Querô - Plínio Marcos

download Querô - Plínio Marcos

of 22

Transcript of Querô - Plínio Marcos

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    1/22

    QUERO(Uma reportagem maldita)

    (A d a p taf a 0 f e ita pel 0 p r 6p rio aut 0rde seu romance do mesmo titulo)

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    2/22

    QUEROLEDA]uVrOLETAREpORTERS A R A R ANEL,)AOTAINHACA. TORAHOMEKSMULHERES

    Personagens

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    3/22

    (Untt! cabare de baixa categoria, "0leite da mulber amada", AoliJl ir 0 jpano, cantora canta, em ritmo tipico de zona, '~pomba

    J I J.\"( I arddenu!' .)

    CANTORA

    Ei, chegue mais pertobem mais pertornais perto, mais pertoEu tenho 0 coracao abertoTenho entre as pernas uma fornalhaEu sou a pornba roxa ardentea grande mae indecentea irma ausentea santa bandalhasempre calada, no ciasempre alerta de plantaepara falar de amorcom quem de amornao tern recordacaoVcnha como tantos vieram~ ridos de arnor me procuraramquercndo ernbrulhar a solidaonos palidos lencois do rnererricioAmar e meu oficioOu sera meu vicioArno, amo com sofreguidaoVenha ser mais umum entre tantosa se sentir a unicoe eu nao esquecerei nenhume 'nao ha quem me esquecaMartelarei sua cabeca

    23 4

    para sempre, eternamcntecom a pomba roxa ardenteque e festa, lar , esposa adoradaVenha, venha como todosvenha se divertirvenha se nutrirno leite da mulher amadaVcnha, venha como todosEu te esperoEu te queroEntre as pernas tenho uma fornalhaEu sou a pomba roxa ardentea grande mae indcccntca irma ausentea santa bandalha

    (Os fregueses do cabare ddo pouca atencdo para a cantora.Conversam entre si au com as rnulberes. Nelsdo e Sarara, doispoliciais, estdo misturados com os fregueses, bebendo a von-lade. De repente, crura 0Quero. Eslii uisiuelmente transtorna-do. Com a olbar; percorre 0 arnbiente e por Jim se f ixa noNelsdoe no Sarard. Depois de urn tempo, Quero grita neruoso.)

    QUERO - Oi, 6 da policia, como e que e ?(A cantora para de cantar e todos se uoltam para 0Quero, 0Nelsdo se levanta tenso e ameaca auancar em direcdo doQuerii.)

    N ELsA o - E 0f ilho-da-puta do Quero,(Sarara contern 0Nelsdo.)

    SAMRA - (Ajetado.) E mesmo. Nosso chapinha Quer6.NEL SA o - Esta folgado. Dando bandeira.

    2 3 5 ,

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    4/22

    S AR AR A - E . 0 garoto esta rneio aparecido. Mas nao tem nada,nao. Com 0 tempo ele aprende a ser mais maneiro. Ele cpivete ainda. Mas acaba aprendendo. Tenho quase certezaque acaba. Chega mais, Quer6. Eu e 0 Nelsao estarnos aquimesmo te esperando. Fazia tempo que tu nao se apresentava.

    QUERO - (Sern sail' do lugar.) Agora tou aqui.SARAAA - Ta. Tou te vendo.QUERO - E vim a fim de acertar nossas contas.

    (Pausa longa.)SARAAA - (Rindo.) Assim e que e . Legal. Nao te falei, Nclsao,

    que 0Quero nao ia dcixar a genre em falta? Nao falei? Ellsabia. Tinha quase certeza. Falei pro Nelsao. Ele dernora,atrasa, mas acaba vindo pro apontamento. CompareceuPivcte born. Nao tem bronca. Nenhuma. Quero, tu t: genrefina. (Ri.) Olha s6 a cara de assustado dele, Nelsao. (RUChega rna is, Quero. Relaxa. Acho que ele ta com medo de IINelsao, (Ri.)Vem pra ca, pivete, ta tudo bem. 0 Nelsao s6 l'bravo pra quem falha com a gente. Tu atrasou, mas veio. [);io nosso e pode ficar aqui como se estivesse na tua casa.(Pausa longa.)

    NELSAO - Como e que e , pivete? Vai ficar at plantado?QUERO - Nao, rato nojento. Vou dar 0teu. 0 que tu mercc (

    A tua parte ta aqui. (Puxa a anna e atira no Nelsdo.) TOll1.I,filho-da-putal Toma!(Ha urn corre-corre entre os Jregueses. Nelsdo, mesmo balrdo, saca a arma. Quero auanca aiirando. Nelsao cai. SU/'(/IIIabaixado atrds de urna mesa, atira no Quero. Acerta 0 omln t)e a perna de Quer6. Esse reuida atirando no Samra. AI iI/pi, t, Jno brace, Samra sejog a no chao. Ha rnuita gritaria, aloon II',

    236

    QUERO - Ninguern chega perto de mim. Ninguern encosta, queeu grarnpeio.Ta fiz 0 servico.Ta ganhei quem eu queria. Masningucm chega em mim, que leva teeo. Vou de pinote.(Quero sai. Cantora comeca a cantar neruosa.)

    CANTORA - Tenho entre as pernas Lima fornalhaeu sou a pornba roxa ardentea grande rna ' indecent a irma ausentca santa bandalha

    (Luz apaga no cabare e aceut!e I/O r l '/ ) ()] ' IC>I; que esta sen/a-do num canto do palco.)

    REP6RTER - (Dirigindo-se C(O publico. ( 'I II 1 0 11 1de narratioa.) Saomil hares de men ares aban lonaclos 'Ill' pvrnmbularn pelasruas da cidade onde mom. Diariamcutc, ccntcnas deles prati-cam crimes contra 0patrimoni ' contra a scguranca c I s cida-daos contribuintes. Diariarncntc, e ises cidada S comribuintesexigem solucoes para 0 problema dos menores abandonados,sem contudo quererem abrir mao dos scus privilegios, dosseus tesouros, dos sells confortos. Por isso, eu preferi ignoraro crime do cabare "Leite da mulher amada". Sabia que 15 ummenor de idade matara Limpolicial e ferira outro. E era 0bas-tante para eu nao me interessar pelo assunto. Porem (c sern-pre tern um porern), 0chefe de reportagem do jornal onde elltrabalho me escalou para fazer a cobcrtura do caso. Foi entaoque, por dever do oficio, eu comecei a cscrever essa repor-tagern rnaldita.(Lue acende num quarto imundo e mal iluminado. Queroesta ferido, deitado numa cama, mas com 0 rev61verna mao.A seu lado esta urn grauador. 0reporter se aproxima dele.)

    QUER O - Pra que essa rnerda, 6 do gibi?

    237

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    5/22

    I 1'1' IrI"ER - Pra ficar bern gravado tudo 0 que voce disser. PI.!nao s perder nada.

    )lJERG - Pra que isso agora? Pra que? Tu vai por tudo no gihl'Tudo 0que eu contar? Minha vida? Essa merda toda?

    R 'PORTER - Se puder por tudo 0 que voce falar, eu ponho.ERG - Nao pode, ne?

    I EPORTER - Nao. Acho que nao.(Pausa.)

