Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais

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Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais 9 O THEORETICAL ISSUES IN SIGN LANGUAGE RESEARCH CONFERENCE Florianópolis, Brasil, Dezembro 2006. Organizadoras Ronice Müller de Quadros Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos

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  • Questes Tericas das Pesquisas em Lnguas de Sinais

    9o TheoreTical issues in sign language research conference

    florianpolis, Brasil, Dezembro 2006.

    OrganizadorasRonice Mller de Quadros

    Maria Lcia Barbosa de Vasconcellos

  • Sumrio

    Apresentao 4

    Arqueologia das Lnguas de Sinais: Integrando Lingstica Histrica com Pesquisa de Campo em Lnguas de Sinais Recentes 22Ted Supalla

    Razes, folhas e ramos A tipologia de lnguas de sinais 30Ulrike Zeshan

    Um estudo interlingstico de segmentao da palavra em trs lnguas de sinais 52Diane Brentari, Ronnie Wilbur

    Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente: sobre concordncia, auxiliares e classes verbais em lnguas de sinais 65Ronice Mller de Quadros, Josep Quer

    Repensando classes verbais em lnguas de sinais: O corpo como sujeito 82Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

    A realizao morfolgica dos campos semnticos 102Irit Meir

    Posse e existncia em trs lnguas de sinais 117Deborah Chen Pichler, Katharina Schalber, Julie Hochgesang, Marina Milkovi, Ronnie B. Wilbur, Martina Vulje, Ljubica Pribani

    Uma Comparao Lexical de Lnguas de Sinais no Mundo rabe 130Kinda Al-Fityani, Carol Padden

    Dixis, anfora e estruturas altamente icnicas: Evidncias interlingsticas nas lnguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) 140 Elena Pizzuto , Paolo Rossini , Marie-Anne Sallandre, Erin Wilkinson

  • Tipos de Representao em ASL 159Paul G. Dudis

    Estudos de aquisio de lnguas de sinais: passado, presente e futuro 191Diane Lillo-Martin

    Modalidade e Aquisio da Lngua: Estratgias e Restries na Aprendizagem dos primeiros sinais 211Richard P. Meier

    Aquisio de concordncia verbal em HKSL: Opcional ou obrigatria? 225Gladys TANG, Scholastica LAM, Felix SZE, Prudence LAU, Jafi LEE

    Aquisio bilnge da Lngua de Sinais Alem e do alemo escrito: Ausncia de sincronia no desenvolvimento e contato com a lngua 249Carolina Plaza Pust, Knut Weinmeister

    Gesticulao e aquisio da ASL como segunda lngua 275Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piar, Susan Mather

    Variao na lngua de sinais americana: o papel da funo gramatical 286Ceil Lucas e Robert Bayley

    Variao Sociolingstica em Numerais da NZSL 314David McKee, Rachel McKee, George Major

    Imagens da Identidade e Cultura Surdas na Poesia em Lnguas de Sinais 329Rachel Sutton-Spence

    O sinalizante nativo no-(existente): pesquisa em lngua de sinais em uma pequena populao surda 340Brendan Costello, Javier Fernndez e Alazne Landa

    Reflexes sobre a lngua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicao mediada por computador (CMC): exploraes e consideraes iniciais 356Maria Mertzani

    Glossrio 370

  • Apresentao

    com prazer que apresentamos comu-nidade cientfica brasileira Questes Tericas das Pesquisa em Lnguas de Sinais resultado de uma seleo dos trabalhos divulgados no TISLR 9 (Theoretical Issues in Sign langua-ge Research 9) 9 Congresso Internacional de Aspectos tericos das Pesquisas nas Ln-guas de Sinais sediado pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Florian-polis, SC, em dezembro de 2006. O TISLR, evento internacional de maior importncia em estudos de lnguas de sinais, reuniu pes-quisadores de 33 pases com vrias lnguas de sinais, trabalhando a partir de diferentes arcabouos tericos e metodolgicos. Essa 9 edio do evento se voltou, especificamente, para um mapeamento das pesquisas em Es-tudos das Lnguas de Sinais desde a dcada de 60 at 2007; assim sendo, nada mais opor-tuno do que compartilhar, com pesquisado-res e estudantes brasileiros, o olhar reflexivo desse novo campo disciplinar sobre si mesmo evidncia de sua maturao enquanto rea especfica de estudos via traduo dos tex-tos selecionados para a lngua portuguesa na sua variante brasileira.

    O trabalho de produo deste volume foi resultado da cooperao entre duas reas de especializao, quais sejam, Estudos Sur-dos e Estudos da Traduo, reas essas aqui

    representadas pela Prof Dr Ronice Muller de Quadros e pela Prof Dr Maria Lcia Vasconcellos, respectivamente. Oportu-no mencionar que, estabelecendo de forma concreta a interface entre as duas reas, a St. Jerome Publishing Ltd. (www.stjerome.co.uk), uma das mais importantes editoras especializadas em publicaes em Estudos da Traduo, acaba de lanar o volume 1 de sua mais recente srie, THE SIGN LANGUAGE TRANSLATOR AND INTERPRETER (ISSN 1750-3981): um dos artigos centrais do volu-me (Nadja Grbic, 2007, pp.15-51) apresenta uma anlise bibliomtrica da pesquisa publi-cada sobre interpretao de lnguas de sinais, selando, de forma definitiva, a relao entre a pesquisa em lnguas de sinais e os estudos de traduo e interpretao. Essa srie re-afir-ma, sobretudo, a importncia da traduo em seu papel de refletir e, at mesmo, criar valores sociais e culturais, o que, no caso especfico do presente volume - Questes Tericas das Pes-quisas em Lnguas de Sinais consolida a pre-sena do ser surdo no apenas no contexto so-cial, mas na comunidade cientfica brasileira.

    O projeto tem relevncia acadmica e social, uma vez que, ao trazer os textos na Lngua Portuguesa para o contexto brasileiro com reflexes sobre as pesquisas nas diversas lnguas de sinais - cenrio internacional - estar

  • Apresentao

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    oportunizando as anlises comparativas

    entre as diferentes lnguas de sinais, bem

    como contribuindo para a circulao do

    saber terico nesta rea especfica, a partir de

    iniciativa da UFSC. Os textos traduzidos para

    este volume inauguram vrios temas sobre as

    lnguas de sinais no Brasil, possibilitando a

    socializao de discusses tericas, bem como

    a disseminao de terminologias especficas

    em portugus dessa rea de investigao.

    Ronice Mller de Quadros vem desenvol-

    vendo pesquisas no campo dos Estudos Surdos

    desde 1995, dedicando-se especialmente

    aos estudos da aquisio da lngua de sinais

    no sentido de elucidar questes relativas

    estrutura da Lngua Brasileira de Sinais. O in-

    teresse especializado pela Lngua Brasileira

    de Sinais possibilitou o projeto de formao

    de professores surdos, professores bilnges

    e tradutores e intrpretes de lngua de sinais

    tanto no nvel da graduao, como no nvel da

    ps-graduao. Na graduao, a Profa. Ronice

    coordena o primeiro Curso de Licenciatura

    em Letras Lngua Brasileira de Sinais que obje-

    tiva formar professores de lngua de sinais,

    oferecido pela Universidade Federal de Santa

    Catarina (UFSC). Este curso ser reeditado

    com uma nova turma de Licenciatura e passar

    a ofertar o Bacharelado, sendo que este ltimo

    objetiva formar os tradutores e intrpretes de

    Lngua Brasileira de Sinais, contemplando mais

    oito estados brasileiros. No total, o curso estar

    formando 950 professores e 450 tradutores

    e intrpretes de lngua de sinais at 2011.

    Alm deste curso, a Profa. Ronice coordena o

    Inter-Programa de formao de professores

    e pesquisadores com 14 alunos de mestrado

    e dois alunos de doutorado com pesquisas

    sobre a lngua brasileira de sinais em diferentes

    programas, Programas de Ps-Graduao em

    Literatura, de Ps-Graduao em Lingstica

    e de Ps-Graduao em Estudos da Traduo,

    contando com vrios pesquisadores integrantes

    destes programas.

    Maria Lcia Vasconcellos vem desenvol-

    vendo pesquisa em Estudos da Traduo desde

    incio da dcada de 90, interessando-se, de

    forma especial pela linguagem da traduo,

    o que vem explorando por meio de pesquisa

    de cunho descritivo, pelo vis da Lingstica

    Sistmico-Funcional hallidayana e por meio

    de atividades de formao de tradutores/as,

    nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em

    Letras/Ingls, do Centro de Comunicao e

    Expresso CCE, da UFSC. A traduo deste

    volume resultou do trabalho de uma equipe de

    tradutores coordenada pela Prof Maria Lcia,

    que contou com a participao de um docente

    da UEL Universidade Federal de Londrina

    (Dr. Lincoln P. Fernandes, tambm membro do

    colegiado do Programa de Ps-Graduao em

    Estudos da Traduo - PGET) e graduandos,

    mestrandos e doutorandos que trabalham sob a

    superviso da Prof Maria Lcia, no Programa

    de Estudos da Traduo/PPGET, no Programa

    de Ps-Graduao em Ingls/ PPGI e nos cursos

    de Graduao em Letras.

    O mtodo de trabalho incluiu a formao

    da equipe de tradutores, a formao da equipe

    de revisores, a definio dos consultores para

    questes terminolgicas (Ronice Quadros

    trabalhando como consultora natural do

    projeto), bem como a definio de procedi-

    mentos de traduo a serem adotados e a seleo

    do programa de apoio traduo (PAT) a ser

    usado nos trabalhos.

    Valem algumas palavras sobre o Programa

    de Apoio Traduo (PAT) selecionado para

    os trabalhos. O PAT utilizado, no nosso caso

    especfico, foi o Wordfast Verso 5.5 (www.

    wordfast.net), um sistema de memria de

    traduo criado por Yves Champollion (para

    uma avaliao detalhada do Wordfast ver,

    Nogueira & Nogueira, 2004 www.cadernos.

