Quimica Organica 1 MOODLE

194

Transcript of Quimica Organica 1 MOODLE

Page 1: Quimica Organica 1 MOODLE
Page 2: Quimica Organica 1 MOODLE
Page 3: Quimica Organica 1 MOODLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Núcleo de Educação Aberta e a Distância

Sa n d r o Jo S é Gr e c o

Va l d e m a r la c e r d a Jú n i o r

Vitória2010

Química Orgânica I

Page 4: Quimica Organica 1 MOODLE

LDI coordenaçãoHeliana Pacheco, Hugo Cristo eJosé Otavio Lobo Name

GerênciaIsabela AvanciniIlustração André Wandenkolken, Lidiane Cordeiro eVitor Bergami Victor

CapaLidiane Cordeiro e Weberth Freitas

EditoraçãoSamira Bolonha Gomes, Thiago Dutra eWeberth Freitas

ImpressãoGráfica e Editora GM

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro da EducaçãoFernando Haddad

Universidade Aberta do BrasilCelso Costa

Universidade Federal do Espírito Santo

ReitorRubens Sergio Rasseli

Vice-Reitor e Diretor Presidente do Ne@adReinaldo Centoducatte

Pró-Reitora de GraduaçãoIsabel Cristina Novaes

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoFrancisco Guilherme Emmerich

Pró-Reitor de ExtensãoAparecido José Cirillo

Diretora Administrativa do Ne@ad e Coordenadora UABMaria José Campos Rodrigues

Coordenador Adjunto UABValter Luiz dos Santos Cordeiro

Coordenador do Curso de Licenciatura em Química na Modalidade à DistânciaProf. Elias Meira da Silva

Revisor de Conteúdo

Revisora Ortográfica

Design GráficoLDI - Laboratório de Design Instrucional

[email protected] Ferrari, n.514 -CEP 29075-910, Goiabeiras -Vitória - ES4009 2208

A reprodução de imagens de obras em (nesta) obra tem o caráter pedagógico e cientifico, amparado pelos limites do direito de autor no art. 46 da Lei no. 9610/1998, entre elas as previstas no inciso III (a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reprodução realizada com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil.

Copyright © 2010. Todos os direitos desta edição estão reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, na modalidade a distância.

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

_____________________________________________________________

Greco, Sandro José. Química orgânica I / Sandro José Greco, Valdemar Lacerda Júnior. - Vitória, ES : Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleode Educação Aberta e a Distância, 2010.40 p. 190 p. : il.

ISBN:

1. Química orgânica. I. Lacerda Júnior, Valdemar. II. Título.

CDU: 547

G791q

Page 5: Quimica Organica 1 MOODLE

Apresentação 4

Módulo I

Aula I 8

Aula II 29

Aula III 49

Aula IV 89

Módulo II

Aula I 116

Aula II 151

Sumário

Page 6: Quimica Organica 1 MOODLE

6

Apresentação

Um Breve Histórico da Química Orgânica

A associação humana com a química orgânica origina-se em tempos remotos, antes de Cristo.

Anterior ao surgimento do termo química orgânica as pessoas tinham contato com materiais

orgânicos, seus usos e suas transformações. Sabões eram produzidos a partir de gordura

animal e óleos de plantas. O açúcar cristalino sucrose obtido a partir da cana-de-açúcar e

os extratos de plantas usados como aromatizantes e perfumes eram artigos valiosos para os

nossos ancestrais.

Alguns corantes eram usados para tingir as roupas da alta sociedade, tais como o material

de cor violeta, “tyrian”, conhecido como violeta real e o ácido carmínico (vermelho escuro),

esse último obtido pela trituração de pequenos insetos (Coccus cacti L.). Egípcios antigos

também usavam o índigo para tingir tecidos.

Venenos, também eram conhecidos, por exemplo, coniina obtido da árvore Conium macula-

tum (gênero da Tsuga, família das pináceas) foi tomado por Sócrates quando ele foi senten-

ciado à morte.

Outra toxina, estruturalmente mais complexa, como a atropina era obtida a partir da planta

conhecida como beladona. Apesar de ser altamente tóxica em grandes quantidades, a atro-

pina é usada, até hoje, em pequenas quantidades para dilatar as pupilas e como um antico-

linérgico (bloqueia a ação do neurotransmissor acetilcolina).

N

N

Br

Br

H

HO

O

HO

HO

CH3 OH

OHOH

O

O

OO

OHOH

OHHO

N

N

H

HO

O

VIOLETA REAL “TYRIAN” ÍNDIGO ÁCIDO CARMÍNICO

NH

CONIINA

Page 7: Quimica Organica 1 MOODLE

7

Entretanto, a classificação dos compostos teve início a partir de 1700 com o estudo pio-

neiro de Carl Wilhelm Scheele isolando compostos orgânicos. Ele isolou ácidos graxos a

partir de gordura animal, ácido tartárico a partir de uvas, ácido lático a partir do leite,

ácido cítrico a partir do limão, uréia a partir da urina e muitos outros compostos orgâni-

cos. Contudo, nem Scheele e nem os outros Químicos da época tinham conhecimento da

estrutura dessas substâncias, ou seja, dos elementos que compunham essas substâncias.

Por conta disso, os compostos isolados eram distinguidos de acordo com a sua origem; os

compostos obtidos de plantas e de animais foram chamados de orgânicos, para indicar que

era originário de um organismo vivo. Aqueles obtidos a partir do reino mineral foram

classificados como inorgânicos.

Um grande progresso da Química Orgânica foi estabelecido por Antoine Lavoisier, que é

por muitos, denominado como o pai da química moderna. Em 1774 ele demonstrou que os

compostos orgânicos queimam (combustão) para produzir dióxido de carbono e água, signi-

ficando que eles são compostos constituídos principalmente por carbono, hidrogênio e talvez

oxigênio. Mais tarde ele mostrou que alguns compostos orgânicos derivados de animais

também continham nitrogênio.

Em 1808 John Dalton propôs a sua teoria atômica, tendo uma enorme contribuição para o

entendimento dos compostos inorgânicos. Essencialmente, a teoria de Dalton postulou que

os elementos são compostos de pequenas partículas indivisíveis chamadas de átomos e que

esses átomos se combinam em pequenas razões para formar os compostos químicos.

Apesar de a teoria atômica ter ajudado na explicação da composição de muitos compostos

inorgânicos, ela não foi muito útil para os compostos orgânicos muito mais complexos. Ao

contrário dos compostos inorgânicos relativamente simples, conhecidos como h2o, no e no2

existe um grande número de compostos orgânicos, todos formados por poucos elementos,

porém, com uma vasta variedade de razões, como c2h2, c2h4, c2h6, c3h8 e muitos outros. Difi-

culdades como essa levou Jöns Berzelius, que cunhou o termo de química orgânica em 1808,

a escrever o primeiro texto dedicado ao assunto em 1827, interrogando se a teoria atômica e

outras leis químicas poderiam ser aplicadas aos compostos orgânicos.

N

OH

OO

CH3

ATROPINA

Page 8: Quimica Organica 1 MOODLE

8

Um dos princípios da teoria da força vital (Vitalismo), suportado por Berzelius e outros

químicos da época, era que somente os organismos vivos podiam formar os compostos or-

gânicos. Entre 1828 e 1850, uma série de compostos que eram claramente “orgânicos” foram

sintetizados a partir de fontes que eram tidas como “inorgânicas”. A primeira dessas sínteses

foi realizada por Friedrich Wöhler em 1828. Wöhler preparou o composto orgânico uréia

(inicialmente obtido a partir da urina) a partir do aquecimento de uma solução aquosa de

cianato de amônio.

Apesar desse experimento contradizer totalmente o Vitalismo, uma grande comoção foi

causada na época pelo fato desses compostos possuírem a mesma fórmula molecular (ch4n2o).

Foi a partir desses compostos que Berzelius e Wöhler criaram o termo isômeros (diferentes

compostos com fórmulas idênticas).

Entre 1858 e 1861, August Kekulé, Archibald Scott Couper e Alexander M. Bulterov, traba-

lhando independentemente, lançaram as bases para uma das mais importantes teorias da

química: a teoria estrutural. Duas premissas centrais são fundamentais:

Os átomos nos compostos orgânicos podem formar um número fixo de ligações

usando os seus elétrons da camada externa (de valência). O átomo de carbono

é tetravalente, isto é, o átomo de carbono tem quatro elétrons na camada de

valência e pode formar quatro ligações químicas;

Um átomo de carbono pode usar um ou mais elétrons de valência para formar

ligações com outros átomos de carbono.

A partir de então Kekulé definiu a química orgânica como a ciência que estuda os com-

postos de carbono.

NH4 NCO H2N NH2CO

Aquecimento

CIANATO DE AMÔNIO URÉIA

CH

H HH

CH

H CH

H

HH C C

H

H

H

HC CH H

Page 9: Quimica Organica 1 MOODLE

9

Em 1874 as fórmulas estruturais originadas da teoria estrutural de Kekulé, Couper e Bul-

terov foram expandidas para três dimensões mediante os estudos independentes de J. H.

van’t Hoff e J. A. Le Bel. Eles propuseram que as quatro ligações do átomo de carbono no

metano, por exemplo, possuíam um arranjo tetraédrico onde átomo de carbono ocupava o

centro do tetraedro.

Em 1916 foram propostas por G. N. Lewis e W. Kossel as primeiras explicações da natureza

das ligações químicas:

Ligação iônica, formada pela transferência de um ou mais elétrons de um átomo

para o outro formando íons;

Ligação covalente, formada quando os átomos compartilham elétrons.

Em 1926, uma nova teoria sobre a estrutura atômica e molecular foi proposta indepen-

dentemente e quase simultaneamente por Erwin Shrödinger, Werner Heisenberg e Paul

Dirac. Essa teoria foi chamada de mecânica quântica, é a base para o entendimento atual

das ligações químicas nas moléculas e permitiu explicar melhor a relação entre estrutura

molecular e reatividade.

Atualmente a química orgânica contribui decisivamente para a criação de novas moléculas

como os novos materiais, plásticos, tintas, novas cores para as nossas roupas, perfumes

para usar, novos medicamentos para curar doenças entre outras utilidades. Algumas pes-

soas pensam que as atividades inerentes á química orgânica são antinaturais e seus produ-

tos perigosos ou nocivos. Entretanto, diariamente novas moléculas são construídas pelos

homens a partir de outras moléculas encontradas na Terra usando as habilidades naturais

inerentes ao nosso cérebro. O que não é natural? Para o químico orgânico essa é uma dis-

tinção sem sentido. Há compostos tóxicos e os nutritivos, estáveis e os compostos reativos,

mas existe apenas um tipo de química: a que vai para dentro de nossos cérebros e corpos

assim como a que vai para os nossos balões e reatores, nascida das idéias de nossa mente e

da habilidade de nossas mãos.

CH

H

H

H

Page 10: Quimica Organica 1 MOODLE

10

introdução ao eStudo doS compoStoS do carbono

Aula 1

Ligação covalente e estrutura molecular

A ciência ensina, há muito tempo, que o ponto primordial para a interpretação das proprie-

dades de uma substância química passa inicialmente pelo reconhecimento e compreensão da

sua estrutura e das suas ligações químicas. A estrutura de uma substância está diretamente

associada à forma com que os átomos estão arranjados no espaço. Já o termo ligações quí-

micas descreve as forças que mantêm os átomos vicinais unidos. O objetivo desse módulo

é estudar mais aprofundadamente os orbitais e as teorias de ligação, a teoria da ligação de

valência e a teoria dos orbitais moleculares, a fim de entendermos a ligação covalente.

É necessário relembrar antes de começar:

Estrutura Atômica (Módulo 3 – Química Geral 1);

Estruturas de Lewis (Módulo 4 – Química Geral 1);

Princípios da estrutura molecular e a teoria rpenv

(Módulo 5 – Química Geral 1).

1 Orbitais e teorias de ligação

Os orbitais, tanto atômicos como moleculares, serão objetos de estudo desse módulo. O modelo

mecânico quântico do átomo, que é a melhor maneira de explicar as propriedades dos átomos,

descreve os elétrons nos átomos como ondas eletromagnéticas. Sabe-se que a localização dos

elétrons de valência nos átomos é descrita por um modelo de orbital o que nos permite pensar

então nos orbitais como regiões do espaço em que há a probabilidade elevada de se encontrar

o elétron, ou ainda, como a descrição da propriedade de onda de um elétron em um átomo.

Duas aproximações bastante difundidas que explicam a ligação química baseadas

em orbitais são a teoria da ligação de valência (t lv ) e a teoria do orbital molecular (om ).

A primeira foi desenvolvida em sua maioria por Linus Pauling e a sua abordagem está

intimamente associada à idéia de Lewis de ligar pares de elétrons entre átomos e pares de

1

Page 11: Quimica Organica 1 MOODLE

11

elétrons isolados localizados em determinado átomo. Já a segunda, desenvolvida princi-

palmente por Mulliken, descreve a combinação linear de orbitais atômicos para formar um

conjunto de orbitais que são propriedades da molécula, e então distribuir os elétrons das

moléculas dentro desses orbitais.

no ta

A teoria de ligação de valência é geralmente o método de escolha para forne-

cer um retrato qualitativo, visual, da estrutura molecular e de uma ligação.

Além disso, essa teoria fornece uma boa descrição das ligações em moléculas

em seu estado de energia mais baixo, fundamental. Em contraste, a teoria do

orbital molecular é usada quando é necessário um retrato mais quantitativo

da ligação, principalmente se quisermos descrever moléculas em estados ex-

citados, ou seja, de energia mais elevada.

2 Orbitais atômicos

Erwin Schrödinger desenvolveu uma equação de onda para representar um elétron associa-

do com um núcleo atômico. A solução dessa equação de onda para o átomo de hidrogênio

fornece três tipos diferentes de números quânticos que juntos descrevem a orientação espa-

cial do elétron relativo ao núcleo.

no ta

1 Número quântico principal (n). O número quântico principal pode tomar

como valor qualquer número positivo inteiro. O seu valor define a energia do

átomo de hidrogênio (e de outro átomo monoelectrónico de carga nuclear Z). À

medida que n aumenta o orbital torna-se maior e o elétron passa mais tempo

mais distante do núcleo.

Page 12: Quimica Organica 1 MOODLE

12

2 O número quântico azimutal (l). O número quântico de momento angular, ou

azimutal, informa-nos sobre a forma das órbitas. Como o próprio nome indica,

o valor de l define o momento angular do elétron, sendo que o aumento do seu

valor implica o aumento correspondente do valor do momento angular. Deste

modo, a energia cinética do elétron é associada ao movimento angular e esta

dependente da energia total do elétron, pelo que é natural que os valores per-

mitidos de l estejam associados ao número quântico principal. Para um dado

valor de n, l pode ter como valores possíveis os números inteiros de 0 a (n − 1).

3 O número quântico magnético (ml). O número quântico magnético especi-

fica a orientação permitida para uma nuvem eletrônica no espaço, sendo que

o número de orientações permitidas está diretamente relacionado à forma da

nuvem (designada pelo valor de l). Dessa forma, este número quântico pode

assumir valores inteiros de -l, passando por zero, até +l. Para l = 0, que corres-

ponde ao subnível s, existe somente uma orientação (ml = 0). Já para l = 1, que

corresponde ao subnível p, existem três orientações permitidas, que surgem em

decorrência dos três valores de ml (+1, 0, -1). Os três orbitais p são denominados

px, py e pz e são orientados de acordo com os três eixos cartesianos (x, y e z).

