QUEM GANHA COM AS SENHAS DE REFEIÇÃO · ... existe sempre um risco: o de estas medidas não...
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Desde o início do ano que as companhiasemissoras dos vales de refeição notam que
o seu negócio se encontra em expansão.Mas se as empresas estão a mudar para as
senhas, o que ganha o Estado com esta al-
teração tributária? «Quando o Estado au-
menta as taxas de impostos ou diminui os
níveis de isenção, existe sempre um risco:
o de estas medidas não determinarem um
aumento proporcional da receita. Estou
convicto de que o Governo acautelou esta
situação», acredita Duarte Pacheco, depu-tado social-democrata.
O risco é bem real. A partir de certa fas-
quia, é sabido, não compensa aumentar os
impostos - porque os contribuintes não
vão corresponder, encontrando formas
de os contornar. É o caso do subsídio de
refeição. Mas para o advogado fiscalista
Diogo Vassalo, oque o Estado pode perderem IRS e em TSU, com a mudança paraas senhas, vai certamente arrecadar em
IVA. «O Estado impõe muitas obrigaçõesàs entidades que emitem as senhas e uma
grande exigência fiscal. Por exemplo, te-
rão de enviar para a Direção-Geral das
Contribuições e Impostos listas de tudo
o que vendem. Assim, pagar com tickets
permite um maior controlo fiscal e com-
bate a economia paralela, impedindo a
fuga ao fisco, no que diz respeito ao IVA»,
afirma.
Por essa razão, continua Diogo Vassalo,
os vales gozam, em toda a Europa, de van-
tagens fiscais. Em Espanha, por exemplo,a isenção chega aos €9 diários, mas só no
que respeita aos cheques-refeição. «Por-
tugal é o único país da União Europeia
que concede isenção também ao paga-mento em numerário», continua o advo-
gado, que destaca o exemplo da França.Aí, os trabalhadores recebem o Cesu, um
cheque-emprego que usam para pagarserviços de pequenas reparações ao do-
micílio. «Além de acabar com a economia
paralela, o Cesu permitiu a criação de 150
mil postos de trabalho nesta área», garan-te Vassalo.
Em resposta às perguntas da VISÃO,o Ministério das Finanças explica como
o Estado pode ficar a ganhar com esta
medida. «A alteração efetuada no regimefiscal aplicável aos subsídios de refeiçãodos trabalhadores por conta de outremteve como objetivo o reforço do combate à
informalidade e não o aumento da receita
fiscal», lê-se no esclarecimento enviado.
E continua: «Com efeito, a utilização de
COMBATE A INFORMALIDADE
§ 0 MELHOR E 0 PIORDOS VALES
VANTAGENS
• Têm um limite de isenção de
imposto superior ao pagamentoem numerário, permitindopoupanças às empresas e aostrabalhadores
• Estão sujeitas a um controlofiscal apertado, impedindo queos estabelecimentos que asaceitam fujam ao fisco. Logo, oEstado arrecada mais em IVA
• Dão a garantia de que o subsídio
cumpre o objetivo ao qual é
destinado como benefício social
DESVANTAGENS
• São limitadas: só podemser usadas em produtosalimentares, seja na restauraçãoseja na distribuição
• Reduz a liberdade dotrabalhador de dispor dosubsídio como bem entender
• Condiciona os hábitos de
consumo, limitando-o aosestabelecimentos que aceitamos vales
vales de refeição obriga ao registo das ope-rações de pagamento, quer na perspetivada empresa que os concede aos seus cola-
boradores quer na perspetiva dos estabe-lecimentos que os arrecadam como meio
de pagamento, pelo que a substituição do
pagamento do subsídio de refeição emdinheiro por senhas favorece o combateà economia paralela. De facto, quando o
subsídio é pago aos colaboradores atra-vés de vales de refeição, as empresas são
obrigadas a possuir um registo atualiza-
do, com os documentos comprovativosdo destino que foi dado aos aludidos vales
(e.g. faturas das refeições) e com a iden-
tificação dos estabelecimentos em queos mesmos foram utilizados. A violaçãodestes requisitos tem consequências gra-vosas para as empresas envolvidas, no-meadamente a não aceitação como custo
fiscal do respetivo gasto e a sua sujeição a
tributação autónoma.»As senhas de refeição são, assim, apa-
rentemente vantajosas para o Estado (quearrecada mais receita em IVA) e para as
empresas (que poupam na TSU). E paraos trabalhadores? Se ganharem mais de
€5,12 diários de subsídio de refeição e me-nos de €6,83, os vales têm a vantagem de
permitir a poupança de algum dinheiro
em IRS e Segurança Social (ver infografiaAté quanto pode poupar). Mas nem tudo
se contabiliza em euros. «As senhas limi-
tam a margem que o trabalhador tem para
gerir o seu dinheiro», reconhece o deputa-do Duarte Pacheco.
É um facto. Existe um certo paternalis-mo na ideia de obrigar o trabalhador a usar
o dinheiro do subsídio de refeição para o
fim a que se destina: alimentação. Os va-
les não servem para pagar a gasolina oua escola dos filhos. Por outro lado, as se-
nhas vêm alterar os hábitos de consumo,
obrigando os trabalhadores a frequentaros supermercados e os restaurantes queaceitam os tickets. No caso, são benefi-ciadas as grandes cadeias de distribuiçãoalimentar, em prejuízo das pequenas mer-cearias de bairro ou dos mercados que não
aceitam as senhas.
