Quando é Arte, de Nelson Goodman

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    QUANDO ARTE?

    Nelson Goodman

    1. O Puro na Arte

    Se a tentativa de responder a questo O que arte? caracteristicamente termina em

    frustrao e confuso, talvez como to freqente em filosofia a questo esteja errada. Uma

    recolocao do problema, junto com a aplicao de alguns resultados de um estudo da teoria dos

    smbolos, pode ajudar a esclarecer matrias to debatidas como o papel do simbolismo na arte e ostatus de arte dos objetos encontrados e da assim chamada arte conceitual.

    Uma notvel viso sobre a relao dos smbolos com obras de arte registrada em

    um incidente sarcasticamente relatado por Mary McCarthy:1

    Sete anos atrs, quando eu lecionava em um colgio progressista, haviauma graciosa menina, aluna em uma de minhas turmas, que queria seruma escritora de contos. Ela no estava estudando comigo, mas sabiaque eu s vezes escrevia contos, e um dia, sem flego e corada, ela veioat mim no hall para dizer que havia acabado de escrever uma histriasobre a qual seu professor de redao, um Sr. Converse, estava

    terrivelmente entusiasmado. Ele pensa que maravilhosa, ela disse, evai me ajudar a corrigi-la para publicao.Perguntei sobre o que tratava a histria; a menina era uma pessoabastante simples que gostava de roupas e encontros. Sua resposta teveum tom depreciativo. Era sobre uma menina (ela mesma) e algunsmarinheiros que ela encontrou no trem. Mas ento sua face, que por ummomento pareceu perturbada, alegrou-se.Sr. Converse est revisando-a comigo e vamos colocar nela ossmbolos.

    Hoje em dia o estudante de arte de olhar brilhante ser provavelmente advertido, com

    igual sutileza, a deixar de lado os smbolos; mas a pressuposio subentendida a mesma: que os

    smbolos, quer sejam aperfeioamentos ou distraes, so extrnsecos obra em si. Uma noo

    similar parece estar refletida naquilo que tomamos por arte simblica. Ns primeiro pensamos em

    obras tais como o Jardim das Delcias de Bosch ou os Caprichos de Goya ou as tapearias do

    Unicrnio ou os relgios derretidos de Dali, e ento talvez em pinturas religiosas, quanto mais

    msticas melhor. O que notvel aqui menos a associao do simblico com o esotrico ou

    Traduo: Daniela Kern. Referncia do original: GOODMAN, Nelson. When is art? In: _____.Ways of worldmaking. Indianapolis, Indiana: Hackett Publishing Company, 1984. p. 57-70.1Settling the Colonels Hash, Harpers Magazine, 1954; reimpresso em On the contrary(Farrar,Straus and Cudahy, 1961), p. 225.

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    extraterreno do que a classificao das obras como simblicas com base no fato de terem

    smbolos como assunto isto , com base em sua descrio ao invs de no fato de serem

    smbolos. Isso deixa como arte no simblica no apenas obras que nada descrevem mas tambmretratos, naturezas-mortas, e paisagens nas quais os temas so apresentados de maneira direta

    sem aluses arcanas e que no se sustentam eles mesmos como smbolos.

    Por outro lado, quando escolhemos obras para a classificao como no simblicas,

    como arte sem smbolos, restringimo-nos a obras sem assunto; por exemplo, a pinturas,

    construes ou composies musicais puramente abstratas ou decorativas ou formais. Obras que

    representem algo, no importa o que e no importa o quo prosaicamente, esto excludas; pois

    representar certamente referir, figurar, simbolizar. Cada obra representacional um smbolo; e

    arte sem smbolos restrita a arte sem assunto.

    Que obras representacionais sejam simblicas de acordo com um uso e nosimblicas de acordo com outro importa pouco medida em que no confundamos os dois usos. O

    que importa muito, contudo, de acordo com vrios artistas e crticos contemporneos, isolar a

    obra de arte como tal de qualquer coisa que simbolize ou faa referncia de qualquer maneira.