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    ufsc.br/online/volume14.html). No nosso

    objetivo detalhar o funcionamento desse

    programa; entretanto, salientamos o fato

    de que, com o uso do Wordfast, os ganhos

    de produtividade foram grandes, sobretudo

    pelo fato de o trabalho ter sido feito com um

    conjunto de artigos sobre o mesmo tema

    (pesquisa em lnguas de sinais) e por ter sido

    desenvolvido por uma equipe de tradutores: o

    processo exigiu uma rigorosa uniformizao

    terminolgica, o que foi possibilitado por

    meio dos recursos de memrias de traduo

    e criao de glossrios, disponibilizados pelo

    Wordfast. Cumpre ressaltar que o projeto de

    traduo de Questes Tericas das Pesquisas

    em Lnguas de Sinais contribuiu, de forma

    substancial, como laboratrio para os

    tradutores-em-formao da UFSC. A partici-

    pao em um projeto real de traduo em

    todas as suas etapas, desde o contato inicial

    entre as coordenadoras, passando por todas

    as etapas intermedirias, incluindo o processo

    negociao de significados e de reviso e,

    finalmente, de entrega do produto Editora

    Arara Azul constituiu uma oportunidade

    didtica nica que veio por desenvolver,

    nos tradutores-em-formao, uma noo de

    profissionalismo que, de outra forma, no

    teriam adquirido.

    No que tange o conceito de traduo

    que informou os trabalhos, entende-se

    traduo como uma nova produo textual

    - certamente vinculada a uma produo

    textual anterior - em novo contexto, em uma

    nova lngua. Nesse sentido, e em termos do

    arcabouo terico hallidayano, entendemos a

    traduo como uma re-textualizao, ou seja,

    embora em uma nova configurao vinculada

    ao novo contexto lingstico e cultural

    de recepo, o texto traduzido sempre se

    relaciona, no mnimo, ao contedo ideacional

    (ver Halliday, 2001, Towards a theory of

    a good translation) do texto de partida,

    anteriormente textualizado em outra lngua.

    A noo de traduo como retextualizao

    foi proposta por Coulthard (1986, 1992) e

    explorada por Costa (1992), que desenvolveu

    o seguinte argumento: por meio de traduo,

    um dado texto adquire sua expanso mxima,

    uma vez que transcende os limites lingsticos

    dentro dos quais foi concebido (p. 138,

    traduo nossa), tornando-se o ponto de

    partida que possibilita ao tradutor produzir

    um novo texto no contexto tradutrio

    da chegada: aqui sua mais importante

    deciso instala-se na dimenso do o que e

    para quem retextualizar. As implicaes e

    conseqncias de tais decises iro afetar a

    seleo de significados a serem realizados e

    a configurao textual da traduo. Decidir

    o que, para quem e, adicionamos, como,

    so as dimenses que vem por informar a

    definio das caractersticas textuais de um

    texto a ser traduzido, em um dado contexto

    tradutrio (Vasconcellos, 1997).

    Nesse sentido, os procedimentos adotados

    neste trabalho de traduo esto intima-

    mente ligados s convenes que regem a

    produo de textos do tipo especfico aqui

    trabalhado textos acadmicos escritos

    no contexto de chegada. No contexto dos

    procedimentos de traduo, importante

    destacar trs preocupaes que permearam

    os trabalhos: (I) a adoo de convenes

    genricas do contexto de chegada; (II) o

    uso de nominalizaes; e, (III) o uso de

    procedimento explicitao.

    No que diz respeito ao item (I), o gnero

    em questo artigo acadmico, que, no con-

    texto brasileiro (ocidental?), segue a tradio

    hegemnica da escrita acadmica veiculada

    em ingls, caracterizada por um uso de lin-

    guagem dita objetiva, tipicamente despida de

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    colorido emocional (ver Bennett, 2007). Em-

    bora estejamos cientes da ideologia embutida

    nesse tipo de receita de discurso - que exclui

    a circulao de conhecimento veiculada de

    forma no cannica - optamos por seguir essa

    conveno. Entretanto, uma vez que a natu-

    reza da interface em que Questes Tericas das

    Pesquisas em Lnguas de Sinais foi produzido

    Estudos Surdos/Estudos da Traduo ine-

    rentemente no-essencialista e busca o encon-

    tro do outro, tentamos relativizar esse poder

    do discurso hegemnico da escrita acadmica,

    respeitando as diferenas culturais manifestadas

    no discurso dos artigos aqui agrupados. Como

    ilustrao, citamos o artigo de Kinda Al-Fityani

    e Carol Padden, Uma Comparao Lexical de

    Lnguas de Sinais no Mundo rabe, cujo estilo

    metafrico, no usual em papers acadmicos do

    mundo ocidental, foi considerado na produo

    do texto traduzido, numa tentativa de levar em

    conta sua heterogeneidade discursiva e marcar

    sua dimenso cultural.

    Quanto ao item (II), uma questo central

    que permeou os trabalhos de traduo diz

    respeito ao fato de os textos em sua configu-

    rao no plo de partida - ingls - terem sido

    escritos-para-serem-falados, j que foram

    produzidos para serem apresentados no for-

    mato palestras e/ou comunicaes, no

    TISLR 9. Na produo dos textos traduzidos,

    o modo do discurso (ver modo do discur-

    so, como uma das variveis do conceito de

    registro, em Halliday, 1989) escrito-para-

    ser-falado mudou, ento, para escrito-

    para-ser-lido, o que lhe conferiu algumas

    caractersticas no presentes em textos ditos

    orais (Koch, 1997, p. 62), como, por exemplo,

    maior elaborao, densidade informacional,

    complexidade oracional (sobretudo com o

    uso de oraes complexas e subordinao),

    uso de voz passiva, densidade lexical e uso de

    nominalizaes nas tradues.

    Com relao ao item (III), o procedi-mento conhecido como explicitao uti-lizado no sentido a ele atribudo por Blum-Kulka (1986, p. 21): ... redundncia semn-tica ausente no original, ou seja, explicaes contextualizadoras que objetivam a leitura-bilidade do texto, tendo em vista os leitores pretendidos. Inclui-se como explicitao o uso de vrios recursos, desde recursos coe-sivos explcitos, at a adio de segmentos mais longos, ou glosas explicativas para con-ceitos ou para emprstimos. A adoo des-se procedimento, que Blum-Kulka (ibid.) sugere ser um dos universais da traduo, resultou em um maior nmero de palavras nos textos traduzidos, como pode ser ates-tado pelos dados gerados pelo programa de apoio ao tradutor utilizado Word Fast. Como ilustrao, citamos os dados referen-tes ao texto de Al-Fityani et al, nas Tabelas 1 e 2 abaixo:

    C:\Documents and Settings\lautenai\Al-Fityani_Padden_EN.doc

    Scanned: document, footnotes, headers/footers, textboxes.

    Analogy segments words char. %

    Repetitions 10 15 90 0%

    100% 0 0 0 0%

    95%-99% 0 0 0 0%

    85%-94% 0 0 0 0%

    75%-84% 0 0 0 0%

    _0%-74% 313 4601 28774 100%

    Total 323 4616 28864

    (character count includes spaces)

    Tabela 1: Dados gerados a partir do texto-fonte

    Como possvel observar nos segmentos

    salientados em negrito nas tabelas 1 e 2, o n-

    mero de palavras do texto-fonte corresponde

    a 4616, enquanto o nmero de palavras do texto-alvo corresponde a 5038 ocorrncias, variao quantitativa essa que se constitui

    como um dos parmetros para aferir a uti-

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    lizao do procedimento de explicitao na

    traduo.

    C:\Documents and Settings\lautenai\Al-Fityani_Padden_PT.doc

    Scanned: document, footnotes, headers/footers, textboxes.

    Analogy segments words char. %

    Repetitions 102 329 2053 7%

    100% 0 0 0 0%

    95%-99% 0 0 0 0%

    85%-94% 0 0 0 0%

    75%-84% 0 0 0 0%

    _0%-74% 226 4709 29083 93%

    Total 328 5038 31136

    (character count includes spaces)

    Tabela 2: Dados gerados a partir do texto-alvo

    Ressalta-se o trabalho dos revisores dessa

    edio. O trabalho de reviso foi informa-

    do pelos parmetros de reviso sugeridos por

    Mossop 2001 (Editing and Revising for Trans-

    lators, St. Jerome, United Kingdom). Mossop

    (ibid. pp. 100-112) sugere seus parmetros a

    partir de pesquisa emprica sobre o que ele

    chama de tipos de erros mais comuns em

    traduo. Embora o autor utilize o termo

    transferncia do qual discordamos, por

    no ser compatvel com a noo de traduo

    aqui adotada, como produo textual e no

    como transferncia de significados para

    descrever as ocorrncias de erros, ele conse-

    gue sistematizar os problemas tipicamente

    encontrados e sugerir solues para sua re-

    viso. Os problemas elencados so de quatro

    tipos, sendo divididos em dois grandes gru-

    pos de trabalho de reviso, a saber: Grupo A

    que envolve leitura comparativa ou coteja-

    mento do texto-fonte com o texto-alvo: (I)

    problemas de transferncia de significado

    (preciso; totalidade); (II) problemas de con-

    tedo (lgica e fatos); Grupo B que envolve

    leitura unilingual, ou seja, j apenas do texto-

    alvo enquanto entidade com status prprio;

    (III) problemas de lngua e estilo (fluncia,

    adequao ao pblico-alvo, uso de registro

    apropriado ou sub-lngua, uso apropriado

    de expresses idiomticas, uso apropriado da

    mecnica da escrita, envolvendo pontua-

    o, espaamento, tipicidades editoriais); e,

    finalmente, (IV) problemas de apresentao

    da traduo (layout, tipografia, organizao).

    Nos trabalhos de reviso de Questes Teri-

    cas das Pesquisas em Lnguas de Sinais, a re-

    viso do tipo Grupo A cotejamento com

    o texto-fonte foi feita pelos coordenadores

    de cada uma das quatro equipes de traduo,

    pela equipe de reviso e pela coordenado-

    ra geral; a reviso do tipo Grupo B leitu-

    ra apenas do texto alvo foi feita por esses

    coordenadores, pela equipe de reviso e pela

    coordenadora geral da traduo e, em ltima

    instncia, legitimada pela coordenadora do

    Projeto Libras, Ronice Mller de Quadros,

    sobretudo quanto questo da terminolo-

    gia a ser adotada. Buscou-se, assim, garantir

    uma traduo que atendesse aos anseios de

    seu pblico-alvo, a saber, pesquisadores, es-

    tudantes e todos interessados em uma viso

    terica dos estudos de lngua de sinais.

