dialetica teria que incluir em seu quadro teorico os elementos da
pratica que possibilitassem a superacao de urn determinado status
quo. Essa teoria deveria mostrar 0 caminho para uma acao emanci-
patoria da educacao no contexto estrutural analisado.
Althusser selimita a admitir que os AlE e, com eles, a escola,
nao devemser encarados somente como objetos de estudo, mas sim
como 0 lugar em que se manifesta a luta de classes. 0 autor nao
desenvolve, porem, reflexoes sobre a possibilidade de a classe opri-
mida assumir 0 controle dos AlE e atraves deles efetivar a luta de
classes nas outras instancias.
Althusser, apesar de admitir a importancia estrategica da
educacao como instrumento de dominacao nas maos da classe domi-
nante, nao ve nela importancia estrategica como instrumento de
libertacao por parte da classe dominada. Falta-Ihe aqui, a nosso
ver, a visaohistorica e dialetica dos AlE e da escola.
Sua visao de mudanca emgeral e refuncionalizacao da escola
como AlE de lima nova formacao social segue 0 esquema classico de
Marx.
A luta de classes se trava e se decide ao myel das outras duas
instancias, a economica e a politica. E aqui que se decide 0 destine
da superacao das estruturas capitalistas, nao na instancia dos AlE.
Essa constatacao vern a ser urn tanto paradoxal, ja que a impor-
tancia dos AlE e da ideologia para a manutencao e reproducao
dessas estruturas havia sidoclaramente reconhecida.
37
Gramsci vai ser 0autor que atribui it escola e a outras insti-
tuicoes da sociedade civil (ou seja, aos AlE de Althusser) essa dupla
funcao estrategica (ou seja, a funcao dialetica) de conservar e minar
as estruturas capitalistas.
A preocupacao central de Gramsci 31 nao e a escola e sua fun-
cao especifica na sociedade capitalista, e por isso nao pode serconsiderado urn teorico explicito da educacao.
Gramsci tern sido caracterizado, dentro da tradicao do pensa-
mento marxist a, como 0 "teorico das superestruturas" e e nessa
qualidade que ele fornece os elementos que permitem pensar uma
teoria dialetica da educacao.
Uma contribuicao importante de Gramsci it teoria do pensa-
mento marxista consiste na revisao do conceito de Estado. Se Marx
o considerava momenta exclusivo da coacao e da violencia, Gramsci
propoe sua subdivisao em duas esferas: "a sociedade politica, na
qual se concentra 0 poder repressivo da classe dirigente (governo,
tribunais, exercito, policia) e a sociedade civil, constituida pelas
associacoes ditas privadas (igreja, escolas, sindicatos, clubes, meios
de comunicacao de rnassa), na qual essa classe busca obter 0consen-timento dos governados, atraves da difusao de uma ideologia unifi-
cadora, destinada a funcionar como cimento da formacao social". 32
A sociedade civil assume aqui urn sentido novo, tanto em
relacao a Marx como a Hegel. Hegel confundia 0 conceito com 0 de
Estado, caracterizando nele ao mesmo tempo a dorninacao e hege-
monia burguesa. Marx 0situa na infra-estrutura como expressao da
propria relacao de producao capitalista.
Para Gramsci a sociedade civil expressa 0 momento da per-
suasao e do consenso que, conjuntamente com 0 momento da re-
pressao e da violencia (sociedade politica), asseguram a manutencao
da estrutura de poder (Estado). Na sociedade civil a dorninacao se
expressa sob a forma de hegemonia, na sociedade politica sob a
forma de ditadura.Os conceitos de sociedade civil e de hegemonia permitem
pensar 0 problema da educacao a partir de urn novo enfoque:
31. GRAMSCI, Antonio: II Materlallsmo Storlco, Editori Riuniti Roma1973. ' ,
32. ROUANET, Sergio Paulo: ImaglnRrio e Domlna~o, Editora Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro, 1978, p. 69.
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permitem elaborar urn conceito emancipatorio de educacao, em que
uma pedagogia do oprlmido pode assumir forca poli tica, ao lado da
conceituacao da educacao como instrumento de dominacao e repro-
ducao das relacoes de producao capitalistas.
Isso porque Gramsci admite que na sociedade civil circulamideologias. Nela a classe hegemonica procura impor a classe sub al-
terna. s~a concepcao do mundo que, aceita e assimilada por esta,
constitui 0 que Gramsci chama de senso comum.
