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FER NA N D O DO LA B ELA

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Copyright © 2009 por Fernando Dolabela

preparo de originaisTereza da Rocha

revisãoAna Grillo

Ana Lucia Machado Sérgio Bellinello Soares

Sheila Til

projeto gráfico e diagramaçãoValéria Teixeira

capaRaul Fernandes

pré-impressãoô de casa

impressão e acabamento

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

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www.sextante.com.br

D682q Dolabela, FernandoQuero construir a minha história / Fernando Dolabela.

– Rio de Janeiro: Sextante, 2009.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-7542-441-4

1. Empreendimentos. 2. Empreendedores – Estudo de casos.3. Negócios. I. Título.

CDD 658.4208-4223 CDU 65.016.1

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Todos nascem com potencial empreendedor.Os pais podem transformá-lo em talento real.

Ou inibi-lo.

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A maior herança que os pais podem deixar não diz respeito à riqueza material, mas à autonomia e à capacidade empreendedora das crianças.

LOUIS JACQUES FILION

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Sumário

Uma pesquisa para apoiar a proposta deste livro 9

1. Rodrigo, o pai 112. Rita, a mãe 163. André, o filho 184. André tenta construir a sua própria história 205. Carlos, o amigo 246. A grande chance 287. Longe do leme 318. Que conversa é essa? 349. O que você quer ser quando crescer? 42

10. Quem é o empreendedor? 4411. A “síndrome do empregado” 5512. A prática com os filhos (I) 5713. As dúvidas de Rita 6614. A prática com os filhos (II) 6815. Um ardil? 9316. A prática com os filhos (III) 9617. Aprendendo com André 126

Anexos1. Por que seu filho deve ser um empreendedor? 1312. Por que os pais devem se interessar pela educação

empreendedora dos filhos? 1333. Como entender o que acontece na escola 135

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4. Propostas de educação empreendedora 1455. Características do empreendedor 1486. De onde vêm os sonhos? 1507. Por que somente agora se fala em empreendedorismo? 1518. Só conseguimos agir quando o sonho é concreto.

O sonho e a visão 1549. O que me impede de ser criativo? 156

10. Ética e empreendedorismo 16011. Respostas podem ser nocivas 16212. O Mapa dos Sonhos 16413. O que é um Plano de Negócios? 16814. Definições de empreendedorismo 17115. Mudou o emprego ou mudamos nós? 17516. O estudo das oportunidades 18017. Crescimento econômico e desenvolvimento

social são coisas diferentes 18418. O seu filho encontrará dificuldades para

empreender no Brasil? 18719. O poder da conversa 19620. Sobre os empreendedores citados 198

Bibliografia 200

Sobre o autor 203

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Uma pesquisa para apoiar a proposta deste livro

A família é citada pelos estudiosos como uma das principais fontes do per-fil empreendedor. Aprende-se a ser empreendedor com outros empreende-dores. Apesar disso, ao idealizar este livro e iniciar os trabalhos de pesquisado que já se publicou sobre o assunto, descobri que eu entrava em um terrenoquase inexplorado: a literatura existente aborda o tema sob diferentes ângu-los, mas não se dirige aos pais, de forma propositiva, acerca do desenvol-vimento do potencial empreendedor dos filhos. Principalmente aos pais que,mesmo não sendo empreendedores, desejam que seus filhos desenvolvamesse potencial.

De fato, os especialistas desse novo campo de estudo têm se preocupadoem criar metodologias de ensino para escolas, não para famílias.

Também eu agi assim. Atuando na área de educação empreendedora, es-crevi 11 livros propondo metodologias para todos os níveis educacionais, doensino fundamental à universidade, e também para jovens e adultos fora daescola. Todo o meu trabalho, até então, era dirigido a estudantes, professores,formadores de opinião, criadores de políticas públicas. Mas não aos pais, jus-tamente eles, que são decisivos para estimular ou inibir o espírito empreende-dor dos filhos.

Sem referências teóricas, enfrentei o desafio de avançar nesse campo e mepropus a fazer uma pesquisa junto a empreendedores para saber deles a in-fluência que receberam dos pais.

Nada mais acertado. Pedi a colaboração de professores universitários comquem trabalhei nos últimos anos. O resultado também foi positivamenteinesperado. Sem qualquer financiamento, conseguimos realizar uma pesquisaexploratório-descritiva em 11 países, onde professores aplicaram 1.309 ques-tionários a empreendedores e empregados.

Essa pesquisa, que deverá ser aperfeiçoada em estudos posteriores, confir-mou que os entrevistados vivenciaram ambientes familiares em que elemen-tos do potencial empreendedor eram fortemente estimulados, tais como to-lerância à incerteza, capacidade de assumir riscos e aprender com os erros,

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crença de que os próprios atos podem gerar conseqüências, autonomia, auto-estima, protagonismo, desenvolvimento da intuição e da criatividade. Foitambém avaliada a atenção que a família dava a temas como ética, cidadaniae orientação para o futuro, incentivando os filhos a criar métodos próprios deaprendizagem e perceber a necessidade de se perscrutar o mundo para sepoder atuar.

Os resultados mostraram a conveniência de se criar um material que pudesseabrir as portas da família à educação empreendedora. Principalmente para ospais que, mesmo não sendo empreendedores, desejam que os filhos sejam.

Como subproduto riquíssimo, a metodologia utilizada demonstrou comoa cooperação pode fazer frente à ausência de recursos financeiros para pro-duzir novos conhecimentos.

