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QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ENGENHARIA DE ILHA SOLTEIRA
Departamento de Fitotecnia, Tecnologia de Alimentos e Sócio-Economia
DISCIPLINA: Comunicação e Extensão Rural – Eng. Agronômica
MARÇO 2018
QUESTÃO AGRÁRIA:
➢ refere-se às relações sociais de produção
(meios de produção + forças produtivas) e
abrange aspectos ligados ao “como e de
que forma se produz”.
Indicadores:
➢maneira como se organiza o trabalho e a
produção;
➢nível de renda e emprego;
➢ tecnologia disponível e produtividade do
trabalho;
➢ forma como está distribuída a propriedade
fundiária. (SILVA, 1987).
QUESTÃO AGRÍCOLA: restringe-se “ao que,
onde e quanto se produz”.
Indicadores:
➢ quantidades
➢ preços
* De modo geral instrumentos de política agrícola visam
interferir apenas nestes dois fatores, mas indiretamente
influenciam a conformação dos sistemas agrários.
(SILVA, 1987).
Antecedentes históricos no Brasil
➢Capitanias hereditárias
➢Sesmarias: grandes extensões de terras doadas a
particulares que tivessem recursos (para compra
de escravos)
➢Tamanho variava de 0,5 a 3 léguas quadradas
➢Latifúndios escravistas, produção comercial
visando a exportação.
Terra: por ser meio de produção relativamente
não reprodutível, analisar a forma de sua
apropriação histórica é fundamental
Classes sociais:
➢senhores e escravos
➢Outros*
1820: extinção do regime de sesmarias
Ausência de legislação sobre terras devolutas
provoca rápida expansão de pequenos
agricultores
* Dentre estes, pequenos agricultores ou
camponeses que produziam para autoconsumo
e vendiam parte da produção nas feiras das
cidades; posse da terra era precária ou ilegal.
1850: proibição do tráfico negreiro e
Criação da Lei de terras
Lei de Terras
➢Proibia as aquisições de terras por outro meio
que não a compra, extinguindo o regime de
posses;
➢Elevava o preço das terras e exigia pagamento
à vista;
➢Destinava produto da venda de terras à
importação de colonos.
Terra livre + homem livre: quem iria trabalhar
nas grandes propriedades?
Lei buscava evitar que imigrantes se tornassem
proprietários de terras (Sul: processo
diferenciado, imigrantes compraram lotes)
QUESTÃO AGRÁRIA:
o debate nas décadas de 1950 e 1960
➢Economistas NEOCLÁSSICOS X ESTRUTURALISTAS;
➢Estruturalistas: consideravam a estrutura agrária
como um empecilho para o desenvolvimento
agrícola e defendiam mudanças;
➢Neoclássicos: as causas da falta
desenvolvimento (modernização agrícola) era a
abundância de terra e mão-de-obra, e não a
estrutura agrária.
Funções tradicionais da agricultura (neoclássicos):
➢ produzir alimentos a baixo custo para a população
urbana;
➢ liberar mão-de-obra para o setor industrial;
➢ constituir-se em mercado de bens industriais;
➢ formação de poupança interna;
➢ gerar divisas por meio de exportação de produtos
agrícolas.
QUESTÃO AGRÁRIA:
o debate nas décadas de 1950 e 1960
QUESTÃO AGRÁRIA:
o debate nas décadas de 1950 e 1960
Neoclássicos e a Teoria da Modernização:
➢ A inelasticidade da oferta agrícola tinha uma base
técnica: era necessário aumentar a produtividade do
trabalho para liberar mão-de-obra para as atividades
industriais e gerar maior demanda de produtos agrícolas;
➢Portanto, o aumento da produção e da produtividade
não dependia de mudanças na estrutura fundiária,
mas de uma revolução tecnológica com oferta de
máquinas e insumos modernos a preços baixos.
(SANTOS, 1986)
QUESTÃO AGRÁRIA: o debate nas décadas de 1950
e 1960
➢Neoclássicos e a Teoria da Modernização:
➢Os esforços deveriam dirigir-se aos grupos de
agricultores com maior capacidade de adoção
das tecnologias (médios e grandes), pois o
objetivo seria aumentar a produção a curto
prazo;
➢SANTOS (1986) afirma que no Brasil se procurou
moldar o processo técnico de modernização à
estrutura agrária vigente.