    As organizadoras do volume esto cien-

    tes de sua responsabilidade no que tange

    seleo dos textos aqui organizados e o traba-

    lho de sua traduo, bem como da relevncia

    do presente volume em termos da dissemi-

    nao de terminologia a ser utilizada pela co-

    munidade cientfica da rea, em lngua por-

    tuguesa. No mnimo dois motivos atestam a

    relevncia de Questes Tericas das Pesquisas

    em Lnguas de Sinais: (I) as tradues aqui

    apresentadas foram utilizadas como texto-

    fonte para a traduo indireta para Libras;

    e (II) os termos aqui que escolhemos pro-

    duzir iro, certamente, influenciar a produ-

    o e consumo de conhecimento na rea, no

    contexto brasileiro. Krieger & Finatto (2004)

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    apontam, com propriedade, a importncia

    do processo denominativo para as atividades

    de conceitualizao de uma rea, explicando

    o papel das terminologias na fixao e na cir-

    culao do saber cientfico:

    O lxico temtico configura-se, portan-

    to, como um componente lingstico, no

    apenas inerente, mas tambm a servio de

    comunicaes especializadas, posto que os

    termos transmitem contedos prprios de

    cada rea. Por isso, os termos realizam duas

    funes essenciais: a de representao e a de

    transmisso do conhecimento especializado.

    (2004, p. 17)

    nesse contexto que Questes Tericas das

    Pesquisas em Lnguas de Sinais busca oferecer

    uma contribuio, por meio da construo e

    apresentao de um glossrio aqui definido

    como ... repertrio de unidades lexicais de

    uma especialidade (Krieger & Finatto, 2004,

    p. 51), que reflete um panorama da produo

    e do pensamento nacional e internacional

    da pesquisa em lnguas de sinais, conforme

    manifestada nos textos selecionados para

    compor Questes Tericas das Pesquisas em

    Lnguas de Sinais base de dados para o corpus

    textual - centrando-se no lxico especializado

    e freaseologias tpicas da rea. O pesquisador

    responsvel pela elaborao do glossrio

    apoiou-se em ferramentas eletrnicas: Word-

    Fast, o programa de memria de traduo

    utilizado e a sute de programas WordSmith

    Tools, um software de anlise lexical para

    PCs, criado por Mike Scott e publicado pela

    Oxford University Press desde 1996, agora em

    sua verso beta 5.0 (esclarecemos que a verso

    utilizada foi a 4.0).

    O glossrio, organizado em ordem alfa-

    btica, buscou representar os termos-chave e

    conceitos que se fizeram presentes nos artigos

    aqui publicados, com vistas a facilitar a comu-

    nicao na rea, em termos de oferta de uma

    linguagem a ser compartilhada por pesquisa-

    dores e estudantes interessados em pesquisa

    em lnguas de sinais, no contexto de falantes

    da lngua portuguesa. Apresentamos, a seguir

    e a ttulo de ilustrao, algumas solues en-

    contradas na traduo de termos centrais (para

    mais detalhamentos, favor consultar o glossrio

    oferecido no final deste volume). Esclarecemos

    que as decises quanto aos procedimentos

    adotados foram inspiradas pelo conjunto de

    possveis estratgias tipicamente utilizadas por

    tradutores profissionais elencadas por Baker

    (1992, p. 34). Em alguns casos, a deciso das

    organizadoras do volume, em negociaes com

    a equipe de traduo, foi fazer uso de emprs-

    timos introduzindo, em portugus, o termo

    em sua configurao morfolgica na lngua de

    partida, o ingls, muitas vezes com o acom-

    panhamento de uma glosa, como foi o caso,

    por exemplo, de lnguas pro-drop (lnguas de

    sujeito nulo) (Quadros & Quer) (ver mtodos

    de traduo em Vinay & Darbelnet 1958/1995,

    pp.30-40). Em outros casos, uma traduo

    literal, como em body-anchored verbs, em

    cuja traduo foram feitos, apenas, ajustes

    devidos aos diferentes sistemas lingsticos,

    nesse caso, mudana na ordem das palavras:

    verbos ancorados ao corpo (Meir). Outra

    soluo comumente adotada foi a recriao, em

    portugus, de um termo em ingls, de tal forma

    a explicar o sentido implcito na expresso da

    lngua fonte, como em bilingual bootstrap-

    ping (que sugere sucesso e facilidade, por um

    indivduo, no processo de aquisio bilnge,

    com pouca ou nenhuma ajuda externa), retex-

    tualizado como desencadeamento bilnge

    (Pust e Weinmeister).

    Finalmente, cumpre observar que os

    termos do glossrio so apresentados com

    ilustrao, a cada entrada, de sua ocorrncia

  • ApresentaoQu

    est

    es T

    eri

    cas

    das

    Pesq

    uisa

    s em

    Ln

    guas

    de

    Sina

    is

    10

    nos textos, tanto texto-fonte como texto-alvo,

    para facilitar seu entendimento em seu habitat

    natural.

    Resta, finalmente, apresentar os trabalhos

    que compem Questes Tericas das Pesquisas

    em Lnguas de Sinais. Os artigos selecionados

    representam diferentes reas da lingstica,

    bem como suas possveis interfaces. Os temas

    abordados anunciam novas perspectivas nos

    estudos das lnguas de sinais de questes que

    so vistas e revistas, alm de temas completa-

    mente originais. Os artigos dos palestrantes

    convidados, Ted Supalla, Ulrike Zeshan, Paul

    Dudis, Diane Lillo-Martin e Richard Meier

    estabeleceram uma diviso natural entre as

    temticas abordadas. Iniciamos com uma vi-

    so histrica dos estudos das lnguas de sinais,

    partimos para as anlises no campo da fono-

    logia, morfologia, sintaxe e semntica; vamos

    para o bloco das interfaces da lingstica com

    outros campos de investigao, com um foco

    nos estudos de aquisio da lngua de sinais,

    alm de outras interfaces. Estes textos repre-

    sentam algumas possibilidades das temticas

    a serem investigadas na Lngua Brasileira de

    Sinais. Portanto, apresentam, de certa forma,

    impacto no desenvolvimento das pesquisas

    no Brasil.

    O texto de abertura do volume, escrito

    por Ted Supalla Arqueologia da Lngua de Sinais: Integrando Lingstica Histrica com

    Pesquisa de Campo em Lnguas de Sinais Jo-

    vens explora a interface entre a lingstica

    histrica e a pesquisa de campo para mostrar

    a possibilidade de uma nova abordagem para

    a arqueologia da lngua de sinais, por meio

    de um conjunto alternativo de ferramentas e

    de uma explicao alternativa para as formas

    atuais. Supalla argumenta que uma arqueo-

    logia deve reconhecer a existncia de formas

    pr-determinadas comuns ao longo da histria

    das lnguas de sinais que podem surgir no

    devido aos processos lingsticos de mudan-

    a, mas talvez devido natureza das prprias

    lnguas de sinais. O autor explora essas formas

    que, como apontado por ele, incluem apon-

    tadores espaciais, direo de movimento do

    verbo como um marcador de concordncia e

    o uso de configuraes de mo classificadoras.

    Como resultado de pesquisa interlingstica

    envolvendo 15 lnguas de sinais que surgi-

    ram naturalmente em diferentes partes do

    mundo, Supalla consegue mostrar que todas

    as lnguas utilizam localizao e movimento

    atravs do espao de maneira similar, para

    marcar concordncia gramatical com o su-

    jeito e o objeto e, com base nesses resulta-

    dos, sugere que, devido a essas semelhanas

    entre lnguas de sinais no relacionadas,

    falantes de lnguas de sinais mutuamente

    ininteligveis so capazes de desenvolver

    um pidgin sinalizado (denominado sinal

    internacional) que conserva tais estruturas

    morfolgicas. Finalmente, observa que, na

    pesquisa histrica e comparativa, possvel

    observar tanto processos de divergncia,

    quanto de convergncia entre lnguas de

    sinais internacionais e tanto os processos

    comuns a todas as lnguas como processos

    especficos s lnguas de sinais.

    A seguir, em Razes, folhas e ramos A

    tipologia de lnguas de sinais, Ulrich Zeshan salienta o aumento de disponibilidade de da-

    dos de vrias lnguas de sinais ao redor do

    mundo como fator que possibilitou, pela pri-

    meira vez na histria da pesquisa em lngua

    de sinais, a ampliao do banco interlings-

    tico de dados para realizar estudos tipol-

    gicos significativos entre lnguas de sinais.

    Sua contribuio para a discusso se d em

    termos de oferta de um estudo que resume

    e exemplifica os importantes resultados que

    emergiram da pesquisa comparativa e siste-

    mtica de lnguas de sinais ao longo dos lti-

  • Apresentao

    Ques

    tes

    Te

    rica

    s da

    s Pe

    squi

    sas

    em L

    ngu

    as d

    e Si

    nais

    11

    mos anos. Zeshan faz um passeio descritivo

    e analtico, em oposio a um mero relatrio

    sistemtico e exaustivo de todo o campo de

    estudo, examinando a nova sub-disciplina de

    tipologia de lngua de sinais sob uma varie-

    dade de perspectivas. Observa, entre outras

    fontes, aquelas cuja confluncia cria o cam-

    po de tipologia de lngua de sinais (as ra-

    zes, nos termos da metfora do ttulo), as

    diferentes maneiras de se fazer tipologia de

    lngua de sinais e as metodologias associadas

    (os ramos) e alguns dados fascinantes e seu

    significado tipolgico e terico (as folhas).

    O autor organiza seu texto em quatro partes,

    que propem: (i) apresentar a tipologia de

    lngua de sinais, concentrando a ateno nos

    objetivos e metodologias da rea; (ii) ilustrar

    os tipos de resultados que emergem dos estu-

    dos interlingsticos em lnguas de sinais; (iii)

    examinar exemplos dos resultados de estudos

    comparativos amplos, assim como dados de

    lnguas de sinais utilizadas em comunidades

    com surdez hereditria; e, finalmente, (iv)

    mostrar, no contexto de uma questo teori-

    camente importante a respeito da natureza

    da linguagem humana na modalidade visu-

    al-gestual, como a ampliao do banco de

    dados na tipologia de lngua de sinais pode

    conduzir a pontos teoricamente desafiado-

    res. Como considerao final, Zeshan chama

    a ateno do leitor para o impacto, para alm

    da lingstica, que a pesquisa em tipologia de

    lngua de sinais tem em comunidades surdas,

    em todo o mundo.