Coordenaram tecnicamente a pesquisa os professores doutores Anderson deBarros Dantas, Paulo da Cruz Freire Santos e o acadêmico Thiago CavalcanteNascimento. Nos demais países participaram professores sob a coordenaçãoda Rede EmprendeSur, da qual sou integrante e um dos fundadores.

A relação completa dos professores que participaram da pesquisa e os pri-meiros relatórios podem ser encontrados no site www.starta.com.br.

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1. Rodrigo, o pai

Na saída da fábrica, Rodrigo era sempre invadido pela mesma alegriapueril que o dominava no final da aula, quando criança. Em ambas asocasiões a liberdade era anunciada pela sirene, som que ligava épocas tãodiferentes da sua vida: a infância dominada por emoções e fantasias e os seusatuais 36 anos, momento em que, segundo ele, a profissão de engenheiro, ocasamento e o filho André, de 8 anos, exigiam que a razão falasse mais alto.

Naquela tarde de sexta-feira, uma nuvem negra cobria a estrada. Com sortee guiando rapidamente, conseguiria fugir da tempestade e em 40 minutoschegaria ao bar Cantina do Ivan, no Centro de Belo Horizonte, para a “sexta-livre” com os colegas da fábrica. Nesse encontro – uma espécie de câmara dedescontaminação na passagem da vida profissional para a vida pessoal –, erameles os protagonistas e não o trabalho, a produção de peças fundidas. Longedas normas da fábrica, eles demarcavam com brincadeiras, vozes altas, risadassoltas, um terreno em que se viam uns aos outros sem o filtro embaçador daempresa. Na sexta-livre ansiavam por amizade, trocavam confidências, tra-mavam sexo, falavam de emoções e, sobretudo, saboreavam a liberdade dedespirem-se de cargos e hierarquias. Para isso havia regras: os participanteseram escolhidos e chefe não podia ir. Era um encontro de pessoas do mesmo“nível”. Naquele ambiente não valiam alguns lemas da vida empresarial como,por exemplo, “não misture assuntos pessoais com profissionais” e “mandaquem pode, obedece quem tem juízo”.

Eles precisavam desse momento, mesmo sabendo que não passava de umparêntese de duração efêmera. Na segunda-feira, o amálgama que unia atodos, os interesses da empresa, voltava a comandar suas emoções, seus dese-jos, comportamentos, juízos de valor. Rodrigo gostava do emprego, no qualcomeçara como estagiário de engenharia aos 19 anos e agora era assistente dagerência de produção. Estudioso, dedicado, valorizado como um bom técni-co, estava no grupo dos que vestiam a camisa da empresa. Orgulhava-se deser considerado um especialista na área de fundição de alumínio. Era va-lorizado por sua capacidade de se adaptar à “visão” e aos valores da empresa.

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Quase louro, cabelos escassos nas têmporas, o perfil atlético anunciadopelos ombros largos era traído pela barriga flácida alimentada pelo seden-tarismo. Em política, conservava como verdade absoluta os conceitos assimi-lados nos primeiros bancos de escola, levados dos quartéis onde na época estava enclausurada a alma da nação. Segundo ele, a política estava fora doâmbito de ação do cidadão comum. Seguia este lema: “O indivíduo faz a suaparte e o Estado cuida de todos”, rejeitando a idéia de que cidadão é aqueleque se preocupa em primeiro lugar com a comunidade.

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Como os seus pais, Rodrigo achava que o sacrifício do emprego era umadas condições essenciais para a felicidade: obter a base material para susten-tar a família, pensar com otimismo no futuro, ter conforto, acesso ao saber eao lazer. O seu lema era trabalhar para viver e não viver para trabalhar.

A empresa ainda lhe proporcionava alguns mimos que lhe davam prestí-gio: viagens à Europa para visitar a matriz, participação em feiras, assinaturade revistas técnicas, e-mail e provedor. O salário lhe permitia um confortomaterial condizente, segundo ele, com a sua idade e o “tempo de formado”:apartamento, um bom carro, férias na Disneylândia – conquistas que, com-paradas com as dos colegas nos encontros anuais de sua turma de faculdade,lhe indicavam em que posição estava na corrida para o sucesso.

As crenças de Rodrigo sobre a vida no trabalho incluíam ilhas de prazercomo feriados e férias que, mais do que um descanso necessário, serviam paradeixar fluir a emoção represada durante todo o ano, dando uma pequenaamostra do prêmio definitivo que lhe reservava o fim da linha, a aposenta-doria, o momento da vida em que, segundo ele, se faz a colheita e a privaçãodá lugar ao prazer. A aposentaria seduzia também por sua aura de momentode realização do verdadeiro sonho, de encontro do real sentido da vida.Mesmo que, como a maioria das pessoas, Rodrigo nunca tivesse formulado opróprio sonho.

Vez por outra tais crenças eram perturbadas por alguns pensamentosmarotos que sugeriam que nem todo mundo era assim. Vinham-lhe à menteromancistas, atores, poetas, pintores, artistas que não viam um prêmio narenúncia do seu ofício, não buscavam o descanso no não-trabalho, na aposen-tadoria. Pelo contrário, trabalhavam sempre, mesmo idosos. Essas pessoas,instigava o pensamento maroto, vivem para trabalhar, porque adoram o que