    QUERO - Tou sabendo. E urn puta de urn jogo sujo. Urn put.de urn [ogo porco, nojcnto, sujo. Uma mercia. Pra que tLl v 1('aqui, 6 do gibi? Sabe, tudo isso e frescura. S6 tou falandocontigo porque foi a Ju que te trouxe. Mas pra que tu que:saber dessa merda toda da puta da minha vida? Eu sei comoe . Na bosta do teu jornal, eLitou fazendo e acontecendo. S 'jcomo C.Quero, 0Perigosao. Matador de tira. Fudido. Tu e o.outros filhos-da-puta como tu preparam 0 presunto pm.ratos fritarem a gente. Olha, do gibi, eu quero que sc fodaNao vou mais a lugar nenhurn com essa porra dessa pernaEla ja nao esta mais doendo. Ja nao sinto essa porra dcss.iperna. Aqui no ornbro e que a dor c de lascar. Puta qupariul D6i paca. Ja queirnei fumo a pamparra, do gibi. N L I ' "nao adianta. A dor e tanta, que corta a onda. Eu tou bras .:\do. S6 sinto sede. Meus olhos estao ardendo. Tou ardidoTodo ardido. Se os tiras nao vierern logo, eu nao VOU est.uaqui quando eles pintarem. Eu estou me acabando. Loguinhovou falar com Deus. Ou com 0Diabo. Essas coisas existentdo gibi?Quero que se fodam. Eu estou fudido. Como sempn(0 reporter se leuanta, uai ale 0 Quero e coloca urn panumolbado na testa dele)

    I Elt - (Brauo.) Para com essa merda! Essa porra rn01h,,

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    6/22

    HEll RTER - Ela s6 quer te ajudar.'ERG - Ajudar? Te trazendo aqui? Vai ver que tu erato. Rawdcsbaratinado. (Brauo.) Olha aqui, filho-da-puta, se tu e raro.vou te apagar. (Aporua 0 revolverpara 0 reporter.) Tu vai sero primeiro a ir pro beleleu. juro por essa luz que me ilumi-na. Eu devia ter visto pelo papo. Qual 0 nome? Onde nasccu?Quem C 0pai? Quem t: a mae? Que c que tu vai ganharsabendo cssas coisas, rato? Diz, tira. Te refresca saber cssabosta toda? Diz, tira! Diz!

    REPORTER - Eu nao sou tira, Quero, Sou reporter. Reporter deurn tempo mau, quando as pessoas como voce saoperscguidas, nao tern chance nenhuma de escapar de urnavida miscravel. Quero contar a sua hist6ria. Te ajudar,

    QUERG - Tu acha que pode me ajudar?REpORTER - Acho que nao. Mas talvez ... os que vern depois ...

    quem sabe?QUERO - Qual e? E eu com isso?REpORTER - E . Voce nao tern nada com isso.

    (Pausa.)QUERG - Tenho muita sede. Muita sede. Tou ardido. Meu

    ombro d6i. Me da agua, do gibi. Me da agua.(Reporter serve agua para Querii.)

    QUERO - Ai, meu Deus ... Vou rnorrer, do gibi? Sei que VOlt ... A]u ... Ela quer ajudar, Sei que quer. Olha, do gibi, tern muitofilho-da-puta no mundo ... mas pode erer ... a Iu t: genre finaAi, como me d6i essa porra! A perna nao d6i. Ta podre ...Voumorrer. .. Diz, do gibi . .. como tu achou a ]u?

    P EP6RTER - A Madame Violeta falou dela.

    to

    - Aquela vaca perebenta!

    )1 IlR - Que e minha madrinha, me criou ... Vaca no) 'tHai(Pausa.) E como tu sou be da vaca filha-da-puta?

    'II' RTER - A cantora do cabare me deu uma dica.)tIFRG - Ela me sacava? Entao os ratos logo estao ai ... Sei qu

    vern ... f: s6 enterrarern 0Nelsao c vern na minha captura ...E assirn que vai ser. ..(Reporter oem para sua posicdo inicial e se dirige ao publico.)

    HII'ORTER - De repcnte, me parcceu que 0 Quer6 se cons-cientizou de que nao tinha mesmo escapatoria. E tarnbern,com paciencia, fui ganhando sua confianca. Sci la. 0 certo eque, por livre vontade sem que ell tornasse a insistir, elecornecou a contar sua vida. Elc estava sentindo muitas dores,febril, as vezes acho que delirava. Misturava todos os casos,em ordem cronologica.(Reporter volta para junto do Quer6.)

    ( )[ ERG - Eu vim na pior. 0 filho-da-puta do meu pa i encheude porra a filha-da-puta da minha mac e se arrancou. Deixoua desgracada no ora-vela. E se 0 como largou a grana namesa antes de sair, nao tcve estrilo. Nao sei por que minhamae nao me soltou num purgante, ou por que nao dell umn6 nas trampas. Ell virava anjo. Estava na mclhor. Quem mecontou foi a ]u. Era col ega da minha mae no puteiro daVioleta. A Ju ... a ]u e gente fina ... Ela me contou tudo ...tudo ...(Luz apaga no Quer6 e no Reporter e acende no puteiro daVioleta. 0 arnbiente e feerico. Homens e mulheres dancamem ritmo alucinante. No fundo, sentada numa cadeira dbalance, vestida com roupas exoticas, estd a Madame V{()

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    7/22

    / 'IU, risonba e atenta a todos os mooimentos. De repentc. (/Leda sente uma tontura e cai. A musica pa ra de estalo ()homens e as mulberes se aproximam de Leda.)

    LED /\, - J a tou legal.J - Levanta, entao.PRIMElRA MULHER - A Yioleta ja viu.VIOLETA - (Aproximando-se.) Era s6 0que faltava. Que e 'Ill

    tu tern?LEDA - Nada, nada. J a . passou.VIOLETA - Como nada? Caiu de podrc? Aqui, 6i! Tu Ui e heh.!

    da. Yagabunda! Tu bcbcu de novo.LEDA - Nao bebi. Juro, Dona Violeta.VIOLE1A - Tu me conhece. Conhece a casa. Bebeu, manrh

    ernbora. Bebado aqui basta fregues.LEDA - juro que nao bebi.VIOLETA - Deixa eu cheirar tua boca. Anda. Dcixa. (Cbeint I

    Nao bebeu. Nao tern cheiro. Sentiu tontura? Isso e enjoo. IIIta gravida, Leda? Tu ta gravida, dcsgracada? Responde, PUI Ifllha-da-putal Ta gravida?

    LEDA - Nao, nao.VIOLETA - Ta, sim. Sci que tao Tu nao me engana. Por que 1 1 . 1 1

    falou? Por que nao foi logo tirar essa porra? Tu ta quer '1Id,ter mho. Eu sei. Mas isso e problema teu. Yai arranjar sa III,pra se cocar e eu quero que tu se elane. Mas nao vai ser aquna minha casa que tu vai parir. Aqui, nao. Crianca em (.1 Ide puta nao presta'. Espanta a freguesia.

    Ll.11\ - Eu yOU embora. Eu sei me cuidar.

    . .. 1 2

    lOLETA - S6 que antes de ir, vai ter que pagar ~1I' III d \ I'ao vai sair assim sem rnais, nem menos, Te v nc.li l(nJ!!",.

    aluguei 0 quarto, venda a cornida. Tu me deve val I ag.1lNem tu, nern ningucrn melhor do que tu vai me fazcr Itrouxa. Se tu da pinote, mando uns caras arras de ti. Com urnchute na barriga, tu caga 0 bagulho na hora. Entend u?Depots pode ir pros quintos dos infernos.

    LEDA - Eu pago. Ainda da pra trabalhar por uns tempos.lOLETA - Entao rrabalhe. Trabalhe. Trabalhe sem parar. S6

    quero 0 rneu. Trabalhe.(Explode musica. Todas as mulberes dancam frenetica-mente. Leda danca cada uez com mais dificuldade. As mu-lberes tentam apoia-Ia e dao conselbos.)