    O texto de Diane Brentari e Ronnie Wil-bur faz um estudo interlingstico de segmen-tao da palavra em trs lnguas de sinais, no

    qual os autores analisam as estratgias de seg-

    mentao da palavra utilizada em 3 grupos

    de sinalizantes surdos (ASL, HZJ e GS) e 3

    grupos de ouvintes no-sinalizantes (falantes

    de Ingls, Croata e Austraco). As Hipteses

    que informam o estudo so: Hiptese 1 - os

    sinalizantes demonstraro maior sensibilida-

    de com informaes simultneas e restries

    fonolgicas especficas da lngua de sinais

    (LS) tais como a distribuio de configu-

    raes de mo (CMs), pontos de articulao

    (PAs) e movimentos (Ms) do que os no-

    sinalizantes; e Hiptese 2 a natureza visual

    do sinal far com que tanto falantes, como si-

    nalizantes utilizem a informao em nvel da

    palavra para seus julgamentos na LS, apesar

    do fato de o trabalho em uma lngua falada

    mostrar que falantes esto pr-dispostos a

    usar seqncias de slabas (por exemplo, o

    p) para fazer julgamentos de segmentao

    da palavra nas lnguas faladas. A Hiptese

    1 foi parcialmente confirmada: sinalizantes

    so mais sensveis s informaes simult-

    neas no sinal do que no-sinalizantes. A Hi-

    ptese 2 tambm foi confirmada: no-sina-

    lizantes adaptaram-se s estratgias de LSs

    ao fazerem julgamentos de segmentao da

    palavra na modalidade visual.

    Ronice Mller de Quadros e Josep Quer revisam em seu artigo Revertendo os ver-

    bos reversos e seguindo em frente: sobre

    concordncia, auxiliares e classes verbais em

    lnguas de sinais as idias principais das

    diferentes abordagens sobre a concordncia

    verbal em LS e aperfeioam algumas delas,

    contribuindo para uma caracterizao mais

    precisa da concordncia, da tipologia verbal e

    dos chamados predicados auxiliares nas LSs.

    Ao revisitar a classificao tripartite padro

    dos verbos da lngua de sinais, que baseada

    na suposio da diferena entre a concordn-

    cia exibida por verbos espaciais e aquela exi-

    bida por verbos de concordncia, os autores

    questionam essa diferena, mostrando que

    os predicados espaciais que expressam mo-

    vimento e os verbos de concordncia recor-

    rem ao mesmo tipo de elemento morfolgico

  • ApresentaoQu

    est

    es T

    eri

    cas

    das

    Pesq

    uisa

    s em

    Ln

    guas

    de

    Sina

    is

    12

    para realizar o suposto tipo diferente de con-

    cordncia: TRAJETRIA (PATH). Confor-

    me afirmam, a contribuio semntica desse

    morfema nas duas classes seria essencialmen-

    te a mesma: em verbos espaciais, as posies

    (slots) iniciais e finais de TRAJETRIA esto

    alinhadas com as localizaes e, em verbos de

    concordncia, esto alinhados com os loci de

    sujeito e objeto. Visto que os verbos de con-

    cordncia parecem denotar transferncia de

    um tema ou um sentido literal ou abstrato,

    estabelece-se, ento, a generalizao semnti-

    ca que os espaos do morfema direcional de

    TRAJETRIA podem ser ocupados por pa-

    pis temticos fonte e alvo em ambas as clas-

    ses de predicados. Para verbos espaciais, isso

    relativamente direto; para verbos de con-

    cordncia, fonte e alvo so restritos a [+hu-

    mano], podendo, assim, ser renomeados

    como agente e benefactivo, respectivamente.

    Quadros e Quer mostram que, por mais atra-

    ente que esse quadro possa ser, ele tambm se

    depara com alguns srios desafios, dentre os

    quais, provavelmente, o mais explorado o

    problema da subclasse dos verbos de concor-

    dncia chamados reversos (backwards): em

    tais predicados, o alinhamento da trajetria

    no com o sujeito e o objeto, mas com a

    fonte e o alvo, o que resulta em uma trajetria

    que vai do locus do objeto ao locus do sujei-

    to. Para examinar essa questo e apresentar e

    sustentar seus argumentos, os autores discu-

    tem evidncias recentes a partir da Lngua de

    Sinais Brasileira (LSB) e da Lngua de Sinais

    Catal (LSC). Os resultados de seus estudos

    demonstram que: (i) o quadro que emerge

    sobre concordncia e classes verbais em LSs

    substancialmente modificado, com relao s

    suposies atuais, sendo possvel afirmar que

    (a) os verbos no simples (espaciais + de

    concordncia) podem, em geral, concordar

    com argumentos locativos (concordncia

    espacial), com argumentos pessoais (con-

    cordncia de pessoa), ou ambos; (b) os pre-

    dicados auxiliares podem concordar, apenas,

    com argumentos pessoais/animados (con-

    cordncia de pessoa); (c) os verbos reversos

    so verbos lexicais manuais, cujas trajetrias

    so determinadas pela concordncia espacial

    e no pela concordncia de pessoa gramati-

    cal; (ii) a concordncia com traos locativos

    e de pessoa gramatical , com freqncia, in-

    distinguvel na superfcie, embora a estrutura

    do argumento de cada predicado imponha

    condies de licenciamento, em que o ar-

    gumento-sujeito de um predicado manual

    deve ser licenciado pelo trao de pessoa; e,

    finalmente, (iii) existe, ainda, ambigidade

    do locus como localizao ou R-locus (por

    exemplo, TELL [dizer] com concordncia de

    pessoa gramatical vs. TELL com concordn-

    cia locativa no argumento-ALVO), havendo

    necessidade de mais pesquisas para se de-

    terminar at que ponto um locus atribudo

    a um referente animado pode ser ambguo,

    entre um locus de pessoa gramatical ou um

    locus espacial.

    Em Repensando classes verbais em ln-

    guas de sinais: o corpo como sujeito, Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler lanam um novo olhar sobre a an-lise tradicional das classes verbais em lnguas

    de sinais. Para tanto, re-examinam o papel do

    corpo e das mos nos diversos tipos de verbos

    em ASL e ISL, voltam classificao dos ver-

    bos nessas lnguas e oferecem uma maneira

    alternativa de caracterizar estas classes: en-

    quanto a anlise tradicional se concentra no

    papel das mos na codificao das proprie-

    dades gramaticais relevantes (as mos so o

    articulador ativo na lngua de sinais e elas

    concentram a maior parte da carga informa-

    cional contida no sinal), esses pesquisadores

    propem uma nova classificao dos verbos

  • Apresentao

    Ques

    tes

    Te

    rica

    s da

    s Pe

    squi

    sas

    em L

    ngu

    as d

    e Si

    nais

    13

    em lngua de sinais, observando no somen-

    te o que as mos fazem, mas o papel que o

    corpo tem nas diferentes classes verbais. Afir-

    mam que a anlise por eles proposta apresen-

    ta vantagens, por ser capaz de explicar a pe-

    culiaridade tipolgica da concordncia ver-

    bal em lngua de sinais (a proeminncia do

    objeto em relao ao sujeito na concordncia

    verbal) e a razo de algumas formas verbais

    serem mais complexas que outras, em rela-

    o competio entre os diferentes papis

    do corpo em diversos sub-sistemas da lngua

    e por conseguir fazer previses interessantes

    acerca da tipologia e avanos diacrnicos em

    lnguas de sinais. O padro corpo como su-

    jeito, mesmo sendo bsico, como argumen-

    tam, freqentemente ofuscado por outros

    sistemas em lnguas de sinais. Entretanto,

    uma vez que este padro reconhecido, ele

    se torna uma ferramenta explicativa robusta

    para um grande nmero de fenmenos inter-

    linguais e intralinguais, explicando porque

    corpo como sujeito emerge como estratgia

    modelo em verbos de concordncia de argu-

    mento nico, esclarecendo a complexidade

    das formas de objeto em 1 pessoa e, final-

    mente, explicando a aparente supremacia do

    objeto no sistema de concordncia verbal em

    lnguas de sinais.

    No contexto de um questionamento

    do fato comumente aceito de que a forma

    morfolgica de um verbo no reflete o cam-

    po semntico em que ele est sendo usado,

    Irit Meir aponta uma lacuna na relao en-tre morfologia e semntica, em seu texto A

    Realizao Morfolgica dos Campos Semn-

    ticos. Conforme ele argumenta, contrarian-

    do esse axioma, a Lngua de Sinais Israelense

    (LSI), aqui investigada como uma represen-

    tante das lnguas de sinais em geral, constitui

    uma lngua em que as propriedades morfo-

    lgicas de um verbo refletem e so determi-

    nadas pelo campo semntico em que ele est

    sendo usado. Meir cauteloso ao deixar claro

    que no pretende sugerir a existncia de um

    morfema especfico na lngua que codifique o

    campo semntico ou indique o uso metafri-

    co. Ao invs disso, afirma, diferentes campos

    semnticos possuem diferentes propriedades

    morfolgicas na LSI, refletidas nas proprie-

    dades morfolgicas dos verbos utilizados

    nesses campos. No desenvolvimento de seu

    argumento, o autor analisa, primeiramente,

    as vrias manifestaes dos campos semn-

    ticos nas lnguas faladas, para, a seguir, exa-

    minar as propriedades morfolgicas de cada

    um dos campos na LSI e, ento, investigar as

    implicaes da anlise para a teoria ling-

    stica. A contribuio de Meir, no contexto

    dessa discusso especfica, reside na explici-

    tao, feita por ele, do significado terico da

    realizao morfolgica desses campos se-

    mnticos que, conforme demonstra, pode

    ser vista em trs dimenses: (i) a aceitao

    da realizao morfolgica desses campos se-

    mnticos preenche uma lacuna na relao

    entre semntica e morfologia, pois, como o

    trabalho demonstra, a polissemia sistemtica

    de itens lexicais usados em diferentes campos

    semnticos codificada em uma lngua trans-

    mitida na modalidade visual-espacial, a LSI

    e, muito possivelmente, tambm em outras

    lnguas de sinais; (ii) as formas morfolgicas

    so, freqentemente, levadas em conta como

    evidncia para a existncia da categoria se-

    mntica especfica expressa por essas formas

    (por exemplo, a existncia de morfemas em

    algumas lnguas que expressam certas distin-

    es semnticas - como telicidade - pode ser

    interpretada como evidncia de suporte para

    anlises que assumem a existncia de entes

    primitivos semnticos correspondentes a tais

    distines; de modo similar, as diferenas

    morfolgicas entre as classes verbais em dife-

  • ApresentaoQu

    est

    es T

    eri

    cas

    das

    Pesq

    uisa

    s em

    Ln

    guas

    de

    Sina

    is

    14

    rentes domnios semnticos na LSI podem ser

    interpretadas como suporte para teorias que

    assumem a existncia dos campos semnticos

    e as propriedades morfolgicas dos diferentes

    campos podem oferecer uma perspectiva me-

    lhor sobre suas propriedades); (iii) as distin-

    es morfolgicas entre os campos semnti-

    cos, que uma vez identificadas, podem apoiar

    uma anlise especfica em detrimento de

    outra (por exemplo, no contexto da contro-

    vrsia existente com relao ao fato de verbos

    de MDE serem de natureza semelhante aos

    verbos de mudana de localizao).