A solução para essas equações de onda que descrevem o movimento do elétron em torno

do núcleo são usualmente designadas pela letra grega psi (ψ). Essas soluções são chamadas

de orbitais, por analogia às orbitas do modelo planetário clássico. Um orbital é uma função

matemática que tem um valor finito em torno do espaço.

A função de onda Ѱ não tem significado físico, mas o seu quadrado representa a densidade de

probabilidades de se encontrar o elétron (partícula) em uma dada região do espaço. O módulo

ao quadrado de Ѱ, no caso atômico, representa também a densidade eletrônica que descreve

as regiões, em torno do núcleo, mais prováveis de se encontrar os elétrons. No caso do átomo

de hidrogênio, contendo somente um elétron, Ѱ2 representa a densidade de probabilidade de

se encontrar o elétron em uma dada região em torno do núcleo. Assim, como os orbitais s têm

simetria esférica, a variação de ψ é a mesma em todas as direções, tendo o núcleo na origem

da esfera. A forma do orbital 2p pode ser representada, aproximadamente, por uma esfera

dividida em duas partes, uma negativa e outra positiva, com o nodo planar sobre o núcleo.

1s 2sNÓDO

2p

Page 13: Quimica Organica 1 MOODLE

13

A solução da equação de onda para o átomo de hidrogênio com o seu único elétron no nível

quântico de menor energia (número quântico principal n = 1) descreve uma região esférica

de densidade de probabilidade de encontrar o elétron relativo ao núcleo. Esse orbital é deno-

minado de orbital atômico 1s e possui uma probabilidade maior do que 95% de encontrar o

elétron a uma distância de 1,7 Ao (170 pm) do núcleo.

Quando a equação de onda é solucionada para um elétron no nível de energia imediatamente

superior (número quântico principal n = 2), a solução descreve duas regiões esféricas com alta

densidade de probabilidade de encontrar o elétron. Uma está mais próximo do núcleo, portanto

com menos energia, orbital 1s e o outro mais distante do núcleo, denominado orbital atômico

2s. Nesse orbital existe um ponto de probabilidade zero de encontrar o elétron (Ѱ0=0) conhe-

cido como nódo.

No orbital 1s a densidade de carga (nuvem eletrônica) decresce à medida que se afasta do

núcleo. Isto significa que a probabilidade de encontrar o elétron em um dado ponto do es-

paço diminui à medida que se afasta do núcleo. No caso do orbital 2s a densidade diminui à

medida que se afasta do núcleo e fica igual a zero no ponto nodal. Em seguida, aumenta até

atingir um ponto de máximo e decresce novamente.

A solução para o elétron no segundo nível quântico de energia de um átomo de hidrogênio

descreve ainda três orbitais atômicos adicionais, ditos degenerados, pois possuem a mesma

energia. Esses orbitais atômicos conhecidos como 2p são simétricos sobre três eixos perpen-

diculares e possuem maior probabilidade de elétrons nas regiões (lobos) de ambos os lados

do núcleo e probabilidade zero de encontrar o elétron no núcleo (nódo). Esses orbitais são

designados como 2px, 2py e 2pz, onde x, y, e z são os eixos dos orbitais e correspondem as

coordenadas cartesianas tridimensionais.

yz

xNÚCLEO

ORBITAL ATÔMICO 1S

NÚCLEO

ORBITAL ATÔMICO 2S

NÓDO

NÓDO

zψ+

ψ−

y

x

zψ+

ψ−

y

x

ou

zψ+

y

x

zψ+

ψ−

y

x

ψ−

ψ+

ORBITAIS 2p x 2p y 2p ze ORBITAL 2p ORBITAL 2p ORBITAIS 2px 2py 2pze

PLANO NODAL PLANO NODAL

Page 14: Quimica Organica 1 MOODLE

14

A densidade de carga para o orbital 2pz consiste de duas nuvens que têm a forma de uma

esfera achatada, sendo um posicionado acima do plano nodal e o outro, abaixo.

3 Orbitais Moleculares

A mecânica quântica providencia um modelo de configuração eletrônica para o átomo de

hidrogênio que serve como base para outros átomos. A idéia desenvolvida para um átomo

simples pode ser aplicada para interações entre outros átomos, isto é, para a formação de

ligações químicas. Veremos que as soluções obtidas para a equação de onda usada para des-

crever os elétrons de dois átomos individuais (orbitais atômicos) são combinadas para formar

os orbitais moleculares. O resultado da sobreposição dos orbitais atômicos é a formação de

uma nova função de probabilidade (orbital molecular) dos elétrons associados numa ligação

química, similares as descritas para os elétrons nos orbitais atômicos.

Por que ocorre a combinação (sobreposição) dos orbitais atômicos? A resposta é simples,

estabilidade, ou seja, o orbital molecular formado tem menos energia do que os orbitais

atômicos isoladamente. Em um átomo, sabemos que os elétrons são carregados negativa-

mente e por isso atraído pelo núcleo que é carregado positivamente. Os dois átomos de

hidrogênio aproximam-se um do outro a partir de uma distância infinita e os elétrons

de um átomo são atraídos pelo núcleo do outro átomo. Essa atração mútua aumenta coma

diminuição da distância entre os átomos. Entretanto, se os átomos continuarem a se apro-

ximar os núcleos carregados positivamente irão se repelir.

no ta

Na combinação dos átomos existe uma distância ideal onde a energia poten-

cial assume valores mínimos. Essa distância é chamada de comprimento de

ligação: e é igual a 0,74 Ao para a molécula de hidrogênio. A energia neces-

sária para quebrar essa ligação é chamada de força de ligação.

Os átomos de hidrogênios separados possuem mais energia (são menos estáveis) do que a

molécula de hidrogênio. Portanto, os átomos se ligam mediante o compartilhamento de elé-

trons para formar mo3 Orbitais Moleculares

H H

1s 1sH-H

Combinação (sobreposição) dos orbitaisatômicos 1s dos átomos de hidrogênio

E LÉTRONS COMPARTILHADOS D ISTÂNCIA ENTRE OS ÁTOMOS DE HIDROGÊNIO

Ponto de menor energia = distância ideal

Aproximação dos orbitais atômicosAumento da

energia potencial

RepulsãoH H

Page 15: Quimica Organica 1 MOODLE

15

4 Teoria dos Orbitais Moleculares (tom)

O modelo mais simples quanto-mecânico aproximado para os elétrons de uma ligação quí-

mica deriva da combinação das funções de onda (ψ1 e ψ1) para os dois átomos de maneira

análoga à combinação descrita para a molécula de hidrogênio. A nova função de onda é uma

combinação linear de orbitais atômicos (c l oa ).

A teoria dos Orbitais Moleculares considera que os orbitais atômicos, do nível de valência,

deixam de existir quando a molécula se forma, sendo substituídos por um novo conjunto de

níveis energéticos que correspondem a novas distribuições da nuvem eletrônica (densidade

de probabilidade). Esses novos níveis energéticos constituem uma propriedade da molécula

como um todo e são chamados, conseqüentemente de orbitais moleculares.

no ta

A efetividade da combinação linear dos orbitais atômicos deve satisfazer duas

condições primordiais: os orbitais atômicos devem ter energias comparáveis e

a sobreposição entre eles deverá ser significativa.

As funções de onda dos elétrons podem interagir de uma maneira construtiva, ou seja, os

orbitais atômicos envolvidos se combinam em uma mesma fase (mesmo sinal) ou de maneira

destrutiva, onde ocorre a combinação dos orbitais atômicos fora de fase (sinais diferentes).

A combinação construtiva dos orbitais atômicos aumenta a densidade de probabilidade do

elétron entre os núcleos e formam um orbital molecular ligante energeticamente favorecido.

Já o orbital molecular antiligante (representado com um asterisco) resulta da interação des-

trutiva dos orbitais atômicos e possui uma região de densidade de probabilidade zero (um

nódo) entre os núcleos.

ψa (1s)

a

+ψb (1s)

b ba

+

σ 1s

FUNÇÃO DE ONDA DO

ORBITAL ATÔMICO A

FUNÇÃO DE ONDA DO

ORBITAL ATÔMICO BORBITAL MOLECULAR L IGANTE

Sobreposição construtiva

ψa (1s)

a

+

ψb (1s)

b

ba

σ∗ 1s

-+

-

FUNÇÃO DE ONDA DO

ORBITAL ATÔMICO AFUNÇÃO DE ONDA DO

ORBITAL ATÔMICO B

Sobreposição destrutiva

NódoORBITAL MOLECULAR ANTIL IGANTE

Page 16: Quimica Organica 1 MOODLE

16

No exemplo anterior dois orbitais atômicos combinaram para produzir dois orbitais mo-

leculares. O número de orbitais moleculares deve ser sempre igual ao número de orbitais

atômicos que são combinados.

no ta

No preenchimento dos orbitais moleculares com os elétrons são usados os mes-

mos critérios que foram usados para os orbitais atômicos:

1 Os primeiros orbitais moleculares a serem prenchidos com elétrons são os e

menores energias;

2 Os orbitais moleculares degenerados deverão ser primeiro preenchidos par-

cialmente com elétrons de mesmo spin. Posteriormente esses orbitais deverão

ser preenchidos, se assim houver necessidade, com elétrons de spin contrários;

3 Não mais do que dois elétrons com spins contrários poderão ocupar o mesmo

orbital molecular.

O orbital molecular ligante é energeticamente mais favorecido do que os orbitais atômicos,

enquanto que o orbital molecular antiligante é menos favorecido. Dois elétrons, um de cada

átomo, são acomodados no orbital molecular ligante. Já o orbital molecular antiligante perma-

nece vazio no estado fundamental da molécula de hidrogênio.

a b

DEN

SID

AD

E EL

ETR

ÔN

ICA

P OSIÇÃO NO EIXO INTERNUCLEAR

ψa (1s)

H a

ψa (1s) + ψb (1s) ψb (1s)

H b

ψa (1s) - ψb (1s)

H-H

Orbital molecular antiligantedo hidrogênio

Orbital molecular ligante dohidrogênio

Orbital atômico dohidrogênio

Orbital atômico dohidrogênioEN

ERGIA

=

+

ψb (1s)

=

ψa (1s)

+

ψb (1s)

ψa (1s)

Orbital molecular ligante dohidrogênio

Orbital molecular antiligantedo hidrogênio

Nódo

ENER

GIA

Page 17: Quimica Organica 1 MOODLE

17

No exemplo anterior dois orbitais atômicos combinaram para produzir dois orbitais mo-

leculares. O número de orbitais moleculares deve ser sempre igual ao número de orbitais

atômicos que são combinados.

no ta

No preenchimento dos orbitais moleculares com os elétrons são usados os mes-

mos critérios que foram usados para os orbitais atômicos:

1 Os primeiros orbitais moleculares a serem prenchidos com elétrons são os e

menores energias;

2 Os orbitais moleculares degenerados deverão ser primeiro preenchidos par-

cialmente com elétrons de mesmo spin. Posteriormente esses orbitais deverão

ser preenchidos, se assim houver necessidade, com elétrons de spin contrários;

3 Não mais do que dois elétrons com spins contrários poderão ocupar o mesmo

orbital molecular.

O orbital molecular ligante é energeticamente mais favorecido do que os orbitais atômicos,

enquanto que o orbital molecular antiligante é menos favorecido. Dois elétrons, um de cada

átomo, são acomodados no orbital molecular ligante. Já o orbital molecular antiligante perma-

nece vazio no estado fundamental da molécula de hidrogênio.

a b

DEN

SID

AD

E EL

ETR

ÔN

ICA

P OSIÇÃO NO EIXO INTERNUCLEAR

ψa (1s)

H a

ψa (1s) + ψb (1s) ψb (1s)

H b

ψa (1s) - ψb (1s)

H-H

Orbital molecular antiligantedo hidrogênio

Orbital molecular ligante dohidrogênio

Orbital atômico dohidrogênio

Orbital atômico dohidrogênioEN

ERGIA

=

+

ψb (1s)

=

ψa (1s)

+

ψb (1s)

ψa (1s)

Orbital molecular ligante dohidrogênio

Orbital molecular antiligantedo hidrogênio

Nódo

ENER

GIA

Pela combinação linear de um orbital 2s de um átomo A com um orbital 2s do átomo B,

obtemos aproximações dos orbitais moleculares σ2s, ligante e antiligante. O processo é com-

pletamente análogo ao empregado para os orbitais 1s dos átomos de hidrogênio, exceto pelo

fato de os orbitais atômicos 2s possuirem um plano nodal cada.

Combinação favorável entre orbitais atômicos 1s de dois hidrogênios produz um orbital mo-

lecular ligante que é cilindricamente simétrico sobre o eixo internuclear. Elétrons atribuídos a

tais orbitais moleculares possuem alta probabilidade de estarem localizados no volume entre os

núcleos. A ligação formada quando os dois elétrons ocupam esse orbital molecular no eixo inter-

nuclear é a ligação sigma (σ). O orbital antiligante associado a ele é denominado sigma estrela (σ*).

.

Dois tipos diferentes de orbitais atômicos podem também combinar para produzir o orbital

molecular de uma ligação sigma. A combinação de um orbital atômico 1s com um orbital atô-

mico 2p forma um orbital molecular ligante normalmente com forma diferente daquela obtida

por dois orbitais atômicos 1s ou 2p, porém, a maior probabilidade de encontrar o elétron é ain-

da simetricamente orientada em torno do eixo internuclear. O orbital molecular sigma ligan-

te ordinariamente acomoda elétrons atribuídos às ligações simples nas moléculas orgânicas.

Núcleo

Nódo

ORBITAL ATÔMICO 2S

ψa (1s)

+

ψb (1s) ψa (1s) ψb (1s)+

ORBITAIS ATÔMICOS 1S DO

HIDROGÊNIO

SOBREPOSIÇÃO DO PAR DE

ORBITAIS 1S

Orbital molecular ligante damolécula de hidrogênio

ψa (1s)

+ x

x

xORBITAL 2PX Orbital molecular ligante da

ligação sigma

SOBREPOSIÇÃO DO ORBITAL 1S

COM O ORBITAL 2PX

Page 18: Quimica Organica 1 MOODLE

18

A combinação de dois orbitais p pode produzir resultados diferentes dependendo de quais

orbitais p são usados. Se o eixo x é o eixo de ligação, então dois orbitais 2px podem se sobre-

por apropriadamente se eles se aproximarem segundo um único eixo. Os orbitais moleculares

resultantes constituem, como antes, um orbital ligante (σx) com carga eletrônica acumulada

entre os núcleos e um orbital molecular antiligante (σ*x) com decréscimo de carga entre os nú-

cleos. Esses orbitais são também classificados como σ, porque são simétricos ao redor do eixo

de ligação. Eles são designados σx e σ*x para indicar que derivaram de orbitais atômicos px.