    J U - E rnelhor tirar esse filho.PRIMEIRA MULHER - E loucura ter filho.SEGUNDA MUl.HER - Que tu vai fazer com ele?TERCElRA MULHEK - Pula nao pode se dar esse luxo.UARTA MULHER - Besteira, Leda. Sai dessa.

    QUE\TA MULHEK - Conhcco urna parteira legal.(MIA-sica pa ra de estalo.)

    LEDA - Eu quero ter meu filho. Eu quero ter meu mho. Euquero. Eu posso. Ell tcnho direito. Eu quero ter meu filho.

    lOLETA - Mas 0 que e que vai ser teu filho? 0 que c que vaiser 0 filho-da-puta? Um santo, urn genic, urn general? 0 quee que vai ser teu filho atirado nesse rnundo louco de cadaurn pra si?

    LEDA - (Serenamente.) Eu nao sei 0 que sera meu filho.que quero ter meu filho .

    S 'j

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    8/22

    )LETA - Louca! Egoista! Vamos, rrabalhe. Trabalhe.(Explode musica. As mulheres dancam. Ouuem-se tirosfotude cena. A musica para. As mulberes ficam imooeis. QII('lr.entra no palco perseguido pelo Nelsdo, pelo Sarara epor outros bomens. Quer6 e cercado e agredido uiolentamente j)C'I()bomens, menos pelo Sarara, que tranquilamente assistc (/rjespancamento sacudindo um relogio de pulso que segtupela pulseira. Depots de Quer6 ter apanbado muito, Sarandirige-se a ele.)

    ARARA - Chega. Pode deixar, Agora e cornigo e com 0Ncls,u IEle vai conversar. Sei que vai. Tenho certeza que vai. ,II'vai, pivete born? Claro que vai. Caiarn fora.(Saem os bomens, menos Nelsdo. Sarard se aproxima (I{Quer6, que geme. Continua balancado 0 relogio, espera 1 1 1 1 1tempo.)

    S A R > \ R .A . - Pode se abrir. Eu ia sei de tudo. 0 Tainha contou. 1'1 Imim e pro Nelsao. (Balancando 0 relogio na cara rillQuer6.) Tu roubou 0 re16gio do gringo e deu pro Tainh IFoi tu. 0 tal de Quero. Nao foi?

    QUERO - Eu, nao.AR AR A. - (Apertando a barriga do Quer6.) Foi. Eu sei qu ' fl'I

    Tu afanou 0gringo. Achei legal. Quando 0Tainha me '1111tou, nao quis acreditar, 0 Nclsao esta aqui pra nan 1111deixar mcntir. Falci: Mas 0 que e isso, Tainha? Tu acha

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    9/22

    (I 'ausa Tonga. Samra balanca 0 relogio na cam do Quera011'10 se 9 estivesse bipnotizando. A luz corneca a piscar; IIQuer6 fica de pe e vai ate 0rneio dopalco, onde esta 0Tainba.)

    UERO - Tu me dedou, Tainha?TAINIIA - Que tu queria? Aqucle filho-da-puta cloNelsao quas{'

    me mara.QUERO - Mas tu me dedou?TAiNHA - E dai?QUERO - Tu e urn filho-da-puta. Um cagueta. Tu jurava que era

    fixo. Eu botei fe em ti.TAINHA - Segura essa, pivete. Segura, que e do jogo. Pra ti val

    ser mole. Tu e de menor. Entra e sai. Eu tou fudiclo se elcsme ganham. Devo paca. Tern sujeira pra cacete. Se entrosabe quando vou sair? Nunca. Sou de maior de idadc, tenhoque responder as broncas. Vai por mim. Guenta essa. Tu {'fixo. Nao abre. Fica fixo. Tu vai ganhar moral. Quando !IIvoltar, te dou situacao.

    QUERO - Tu me entregou. Tu e nojento.TAINHA - (Brauo.) Olha aqui, pivetc. Tinha que ser. Era eu Oil

    tu. Ese foda. Pra tu vai ser mole. Agora se entope. Se pret '1 1de me esculachar, eu te arrebento.

    QUERO - Tern volta.TANHA - Quando quiser. J a ou agora?

    ERO - Nada como urn d ia atras do outro.TAL HA - Nao esquenta, Quero. Nao entruta ninguern. lnv 'Ill I

    uma hist6ria e se garante.(Pausa tonga. Tainba se afasta, a iuz pisca. Netsdo e SC/J'fII'se aproximam do Querii.)

    I )

    AMRA. - Foi (U ou nao?QUERO - Fui.ARARA. - Ta vendo, Nelsao? Quero nao e facil . Afanou (l

    gringo. Sozinho?QUERO - Eu nao afanei gringo nenhum.S AR AR A - Ai, ai, ai, ai... Tu falou que foi ttl. E u o uvi, 0 Nelsao

    tarnbern.(Samra e Nelsdo se entreolbam.)

    SAMRA - 0 gringo te viu, te deu 0rel6gio e foi na policia chiars6 pra te sacanear? Foi assim?

    QUERO - Ele deu tudo pra eu enrabar ele. 0gringo e bichona.Bicha escrota. Dell 0re16gio e tudo que tinha.

    S AR AR A - E at deu 0estrilo?QUERO -. Porque eu deixei ele em falta. Peguei os badulaques

    e cat fora. Pocle crer. Eu nao sou chegado a essa raca.Perobo me da nojo. S6 fingi que ia entrar na dele porqueesta va a perigo. J uro que foi assim.(Pausa. Sarara e Nelsdo ficam series. De repente Samra ri eNelsdo 0 acompanba.)

    SARARA - Fo i assirn rn e smo . Sei que f oi. T en ho quase cer teza.Quero, pivete acordado. Sabe se rnexer, Eu e 0Nclsao suan-do a camisa pra ganhar um troquinho e tu at faturando namanha. Papacu de bicha gringa. Sempre com a grana emcima. S6 esse relogio vale uma nota grande. legal. Agoraescuta, Quero. Vou te recolhcr, que eu e 0Nelsao temos qlmostrar service. Tu chega la pro delegado e mete cascara.relogio e tal, vendi, nao sei na mao de quem ... Perceb ? Sriver pau, mantern a hist6ria. Besteira devol vcr cs r >Iogic

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    10/22

    I 1'0 gringo bicha. Tu segura essa. Nao vai ser dificil pra ti,qu ' c fixo. Quando tu sair, eu e 0Nelsao estamos ai pra t dar boa situacao. A gente faz acordo, pode crer. Agora naose zangue, mas 0 Nelsao vai te dar urn trato, pro teu bern.Pra tu chegar no xadrez com fama de fixo. Manda ver,elsao.

    (Sarard ri eNelsdo bate duro no Querii. A musica explode, asmulheres voltam a dancar. Sarard e Nelsdo vilo saindo.Quer6 se vira pra Leda.)

    QUERO - Por que, mac? Por que tinha que me parir? Eu naoconsigo entender. Por que tu me pariu?(Quer6 uai saindo. Leda cbora. Musica para.)

    JU - f: rnelhor tirar essa crianca, Leda.PRIMElRA MULHER - E loucura puta ter filho.EGUNDA MULHER - Que vai ser do teu filho?

    TERCElRA MULHER - Nesse rnundo s6 tern maldade. Besreirameter filho nele.(Leda vem pra frente do palco e canta "Meu.precioso bem ".)