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fazem. Tais exemplos, defendia-se Rodrigo contra si mesmo, eram a exceçãoconfirmadora da regra. Para provocá-lo, nesses momentos o pensamentomaroto exibia-lhe a face risonha de Guilherme, tio de Rita, sua esposa, quenão gostava do fim de semana, porque significava o afastamento por dois diasda sua pequena fábrica. Nunca tirava férias. Jamais falou de aposentadoria;gostaria de morrer na sua empresa, um problema para os filhos já madurosque queriam assumir a direção. Nessas ocasiões, quando o pensamento maro-to tentava abrir uma brecha em suas convicções sobre o trabalho e a vida,abarrotando sua mente com inúmeros casos de empreendedores que conti-nuavam trabalhando aos 80 anos de idade, Rodrigo usava o único recurso quelhe sobrava: expulsá-lo para um canto remoto da mente. Da última vez opensamento saíra metralhando: “Aposentadoria é coisa de empregado, dequem não é feliz no trabalho.”

v

Naquele dia alguns motivos o afastavam da sexta-livre. Ficara sabendo queo posto de subgerente da Divisão de Alumínio iria vagar. A notícia lhe foradada confidencialmente por Waldir, cujo cargo era de analista de pessoas, ouseja, assessor do diretor de Recursos Humanos, um sujeito simpático queconhecera havia tempos nos campos de peteca.

No final da manhã, Waldir pedira a Rodrigo que fosse até a sua sala e,antes que ele pudesse se sentar, o conduziu pelo braço até o pátio externo,vazio àquela hora. Certificando-se de que ninguém poderia ouvi-los, comu-nicou-lhe que o cargo de subgerente estaria vago em quatro meses, tempo ne-cessário para o atual ocupante, um francês, preparar o seu retorno à Europa.A certa altura da conversa, Waldir abafou ainda mais o tom da voz.

– Você é o candidato mais cotado, mas não é o único. Outros três enge-nheiros estão no páreo.

Rodrigo os conhecia. O Afonso, da Ferramentaria, e o João, do Controlede Qualidade, haviam sido seus contemporâneos de faculdade. O Augusto,da Programação de Produção, era antigo na fábrica.

A voz de Waldir era agora quase inaudível.– Acho que é hora de você terminar o projeto de expansão da Divisão de

Alumínio e provar a sua competência para ocupar um cargo de chefia.Waldir olhou firme para Rodrigo.– Você sabe que a direção o vê como excelente técnico, talvez o melhor que

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temos, mas – fez uma pausa, querendo mostrar cuidado na escolha daspalavras – não se convenceram ainda da sua capacidade de liderar.

Rodrigo sentiu-se desprotegido. O seu mais recôndito segredo fora viola-do. Acreditava ter mantido imperceptível a sua inapetência pelo comando, noentanto ela chegara ao lugar que ele mais temia, o Departamento de RecursosHumanos. Imaginou a condenação em vermelho no seu prontuário: “Inaptopara a chefia.” Não conseguiu segurar um protesto.

– Mas eu nunca tive uma oportunidade, nunca fui convidado a ser chefe.Waldir mostrou solidariedade.– É claro. Não se preocupe. Você pode mudar a sua imagem. Fazendo o

projeto de expansão da Divisão de Alumínio, mostrará autonomia, iniciativa,capacidade de indicar o caminho a ser seguido. Isso é liderança.

De fato, havia conflito entre o que Rodrigo gostava de fazer e o perfilexigido para o progresso de sua carreira na fábrica. Atraíam-no temas técni-cos e a possibilidade de estudar sem sofrer pressão de tempo ou interferênciade rotinas e pessoas. Estaria no paraíso se a empresa desse ênfase à inovação,ao desenvolvimento de novas técnicas. Mas como a filial brasileira se limita-va a operar sistemas, processos e tecnologias gerados na matriz, acostumou-se a seguir padrões formulados por outros e a trabalhar sob supervisão.

Esse conflito era incendiado pela esposa, Rita, inconformada com o quechamava de “inapetência pelo poder” do marido.

Com o correr do tempo, ganhava espaço em sua mente a facção que de-fendia que as suas preferências mais autênticas deveriam ser sacrificadas pelosucesso na carreira. Muitos de seus colegas de faculdade já ocupavam cargosde direção; alguns eram executivos de grandes empresas. Deveria, portanto,disputar uma promoção, mesmo que ela não o atraísse de forma legítima.Entre os candidatos, julgava-se favorito: conhecia como ninguém a fundiçãode alumínio. Com dedicação e inteligência, atributos que lhe sobravam,aprenderia a ser líder.

Rodrigo comoveu-se com a sinceridade de Waldir e sua intenção de ajudá-lo, mas não se surpreendeu. Considerava um gesto de gratidão por ter sidoele, Rodrigo, quem apadrinhara a sua contratação pela empresa. Na época, oDepartamento de Recursos Humanos precisava de uma pessoa que pudessedialogar com o setor de produção, e Waldir, sendo engenheiro com experiên-cia em gestão de pessoas, tinha o perfil indicado para fazer a ponte entre asduas áreas.

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Waldir agora sussurrava bem junto ao ouvido do colega.– Mas a regra de ouro é o segredo. Não fale a ninguém sobre o projeto.

Não o mostre a ninguém, mantenha-o guardado a sete chaves. Quanto maiscedo acabar, melhor. Creio que você tem de duas a três semanas para fazer o trabalho.

Sem repouso, a mente de Rodrigo alternava-se entre medir e saborear asvantagens do futuro cargo e vasculhar os detalhes do projeto. Ele aprenderacom os pais e confirmara na escola de Engenharia que a razão atingia a suamáxima eficiência se não fosse importunada pela emoção. Por isso naquelatarde tratou de fazer o caminho de volta na maior velocidade possível para,com o auxílio insubstituível da esposa Rita, separar a euforia da tensão, que jáformavam um tornado em sua mente. Pressentia que Rita iria gostar do quetinha para contar.

