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1 QUALIDADE DA FORMAÇÃO DOCENTE E EDUCAÇÃO SUPERIOR S OLANGE MARIA LONGHI ± Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] ELIZABETH DIEFENTHAELER KRAHE ± Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] S ELINA MARIA DAL MORO ± Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo [email protected] ³3UHSDUHG IRU GHOLYHU\ DW WKH &RQJUHVV RI WKH /DWLQ $Perican Studies Association, San Francisco, California May 23-26, 2012" Resumo: O trabalho está sendo desenvolvido no âmbito do GEU e sua rede de pesquisadores, vinculado ao PPG Sociologia/UFRGS e PPGEDU/UFRGS. Tem seus fundamentos no referencial epistemológico crítico de Boaventura de Sousa Santos. Consideram-se as implicações da formação docente para a educação básica brasileira, em nível superior, na perspectiva de melhor qualidade face à complexa, contraditória e diversificada realidade de grandes mudanças científico-tecnológicas, bem como a acentuada diversidade e desigualdade social presentes nos contextos brasileiro, latino- americano e mundial contemporâneos. Consiste em análise qualitativa e quantitativa das fontes e bases de dados dos municípios do Rio Grande do Sul, do Brasil e do exterior, inclusive os bancos de dados do INEP. Na busca de concretização de um melhor estreitamento da relação formação - investigação - inovação, sem descuidar da perspectiva crítica e da reinvenção de alternativas emancipatórias na formação docente, estuda a realidade brasileira e, em específico do estado do Rio Grande do Sul em seu conjunto e em partes geograficamente localizadas acerca dos principais indicadores educacionais de avaliação de desempenho de estudantes e instituições - IDEB das escolas de educação básica, ENEM e ENADE dos estudantes das licenciaturas, abandono e promoção desses estudantes ao lado do IGC desses cursos. A originalidade dessa investigação revela-se na proposição de novos instrumentos de argumentação na formação docente. Espera-se que os resultados obtidos possam contribuir efetivamente e fazer avançar a reflexão sobre a importância da educação superior e as estratégias de enfrentamento dos desafios. Área Temática: EDU ± Educação, Pedagogia e Políticas Educativas Panel 9674: Qualidade e Avalia ç ão: Tra ços de inova ções nas prá t i c as edu c a t ivas na forma ç ão doce n t e . It is scheduled for Friday, 25 of may, at 10:30 am. ± 12:15 am.

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Q U A L ID A D E D A F O R M A Ç Ã O DO C E N T E E E DU C A Ç Ã O

SUPE RI O R SOLANGE MARIA LONGHI Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] ELIZABETH DIE F ENTHAELER KRAHE Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] SELINA MARIA DAL MORO Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo [email protected]

erican Studies Association, San Francisco, California May 23-26, 2012"

Resumo: O trabalho está sendo desenvolvido no âmbito do GEU e sua rede de pesquisadores, vinculado ao PPG Sociologia/UFRGS e PPGEDU/UFRGS. Tem seus fundamentos no referencial epistemológico crítico de Boaventura de Sousa Santos. Consideram-se as implicações da formação docente para a educação básica brasileira, em nível superior, na perspectiva de melhor qualidade face à complexa, contraditória e diversificada realidade de grandes mudanças científico-tecnológicas, bem como a acentuada diversidade e desigualdade social presentes nos contextos brasileiro, latino-americano e mundial contemporâneos. Consiste em análise qualitativa e quantitativa das fontes e bases de dados dos municípios do Rio Grande do Sul, do Brasil e do exterior, inclusive os bancos de dados do INEP. Na busca de concretização de um melhor estreitamento da relação formação - investigação - inovação, sem descuidar da perspectiva crítica e da reinvenção de alternativas emancipatórias na formação docente, estuda a realidade brasileira e, em específico do estado do Rio Grande do Sul em seu conjunto e em partes geograficamente localizadas acerca dos principais indicadores educacionais de avaliação de desempenho de estudantes e instituições - IDEB das escolas de educação básica, ENEM e ENADE dos estudantes das licenciaturas, abandono e promoção desses estudantes ao lado do IGC desses cursos. A originalidade dessa investigação revela-se na proposição de novos instrumentos de argumentação na formação docente. Espera-se que os resultados obtidos possam contribuir efetivamente e fazer avançar a reflexão sobre a importância da educação superior e as estratégias de enfrentamento dos desafios. Área Temática: EDU Educação, Pedagogia e Políticas Educativas Panel 9674: Qualidade e Avaliação: Traços de inovações nas práticas educativas na formação docente . It is scheduled for Friday, 25 of may, at 10:30 am. 12:15 am.