"E nesse senti do que Gramsci diz que 'toda relacao de hege-
monia e necessariamente uma relacao pedag6gica': no caso da hege-
morna burguesa, t rata-se essencialmente do processo de aprendi-
zado pelo qual a ideologia da classe dominante se realiza histori-
ca~ente, tran~formando-se em senso comum. E uma pedagogia
politica, que visa a transrnissao de urn saber, com intencoes pra-ticas. " 33,
A funcao hegemonic a esta plenamente realizada, quando a
clas~e no poder consegue paralisar a circulacao de contra-ideologias,
suscitando 0 consenso e a colaboracao da classe oprimida que vivesua opressao como se fosse a l iberdade. Nesse caso houve uma inte-
riorizacao absoluta da normatividade hegemonica,
Para realizar essa funcao hegernonica, a classe dominante re-
corre ao que Gramsci chama de inst ituicoes privadas (que na termi-
nologia de Althusser seriam osAlE), entre elas a escola.
E por isso que na luta de classe 0 controle das instituic;:6es
privadas pode assumir urn papel estrategico e, dependendo da cons-
telacao historica, priori tario diante do controle das inst ituicoes re-
pressivas ou dos mecanismos de producao.
Pois a dominacao das consciencias, atraves do exercicio da
hegemonia, e urn momento indispensavel para estabilizar uma re-
Iacao de dominacao, e com isso as relacoes de producao.
Por is so a estrategia politic a da classe oprimida deve visar
tarnbem 0controle da sociedade civil, com 0objetivo de consolidaruma contra-hegemonia.
Mas como assumir 0 controle, se a classe dominante no exer-
cicio de sua hegemonia, monopoliza as inst ituicoes privadas, para
atraves delas difundir sua concepcao de mundo?
33 . Ibi d. , p . 72.
f: nesse contexto que assume importancia a concepcao da
""l'iedade civil como 0 lugar da circulacao (livre) de ideologias. So
11110 havera essa circulacao numa situacao ditator ial, em que a socie-
dnde politica invade 0 terreno da sociedade civil , t ransform ando 0
'III •Althusser chamou de aparelhos ideologicos em aparelhos rep res-sivos. Desde que uma classe pretenda assegurar seu dominio pe la
hcgcmonia, precisa conceder, mesmo ilusor iamente, urn momento
de IIberdade, insinuando a c1asse oprimida que ela livremente opta
por sua concepcao de mundo. A contradicao que aqui se expressa
pode ser explorada de maneira consciente pela c1asse oprimida.
Mediante seus intelectuais organicos ela pode lancar no ambito da
xociedade civil sua contra-ideologia. Esta procurara realizar-se atra-
ves das proprias instituicoes privadas, os AlE, refuncionalizando-os;
IlU criando contra-inst ituicoes que divulguem a nova concepcao do
mundo, procurando corroer 0 senso comum. E 6bvio que dentro
dessa visao a escola e as doutrinas pedagogicas assumem uma
irnportancia estrategica, Mas tarnbem e obvio que tal estrategia so
t 'r a chances de exi to quando a c1asse hegemonic a oscilar no poder,delineando-se a corrosao do bloco hist6rico que garantia a sua
hcgemonia, e dando-se a ernergencia de urn novo bloco. E evidente
que as chances de exito de uma pedagogia do oprimido e de uma
iducacao emancipatoria dependem da erosao das relacoes de pro-
ducao capitalista nas tres instancias que compoem 0 bloco historico.
Nisso Gramsci nao diverge dos althusserianos.
Mas estes, ao reformular na teoria dos AlE 0 tema gramsciano
da hegemonia, omitiram 0 essencial da contribuicao de Gramsci -
II lese de que a luta politica pode, e no contexte do capitalismo
avancado deve, travar-se prioritariamente na instancia da sociedade
civil . 0 que nao exc1ui que em outras sociedades em outros estagios
de desenvolvimento hist6rico 0 papel decisivo possa caber a infra-
-cstrutura ou a esfera estatal (sociedade politica).
Dentro desse esquema gramsciano se torna possivel pensar
dialeticamente no problema da educacao e no funcionamento da
cscola.