QUESTÃO AGRÁRIA: o debate na década de 1960
As divergências entre os Estruturalistas:
Tese Feudal (Alberto Passos Guimarães):
➢ reforma agrária possibilitaria a remoção dos
restos feudais;
➢ destruiria também subordinação econômica dos
camponeses à estrutura de dominação do
latifúndio;
➢ a modernização se daria pela penetração do
capitalismo no campo.
QUESTÃO AGRÁRIA: o debate na década de 1960
➢As divergências entre os Estruturalistas:
Crítica à Tese Feudal (Caio Prado Júnior)
➢ afirmava que a grande empresa agromercantil
sempre foi capitalista, o que havia era resquício
escravista-colonial;
➢ a oposição principal era entre grandes
proprietários e trabalhadores;
➢ propunha mudanças na legislação trabalhista
para propiciar melhoria de condições de trabalho;
➢ reforma agrária seria indicada para regiões com
menor dinamismo econômico.
QUESTÃO AGRÁRIA: o debate na década de 1960
➢As divergências entre os Estruturalistas:
Tese Estruturalista (Celso Furtado)
➢ estrutura agrária, baseada no latifúndio, seria
ineficiente, incapaz de atender a expansão da
demanda de alimentos e matérias-primas;
➢ questionava pressuposto neoclássico para o
progresso técnico (via aumento da demanda e
migração rural-urbana);
➢reorganização da agricultura deveria possibilitar
que sua modernização pudesse atingir a grande
massa da população do país.
Adotou o padrão tecnológico da Revolução Verde :
➢o uso intensivo da química mineral (fertilizantes e
agrotóxicos);
➢ mecanização do preparo do solo, plantio e
colheita de cereais;
➢e melhoramento genético de plantas e animais.
O apoio a este padrão tecnológico teve como
base:
➢ o crédito rural fortemente subsidiado
➢ a assistência técnica e extensão rural difusionista
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA
Período: final da década de 1960 até 1980
A modernização agropecuária:
➢ concentrou os recursos de crédito subsidiado
em grandes proprietários, culturas de
exportação ou utilizadas como insumos
agroindustriais, e na região centro-sul do país;
➢ resultou em um aumento médio pífio da
produtividade das principais culturas (17% no
período de 1964-79);
➢ causou um êxodo rural de cerca 28 milhões
de pessoas no período de 1960-80 e intensificou
a sazonalidade da mão-de-obra rural;
➢ teve consequências nefastas para o meio
ambiente e para a conservação dos recursos
naturais ligados à produção;
A modernização agropecuária:
➢ concedeu generosos incentivos fiscais a
grandes proprietários e grupos empresariais;
➢ inseriu a esfera financeira nas atividades da
agropecuária; integrando capitais agroindustriais
e agro-comerciais; e fortalecendo a valorização
especulativa do imóvel rural;
➢ não mudou e até acentuou o caráter desigual
e concentrado da estrutura fundiária brasileira;
➢ manteve em condições de extrema pobreza
parte significativa da população rural.
Década de 1980: os movimentos sociais e o I PRNA
➢ Abertura política e ampliação das lutas dos
movimentos sociais e da luta pela terra;
➢ Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras
(MST);
➢ assentamentos estaduais e o I Plano Nacional
de Reforma Agrária;
➢ No final do governo Sarney, os resultados do 1º
PRNA foram os seguintes: apenas 8% das terras
previstas foram desapropriadas, e 10% das famílias
assentadas (140 mil) (OLIVEIRA, 2001).
➢ a reação violenta: a criação e atuação da
União Democrática Ruralista (UDR);
➢ a derrota dos setores pró-reforma na
Constituinte de 1988: estabeleceu a função social,
mas impôs várias condições para a
desapropriação das grandes propriedades;
➢ Eleição de Collor, em 1989, levou à interrupção
das desapropriações e ao fortalecimento do
neoliberalismo;
Década de 1980: os movimentos sociais e o I PRNA
Década de 1990: quadro geral
➢ Discussão de políticas diferenciadas para a
agricultura familiar e a criação do Pronaf (1995);
➢ Aumento significativo do número de
assentamentos rurais implantados no Governo
FHC, em função de pressões sociais (ocupações);
➢ Evolução da produção e produtividade da
agropecuária atribuída ao agronegócio;
➢ Questionamento da necessidade e viabilidade
da reforma agrária, mesmo entre antigos
defensores desta política.
Década de 1990: ainda a reforma agrária?