«Não há razão nenhuma para que a
mercearia do bairro não aceite os vales.
A menos que esteja a fugir aos impos-tos...», avança Diogo Vassalo. Tal comoaconteceu com os terminais de multiban-
co, talvez esteja na hora de introduzir no-vas adaptações para acompanhar os con-sumidores. Porque é certo que o negóciodas senhas está a crescer. Se, nos últimos
anos, a moda dos vales - que se generali- ?
• OS LIMITESDA ISENÇÃO
A referência para o cálculoda isenção é o valor diáriodo subsídio de refeição dosfuncionários públicos, que estáfixado em €4,27. Este valor eramajorado em 50%, quando osubsídio se liquidava em dinheiroe em 70% quando se pagava emvales, uma diferença introduzidana lei em 1985. Estes limites deisenção que foram alterados peloOrçamento do Estado para 2012,passando a majoração a ser de20%, no primeiro caso, e de 60%,no segundo. Confira os limitesdiários a partir dos quais tanto as
empresas como os trabalhadorespassam a pagar impostos sobre osubsídio de refeição:
ANTES
EM DINHEIRO
ATÉ €6,41EM VALES
ATÉ €726
AGORA
EM DINHEIRO
ATÉ €5,12EM VALES
até mm
zou em Portugal a seguir à Revolução dos
Cravos - esmoreceu, talvez esse facto se
deva aos baixos salários, que colocavam os
subsídios de refeição pagos em numerario sempre dentro dos limites de isençãode impostos. Agora, a nova lei veio mudareste cenário. E as empresas que emitem as
senhas sabem disso.
ACRESCER
«Ainda é cedo para avançar com números
exatos, mas estamos a assistir a uma for-te reação das empresas, no que respeitaà mudança do pagamento do subsídio de
refeição do dinheiro para os títulos», diz à
VISÃO Rui Proença, presidente da Eden-red Portugal, a empresa que gere os vales
Euroticket, líder mundial deste setor.
Para além da Edenred, existem, em Por-
tugal, mais três empresas nesta atividade:
a Ticket Restaurante (que não quis prestar
declarações), a Cheque Dejeuner, no mer-cado desde 2009, e o BES, que lançou, em
2005, o cartão à La Card - que agora estáa relançar -, para pagamentos em restau-rantes e na grande distribuição alimentar.
«Ao contrário do que se poderia esperar,de uma forma geral, as empresas não estãoa reduzir o valor dos subsídios de refeição.Bem pelo contrário. Algumas, com a pou-pança conseguida na TSU, vão aumentar osubsídio dos seus trabalhadores. Fazemos
essa sugestão a alguns clientes», diz o líderda Edenred.
Quanto a uma das maiores críticas a
este sistema por parte de quem dele usu-frui - a limitação da oferta -, Rui Proençaadmite que «o sistema esteve adormecidodurante alguns anos, mas, fruto deste re-
juvenescimento, o crescimento da rede de
aderentes vai acontecer à medida que hajamais utilizadores».
E, em relação ao incómodo de andarcom um livro de títulos no bolso, o res-
ponsável da Edenred diz que, em julho, a
empresa vai lançar um cartão eletrónico
que poderá substituir as vulgares senhas.«Funciona como um cartão pré-pago, no
qual a empresa depositará o dinheiro cor-
respondente ao subsídio de refeição.» Este
cartão poderá ser utilizado nos terminaismultibanco da rede aderente e permitepagamentos de qualquer valor, ao contrá-rio das senhas, que estão fracionadas emmontantes fixos.
A Edenred, de origem francesa, veio paraPortugal em 1974 com o seu principal pro-duto: o Ticket Restaurante, nome que hojeé utilizado, no nosso país, pelo seu princi-pal concorrente. Porquê? «A empresa es-teve apenas dois anos em Portugal e ven-deu, na altura, o negócio a outra entidade
que manteve o nome. Quando regressá-mos, em 1984, tivemos de adotar uma nova
designação para os nossos vales. Portugal é
hoje o único dos 38 países onde operamoscom a designação Euroticket. Nos restan-tes 37, somos Ticket Restauram», explicaRui Proença.
Mas este modelo não se esgota nos títu-los de refeição. Qualquer dos operadorestem uma larga oferta de outros produtospara várias áreas como o ensino ou os
transportes públicos.Em Espanha e em Itália, por exemplo, os
títulos de transporte são muito utilizados.O Estado dá benefícios fiscais às empre-sas que paguem parte do passe social aos
seus trabalhadores. A componente pagapelo trabalhador também fica isenta de
impostos. Desta forma, os Estados garan-tem uma maior utilização dos transportespúblicos, em detrimento do automóvel,c, através das senhas, asseguram também
que a verba, isenta de impostos, seja mes-mo utilizada para o fim a que se destina.
Outro dos instrumentos, muito usado
nos países anglo-saxónicos, é o apoio à
parentalidade. O programa child carevoucher concede isenção fiscal de parte do
ordenado.desdequeochequesejautilizadaem beneficio das crianças. Por cá, o Estado
j á usou esta forma de dar benefícios sociais,
com o cheque dentista, por exemplo. As
senhas voltaram, definitivamente, a fazer
parte do quotidiano dos portugueses. Q
GRANDE DISTRIBUIÇÃO Os vales podem condicionar os hábitos de consumo, limitando-os aos estabelecimentos aderentes