    O estudo de Deborah Chen Pichler, Ka-tharina Schalber, Julie Hochgesang, Marina Milkovi, Ronnie Wilbur, Martina Vulje e Ljubica Pribani Posse e existncia em trs lnguas de sinais descreve, compara

    e documenta construes possessivas e exis-

    tenciais em trs lnguas de sinais: Lngua de

    Sinais Americana (ASL), Lngua de Sinais

    Austraca (GS) e Lngua de Sinais da Cro-

    ata (HZJ). Os autores observam as similari-

    dades estruturais em construes possessivas

    e existenciais nas trs lnguas, bem como as

    restries semnticas nos tipos de possuidor

    e de possessum permitidos. Apontam, ain-

    da, evidncias para uma relao subjacente

    entre possessivos, existenciais e locativos, si-

    milar ao que relatado sobre muitas lnguas

    faladas. Inicialmente, fazem uma descrio

    geral das construes relevantes produzidas

    pelos participantes de seu projeto, que in-

    clui uma comparao de caractersticas sin-

    tticas e semnticas de diversas construes

    possessivas nas trs lnguas em estudo, obser-

    vando a ocorrncia de padres semelhantes

    nos corpora utilizados. Em seguida, discutem

    a noo de que as construes possessivas e

    existenciais so sintaticamente relaciona-

    das, no apenas entre si, mas tambm com

    as construes locativas, noo essa consoli-

    dada na literatura sobre a lngua falada, mas

    ainda no investigada em dados relativos a

    lnguas de sinais. Por fim, discutem as evi-

    dncias de uma natureza locativa subjacente

    s construes possessivas e existenciais na

    ASL, na GS e na HZJ, geradas a partir dos

    dados analisados. Ao analisar seus dados, os

    autores observam semelhanas entre essas

    trs lnguas quanto s estruturas sintticas

    empregadas para expressar posse e existn-

    cia, bem como uma visvel restrio com re-

    lao a quais dessas estruturas podem ocorrer

    com possuidores inanimados e certos casos

    de posse inalienvel (por exemplo, posse de

    parte do corpo). Os autores explicam tal res-

    trio por haver possibilidade de ela decorrer

    do fato de que a posse , em sua expresso

    mais cannica, uma relao entre um pos-

    suidor animado e um possessum inanimado

    e que essa relao particular enfatizada pelo

    pronome POSS explcito. Os autores cha-

    mam a ateno para (i) as caractersticas lo-

    cativas ou espaciais subjacentes s estruturas

    existenciais e possessivas observadas na ASL,

    na GS e na HZJ, sobretudo no que se refere

    aos mecanismos alternativos para expressar

    posse (envolvendo uma apontao em dire-

    o ao locus do possuidor ou um movimen-

    to do sinal do possessum em direo ao locus

    do possuidor) e para (ii) a natureza tambm

    espacial da expresso de existncia por meio

    do estabelecimento de construes de figu-

    ra-base, nas quais a base codificada como

    locao e a figura como o objeto ao qual se

    atribui existncia. Por fim, apontam uma

    evidncia diacrnica secundria das origens

    locativas do verbo existencial/possessivo usa-

    do na GS e de um verbo existencial na HZJ.

    Os autores fecham seu artigo reconhecendo

    a necessidade de cuidado ao se aplicar an-

    lises originalmente desenvolvidas para dados

    de lnguas faladas para as lnguas de sinais,

  • Apresentao

    Ques

    tes

    Te

    rica

    s da

    s Pe

    squi

    sas

    em L

    ngu

    as d

    e Si

    nais

    1

    deixando claro, entretanto, sua crena que

    as atuais evidncias da natureza locativa de

    (certas) estruturas possessivas e existenciais

    na ASL, na GS e na HZJ so suficientemen-

    te convincentes para merecer uma investiga-

    o rigorosa.

    No cenrio de uma descrio das ln-

    guas de sinais do Oriente Mdio, o trabalho

    de Kinda Al-Fityani e Carol Padden explora a possibilidade de existncia de uma relao

    entre as lnguas de sinais da regio, por meio

    das estatsticas lexicais um mtodo de com-

    parao de vocabulrio entre as lnguas de

    sinais para determinar o tipo de extenso da

    relao lingstica. Os autores apontam pelo

    menos trs circunstncias simultneas que

    afetam a distribuio das lnguas de sinais na

    regio: (i) as tradies de casamento comuns,

    segundo as quais a existncia de casamentos

    consangneos tem levado a altas freqncias

    de caracteres recessivos, em termos de sur-

    dez hereditria; (ii) as circunstncias sociais

    e culturais no mundo rabe que, de algum

    modo, propiciam mais oportunidades para

    se aprender a lngua de sinais desde o nasci-

    mento, talvez em funo de incidncia mais

    alta de surdez gentica; e, (iii) as circunstn-

    cias culturais, sociais, polticas e econmicas,

    que levam as lnguas de sinais no mundo

    rabe a serem mais propensas ao isolamento

    umas das outras aqui includos os costumes

    relacionados ao casamento no mundo rabe

    e os fatores polticos das regulamentaes

    da imigrao entre os pases rabes que, por

    dificultarem a migrao, favorecem o desen-

    volvimento de lnguas de sinais isoladas. Os

    autores concluem que, dada a tradio de en-

    dogamia no mundo rabe, o que leva a altas

    taxas de surdez gentica, muito provvel que

    tenha havido uma longa histria de lnguas

    de sinais na regio. Como mostram os resul-

    tados de sua pesquisa, muitas dessas lnguas

    de sinais so lnguas distintas, em oposio a

    dialetos e no so relacionadas historicamen-

    te, podendo, assim, as similaridades em seus

    vocabulrios serem atribudas aos valores

    culturais comumente compartilhados e aos

    repertrios gestuais.

    Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson exploram em Dixis, anfora e estruturas altamente

    icnicas: Evidncias interlingsticas nas Ln-

    guas de Sinais Americana (ASL), Francesa

    (LSF) e Italiana (LIS) fatores tipolgicos,

    supostamente especficos de lnguas de sinais,

    que afetam a dixis e a anfora nessa modali-

    dade. Nesse contexto, o objetivo dos autores

    definir as estruturas ditico-anafricas como

    recursos de coeso textual que permitem a fa-

    lantes ou sinalizantes introduzir referentes no

    discurso (dixis) e, subseqentemente, referir-

    se a eles em momentos posteriores (anfora).

    O estudo oferece evidncias relevantes, a par-

    tir de um exame comparativo de narrativas

    curtas produzidas nas trs lnguas de sinais;

    amostras analisadas permitiram, tambm,

    avaliar, ainda que parcialmente, a influncia

    das relaes entre as lnguas sobre os fen-

    menos investigados. A ateno da pesquisa

    est concentrada em duas grandes classes de

    recursos de referncia ditico-anafrica, no

    contexto de lnguas de sinais: (i) a classe pa-

    dro, j amplamente investigada, realizada

    por meio de apontaes manuais e visuais que

    estabelecem posies marcadas no espao (os

    loci), s quais os referentes podem ser sim-

    bolicamente atribudos; e, (ii) a classe de com-

    plexas unidades manuais e no-manuais que

    exibem caractersticas altamente icnicas e so

    marcadas por padres especficos do olhar,

    aqui referidas como Estruturas Altamente Ic-

    nicas (EAI) ou Transferncias. Alm dos pa-

    dres especficos do olhar, os autores apontam

    outros elementos que compem as EAIs: (a)

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    formas manuais que codificam caractersticas

    perceptivelmente salientes das relaes entre

    os referentes e o referencial, identificadas na li-

    teratura sobre LS sob diferentes termos: clas-

    sificadores, morfemas produtivos, sinais

    polissintticos ou multicomponenciais; e,

    (b) expresses faciais marcadas e/ou modifi-

    caes na direo da cabea, dos ombros e do

    tronco, tipicamente identificadas na literatura

    como recursos de troca de papis. Conforme

    concluem, diferentes subtipos de EAIs podem

    ser combinados entre si, ou com sinais padro,

    para codificar simultaneamente informaes

    referentes a dois (ou at mais) referentes, per-

    mitindo assim uma especificao multilinear

    da referncia ditico-anafrica, que parece ser

    exclusiva da modalidade visual-gestual.

    Discutindo o papel do corpo e do espao

    ao seu redor na representao de cenrios, ob-

    jetos e eventos no discurso da ASL, Paul Dudis - no artigo intitulado Tipos de Representao

    em ASL mostra como, se demonstrado que

    os verbos e as construes da ASL tm com-

    ponentes representando traos semnticos, a

    representao se torna o foco da anlise gra-

    matical, na perspectiva lingstica cognitiva

    a que ele se afilia. Conforme aponta Dudis,

    a abordagem estabelecida no artigo, iniciada

    por outros lingistas cognitivos que investi-

    gam lnguas de sinais, demonstra o potencial

    de anlises adicionais para elucidar o papel

    da representao na gramtica da ASL, dando

    suporte viso que, embora existam algumas

    facetas da gramtica da ASL que submergem

    a iconidade, outras facetas existem onde a ico-

    nicidade emerge. Uma anlise minuciosa

    da representao usando padres lingsticos cognitivos sugere que componentes adicio-

    nais se revelam nessas representaes icnicas:

    o sujeito (ou o eu), o ponto de visualizao

    (vantage point ou V-POINT) e a progresso

    temporal. A identificao desses componentes

    contribui para uma categorizao mais rigo-

    rosa dos vrios tipos de representao obser-

    vados no discurso em ASL, o que, por sua vez,

    leva a um maior entendimento de questes

    que envolvem a representao, dentre as quais

    a relao entre a representao de um evento

    que envolve um sujeito e os sinais produzidos

    durante a representao.