Outro importante tipo de ligação nas moléculas orgânicas é a ligação pi (π). Ligações pi

resultam da interação de orbitais atômicos p paralelos localizados em átomos adjacentes. A

sobreposição lado a lado em fase desses orbitais levam a formação do orbital molecular pi

ligante (π). Já a sobreposição fora de fase formará o orbital molecular pi antiligante (π*). Os

elétrons atribuídos ao orbital molecular π tem grande probabilidade de serem encontrados nas

regiões acima e abaixo do eixo internuclear.

no ta

Os orbitais moleculares π são associados às ligações múltiplas nos compostos

orgânicos. As duplas ligações carbono-carbono e carbono-oxigênio são exem-

plos importantes. Quatro elétrons ocupam os orbitais ligantes dessas ligações

duplas. Dois elétrons são atribuídos na ligação σ localizados ao longo da

linha interatômica e dois elétrons completam o orbital molecular ligante π,

acima e abaixo do plano molecular.

x+

σx

-σ∗x

ORBITAL 2PX ORBITAL 2PX

ORBITAL

ORBITAL

PLANO NODAL

ENER

GIA

π

π∗

Orbital 2py

Orbital 2py Orbital 2py

Orbital 2py Orbital molecular

Orbital molecular

Plano nodal

ENER

GIA

Page 19: Quimica Organica 1 MOODLE

19

Para a construção dos orbitais moleculares, considera-se primeiro que os orbitais atômicos

estejam vazios. Faz-se a combinação destes formando os orbitais moleculares ligantes e an-

tiligantes. Os elétrons são então distribuídos nos orbitais moleculares seguindo as regras de

Hund e Pauli. Na figura a seguir aparece o diagrama de orbitais moleculares para moléculas

diatômicas homonucleares formadas com átomos do primeiro ou segundo período. Após a

distribuição de todos os elétrons, pode-se calcular a ordem de ligação para a molécula. Para

tal, basta diminuir do número total de elétrons que ocupam os orbitais ligantes da quan-

tidade de elétrons que ocupam os orbitais antiligantes e dividir por dois. O número obtido

representa a quantidade de ligações entre os dois átomos.

Considere-se, por exemplo, a formação da molécula do oxigênio. Cada átomo possui oito

elétrons, totalizando dezesseis. Estes elétrons devem ser distribuídos no diagrama conforme

mostrado na figura a seguir. Pode-se observar que dez elétrons ocupam orbitais ligantes (σ1s,

σ2s, σ2px , σ2py e σ2pz ) e seis orbitais antiligantes (π*1s, π*2s, π*2py e π*2pz). Note que no

preenchimento dos orbitais moleculares para a formação da molécula de oxigênio existem

dois elétrons desemparelhados em orbitais antiligantes π*2py e π*2pz o que explica perfeita-

mente as propriedades paramagnéticas da molécula de oxigênio.

5 Teoria de Ligação de Valência (t lv)

A teoria da ligação de valência (t lv ) foi desenvolvida em 1927 por Heitler e London como

uma interpretação da teoria de Lewis sob o ponto de vista da mecânica quântica, ou seja, ela

descreve a formação da ligação química a partir da sobreposição dos orbitais atômicos de

valência, sem que ocorra, no entanto perda das características individuais destes.

- O=O

Orbital atômico Orbital atômico Orbital atômico Orbital atômico

Orbital molecular Orbital molecular

Molécula de Oxigênio

ENER

GIA

1s

2s

2px y z x y z

σ

σ

σ

σ∗

σ∗

σ∗

ππ

π∗ π∗

x y z x y z

σ

σ

σ

σ∗

σ∗

σ∗

πππ∗ π∗

Page 20: Quimica Organica 1 MOODLE

20

no ta

A força da ligação é proporcional à superposição dos orbitais atômicos.

Em conseqüência os átomos na molécula tendem a ocupar uma posi-

ção em que haja um máximo de superposição entre os orbitais.

Como exemplo descrevemos novamente a formação da molécula de hidrogênio (H2), onde

para a formação da ligação ocorre a sobreposição de dois orbitais atômicos dos hidrogênios.

Por razões derivadas do princípio de Pauling, somente elétrons com spins emparelhados

podem contribuir para uma ligação na t lv.

No exemplo acima, a ligação formada é denominada de ligação sigma (σ). Uma ligação σ

tem uma simetria cilíndrica ao redor do eixo internuclear, e os elétrons têm um momento

angular orbital zero sobre esse eixo.

Conforme descrito na teoria dos orbitais moleculares, uma ligação π surge do emparelha-

mento dos elétrons em dois orbitais p que se aproximam lado a lado. Um elétron em uma

ligação π tem uma unidade de momento angular sobre o eixo internuclear.

Cabe ressaltar que a sobreposição dos orbitais atômicos para formar a ligação π é menos

eficiente do que a sobreposição dos orbitais na formação da ligação σ, o que explica o fato

da ligação σ ser mais forte do que a ligação π.

6 Orbitais Híbridos

A extensão dos conceitos de orbitais atômicos para moléculas providencia uma correlação

interessante com as propriedades da molécula de hidrogênio, mas não é suficiente para rela-

tar muitas características de compostos orgânicos mais complexos.

Precisamos agora olhar diferentes formas de combinar mais de dois átomos ao mesmo tempo.

Para algumas moléculas como o h2S e ph3, que possuem todos os ângulos iguais a 90o, as liga-

ções são feitas diretamente com os orbitais atômicos p (que possuem ângulos de 90o) do átomo

central mediante a combinação simples com os orbitais atômicos 1s do átomo de hidrogênio.

+ + + +

1s 1s

=

H2

+ +

(1s)

P

H

H

H

(1s)

(1s)

px

py

p z

S

H

H

(1s)

(1s) px

py

ORBITAIS P DO ÁTOMO

DE FÓSFORO

ORBITAIS P DO ÁTOMO

DE ENXOFRE

Page 21: Quimica Organica 1 MOODLE

21

Entretanto, como podemos explicar os ângulos das ligações na molécula de água (104º), na

amônia (107º) e no metano (109º) através da combinação dos orbitais p dos átomos centrais,

que como mostrado anteriormente possuem ângulos de 90º com os orbitais 1s dos átomos de

hidrogênio? Além disso, como explicar as geometrias dessas moléculas onde as duas primei-

ras são quase tetraédricas e o metano tetraédrico?

Pauling e Slater desenvolveram um modelo modificado satisfatório para explicar as liga-

ções covalentes em moléculas mais complexas baseado na mecânica quântica introduzindo

o conceito de hibridação de orbitais.

no ta

Hibridação de orbitais, em sua forma mais simples, nada mais é do que uma

aproximação matemática que envolve a combinação de funções de onda

individuais dos orbitais s e p de um mesmo átomo para obter novas funções

de onda correspondentes aos novos orbitais. Esses novos orbitais, tem em

proporções variáveis, propriedades semelhantes a dos orbitais atômicos

originais separadamente e são chamados de orbitais atômicos híbridos.

A. Carbono Tetraédrico – Orbital Atômico Híbrido sp3

O metano (ch4) é o hidrocarboneto mais simples que possui um átomo de carbono tetracoor-

denado. A molécula possui quatro ligações carbono-hidrogênio equivalentes com todos os

ângulos H-C-H idênticos e igual a 109,5º o que lhe confere uma geometria tetraédrica. Portan-

to, o metano deverá ter quatro orbitais moleculares equivalentes resultantes da sobreposição

dos orbitais atômicos do carbono com um orbital atômico de um dos hidrogênios. A pergunta

é como explicar essas propriedades?

O átomo de carbono tem, de fato, quatro elétrons no segundo nível quântico principal, mas

os dois elétrons atribuídos ao orbital atômico 2s são emparelhados e estão indisponíveis para

formar novas ligações. Uma maneira de conseguir quatro elétrons disponíveis para formar as

ligações do átomo de carbono com os átomos de hidrogênio existente na molécula do metano

é promover um elétron do orbital 2s para o orbital vazio 2p. Apesar da promoção do elétron

para níveis maiores necessitar de energia adicional, a formação de novas ligações pronta-

mente compensa essa energia. Dessa forma, quatro elétrons desemparelhados atribuídos aos

orbitais 2s e 2p estão agora disponíveis para formar as quatro ligações do átomo de carbono.

1s

2s

2px y z

1s

2s

2px y z

Estado Fundamental Estado Excitado

Energia

Energia

Orbital atômicodo carbono

Orbital atômicodo carbono

Page 22: Quimica Organica 1 MOODLE

22

Entretanto, ainda existe alguns problemas. Primeiro, se fossem usados diretamente orbital

atômico 2s e os três orbitais 2p do carbono para efetuar a sobreposição com os orbitais atômi-

cos 1s dos hidrogênios não seriam formados, obviamente, quatro orbitais moleculares ligan-

tes idênticos como ocorre na molécula do metano. Segundo, o orbital atômico 2p do carbono

não tem a geometria correta para permitir um arranjo tetraédrico dos átomos de hidrogênio

em torno do átomo de carbono. Isso deverá fornecer uma sobreposição inadequada entre os

orbitais atômicos o que acarretaria na formação de uma ligação fraca, o que não ocorre na

molécula do metano. Como solucionar esses problemas?

A formação de quatro orbitais atômicos híbridos sp3 para o átomo de carbono soluciona esses

problemas e explica satisfatoriamente as propriedades da molécula do metano. Nesse modelo,

quatro orbitais são misturados – hibridizados – e quatro novos orbitais atômicos híbridos

degenerados (mesma energia) são obtidos. Esses orbitais híbridos são chamados de orbitais sp3

para indicar que eles possuem um 1/4 do caráter de um orbital s e 3/4 do caráter de um orbital p.

2s

ψ+ψ−

x

2px

y

2py

z

2pz2s

2py

sp3ORBITAL

ORBITAL

ORBITAL

ORBITAL

ORBITAL HÍBRIDO

QUATRO ORBITAIS DESSES

SÃO FORMADOS

no ta

O tratamento matemático da hibridação dos orbitais também mostra

que os quatro orbitais sp3 deverão ser orientados com ângulos de 109,

5º. Esse valor é precisamente a orientação espacial dos quatro átomos

de hidrogênio em torno do carbono na molécula do metano.

Para facilitar o entendimento nesse texto só serão mostrados os orbitais moleculares ligan-

tes formados pela sobreposição dos orbitais atômicos híbridos com outros orbitais atômicos

híbridos ou não.

1s

2s

2px y z

1s

2s

2px y z

1s

ESTADO FUNDAMENTAL ESTADO EXCITADO ESTADO HIBRIDIZADO

ENER

GIA

ENER

GIA

E NER

GIA

Orbital atômicodo carbono

Orbital atômicodo carbono

Orbital atômicodo carbono

Hibridação

Orbitais híbridos sp³

H

HH

H C

H

HH

HC

sp 3

sp 3

sp 3sp 33p 3s

33

ppsspp 3

sp 3sp

sp 3

3

ADICIONA

QUATRO H COMBINA SP³ E 1S 109,5º

Page 23: Quimica Organica 1 MOODLE

23

Os ângulos de ligações dos átomos de carbono no etano (C2H6), e de todos os alcanos, tam-

bém são tetraédricos como no metano. Um modelo satisfatório para o etano pode ser obtido

pelos átomos de carbono com hibridação sp3.

A hibridação dos orbitais atômicos não é uma aproximação matemática exclusiva do áto-

mo de carbono. Baseado na geometria molecular obtido pelo modelo de repulsão dos pares de

elétrons da camada de valência (v S e p r ) pode-se por exemplo, atribuir hibridações sp3 para

os átomos de nitrogênio e oxigênio nas moléculas de amônia e metanol, respectivamente.

B. Carbono Trigonal Planar – Orbital Atômico Híbrido sp2

O eteno (C2H4) é o hidrocarboneto mais simples que possui ema dupla ligação carbono-carbono.

Os seis átomos, dois carbonos e quatro hidrogênios são coplanares e possuem ângulos de liga-

ção de aproximadamente 120º. As ligações no eteno podem ser obtidas assumindo que o átomo

de carbono utiliza três orbitais atômicos híbridos sp2 e um orbital p. Os três orbitais híbridos

do carbono são obtidos através da combinação de um orbital atômico 2s e dois dos três orbitais

atômicos 2p. A maior densidade eletrônica (lobos dos orbitais) dos orbitais híbridos sp2 estão

coplanares entre si e perpendiculares ao orbital não hibridizado remanescente p, com ângulos

de 120º entre os seus eixos. Sua orientação é trigonal. A sobreposição dos orbitais atômicos

híbridos sp2 dos átomos de carbono no eixo internuclear forma a ligação σ carbono-carbono.

Já a sobreposição lateral dos orbitais atômicos p dos átomos de carbono dá origem a ligação π.

1s

2s

2px y z

1s

2s

2px y z

1s

ESTADO FUNDAMENTAL ESTADO EXCITADO ESTADO HIBRIDIZADO

ENER

GIA

ENER

GIA

E NER

GIA

Orbital atômicodo carbono

Orbital atômicodo carbono

Orbital atômicodo carbono

Hibridação

Orbitais híbridos sp²

z

C + C + H6 C C

H

H

H H

H

H

Σ

σ

CABONO SP³ CABONO SP³L IGAÇÃO

L IGAÇÕES

NH

HH

3 σ Nsp3-H1s

C O

H

H

HH

sp3-Osp3

σ Osp3-H1s

σ Csp3-H1s

σ Osp3-H1s

O

Hsp3Osp3

OOOOO

HHHHHHHH

-H

OO 3O

H1s

sp33 O3--O

C

H

H

H

AMÔNIA

HN

H

H

GEOMETRIA TETRAÉDRICA

Page 24: Quimica Organica 1 MOODLE

24

C CH

H

H

H

sp2

sp2sp2 C

H

HC

H

H

σ C sp2-C sp2

π C p-C p

C

ETENO

ORBITAL P

SOBREPOSIÇÃO DE ORBITAIS P

120º

120º

120º

A interação entre os orbitais atômicos p paralelos dos carbono é melhor visua-lizada quando construimos um modelo no plano do esqueleto σ da molécula do eteno. Observe a diferença no formato do orbital molecular ligante de uma ligação π, quando comparado com a ligação σ. Uma ligação σ tem simetria cilíndrica ao redor de uma linha conectando os dois núcleos ligados. Já a ligação π tem um plano nodal passando através dos dois núcleos ligados e entre os lóbulos do orbital molecular ligante.

Compostos orgânicos simples, como por exemplo a metanimina e o formaldeído possuem

respectivamente os átomos de nitrogênio e oxigênio com hibridação sp2. A geometria mole-

cular trigonal segundo o modelo v S e p r de ambos corrobora com essa hibridação.

2s

ψ+ψ−

x

2px

z

2pz

2s

2py

sp2

ORBITAL ORBITAL

ORBITAL

ORBITAL HÍBRIDO

2pyORBITAL

+

C

H

HC

H

H

σ C -C

SOBREPOSIÇÃO DE ORBITAIS p

C

H

HC

H

H

sp2 sp2

σ C -Csp2 sp2

σ C -Hsp2 1s

σ C -Hsp2 1s

π Cp- Cp

π Cp- Cp

C CH

H

H

H

C

H

HN

Hσ C -Nsp2 sp2C N

H

H

H

π Cp- Np

C OH

H

p p

sp²sp²

sp²

sp²

π Cp- NpMETANIMINA FORMALDEÍDO

O

EÍDOO

C

H

HOσ C -Osp2 sp2

π Cp- Op

p p

sp²sp²

sp²

sp²

π Cp- Op

Page 25: Quimica Organica 1 MOODLE

25

C. Carbono Linear – Orbital Atômico Híbrido sp

O composto orgânico mais simples contendo uma tripla ligação é o etino (C2H2). Essa molé-

cula possui uma geometria molecular linear com ângulos de 180º contendo três ligações σ e

duas ligações π. Cada átomo de carbono forma duas ligações s com átomos de hidrogênio e

uma ligação s enttre eles. Portanto, dois orbitais atômicos híbridos com geometrias lineares

são necessários. Esses orbitais híbridos são formados pela hibridação de um orbital atômico

2s e um orbital 2p do carbono. Os orbitais atômicos p remanescentes são responsáveis pela

formação das ligações π.