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QUALIDADE DA FORMAÇÃO DOCENTE E EDUCAÇÃO SUPERIOR Contextualização Este estudo tem como eixo central a formação de professores e o papel da educação superior nessa tarefa, em particular da pedagogia universitária (PU). Consideram-se as implicações da formação docente para a educação básica brasileira, em nível superior, na perspectiva de melhor qualidade face à complexa, contraditória e diversificada realidade de grandes mudanças científico-tecnológicas, bem como a acentuada diversidade e desigualdade sociais presentes nos contextos brasileiro, latino-americano e mundial contemporâneos. Cabem alguns questionamentos como ponto de partida - qual a tarefa central do professor? Qual deve ser a qualidade de seu trabalho para que possa se colocar na esteira que leva à garantia da cidadania? O que ele mesmo espera alcançar com seu trabalho docente? Qual o papel do professor de educação superior na formação de licenciados? Parece ser expectativa que, juntamente com os ensinamentos específicos da área do conhecimento que lhe dizem respeito, cabe ao professor, em qualquer nível, contribuir, com qualidade reconhecida, na formação de seres humanos, de bons cidadãos. Dizer o que caracteriza o bem viver dos cidadãos parece ser trabalho singelo. A ideia de cidadania como vida com dignidade e responsabilidade que permita ao sujeito situar-se e construir seu espaço no contexto social em que vive; exercer atividades laborais adequadas e significativas, em ambiente sadio; realizar se, ser feliz, permitir a si e aos outros o bem viver - parece ser tarefa muito simples e de fácil desenvolvimento e obtenção, de tal forma, que não seria difícil ao professor cumprir seu trabalho docente. Cabe destacar que, no contexto social contemporâneo, uma das condições fundamentais para que a cidadania se efetive, relaciona-se à principal função exercida pelo professor da educação básica, em especial do alfabetizador - a de promover em seus alunos a apropriação dos códigos lingüísticos, comunicacionais, para entenderem-se como seres humanos, entenderem o outro, compreenderem o mundo nele se situando e realizando, assim sua humanidade. Paulo Freire (1979) ligava a alfabetização

qualquer contexto, cada vez mais, os códigos se ampliam. Hoje nos deparamos com novos códigos: científicos, tecnológicos, informáticos, ambientais. Sem o domínio desses o exercício da cidadania se restringe. Tais códigos passam a ser condição de sobrevivência do indivíduo, da humanidade e do próprio planeta. Para atualizar-se, para educar-se, ao longo de toda trajetória de vida; para garantir a si e aos seus descendentes a continuidade e a evolução da vida; para obter seu reconhecimento como cidadão, tendo acesso aos bens materiais, culturais e espirituais de seu tempo; para ter preservados tanto os direitos humanos, políticos e civis quanto os ambientais, em qualquer sociedade, a qualquer tempo, o domínio do que se pode denominar de ferramentas culturais contemporâneas torna-se imprescindível. Em outras palavras, não basta ter o acesso aos bens de consumo, será necessário algo mais para poder usufruir de fato de seus benefícios. Para saber utilizá-los adequadamente, para evitar desperdício, para poder valer-se deles como ferramentas de promoção de uma vida melhor e mais justa, para poder transformar contextos inadequados, insuficientes, injustos, a educação é mediadora insubstituível. O domínio dos códigos lingüísticos permite ao cidadão situar-se no contexto atual de globalizações,

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sem perder a identidade cultural de seu grupo, de suas raízes. Tornar-se bem sucedido sem descuidar do meio ambiente, sem negar princípios de ética, que garantam a dignidade sua e de seus semelhantes. Contraditoriamente, apesar de todo o avanço científico-tecnológico, das últimas décadas ainda convivemos, no contexto mundial e para nós em especial da América Latina - AL, com a presença do analfabetismo isto é, com a ausência do saber ler e escrever, denunciada pelos relatórios de Desenvolvimento Humanos da Unesco e, reiteradamente confirmada pelos Censos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no Brasil. Como viver no mundo contemporâneo, transformado pela tecnologia, sendo analfabeto? Como exercer o direito de ser cidadão, não tendo acesso aos mecanismos de informação, sem ter o domínio dos códigos escritos e digitais? Sem a alfabetização das letras e dos números qualquer outro tipo de conhecimento científico ou tecnológico não avança. Por isso a oferta de oportunidades de educação para todos, ao longo da vida, deve ser promovida pela sociedade e pelo Estado. Na Constituição Brasileira o direito à Educação Básica - EB1 é entendido como direito subjetivo.

O direito subjetivo se caracteriza por ser um atributo da pessoa. Este traz aos seus sujeitos, titulares de poderes, obrigações e faculdades estabelecidos pela lei. Em outras palavras, o direito subjetivo é um poder ou domínio da vontade do homem, juridicamente protegida. No Brasil, o ensino fundamental, direito juridicamente protegido desde 1934, consagrou-se pela Constituição de 1988 como um direito subjetivo. O art. 205 da Constituição, neste sentido é claro: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho . Tanto quanto um direito, a educação é definida, no ordenamento jurídico brasileiro, como dever: direito do cidadão dever do Estado. Segundo Cury (2002), do direito nascem prerrogativas próprias das pessoas em virtude das quais elas passam a gozar de algo que lhes pertence como tal. Sem o gozo dos direitos, a vida plena em sociedade se torna impossível, por isso, os direitos, devem ser protegidos, inclusive por meio da lei. Como um bem público, fundante da cidadania e indispensável para a participação de todos nos espaços sociais e políticos; assim como para (re)inserção qualificada no mundo profissional do trabalho, a educação, hoje, é praticamente garantida nos textos legais de todos os países. Por implicar a cidadania e seu exercício consciente, por qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória no ensino fundamental, por ser gratuita e progressivamente obrigatória no ensino médio, por ser também dever do Estado desde a educação infantil, no texto constitucional brasileiro, a educação se consagrou e se mantém consagrada como um direito subjetivo, inalienável e inadiável.