    Deixe-me colocar entre aspas, uma vez que estou oferecendo isso para considerao sem

    expressar agora nenhuma opinio a respeito, uma afirmao compsita de um programa ou

    poltica ou ponto de vista correntemente muito defendido:

    O que a pintura simboliza externo a ela, e extrnseco pintura como

    obra de arte. Seu assunto se houver algum, suas referncias sutis oubvias por meio de smbolos de algum vocabulrio mais ou menos bemreconhecvel, nada tm a ver com seu significado ou carter esttico ouartstico. O que quer que a pintura refira ou represente de qualquermaneira, aberta ou oculta, situa-se fora dela. O que realmente importano tal relacionamento com outra coisa, no o que a pinturasimboliza, mas o que ela em si mesma o que suas intrnsecasqualidades so. Alm disso, quanto mais a pintura foca a ateno no quesimboliza, mais somos distrados de suas prprias propriedades.Correspondentemente, qualquer simbolizao em uma pintura no apenas irrelevante mas perturbadora. Arte realmente pura evita todasimbolizao, no se refere a nada, e est para ser considerada apenaspelo que , pelo seu carter inerente, no por algo que esteja associadoa ela por alguma relao to remota quanto a simbolizao.

    Tal manifesto pega pesado. O conselho de nos concentrarmos no intrnseco ao invs

    do extrnseco, a insistncia de que a obra de arte o que ao invs do que ela simboliza, e a

    concluso de que a pura arte dispensa referncias externas de todos os tipos soa solidamente

    como pensamento intransigente, e promete livrar a arte de sufocantes emaranhados de

    interpretao e comentrio.

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    2. Um dilema

    Mas um dilema confronta-nos aqui. Se ns aceitamos essa doutrina formalista oupurista, parecemos estar dizendo que o contedo de obras tais como o Jardim das Delciase os

    Caprichosrealmente no importa e pode muito bem ser deixado de lado. Se rejeitamos a doutrina,

    parece que sustentamos que o que conta no apenas o que a obra mas vrias coisas que ela

    no . Em um caso parecemos estar advogando pela lobotomia em muitas grandes obras; no outro

    parecemos tolerar a impureza na arte, enfatizando o extrnseco.

    A melhor sada, eu acho, reconhecer a posio purista como completamente certa e

    completamente errada. Mas como pode ser isso? Vamos comear por concordar que o que

    extrnseco extrnseco. Mas o que um smbolo simboliza sempre externo a ele? Certamente no

    para smbolos de todos os tipos. Consideremos os smbolos:(a) essa srie de palavras, que se sustenta por si mesmo;

    (b) palavra, que aplica-se a si mesmo entre outras palavras;

    (c) curto, que se aplica a si mesmo e a algumas outras palavras e a muitas outras

    coisas; e

    (d) tendo sete slabas, que tem sete slabas.

    Obviamente o que alguns smbolos simbolizam no se situa inteiramente fora do smbolo.

    Os casos citados so, sem dvida, muito especiais, e os anlogos entre pinturas isto , pinturas

    que so pinturas por si mesmas ou incluem a si mesmas no que descrevem talvez possam sercolocados de lado como raras e idiossincrticas demais para possurem qualquer peso. Vamos

    concordar por ora que o que uma obra representa, exceto em alguns poucos casos como esse,

    externo a ela e extrnseco.

    Isso significa que qualquer obra que no representa nada atende as demandas puristas?

    De modo algum. Em primeiro lugar, algumas obras certamente simblicas como as pinturas de

    Bosch de monstros bizarros, ou a tapearia de um unicrnio, nada representam; pois no h tais

    monstros ou demnios ou unicrnios em lugar algum a no ser em tais pinturas ou em descries

    verbais. Dizer que a tapearia representa um unicrnio equivale apenas a dizer que ela apintura de um unicrnio, no que exista qualquer animal, ou absolutamente qualquer coisa que ela

    represente. Essas obras, ainda que no haja nada que representem, dificilmente satisfazem os

    puristas. Talvez, ento, esse seja apenas outro sofisma de filsofos; e no quero insistir nisso.

    Vamos concordar que tais pinturas, ainda que no representem nada, so de carter

    representacional, logo, simblicas, e assim no puras. Do mesmo modo, devemos perceber a

    propsito que o seu ser representacional no envolve representao de nada fora delas mesmas,

    assim a objeo purista a elas no pode ser nesse terreno. Seu caso ser modificado de uma

    forma ou outra, com algum sacrifcio de simplicidade e fora.

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    Em segundo lugar, no apenas obras representacionais so simblicas. Uma pintura

    abstrata que nada represente e que no seja de modo algum representacional pode expressar, e

    assim simbolizar, um sentimento ou outra qualidade, ou uma emoo ou idia. Apenas porque aexpresso uma maneira de simbolizar alguma coisa fora das pinturas algo que no seja

    sensrio, sentimento ou pensamento o purista rejeita o expressionismo abstrato tanto quanto

    obras representacionais.