Para Muller (1994):
➢ complexo agroindustrial criou uma nova
estrutura produtiva que oferecia barreiras à
entrada da grande maioria dos produtores e
trabalhadores;
➢ o sistema moderno concentrou renda e os
meios de produção, mas considerava “que não
dá mais para produzir, a não ser na forma
moderna”;
➢ a reforma agrária não teria sentido econômico,
pois a produção moderna é capaz de produzir
mais com menos mão-de-obra seja na forma de
trabalhador ou proprietário.
Década de 1990: ainda a reforma agrária?
José Graziano da Silva:
➢ reconhecia que desempenho produtivo do final
dos anos 1980 alicerçou-se em um modelo de
crescimento agroindustrial que concentrou a
renda e causou exclusão dos mais pobres;
➢ considerava que produtores não integrados aos
CAIs estariam condenados à produção para o
autoconsumo ou para o fornecimento direto às
populações locais, com um nível tecnológico
rudimentar;
➢ propunha soluções em função das
características de cada grupo excluído; reforma
agrária seria indicada somente para algumas
regiões especiais do país (SILVA, 1994).
Década de 1990: ainda a reforma agrária?
Abramovay e Veiga:
➢ afirmavam que análise histórica dos países
desenvolvidos mostrava que transformações na
agricultura não instauraram o trabalho assalariado
como predominante;
➢ a produção familiar moderna, no entanto, não
significa que trata-se de pequenos produtores ou
campesinato (Abramovay);
➢ não haveria uma superioridade intrínseca de
uma forma específica de produção (patronal ou
familiar) em termos de eficiência técnica:
predomínio de uma forma devia-se à intervenção
do Estado.
Década de 1990: ainda a reforma agrária?
Abramovay e Veiga
➢ Veiga considera que a reforma agrária também
se justifica do ponto de vista econômico, além
das razões sociais [e ambientais, acrescentaria],
pois a distribuição da riqueza é uma condição
necessária para o efetivo desenvolvimento;
➢ estes autores influenciaram a formulação de um
conjunto de políticas públicas, em princípio
destinadas a apoiar a agricultura familiar a partir
do início da década 2000.
➢ Governo Lula não intensificou a implantação de
assentamentos rurais: Incra afirma ter assentado
614 mil famílias entre 2003 e 2009, mas contabilizou
regularização fundiária e assentamento de famílias
em lotes abandonados;
➢ compra de áreas para implantação de
assentamentos substitui, em grande parte, as
desapropriações por interesse social;
Década de 2000: qualidade dos assentamentos e políticas públicas
➢ Ramos (2014) levanta dados que mostram que a
grilagem continua sendo uma prática comum no
Brasil, muitas vezes com recursos públicos;
➢ O incentivo ao agronegócio e, particularmente
aos biocombustíveis, manteve exclusão de
agricultores familiares e trabalhadores rurais e o
caráter ambiental predatório da agricultura
convencional baseada na monocultura.
Década de 2000: qualidade dos assentamentos e políticas públicas
Tabela: Evolução da produção brasileira e da região Centro-Oeste de alguns produtos
selecionados no período 1996/2007.
Produto
(Toneladas) 1996 2007 1996 2007
Algodão herbáceo 814.188 4.094.410 269.438 1.744.748
Arroz 8.047.896 11.315.900 952.757 1.111.696
Café beneficiado 1.369.196 2.171.495 8.231 32.357
Cana-de-açúcar 259.806.703 501.536.300 19.276.684 51.362.300
Laranja 17.225.167 16.788.222 85.701 126.266
Mandioca 9.099.214 26.920.521 403.300 1.511.172
Milho 25.511.889 51.369.700 5.616.167 12.994.000
Soja 21.588.199 58.391.800 8.246.279 26.494.800
Tomate 1.632.432 3.352.343 205.382 837.930
Trigo 1.433.116 3.873.042 50.400 82.316
Brasil Centro-Oeste
Fonte: IBGE.
Tabela: Produção brasileira de alguns produtos selecionados
– Safras 2006/2007; 2015/16 e 2016/2017.
Fonte: Conab, 2018; e IBGE, 2018.
ProdutoProdução (T)
2006/2007 2015/2016 2016/2017
Algodão 4.094.410 1.937.100 2.298.300
Arroz 11.315.900 10.603.000 12.327.800
Café 2.171.495 3.082.152 2.698.200
Cana de açúcar 501.536.300 665.586.200 657.184.000
Feijão 4.087.800 2.512.900 3.339.500
Laranja 16.788.222 16.939.560 17.251.291
Mandioca 26.920.521 23.059.704 21.082.867
Milho 51.369.700 66.530.600 97.842.800
Soja 58.391.800 95.434.600 114.075.300
Trigo 3.873.042 6.726.800 6.697.100
Tabela: Evolução do rebanho bovino brasileiro e da região Centro-Oeste no período de
1996/2007.