1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 9394/96, reafirma o direito à educação, garantido pela Constituição Federal. Estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Segundo a LDB 9394/96, a educação brasileira é dividida em dois níveis: a educação básica e o ensino superior. A Educação básica inclui (a) Educação Infantil (0 a 5 anos) gratuita, mas não obrigatória. É de competência dos municípios. (b) Ensino Fundamental anos iniciais (do 1º ao 5º ano) e anos finais (do 6º ao 9º ano) É obrigatório e gratuito. A LDB estabelece que, gradativamente, os municípios serão os responsáveis por todo o ensino fundamental. Na prática os municípios estão atendendo aos anos iniciais e os Estados os anos finais. (c) Ensino Médio O antigo 2º grau (do 1º ao 3º ano). É de responsabilidade dos Estados. Pode ser técnico profissionalizante.

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O contexto atual requer inovação, criatividade, novas alternativas e isto está diretamente ligado a um nível educacional mais elevado. A iniciativa para avançar na qualidade de vida, promover o desenvolvimento econômico e social respeitando o meio ambiente, requer uma inserção mais atuante e emancipada do indivíduo na vida em sociedade. Atualmente, cada vez mais, a vida individual e coletiva se rege pelo conhecimento e pela tecnologia estes, por sua vez, para serem comunicados, dependem do domínio dos códigos linguísticos. Como então oferecer uma educação sistemática, em todos os níveis e modalidades, cuja qualidade seja promotora dos valores necessários a uma vida melhor no planeta? Por onde iniciar tal esforço? Muitas podem ser as vias prioritárias a serem estabelecidas. As políticas para a melhor educação serão sempre tentativas de respostas. Dentre elas, reafirma-se a importância das políticas de formação daqueles que podem ser mediadores de um futuro melhor - os professores. A recente publicação da Unesco,

a que a preocupação com a formação de professores é uma questão importante na sociedade, considerando os novos ordenamentos estruturais no mundo contemporâneo.2 Este estudo reafirma a importância de uma boa formação de professores tanto inicial quanto continuada. Com base em resultados dessa pesquisa destaca-se que:

A grande maioria do professorado é do sexo feminino, tende a ser mais jovem que nos países desenvolvidos, provém, em geral, de setores e famílias com menor capital cultural e econômico em termos relativos e cujo salário contribui com porção significativa da renda familiar, correspondendo, em alguns países, a 45% da renda total familiar. Outro ponto de destaque nesse perfil é que o preparo e os anos de escolaridadedos docentes latino-americanos (12 anos) é significativamente menor do que no grupo formado por Estados Unidos, Japão e países da OCDE (16 anos), o que resulta em um comprometimento da educação recebida por crianças e jovens latino-americanos, em especial de contextos socioeconômicos desfavorecidos. (VAILLANT, apud GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011, p. 17).

Segundo este estudo, nem sempre os espaços de formação são utilizados nas

conhecimento que vem com o exercício da profissão e as experiências vividas em

Acrescenta-se: nem sempre as agências formadoras oferecem oportunidades de conhecimento acerca da realidade circundante onde o professor atua ou atuará, em relação ao desenvolvimento econômico e social e a problemática educacional característica de determinada região e do próprio país. Dizer região não significa desconsiderar o global. Ao contrário, segundo Santos (2005), o local e o regional fazem parte dessa complexa reunião: eles imbricam-se no global. Assim, reforça-se a ideia de que os currículos de formação de professores para a EB e para a alfabetização precisam oferecer subsídios que permitam ao estudante da educação superior o conhecimento dessa problemática, e as formas como ela se 2 O referido estudo, bastante amplo, coletou informações documentais junto aos órgãos centrais do governo federal, setores e secretarias do MEC, ao sítio da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), junto ao Conselho Nacional de Secretários Estaduais (CONSED) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), junto a Secretarias de Educação de Estados e Municípios, junto a diversas IES (Instituições de Ensino Superior).

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concretiza no seu tempo e no seu espaço. O mencionado estado da arte em relação à formação de professores referenda, explicitamente, que embora tenha sido desenvolvido amplo esforço nacional por meio de diversos programas no seio da Rede Nacional de Formação Continuada, criada em 2003, e tais programas3 tenham sido objeto de estudo em trabalhos de pós-graduação, eminentemente qualitati (Op. Cit, p. 63),

satisfazem os requisitos de estudos de largo alcance que contemplem mais amplamente variáveis cruciais para a análise das políticas públicas. (Id. Ibid). De qualquer forma o estudo é enfático ao sugerir a necessidade de revisão dos próprios currículos dos cursos iniciais de formação de professores, hoje oferecidos nas IESs (Id.Ibid). As autoras em seu estudo, ainda voltam a insistir que é necessária

uma verdadeira revolução nas estruturas institucionais formativas e nos não pode ser pensada

apenas com base nas ciências e nos seus diversos campos disciplinares, como adendo dessas áreas, mas precisa ser pensada e realizada com base na função social própria à educação básica e aos processos de escolarização ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas

). Quando se examinam taxas da população brasileira, no geral do país, por estados da federação e por regiões definidas e localizadas, de pessoas de quinze anos e mais que declaram não saber ler e escrever (IBGE - Censo 2010), e, evidencia-se decréscimo lento e progressivo do analfabetismo nas últimas décadas, isso pode gerar uma falsa tranqüilidade, levando a desconsiderar tal conteúdo como matéria curricular da formação de professores. No entanto, quando tais índices são convertidos em números absolutos, percebe-se a grande tarefa que resta aos professores e escolas de EB, bem como às agências formadoras desses professores às IES, à sociedade em geral e ao poder público, em especial. Além disso, todos os resultados mensurados pelos mais diversos instrumentos de avaliação internacionais e nacionais, em especial os que estabelecem os Índices de Desempenho da Educação Básica Ideb /Brasil,4 revelam o baixo e até mesmo insuficiente rendimento dos alunos no domínio da leitura e da escrita. Nessa perspectiva, o presente trabalho deseja enfatizar a importância da formação tanto inicial na educação superior quanto da formação continuada de professores para atuarem na educação básica, mais especificamente, na alfabetização, considerar o conhecimento da problemática em torno dessa antiga questão, ainda não resolvida no Brasil como um todo - a da permanência do analfabetismo, inclusive em regiões onde não se esperaria mais tal situação. O analfabetismo ainda rompe com uma melhor expectativa em relação aos fins da educação ou seja, a construção da cidadania

3 O estado da arte organizado por Gatti e colaboradoras sob o patrocício da Unesco (2011), refere que o Pró-Letramento e o Gestar II, são programas nacionais de formação continuada de docentes presentes em todos os estados da Federação. 4 O Indice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb foi criado pelo Inep em 2007, em uma escala de zero a dez. Sintetiza dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: aprovação e média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) , o Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), e a Prova Brasil.

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mais participativa dos sujeitos da educação, em especial daqueles menos favorecidos, por postergar ou dificultar sua melhor inserção social e por não lhes garantir maior domínio e clareza dos processos vivenciados. A questão do analfabetismo é, de fato, um problema educacional brasileiro concreto e persistente, prosseguindo como uma história inacabada (FERRARO, 2009).

em 2010 o Brasil figura com a mais alta das taxas de analfabetismo no conjunto dos países da América do Sul - 9,6%, seguido da Bolívia com 9,4% e o Perú com 7,0%. Embora haja uma boa taxa de matrículas no ensino fundamental (em 2009 era 97,6% ), e continuada queda nas taxas de analfabetismo no Brasil (em 2000 a taxa de analfabetismo ultrapassava a casa dos dois dígitos 13,6%, em 2010 conseguiu ser reduzida para 9,6%), os números absolutos demonstram que o problema persiste ao longo de décadas. O número de brasileiros de quinze e mais anos que não sabe ler e escrever é de quase quatorze milhões, segundo o Censo 2010 do IBGE. O eixo principal em torno do qual se estrutura este estudo tem por base o referencial epistemológico crítico de Boaventura de Sousa Santos e também as idéias de Paulo Freire, apresentados a seguir. Servem de fundamentação empírica análises qualitativa e quantitativa de informações e dados relacionados ao analfabetismo, à educação e alguns indicadores sociais em uma amostra de municípios do Rio Grande do Sul - Brasil, apresentadas na sequência.5. Em sua parte final o texto discute possíveis contribuições para a reflexão sobre a importância da educação superior e propõe algumas estratégias de enfrentamento aos desafios de formação de professores, na realidade brasileira. A Educação para a emancipação - os referenciais orientadores do estudo Cidadania plena significa emancipação. Implica participação. Como, pois, imaginar o analfabeto que fica privado de uma maior e melhor participação considerando que lhe cabe o silêncio, em decorrência de sua situação de, ainda não ler e não escrever; de precariamente conseguir inserir-se em atividades e grupos de pessoas alfabetizadas, concretizando-se desse modo, uma forma de exclusão cultural. O silenciamento acompanha o analfabetismo. Nos mais diversos círculos da vida cotidiana pouco se fala acerca da presença do analfabeto. Inclusive na escola. Nesta, ao serem preenchidas as fichas dos alunos que a freqüentam, registra-se o nível de escolaridade dos pais ou responsáveis e, então, aparecem os escassos anos de estudo ou, sua ausência total. Entretanto, se a escola examina isso, considerando que já tem a preocupação de alfabetizar os alunos regulares que a frequentam, pouco consegue fazer para enfrentar este problema, e, de certa forma, também o silencia. Quando muito, se houver uma política de gestão da Educação para Todos, e se enquadrar nos planos dos dirigentes da instância administrativa correspondente (município ou estado), salas são disponibilizadas no turno da noite para a Educação de Jovens e Adultos. Diversos estudos revelam que o analfabetismo é uma realidade que permanece silenciada e silenciosa (LOSS e DAMIANI, 2005; LONGHI e DAL MORO, 2005; MOLL, 1996; GALVÃO E DI PIERRO, 2007).

5 Os dados foram coletados por meio de pesquisa desenvolvida no sub-

Obeduc, com apoio da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do Inep, ão Superior Brasileira: Desafios Contemporâneos, coordenado por Clarissa Eckert Baeta Neves do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.