A ligação tripla pode também ser formada entre o átomo de carbono e outros elementos. A

mais importante é a ligação tripla CN presente no cianeto ou nitrila. Tanto carbono quanto o

nitrogênio são hibridizados sp conferindo às nitrilas uma geometria molecular linear, colo-

cando o par de elétrons desemparelhado do nitrogênio em um orbital sp também.

1s

2s

2px y z

1s

2s

2px y z

1s

z

2s

y +y -

x 2s+

y

+

z

ESTADO FUNDAMENTAL ESTADO EXCITADO ESTADO HIBRIDIZADO

Hibridação

Orbitais hibridos sp

ORBITAL ATÔMICO

DO CARBONO

ORBITAL ATÔMICO

DO CARBONO

ORBITAL ATÔMICO

DO CARBONO

Orbital 2px

Orbital 2py

Orbital 2pz

ENER

GIA

ENER

GIA

ENER

GIA

O RBITAL HÍBRIDO SP²

Orbital 2py

C CH H spsp sp

p y p y

p z p z

s C sp-C sp

p Cpy -Cpy

p Cpz- Cpz

spsp

E TINO

180°

sp

p Cpz-

p

spspH

- Cpz

CCpy -Cpy Cpypy-Cpy py

CC CC

sp spC

Pz

Py

H

Pz

Py

Pz

Py

sp

Page 26: Quimica Organica 1 MOODLE

26

7 Energia dos Orbitais Moleculares

Em geral, os orbitais moleculares de menor energia são os orbitais moleculares sigma ligan-

tes. Eles possuem baixa energia, pois a sobreposição dos orbitais atômicos ocorre no eixo

internuclear, sendo por isso muito efetiva. Por essa mesma razão os orbitais moleculares

sigma antiligantes são os mais energéticos. Os orbitais moleculares pi ligantes não são tão

estáveis quanto os orbitais sigma ligantes pois a sobreposição dos orbitais atômicos ocorre

lateralmente sendo por isso menos efetiva. Por razões semelhantes os orbitais pi antiligantes

possuem menos energia do que os orbitais sigma antiligante. Finalmente os orbitais não li-

gantes, ou seja, não é nem ligante e nem antiligante possuem energias intermediárias entre

os orbitais moleculares ligantes e antiligantes.

Veja a seguir diagramas de níveis de energia dos orbitais moleculares de alguns compostos

orgânicos poliatômicos.

spsp

p y p y

p z p z

s C sp-C sp

p Cpy -Cpy

p Cpz- Cpzp Cpz-

p

sp

- Cpz

CCpy -Cpy Cpypy-Cpy py

CC CC

Pz

Py

s Csp-CspH3C C N C

H

H

H

Pz

Py

C Nsp³

sp³sp³

sp³

ACETONITRILA

Maior energia

Menor energia

Ener

gia

O RBITAIS MOLECULARES

Sigma antiligante

Pi antiligante

Não ligante

Pi ligante

Sigma ligante

C C

H

H

H

H

H

H

7 σ

7 σ∗

C CH

H H

H

5 σ

π C-C

5 σ∗

π∗ C-C

C OH

H

3 σ

π C -O

3 σ∗

π∗ C -O

ORBITAIS ATÔMICOS

NÃO L IGANTES

DO OXIGÊNIO

FORMALDEÍDOETANO ETENO En

ergia

Energia

Energia

Page 27: Quimica Organica 1 MOODLE

27

Resumo e Palavras-chave

Um átomo é constituído de um núcleo carregado positivamente rodeado por um ou mais

elétrons negativamente carregados. A estrutura eletrônica de um átomo é melhor descrita

por uma equação de onda mecânico-quântica, onde se considera que os elétrons ocupam os

orbitais atômicos em torno do núcleo. A definição de orbitais atômicos consiste na região

em torno do núcleo onde há a maior probabilidade de se encontrar os elétrons. Esses orbitais

possuem diferentes níveis quânticos de energias e formas diferentes que podem ser descrito

pelos números quânticos obtidos a partir da solução da equação de onda de Shrödinger para

o átomo de hidrogênio. Por exemplo, os orbitais s são esféricos e os orbitais p são lobulares.

A configuração eletrônica de um átomo pode ser obtida através do preenchimento dos orbitais

atômicos adequados com elétrons, seguindo o princípio da construção.

As ligações covalentes são formadas quando um par de elétrons é compartilhado por mais

de um átomo. De acordo com a teoria de ligação de valência (tlv), o compartilhamento de elé-

trons ocorre devido à sobreposição de dois orbitais atômicos de valência, sem que ocorra, no

entanto perda das características individuais destes. Já na teoria de orbital molecular (tom)

as ligações resultam da combinação matemática de orbitais atômicos para formar os orbitais

moleculares ligantes e antiligantes que pertencem à molécula como um todo. As ligações

formadas mediante a sobreposição frontal de orbitais atômicos no eixo internuclear sendo

simetricamente cilíndricas são denominadas ligações sigma (σ). Já as ligações obtidas pela

sobreposição lateral dos orbitais atômicos p são chamadas de ligações pi (π).

Um modelo modificado satisfatório para explicar as ligações covalentes em molécu-

las mais complexas baseado na mecânica quântica utiliza o conceito de hibridação de

orbitais. Esses novos orbitais, tem em proporções variáveis, propriedades semelhantes a

dos orbitais atômicos originais separadamente e são denominados orbitais atômicos hí-

bridos. Quando o carbono ou qualquer outro átomo dorma somente ligações simples com

geometria tetraédrica, eles utilizam quatro orbitais atômicos híbridos sp3 equivalentes.

Nas ligações duplas com geometria trigonal planar são utilizados três orbitais atômicos

híbridos sp2 equivalentes e um orbital atômico p não hibridizado. A ligação tripla com

geometria molecular linear, os átomos utilizam dois orbitais atômicos híbridos sp equiva-

lentes e dois orbitais p não hibridizados. Esses orbitais sp3, sp2 e sp são obtidos mediante

a mistura – hibridação – interna, em proporções variáveis, dos orbitais atômicos s e p de

um determinado átomo.

Os orbitais moleculares podem ser organizados em diagramas de níveis de energia. Os orbi-

tais moleculares ligantes são sempre mais estáveis do que os não ligantes e estes por sua vez,

possuem menos energia do que os orbitais moleculares antiligantes. Os orbitais moleculares

ligantes sigma são menos energéticos do que os orbitais pi pois a sobreposição frontal dos

orbitais atômicos é mais efetiva do que a sobreposição lateral que ocorre nos orbitais atômi-

cos para formar o orbital molecular pi.

Page 28: Quimica Organica 1 MOODLE

28

Ao término dessa aula você deverá ser capaz de:

Saber que os elétrons tem diferentes níveis de energia;

Como os elétrons são distribuídos nos orbitais atômicos;

Como os orbitais atômicos se combinam para formar os orbitais moleculares;

Por que as moléculas orgânica possuem estruturas lineares, trigonais e tetraédricas;

Correlacionar a forma das moléculas com a estrutura eletrônica;

Construir diagramas de níveis de energia dos orbitais moleculares para molécula

simples;

Predizer a localização dos pares de elétrons não ligantes e os orbitais vazios;

Identificar uma ligação sigma ou pi e entender como elas são formadas;

Identificar a hibridação de todos os átomos de uma molécula;

Identificar o tipo de orbital molecular ocupado por cada par de elétrons em uma

molécula e designar os orbitais atômicos que interagiram para formar aquele

orbital molecular;

Olhando a diante

Os mecanismos das reações orgânicas dependem dos orbitais moleculares;

Deslocalização eletrônica e conjugação;

Reatividade deriva das energias dos orbitais molecularres.

atividadeS

1ª Questão: Compare as estabilidades relativas das moléculas O2, O2+ e O2-, explicitando o

critério seguido.

2ª Questão: Considere as seguintes configurações eletrônicas de várias moléculas:

σ σ σ σ σ π π π π σ

σ σ σ σ σ π π π π σ

σ σ σ σ σ π π π π σ

σ σ σ σ σ π π

I

II

III

VI

2 *2 2 *2 2 2 2 *0 *0 *01 1 2 2 2 2 2 2 2 2

2 *2 2 *2 2 2 2 *1 *0 *01 1 2 2 2 2 2 2 2 2

2 *2 2 *2 2 2 2 *2 *1 *01 1 2 2 2 2 2 2 2 2

2 *2 2 *2 2 21 1 2 2 2 2

s s s s px py pz py pz px

s s s s px py pz py pz px

s s s s px py pz py pz px

s s s s px py π π σ

σ σ σ σ σ π π π π σV

2 *1 *1 *02 2 2 2

2 *2 2 *2 2 2 2 *1 *0 *11 1 2 2 2 2 2 2 2 2

pz py pz px

s s s s px py pz py pz px

Page 29: Quimica Organica 1 MOODLE

29

Leia atentamente o conjunto de afirmações que se seguem e classifique-as como Verdadeiras

(V) ou Falsas (F) justificando as razões da sua escolha:

a) A configuração I corresponde a uma espécie molecular diamagnética.

b) A configuração III representa uma espécie cuja ordem de ligação é 2.

c) A configuração V apresenta todos os elétrons no estado de mais baixa energia.

d) A configuração IV apresenta 4 elétrons efetivamente ligantes.

e) A configuração II apresenta 5 elétrons não-ligantes.

3ª Questão: As moléculas mostradas a seguir são substâncias com atividade farmacológica.

Assinale apropriadamente a hibridação de todos os átomos, exceto os átomos de hidrogênio

em cada uma dessas moléculas.

4ª Questão: Os dois compostos a seguir são isômeros, isto é, eles são compostos diferentes

com a mesma fórmula molecular. (a) Por que essas moléculas não se convertem naturalmente

uma na outra? (b) A absorção de luz pela dupla ligação na molécula, favorece a interconver-

são dessas duas moléculas, explique essa afirmativa.

5ª Questão: Os antagonistas do receptor NMDA constituem-se em promissores agentes para

o tratamento da dor neuropática. Alguns desses agentes estão apresentados abaixo. Para

cada um deles identifique o tipo de hibridação adotada pelo(s) átomo(s) de nitrogênio(s), sua

geometria e diga ainda em qual orbital está localizado o para de elétrons não ligante. Justi-

ficando a sua resposta.

H 3C OO N

OHH

O

OH

O

O O2NN

OH

OH

C l

C l

H

O

H S NCH 3

CO 2HO N

HO

NH2

H

O

HO

HOH

OHHO

MetaprololTratamento da hipertensão

WarfarinaAnticoagulante

ClorafenicolAntibiótico

CaptoprilTratamento da hipertensão

SerotoninaNeurotransmissor humano Vitamina C

C CR

H

H

RC C

H

R

H

R

trans cis

HO

N

OH

CH3

OH

1

HN

O NF

O

SO

2

NH

NN

H3C

H3CN

OS

O

3

Page 30: Quimica Organica 1 MOODLE

28

6ª Questão: O linestrenol, um componente de alguns anticoncepcionais, mostrado a seguir.

Localize na sua estrutura um exemplo de cada tipo de ligação ou átomo a seguir: a) uma

ligação covalente muito polarizada; b) uma ligação covalente pouco polarizada; c) um átomo

de carbono sp, sp2 e sp3; d) uma ligação entre átomos de hibridação diferentes.

7ª Questão: O [2,2,2]-propelano, uma molécula pouco comum, está representada a seguir.

Considere os parâmetros estruturais dados e decida que esquema de hibridação descreve

melhor os átomos de carbono marcados com um asterisco. Que tipo de orbitais são usados

para formar a ligação entre eles? Você acha que essa ligação é mais forte ou mais fraca do

que uma ligação carbono-carbono, que geralmente tem comprimento igual a 1,54 Å?

8ª Questão: Usando a Teoria das Orbitais Moleculares preveja os valores relativos das distân-

cias internucleares nas seguintes espécies: H2, H2+ e He2+.

9ª Questão: Das sobreposições entre os orbitais mostrados a seguir, uma é ligante, a outra

antiligante e a restante é não ligante. Correlacione os modelos esquemáticos de orbitais com

essas interações e explique a sua resposta.

10ª Questão: Por que você acha que ninguém jamais foi capaz de preparar o ciclopentino

como uma molécula estável?

OH

C

H3C

CH

Linestrenol

H2C C CH2

H2C CH2C

H2CCH2

*

*

120º

1,60 Aº

[2,2,2]-propelano

+

-+

A

+ +-

B

+ +-

C

Ciclopentino

Page 31: Quimica Organica 1 MOODLE

29

Aula 2

Ressonância e a Teoria do Orbital Molecular

Em todas as moléculas apresentadas até agora um modelo adequado de ligação covalente foi

obtido fazendo uma aproximação onde cada orbital molecular está localizado em apenas dois

átomos. Muitas vezes, entretanto, esses orbitais moleculares localizados não são um modelo

muito bom para descrever certas ligações covalentes. As situações em que a descrição de um

orbital molecular localizado não pode ser usada como um modelo adequado são as mesmas

em que estruturas de Lewis normais são inadequadas, ou seja, situação em que a ressonân-

cia (deslocalização eletrônica) é necessária para descrever uma ligação. Em tais moléculas é

necessário usar os orbitais moleculares deslocalizados (orbitais moleculares que incluem os

orbitais atômicos de mais de dois átomos) para descrever uma ligação. De fato, ressonância

e orbitais moleculares deslocalizados são apenas maneiras diferentes de descrever o mesmo

tipo de ligação química. Não é necessário aprofundar excessivamente os estudos sobre os or-

bitais moleculares deslocalizados, mas apenas uma breve discussão para facilitar o entendi-

mento sobre ressonância e quando ela deve ser usada.

É necessário relembrar antes de começar

Estruturas de Lewis

(Módulo 4 – Química Geral 1);

Ligação covalente e estrutura molecular

(Módulo 1 – Química Orgânica I);

1 Ressonância e Conjugação

Considerando o ânion formiato como exemplo, existem duas estruturas de Lewis equivalen-

tes (comumente chamadas de estruturas de ressonância) que podem ser escritas e ambas as

estruturas desse íon covalente estão corretas. A melhor forma de representar o ânion formia-

to é através do híbrido de ressonância das duas formas individuais e que possui as caracte-

rísticas de ambas as formas. Experimentos confirmam que as duas ligações carbono-oxigê-

nio são idênticas, com o comprimento da ligação assumindo um valor intermediário entre

uma ligação simples carbono-oxigênio e uma ligação dupla carbono-oxigênio e que a carga

(densidade eletrônica) é a mesma nos dois átomos de oxigênio, aproximadamente ½.