Somente ele permite a conceituacao de uma pedagogia do
oprimido e uma educacao ernancipatoria institucionalizada. Isso
porque 0 referencial teor ico nao se l imita a analise, explicacao e
cri tica de uma sociedade historicamente estabelecida (como a socie-
dade do capitalismo avancado), mas oferece tarnbem os instrumen-
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tos para pensar e realizar, com 0auxilio da escola e das demais
insti tuicoes da sociedade civil (e em certos momentos historicos,
eventualmente, a partir deles), uma nova estrutura societaria, Os
dinamismos que regem - como revelou Bourdieu e denunciaram os
althusserianos - 0funcionamento da escola capitalista como repro-
dutora das relacoes materiais, sociais e culturais de producao dessaformacao historic a podem ser explorados em sua contradicao in-
terna, para corroer nao so sua propria funcionalidade, mas a da
propria estrutura capitalista em questao. A contra-ideologia, na
forma de uma "pedagogia do oprimido", pode apoderar-se do AlE
escolar, corroendo-o, refuncionalizando-o, destruindo-o, ao mesmo
tempo em que a nova pedagogia nele se institucionaliza para divul-
gar sua nova concepcao de mundo.
E por isso que, para Gramsci, "toda relacao de hegemonia enecessariamente uma relacao pedagogica", 34 E toda conceituacao
de educacao e necessariamente uma estrategia politica. lsso explica
por que 0 controle do sistema educacional constitui urn momenta
decisivo na luta de classes.
Numa formacao social historicamente realizada, esse controle
sempre e exercido pela c1asse dominante, mas, dependendo da
sociedade e da conjuntura historic a especifica, 0Estado pode inter-
calar-se como mediador, como e 0caso do capitalismo moderno.
Sob a aparencia de defender uma concepcao de mundo universal,
justa e neutra em relacao a todos os membros da sociedade, 0
Estado capital ista introduz ao nivel da sociedade politica e civil a
concepcao do mundo da c1asse hegemonica, da burguesia, usando a
escola como urn dos elementos de sua divulgacao, inculcacao e pene-
tracao, Como destacaram Establet, Poulantzas e Althusser, essa
intervencao estatal nao se limita as instancias da superestrutura.
o Estado capitalista moderno interfere diretamente na infra-estru-
tura, criando com as escolas "fabricas de mao-de-obra qualifi-
cada".
E por isso que 0modele gramsciano, explicitado em certos
aspectos pelos althusserianos, fornece 0quadro teorico referencial
mais adequado para a nossa analise da pol itica educacional brasi-
lei ra. Como nesta analise nos propusemos tratar basicamente da
34. GRAMSCI, A.: op. cit., p. 30.
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I '"l itica educacional oficial , a conceituacao de Estado e as funcoes a
"I,' ntribuidas tern peso fundamental.
A diferenciacao desse conceito, introduzida por Gramsci, de-
mous tra-se neste contexto extremamente frutifera. Pois, podemos
uiser ir , na nova tipologia criada - sociedade politic a, sociedade
riv il e infra-estrutura - todas as acoes do Estado concernentes a,·d llca<;ao focalizando-as a partir de urn novo prisma. Se concei-
I"" rmos politica educacional como a acao estatal, no senti do lato de
(;rumsci, essa politica abrange as atividades educacionais tanto da
vo .icdade politica como da civil.
Sendo a sociedade politica 0lugar do direito e da vigifflncia
ursti tucionalizada, sera ela a encarregada de formular a legislacao
"ducacional, de impo-Ia e fiscaliza-la. Ao Iaze-Io, ela absorve a
concepcao do mundo da c1asse dominante, a interpreta e a traduz
para uma l inguagem adequada, para que seja legalmente sancio-
"ada. Assim, em urn certo sentido, a legislacao educacional ja e umatillS formas de rnaterial izacao da filosofia formulada pelos intelec-
t uais organic os da c1asse dominante. Toda c1asse hegernonica pro-
.ura concretizar sua concepcao de mundo na forma do sen so co-
ilium, ou seja, fazer com que a c1asse subalterna interiorize. os
vulcres e as norm as que asseguram 0 esquema de dorninacao por ela
imp lan.tado, Urn dos agentes mediadores entre a transformacao da
filosofia da c1asse hegemfmica em senso comum da c1asse subalterna
• <1 sistema educacional, dirigido e controlado pelo Estado.
o lugar do sistema educacional e a sociedade civil. E aqui quexc Implantam as leis. Se estas ja representavam uma forma de mate-
rial izacao da concepcao do mundo, a sua verdadeira concretizacao
somente se da quando for absorvida pelas instituicoes sociais que
cornpoern a sociedade civil. Essas, por sua vez, a inculcam aos
dominados de tal maneira que estes a transformam em padroes de
orrentacao de seu proprio comportamento. 0"senso comum" e poisII forma mais adequada de atuacao das. ideologias. A escola e urn dosngcntes centrais de sua formacao, A implantacao da legislacao edu-
cacional na sociedade civil significa criar ou reestruturar 0 sistema
iducacional no "espirrto da lei", ou seja, de acordo com os inte-
r .sses da c1asse dominante traduzidos em sua concepcao de mundo e
I' .interpretadas na lei.