Além desse motivo, evitava a sexta-livre para não encontrar Dalton, o res-ponsável pela intranet da empresa, com quem se desentendera durante a se-mana. Dalton, que era casado, mantinha havia dois anos um caso com Amélia,solteira, psicóloga e amiga de Rita. Para Dalton, o caso não passava de umaresposta à mútua atração física. Na fábrica, a relação entre os dois era “sigilopúblico”, e todos a negavam, incluindo o próprio casal. Os costumes consi-deravam real somente o que fosse verbalizado. A relação oficialmente inexis-tente gerava efeitos opostos para os namorados: prestígio para Dalton e re-criminação dissimulada para Amélia. As mulheres olhavam-na com desprezoe como uma ameaça; os homens, como uma oportunidade. Rodrigo, confi-dente de ambos, sabia que a paixão sincera que Amélia dedicava a Dalton eraalimentada por promessas fúteis da parte dele, e ganhara a inimizade deDalton justamente por censurá-lo.

Além desses motivos, havia um compromisso que arrastava Rodrigo maiscedo para casa: o seu filho André queria lhe mostrar uma nova “invenção”.

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2. Rita, a mãe

Rita graduara-se em Engenharia Química no mesmo ano em que se casaracom Rodrigo, colega de faculdade, e engravidara; motivos suficientes, segun-do ela, para adiar a sua entrada no mundo profissional. Considerava a prepa-ração da mulher para o trabalho antes uma precaução do que um objetivo emsi; a mulher deveria ser vista como “um oficial da reserva” que tinha outrasocupações e prioridades na vida, mas que, numa eventualidade extrema,estava preparada para ser a provedora da família. A mulher tinha prioridadesinsubstituíveis como a maternidade, a educação dos filhos, a manutenção dosvalores. Portanto, nesse momento, o âmbito da auto-realização de Rita tinhao filho André como alvo e Rodrigo como meio. Estava convencida de que oêxito dos dois dependia dela. O seu seria conseqüência disso.

Planejava para o filho uma vida sem riscos: um cargo público ou um em-prego em uma estatal ou uma multinacional. O caminho era uma universi-dade de primeira linha. Para Rodrigo, desejava uma carreira mais brilhante.

Desde o namoro soubera trazer para si, com astúcia e dissimulação, as de-cisões relativas ao casal. Depois do nascimento de André, deu liberdade aoseu ímpeto dominador e assumiu ostensivamente o comando da família.Mantinha controle sobre excessos e descuidos dos dois, mas os franqueava asi mesma, como, por exemplo, quanto à sua silhueta, que nunca retomou a es-belteza de antes da gravidez, passando a acentuar a sua pequena estatura.Cabelos negros armados agravavam a ausência de mistério naquele rosto emque todos os traços, apesar de irrepreensivelmente bem-feitos, formavam umconjunto monótono. No entanto, o olhar inquieto e sem medo advertia queali estava um espírito sagaz e dominador.

Prescrevia regras compulsivamente, permitindo-se refazê-las ao seu bel-prazer.– Ninguém usa mais a porta da sala de visitas. Agora, entrada e saída, so-

mente pela cozinha.Em vão André tentava manter a coerência da mãe.– Mamãe, você está de regime, não pode tomar refrigerante hoje, só no

final de semana.

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– Para compensar, cortei a goiabada com queijo.Rodrigo era obrigado a submeter-se:– Você agora vai para a fábrica no carro pequeno, que gasta menos gasoli-

na. O grande fica comigo para fazer compras de supermercado.Rodrigo sorriu para André, fingindo abafar a voz com as mãos.– Falou a sargentona.Antes de dormir, André perguntou ao pai:– Papai, quem é o chefe da família?– Sou eu, meu filho.– Então por que é a mamãe quem manda?Rita achava que as coisas podiam andar melhor. Não quanto a André, cujo

desenvolvimento era excepcional. Mas, em Rodrigo, as vantagens de uma in-teligência privilegiada eram diluídas pela sua falta de ambição. Não se con-formava com o fato de que ele jamais tivesse ocupado um posto de chefiaapós 17 anos de fábrica. Já passava da hora de convencer Rodrigo de que de-veria brigar por uma promoção, com aumento de salário e de prestígio.

(Se quiser ler sobre Mudou o emprego ou mudamos nós?, veja o anexo 15,na página 175.)

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3.André, o filho

Na sexta-feira, antes das 6 horas da tarde, André ouve a chave na fecha-dura da cozinha. Corre para abrir a porta e dependura-se no pescoço do pai,os pés soltos no ar. Rodrigo sabia qual era a brincadeira:

– Perigo! Cuidado. Estamos à beira do precipício. Lá embaixo jacarés fa-mintos, serpentes venenosas, tigres ferozes vão comer quem cair. Não há jeitode escapar. Você tem que agüentar pelo menos até eu contar até 20. Um, dois,três... quinze...

As mãos de André deslizam pelo pescoço do pai. Antes que ele caísse nochão, o pai o segura pela cintura.

– Salvei a sua vida. Você está fraco, tem que comer mais filé.– Não é filé – interveio Rita. – Agora ele precisa comer feijão, que tem

mais ferro.Em André, os cabelos castanhos encaracolados compunham com os olhos

verdes um semblante muito atraente. A sua rebeldia, temperada por sua in-teligência e sua meiguice espontânea, fazia dele um sedutor incorrigível.Sabia criar o seu próprio mundo sem deixar de atender com tolerância às exi-gências dos adultos. A sua pele, quando dourada pelo sol, transformava osseus olhos em duas esmeraldas imensas.