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Como já mencionada, outra idéia extremante vinculada a esta é a de exclusão o analfabeto fica totalmente de fora do grupo dos letrados. Boaventura de Sousa Santos (2006, p.280), apresenta a exclusão como um fenômeno cultural e social. A desigualdade, que é, segundo o autor, um fenômeno econômico, encontra-se na raiz da exclusão. Isso fica evidenciado através das análises dos dados deste estudo. Assim, pode-se afirmar que analfabetismo e pobreza andam juntos. Neste sentido o silenciamento sobre o analfabetismo não se instaura como fenômeno isolado. Mantém-se pela exclusão dos analfabetos tanto dos círculos sociais quanto das esferas de poder de decisão, para continuarem a ser colocados e eles mesmos colocarem-se às margens das esferas produtivas. Estigmatizados e oprimidos, interiorizam e, não raras vezes, justificam a lógica que os oprime, como mostra Paulo Freire na obra Pedagogia do Oprimido (2005); tornam-se vítimas de preconceitos, já que muitas vezes não entendem o que até uma criança é capaz de entender quando da leitura da palavra. Os que ainda lutam pela garantia de sua dignidade, que é, segundo Paulo Freire, uma forma de criá-la, passam a enfrentar uma luta desesperada, estendendo sua jornada de trabalho, na tentativa de buscar a alfabetização para poder ler instruções, avisos, assinar seu nome, contratos, para obter a qualificação necessária para o trabalho no trabalho, para poder apresentar-se como pessoa honesta (porque sabe escrever), para poder acompanhar o estudo dos filhos. Todo esse esforço é empreendido para alcançar um objetivo: garantir um lugar na sociedade e restaurar sua humanidade roubada. (idem, p.33). Talvez, nos diz Fiori (2005, p. 8), o sentido mais exato da alfabetização (em Paulo Freire) seja o de aprender a escrever a sua vida, como autor e como testemunho de sua história, isto é, biografar-se, existenciar-se, historizar-se , ou seja, tornar-se sujeito de si e de sua história. Na verdade, o problema do silenciamento dos que não dominam o código lingüístico convencional não é tão simples de ser resolvido:

não são as mesmas que produziram o silêncio no primeiro momento. Esse é um dos desafios mais fortes que temos: como fazer o silêncio falar de uma maneira

p. 55). Precisamos reinventar uma nova alfabetização para aquele(a) que permaneceu analfabeto(a). A educação, como direito subjetivo, acompanha o sujeito durante toda sua vida. A exclusão do mundo letrado não produz a vocação para a exclusão ou para o tornar-se menos (Freire, 2005, p. 33). Assim, a aquisição da escrita e da leitura, porta

do acesso continuado a esse direito, pressupõe um processo teórico-metodológico que assente, antes de tudo, no reconhecimento da realidade e da diversidade cultural daqueles que ainda são analfabetos. A alfabetização só ganha sentido na dimensão humana se com ela se realiza a extrojeção da culpa indevida. Ou seja, a isso corresponde a expulsão do opressor de dentro do oprimido, que precisa de ser substituído por sua autonomia e responsabilidade (FREIRE, 2000). Assim, será necessário inicialmente, que o educador se disponha a ouvir o sussurro do analfabeto, apanhar os fios perdidos de culturas que formam o rico e complexo quadro multicultural da atualidade porque, em verdade, a multiculturalidade, na qual, também se situa a cultura do analfabeto, não se forma na justaposição de culturas, muito menos no poder de dominação de umas sobre as outras, mas na liberdade e no direito de mover-se, de dizer sua palavra e de, um dia poder escrevê-la para poder escrever-se. Porque, além do direito de escrever sua palavra, o

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analfabeto ou o alfabetizado tem o direito de manter-se na história e essa manutenção pressupõe o registro. Aquele que não escreve seu nome, que não escreve sua palavra, que não registra sua trajetória é, além de um excluído na vida, um possível excluído da memória da história. Dentre outros desafios destacados para que se instale uma nova cultura política emancipatória, Boaventura de Sousa Santos (2007), menciona o da objetividade que impulsiona o estudioso a distanciar-se em relação à realidade, mas que, ao mesmo tempo, requer que ele não se isole nem das conseqüências, nem da natureza do saber

(p. 57). Assim, uma análise sintética dos dados da pesquisa, referentes a uma dada região, a seguir apresentados, concretizam resultados do silenciamento acerca do analfabetismo subentendendo fragilidades e problemas do sujeito que não sabe ler e escrever. Os dados também refletem possíveis dificuldades ou inoperância das políticas de promoção da dignidade humana nos municípios e entraves e ou desconhecimento dessa realidade contextualizada nos diferentes espaços de formação de professores para a educação básica, em especial para a alfabetização. Desvelando um contexto: analfabetismo em meio à educação superior e à formação para o magistério Preocupações acerca da qualidade da educação básica são constantes na mídia em especial ao apresentarem índices e taxas de desempenho de alunos e de escolas. Assim, ao tentar entender as razões da persistência do problema do analfabetismo na região do estudo (ver Fig. 1 e Fig. 2, em anexo), embora uma amostra de trinta e quatro (34), municípios6 do centro norte e nordeste do RS BR, tenha sido definida em razão do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica Ideb7, considerou-se principalmente, a análise dos índices de analfabetismo da população de quinze ou mais anos e da população de quinze a vinte e quatro anos. Procurou-se, também, configurar a situação econômica e social desses municípios, através de índices combinados do IDESE8, do PIB9 e do índice de GINI10. Tomando os dados da referida pesquisa tem-se um quadro contextual bastante complexo em relação a indicadores socioeducacionais e econômicos, na região do estudo. A delimitação geográfica do estudo desenvolvido neste subprojeto do Obeduc mencionado, se constitui por dez (10), Microrregiões11, abrangendo cento e setenta e