    Diane Lillo-Martin, no artigo Estudos de aquisio de lnguas de sinais: passado,

    presente e futuro, organiza uma apresenta-

    o das investigaes no campo da aquisio

    da linguagem com crianas adquirindo algu-

    ma lngua de sinais, produzida nos ltimos 20

    anos. A autora prope esta reviso consideran-

    do algumas categorias para a sua apresentao,

    uma vez que estes estudos tiveram diferentes

    enfoques ao longo de suas produes. Alguns

    estudos ocuparam-se de analisar o processo de

    aquisio da lngua de sinais em crianas sur-

    das, filhas de pais surdos, ou seja, em ambien-

    tes de aquisio espontnea da lngua de sinais.

    Tais estudos verificaram que essas crianas ad-

    quirem a lngua de sinais nos mesmos estgios

    de aquisio observados em quaisquer lnguas.

    Esses resultados estabeleceram o paralelo entre

    a aquisio de lnguas de sinais e de lnguas fa-

    ladas. A partir desta concluso, os estudos co-

    mearam a enfocar aspectos da lingstica que

    pudessem trazer contribuies para o desen-

    volvimento terico da cincia. A busca pelos

    efeitos da modalidade tornou-se importante,

    pois o fato de as lnguas de sinais se apresen-

    tarem em uma modalidade visual-espacial

    poderia trazer contribuies relevantes para a

    cincia lingstica. Percorrendo os 20 anos de

    pesquisas produzidas nesta rea, Lillo-Martin

    apresenta algumas perspectivas para o desen-

    volvimento de investigaes no futuro, con-

    tando com a presena mais efetiva de pesqui-

    sadores surdos. Os estudos comparativos en-

    tre as diferentes lnguas de sinais, bem como

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    as pesquisas tendo como interlocutores os

    pesquisadores de aquisio da linguagem em

    geral, parecem ser passos importantes no fu-

    turo para a continuidade das investigaes da

    aquisio das lnguas de sinais, alm, claro,

    de contarmos com crianas adquirindo ln-

    guas de sinais.

    Um dos pesquisadores que deu incio

    aos estudos da aquisio da lngua de sinais

    Richard P. Meier, que nos brinda com um artigo sobre os efeitos da modalidade na

    aquisio da linguagem, um exemplo dos

    estudos mencionados por Lillo-Martin que,

    tambm, integra Questes Tericas das Pes-

    quisas em Lnguas de Sinais (TISLR9). No

    seu artigo Modalidade e Aquisio da

    Lngua: Estratgias e Restries na Aprendi-

    zagem dos primeiros sinais Meier apre-

    senta um estudo realizado com crianas

    surdas adquirindo a lngua de sinais muito

    cedo, por volta dos oito meses. As primeiras

    produes das crianas, embora conside-

    radas como os primeiros sinais produzidos

    antes das primeiras palavras faladas produ-

    zidas pelas crianas adquirindo lnguas fala-

    das, so, na verdade, combinaes de mos

    com movimentos paralelos s combinaes

    dos primeiros sons produzidos pelas crian-

    as ouvintes expostas a uma lngua falada.

    Nesse sentido, as crianas surdas balbu-

    ciam por volta dos oito meses e comeam

    a produzir os primeiros sinais em perodo

    anlogo quele das crianas ouvintes. A

    questo da modalidade, especialmente, a

    aparente iconicidade de alguns sinais, no

    apresenta papel relevante no processo de

    aquisio da lngua de sinais, pois os sinais

    produzidos pelos bebs surdos apresentam

    o mesmo padro arbitrrio dos sinais pro-

    duzidos pelos adultos. Os erros observados

    na produo dos bebs esto relacionados

    com aspectos lingsticos comumente ob-

    servados em quaisquer crianas nesse per-

    odo de aquisio.

    Gladis Tang, Scholastica Lam, Feliz Sze, Prudence Lau e Jafi Lee tambm trazem um estudo no campo da aquisio da linguagem

    com crianas surdas adquirindo uma lngua

    de sinais. No artigo, Aquisio de concor-

    dncia verbal em HKSL: Opcional ou obriga-

    tria?, os autores apresentam uma anlise de

    uma questo gramatical que tem sido motivo

    de grande debate nos estudos lingsticos das

    lnguas de sinais, a questo da concordncia

    verbal. Considerando as categorias apresen-

    tadas por Lillo-Martin, a pesquisa realizada

    por estes autores apresenta a caracterstica

    de desenvolver uma anlise de um aspecto

    gramatical que poder elucidar aspectos da

    gramtica das lnguas de sinais e que podem,

    tambm, representar uma contribuio te-

    rica para a lingstica. O trabalho apresentado

    por estes pesquisadores est baseado em um

    estudo longitudinal com uma criana surda,

    adquirindo a lngua de sinais de Hong Kong.

    Os autores analisaram a produo de verbos

    com concordncia verbal, observando que

    a aquisio desta categoria gramatical se d

    tardiamente. Os autores verificaram erros de

    omisso e comisso nesta criana traando um

    paralelo com os estudos que verificaram este

    mesmo padro em outras lnguas de sinais.

    Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeis-ter, em Aquisio bilnge da Lngua de Si-nais Alem e do alemo escrito: Ausncia de

    sincronia no desenvolvimento e contato com

    a lngua, avanam no campo da Psicolin-

    gstica, realizando uma anlise da aquisio

    de crianas surdas na lngua de sinais e na es-

    crita da lngua falada em seu pas, Alemanha.

    O estudo faz parte de um grande projeto que

    coleta dados do desenvolvimento bilnge de

    crianas da escola bilnge de Berlim. A inves-

    tigao objetiva analisar a interao gramatical

  • ApresentaoQu

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    entre as duas lnguas envolvidas no processo

    de aquisio, bem como os efeitos de modali-

    dade no desenvolvimento bilnge (lngua de

    sinais e lngua escrita). Na anlise apresentada,

    Pust e Weinmeister elencaram evidncias de

    variao inter- e intra-individual no desen-

    volvimento bilnge da DGS e do alemo es-

    crito. Ao longo do perodo analisado, os alu-

    nos surdos apresentam um desenvolvimento

    significativo na produo de textos na lngua

    de sinais e na lngua escrita. Esses alunos de-

    senvolvem a competncia bilnge na escola,

    onde aprendem a lngua escrita alem, e tm

    contato com a lngua de sinais alem.

    O ltimo texto que envolve o campo de

    aquisio de linguagem o de Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piar e Susan Mather Gesticulao e aquisio da ASL como se-

    gunda lngua. A pesquisa aborda a aquisio

    da lngua de sinais americana como segunda

    lngua por pessoas ouvintes, mais especifica-

    mente, as possibilidades de transferncia de

    uma lngua para outra, tema de pesquisas no

    campo da aquisio de segunda lngua em ge-

    ral. Por se tratar de uma segunda lngua na

    modalidade visual-espacial, os autores apre-

    sentam a hiptese de haver o aproveitamen-

    to do uso de gestos para produo de sinais.

    A habilidade gestual existente entre pessoas

    falantes est relacionada com a capacidade

    cognitiva de representar conceitos no es-

    pao. A pesquisa vai verificar se essa repre-

    sentao mental coincide com a capacidade

    mental cognitiva de representar os conceitos

    por meio da lngua de sinais, especialmente,

    quando a expresso manual-gestual similar

    (por exemplo, com o uso de diticos). Os au-

    tores observaram que, embora haja esta apro-

    ximao entre as formas gestuais produzidas

    por usurios e aprendizes da lngua de sinais,

    h necessidade do aprendiz reavaliar o uso

    em termos lingsticos para que o conheci-

    mento seja processo na lngua de sinais gra-

    maticalmente.

    Entramos no campo da sociolingstica

    com o artigo de Ceil Lucas e Robert Bayley Variao na lngua de sinais americana: o

    papel da funo gramatical que analisa-

    ram a variao de alguns sinais com mais de

    200 sinalizantes americanos. Os autores ob-

    servaram que os fatores fonolgicos so con-

    sistentemente menos importantes do que a

    classe gramatical a que pertencem os sinais. A

    pesquisa realizada em escala significativa evi-

    dencia a existncia de restries gramaticais

    que se aplicam variao na lngua de sinais

    que podem ou no ser comuns s variaes j

    identificadas nas lnguas faladas.

    Relativo variao sociolingstica lexical,

    David McKee, Rachel McKee e George Major Variao Sociolingstica em Numerais da

    NZSL apresentam uma anlise das variantes

    existentes na forma de apresentao dos nme-

    ros na lngua de sinais da Nova Zelndia. Os au-

    tores analisam as variantes sob trs aspectos so-

    ciais: a regio, a idade e o gnero dos sinalizantes.

    Os fatores sociais mais marcantes na variao

    dos numerais da lngua de sinais da Nova Zeln-

    dia foram referentes idade, seguidos de fatores

    regionais e de gnero (variveis no marcadas).

    De modo geral, portanto, os autores observaram

    que as variveis sociais determinam a variao

    das formas dos numerais nessa lngua. H uma

    tendncia a uma padronizao mais consistente

    entre os sinalizantes mais jovens.

    Rachel Sutton-Spence nos remete pro-duo literria na lngua de sinais, mais espe-

    cificamente, na produo potica com o texto Imagens da Identidade e Cultura Surda na Poesia em Lnguas de Sinais. A autora analisa,

    por meio da produo potica, elementos que

    traduzem marcas culturais e identitrias. A po-

    esia na lngua de sinais uma forma de cultuar

    as questes relacionadas com o ser surdo, tor-

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    nando-a um instrumento de empoderamento

    da comunidade surda. A autora identifica as

    imagens que se refletem nas poesias, trazendo

    elementos que identificam os surdos, como a

    celebrao da lngua de sinais, a celebrao do

    ser surdo, a surdez como perda, a experincia

    visual dos surdos, a opresso que os surdos

    sofrem e o lugar dos surdos. Sutton-Spence

    analisa estas manifestaes traduzidas em dois

    poemas, A escadaria e Cinco sentidos. Esses so

    apenas dois exemplos da criao de imagens

    que empoderam os surdos por meio de uma

    expresso criativa potica.