– Papai, tenho uma coisa para lhe mostrar.– Quero ver; foi por isso que não fui à sexta-livre.André correu até o quarto e voltou com um caminhão de lixo montado

com peças de Lego.– Que bonito, meu filho. É um caminhão de lixo completo.– Veja os ajudantes do motorista.André apontou o dedo para quatro bonequinhos que pareciam correr atrás

do caminhão.– Pai, sabe uma coisa que inventei? Dentro do caminhão vai ter um raio laser

para desintegrar o lixo, que vai desaparecer, e o caminhão não vai encher nunca.Rodrigo estava acostumado à criatividade de André, que inventava his-

tórias, brinquedos, companheiros fictícios com os quais conversava. Um dia

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descobriu que André enviava cartas para um amigo imaginário, Onofre. Esurpreendeu-se ao ver o nome do remetente de uma carta destinada a Andréque chegou pelo correio: Onofre.

Achou ousada a solução tecnológica.– Que maravilha, André. Você merece um prêmio!Rodrigo foi até seu quarto e buscou um carrinho em miniatura, um

Porsche 48.– Este modelo você não tem.– Oba! – André agarrou-se ao novo brinquedo, dando oportunidade a

Rodrigo para falar sobre a fábrica.

v

Rita ficou radiante com a novidade. Era a grande chance na vida profis-sional de Rodrigo. Comoveu-se com a colaboração dada por Waldir.

– Pois é assim que se constroem amizades. Waldir retribuiu a ajuda que lhe dei.

Num reflexo, Rita imediatamente passou a imaginar estratégias.– Acho que você não pode perder essa chance. Comece já o projeto.– Ele já está bem adiantado. Ninguém conhece mais a fundição de alu-

mínio do que eu.Rita estalou os dedos.– Já sei. Por que não conversa com o Carlos? Ele tem experiência em pro-

jetos para empresas.Rodrigo torceu a boca, reagindo com enfado à interferência de Rita. Não

rejeitava o nome de Carlos, velho amigo a quem admirava e que era seu vizi-nho. Desagradava-lhe não conseguir fugir da pressão que ela sempre exerciasobre ele, mesmo porque, normalmente, as intromissões de Rita, apesar de con-firmarem a dependência que tinha da mulher, supriam nele a falta de iniciativae haviam se tornado um complemento à sua forma de ser. Naquele momento,a necessidade da participação de Rita superava os dissabores que ela causava.

Não viram a hora passar enquanto as suas mentes vislumbravam cenáriosque o novo cargo tornaria possíveis; averiguavam as virtudes de Rodrigo diante dos concorrentes, mediam as probabilidades da escolha, criavam estratégias para conseguir a promoção.

Não perceberam que André adormecera no tapete com o Porsche 48 na mão.

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4.André tenta construir a sua própria história

Nas manhãs de sábado, fosse verão ou inverno, André pulava na cama dospais já equipado: calção de banho, roupão, bola, balde, pás e carrinhos. Naquelamanhã carregava também o caminhão de lixo com seu raio desintegrador.

– Vamos para o Minas Tênis Clube.Rodrigo levantou da cama com agilidade, mesmo tendo dormido poucas

horas. Gostava de acordar com o sol. Abriu a cortina para a claridade entrar,fazendo Rita virar o corpo na cama. Em Belo Horizonte, a luminosidade dasmanhãs embrenhando-se nos vales e montanhas denuncia o mistério fabu-loso do desconhecido; o horizonte vale a vida, se nada mais der certo.

À beira da piscina, André dirigia o caminhão de lixo, fazendo barulho demotor com a boca. Os dedos da mão esquerda simulavam o ajudante correndoatrás. Ele parou ao colidir propositalmente com os pés da mãe e do pai, deita-dos em espreguiçadeiras, e disse:

– O meu sonho é ser motorista do caminhão de lixo.Rita dirigiu-lhe um olhar de interrogação.– O que foi que você disse, meu filho? André, sem perceber o desconforto que causava aos pais, repetiu, pronun-

ciando lentamente as palavras:– Eu quero ser motorista do caminhão de lixo!E continuou:– O caminhão de lixo é sensacional. Tem alavancas, ajudantes, o motorista

controla tudo. Quando bloqueia o trânsito, ninguém buzina nem xinga. Eleé útil porque limpa a cidade. Com o raio desintegrador, o meu caminhão vaiser o melhor. O meu sonho é ser motorista do caminhão de lixo.

Rita sentiu-se ultrajada. Rodrigo espantou-se com o desejo de André, maspreferiu não dar importância. Era até natural que, tendo inventado um cami-nhão com “raio desintegrador”, ele se imaginasse seu motorista. Um entusiasmopassageiro, próprio de uma criança. Afinal, aquele menino, como todos os demais,tinha vontades que vêm e vão como o vento e dizia muitas coisas sem sentido.

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André voltou à carga.– Eu já tenho um plano. Primeiro vou aprender a dirigir. Depois vou

aprender a mexer na alavanca. Depois vou saber por onde o caminhão temque passar para pegar o lixo. O pai de um colega meu tem um caminhão.

– Tudo bem, meu filho, depois falaremos sobre isso. – André pulou napiscina e iniciou uma guerra de água com outras crianças.

Rita aproveitou-se do momento em que estava a sós com Rodrigo.– Meu Deus, como essa criança pode ter um desejo desses!– É fogo de palha. Crianças são assim mesmo, têm idéias malucas. Daqui

a pouco ele esquece.– Esquece nada! O André é teimoso. Quando mete alguma coisa na ca-

beça, não tira. Você não devia ter estimulado, até prêmio deu para o invento.Já viu os cadernos dele? Na última página tem desenhos do caminhão de lixo,o trajeto que ele faz na cidade, o local onde jogam o lixo, o raio desintegrador.Com o Lego fez também a garagem, a oficina, o lava a jato.