6 A Amostra foi constituída pelos municípios de maior e municípios de menor Ideb, mais o município-sede em cada uma das dez (10), Microrregiões do estudo, acrescidos ainda, dos municípios-sede de campus universitário da UPF, que se encontram nesta região do estudo. 7 Para fins de definição da mencionada amostra foram considerados os resultados obtidos no Ideb de 2009 pela rede pública, isto é, pelas escolas de dependência administrativa municipal e estadual. 8 O Idese é um índice inspirado no IDH. Tem por objetivo mensurar e acompanhar o nível de desenvolvimento do Estado, de seus municípios e dos Coredes (Conselhos Regionais de Desenvolvimento, ver nota a seguir), informando a sociedade e orientando os governos (municipais e estadual) nas suas políticas socioeconômicas. Abrange um conjunto amplo de indicadores sociais e econômicos, classificados em quatro blocos temáticos: educação; renda; saneamento e domicílios; e saúde. Permite classificação em três níveis de desenvolvimento: baixo (índices até 0,499), médio (entre 0,500 e 0,799) ou alto (maiores ou iguais a 0,800). 9 O PIB (Produto Interno Bruto) é a soma de todos os serviços e bens produzidos num ano, numa determinada região do país, do estado, da cidade. 10 O Índice de Gini é a medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima). 11 A Microrregião é uma categoria geográfica instituída pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, resultante de uma subdivisão do território no interior das Unidades da Federação (estados), a

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seis (176) Municípios, onde tinham residência fixa, em 2010, um milhão quatrocentos e oitenta e três mil e setenta (1.483.070) pessoas (IBGE, Censo 2010). Considerando-se apenas os dez municípios-sede de microrregião, verifica-se que estes somam um pouco mais de um terço do total dessa população (ver Quadro nº1, em anexo). A análise deste Quadro mostra que, embora a região de estudo como um todo apresente taxa de analfabetismo menor (4,2%), do que a do RS, que é de 4,5% para a população de quinze ou mais anos de idade, quatro desses municípios-sede possuem taxas superiores para esta população: 8,9%; 5,5%; 5,2% e 4,6% ( ver Quadros nº 1 e 2, em anexo). Além disso, dentre os trinta e quatro municípios que compõem a amostra examinada foram identificados, principalmente na zona rural, percentuais extremamente elevados no interior das diferentes microrregiões, chegando a registrar-se 20,1% de analfabetismo na população de quinze anos ou mais. Isso evidencia a presença do analfabetismo em regiões que já deveriam tê-lo erradicado. A região de estudo se situa, no conjunto do Rio Grande do Sul, como uma região bem desenvolvida e que, em comparação com outras regiões do estado, sempre contou com a presença de equipamentos públicos como escolas, hospitais, centros de saúde, saneamento básico, água potável, energia elétrica, meios de comunicação, vias pavimentadas, meios de transporte coletivo, alimentos. A análise dos indicadores mencionados (Idese, PIB e Gini) evidencia um quadro favorável. Em relação ao Idese, vinte e nove dos trinta e quatro municípios da amostra se situam no nível médio e cinco no nível alto de desenvolvimento. Em relação ao PIB, dez dos trinta e quatro municípios se encontram no grupo dos cem municípios de melhor PIB no estado. Entretanto, em meio a estes indicadores favoráveis, a pesquisa evidenciou desigualdades: dos trinta e quatro municípios, apenas onze deles possuem índice de GINI entre 0,32 e 0,35. Todos os demais se situam entre 0,36 e 0,41. De qualquer forma estes índices revelam que a região de estudo, além dos problemas já mencionados em relação ao analfabetismo, apresenta fragilidade social pela presença da desigualdade. Os resultados dessa pesquisa confirmam conclusões de estudos anteriores: primeiro, que o analfabetismo persiste dentre a população adulta, dando continuidade a sua reprodução (LONGHI e DAL MORO, 2005). Segundo, confirma o estudo de Ferraro sobre o Brasil (2009). Embora os índices relativos ao analfabetismo, em municípios em que a população reside predominantemente na zona rural, sejam bem mais elevados (como o caso dos 20,1% mencionados), o que a pesquisa evidenciou foi de que o número absoluto de analfabetos (19.335), identificado apenas nos município-sede de Microrregião, é muito elevado dentre a população de quinze ou mais anos, residente nesses municípios que são também os que registram maior índice de urbanização (ver Quadros nº 1 e 2). Isso surpreende considerando, especialmente, que na região do estudo encontram-se instaladas, três universidades comunitárias (UPF, Unicruz, UCS e URI)12,