    O trabalho de Brendan Costello, Javier Fernndez e Alazne Landa O sinalizan-te nativo no-(existente): pesquisa em lngua

    de sinais em uma pequena populao surda

    concentra a ateno no conceito de usurio

    nativo de uma lngua e examina as diferentes

    definies de sinalizante nativo no campo de

    pesquisa em lnguas de sinais. Uma descrio

    da populao surda sinalizante do pas Basco

    mostrou que a porcentagem de 5% a 10% ti-

    picamente citada para indivduos surdos nas-

    cidos de famlias surdas no se sustenta e, con-

    seqentemente, existem poucos sinalizantes

    que podem ser considerados usurios nativos

    da lngua. Em virtude disso, foi desenvolvida

    uma metodologia de pesquisa que envolve o

    registro de meta-dados sociolingsticos para

    cada informante, para que se mea at que

    ponto um indivduo pode ou no ser consi-

    derado um sinalizante nativo. Uma anlise da

    expresso de trocas de papel revela correlaes

    entre competncia nativa e aspectos especfi-

    cos do uso da lngua e sugere que o exame da

    produo lingstica de falantes no-nativos

    pode trazer informaes importantes sobre os

    processos da gramaticalizao e tambm sobre

    a estrutura da lngua em geral.

    Maria Mertzani com seu artigo Refle-xes sobre a lngua de sinais e a cultura surda

    em ambientes de comunicao mediada por

    computador (CMC): exploraes e conside-

    raes iniciais encerra o presente volume.

    Seu trabalho entra no campo da lingstica

    aplicada trazendo contribuies para o de-

    senvolvimento da tecnologia associada ao uso

    da lngua de sinais como instrumento de co-

    municao. Mertzani observou em seu estu-

    do que o ensino da lngua de sinais utilizando

    a interao sncrona e assncrona proporcio-

    na aos alunos a possibilidade de desenvolver

    habilidades receptivas, bem como, interativas

    na lngua de sinais. O uso da ferramenta ofe-

    rece a possibilidade do desenvolvimento da

    interao negociada com feedback presente de

    forma sistematizada. As correes realizadas

    durante as interaes online, normalmente,

    focaram o significado e a forma. Neste espao

    de aprendizagem, houve negociaes de tur-

    no constante, instaurando-se o uso efetivo da

    lngua de sinais entre os participantes.

    As organizadoras de Questes Tericas

    das Pesquisas em Lnguas de Sinais esperam

    que a interface recm-instalada entre os Es-

    tudos Surdos e os Estudos da Traduo es-

    tar no apenas oportunizando contatos te-

    ricos e prticos entre as duas reas, como

    tambm contribuindo para a circulao do

    saber terico na rea de Estudos Surdos, no

    Brasil. Reafirmamos, alm disso, a relevn-

    cia do presente volume na criao de valores

    sociais e culturais, o que, no caso especfico

    de Questes Tericas da Pesquisa em Lnguas

    de Sinais em Pesquisas sobre Lnguas de Sinais

    consolida a presena do ser surdo no apenas

    no contexto social, mas na comunidade cien-

    tfica brasileira.

    Florianpolis, 18 de maro de 2008.

    Ronice Mller de Quadros e

    Maria Lcia Vasconcellos

  • ApresentaoQu

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    www.cadernos.ufsc.br/online/volume14.html

  • Arqueologia das Lnguas de Sinais: integrando lingstica histrica com pesquisa de campo em ln-guas de sinais jovens1,2

    Ted SupallaUniversity of Rochester

    1 Traduzido por: Maria Lcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira2 O autor agradece a seus colaboradores pelas importantes contribuies ao trabalho sobre a histria da ASL, das lnguas de sinais recentes e da Lngua Internacional de Sinais, especialmente, aos membros atuais e anteriores do Research Team do Sign Language Research Center: Aaron Brace, Patricia Clark, Merrie Davidson, Markku Joki-nen, Donald Metlay, Doug McKenney, Elissa Newport, Erin Sigmund, Annie Senghas, Marie Coppolla, Wanette Reynolds, Yutaka Osugi e Rebecca Webb. Agradece, ainda, a Betsy Hicks McDonald pela ajuda na escrita e na edio deste artigo. Esta pesquisa foi parcialmente financiada pelo NIH (National Institutes of Health), pela concesso da bolsa DC00167 para Elissa L. Newport e Ted Supalla e dois prmios da NEH (National Endowment for the Humanities) Fellowship Awards a Ted Supalla.

    1. O Estado Atual da Teoria e da Prtica

    A natureza de nosso entendimento das ln-

    guas de sinais de todo o mundo baseia-se em

    nossa histria especfica de pesquisa em ln-

    gua de sinais. A histria de 40 anos da pes-

    quisa em lnguas de sinais modernas inclui

    tanto as conquistas importantes que fizeram

    avanar nosso conhecimento, quanto as pau-

    tas de pesquisa que delimitaram nosso foco

    e limitaram o nosso conhecimento. Durante

    esse perodo, a gnese e a evoluo das lnguas

    de sinais se constituram como uma rea des-

    considerada em nosso foco de pesquisa. Essa

    negligncia pode ser atribuda crena que as

    lnguas de sinais em desenvolvimento eram

    freqentemente contaminadas por prticas

    pedaggicas opressivas que tentavam moldar a

    lngua de sinais para se adaptar lngua falada

    majoritria. Alm disso, os itens lexicais das

    lnguas de sinais estrangeiras eram freqente-

    mente importados na medida em que novas

    escolas eram instaladas em pases em desen-

    volvimento. Essa noo de lnguas de sinais

    impuras significou que os pesquisadores de

    lingstica histrica se depararam com o fato

    de que processos histricos naturais eram

    provavelmente ofuscados ou destrudos pelo

    imperialismo lingstico. Entretanto, tal viso

    nega, equivocadamente, a origem natural do

    contato entre lnguas na histria mundial da

    humanidade. O estudo da gnese e evoluo

    da lngua um vo cego, se tais interaes

    humanas naturais no forem levadas em con-

    siderao na pesquisa em lingstica histri-

    ca. Pesquisas como a reconstruo da lings-

    tica comparativa em lnguas de sinais no so

    apenas possveis, mas tambm valiosas, para

  • Arqueologia das Lnguas de Sinis

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    23

    oferecer suporte aos objetivos da populao

    surda mundial. Essa pesquisa complexa exi-

    ge fontes de documentao multidisciplina-

    res e interpretao cuidadosa da linguagem e

    pensamentos da populao surda no contex-

    to da comunidade/sociedade surda da poca.

    Com o tempo, os especialistas treinados em

    lngua de sinais para surdos e um crescente

    conjunto de conhecimento nessa rea daro

    suporte aos esforos direcionados ao plane-

    jamento pedaggico e lingstico til para a

    populao surda mundial.

    A pesquisa em lnguas de sinais moder-

    nas teve incio com o trabalho de William C.

    Stokoe e seus colegas sobre a validao lings-

    tica da Lngua de Sinais Americana (ASL).

    Compilando dados lexicogrficos, Stokoe e

    sua equipe identificaram e documentaram

    aspectos de sinais individuais que eram estru-

    turados de maneira similar s lnguas faladas.

    Durante o progresso da pesquisa, o trabalho

    passou de validao para a instigante possibi-

    lidade de a modalidade manual/visual ser um

    campo de testes para os universais lingsti-

    cos: aquelas tendncias lingsticas formais e

    substantivas contidas na teoria da Gramtica

    Universal. Muitos acadmicos contriburam

    para o modelo lingstico atual de um pro-

    cesso multinvel em camadas de co-articula-

    o de auto-segmentos expressados atravs

    das diferentes partes do corpo do sinalizante

    e do espao ao seu redor. Entretanto, em bus-

    ca desse objetivo, observamos que essa pau-

    ta passou a determinar as reas de pesquisa

    e os detalhes dos dados lingsticos a serem

    considerados interessantes em uma comu-

    nidade. Trabalhar como um pesquisador

    em lngua de sinais passou a ter significado de

    pesquisar nessa rea estritamente definida

    de histria e estrutura da lngua.

    No campo mais amplo da sociolingstica,

    o estudo de comunidades humanas e da mobi-

    lidade e do contato geogrfico e social parte

    integrante da pesquisa histrica. Entretanto,

    na pesquisa histrica em lngua de sinais, os

    variados padres de experincias de indivdu-

    os surdos lutando para modelar suas vidas na

    sociedade ainda permanecem desconhecidos

    comunidade cientfica. s vezes, esse fato se

    deve noo de que o pensamento social e a

    resposta s condies polticas entre a popula-

    o surda tm se mantido uniformes ao longo

    do tempo. Dessa forma, a histria da interao

    entre pessoas surdas e ouvintes fragmentada,

    sendo presumida ao invs de documentada,

    embora seja uma fora que molda a evoluo e

    o crescimento das lnguas de sinais. Alm dis-

    so, a robustez do processo de maturao das

    lnguas de sinais ainda no foi valorizada em

    sua totalidade, mesmo ao passar por reanlises

    motivadas tanto por esforos intervencionais,

    quanto pela prpria natureza diversificada da

    comunidade surda, na qual apenas 5% so

    membros nativos, considerados ideais para

    transmitir a lngua para uma gerao seguinte.

    Diante desses fatos, fica claro que a trama da

    comunidade surda tecida pelos laos sociais

    entre indivduos que utilizam uma lngua de si-

    nais comum. Uma infra-estrutura social como

    essa pode ser afetada pela polarizao entre as

    foras das lnguas de sinais e das lnguas fala-

    das competindo entre si. Alm disso, tais foras

    no so necessariamente uniformes ao longo

    do tempo, crescendo e decrescendo na histria

    da comunidade. Geralmente, os pesquisadores

    tm deixado de incorporar padres de inte-

    rao entre surdos (ou sua ausncia) em suas

    pesquisas, baseando-se em pressuposies ou

    chegando a concluses equivocadas sobre, por

    exemplo, a idade da comunidade sinalizante e

    a capacidade de comunidades surdas alcanar

    uma evoluo lingstica completa.