    Para que uma obra seja uma instncia de arte pura, de arte sem smbolos, ela deve sob

    esse ponto de vista nem representar, tampouco expressar, muito menos ser representacional ou

    expressiva. Mas isso suficiente? Por certo, tal obra no representa nada fora dela mesma; tudo o

    que h so suas prprias propriedades. Mas sem dvida se colocamos isso desse modo, todas as

    propriedades que qualquer pintura ou qualquer outra coisa tem mesmo uma propriedade como a

    de representar uma dada pessoa so propriedades da pintura, no propriedades externas a ela.A resposta previsvel a isso que a importante distino entre as diversas propriedades

    que uma obra pode ter encontra-se entre suas propriedades internas ou intrnsecas e externas ou

    extrnsecas; que ainda que todas sejam de fato suas propriedades, algumas delas obviamente

    relacionam a pintura com outras coisas; e que uma obra no-representacional, no-expressiva tem

    apenas propriedades internas.

    Isso simplesmente no funciona; pois sob qualquer mesmo vagamente plausvel

    classificao de propriedades em internas e externas, pinturas ou qualquer outra coisa tm

    propriedades dos dois tipos. Que uma pintura esteja no Metropolitam Museum, que tenha sido

    pintada em Duluth, que seja mais nova do que Matusalm, dificilmente pode ser chamado depropriedades internas. Livrarmo-nos da representao e da expresso no nos liberta de tais

    propriedades externas ou extrnsecas.

    Ademais, a prpria distino entre propriedades internas e externas notoriamente

    confusa. Presumivelmente as formas e cores em uma pintura devem ser consideradas internas;

    mas se uma propriedade externa uma que relaciona a pintura ou objeto a outra coisa, ento

    cores e formas obviamente devem ser contados como externos; pois a cor ou forma de um objeto

    no apenas pode ser compartilhada por outros objetos mas tambm relaciona o objeto com outros

    que tenham a mesma ou diferentes cores ou formas.

    s vezes, os termos interno e intrnseco so abandonados em favor de formal. Mas oformal nesse contexto no pode ser questo apenas de forma. Deve incluir cor, e alm de cor, o

    que mais? Textura? Tamanho? Material? Sem dvida, podemos enumerar vontade propriedades

    que so chamadas de formais; mas o vontade deixa escapar o caso. O fundamento lgico, a

    justificativa, evaporam. As propriedades deixadas de lado como no formais no mais podem ser

    caracterizadas como to-somente aquelas que relacionam a imagem com algo externo a ela. Ns

    ainda estamos diante, ento, da questo de saber se algum princpio encontra-se envolvido da

    questo de saber como as propriedades que importam em uma pintura no-representacional, no-

    expressiva so diferenciadas do resto.

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    Acredito que h uma resposta para esta questo: mas para atingi-la, teremos que

    abandonar todo essa sonante conversa sobre arte e filosofia, e voltar terra de um golpe s.

    3. Amostras

    Considere novamente uma ordinria amostra de tecido em um costureiro ou um livro

    de amostras de um estofador. pouco provvel que isso seja uma obra de arte ou que figure ou

    expresse algo. Isso simplesmente uma amostra uma simples amostra. Mas o que essa

    amostra? Textura, cor, tecedura, espessura, filamentos...; o nico fato importante dessa amostra,

    somos tentados a dizer, que foi cortada de um s golpe e possui as mesmas propriedades que o

    resto do material. Mas isso seria muito precipitado.

    Deixe-me contar-lhe duas histrias ou uma histria com duas partes. A Sra. MaryTricias estudou um tal livro de amostras, fez sua escolha, e encomendou sua loja de tecidos

    favorita material suficiente para estofar sua cadeira e sof insistindo que o tecido deveria ser

    exatamente como o da amostra. Quando o pacote chegou ela abriu-o com impacincia e ficou

    consternada no momento em que muitas centenas de peas 2 x 3 com bordas em zigue-zague

    idnticas amostra deslizaram pelo cho. Quando ela ligou para a loja, protestando aos berros, o

    proprietrio retrucou, magoado e exausto, Mas Sra. Tricias, voc disse que o material deveria ser

    exatamente como a amostra. Quando ele chegou da fbrica ontem, mantive meus assistentes aqui

    at a noite cortando-o para combinar com a amostra.