    LEDAEu quero tanto, tantoter urn precioso bernque seja rneu, meumuito rneu, meuamor garantidomeu arnor sentidoMas nao sinto ninguernmeu precioso bernna cidade populosa

    IH

    me faca venturosa(mica na multidaoque se consome de solidaoEu quero tanto, tantoter urn precioso bernque seja meu, meuque ele seja alguernque vista a camisa do meu timeque me compreenda e me redimade no amor tcr sido mal amadaque seja meu bemmeu precioso berncarne cia minha carne, meu bernsangue do meu sangue, meu bemVern, nao tarda, vemEu quero tanto, tantoum precioso bemMeu amado fllho, vern

    (As rnulberes estdo paradas. Leda pega uma crianca recem-nascida e a exibe para as rnulberes. Leda carrega tambemurna sacola.)

    PRIMElRA MULHER - F : Iindo.SEGUNDA MULHER - E urn sonho.TERCEIRA MULHER - Como cu queria tcr urn pra mim!QUARTA MULHER - Vai bancar a louca como a Leda?JU - Como vai chamar?,LEDA - Jeronimo.J X J ~. ?U - 1.,. erorumo.

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    11/22

    I'I(IMIJI MULHER - Tern nome mais legal que esse.LII)A - Jeronimo mesmo. Eu conheco uma parada de nom'

    I gal. Mas em todos e1es semprc tern urn desgracado filho derno pendurado, Vai ser Jeronimo. Vou batizar. A madrinha

    vai ser a Violeta.PR[MElRA MULHER - Jeronimo ate que e legal.J U - Mas a Violeta de rnadrinha?LEDA - (Abracando a [u.) Tu e a scgunda mae dele, ju. A

    Violeta e de araque. E s6 pra ela deixar cle ficar aqui un xtempos. TOllna pior. Depois me arrumo e dou pinole. Ai agenre batiza ele de novo. ao fica tristc. Minha chapinha ctu. Sempre. De fe.

    ]u- (Enxugando as lagrimas) Eu sei... E a vida.LEDA - Ah, ju...Pega ele. Ve, e fofinho.

    (fu pega a crianca, entra a Violeta. Ao ver aLeda, Violeta s, 'encrespa.)

    VIOLETA - Apareccu? Que veio fazer aqui? Espero que tenhavindo me pagar.(Ve a crianca com aju.) Que c isso? ao valdizer que e teu?

    LEDA - Claro que e meu.VIOLETA - Bela mercia tu arranjou.LEDA - (Furiosa.) Escuta aqui, cadela empesteacia. Ha muiio

    tempo que tou pra te dizer uns neg6cios. Tu e uma vaca nojenta. A cafetina mais escrota de todas as quebradas. Tu qure uma merda. Tu e machona, grc1uda, ensebada. Tu p ns . tque a genre nao sabe que tu tern que pagar rnulher pra roctucontigo, como qualquer otario?

    VI LETA - Cala essa boca, sua nojenta. E tira essa mercia daqutAnt s paga 0 que me deve.

    1 . ( )

    LEDA - Saio quando quiser, porca velha, nojenta 'I'll I I IHI 1Iminha mala, fiquei quieta. Me csculachou, fiquei qUI '1.1 M.I'imeu filho tu nao vai esculachar. Agora tou a vonta I . , I )I .1velha. Pari. Sou mulher. Sou mae. Fala que meu filh . um.:mercia. Fala. Fala, e eu te arrebento no meio. Sua m I lalMerda das merdas!

    VIOLETA - (Ironica.) Tu pensa que eu yOUme rebaixar entran-do na tua? Tas enganada cornigo, Leda. You te dar LIm jeito.Hoje mesmo falo com os homens. Eles vao te ganhar, beba-cia escrota. Vai ser cana dura. E ai? Como fica? Tu la dentroe teu filho entregue as traps. Vai ser merda mesmo. Ou tupensa que ele vai contigo pro xadrez?

    LEDA - Fi lha -da-puta'VIOLETA - 0 melhor pra ti e botar essa merdinha na porta de

    um convento e voltar pra zona, que e teu lugar.LEDA - Vou te aprontar uma treta.VIOLETA - Vaimesmo?LEDA - Tu vai vcr.VIOLETA - Sera que you?

    (Leda abre a sacola, lira mamadeira e outras coisas de criancaepega uma garrafa.)

    LEDA - E querosene.(Leda destapa a garrafa e bebe. As mulheres berram. fu. sedesespera. Leda bebe. Grita de dor. Leda larga a garrafa. Caino chao contorcendo-se de dor. Todas ficam paradas. Ledarola de dar ate morrer. Pausa tonga. iu, com a crianca nosbracos, uolta-se para Violeta. As mulheres ameacadoramenteudo cercando a cafetina.)

    VlOLETA - Eu nao tive culpa.

    25l

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    12/22

    J II- 'I'll C uma cadela sarnenta.[ )[E1A- EIa... bebeu 0 queroscne ... porquc quis. Todas viram.

    I I I - Tu e um monstro escroto.VIOLETA - Eu nao forcei ela a nada. Juro. Eu s6 queria assus-

    tar ela, Eu ate gostava dela.J - Tu matou ela, cadela.VrOLETA - Eu, nao. Nao fui eu. Eu gostava da Leda. Ela era

    porra-louca, mas eu ia por ela. Ela tava bebada. Eu s6 que-ria que ela parasse de fazer escandalo.

    PRlMElRA MULHER - Tu vai pagar por isso, Violeta.EGUNDA MULIIER - Vai se danar.

    TERCETRA M LHER - N6s vamos te ralar, sua cafetina escrota.QUARTA MUUIER - Assassina nojcntalTERCEIRA MULHER - Tem que pagar pelo teu crime.

    (As rnulberes VaG cercando a Violeta. Eia, apauorada, uai seesquiuando, aproxima-se da [u e agarra a crianca.)VIOLETA - Deixa ele eomigo. Eu crio cle. Eu erio cle como sc

    fosse meu filho. juro. Eu batizo ele. Eu vou criar ele comourn filho. Juro por Deus. Quem daqui tem condicao de ficarcom 0 menino? S6 eu. ELI crio ele como urn filho.(As mulheres se relaxam e se afastam, ficando uma ao ladoda outra. Violeta entdo leuanta a crianca como se amostrasse a Deus.)

    VIOLETA - Segundo 0que esta escrito na lei do Scnhor, eu consagro esse menino.

    MULHERES - (Em coro.) Que assim seja. Que Deus seja louvadoV[OLETA - Sera charnado Jeronimo. E com sells braces trabalhar.i

    valorosamente. Sera hurnilde de coracao e ternente a 0 'ustodo-poderoso, que nao Ihe deixara faltar 0 pao de cada dia

    MULHERES - (Em coro.) Ilumine-o, Senhor, com VOSS.I 111/ (hi'seja lucido em seus conflitos, justo em seus combat 'S, ,l{l'll .roso em seus dons. Que saiba sobretudo renunciar, 'Ill 1.1\'()Ide urn mundo melhor que ha de ser construido. Purifi ' 111o coracao, Senhor, para que de possa, livre e digno, of 'I cer amor no final dos tempos.

    VrOLETA - Que assim seja.(As mulberes VaG saindo, de preferencia cantando umamusica sacra. Ju pega a crianca da violeta. Luz apaga nasmulheres e acende num senbor com ar severo. vtoleta apro-xima-se dele; senta-se a sua frerue.)