1996 2007 % Crescimento
(nº de cabeças) (nº de cabeças) (1996-2007)
Brasil 152.835.009 167.524.223 9,60%
Norte 17.877.893 32.265.401 80,50%
Pará 6.307.262 13.433.671 113,00%
Rondônia 4.059.232 8.710.121 114,60%
Centro-Oeste 50.718.860 51.275.976 1,10%
País/ Região/ Estado
Fonte: IBGE.
Fonte: Baccarin (2016).
➢ arrefecimento das desapropriações
supostamente para buscar a qualificação dos
assentamentos rurais, dotando-os de melhor
infraestrutura, assistência técnica e crédito;
➢ implantação de importantes programas sociais
(bolsa família) e de apoio aos agricultores
familiares (PAA, PNAE, Territórios da
Cidadania/Identidade);
➢ os grupos de pressão contra a reforma agrária,
a agricultura familiar e os trabalhadores rurais
permaneceram ativos no Congresso Nacional e
nos ministérios.
Década de 2000: qualidade dos assentamentos e políticas públicas
Década atual:corrupção, crise econômica e política
➢ paralização da política de assentamentos rurais
(ainda no Governo Dilma e mantida no Governo
Temer);
➢ paralização total da política de
desenvolvimento territorial (Territórios da
Cidadania e Territórios Rurais) e redução drástica
de outras políticas destinadas à agricultura familiar
e segurança alimentar (como o PAA);
➢ corte de recursos destinados à ciência e
tecnologia, afetando aqueles editais destinados
ao apoio complementar à agricultura familiar em
termos de ATER e infraestrutura.
Considerações finais
➢ Estrutura fundiária brasileira atravessou o
milênio e se mantém altamente concentrada;
➢ Luta dos trabalhadores rurais e agricultores
familiares tornou os níveis de exclusão menos
drásticos, assim como (re)criaram formas de
produção não especificamente capitalistas;
➢ Políticas sociais e programas de apoio à
agricultura familiar, embora importantes,
receberam apenas uma pequena parcela do
que é destinado aos grandes proprietários,
identificados como “o agronegócio”;
Considerações finais
➢ Deve-se destacar que estas políticas,
supostamente de desenvolvimento rural,
deveriam servir de apoio a uma reforma agrária
massiva e não para substituí-la;
➢ A concentração da propriedade da terra
continua sendo uma das bases da dominação
econômica, política e social no Brasil;
➢ A conjuntura atual (a partir de meados de 2016)
é marcada pelo fortalecimento de setores que se
opõem à agricultura familiar e ao
desenvolvimento territorial.
REFERÊNCIAS
BACCARIN, J. G. A Indústria Abarca a Cana-de-Açúcar
e Corta Rente o Trabalho Volante: Mudanças
Tecnológicas Recentes na Lavoura Canavieira e
Impactos na Ocupação Agrícola no Estado de São
Paulo. Tese (livre-docência) - Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias,
Jaboticabal, 2016. 187p.
MÜLLER, G. São Paulo – o núcleo do padrão agrário
moderno. In: STÉDILE, J. P. (Org.) A questão agrária hoje.
2. ed. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1994. p.
221-237.
OLIVEIRA, A. U. de. A longa marcha do campesinato
brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma
Agrária. Estud. av. [online]. 2001, vol.15, n.43, pp.185-206.
ISSN 0103-4014 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
40142001000300015.
REFERÊNCIAS
RAMOS, P. Uma História sem fim: A persistência da
questão agrária no Brasil contemporâneo. In: BUAINAIN,
A. M.; ALVES, E.; SILVEIRA, J.M.; NAVARRO, Z. (ed.
Técnicos) O mundo rural no Brasil do século 21: A
formação de um novo padrão agrário e agrícola.
Brasília (DF): Embrapa, 2014, Parte 5, cap.1, p.655-693.
SANTOS, R. F. Presença de vieses de mudança técnica
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SILVA, J. G. O que é questão agrária. São Paulo:
Brasiliense, 1987, 114p.
_______. O desenvolvimento do capitalismo no campo
brasileiro e a reforma agrária. In: STÉDILE, J. P. (Org.) A
questão agrária hoje. 2. ed. Porto Alegre: Ed. da
Universidade/UFRGS, 1994. p. 137-151.