qual apresenta certa especificidade, principalmente, quanto à organização do espaço, envolvendo a estrutura de produção agropecuária, industrial, extrativismo mineral ou pesca, combinando elementos do quadro natural e das relações sociais e econômicas. O Rio Grande do Sul RS encontra-se subdivido em trinta e cinco (35) microrregiões (ver Fig. 2), as quais abrigam diversos municípios. Em si as microrregiões não se organizam numa perspectiva política de associações de municípios, com vistas a ações coordenadas para o desenvolvimento socioeconômico. Os organismos com esta finalidade específica denominam-se Coredes Conselhos de Desenvolvimento Regional, os quais reorganizam e redistribuem o conjunto dos municípios. No caso do RS, em 2010, vinte e oito (28), Coredes congregavam os quatrocentos e noventa e seis municípios do estado. (IBGE, 1990, FEE, 2011). O presente estudo considerou apenas a organização em Microrregiões. 12 UPF - Universidade de Passo Fundo , Unicruz - Universidade de Cruz Alta, UCS - Universidade de Caxias do Sul, URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.

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campus de outras universidades federais (UFSM, UFFS)13, vários Institutos Federais e ainda diversas outras IES privadas, que, em sua maioria mantém cursos de formação de professores para a Educação Básica. Além disso, historicamente esta região sempre contou e conta com inúmeras escolas de formação para o magistério de nível médio. É de se questionar como tais instituições vêm trabalhando informações dessa natureza na formação dos professores para a educação básica e, em especial para a alfabetização. Como essa realidade tem sido contemplada pelo poder público nas políticas de educação para os municipais dessa região? O Quadro nº 2 ainda revela que o problema entre os mais jovens (de quinze a vinte quatro anos), também se encontra presente. Os níveis são menores do que no total da população (de quinze anos ou mais), porém, ainda elevados (5,8%, 5,6%, 5,2%, 4,7%). Isso denota que a própria escola, não está conseguindo estancar a reprodução do analfabetismo Nesta discussão cabe igualmente investigarmos a efetividade de programas de formação inicial e continuada de professores14, implementados através de diversas modalidades. Se após distintas experiências, no decorrer das últimas duas décadas, ainda encontramos não só resultados muito abaixo dos desejados tanto na qualificação dos docentes quanto nos resultados de seus trabalhos, voltamos nosso olhar para a questão da própria atuação dos professores formadores destes docentes.

Assim, argumentamos em nossos trabalhos (KRAHE e WIELEWICKI, 2012) que em verdade em um mundo em acelerada transformação, como já apontado no início deste texto, encontramos nas salas de aulas de IES formadoras de professores as atividades embasadas na praxe - entendida como ação docente com pressupostos teóricos ligados ao senso comum, à tradição. (KRAHE,2007) A pedagogia universitária ainda utilizando-se de uma racionalidade técnico-instrumental, enquanto as políticas da educação nacional chamam pela racionalidade prático-reflexiva.

Frente a esta realidade resta a indagação: como queremos que os resultados da educação progridam se as instâncias formadoras dos formadores permanecem em larga escala em uma perspectiva de décadas passadas, quando a legislação brasileira ainda não impunha a todos o direito e o dever da escolarização? Ainda algumas considerações em torno do tema Face ao exposto resta-nos fazer algumas ligações e enfatizar algumas considerações acerca da problemática evidenciada pela pesquisa e a grande tarefa de formação de professores para a Educação Básica, em especial para a alfabetização. A construção de uma cidadania emancipatória, que se inicia desde o seio das famílias, isto é nos primeiros grupos de socialização dos indivíduos, precisa ter continuidade na formação sistemática, ou seja, na educação escolar. Por isso, a defesa de que a tarefa do(a) professor(a) necessita ser inicialmente bem entendida por ele(a) mesmo(a), por quem prepara os educadores as IES, e, também, por quem decide as políticas de sua formação, de sua atuação e da valorização de sua profissionalização os gestores. Isso implica referenciais suficientes para compreender, para situar-se, desde os saberes locais e contextuais a fim de contribuir para transformar o silêncio e a exclusão daqueles que ainda não dominam os códigos lingüísticos, em expressão livre da fala e da escrita,

13 UFSM Universidade Federal de Santa Maria, UFFS Universidade Federal Fronteira Sul. 14 Por exemplo: PARFOR programa para formação presencial de professores em exercício nas redes públicas, em parcerias com Secretarias de Educação e IESs,sob auspícios da CAPES, visando qualificação e titulação; PRODOCÊNCIA programa que visa elevar a qualidade das licenciaturas; PIBID - com concessão de bolsas tanto para alunos de licenciaturas, quanto a professores das redes e das IESs.

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condição de cidadania no contexto contemporâneo. O estudo evidencia que a reprodução do analfabetismo, mesmo que em menores proporções, continua ocorrendo apesar do acesso à escola quase estar universalizado no Brasil em geral, e, e especial no estado do Rio Grande do Sul. Será que a escola, como tal, nada tem a ver com este problema? A formação de professores também ocorre voltada à escola, entretanto, seus fundamentos devem estar na vida coletiva e na expectativa de melhor cidadania, da busca de melhores condições sociais, econômicas e culturais. Cabe aqui enfatizar o já expresso no próprio projeto desta pesquisa:

-geográfico seguida pela sistematização e análise dos mesmos é o que permite o aprofundamento compreensivo acerca da complexidade da problemática nacional que se revela com especificidades próprias no pequeno problema

-Projeto 2 - Educação Superior e formação docente para alfabetização, 2010, p. 13).