Rodrigo quis revidar.– Isso parece influência de alguém da sua família que sabemos muito bem

quem é. Quem herda não furta!Rita resolveu se calar. Tinha receio de que o espírito acomodado de

Rodrigo fosse transmitido ao filho. Mas na sua família também existiam in-fluências indesejáveis. Meu Deus, por que o lado negativo é o primeiro aser transmitido?

– Acho que você deve ter uma conversa séria com o André. Isso é papel depai. Se não fizermos algo, vai ser um escândalo.

Rodrigo começou a ler o jornal.– Ele vai esquecer.Mas, na semana seguinte, o menino voltou à carga.– Papai, o caminhão de lixo é muito bacana. O motorista comanda tudo

do volante, apertando botões. O meu sonho é ser chofer do caminhão de lixo.O menino era insistente, tinha realmente o desejo, admitiu Rodrigo.

“Imagine”, falou com seus botões, “o meu filho, chofer do caminhão de lixo...Um vexame na família, um fracasso como pai. E eu certo de que ele seria en-genheiro. Chofer de caminhão...”, ouviu-se repetindo ao vento.

O que dizer ao filho? Como dizer? Preparou-se para o momento que, se-gundo ele, seria decisivo na vida do filho e também na sua, enquanto pai.Pensou: o que será dos filhos cujos pais não têm formação para encaminhá-

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los na vida? Preparou-se com esmero. Enquanto fazia a barba, selecionou ar-gumentos, escolheu palavras simples e ensaiou a conversa diante do espelho,ajustando o tom da voz.

Em um momento adequado, sentou o filho no seu joelho e falou de formaque a criança pudesse entender.

– Meu filho, você tem que abandonar o desejo de ser motorista do cami-nhão de lixo.

Viu os olhos de André arregalarem-se e prosseguiu escolhendo palavrasque ele pudesse entender. A vida de um motorista do caminhão de lixo eradifícil, as pessoas dessa profissão, por terem salário baixo, não conseguiam daruma boa educação aos filhos, comprar brinquedos, roupas e tênis de marca,pagar aulas de violão, natação. O motorista do caminhão de lixo não tinhacondições de comprar uma boa casa, freqüentar o Minas Tênis Clube, ir àpraia nas férias, ter computador em casa. Entusiasmado, falou da globaliza-ção, do cidadão do mundo, aquele capaz de se comunicar em diferentes lín-guas e de oferecer algo que interessasse a habitantes de outros países. Era issoque queria para o seu filho. Mostrou que a profissão de motorista do cami-nhão de lixo não lhe permitiria usar toda a sua inteligência, sua criatividade.

– Essa idéia de ser chofer de caminhão não é boa para você. Como aindaé uma criança e não conhece a vida, fez uma escolha inadequada. Existemprofissões melhores: médico, engenheiro, advogado. Pode escolher entre elas.

André manteve os olhos arregalados, absorvendo cada palavra dita pelopai. Teve ímpetos de interrompê-lo e dizer: “Mas, papai, esse é o meu sonho,eu fico alegre quando vejo o caminhão de lixo. O meu coração dispara.”

Mas nada disse. Surpreendeu-se com a sabedoria do pai e convenceu-secom a sua argumentação. “Como meu pai sabe tanto das coisas do mundo?Como ele sabe o que é bom e o que é ruim para mim? Sabe mais do que eumesmo sobre o caminhão de lixo.”

Rodrigo comemorou silenciosamente o efeito de suas palavras sobre ofilho. Nos dias que se seguiram, Rita pôde constatar as conseqüências da con-versa entre eles. André andava pensativo, menos agitado. Olhava para os paisde forma diferente, como se tentasse decifrar o que se passava na cabeça decada um. Segundo ela, Rodrigo havia desempenhado bem o papel de pai; nãotinha dúvidas sobre o caminho que indicara ao filho.

Nas semanas seguintes, ao ver o caminhão de lixo, André levava a mão aopeito, tentando frear o coração. No mês subseqüente o seu coração agitou-se

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menos diante do caminhão. Tempos depois, ao vê-lo, o menino percebeu queas batidas do seu coração não mais se alteravam. A emoção provocada poraquele sonho se apagara.

Segundo Rita, André tinha feito a sua travessia para o mundo da razão.Enquanto André desfazia-se do sonho, seu pai buscava a realização de uma

fantasia artificial, cedendo aos atrativos da promoção. Fora uma boa idéia en-volver o amigo Carlos. Rodrigo aprendeu a elaborar um Plano de Negócios,uma técnica de planejamento de empresas que se adequava como uma luva àexpansão da Divisão de Alumínio porque, além dos aspectos técnicos, se apli-cava ao projeto em todas as suas dimensões, abordando as questões de mar-keting, finanças, pessoal, gestão.

Naqueles dias não escapou a Rodrigo, mesmo tendo se dedicado menos aofilho, que o menino andava diferente. Perguntou-lhe a razão.

– Eu vi o caminhão de lixo e não senti nada.– Isso é bom, meu filho. É sinal de que ele não representa mais nada para

você. Não precisa ficar triste.– Não estou triste só por causa do caminhão. É que eu não sei como esco-

lher outro sonho.– Não é difícil. Você pode escolher entre várias profissões. Que tal ser en-

genheiro como o papai? A única coisa que precisa fazer é estudar muito. Como resto, não precisa se preocupar.

(Se quiser ler sobre O poder da conversa, veja o anexo 19, na página 196.)