    Apesar de sua complexidade, a pesquisa em

    lingstica histrica possui muito a oferecer ao

  • Ted SupallaQu

    est

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    Sina

    is

    24

    estudo da gnese e evoluo das lnguas de si-

    nais. Felizmente, muitas escolas tm em seus

    arquivos registros histricos, revistas e filmes,

    tornando possvel o traado da histria das co-

    munidades sinalizantes e das lnguas de sinais. A

    integrao de ferramentas lingsticas, recursos

    impressos, narrativos e visuais e documentao

    podem resultar em uma anlise cientificamen-

    te informada da histria de uma lngua. Essas

    tcnicas sero teis quando aplicadas tanto s

    lnguas de sinais estabelecidas regionalmente,

    quanto s lnguas de sinais recm-emergentes

    e s lnguas de sinais em desenvolvimento.

    medida que observarmos os processos naturais

    atualmente em andamento em lnguas jovens,

    ser possvel preencher lacunas na histria das

    lnguas de sinais mais antigas.

    2. Arqueologia e Lingstica Histrica da Lngua de Sinais Americana (ASL)

    A pesquisa interdisciplinar ampla e recente da

    histria e evoluo da ASL tem contribudo

    para remodelar nossa percepo de materiais e

    processos histricos. Tendo em mos as ferra-

    mentas de reconstruo da lingstica histri-

    ca, pudemos revelar processos lingsticos na-

    turais e importantes esforos de planejamento

    da lngua nas sries de palestras filmadas ar-

    quivadas pelo NAD (National Association for

    the Deaf [Associao Nacional para os Sur-

    dos]) da Universidade de Gallaudet (Supalla,

    2001, 2004; Supalla e Clark, no prelo). Esses

    documentrios histricos da ASL eram con-

    siderados impuros por serem resultantes

    da importao da Lngua de Sinais Francesa

    (LSF), de intervenes educacionais e do co-

    nhecimento e prticas bilnges entre a ASL e

    a lngua inglesa. Entretanto, depois de rever os

    filmes e conduzir pesquisa histrica adicionais

    sobre os indivduos e as organizaes envolvi-

    das, descobrimos a existncia de um Registro

    Clssico da ASL, que no mais existe.

    Pesquisas histrico-literrias revelam

    a funo desse registro como oratria cls-

    sica daquela poca, praticada por sinali-

    zantes da elite, que transmitiam a lngua de

    sinais tradicional do antigo Hartford, do

    Connecticut Institute for Deaf Mutes (Ins-

    tituto de Connecticut para Surdos-Mudos).

    Durante pelo menos sete geraes de trans-

    misso da ASL, as formas arcaicas que foram

    originadas nessa escola desapareceram, res-

    tando apenas os textos oratrios gravados em

    vdeo. As pesquisas revelam, ainda, o motivo

    da preservao desse registro por parte da

    National Association of the Deaf [Associao

    Nacional dos Surdos]. Ao criar um banco de

    dados completo, consistindo de corpora com-

    postos de textos e vdeos, inter-referenciados

    lexicalmente com outras palestras gravadas e

    dicionrios histricos (antigos), nossa pes-

    quisa forneceu uma rica fonte para investigar

    as formas lingsticas, as prticas literrias

    e poliglssicas e a metalinguagem da poca.

    medida que nos familiarizamos com a an-

    tiga estrutura da ASL e com sua pedagogia

    por meio desse trabalho, pudemos apontar

    uma lacuna na histria da ASL, provocada

    pela Idade das Trevas da pedagogia oral para

    pessoas surdas. Realizamos comparaes lin-

    gsticas sincrnicas e diacrnicas, ambas

    no limite temporal dos filmes e em pocas

    subseqentes e anteriores, e interpretamos a

    metalinguagem de vrias pocas luz desse

    novo entendimento. Finalmente, refizemos

    um elo na corrente da histria da ASL consi-

    derando a protogramtica da ASL como uma

    forma dinmica de incorporao do contato

    com a LSF e a lngua de sinais caseira.

    Nosso novo modelo de pesquisa amplia-

    do permitiu que expandssemos o escopo da

    investigao e reinterpretssemos a docu-

  • Arqueologia das Lnguas de Sinis

    Ques

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    2

    mentao histrica existente. As descries

    metalingsticas antigas, da Idade das Trevas,

    estavam apenas escondidas e no perdidas. As

    pesquisas histricas sobre a metalinguagem

    da pedagogia demonstram que, no passado,

    os educadores consideravam os discursos

    naturais como um trampolim educacional

    para crianas surdas que iam para a escola

    utilizando um sistema de sinais caseiro. As

    lnguas de sinais planejadas artificialmente,

    como o sinal metdico, eram consideradas

    sem importncia para essas crianas e eram

    incorporadas apenas parcialmente em con-

    textos educacionais. Na escola, o sinal de-

    senvolvido era um discurso natural padro-

    nizado promovido durante essa poca. Um

    aspecto importante do sinal desenvolvido

    era o uso da sintaxe para expressar conceitos

    abstratos. Em inmeros exemplos, o lxico

    da lngua de sinais foi expandido via justa-

    posies padronizadas.

    De certo modo, podemos considerar

    o sinal caseiro como uma protogramtica

    desse sinal desenvolvido, com seus gestos

    seqenciais atuando como o precursor da

    justaposio. O lao semntico natural en-

    tre os gestos adjacentes e os grupos gestuais

    reforado pelo contexto do discurso. No

    discurso da lngua de sinais, essas justapo-

    sies funcionavam como um constituinte

    nico. Como uma unidade nica, eles eram

    continuamente usados na mesma ordem e

    nos mesmos ambientes, passando por pro-

    cessos lingsticos naturais de reduo e rea-

    nlise, tais como a composio, um fenme-

    no que foi bem descrito na rea. Entretan-

    to, no contexto da noo de composio, h

    uma outra distino que tem sido ignorada.

    Em alguns casos, esses processos de reestru-

    turao e reanlise deram origem a paradig-

    mas gramaticais, ativando um processo de

    cliticizao, onde um componente se torna

    especializado para uma categoria gramati-

    cal especfica, como por exemplo, gnero.

    O aumento das funes gramaticais adicio-

    nais para gestos especficos em paradigmas

    de justaposio d origem polissemia, na

    medida em que um item lexical indepen-

    dente e uma partcula gramatical emergente

    compartilham uma mesma forma. Portan-

    to, as formas originalmente independentes

    so convertidas em morfologia pr-deter-

    minada, em uma tendncia unidirecional

    de mudana gramatical, de maneira muito

    semelhante quela descrita na lingstica

    histrica e na mudana gramatical em ln-

    guas faladas (Hopper e Traugott, 2003). Isso

    ocorreu quando o posicionamento de itens

    lexicais com carncia de morfologia interna

    para recurso gerativa foi reanalisado como

    uma relao gramatical entre uma partcula

    hospedeira e uma secundria. Em ASL, tais

    processos deram origem a um sistema de g-

    nero em termos de parentesco. Nos primr-

    dios da ASL, as justaposies incorporavam

    gnero nos seguintes termos:

    FEMININO, LEVANTA-BEB Me

    MASCULINO, LEVANTA-BEB Pai

    MASCULINO, EMBALA-BEB Filho

    FEMININO, EMBALA-BEB Filha

    Os itens lexicais importados da Lngua de

    Sinais Francesa forneceram a matria-prima

    para muitas dessas justaposies. As pesqui-

    sas histricas utilizando os filmes das palestras

    da Universidade de Gallaudet nos permitiram

    revelar as formas intermedirias, preenchen-

    do, portanto, uma lacuna na pesquisa em ASL

    entre formas da ASL antiga e da ASL moder-

    na, onde os morfemas MASCULINO e FEMI-

    NINO foram reduzidos a meras localizaes,

    como parte de um paradigma de parentesco

    sistemtico de afixos de gnero.

  • Ted SupallaQu

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    es T

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    2

    Gnero feminino + PROGENITOR Me

    Gnero masculino + PROGENITOR Pai

    Gnero masculino + DESCENDNCIA Filho

    Gnero feminino + DESCENDNCIA Filha

    Essa gramaticalizao procede da justapo-

    sio sinttica de palavras de contedo cliti-

    cizao da palavra julgada como dependente

    e, em alguns casos, a um processo produtivo

    de afixao. A cliticizao refere-se a um fen-

    meno onde a partcula de uma palavra que fre-

    qentemente ocorre apenas em combinao

    com outra palavra torna-se dependente desse

    paradigma, como o cltico m em Im, na

    lngua inglesa. Essa dependncia sinttica ati-

    va processos fonolgicos diacrnicos, como,

    por exemplo, a reduo natural de elementos

    redundantes encontrados na segunda posio

    do constituinte. Em lnguas de sinais, esse se-

    gundo elemento geralmente reduzido a uma

    mera localizao, movimento ou caracterstica

    da configurao de mo. Duas propriedades

    de localizao contrastantes exemplificam o

    resultado desse processo, uma localizada na

    rea da testa e outra na parte inferior da bo-

    checha, aparecendo regularmente no segmen-

    to inicial de um paradigma mais amplo de pa-

    rentesco sensvel ao gnero. Um cltico pode

    evoluir para um afixo quando se torna um

    morfema sistemtico, produtivamente utiliza-

    do em processos flexionais ou para gerar itens

    lexicais derivados.

    Os sistemas de agenciamento e negao

    na ASL tambm sofreram esse processo. De

    maneira similar ao que ocorreu com as justa-

    posies mais antigas para os termos de pa-

    rentesco, uma busca por formas mais antigas

    de agenciamento e negao revela frases sint-

    ticas regulares utilizando o sinal CORPO para

    sinalizar uma pessoa envolvida em uma ativi-

    dade especfica, como BIGODE, ROUBAR,

    CORPO = LADRO. O morfema CORPO

    tem sido reanalisado como uma partcula

    que significa AGENTE e hoje um morfema

    semi-regular de escopo limitado. Na ASL

    antiga, tambm a negao, uma forma arcaica

    do NOT (NO), na qual uma ou, at mesmo,

    as duas mos moviam-se para fora para ex-

    pressar negao, aparecia na posio final da

    LC (Verb Phrase [Locuo Verbal]), como

    em: WANT NOT (QUERER NO) e evo-

    luiu para uma partcula reanalisada, que foi

    posteriomente incorporada, de maneira res-

    tringida, a itens lexicais especficos freqen-

    tes (cf. DONT-WANT) (NO QUERO). A

    funo geral da negao foi substituda pelo

    pr-verbal NOT (NO). Portanto, em mui-

    tos paradigmas da ASL, observamos o padro

    histrico de desenvolvimento exposto abaixo

    (cf. Hopper e Traugott, 2003, para o padro

    geral, e Supalla e Clark, no prelo, para uma

    descrio mais detalhada desses exemplos e