    VroLETA - Ele e meu afilhado, Ell criei de como se fosse meufilho. Meu pr6prio filho. Juro, meu scnhor, que m10 rnedisacrificio por ele. Peguei de com dias de nascido. A mae ...Ah, a mae ... Uma louca. Bebeu querosene. Ela sabia do meucoracao grande. Deixou ele la em casa. Sabia que eu ia mecompadecer e criar 0menino como meu pr6prio filho. Foi 0que fiz. Eduquei elc muito bem educado. A antiga. Dentrode todo respeiio. Nao foi facti. Sou uma mulher sozinha. Masele, meu scnhor, so me da desgosto. J a estou velba ... cansa-da... nao renho mais a mesma energia. Outro dia fui reprcen-der de, por andar em mas cornpanhias, e ele me agrediu.(Chora.) Eu, que 0criei como mho e que quero ele comourn filho. Mas nao c do melt sanguc ... Se puxou pela mae ...ou pelo pai ... Quem sabc? S6 Deus sabe ... Mas 0que sei eque agora deu pra roubar. Quem sai aos seus nao dege-nera ... Cresceu um pouco... ao posso mais com ele. Vai paraa rua, anda em mas companhias, c urn ladrao. Ah, meu filho,um ladrao ... Doutor, ele esta la em casa. De dia fica la..Dorme de dia ... 0 dia inteiro. Se 0 senhor quiser ... p rfavor... e pro bern dele... Eu ja estou desacorcoada. Sei qu .no asilo, no reforrnatorio, elc endireita ... Eu nao qu ro '(

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    13/22

    III 'U afilhadinho ... (Cbora.) Eu sofro do coracao ... A qual-< I l l er mom nto , eu ... bern, doutor ... Isso nao interessa. S6nao quero ver meu afilhado se tornar urn bandido.(Lux apaga na Violeta. H ()proprio homem severo pode con-tinuar de delegado. Quero estd na frente dele, ladeado pelo'arara e pelo Nelsdo.)

    ELEGADO_ Nome do pai?'ERO _ Nao tenho pai.

    DELF.GADO_ Pai desconhecido. Nome da mae?QUERO - Leda Paixao.DELEGADO-- Seu nome.QUERO _ Jeronimo da Paixao.DELEGADO _ Tern apelido?QUERO - Quer6.NELSAO _ Quer6, 0caralho! Teu apelido e Queroscne. Ele t:

    Querosene porque a mae se ernpapucou de querosene emorreu. (Ri muito.)

    QUERO - Querosene e a puta que te pariu.(Nelsdo da urn tapa no Quero.)

    ARARA. - Ta vendo, doutor? Parece urn cagateco, ne? Mas "cobra criada. Foi ele mesmo que afanou 0 relogio e os ou-tros badulaques do gringo. Ja confcssou tudo. S6 nao sabco que fez do relogio e dos outros badulaques da vitima.dinheiro, gastou. Nao parece, mas este at e um perigoso. Ello Nelsao levantamos a ficha dele. Fugiu do reformat6rio

    d rnenores e era da curriola de urn tal de Tainha. Deve LeImuito que contar.

    1' :1F ,ADO - Entao descc ele. V e 0 que arrancam desse sacana

    S A R A R A _ S6 que tem um porern. Ele e rnenor,DELEGADO _ Entao vai com jeito. Depois a gente rur 'g:1II(

    juiz.(Lux apaga no delegado e acende no reporter, que se dil 'l ,c.Wao publico.)

    REpORTER - E 0Quero foi esprcmido, empilhado, esmagado decorpo e alma nurn cubiculo irnundo, com outros meninos.Meninos todos esprcmidos, empilhados, esmagados de corpoe alma, alucinados pelos sells desesperos, cegados por muitasaflicoes. Muitos meninos, com seus desesperos c seus 6dios,empilhados, espremidos, esmagados de corpo e alma no imun-do cubiculo do reformat6rio. E foi la que 0 Quer6 cresccu.(Luz apaga e acende na cama onde Quert) estd deitado.Reporter aproxima-se e uai trocar a fila do grauador.)

    QUERO _. 6 do gibi, por que a toda hora tu para essa merda?REPORTER _ Pra trocar de fita,QlJERO - Porra, falei paca.REpORTER _ Ja esta legal. Se quiser, pode continuar.QUERO - Nao quem merda nenhuma. S6 queria que os ratos

    chegassem logo de uma vez. Era s6 0que cu queria. E s6 0que eu quero. Que eles cheguem logo. Se demorarn, eu voutar grogue ... Nao vai nern dar pra apertar 0gatilho. Ai, meuDeus, como d6i esse ornbro. Nunca senti tanta dor na putada vida. Acho que tern mais de duas tochas dentro de mim.D6i muito. Umas quatro tern. A perna ta legal. Mas no om-bro a bras a ta ardida. Ai, meu Deus ... Deus existe, do gibi?Tu acredita em fantasma? Eu sei lao Eu ja vi fantasma ...Ontern a noire ... aqui. .. veio ... meus fantasmas todos.Tainha ... A primeira vez que eu vi ... fantasma ... Tu nao a rdita em porra nenhuma, ne?

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    14/22

    1'1 I'()I ' i' i' .I { - Pod falar a vontade, Quero. Eu estou ouvindo.NdO sabe nunca direito sobre essas coisas.

    lJER - Eu sei .. . Eu sempre ... sernprc, nao, as vezes, eu via 0faruasma da minha mae. A primeira vez que ela me apare-u... foi no reformat6rio ... Eu tava na surda ... Eu devia ter

    ferne, canseira, sono, mas nao sentia nada disso. Sentia umputa enjoo na boca do est6mago, uma fraqueza nas pernas,calorao na cabeca e uma puta sede. Como agora. Me da agua,do gibi. (Bebe.) Mas 1 < 1 eu tava pior, do g i b i . Juro que erapior, Meu sangue estava frio. E eu tinha urn puta medo. Medode rato, de barata, das muquiranas. Medo de ser esquecidopra sernpre naqucla maldita cela surda. Eu pcnsava ... POlTa,do gibi, como eu nao gosto de pcnsar, Mas pensava: Sedurmo, me fodo. Esses bichos me roem ate as tripas. Tinhaque pensar. Pensar, Ficar acordado e pensar. Por que temrato, barata no mundo? Por que as pessoas tern que se meterna vida dos outros? Que gra\a tern uma mulher beberquerosene? Esse Nelsao, eu queria matar ele. Sernpre quis.Sempre, do gibi. Ele riu da minha mae. E eu ali naquelamcrda. Merda. Merda. Fedida. Assombrado. Chorei. Chorei cchamei minha mae. (Quer6 vai ficando sentado na camel.Comeca a gritar.) Mae! Mae! Mae!(A luz comeca a piscar e a girar. No outro canto do palcoaparece Leda, sentada diante de urn espelbo cbeio de lampadas, como de um camarim. RIaesta muito bem uestida earrumada. Vim-separa Quer6 e canta sedutora.)

    LEDA - Eu quero tanto, tantoter um precioso bernque seja meu, rneumuito mcu, meuarnor garantidomeu amor sentido

    QUERO - (Interrompendo a Leda.) Por que, r n a , PC)! II' 1\1me pos no mundo? Ve 0 que tu fez comigo. Ah, uiac , (IInunca fui 0 mais forte, nem 0 mais bonito, n m 0 Ill.1sabido. S6 me trato de favor. Como de esmola. Dun 1) d .esmola. E isso nao presta. Isso deixa a gente ruim.