    Esse incidente estava quase esquecido alguns meses depois, quando a Sra. Tricias,tendo costurado as peas juntas e coberto sua moblia, decidiu fazer uma festa. Ela foi

    confeitaria local, escolheu uma torta de chocolate daquelas da vitrina e encomendou o suficiente

    para cinqenta convidados, para ser entregue duas semanas mais tarde. Quando os convidados

    comeavam a chegar, um caminho estacionou com uma nica torta enorme. A moa que cuidava

    da confeitaria ficou profundamente abatida com a reclamao. Mas Sra. Tricias, voc no tem

    idia de quanto trabalho passamos. Meu marido cuida da loja de tecidos e me alertou que a sua

    encomenda deveria ser em uma pea.

    A moral dessa histria no a de que simplesmente voc no pode ganhar, mas que

    uma amostra uma amostra de algumas de suas propriedades mas no de outras. A amostra uma amostra de textura, cor, etc. mas no de tamanho ou forma. O bolinho uma amostra de cor,

    textura, tamanho e forma, mas ainda no de todas as suas propriedades. A Sra. Tricias teria

    reclamado ainda mais alto se o que foi entregue a ela fosse igual amostra por haver sido

    preparado no mesmo dia duas semanas antes.

    Agora, em geral, de quais de suas propriedades uma amostra amostra? No de

    todas as propriedades; do contrrio a amostra seria uma amostra de nada a no ser de si mesma.

    E no de suas propriedades formais ou internas ou, de fato, qualquer outro conjunto especfico

    de propriedades. O tipo de propriedade amostrada difere caso a caso: o bolinho mas no a

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    amostra de tecido uma amostra de tamanho e forma; uma espcie de minrio pode ser uma

    amostra do que foi coletado em um dado tempo e espao. Alm disso, as propriedades

    amostradas variam amplamente com o contexto e a circunstncia. Ainda que a amostra sejanormalmente uma amostra de sua textura, etc., mas no de sua forma ou tamanho, se eu a mostro

    a voc em resposta pergunta o que uma amostra de estofador? isso ento funciona no como

    uma amostra do material, mas como uma amostra de uma amostra de estofador, assim sua forma

    e tamanho esto agora entre as propriedades das quais amostra.

    Em suma, o fato que uma amostra uma amostra de ou exemplifica apenas

    algumas de suas propriedades, e que as propriedades com as quais mantm essa relao de

    exemplificao variam com as circunstncias e apenas pode ser distinguidas como aquelas

    propriedades para as quais ela, sob dadas circunstncias, serve como amostra. Ser uma amostraou exemplo algo como ser um amigo; meu amigo no identificvel por nenhuma nica

    propriedade ou conjunto de propriedades identificveis, mas apenas por permanecer, por um

    perodo de tempo, no relacionamento de amizade comigo.

    As implicaes para nosso problema relativo a obras de arte podem agora ser

    aparentes. As propriedades que contam em uma pintura purista so aquelas que a pintura torna

    manifestas, seleciona, foca, exibe, intensifica em nossa conscincia aquelas que ela mostra em

    suma, aquelas propriedades que no meramente possui mas que exemplifica, sustenta como uma

    amostra de.

    Se estou certo sobre isto, ento a mais pura pintura purista simboliza. Ela exemplificaalgumas de suas propriedades. Mas exemplificar certamente simbolizar exemplificao, no

    menos do que representao ou expresso, uma forma de referncia. Uma obra de arte, mesmo

    livre de representao e expresso, ainda um smbolo mesmo quando o que simboliza no

    sejam coisas ou pessoas ou sentimentos mas certos padres de forma, cor, textura que exibe.

    O que, ento, do pronunciamento inicial purista que eu disse jocosamente est

    completamente certo e completamente errado? Est certo em dizer que o que exterior exterior,

    em apontar que o que uma pintura representa freqentemente importa muito pouco, em

    argumentar que nem representao nem expresso so requeridas de uma obra, e em destacar a

    importncia das assim chamadas propriedades intrnsecas ou internas ou formais. Mas aafirmao est errada ao presumir que representao e expresso so as nicas funes

    simblicas que as pinturas podem assumir, supondo que o que um smbolo simboliza sempre

    exterior a ele, e insistindo que o que conta em uma pintura a mera posse ao invs da

    exemplificao de certas propriedades.