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5. Carlos, o amigo

Rodrigo se deliciava com a parte técnica do projeto de expansão dafundição de alumínio, mas não tinha interesse por outros aspectos tambémimportantes: marketing, logística, financiamento, retorno sobre o inves-timento, gestão. Vinha a calhar a participação do vizinho Carlos, a quemcomeçou a visitar com freqüência durante a semana, geralmente no final da tarde.

A amizade entre eles iniciara-se quando Carlos, torcedor do AtléticoMineiro, ganhara a simpatia de Rodrigo ao dizer:

– Os cruzeirenses jamais vão entender: para os atleticanos, o futebol é somente um pretexto para deixar a emoção dominar.

Aproximaram-se mais depois que Carlos e Marta, sua esposa, mudaram-se para o prédio onde Rodrigo morava. Como não tinham filhos, davam aAndré um carinho especial e se divertiam com a criatividade e a vivacidadedo menino.

Carlos tinha um espírito independente, às vezes irreverente, e preservava asua liberdade profissional. Rodrigo e Carlos ocupavam os extremos de umaescala que ia da rebeldia ao conformismo. A grande diferença entre os pon-tos de vista e o estilo de vida de cada um poupava-os de tentarem impor-seum ao outro e talvez fosse o motivo da relação harmoniosa. Carlos era con-sultor e, entre outras atividades, elaborava projetos de criação de empresasutilizando um software que tinha concebido para isso, do qual os dois agorase valiam para o projeto de expansão da fundição de alumínio.

A desordem no escritório de Carlos incomodou Rodrigo.– Não se assuste. A organização está na mente, é um fenômeno interno à

pessoa; não está na disposição dos objetos. Eu consigo me locomover muitobem aqui.

– Confesso que eu não conseguiria trabalhar em um ambiente assim – sorriu Rodrigo.

Junto ao teclado do computador, um texto intitulado “Quero construir aminha história”. Carlos se aproxima.

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– São os originais de um livro que acabo de escrever. A idéia é ajudar ospais a desenvolver o espírito empreendedor dos filhos desde a infância.

Rodrigo mostrou admiração e dúvida.– Excelente. Mas por que os pais teriam interesse em transformar os filhos

em empreendedores?– O que agora comanda o mundo, em todas as áreas, é a inovação, tarefa

do empreendedor. O crescimento econômico e a geração de riquezas depen-dem dessa palavrinha mágica. Não estou dizendo que todos devem abrir um negócio. Não importa a profissão que escolha, o indivíduo tem que ser empreendedor. As empresas buscam pessoas com elevada capacidade em-preendedora. No passado recente, o profissional de alto nível era requisitadopara operar sistemas. A partir de agora, ele deverá saber criar sistemas, sobpena de ser relegado a segundo plano.

Enquanto ligava o computador, Carlos perguntou:– Por falar nisso, como está o André? Ele não pára de inventar coisas, é

surpreendente.– No momento, ele está mais retraído. Está passando por um processo

de amadurecimento.– Como assim? – sorriu Carlos. – Uma criança de 8 anos em “processo de

amadurecimento”?Rodrigo desconcertou-se.– Tivemos de submetê-lo a um choque de realidade.– Meu Deus, estou ainda mais confuso... choque de realidade? Que coisa

estranha...Rodrigo arrependeu-se da sua última frase. Percebeu que deveria dar mais

detalhes se quisesse se fazer entender.– Vou lhe contar toda a história. Tive que agir com firmeza para cortar o

mal pela raiz. O nosso projeto pode esperar um pouco, já está mesmo quaseno final, só falta a revisão.

Carlos assentiu com um movimento da cabeça, desligou o monitor e convi-dou Rodrigo a sentar-se no sofá do seu escritório.

– O que está acontecendo?Rodrigo narrou com detalhes o sonho de André, a conversa entre eles e a

reação da criança. Quando acabou de falar, Carlos ficou por um momentocom o seu olhar distante, a mão esquerda coçando o queixo, hábito que man-teve mesmo depois que tirara a barba.

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– Sabe o que eu penso? André estava tentando construir a sua própriahistória, mas você não deixou.

Rodrigo ajeitou-se no sofá, ansioso. Considerou uma intromissão inconve-niente o palpite sobre a educação do filho.

– Mas eu não posso permitir que o meu filho seja motorista do caminhãode lixo.

– Não é isso que está em jogo. O importante...Rodrigo estava impaciente.– Mas é evidente que não é uma boa escolha. Você sabe que eu tenho

razão.– Sim, você tem razão. O problema é que nem sempre a razão é a melhor

companheira.Carlos percebeu que tinha ido rápido demais. Continuou a falar antes que

Rodrigo traduzisse em palavras a perplexidade impressa em seu rosto.– Tenho uma proposta para você e Rita. Vou expor a vocês o conteúdo

do meu livro. Faremos isso em conversas informais, aos sábados. Seria bomque vocês lessem os originais se não se importarem com os erros, já queainda falta a revisão final. Para mim, será mais uma reflexão sobre o que es-crevi e uma espécie de aferição da minha capacidade de comunicação. Oque acha?

Rodrigo desconcertou-se. Não esperava aquela proposta. Achava que em-preendedorismo era para quem tinha um dom, uma qualidade inata. Para ele,o mundo do trabalho era dividido em duas categorias: de um lado, as pessoas“normais”, a grande maioria, às quais estão reservados os empregos; e dooutro, uma pequena minoria, com talento empreendedor, que irá abrir em-presas. Da mesma forma que desenhar, tocar piano ou fazer poesia, empreen-der não era para quem queria, mas para quem tinha nascido com o talentonecessário. André, como toda criança, precisava de alguém que lhe apontassefirmemente os caminhos a seguir. Se no futuro ele mostrasse algum tino paraos negócios, aí, sim, seria o caso de procurar um especialista em empreende-dorismo. Além disso, não sabia o que Rita pensava a respeito.