Portanto, 0Estado, depois de formular as leis ao nivel da
sociedade politica, se encarrega tambern de sua materializacao na
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sociedade civil, fazendo com que haja as condicoes materiais e
pessoais de sua implantacao e que a mesma concepcao do mun-
do absorvida em lei agora se reflita nos conteudos curriculares,na seriacao horizontal e vertical de inforrnacoes filtradas, na im-
posicao de urn codlgo lingiiistico (0 das classes dominantes),
nos mecanismos de selecao e canalizacao de alunos, nos rituais
de aprendizagem impostos ao corpo discente pelo corpo docente,
etc.
A politica educacional estatal procurara alcancar a hege-
monia, sempre na defesa dos interesses da classe dominante. Por
issoseudominio nao sepode dar pela violencia(seria0caso da dita-
dura), mas precisa criar as condicoes para que os individuos das
classessubalternas facamsuas opcoesde forma aparentemente livre.
Por isso 0 Estado nao pode, por exemplo, impor rigidamente a
escolha das profissoes, limitar as leituras dos estudantes, priva-los
ostensivamente do direito a reflexao. 0 pequeno grau de liberdade
que necessariamente precisa haver na sociedade civil, para conse-
guir a dorninacaopeloconsensoe garantir a hegernonia da classe no
poder, e a chance de liberacao da classe subalterna. Quando esse
grau de liberdade e utilizado para propagar uma contra-ideologia,
ouse cria uma nova situacao hegemonica ou0 Estado interfere com
seus mecanismos corretivos, tanto ao nivel da sociedade civil como
da politica, para impedir a concretizacao dessa contra-ideologia.
Tambern ha interferencia estatal quando, no processo de transfor-
macaoda coricepcao demundo emsensocomum, ocorrem, na reali-
dade efetiva, defasagens emrelacao as intencoes originais da classe
hegernonica. Em ambos os casos, 0Estado mobiliza os corretivos,
reformulando leis (reforma do ensino), reestruturando a organiza-
cao interna do sistema educacional, reorganizando curriculos, etc.
Os corretivos da politica educacional visam ou urn ajustamentoperfeito do funcionamento da realidade efetiva aos postulados ine-
rentes a concepcao do mundo, ou reformulam essa pr6pria con-
cepcao do mundo sob forma de leis, programas, pianos, etc.,
quando a realidade, especialmente a esfera da producao, apresenta
alteracoes substanciais, que modificam a constelacao de interesses
da classe detentora dos meios de producao, forcando-a a rever sua
concepcaode mundo.
Podemos dizer que isso ocorreu em relacao it escola e a valo-
rizacao da educacao comoforcaprodu tivanojustomomentoemque
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a reproducao ampliada passou a depender da Iorca de trabalho cada
vezmais qualificada.
A politica educacional estatal age e se manifesta acima detudo na superestrutura; de fato, porern, sua acao visa a infra-estru-
tura: aqui elaprocura assegurar a reproducao ampliada docapital e
as relacoes de trabalho e de producao que a sustentam.
Por isso a politica educacional se manifesta, direta ou indire-
tamente, tambernna infra-estrutura. A sua atuacao e direta quando
visa transformar a escola nos centros de qualificacao da forca de
trabalho. Comisso0Estado procura ativar as forcas produtivas em
nome de urn projeto de desenvolvimento da sociedade global, de
fato, porern, no interesse dos detentores dos meios de producao.
Tambem no caso especifico desta politica educacional 0Estado
funciona comocorretivo da pr6pria economia capitalista.
A analise critica da escola ou do sistema educacional como
AlE, i. e., comomecanismo de dominacao pelo consenso, realmente
s6aparece emtodas suas dimensoes quando demonstrada sua vincu-
lacao dialetica com a politica educacional do Estado. Somente a
atuacao desta nas tres instancias atraves da manipulacao do AlE
escolar torna compreensivel a multifuncionalidade do sistema de
ensino nas diferentes instancias da formacao capitalista. 0 Estado
atraves de sua politica educacional s6 e 0ator e a causa central do
funcionamento do moderno sistema de educacao capitalista, apa-
rentemente. Emverdade seupapel e 0 demediador dos interesses da
classe dominante.Esses interesses seconcentram nabase do sistema, a producao
de mais-valia, ou seja, manter as relacoes de exploracao da classe
subalterna.E este 0quadro referencial te6rico dentro do qual procura-
remos desenvolvernossa analise da politica educacional brasileira
da ultima decada,