Page 32: Quimica Organica 1 MOODLE

30

H O

O

H O

O

Estrutura de ressonância A Estrutura de ressonância B Híbrido de ressonância

H O

O -1/2

-1/2

no ta

As duas estruturas de Lewis individuais para o ânion formiato são denomina-

das formas de ressonância, essa relação ressonante é indicada por uma seta

de duas pontas ( ) entre ambas. Atenção é errado usar a seta de equi-

líbrio ( ) para representar as formas ressonantes. A única diferen-

ça entre as formas de ressonância é a distribuição dos elétrons de valência

π e não ligantes. Os átomos ocupam exatamente o mesmo lugar em ambas as

formas de ressonância e as conexões entre os átomos são também as mesmas.

A figura 1 mostrada a seguir, é uma tentativa de mostrar a sobreposição dos orbitais atô-

micos para formar os orbitais moleculares ligantes localizados no ânion formiato. Neste mo-

delo de orbitais moleculares localizados, um orbital p do átomo de carbono sobrepõe ao orbi-

tal atômico p do oxigênio para formar uma ligação π, correspondendo à estrutura de Lewis

A no esquema mostrado anteriormente. Nessa estrutura o átomo de oxigênio de baixo pos-

sui três pares de elétrons não ligantes. Sempre que um átomo tiver um par de elétrons não

ligante adjacente a uma ligação π, como ocorre no formiato, esse átomo usualmente assume

uma hibridação que coloca o par de elétrons não ligante em um orbital p, pois a sobreposição

desse orbital com o orbital atômico p da ligação π do átomo adjacente é estabilizante. É essa

sobreposição que possibilita a deslocalização eletrônica, ou seja, permite que a ressonância

ocorra. Nesse caso, o orbital p com o par de elétrons não ligante do átomo de oxigênio de

baixo sobrepõe igualmente bem com o orbital atômico p do carbono, e modo que a ligação π

poderia ser também mostrada usando esses dois orbitais com um par de elétrons não ligan-

te situado no orbital atômico p do oxigênio de cima. Isso corresponde a estrutura de Lewis B.

H O

O

Estrutura de ressonância A

H O

O

Estrutura de ressonância B

O

HO

OC

π C - Op p

Orbital pH

O

OC

Orbital p

Conjugação

HO

C

π C - Op p Orbital p

Page 33: Quimica Organica 1 MOODLE

31

Devido à conjugação ou ressonância existente no ânion formiato, os três orbitais atômicos

p, um do carbono e dois dos oxigênios devem ser usados para formar o orbital molecular. Os

três orbitais atômicos interagem para formar três orbitais moleculares π deslocalizados. Dois

desses três orbitais moleculares deslocalizados contem os quatro elétrons: os elétrons π e o

par de elétrons não ligante do modelo localizado.

O

CCCCCCO

CO

CCCCCO

OO

Energia

Maior

Menor

Planos nodaisTodos os orbitais estão

fora de faseOrbital antiligante

Plano nodalOrbitais do carbono e do oxigênio

estão fora de fase

Orbital não ligante

ConjugaçãoTodos os orbitais estão em fase

Orbital ligante

Como podemos observar, a teoria de ressonância foi desenvolvida a partir dos conceitos da

mecânica quântica. A teoria indica que um par de elétrons pode realmente contribuir para a

ligação de mais de dois núcleos. Tais elétrons ocupam um volume maior do que aqueles em-

pregados nas ligações comuns, localizadas. Um resultado muito importante dessa derivação

matemática é que os elétrons deslocalizados são energeticamente favorecidos, ou seja, a es-

pécie elétron deslocalizada – híbrido de ressonância – é energeticamente mais estável do que

qualquer outra estrutura de ressonância contribuinte. Essa estabilização, ou diminuição de

energia, é chamada de estabilização de ressonância.

no ta

Em geral, é necessário usar a ressonância (ou orbitais moleculares deslocali-

zados) para qualquer molécula que seja conjugada, isto é, qualquer molécu-

la que possua uma série de três ou mais sobreposições de orbitais p paralelos

em átomos adjacentes.

O ânion formiato é conjugado, pois possui três orbitais atômicos p paralelos, sendo um do

carbono e dois dos átomos de oxigênio. Entretanto, se os orbitais não estiverem paralelos,

ou se existir um átomo extra separando-os, a sobreposição não é contínua e o sistema não é

conjugado. Alguns exemplos são mostrados a seguir.

Page 34: Quimica Organica 1 MOODLE

32

Duas ligações πconjugadas

Carbono com hibridação sp³ interrompea sequência de orbitais p paralelos

Orbital p do nitrogênio conjugadocom o do carbono

Par de elétrons não ligante do N em umorbital p. O átomo de nitrogênio possui

hibridação sp².

CHCH

ões πconjugadas

HHHHHHHCCHCHCCHCCH

Duas ligaçõconj gad

HHCCCCHCHCHCHCCCCHCHCHCHCH

HHH

CH HH

CHCHCHCHCHCHCCH

²

C

nio conjugadrbono

j d

CCCC

CC

dod

CCCCCCCCCC

CCCCC

HN

sp² sp²

Esta ligação π não estáconjugada com as demais

Orbital p do nitrogênio conjugadocom o do carbono

CH 2=CH -CH=CH-CH2-CH=CH2

NH

2 Regras para Escrever Estruturas de Ressonância

Ressonância é um conceito muito importante na química orgânica. Ela irá nos ajudar, por

exemplo, determinar a reatividade de um composto e mostrar onde os sítios mais reativos de

uma determinada molécula estão localizados. As regras que serão mostradas a seguir servirão

como auxílio para escrever as estruturas de ressonância e determinar as suas importâncias.

r egr a 1

Para escrever estruturas de ressonância os núcleos dos átomos não podem ser movimentados; so-

mente elétrons p e π não ligantes em orbitais atômicos p podem ser movimentados.

Como vimos para o ânion formiato, as estruturas de ressonância são apenas diferentes

maneiras de arranjar as ligações π e os elétrons no meio de uma série de orbitais atômicos

p adjacentes que formam um sistema conjugado.

Page 35: Quimica Organica 1 MOODLE

33

H2C CH C N H2C CH C N H2C CH C N

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

H3CC

CCH2

H

HH3C

CC

CH2

H

H

H2CC

CCH2

H

H

H

1 2

Estruturas de ressonância da propenonitrila

Estruturas de ressonância do 3-dimetilaminopopenal

Estruturas de ressonânciaEsta não é uma estrutura de ressonânciade 1 e 2 pois um átomo de hidrogênio do

grupo CH moveu-se³

no ta

As setas curvas ( ) são usadas para indicar o fluxo de um par de elétrons.

Por convenção, as setas sempre partem de onde os elétrons estão na estrutura

e indicam o destino deles na próxima estrutura.

r egr a 2As formas de ressonância devem possuir estruturas de Lewis válidas e obedecer as regras gerais

de valência.

A regra do octeto se aplica para as formas de ressonância como para qualquer outra estru-

tura. Por exemplo, uma das estruturas mostradas abaixo para o íon acetato não é uma for-

ma de ressonância válida, porque o átomo de carbono possui cinco ligações e, portanto dez

elétrons de valência.

H3C OC

O

H 3C OC

O

H3C OC

O

Estruturas de ressonância do íon acetatoNão é uma estrutura de ressonância válida

pois o átomo de carbono está com 10elétrons na camada de valência

Page 36: Quimica Organica 1 MOODLE

34

r egr a 3O híbrido de ressonância é mais estável do que qualquer uma das formas de ressonância

contribuinte.

Em outras palavras, a ressonância conduz a uma situação de estabilidade. De maneira ge-

ral, quanto maior o número de estruturas de ressonância importantes, maior será a energia

de estabilização de ressonância consequentemente maior a estabilidade da molécula ou do íon.

r egr a 4Estruturas de ressonância energeticamente equivalentes contribuem igualmente para o híbrido, e

um sistema descrito por elas tem uma grande energia de estabilização de ressonância.

Se todas as estruturas de ressonância tiverem ligações similares, como ocorre nos íons aceta-

to e alila, elas terão a mesma energia e contribuirão igualmente para a estabilização do híbrido.

H3C OC

O

H3C OC

O

HC

CCH2

H

HH

CC

CH2

H

H

C=C

C=C

Estruturas de ressonância do íon acetato

H3C OC

O -1/2

-1/2

Híbrido de ressonância

Estruturas de ressonância do cátion 2-propenila (alila)

HC

CCH2

H

H

+1/2+1/2

Híbrido de ressonância

C=O

C=O

Ligação formada

Ligação quebrada

Ligação formada

Ligação quebrada

r egr a 5As estruturas de ressonância podem ser energeticamente diferentes e, portanto, contribuírem de

maneira distinta para o híbrido de ressonância.

Se as estruturas ressonantes tiverem ligações diferentes, elas terão energias diferentes. A

de menor energia contribuirá mais para a estabilização do híbrido de ressonância. Por exem-

plo, a acetona pode ser convertida no seu ânion mediante uma reação com uma base forte.

O ânion resultante possui duas formas de ressonância: a primeira possui uma ligação dupla

carbono-oxigênio e uma carga formal negativa no átomo de carbono. Já a segunda, tem uma

ligação dupla carbono-carbono e uma carga formal negativa no átomo de oxigênio.

H3C CH2

C

O

H

H3C CH2

C

O

H 3C C H 2

C

O

H 3C C H 2

C

O-1/2

-1/2

C=C

C=OBaseForte

Estruturas de ressonância do ânion da acetona Híbrido de ressonância

Ligação formada

Ligação quebrada

Page 37: Quimica Organica 1 MOODLE

35

A questão primordial é saber qual das duas estruturas de ressonância irá contribuir mais

para o híbrido de ressonância. Basicamente o que precisa ser determinado é a estabilidade

relativa dessas estruturas de ressonância. As diretrizes mostradas a seguir auxiliarão na de-

terminação qualitativa dessas estabilidades relativas.

As estruturas de ressonância que possuírem o maior número de átomos com octetos com-

pletos serão mais estáveis e por isso contribuirão mais com o híbrido de ressonância;

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

Todos os átomos comoctetos completos

Mais estável

Carbono de seis elétronsna camada de valência

Estruturas de ressonância do 3-dimetilaminopropenal

Todos os átomos comoctetos completos, porémcom separação de cargas

As estruturas de ressonância com menor separação de cargas com sinais opostos

contribuem mais para o híbrido de ressonância, pois a separação dessas cargas re-

quer energia. Consequentemente, as estruturas de ressonância nas quais as cargas

opostas estão separadas têm maior energia (menor estabilidade) do que aquelas que

não têm separação de cargas.

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

C HC

(H3C )2NC

O

H

H

Todos os átomos comoctetos completos

Mais estável

Carbono de seis elétronsna camada de valência

Estruturas de ressonância do 3-dimetilaminopropenal

Todos os átomos comoctetos completos, porémcom separação de cargas

H OHC

O

H OHC

O

Estruturas de ressonância do ácido fórmico

Sem separação de cargasMais estável

Cargas opostas separadas Distribuição eletrônica na superfície molecular

O mapa de potencial eletrostático calculado da densidade eletrônica do ácido fórmico revela

uma alta densidade de elétrons no átomo de oxigênio da carbonila do grupo carboxila o que

demonstra a importância da estrutura de ressonância de menor contribuição para o híbrido,

mesmo esta sendo a de maior energia.

Page 38: Quimica Organica 1 MOODLE

36

no ta

Nos mapas de potencial eletrostático como o mostrado anteriormente, as co-

res tendendo para o vermelho significam aumento da concentração de carga

negativa, enquanto as tendendo para o azul significam menos carga negativa,

ou mais carga positiva.

Dentre as estruturas de ressonância contendo separação de cargas, a mais estável

será aquela que tiver a carga negativa no átomo mais eletronegativo e carga posi-

tiva no átomo menos eletronegativo ou mais eletropositivo.

H CH2

C

O

H CH2

C

O

H CH2

C

OH-1/2

-1/2

Estruturas de ressonância doânion do acetaldeído

Carga negativa no átomo de oxigênioque é mais eletronegativo

Mais estável

Híbrido de ressonância Mapa de potencial eletrostáticoapa de potencial eletrostá

O mapa de potencial eletrostático calculado da densidade eletrônica do enolato do acetal-

deído revela uma alta densidade de elétrons no átomo de oxigênio da carbonila o que de-

monstra maior estabilidade da estrutura de ressonância com a carga negativa no átomo de

oxigênio mais eletronegativo.

3 Tipos de Interações de Ressonância

Os exemplos que serão discutidos a seguir ilustram os tipos de situações em que o conceito de

ressonância é aplicado. Em cada caso, existe uma série de orbitais atômicos p conjugados. Al-

guns desses orbitais p fazem parte de ligações covalente π, outros desses orbitais podem conter

um par de elétrons não ligante, um elétron não ligante somente ou até mesmo nenhum elétron.

Como vimos anteriormente a ressonância é importante também para ligações pi entre átomos

de diferentes eletronegatividades e para estruturas cíclicas contendo ligações π conjugadas.

A – Ressonância envolvendo um par de elétrons não ligante próximo a uma ligação π

No ânion acetato, um par de elétrons não ligante do átomo de oxigênio de baixo é movido

para tornarem-se elétrons p na segunda estrutura. Os elétrons p, por sua vez são movidos

para tornarem-se um par de elétrons não-ligantes no átomo de oxigênio localizado acima do

átomo de carbono. Estruturas de ressonância devem sempre ter a mesma carga total, nesse

caso, - 1. Essas estruturas de ressonância são equivalentes e contribuem igualmente para o

Page 39: Quimica Organica 1 MOODLE

37

híbrido de ressonância. Com duas importantes estruturas ressonantes, o ânion acetato tem

uma grande estabilização de ressonância. Com isso, a molécula real – híbrido de ressonância

– é muito mais estável do que qualquer estrutura ressonante isoladamente.

Orbitais moleculares calculados

H3C OC

O -1/2

-1/2H3C O

C

O

H3C OC

O

Estruturas de ressonância do íon acetato Híbrido de ressonância

H3CO

OC

πCp - Op

Orbital pH3C

=

H33CO

OC

Orbital p

Conjugação

H3CH3CCO

C

πCp - Op

Orbital p

No ácido acético, uma molécula neutra, uma estrutura de ressonância similar a primeira

estrutura do ânion acetato pode ser escrita. Porém, nesse caso, as duas estruturas de resso-

nância não são equivalentes, pois a primeira estrutura é totalmente neutra e a segunda pos-

sui cargas formais. Portanto, a primeira estrutura é mais estável e contribui muito mais para

o híbrido de ressonância do que a segunda. Consequentemente o ácido acético tem uma esta-

bilização de ressonância menor do que o ânion acetato e por isso é somente um pouco mais

estável do que a primeira estrutura ressonante.