    LEDA - Eu sei , eu set , meu nene Me perdoa ... Eu queria tant ,tanto, ter alguem como voce Alguem que fosse por mirn ...Mas, meu filho, eu nao tive forca pra esperar tu crescer prame valer. .. pra .. . Oh, rneu filhinho . .. Foi tanta sacanagem queme fizerarn ... (Chorosa.)Nao deu pra esperar, Era duro, meufilho. Todas as noites eles vinham em bando, como os porcosandarn na floresta, e arrotavarn suas vantagens, bebiam seustriunfos, depois me arrastavarn pra cama, arrancavarn meuvesrido, mordiam meu corpo, cuspiam suas aflicoes no meuventre, babavam como porcos que erarn. Depois atiravamdinheiro na minha cara, como se fosse gorjeta, como se esti-vessem gratificando por favor alguern que Ihes deu gozo. Eriam, riarn, meu mho. Riam de rnim. Que ficava ali jogada,despida, sem forcas pra me vestir, sem forcas pra sonhar ...com 0amor e seus prazeres ... Eu me sentia urn lixo, urn lixo,meu mho. A ultima das mulheres, as vezes nem mulhcr mesentia ... (Cbora.) Parecia que eu ia desfalecer ... Entao eupensava em ti ... em ter voce ... re abrigar no meu ventre teparir. .. me sentir mulher... mae ... purL. mae ... ter urn filhomeu ... meu precioso bern ... E era nessa esperanca que cu menutria, me erguia e ia trabalhar ... Ai, senti que tu estava den-tro de mim ... e gozava ... s6 antevendo tua chegada ... Maseles, rncu mho, vieram com furia, aos bandos, como os por-. cos andam na floresta ... E nao respeitaram ... rasgaram rni-nhas roupas, me arrastararn pra cama, morderarn meu corpo,me cuspirarn suas aflicoes, jogaram 0dinheiro nojento narninha cara e me empurraram, me empurraram para a gal'rafa de querosene e me ernpurrararn e me forcararn a I 'b'r

    2 7

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    15/22

    "1 I rolava em brasa viva e eles riam, riam, riam ... e eu te.hamava, te chamava.. . (Pausa.) Par culpa deles eu naorude te esperar. .. (Cbora.) Perillo, meu filho.

    )UER O - Mae ... minha mae . .. deixa comigo. Eu tou crescendo.E a raiva crescendo em mirn. Eu yOU f azer a cobranca. juro,mae, pela luz que me ilumina. Vou ser 0 Quero, a zorraencarnada. Vou mandar ver. Eu nao chore, mac. Eu sou 0Quero. Vou a forra. Com todos. Com todos. Que entre urnno rabo do outro e venham pra cima de mim. Urn por urn,mae. Um por urn. Mae . .. Mae ... Mae . ..(Luz pisca, Leda uai sumindo. Quero, delirando, uai se afas-tando ate se deitar na cama.)

    QUERO - (Delirando.) Mae ... Eu vou matar. Matar. Mae ... Mae...Um por urn . .. Urn por um ...

    R EpOR TER - (Tentando conter 0 Quer6.) Calma, Quero, calma.I3ebe agua.QUERO - (Assustado.) Os ratos .. . Eles chegaram? Eles vierarn

    me pegar?R EpOR TER _._ ao. Fique c alm o, Q ue ro . Voce ta com muita

    febre. Bebe agua. Deixa eu molhar sua testa.QUERO - 0 Nelsao ... ell sernpre quis matar aquele filho-da-

    puta. Jura. Eu cresci na bosta do reformatorio ... Dei 0pinote ... Fui procurar a J 1 . 1 .(Luz acende no quarto da [u. 0 Quer6 esta sentado nocarna. A rnulber estamuito neruosa.)

    J U - Foi loucura, Quer6. Agora eles te pegam e te quebram depancada. Tu tern que se mandar. Vai ter que ir cmbora dessa'i lad. Ah, meu Deus, tu vai flcar longe de mim. No refor-

    H

    mat6rio pelo menos eu ia te ver. Mas sal 1 .1 .lgll.I '.1gente vai se cruzar outra vez na vida. (Cbora.) Mn: . .!',SIll1que tern que ser. Hoje eu dou um duro e des col urn.i gl II1.t.Arnanha tu se ruanda.

    QUERO - (Carinboso.) Que nada, Ju.Ju - (Braua.) Que nada, que nada! ao se discute, Quero. 'I'll

    tem que se arrancar.QUERO - Olha, Ju. Eu vim pra fazer LImacerro. 0 tal de Nelsao,

    o Sarara, 0Tainha vao dancar. Perdi muito tempo na galera.Foi dose. Vai ter a forra.

    JU - Tira isso da cabeca, Quero. ao tem forra nenhuma.Esquece. Sc cuida. Vai ser gente. Pelo arnor de Deus. Queiria dizer tua mae? A Leda era gente boa. Ela brigava,aprontava, mas depots tava tudo bern.

    QUERO - Ju ... Um dia, Ji no reforrnatorio .. . eu tava na surda.. .eu vi minha mae ...(Pausa.)

    JU - Fala essas coisas, nao. S6 de tu falar, ja fico toda arrepiada.QUERO - Vi. Juro que vi.JU - Guarda pra ti isso. Nao presta mexer com os mortos.QUERO - Pra ti posso falar. Tu c... e . .. gente f ina. Ela falou

    cornigo, pode crer, Ju. Eu nao tenho mais raiva da minhamae. Nenhurna. Agora eu entendo ela. Agora sei por que elame botou no mundo. Ela queria alguern por eia. De verdade.Eu...

    JU - Mas eu sernpre te disse que a Leda . .. Ail, Quero, nao fi abotando minhoca na cabeca. Tu tem que sc mandar cia lIi vse ajcitar.

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    16/22

    ( )t)J'JH) Na e nada disso, nao. S6 agora eu entendo. S6 agora.l' na qu nao deu pra minha mae esperar, Mas tu vai ver, ju.'I'll vai ver. Vou meter as rnaos nas armas e eagar e pisar emIII>iomundo. De arrna, vou virar 0 jogo. Por essa luz que meilurnina. Vou arrebitar tudo quanto e filho-da-puta.

    IJ - Mas, pombas, tu ta louco. Sera que tu nao eresee?UERO - Cresci. Cresci. A raiva cresceu em mim. Por enquan-to, tenho s6 a raiva. Mas vou meter a mao nas armas e nao

    vou respeitar ninguern. Tu vai ver, Ju.ju - Eu nao quero ver nada disso. Nao quero ver. Vai pra Ionge

    dessas quebradas. Se arruma. Se arruma como gente. Eraisso que a Leda queria. Que tu sc fizesse gente. Ouve bern,Quero. Eu to arreada , cansada, no bagaco. Farta do puteiro,mas nao tenho bronc a de nada, de ninguem. Nao esperonada. S6 podia ter uma alegria. S6 uma. Era te ver, ru, queeu quero como se fosse meu filho, ajeitado na vida, traba-Ihando, criando filho teu, com mulher, casa, tudo comogente direita, como a Leda, tua mae, ia querer te ver. S6 issoque eu queria.

    QUERO - ju...Ju. .. vou dar pra ti 0 que nao dei pra minha mae.Tu sai desse batente escroto.

    J - (Chorando.) Nao c nada disso ... nada disso. Toma tualinha, filho. (Entram Sarara e Nelsdo. Quer6 se encolhe. [upara de chorar efica na frente de Quer6.)

    ARARA - (Rindo.) Te achei, pivete born. Olha elc ai, Nelsao.Mal saiu de cana e ja veio arras de rabo-de-saia. S6 que veiose tratar com uma galinha velha. Tou lhe dizendo, Nelsao,Quero e malandro. (Ri.) S6 que tern mau gosto. Esse bagu-lho ta com nada. Mas isso e da conra dele, ne, Nelsao? Pran6s 0 que conta e que deram a dica: Ele ta laoE ta rnesmo,

    II ue estao querendo aqui?