    Quem quer que procure por arte sem smbolos, nada encontrar se todas as

    maneiras atravs das quais a arte simboliza forem consideradas. Arte sem representao ou

    expresso ou exemplificao sim. Arte sem todos os trs no.

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    Apontar que arte purista consiste simplesmente em se evitar certos tipos de

    simbolizao no conden-la mas apenas revelar a falcia nos manifestos usuais advogando a

    arte purista e a excluso de todos os outros tipos. No estou debatendo as virtudes relativas dediferentes Escolas ou tipos ou maneiras de pintar. O que me parece mais importante que o

    reconhecimento da funo simblica de cada pintura purista nos d a chave para o problema

    perene de quando temos e de quando no temos uma obra de arte.

    A literatura de esttica est repleta de desesperadas tentativas de responder a

    questo O que arte?. Essa questo, com freqncia inutilmente confundida com a questo O

    que boa arte?, aguda no caso da arte encontrada a pedra pega na rua e exibida em um

    museu e posteriormente agravada com a promoo da assim chamada arte ambiental e

    conceitual. o pra-lamas destrudo de um automvel em uma galeria de arte uma obra de arte?

    O que algo que nem mesmo um objeto, e no exibido em nenhuma galeria ou museu porexemplo, a escavao e preenchimento de um buraco no Central Park como prescrito por

    Oldenburg? Se essas so obras de arte, ento so todas as pedras na rua e todos os objetos e

    ocorrncias obras de arte? Se no, o que distingue o que e o que no uma obra de arte? Que

    um artista a chame de obra de arte? Que seja exibida em um museu ou galeria? Nenhuma dessas

    respostas comporta qualquer convico.

    Como destaquei no incio, parte do problema est em perguntar a questo errada

    em falhar no reconhecimento de que uma coisa pode funcionar como obra de arte em algumas

    pocas e no em outras. Em casos cruciais, a questo real no Que objetos so

    (permanentemente) obras de arte? mas Quando um objeto uma obra de arte? ou maissinteticamente, como em meu ttulo, Quando arte?

    Minha resposta que assim como um objeto pode ser um smbolo por conseguinte,

    uma amostra em certas pocas e sob certas circunstncias e no em outras, um objeto pode ser

    uma obra de arte em algumas pocas e no em outras. De fato, apenas por funcionar como um

    smbolo de um certo modo pode um objeto se tornar, enquanto estiver funcionando assim, uma

    obra de arte. A pedra normalmente no obra de arte enquanto est na rua, mas pode ser uma

    quando est em uma vitrine num museu de arte. Na rua, normalmente ela no desempenha funo

    simblica. No museu de arte, ela exemplifica algumas de suas propriedades isto , propriedades

    de forma, cor, textura. A escavao e preenchimento de um buraco funciona como uma obra namedida em que nossa ateno direcionada para isso como um smbolo exemplar. Por outro lado,

    uma pintura de Rembrandt pode cessar de funcionar como uma obra de arte quando usada para

    substituir uma janela quebrada ou como um cobertor.

    Agora, evidentemente, funcionar como um smbolo de uma forma ou outra no em si

    mesmo funcionar como uma obra de arte. Nossa amostra, quando serve como amostra, no se

    torna assim uma obra de arte. As coisas funcionam como obra de arte apenas quando seu

    funcionamento simblico tem certas caractersticas. Nossa pedra em um museu de geologia

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    assume funes simblicas como amostra de pedras de um dado perodo, origem, ou composio,

    mas no est ento funcionando como uma obra de arte.

    A questo de quais caractersticas distinguem ou so caractersticas da simbolizaoque constitui o funcionamento como uma obra de arte pede estudo cuidadoso luz de uma teoria

    geral dos smbolos. Isso mais do que posso fazer aqui, mas eu arrisco o pensamento hipottico

    de que h cinco sintomas do esttico: (1) densidade sinttica, onde as mais sutis diferenas em

    certos aspectos constituem uma diferena entre smbolos por exemplo, um termmetro de

    mercrio no graduado quando contrastado com um instrumento de leitura eletrnico digital; (2)

    densidade semntica, onde os smbolos so atribudos a coisas distintas pelas mais sutis

    diferenas em certos aspectos por exemplo, no apenas o termmetro no graduado de novo

    mas tambm o ingls comum, ainda que ele no seja sintaticamente denso; (3) completude