H3C OHC

O

H3C OHC

O

H3C OHC

O

δ+

δ−Estruturas de ressonância do ácido acético

Sem separação de cargas

Mais estávelCargas opostas separadas

Híbrido de ressonância

O ânion (enolato) obtido da desprotonação da acetona é estruturalmente semelhante ao ace-

tato, trocando apenas o átomo de oxigênio pelo grupamento metileno (CH2). Novamente os

mesmos tipos de estruturas ressonantes podem ser escritos. As estruturas de ressonância do

enolato da acetona não são equivalentes e contribuem diferentemente com o híbrido de resso-

nância. A segunda estrutura é a mais estável, pois a carga negativa está localizada no átomo

de oxigênio mais eletronegativo. Contudo ambas as estruturas desse ânion contribuem signi-

ficativamente com híbrido de ressonância o que lhe confere uma alta energia de estabilização

de ressonância. O diagrama a direita mostra os orbitais p paralelos conjugados desse ânion.

Page 40: Quimica Organica 1 MOODLE

38

H3C CH2

C

O

H3C CH2

C

O

H3C CH2

C

O-1/2

-1/2

Estruturas de ressonância do ânion da acetona Híbrido de ressonância

C

Orbital pConjugação

H3CCH2

O

B – Ressonância envolvendo um elétron não ligante próximo a uma ligação π

O radical alil (ou alila) possui um número ímpar de elétrons. Esse elétron desemparelhado

está em um orbital atômico p paralelo ao orbital p do carbono adjacente envolvido na forma-

ção da ligação π, estando, portanto conjugado. Esse radical possui duas estruturas de resso-

nância igualmente importantes. O átomo de carbono contendo o elétron desemparelhado não

possui octeto completo fazendo com que essa espécie radicalar seja instável, ou seja, extre-

mamente reativa. Contudo, devido a sua alta energia de estabilização de ressonância, o radi-

cal alil é torna-se mais estável do que se imaginaria analisando somente as suas estruturas

de ressonância isoladamente, sem levar em consideração a deslocalização.

CC

CH

H

H

H

H

CC

CH

H

H

H

H

Estruturas de ressonância do radical alil

no ta

A meia seta curva ( ) é usada para indicar o fluxo de um elétron. Nova-

mente, por convenção, a seta sempre parte de onde o elétron está na estrutu-

ra e indica o destino dele na próxima estrutura.

A combinação dos três orbitais p paralelos para formar os três orbitais moleculares no ra-

dical alil é mostrada na figura 5. O orbital molecular π ligante é formado pela combinação

dos três orbitais p com lóbulos de mesmo sinal superpondo-se acima e abaixo do plano dos

átomos. Já o orbital molecular π não ligante tem um plano nodal sobre o carbono C2). Por úl-

timo, o orbital molecular não π antiligante tem dois planos nodais: entre o C1 e o C2 e entre o

C2 e o C3. As formas dos orbitais moleculares para o radical alil calculadas utilizando princí-

pios de mecânica quântica são mostradas ao lado dos orbitais esquemáticos.

Page 41: Quimica Organica 1 MOODLE

39

Orbitais moleculares ψ esquemáticos

CH2

CH2

CH2CH2

CH

rbitais moleculares ψ esquemáticeculares ψ

CH2CH2 CCCCCHHHHH2CCCCCCCCCCHHHHH2

CH

Orbitais moleculares ψ calculados

Plano nodal

Planos nodais

Conjugação

Maior

Menor

Todos os orbitaisestão fora de fase

Orbital antiligante

Orbital ligante

Orbital não ligante

2

Ener

gia

CH2

C – Ressonância envolvendo um orbital p vazio próximo a uma ligação π

Na estrutura de Lewis do cátion penta-2,4-dien-1-ílio o carbono contendo a carga positiva

tem uma hibridação sp2 com um orbital p vazio. Portanto, esse íon possui uma série de cinco

orbitais p conjugados como mostrado a seguir. O diagrama da direita mostra o orbital mole-

cular referente à conjugação dos orbitais p.

CC

CC

CH

H

H

H

H

H

H

Hibridação sp²

Conjugação

Nesse diagrama algunshidrogênios foram omitidos

CCH

H H

H

hi

H

H

raor

Nesse diagrdrogênios f

CCCCC

C C

Orbital Molecular

Orbital p vazio

os

HH

HH

algunsma aram omitido

CCCCC

CCCCC C

A deslocalização do par de elétrons π adjacente ao carbono sp2 para o orbital p vazio co-

loca a carga positiva no carbono central (Estrutura B). Novamente, a deslocalização dos elé-

trons π vizinhos para o orbital p vazio do carbono gera uma estrutura de ressonância onde

o carbono da esquerda tem a carga positiva (Estrutura C).

Page 42: Quimica Organica 1 MOODLE

40

CC

CC

CH

H

H

H

H

H

H CC

CC

CH

H

H

H

H

H

H CC

CC

CH

H

H

H

H

H

H

A B C

CC

CC

CH

H

H

H

H

H

Hδ+δ+ δ+

Híbrido de ressonância

As estruturas de ressonância A e C são completamente equivalentes e B é muito similar.

Todas essas três estruturas têm importantes contribuições para o híbrido de ressonância fa-

zendo com que o íon tenha uma alta energia de ressonância. Entretanto esse íon é bastante

reativo, pois se trata de uma estrutura contendo um átomo de carbono com apenas seis áto-

mos na camada de valência (chamado de carbocátion). Comparando-o com outro cátion es-

truturalmente similar que não contenha essa estabilização por ressonância o penta-2,4-dien-

1-ílio é muito menos reativo.

D – Ressonância envolvendo espécies cíclicas contendo ligações π

Uma estrutura simples para o benzeno foi proposta em 1865 por August Kekulé, criador da

teoria estrutural. Kekulé sugeriu que os seis átomos de carbono do benzeno pertencem a um

anel e estão ligados entre si por ligações simples e duplas alternadas, havendo um átomo de

hidrogênio ligado a cada carbono.

O fato de o benzeno apresentar todos os ângulos de ligação dos átomos de carbono iguais

a 120º, sugere que esses átomos possuem hibridação sp2. Nesses modelos, cada átomo de car-

bono possui uma hibridação sp2 com um orbital atômico p disponível para a sobreposição

com os orbitais p dos seus átomos de carbonos vizinhos, formando uma conjugação estendi-

da por todo o anel. Se considerarmos a sobreposição favorável desses orbitais p, isto é, todos

em fase, em torno do anel, o resultado é o orbital molecular calculado.

HH

HH

H

H

Orbitais p conjugadosTodos os carbonos com hibridação sp²

Orbital molecular ψ calculadoecular ψ calculado

H H

H H

dosdos

H

OrbitOrbit

H

tais p conjugadugadtais p conjup conju

H H

Movendo os elétrons como mostrado a seguir na estrutura de ressonância A, forma a es-

trutura de ressonância equivalente B. As estruturas de ressonância A e B contribuem igual-

mente para o híbrido de ressonância fazendo com que o benzeno possua alta energia de

Page 43: Quimica Organica 1 MOODLE

41

ressonância. Em concordância com essas estruturas de ressonância, experimentos mostram

que todas as ligações carbono-carbono do benzeno são idênticas com comprimentos iguais

a 1,40 Å, mais longas do que o valor típico de dupla ligação carbono-carbono (1,34 Å) e mais

curta do que a ligação simples carbono-carbono (1,54 Å).

HH

HH

H

H HH

H

HH

H

A B

HH

HH

H

HH

H

HH

H

H

Estruturas de ressonância do benzeno Híbrido de ressonância

Moléculas como o benzeno, ou seja, um anel contendo orbitais atômicos p paralelos for-

mando um ciclo conjugado são especiais e muitas vezes são mais estáveis do que o esperado.

Para entender melhor essa estabilidade especial do benzeno, precisamos analisar os seus or-

bitais moleculares e as suas respectivas energias.

Sabemos que moléculas contendo uma série de orbitais atômicos p conjugados não podem

ser descritos muito bem por orbitais moleculares localizados que se estendem a somente dois

átomos ao mesmo tempo. Ao contrário, orbitais moleculares π deslocalizados distribuídos

por todos os orbitais p conjugados devem ser empregados. Para o benzeno todos os seis or-

bitais atômicos p combinam entre si para formar seis novos orbitais moleculares. Esses orbi-

tais são mostrados na figura 8.

H

H

HH

HH

Ener

gia

são orbitais moleculares ligantes

são orbitais moleculares antiligantes

possuem 2 planos nodais cada

possuem 3 planos nodais

ψ1, ψ2, ψ3

ψ4, ψ5, ψ6

H H

H H

H

H H

HH

H H

HH

H H

HH

H H

HH

H

HH

H

H

H

s cadas cada

H HH

H

H

aresolecul

s as nod isas nod is

ψ ψ ã bit i

anm 3 plano

ψψ5,ψψ6

H

H

HH H

são orbitais mosão orbitais

anm 3 plano

H HHHH

HH

upossup

H HHHH

HH

pop

HH

mssuemopoH

mssuemo

ψ4 e ψ5

possuem 1 plano nodal cada

Seis orbitais atômicos pcontendo um elétron cada

ψ2 e ψ3

ψ6

ψ6

ψ4

ψ2

ψ1

ψ3

ψ5

Page 44: Quimica Organica 1 MOODLE

42

No orbital molecular ligante de menor energia (ψ1) todos os orbitais atômicos p combinam-

se em fase, ou seja, não existe plano nodal (inversão de fase), portanto, é o orbital de menor

energia. Os subseqüentes orbitais moleculares preenchidos (ψ2 e ψ3), deverão possuir um pla-

no nodal cada. Como dividir os seis átomos de carbono do benzeno simetricamente com um

plano nodal? Existem duas maneiras, o plano nodal passando respectivamente pelos áto-

mos de carbono ou pelas ligações carbono-carbono. Esses orbitais possuem a mesma energia

e, portanto são orbitais degenerados. Esses três orbitais moleculares são ligantes. Os orbitais

moleculares seguintes (ψ4 e ψ5), sem elétrons, são orbitais antiligantes e possuem dois planos

nodais. Novamente existem duas maneiras de dividir simetricamente os átomos de carbono.

Esses orbitais moleculares também são degenerados. O orbital molecular antiligante de maior

energia (ψ6) possui três planos nodais e todos os orbitais atômicos p combinam-se fora de fase.

A estabilidade do benzeno é em parte atribuída à camada fechada de elétrons π onde todos

os orbitais moleculares ligantes estão completamente preenchidos com dois elétrons de spins

contrários. Nenhum elétron ocupa os orbitais moleculares antiligantes.

A partir dos orbitais moleculares do benzeno e ainda utilizando os princípios da mecânica

quântica pode-se calcular o mapa de potencial eletrostático da superfície de van der Waals

do benzeno. Pode-se ver que nessa representação, os elétrons estão distribuídos igualmente

pelos átomos de carbono através das faces de cima e de baixo (não mostrada) dos orbitais p,

corroborando com a deslocalização dos elétrons π na molécula do benzeno apresentada nos

orbitais moleculares.

A deslocalização eletrônica em muitas moléculas envolve combinações de diferentes tipos

de interações de ressonância. A seguir são mostradas as estruturas de ressonância do ânion

fenóxido que resulta da remoção do próton (H+) ligado ao átomo de oxigênio fenólico. Esse

ânion tem uma combinação de um par de elétrons não ligante (no átomo de oxigênio) pró-

ximo a um ciclo contendo duplas ligações conjugadas no benzeno. As estruturas de resso-

nância são uma combinação dos tipos mostrados nos itens 3A e 3D. O íon fenóxido tem cin-

co importantes estruturas de ressonância e, portanto uma grande energia de estabilização

de ressonância onde o átomo de oxigênio possui uma densidade eletrônica menor do que o

esperado se não fosse considerado a ressonância.

Page 45: Quimica Organica 1 MOODLE

43

O

- (H+)

H O

OH

HH

H

H HO

H

HH

H

A B

OO

A C

O

D

O

E

O

B

O δ

δ

δ

δ

Base

Fenol Ânion Fenóxido

Estruturas de ressonância equivalentes do íon fenóxido

Estruturas de ressonância do íon fenóxido Híbrido de ressonância

As estruturas de ressonância A e B são provenientes da deslocalização dos elétrons π do

anel e, portanto são equivalentes. As duas contribuem igualmente para o híbrido de resso-

nância. Já as estruturas C, D e E obtidas a partir da deslocalização de um par de elétrons não

ligante vizinho a uma ligação π possuem a carga negativa no átomo de carbono menos ele-

tronegativo do que o átomo de oxigênio. Por essa razão, elas contribuem menos para o híbri-

do de ressonância do que as formas A e B.

Outro exemplo interessante são as estruturas de ressonância obtidas para a but-3-en-2-ona,

composto que possui uma dupla ligação carbono-oxigênio conjugada com uma dupla ligação

carbono-carbono. Essas estruturas de ressonância são obtidas a partir de uma combinação

dos tipos mostrados nos itens 3A e 3C.

C CH3

C

C

O

H

H H

A

C CH3

C

C

O

H

H H

B

C CH3

C

CH

H H

C

C CH3C

CH

H H

δ

δ

δ

123

4

O O

Estruturas de ressonância da but-3-en-2-ona Híbrido de ressonância

A estrutura de ressonância A, possui todos os átomos com octeto completos, não possuindo,

portanto, carga formal, sendo por isso a estrutura mais estável e com maior contribuição

para o híbrido de ressonância. A estrutura da but-3-en-2-ona deve assemelhar-se com essa

Page 46: Quimica Organica 1 MOODLE

44

estrutura de ressonância. Adicionalmente, a energia da molécula é semelhante com a da es-

trutura de ressonância com maior contribuição. Em outras palavras, esse composto tem pouca

energia de estabilização por ressonância. As estruturas de ressonância B e C, obtidas pela des-

localização de um par de elétrons π para um orbital p vazio adjacente, contribuem menos para

o híbrido de ressonância, entretanto, são importantes, pois essas estruturas mostram que os

carbonos 2 e 4 são deficientes de elétrons, controlando a reatividade química desse composto.

4 – Ressonância versus Tautomerismo

O termo tautomerismo designa uma interconversão rápida e reversível de isômeros associa-

do com um movimento de elétrons e de um ou mais átomos de hidrogênio. O exemplo mais

comum de tautomerismo envolve o deslocamento de um próton entre um átomo de carbono

e um átomo de oxigênio (tautomerismo ceto-enólico) ou um átomo de nitrogênio (tautome-

rismo imina-enamina).

OH

OH

Forma ceto Forma enólica

O tautomerismo não deve ser confundido com ressonância. Cada estrutura tautomérica é

capaz de existir independentemente e em muitos casos podem ser isoladas. Essas estrutu-

ras representam, portanto, compostos reais, enquanto que as estruturas de ressonância in-

dividuais não são. As duas setas em sentidos opostos ( ) usada para correlacionar os

tautômeros indicam uma relação de equilíbrio, ao contrário da seta dupla ( ) que in-

dica ressonância. É importante ressaltar ainda que na ressonância só há movimentação de

elétrons, enquanto que no tautomerismo, como foi dito anteriormente, há movimentação de

elétrons e de átomo.

Resumo e Palavras-chave

O método de ressonância é uma potente ferramenta conceitual que pode ser usada para in-

terpretar uma grande variedade de efeitos estruturais no equilíbrio químico e na velocidade

das reações. A ressonãncia explica a estabilização de uma molécula ou íon através da des-

localização de elétrons. Representações estruturais que descrevem a ressonância são gera-

das pela movimentação de elétrons não ligantes e elétrons envolvidos em ligações π ao lon-

go de um sistema conjugado sem alterar a posição do núcleo. As estruturas de ressonância

individuais não representam adequadamente a molécula real. Esta podem ser representadas

pelo híbrido das estruturas de ressonância individuais denominada híbrido de ressonância.