– Ler o seu livro, ainda inédito, é um privilégio, mas acho que não é o mo-mento, estou muito envolvido com o meu projeto e a minha promoção – disseRodrigo, tentando ser amável.

Carlos sorriu e acompanhou o amigo até à porta.– De qualquer forma, estou à sua disposição – disse com sinceridade.

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Rodrigo despediu-se com uma alfinetada no amigo.– Em toda a minha vida, a razão tem sido a minha melhor amiga.

(Se quiser ler sobre Por que seu filho deve ser um empreendedor, veja o anexo 1,na página 131; e sobre O seu filho encontrará dificuldades para empreenderno Brasil?, veja o anexo 18, na página 187.)

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6.A grande chance

Já havia se passado um mês desde que Waldir lhe revelara a possibilidadede uma vaga de subgerente. Rodrigo fizera serão nos últimos dias lapidandoo texto, revendo números, melhorando aqui e ali. Estava pronto.

Waldir acompanhara o andamento do Plano de Negócios por telefone.– Não o mostre a ninguém, mantenha sigilo absoluto. Quando o projeto

estiver pronto, me procure.Rodrigo estava radiante. Valeram a pena aquelas semanas de intenso tra-

balho; o projeto estava excelente não só na parte técnica como em todos osoutros aspectos. A ajuda de Carlos fora inestimável.

Nesse período, observara com atenção especial os colegas que eram poten-ciais concorrentes, mas não notou nenhum sinal que revelasse a sua condiçãode candidatos. Afonso e João, amigos desde a faculdade, não tocavam no assunto. Os mesmos sorrisos, as mesmas conversas e brincadeiras, como senada estivesse acontecendo, mostravam a Rodrigo que as amizades ficavamem segundo plano diante do interesse profissional. Foram essas conjecturasque levaram Rodrigo até a fábrica em Betim sem que sentisse o peso dotráfego intenso e barulhento da Avenida Amazonas.

Esperou a hora do almoço para procurar Waldir.– Ele está na Europa – informou a secretária. – Foi uma viagem de surpresa.“Sem dúvida, uma surpresa”, pensou Rodrigo. As visitas à matriz na Europa

eram muito disputadas pelos brasileiros, por isso todos ficavam sabendoquando alguém iria viajar.

– Quando volta?– Não tenho informações sobre a data de retorno.Waldir alimentava seus contatos na Europa e certamente traria infor-

mações frescas sobre a substituição do subgerente, animava-se Rodrigo.Talvez o motivo da viagem fosse mesmo discutir quem seria o substituto.

Em casa, Rita e André mantinham uma expectativa alegre, ávidos de todosos detalhes. Numa quinta-feira, Rodrigo levou mais combustível para a ima-ginação da família.

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– Foi convocada uma reunião para a próxima segunda-feira, com umapauta extensa. O assunto principal será a expansão da Divisão de Alumínio.

Um item, perdido no final da pauta, chamara a atenção de Rodrigo:“Comunicados da Divisão de Alumínio”. Sob esse título normalmente vinham notícias sobre variados assuntos, incluindo o remanejamento depessoas.

– Acho que vão anunciar oficialmente a saída do subgerente – supôsRodrigo.

– E aí então você entra, não é, papai?Rodrigo sentiu-se acarinhado pelo interesse do filho.No dia seguinte, sexta-feira, ao chegar à fábrica, sentiu no ar a alta fre-

qüência do que chamavam de “rádio peão”: gente pelos corredores, gruposformados e desfeitos rapidamente, vozes baixas e risadas altas.

No caminho para a sua sala, alguém o abordou.– Está sabendo da novidade? O novo subgerente de Alumínio é o Waldir.Em seguida mostrou-lhe o jornal interno com a foto do Waldir sendo

cumprimentado pelo diretor na matriz francesa. A legenda: “No EscritórioCentral, em Marselha, o novo subgerente Waldir Souza é cumprimentadopelo diretor-geral.”

Rodrigo sentiu o sangue parar de circular nas mãos e na face.– O Waldir...Foi tudo o que conseguiu falar, num fio de voz.Na sua sala esperavam-no Afonso e João, amigos e também candidatos.– E então – disse Afonso para Rodrigo –, você também foi pego de sur-

presa? Nós achávamos que seria você o escolhido. É o mais preparado, e tam-bém o mais antigo. Torcemos por você.

Rodrigo mal podia acreditar no que ouvia.– Ainda mais porque você estava sempre com o Waldir, como que sendo

preparado, negociando alguma coisa.Rodrigo permaneceu mudo, observando os dois amigos. “Então eles esta-

vam todo o tempo do meu lado e eu...”Afonso quebrou o mal-estar provocado pelo silêncio de Rodrigo.– Você vai à sexta-livre?O assunto principal daquela sexta-livre certamente seria a nomeação de

Waldir, uma ótima oportunidade para obter informações e, quem sabe, desa-bafar um pouco. Com isso também adiaria por algumas horas a má notícia

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que tinha para Rita e André e teria mais condições de encontrar palavras paradescrever o próprio fracasso.

Naquele dia, mais do que nunca, precisava do maior benefício da sexta-livre: a transição do mundo do trabalho para o mundo do afeto.

– Vou, sim. Nós nos encontramos lá.

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