    A R AR A . - (Rindo.) A galinha velha se amarrou no J 1 11 11 1 II I I ) dopivetc. Cai fora, putona! Cai fora. N6s temo urn P"po ()Illo pivete.(Nelsdo agarra a ju.)

    QUERO - Nao bota a pata ncla, seu filho-da-puta!(Quer6 auanca para 0 Nelsdo. E dominado e recebe uniatrernenda surra. Sarard contem a [u, torcendo-lhe 0 braco.)

    J U - Pelo amor de Deus, deixem 0menino. Ele... ele e que nemmeu filho ... Nao bate nele, que eu te mato, seu como!

    SARARA. - Cala a boca, piranha!J . - Pelo amor de Deus! Socorro! Socorro!

    (Nelsdo se uira e derruba aju com dois sOGOs.)SARARA - E isso ai, Nelsao. Agora podemos levar papo com

    nosso chapinha Quero.(Nelsdo levanta 0Quer6 e 0ios na cama.)

    S A .R .A R .A - Agora escuta, Quero. Escuta bern. Faz urn esforco. Tuta meio grogue, rncio amarelo. Mas isso nao e nada. 0Nelsao s6 te cutucou. Tu ta mal e de comer a lomba dessapiranha. Tu tern que meter uns fortificantes no peito, senaoacaba chue. Sabe, uma batida de ovo com mel, conhaque eleite levanta ate pau de defunto. Mas deixa pra lao0 assun-to e 0seguinte. Tas me ouvindo? Sei que ta. Tenho quasecerteza. Tu se pinoteou do reforrnatorio. E fez bem. Aquilola nao da carnisa a ninguem. Agora eu e 0Nelsao vamos tedar estia. Sornos teus chapas. Podiarnos te recolher, mas naovamos. Nem n6s, nem ninguern. Ell e 0 Nelsao te garantimos. 1':1 contente? Mas amigo e pra essas coisas. Vamos tdeixar a vontade. Tu pode deitar e rolar. Vai se dar b m ('0111a tua malandragem. Naquela tua manha. Pode r ('11.\ I

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    17/22

    l.ui 1 0 gringo bebado, suando bicha, batendo carteira. TuUI.Irampeira?(Tainba mete a mao no balsa da japona e lira um sa '0plt/,II( 1/ )

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    18/22

    I' INII _ Vivo dis o.LJl:H _ Coca?

    I' I 'IlIA _ Pois e. Passo pra uns meninos que euidam disso. Toub m. Trato direto com 0 dono do pcdaco, Nao vou te dizerquem e. Mas tu manja ele. 0 homern vai por mim. Me dellum ponto pra euidar. A grana corre. Um pouco fica naminha mao. Da pro gasto. 0 luxo, 0mulherio me garante.Sou gostoso.

    UER O _ De rabo. Mas nao mexe. Vende esta bosta onde?TAINlIA _ Onde der. Ou tu queria que eu abrisse uma loja pra

    vender 0p6? Tern que ser nas encolhas, otario. Bandeira e'sujeira.

    Q ERO _ S6 que no esquisito tu pode se dar mal. Bunda-molecomo tll e , fica mostrando a saquinho, aeaba s6 com asdedos. Te tomam tudo.

    TAINfIA _ Quem tiver culhao pode correr dentro. Cornigo nao,Querosene. Nem tu, nem ninguern tira chinfra. Se me invo-co, apronto. Se quiser pede vir.

    QUERO _ Se acanha, bestalhao, e para de banear 0homem.(Tainba puxa urn reuoluer.)

    TAINHA _ Olha pra isso, Querosene. Que me diz agora?(Pausa longa.)

    V ERO _ (Adrnirado.) Onde tu arm mou?TAINHA _ E do trampo. 0 homem me deu. S6 pra garantir 0

    ponto. Pode aparecer algum otario como tu e querer meI aguncar. 0 homem acredita em mim. Mas pode ter quemduvide. Com 0 trinta C oitao, nao tern quas-quas-quas prorn u lado.

    I I

    UER O _ Porra, ate t o u a cr e di ta nd o em ti, TainhaTAINHA _ E pra acreditar mesmo. Sou mais u. AgOl,1 III 11111

    que se mancar. Fazer que nern eu. Quando po s , iou 11'1t)Quando nao posso, sou raposa. Mas se tu, que ta na I )sl.l.ficar se bacaneando, vai se avacalhar rnais. Vai acabar '~l 0na guia com eachorro mijando na rua cara.

    QUERO _ Tu deu sorte.TAIl \lHA _ Sorte, 0caralho' Fui esperto, Querosene. Esperto.QUERO _ E . . . Tu e vivo.TAINHA _ Sou mesmo. Ainda bern que tu reeonhece.QUERO _ Que marca e?TAINHA _ Taurus.QUERO _ Trinta e oito.TAINHA _ Valente.QUERO _ Como abre a tambor?TAINHA'- Aperta aqui. (Abre.) Pronto.QUERO _ (Cbegando mais perto.) Quantas balas cabe ai?TAINHA _ Seis.QUERO _ Tern todas?TAINHA _ Por enquanto.QUERO _ Deixa eu ver.

    (Queri) mete a cabeca bemperto do revolver, agarra a armae da uma cabecada no Tainba, ficando com 0 reooluer.)

    TAINHA _ (Caido.) Que sacanagem e essa, Qucrosene?(Quer6 da um pontape no Tainba.)

    '1

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    19/22

    ( )1 II'H

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    20/22

    a santa bandalhasempre calada, no ciosempre alerta de plantaepra falar de amorcom quem de amornao tem recordacaoVenha como tantos vieramferidos de amor me procuraramquerendo ernbrulhar a solidaonos palidos lencois do meretricioAmar e meu oficioOu sera meu vicioAmo, amo com sofreguidaoVenha ser mais urnurn entre tantosa se sentir 0 unicoe eu nao esquecerei nenhume nao ha quem me esquecaMartelarei sua cabecapara sempre, eternarnentecom a pomba roxa ardenteque e festa, lar , esposa adoradaVenha, venha como todosvenha se divert irvenha se nutrirno leite da rnulher amadaVenha, vcnha como todosEu te esperoEu te queroEntre as pernas tenho uma fornalhaEu sou a pomba roxa ardentea grande mae inclecentea irma ausentea santa bandalha

    (Os fregueses do cabare ddo pouca atencao pm ((1 11/(1 / I,conversam entre si ou com a s mulheres. Nelsrto I' \ 1/11/(/estdo misturados com os fregueses, bebendo a uoutndc, I h'repente, entra 0 Quer6. Estd uisiuelmente transtornarlo, C (1/11,o olhar percorre 0 arnhiente. Urna das rnulberes que (1S/(/ .'C'/Itada de costas se levanta e, dancando, se aproxima doQuer6. E a Leda. E uma uisdo que s6 0Quer6 ve. ELadau; (/sedutora em volta dele, bernsensual.)

    LEDA - (Sedutora.) Meu filho . .. Vern, meu filho ... Vem. .. vem .. .vern ...

    QCERO - (Muito excitado sexualrnente, gritando.) Oi, da poli-cia, como e que e ?(Quero, que traz a anna dentro da calca, aperta-a como sefosse seu sexo.)

    ELSAO- E 0f ilho-da-puta do Quero,(Leda dancando, provoca Quer6. Sarara contern 0Nelsdo.)S AR AR .A - (Ajetado.) E rnesmo. Nosso chapinha Quero,

    NELSAO - Ta dando bandeira.(Leda excita 0 Queri), se enrosca nele. 56 ele ve.)