Page 47: Quimica Organica 1 MOODLE

45

A estabilização de uma molécula ou íon proveniente da ressonância é chamada de energia de

ressonância ou de deslocalização e podem ser estimadas por vários métodos físico-químicos.

Ao término dessa aula você deverá ser capaz de:

Escrever as estruturas de ressonância mais importantes para qualquer molécula;

Escrever o híbrido de ressonância para qualquer molécula;

Assinalar a importância relativa dessas estruturas de ressonância para a contribui-

ção do híbrido de ressonância;

Estimar a energia de estabilização de ressonância dessas moléculas;

Representar a deslocalização eletrônica mediante setas curvas e através de orbitais

moleculares;

Diferenciar ressonância de tautomerismo;

Olhando a diante

A ressonância influencia diretamente na acidez e basicidade dos compostos orgânicos;

Química de compostos aromáticos;

Reações de adição eletrofílica em alcadienos;

Reações de adição conjugada e de substituição.

1ª Questão: Em muitas aminas, o átomo de nitrogênio possui hibridação sp3, com uma es-

trutura piramidal e ângulos de ligação próximos de 109o. Na formamida, o átomo de nitrogê-

nio encontra-se num arranjo planar, com ângulos de ligação próximos a 120o. Explique essa

observação experimental.

H NH2

O

Formamida

2ª Questão: Escreva estruturas de ressonância que mostrem a deslocalização dos elétrons

entre os grupos substituintes e o anel benzênico.

OHOO CH 3 O H

OS

ON

H 3C CH 3 CN

A B C D E

atividadeS

Page 48: Quimica Organica 1 MOODLE

46

3ª Questão: Escreva um diagrama completo de orbitais para todos os orbitais p ligantes e

antiligantes do cátion cíclico de três membros mostrados a seguir.

4ª Questão: Mostre quanto extensivo são os sistemas conjugados das moléculas descritas abaixo.

N

SNR

H

OHO

O

β

O

OH

OCH3OCH3

H 3C O

O

O

O

Antibiótico -lactâmico

Podo�lotoxinaFármaco anti-câncer

5ª Questão: Um número de pigmentos solúveis na água com a faixa de coloração entre o

verde/azul/violeta usado como corantes em comida são baseados em formas catiônicas do

tipo semelhante às mostradas a seguir. Explique porque essas estruturas mostram absorções

com longos comprimentos de onda e ainda porque as funcionalidades extras (grupo OH e o

ânion sulfonato) foram adicionadas na estrutura do corante 2.

NN

CH3

H3C

CH3

CH3

1- Estrutura geral do corante

NN

CH3

H3C

CH3

CH3

HO

OS

O

O

OS

O

O

Corante 2

6ª Questão: O piroxican (vendido no mercado brasileiro sob a marca Feldene) é um medi-

camento antiinflamatório não-esteroidal usado para aliviar os sintomas da artrite reuma-

tóide e osteoartrite, dismenorréia primária, dor pós-operatório. Ele atua como um analgé-

sico especialmente quando há um componente inflamatório. Também é usado na medicina

veterinária para tratar algumas neoplasias, como o câncer de bexiga, cólon e próstata. O

processo mostrado a seguir na estrutura dessa molécula é fenômeno mesomérico ou um

tautomerismo?

Page 49: Quimica Organica 1 MOODLE

47

NN N

O H

CH3H

OSO

O

NN N

O

CH3H

OSO

OH

7ª Questão: O enolato mostrado a seguir pode ser estabilizado por ressonância, confor-

me indica as três estruturas de ressonância. Qual dessas estruturas contribuirá mais para

a estabilidade do híbrido de ressonância? Explique a sua resposta.

EtOC

O HC N

I

EtOC

O HC N

I I

EtOC

O HC

III

N

8ª Questão: Explique porque o aleno (1,2-propadieno) não é classificado como uma molé-

cula conjugada. Use a teoria de orbitais para embasar a sua resposta.

9ª Questão: Desenhe todos os orbitais moleculares p do 1,3,5-hexatrieno e os compare

com os orbitais moleculares do benzeno (apresentado na figura 8). Que conclusão a cerca

da estabilidade dessas espécies você pode obter da comparação desses diagramas. Expli-

que a sua resposta.

10ª Questão: Para as estruturas mostradas a seguir, responda: a) das três estruturas de

ressonância, existe uma que não é uma estrutura de contribuição permitida. Indique-a e

explique a sua resposta. b) Coloque as estruturas remanescentes em ordem crescente de

contribuição para o híbrido de ressonância. c) Usando setas curvas mostre o movimento

dos elétrons que conecta essas estruturas de ressonância. d) Escreva a estrutura do híbri-

do de ressonância.

H3CN

H2CO

A

H3CN

H2CO

BH3C

NH2C

O

CH3C

N

H2C

O

D

Page 50: Quimica Organica 1 MOODLE
Page 51: Quimica Organica 1 MOODLE

49

Aula 3

Acidez e Basicidade dos Compostos Orgânicos

As reações envolvendo ácidos e bases são extremamente importantes para a química orgânica,

visto que: muitas reações orgânicas são reações ácido-base ou envolvem uma reação ácido-

base em alguma de suas etapas; várias dessas mesmas reações orgânicas são catalisadas por

um ácido ou por uma base; permite-nos elucidar fatores importantes sobre a relação entre a

estrutura e a reatividade das moléculas orgânicas.

Discutiremos nessa aula as principais definições existentes para ácidos e bases orgânicos, al-

guns aspectos físico-químicos dessas reações, por mais assustador que isso possa parecer, mas

que na verdade não é. Esse estudo é imprescindível, pois as reações ácido-base são termodina-

micamente controladas, isto é, são equilíbrios químicos onde, por exemplo, alguns parâmetros

termodinâmicos poderão ser usados para estimar quanto do produto será formado quando uma

reação atingir o equilíbrio. E por último, mas não menos importante, veremos o importante

papel que o solvente exerce sobre as reações químicas e também quais os fatores estruturais

intrínsecos das moléculas que afetam a acidez e a basicidade dos compostos orgânicos.

É necessário relembrar antes de começar

Estruturas de Lewis

(Módulo 4 – Química Geral 1);

Equilíbrio químico

(Módulo 3 – Química Geral 2);

Ácidos e bases

(Módulo 4 – Química Geral 3);

Ligação covalente e estrutura molecular

(Módulo 1 – aula 1 - Química Orgânica I);

Ressonância e a teoria de orbital molecular

(Módulo 1 – aula 2 – Química Orgânica I).

1 Acidez e Basicidade segundo Brønsted - Lowry

Em 1923 Brønsted e Lowry propuseram, independentemente, um novo conceito para definir

ácidos e bases. Segundo eles, ácidos são espécies (íons ou moléculas neutras) doadoras de

prótons (H+) e bases, espécies capazes de aceitar (ou remover) prótons. Portanto, as reações

ácido-base de Brønsted-Lowry são reações de transferência de prótons. Como exemplo, para

Page 52: Quimica Organica 1 MOODLE

50

ilustrar essa definição, tem a reação do lapachol, um produto natural da classe das nafto-

quinonas, abundante nos ipês, com uma base, nesse caso o hidróxido de sódio (NaOH), para

formar como produtos o lapacholato de sódio e água. Cabe destacar que o lapachol doa um

próton, portanto, segundo a definição de Brønsted – Lowry é o ácido da reação. Já o hidró-

xido de sódio está recebendo o próton doado pelo lapachol e por isso, segundo a definição é

a base da reação.

HH

Ácido Base

no ta

Quando o hidróxido de sódio, um sólido cristalino composto pelos íons sódio

(Na+) e hidróxido (OH-) solubiliza em água a solução resultante é composta pe-

los íons supracitados solvatados pela água. Os íons sódio e outros cátions si-

milares tornam-se solvatados quando moléculas de água doam pares de elé-

trons não ligantes para seus orbitais vazios. Já os íons hidróxido e outros

ânions com pares de elétrons não ligantes tornam-se solvatados quando mo-

léculas de água através de seus átomos de hidrogênio positivamente polariza-

dos formam ligações de hidrogênio com ele.

Na O H

Segundo a teoria de Brønsted e Lowry a molécula ou íon que se forma quando o ácido per-

de o seu próton é chamada de base conjugada do ácido. Já a molécula ou o íon formado quan-

do a base aceita um próton (protonação da base) é chamada de ácido conjugado da base. No

exemplo descrito anteriormente, o íon lapacholato de sódio é a base conjugada e a molécula

de água é o ácido conjugado da reação ácido-base entre o lapachol e o hidróxido de sódio.

Page 53: Quimica Organica 1 MOODLE

51

O

O

OH+ NaOH

O

O

O NaO

H H+

LapacholÁcido

Hidróximo de sódioBase Lapacholato de sódio

Base Conjugada

Ácido ConjugadoÁgua

Par base-ácido conjugado

Par ácido-base conjugado

no ta

Quando uma solução de hidróxido de sódio é misturada com o lapachol, a re-

ação que ocorre é entre o átomo de hidrogênio ligado ao oxigênio da hidroxi-

la do lapachol e o ânion hidróxido. O cátion sódio que não participa da rea-

ção ácido-base é chamado de contra-íon ou íon espectador.

Assim, a equação química genérica mostrada a seguir pode ser atribuída para qualquer

ácido e qualquer base numa reação ácido-base, onde AH é um ácido e A- é a sua base conju-

gada e B é a base e BH+ é o seu ácido conjugado, isto é, todo ácido tem uma base conjugada

associada a ele e toda base também tem um ácido associado a ela.

Ácido Base Conjugada

Base Ácido Conjugado

Muitas substâncias possuem caráter anfótero, podendo se comportar como ácidos ou bases

de Brønsted-Lowry, desde que colocadas para reagir com uma base ou um ácido adequado.

Por exemplo, a água atua como base aceitando um próton do ácido clorídrico (HCl) e como

ácido doando um próton para a amônia.

H -Cl+H

OH H

OH

H

H2O + HC l H3O+ + C l-

+ C l

+HO

HN

HH

H NH

HH

H+ OH

H2O + NH3 NH4+ + OH-

Anfótero

Ácido ÁcidoConjugado

Base BaseConjugada

Ácido ÁcidoConjugado

Base BaseConjugada

Page 54: Quimica Organica 1 MOODLE

52

Mesmo ácidos fortes podem funcionar como bases. Por exemplo, o ácido nítrico sofre pro-

tonação, ou seja, é a base quando reage com o ácido sulfúrico. Essa reação ácido-base é a

primeira etapa para obtenção do íon nitrônio, utilizado para realizar reações de nitração em

anéis aromáticos, que será estudado posteriormente.

-HH

H

Ácido Base ÁcidoConjugado

BaseConjugada

2 Acidez e Basicidade segundo Lewis

Segundo a definição de Lewis, uma substância é básica quando fornece um par de elétrons

para formar uma ligação química e o ácido é toda e qualquer substância capaz de aceitar

um par de elétrons para formar uma nova ligação química. As bases de Brønsted-Lowry são

também bases de Lewis, porém são incluídos na teoria de Lewis, além dos ácidos de Brønsted-

Lowry, os ácidos não próticos, como por exemplo, os metais e seus derivados, conhecidos

rotineiramente como ácidos de Lewis.

no ta

Ácido de Lewis: espécie aceptora de elétrons e Base de Lewis: espécie doado-

ra de elétrons.

Os ácidos incluem, por exemplo, os elementos químicos como o boro e o alumínio que pos-

suem apenas seis elétrons na camada de valência e, portanto podem aceitar um par de elétrons

de uma base de Lewis (espécie doadora de elétrons) a fim de completar o seu octeto. Perceba

que tanto o átomo de boro quanto o de alumínio possuem hibridação sp2 antes da reação, ocor-

rendo uma reibridação para sp3 após a adição do quarto ligante (base de Lewis). Note ainda

que os dois produtos adquirem cargas formais nos metais e no átomo de nitrogênio e oxigênio.

B - sp2

Al - sp2

Base de Lewis

Base de Lewis Ácido de Lewis

Orbital vazio

Orbital vazio

Page 55: Quimica Organica 1 MOODLE

53

Substância que possuem elementos metálicos contendo orbitais do tipo d vazios, tais como

MgBr2, Hg(CO2CH3)2, ZnCl2, FeCl3 e SnCl4, entre outros, podem receber elétrons nesses orbitais

e portanto são considerados ácidos de Lewis. Esses ácidos de Lewis são frequentemente

utilizados para catalisar reações químicas. Comportamento semelhante é observado com os

metais de transição, como a platina, o paládio, o rutênio, entre outros lantanídeos.

Br Mg Br

Hg(CO2CH3)2

Ácido de LewisBase de Lewis

Ácido de LewisBase de Lewis

Entre os ácidos de Lewis de fundamental importância para as reações orgânicas estão os

íons contendo um átomo de carbono com seis elétrons na camada de valência, chamados

de carbocátion ou carbênios e espécies similares com um átomo de carbono deficiente de

elétrons. Esses íons são espécies reativas em várias reações orgânicas.

Orbital vaziozzio

sp2

sp2sp2

p

no ta

Uma mesma molécula pode atuar como ácido ou base de Brønsted-Lowry

(substância anfótera) e ser ao mesmo tempo um ácido ou base de Lewis. Por

exemplo, o metanol doa prótons quando reage com o íon hidróxido, funcio-

nando como um ácido de Brønsted-Lowry e recebe prótons quando colocado

para reagir com um ácido mineral, como por exemplo, HCl(aq.). Isso ocorre por-

que o átomo de oxigênio da molécula de metanol possui elétrons não ligantes.

Por último, o etanol pode doar seus pares de elétrons para o fluoreto de boro

(BF3) atuando neste caso como uma base de Lewis.

Moléculas contendo elétrons não ligantes, chamados de elétrons n, elétrons π e elétrons σ

podem funcionar como bases de Lewis e a força dessas bases dependerá da disponibilidade

desses elétrons para reagir com o ácido. Os elétrons envolvidos numa ligação σ são os de

Page 56: Quimica Organica 1 MOODLE

54

menores disponibilidades, pois são mais fortemente atraídos pelo núcleo, pois este orbital

tem na região internuclear a maior densidade eletrônica. Já os elétrons π estão mais dispo-

níveis, pois a região com a maior probabilidade de encontrar os elétrons é perpendicular ao

eixo nuclear, ou seja, estão acima e abaixo do plano dos núcleos. Portanto, esses elétrons são

menos atraídos pelos núcleos se comparado com os elétrons σ. Os elétrons mais disponíveis

para realizar uma reação ácido-base são os não ligantes ou n, pois não estão envolvidos em

ligações químicas covalentes.

Os alcoóis e as olefinas são facilmente protonados por ácidos minerais, como o HBr, for-

necendo carbênios como intermediários. Este assunto será discutido posteriormente quando

estudarmos as reatividades dessas substâncias. Já o metano para ser protonado necessita de

condições especiais. Para que isto ocorra, é necessário o uso de um superácido (ácidos que

são mais fortes do que o ácido sulfúrico 100%), como por exemplo, o HF-SbF5. O íon formado

é denominado metônio (CH5+) e uma de suas ligações C-H é protonada formando no cátion

uma ligação especial com três núcleos (centros) e dois elétrons.