    relativa, onde comparativamente muitos aspectos de um smbolo so significantes por exemplo,um desenho de uma montanha a partir de uma nica linha de Hokusai onde cada aspecto da

    forma, linha, espessura, etc. conta, em contraste talvez com a mesma linha como um mapa das

    mdias dirias da Bolsa de Valores, onde tudo o que interessa a elevao da linha acima da

    base; (4) exemplificao, onde um smbolo, quer o denote ou no, simboliza por servir como

    amostra de propriedades que literal ou metaforicamente possui; e finalmente (5) mltipla e

    complexa referncia, onde um smbolo desempenha muitas funes referenciais integradas e

    interativas, algumas diretas e outras mediadas por meio de outros smbolos.

    Esses sintomas no fornecem definio, muito menos uma vigorosa descrio ou uma

    celebrao. Presena ou ausncia de um ou mais deles no qualifica ou desqualifica nada comoesttico; nem a extenso em que esses aspectos so apresentados mede a extenso em que um

    objeto ou experincia esttico. Sintomas, afinal de contas, nada mais so do que chaves; o

    paciente pode ter os sintomas sem a doena, ou a doena sem os sintomas. E mesmo para que

    esses cinco sintomas cheguem algo perto de serem disjuntivamente necessrios e

    conjuntivamente (como uma sndrome) suficientes bem pode ser preciso apelar para alguma

    redefinio das vagas e andarilhas fronteiras da esttica. Note-se ainda que essas propriedades

    tendem a focalizar a ateno no smbolo mais do que, ou ao menos junto com, o que ele refere.

    Onde no podemos determinar nunca precisamente que smbolo de um sistema temos ou se

    temos o mesmo em uma segunda ocasio, onde o referente to elusivo que adequarpropriamente um smbolo a ele requer infinito cuidado, onde antes mais do que menos aspectos do

    smbolo contam, onde o smbolo uma instncia de propriedades que ele simboliza e pode

    desempenhar muitas funes referenciais simples e complexas inter-relacionadas, no podemos

    meramente olhar atravs do smbolo para ver ao que ele se refere como fazemos ao obedecer as

    luzes do trnsito ou ao ler textos cientficos, mas devemos nos ater constantemente ao smbolo em

    si mesmo, como ao vermos pinturas ou lermos poesias. Essa nfase na no-transparncia da obra

    de arte, na primazia da obra sobre aquilo a que ela se refere, longe de envolver negao ou

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    desconsiderao pelas funes simblicas, deriva de certas caractersticas de uma obra como um

    smbolo.

    Longe de especificar as caractersticas particulares que diferenciam a esttica deoutra simbolizao, a resposta questo Quando arte? me parece assim claramente encontrar-

    se em termos de funo simblica. Talvez dizer que um objeto arte quando e apenas quando

    funciona como tal seja exagerar o caso ou falar elipticamente. A pintura de Rembrandt permanece

    uma obra de arte, bem como permanece uma pintura, enquanto funciona apenas como um

    cobertor; e a pedra da rua pode no se tornar estritamente arte por funcionar como arte.

    Similarmente, uma cadeira permanece uma cadeira mesmo se nunca usada como assento, e um

    caixote de embalagem permanece um caixote de embalagem mesmo se usado apenas para

    sentar. Dizer o que a arte faz no dizer o que a arte ; mas eu argumento que o primeiro a

    matria de preocupao primria e peculiar. A questo posterior de definir a propriedade estvelem termos de funo efmera - o que em termos do quando no se confina s artes mas

    deveras geral, e a mesma para definir tanto cadeiras como para definir objetos de arte. A parada

    de respostas instantneas e inadequadas tambm a mesma: que um objeto seja arte ou uma

    cadeira depende da inteno ou de quando ele s vezes ou usualmente ou sempre ou

    exclusivamente funciona como tal. Porque tudo isso tende a obscurecer questes mais especiais e

    significativas relativas arte, dirigi minha ateno do que arte para o que a arte faz.

    Uma caracterstica destacada da simbolizao, insisti, que ela pode ir e vir. Um

    objeto pode simbolizar coisas diferentes em pocas diferentes, e nada em outras pocas. Um

    objeto inerte ou puramente utilitrio pode vir a funcionar como arte, e uma obra de arte pode vir afuncionar como um objeto inerte ou puramente utilitrio. Talvez, mais do que ter a arte vida longa e

    curta, ambas sejam transitrias [...].