    S A R A R A - E . 0 pivete t a meio aparecido. Mas nao tern nada, nao,Com 0empo ele aprende a ser mais rnaneiro. Acaba aprenden-do. A gente ensina. (Para 0Quer8.) Eu eo Nelsao tamos aquimesmo te esperando. Fazia tempo que tu nao se aprescntava,(Quer6 ndo sai do lugar. Continua sendo excitado por Leda.)

    QUERO - Agora tou aqui.S A RA .R i\ . - Ta. Tou te vendo.QUERO - E vim a fim de acertar nossas contas.

    (Pausa Zonga. Leda ri e some.)

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    21/22

    .,\Hi\HA - (Rindo repentinamerue.) Assim e que e . Legal. Naot ' Ia1 i, Nelsao, que 0 Quero nao ia deixar a gente em falta?ao falei? Eu sabia. Tinha quase certeza. Falei pro Nelsao:

    El demora, atrasa, mas acaba vindo pro apontamento.Compareceu. Pivete born. Nao tern bronca. Nenhuma.Quero, tu e gente fina. (Ri.) Olha s6 a cara assustada dele,Nelsao. (Ri.) Chega mais, Quero. Relaxa. Acho que ele tacom medo de ti, Nclsao. (Ri.) Vern pra ca, pivete, tudo bem.o Nelsao s6 e bravo pra quem falha com a gente. Tu atra-sou, mas veio. Da 0 nosso e pode ficar aqui como seestivesse na tua casa.(Pausa longa.)

    NE LS Ao - Como e que e, pivete? Vai ficar at plantado?QUERO - Nao, rato nojento. Vou dar 0 teu. 0 que ru merece.

    A tua parte ta aqui. (Puxa a arma e atira no Nelsdo.) Torna,filho-da-puta. Torna.(lTa corre-corre entre os fregueses. Nelsdo, mesmo baleado,saca a anna. Quer6 auanca atirando. Nelsdo cai. Sarara,abaixado atras de uma mesa, atira no Quer6. Acerta 0ombroe a perna do Quero, que revida atirando no Sarara. Atingidono braco, Sarard sejoga no chao. Ha gritaria, aluoroco. Leda,no palco do cabare, canta "Meu.precioso bem ".)

    QUER O - inguern chega pen a de mim. Ninguern encosta, queeu grampeio. Ja fiz 0 service. 1 a ganhei quem queria. Masninguem chega em mim, que leva teco. Vou de pinote.(Leda r io Cantora canta (~pomha roxa ardente". Sai Quer6.Luz apaga no cabare e acende na cena do Quer6 com ju.)

    ( llERO - JlI... Ju ... Fi z eles.I tJ P 10 amor de Deus, tu ta baleado!10

    QUERO - Mandei 0 Nelsao pras picas. Mand e r , III () .11.11,1tambern recebeu uma. 0 Nclsao dancou. Fui cu, 1'1

    JU - Tu tern que se cuidar. Ta perdendo todo 0sangue (>III Ill,que e que tu foi fazer? Agora eles vern com tudo. (Ill II'moitar, Cuida dessas balas e depois some no mund 'III,Quero. Da pra andar? Vern comigo. Meu Deus, s 'I 'S rcpegam ...QUER O - Se me pegam, que se dane! Que sc dane, Ju! Fiz rn LIpapel. Nao me entreguei. Nao me rendi. Ju, fiz e aconte i...Fiz minha parle ... Eu fiz . .. Sou urn fixo ...(Iufica parada, 0Quem vai berrando que e um f1XO ate a camaao lado do reporter . Quero, em delirio total, berra alucinado.)

    QUER O - Mac! Mac! Eu sou urn fixol (Surge Leda, que garga-lba.) Eu fiz minha parte ... Mae ...(Leda r io Qu.er6 tenta abraca-la. 0 reporter quer segura-lo,ele se !ivra e persegue Leda, que danca pelo quarto seguidapelo Quer6 desesperado. Leda ri sedutora. Aparecem Violeta,Nelsdo, Tainba, as rnulberes, num grande hale obsessor queatormenta Quero.)

    QUER O - Eu fiz minha parte ... Eu matei, eu matei. .. Eu mato ...ELIsou 0 Qu ro. . . Eu sou 0 Quero ...(Quer6 persegue Leda e se defende dos obsessores. Par fim,esgotado, cai na cama e cbora, 0 bale some.)

    QUER O - Ai Ai, do gibi ... Eu to sufocando ... Tenho sede .. . Mda agua Eu ... eu ... tOll ...(Reporter dd dgua para Quer6 e 0 ajeita na carna.)

    QU ER O - Eu qu r dormir, do gibi. Se eles ... Me ajuda... e elcschegarem, ru me acorda ... Nao deixa eles me pegar m 101mindo ... Tenho medo de dormir. Se eu dorrnir, m ,I 01 d 1

  • 5/11/2018 Quer - Pl nio Marcos

    22/22

    S 'll t rmir . .. Me ajuda ... Tu ... Me pega agua ... Me molha 0III . Eu tou com frio. Eu toda hora vejo a rninha mae ... E

    Lama zorra. Tu acredita em fantasma? E tudo besteira ... Eu eque fico cismado. E 0 Tainha tambern, toda hora eu vejo ...Porra, nao se perdeu nada. Ele era cagueta. Mae ... minhamae ... Nao gosto de cagueta ... A hist6ria que eu mais gosta-va ... de escutar a Ju contar ... era a de urn vagau encardido .que arrancou a lingua de um cagueta que entregou elc, Eu .tou com sono ... Se eu dormir ... Eu . ..(Quero morre.)

    EP6RTER - Querol Quero! Quer6!(0 reporter cobre 0corpo do Quer6 com os trapos. Fica umtempo como se rezasse. Apanba 0 grauador e vern pra bocade cena. O s bomens, eomandados pelo Sarara com 0 bracena tipoia, ceream a [u.)

    JU - (Chorando.) Me mate! Me mate! Mas nao posso ... naoposso ... Ele e como meu filho ... como meu filho ...AR AR A - (Terrivel.) Onde e le e sta ? Onde ele es ta?

    JU - Nao! Nao! Pelo amor de Deus!A R .A M . - Onde ele esta?

    Ju - Nao sei.A RA RA - Ela sabe .

    (Os homens agarram a j u pelo braco e a giram. Tem inicio 0bale cia tortura. Por jim ju e atirada no chao. O s homens seuoltam para 0Quer6 e descarregam suas armas nele. Depotsos homens udo saindo lentamerue, um a um. 0 silencio deueer quebrada apenas pelos solucos da ju. Depois de urntempo, 0reporter; serenamente, se dirige ao publico.)

    72

    REp6RTER - Era de tardezinha, quando os hom '11" (( )111 II,ISarmas, encontraram 0 Quer6. Mas ja nao 'Iii II (( "'S,llilldespejarern 0 veneno de suas metralhadoras n 'Ol l)() III 1111mado. Qucro ja estava caido pra semprc. Assim Itll' 11111despejararn 6dios no pequeno bandido. E de ficou la ,I I t " )

    Ipara sempre. Ou caido ate 0 dia em que, anirnado p 'h VIIIlidade espiritual transforrnadora, ele e outros com I' s'ergam das cinzas on de se sufocam, das chamas onde s aldem, das fomes onde se desesperam, dos cubiculos ondcsao empilhados, esprernidos, esmagados de corpo e alma,nos s6rdidos recantos onde se degeneram e venham cobrarde n6s, cidadaos contribuintes, as of ens as todas que emnome de nossos tesouros, de nossos privilegios, de nossoconforto, fizernos a dignidade humana.

    1 .7