É nesta perspectiva, que concluída a etapa preliminar dos diagnósticos, se avance nas discussões envolvendo diversos segmentos como: gestores de políticas de educação nos municípios (secretários de educação, diretores de escola, coordenadores pedagógicos, supervisores, orientadores educacionais, professores), comunidade acadêmica estudantes universitários, especialmente os das Licenciaturas, IES, demais instituições que mantém cursos de formação de professores, bem como, gestores da educação básica dos diversos municípios da região. Isso tornar-se-á possível por meio de mecanismos como seminários regionais, em que sejam analisados, conjuntamente, resultados encontrados, promovendo sua socialização e organizando a coordenação de ações estratégias para a educação na região. O fato deste projeto estar inserido no Programa Nacional do Observatório da Educação - Obeduc Capes/Inep, e envolver professores e acadêmicos de IESs e da rede pública dos municípios como pesquisadores, objetivando a construção e disseminação do estudo, torna-se motivo de esperança visando reduzir discrepâncias ainda existente no Brasil entre o que se almeja e o que se consegue desenvolver em relação à educação para a cidadania. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do B rasil de 1988. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br> consulta em 12 de março de 2012.

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A N E X OS

Fig.1 Localização Regional e Nacional do Estudo - UPF e seus campi

Figura 2 - Dez Microrregiões abrangidas pelo estudo: 3 Frederico Westphalen; 4

Erechim; 5 Sanaduva; 9 Carazinho; 10 Passo Fundo; 11 Cruz Alta; 12 Não-Me-Toque; 13 Soledade; 14 Guaporé; 15 Vacaria.

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Quadro nº 1 Microrregiões do estudo e população residente nos municípios sede

MICRORREGIÔES DO ESTUDO

POPULAÇÃO RESIDENTE NOS MUNICÍPIOS DAS MICRORREGIÕES

Municípios-sede

Municípios que

compõem cada MR

População TOTAL Das Microrregiões

Somente nos municípios-sede

Percentual de Analfabetos de 15 anos ou + de idade

População - todos os grupos de idades

População - de 15 anos ou +

Pessoas de 15 anos ou + de idade que não sabem ler e escrever

Carazinho 18 159.953 59.317 46.908 1925 4,1

Cruz Alta 14 150.223 62.821 49.161 2.203 4,5

Erechim 30 211.653 96.087 77.483 2.538 3,3

Frederico. Westphalen 27 174.605 28.843 23.053 1.069 4,6

Guaporé 21 127.249 22.814 18.574 699 3,8

Não Me Toque 7 42.221 15.936 12.981 491 3,8

Passo Fundo 26 327.703 184.826 145.432 5.211 3,6

Sanaduva 11 60.636 15.373 12.683 702 5,5

Soledade 8 71.490 30.044 23.353 2.079 8,9

Vacaria 14 157.337 61.342 46.933 2.418 5,2

TOTAIS 176 1.483.070 577.403 456.561 19.335 4,2 Fonte: Pesquisa. Fundação de Economia e Estatística do RS FEE/RS - Censo IBGE 2010. IBGE Cidades 2011, 2012.

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Quadro nº 2 Percentual da população total residentes na zona urbana e distribuição da população de quinze e mais anos que não sabe ler e escrever, residente em cada município-sede de Microrregião do estudo, no total e nos grupos de idade

MINICÍPIOS-SEDE DE MICRORREGIÔES

População Residente

Zona Urbana

%

Analfabetos - População que não sabe ler e escrever De 15 ou mais anos - TOTAL

De 15 a 24 anos De 25 a 59 anos De 60 ou mais anos

Nº % Nº % Nº % Nº %

Carazinho 98,2 1.925 4,1 108 5,6 771 40,0 1.046 54,3

Cruz Alta 96,5 2.203 4,5 128 5,8 1.043 47,3 1.032 46,8

Erechim 94,2 2.538 3,3 112 4,4 990 39,0 1.436 56,6

Frederico. Westphalen 80,9 1.069 4,6 36 3,4 474 44,3 559 52,3

Guaporé 91,3 699 3,8 18 2,5 290 41,5 391 55,9

Não Me Toque 87,6 491 3,8 23 4,7 219 44,6 249 50,7

Passo Fundo 97,5 5.211 3,6 274 5,2 2.245 43,1 2.692 51,7

Sananduva 69,6 702 5,5 16 2,3 234 33,3 452 64,4

Soledade 80,0 2.079 8,9 83 4,0 1.011 48,6 985 47,4

Vacaria 93,5 2418 5,2 82 3,4 991 41,0 1.345 55,6

TOTAIS - 19.335 - 880 - 8.268 - 10.187 -

Fonte: Pesquisa. Fundação de Economia e Estatística do RS FEE/RS - Censo IBGE 2010. IBGE Cidades 2011, 2012.