H

H

H

H

HH

n

π

σElétrons

Elétrons

Elétrons

3 Aspectos Físico-Químicos das Reações Ácido-Base

As reações ácido-base em meio aquoso, habitualmente são rápidas e reversíveis, sendo, por-

tanto controlada termodinamicamente. Esse tópico tem como propósito discutir as relações

físico-químicas que governam a termodinâmica dessas reações.

Page 57: Quimica Organica 1 MOODLE

55

A – A força de ácidos e bases: a constante de equilíbrio (Keq) e a constante de acidez (Ka) e de

basicidade (Kb)

Em ordem, para se determinar a força de um ácido comparativamente com a água e esta-

belecer quão efetivo é esse ácido como doador de próton (ácido de Brønsted-Lowry) deve-se

analisar a constante de equilíbrio da reação. Tomando como exemplo a equação genérica a

seguir, onde ocorre a dissociação do ácido HA em água, a posição do equilíbrio é determina-

da pela constante de equilíbrio (Keq) para essa reação.

Keq

K eq

Ácido Base Ácidoconjugado

Baseconjugada

Como indicado na equação da constante de equilíbrio mostrada anteriormente pode-se

correlacionar essa constante com as concentrações molares das espécies em solução. Quan-

do a água é usada como solvente, ou seja, soluções aquosas diluídas, ela está presente em

grande excesso e a sua concentração é essencialmente constante durante a reação e o termo

que expressa essa variação de concentração pode ser incorporado à Keq, transformando essa

grandeza na constante de acidez (Ka).

Ka

Ka

Quanto maior o valor de Ka,mais forte será o ácido, ou seja,mais dissociado ele estará

Como a concentração dos produtos na equação da constante de acidez é escrito no nume-

rador e a do ácido não dissociado no denominador, para ácidos muito fortes, os valores de

Ka tendem ao infinito e o equilíbrio estará deslocado para a direita, ou seja, para a formação

dos produtos na reação direta e os ácidos são considerados fortes. Já para ácidos muito fra-

cos, o valor de Ka tende a zero e o equilíbrio estará deslocado para a esquerda, ou seja, para

a manutenção dos reagentes na reação direta ou formação dos produtos na reação inversa e

os ácidos são fracos.

Page 58: Quimica Organica 1 MOODLE

56

Como exemplo, podemos calcular a constante de acidez da dissociação do ácido acético em

água, considerando uma solução com concentração de 0,10 M.

A concentração do íon [H3O+] medida experimentalmente nesta solução é de 0,00135 M.

Como a estequiometria da reação é 1:1, ou seja, cada molécula de ácido acético gera um íon

acetato e um íon hidroxônio, as concentrações desses dois íons são iguais ([H3O+] = [CH3CO2

-]

= 0,00135 M). Após o equilíbrio, a concentração do ácido acético que não dissociou será a

diferença da concentração inicial menos a concentração dissociada ([CH3CO2H] = 0,1000 M -

[CH3CO2-] = 0,00135 M = 0,0986 M). Assim o valor de Ka será igual a:

no ta

Como as constantes de equilíbrio são em geral potências negativas, os quími-

cos normalmente usam o seu logaritmo negativo (pKa = - logKa), que são nú-

meros que variam de -12 a 50). No exemplo mostrado anteriormente, o valor

calculado da constante de acidez (Ka) da dissociação do ácido acético em água

numa concentração de 0,10 M a 25 ºC foi de 1,7 x 10-5. Esse valor pode ser con-

vertido para pKa (4,73) usando a fórmula supra citada.

Note que o ácido acético em água está pouco dissociado (Ka << 1), portanto ele é um ácido

fraco. Pode-se ainda perceber que existe uma relação inversa entre a magnitude do pKa e a

força do ácido. Isto é, valores maiores de pKa são atribuídos a ácidos mais fracos, assim como

valores menores de Ka.

Até esse momento consideramos somente a capacidade de um ácido em doar um próton, ou

seja, a força do ácido. Contudo, de maneira análoga ao estudo feito para os ácidos, pode-se

analisar a capacidade de protonação de uma base genérica (B:) em água, conforme esquema

mostrado a seguir. A constante de basicidade (Kb) é igual à razão entre as concentrações dos

reagentes e dos produtos. As bases fortes, assim como os ácidos, estão bastante dissociadas

e o valor de Kb é maior do que a unidade.

Page 59: Quimica Organica 1 MOODLE

57

Kb pKb

Kb

Ácido Base Ácidoconjugado

Baseconjugada

Matematicamente, pode-se estabelecer uma correlação direta entre a força de qualquer par

ácido-base conjugado. Para tal, devemos analisar as reações de dissociações de uma base e

do seu ácido conjugado em água, como mostrado abaixo.

Kb pK b Ka pK a

Ka

Ácido Base Ácidoconjugado

Baseconjugada

Kb

ÁcidoBase Ácidoconjugado

Baseconjugada

O produto das constantes de equilíbrio para a dissociação da base e do seu ácido conju-

gado é igual ao produto iônico da água. Por exemplo, o pKa do cátion amônio (NH4+), ácido

conjugado, é igual a 9,26, enquanto que o pKb da amônia (NH3), base, é 4,74. A soma dos dois

valores é necessariamente igual a 14. A partir dessa relação matemática chega-se a seguinte

conclusão: Quanto mais forte for o ácido, mais fraca será a sua base conjugada e vice-versa.

Kb x Ka

B – Correlação entre a energia livre de Gibbs (ΔGº) e a constante de acidez (Ka)

A diferença de energia livre de Gibbs entre os reagentes e os produtos quando o equilíbrio

termodinâmico é atingido, determina a posição desse equilíbrio em uma reação química.

Essa variação de energia pode ser correlacionada com a temperatura (T) e com a constante

de acidez (Ka) através da equação mostrada a seguir:

Page 60: Quimica Organica 1 MOODLE

58

Onde R é a constante dos gases (1,987 cal. Mol-1. K-1), T é a temperatura de 298 K. Se assumir-

mos que pKa = - log Ka, então chegaremos a equação aproximada abaixo:

no ta

Valores de ΔGº negativos indicam reações cujo equilíbrio está deslocado para

a direita (Ka > 1; pKa negativo), ou seja, a formação do produto da reação dire-

ta é favorecida. Quando os valores são positivos (Ka < 1; pKa positivo) o equi-

líbrio é deslocado para a esquerda, favorecendo a manutenção dos reagentes

da reação direta.

Dois importantes parâmetros termodinâmicos contribuem para a diferença de energia

livre entre produtos e reagentes e, portanto para a posição do equilíbrio. A variação da en-

talpia (ΔHº), ou calor de reação, é associada com as diferenças nas energias de ligação entre

produtos e reagentes. A reação em que as ligações nos produtos são mais fortes do que a dos

reagentes, libera calor gerando uma variação negativa na entalpia (ΔHº < 0). Essas reações

são chamadas de exotérmicas. De maneira oposta, nas reações endotérmicas (ΔHº > 0) as li-

gações dos reagentes são mais fortes do que a dos produtos e calor deverá ser adicionado à

reação até atingir o equilíbrio.

O segundo parâmetro, a variação na entropia (ΔSº) consiste na diferença de organização ou

liberdade dos movimentos entre as moléculas dos produtos ou dos reagentes. Valores mais

positivos para a variação de entropia indicam um aumento da desordem quando os reagentes

são convertidos em produtos. A equação que descreve esses parâmetros é mostrada a seguir:

Diferenças relativamente pequena na magnitude da energia livre, leva a pequenas varia-

ções na posição do equilíbrio. Somente diferenças de cerca de 3 Kcal/mol (12 kJ/mol) entre

produtos e reagentes resultam na formação de cerca de 99% do produto no equilíbrio.

C – Relação entre a constante de acidez (Ka) e o pH: equação de Henderson-Hasselbalch

Os ácidos em soluções cujo valor do pH é maior do que o seu pKa tornam-se mais solúveis

em água. Grupos iônicos aumentam consideravelmente a solubilidade de um composto, as-

sim como também o íon A- (base conjugada) é muito mais solúvel em água do ácido não

Page 61: Quimica Organica 1 MOODLE

59

dissociado H-A. Dessa maneira, pode-se aumentar a solubilidade de um ácido neutro em

água, aumentando a concentração de sua base conjugada presente na solução. Para esse feito,

tudo o que se precisa fazer é aumentar o pH.

Um exemplo simples é a aspirina. Embora o ácido, por si só, não seja muito solúvel em

água, o seu sal de sódio é muito mais solúvel (aspirina solúvel é comercializada como um

sal de sódio ou de cálcio). Inversamente, se o pH da solução diminui, a quantidade da forma

neutra do ácido aumenta e a solubilidade diminui. Em ambientes ácidos, como o do estômago

(pH 1-2) a aspirina não será solubilizada e deverá precipitar da solução. Entretanto, no intes-

tino (pH = 5,0) e no plasma (pH = 7,4) o sal do ácido (base conjugada) deverá estar presente

em maior concentração nesses ambientes, aumentando a sua solubilidade.

Aspirina Sal de sódio da aspirina

Da mesma maneira, as bases orgânicas podem ser dissolvidas em soluções cujo pH seja

baixo. A papaverina, um alcalóide extraído do opium (Papaver somniferum) é normalmente

usado como vasodilatador cerebral e é, quase sempre, insolúvel em água. Porém, essa subs-

tância apresenta um átomo de nitrogênio do grupamento amina que pode ser protonado para

formar um sal mais solúvel. A papaverina é normalmente encontrada como cloridrato. Além

de tornar os alcalóides solúveis em água, a formação de sais protege essas substâncias da

degradação por processos oxidativos.

H H

Solúvel em água

A equação de Henderson-Hasselbalch, onde o pKa de um ácido é correlacionado com o valor

de pH do meio e com a concentração de suas espécies dissociadas e não dissociadas pode ser

obtida ao aplicarmos o logaritmo na constante de acidez de uma reação ácido-base. Esta equa-

ção permite prever a extensão da ionização de um ácido quando o valor de pKa é conhecido,

calcular o pH da solução de ácidos fracos, desde que sejam conhecidos os valores de Ka e as con-

centrações do ácido e sua base conjugada no equilíbrio ou ainda calcular a razão [ácido] / [base

conjugada] em solução tampão, desde que sejam conhecidos o pKa do ácido e o pH da solução.

Page 62: Quimica Organica 1 MOODLE

60

Ka

Ácidofraco

Base Ácidoconjugado

Baseconjugada

Ka

Ka

- log - logKa = pKa

- log [ H3O+] = pH

Equação de Henderson-Hasselbalch

Segundo a equação de Henderson-Hasselbalch, o valor do pKa é igual ao valor do pH quan-

do o ácido está 50% ionizado.

Para qualquer ácido fraco, o ajuste do pH altera a proporção da forma ácida e da base con-

jugada. O gráfico a seguir mostra a concentração do ácido livre HA (curva azul) e da base

conjugada (curva vermelha) em função do percentual das concentrações totais em função

da variação do pH. Em valores de pH baixo, o composto existe quase que exclusivamente

como ácido HA não dissociado. Já em valores de pH alto a predominância é da base conjuga

A-, quando não há variação de pKa. Em valores próximos de pH e de pKa o composto existe

como uma mistura das duas formas.

% d

o ác

ido

HA

% d

a ba

se c

onju

gada

A-

Page 63: Quimica Organica 1 MOODLE

61

Uma aplicação interessante da equação de Henderson-Hasselbalch consiste na atribui-

ção do percentual de ionização de uma substância em um meio com o pH definido. Para

tal, pode-se atribuir à fração ionizada o termo α, de forma que, a fração não ionizada seja

100% - α. Desta forma, a equação para o cálculo do percentual de ionização de ácidos pode

ser descrita como a seguir:

Ácidos

Similarmente, para o cálculo do percentual de ionização de uma base pode ser escrita a

equação a seguir:

Bases

Sabendo-se que os principais compartimentos biológicos possuem pH definidos, as equa-

ções de Henderson-Hasselbalch podem ser empregadas na previsão do comportamento far-

macocinético (absorção, distribuição e excreção) de substâncias com atividades biológicas

importantes. Como exemplo, pode-se citar o piroxicam, um antiinflamatório não esteroidal,

que é um fármaco de natureza ácida. A absorção do piroxicam ocorre no trato gastrointesti-

nal, sob a forma não ionizada após administração oral. Uma vez a substância chegue à cor-

rente sanguínea ele se ioniza fortemente e é distribuído pelo organismo sob a forma ionizada.

No tecido inflamado, existe uma intensa atividade metabólica que acarreta na redução do pH

(~5). Nesse pH o fármaco novamente está, principalmente na forma não ionizada e, portanto,

apto à atravessar a membrana lipídica do tecido para desempenhar a sua função biológica.

pKa = 6,3

Page 64: Quimica Organica 1 MOODLE

62

Mucosa gástrica

Mucosa intestinal

Plasma

Tecido in�amado

Muito absorvido

Muito absorvido

Muito absorvido

H2ODistribuição e�ciente em

Ácido

D – A posição do equilíbrio em uma reação ácido-base

Para estimar a posição do equilíbrio em uma reação ácido-base, é necessário comparar os

valores de pKa do ácido e do ácido conjugado da base. O equilíbrio químico estará deslocado

para o ácido mais estável, ou seja, para a transformação que conduz à menor energia livre de

Gibbs. Um ácido ou uma base será capaz de se converter em seu par ácido ou base conjugado

se o processo for energeticamente favorecido (exergônico). Efetivamente, pode-se determinar

que a transformação irá ocorrer no sentido em que o ácido tiver o maior valor de pKa, ou

menor valor de Ka pois como mencionamos anteriormente, a energia livre de Gibbs (ΔGº) tem

uma relação direta com o pKa do ácido e do ácido conjugado da base.

Um exemplo do uso dos valores de pKa para estimar a posição do equilíbrio é a reação do

amobarbital, um sedativo hipnótico, com o cianeto de sódio e com o hidróxido de sódio. Na

primeira reação, como o pKa do amobarbital é ligeiramente menor que o do ácido cianí-

drico (HCN) formado (ácido conjugado), ele é um ácido ligeiramente mais forte. Assim, no

equilíbrio a reação ácido-base terá ambas as espécies em quantidades apreciáveis, com o

equilíbrio ligeiramente deslocado para a direita. Já na reação com o hidróxido de sódio o

ácido conjugado formado é a água, com valor de pKa muito maior do que o do amobarbital,

portanto o equilíbrio estará deslocado quase que completamente para a formação da água,

Page 65: Quimica Organica 1 MOODLE

63

ou seja, no sentido da direita. A diferença entre os valores de pKa dos dois ácidos é de 7,8

unidades fazendo com que a diferença de energia livre seja muito negativa. Portanto, o hi-

dróxido de sódio é uma base mais adequada para a desprotonação do próton do amobarbital.

pKa = 8,0

H

pKa = 9,1

pKa = 8,0

H

pKa = 15,8

É possível também usar os valores de pKa dos ácidos para comparar a força das bases con-

jugadas. A base conjugada mais forte é proveniente do ácido mais fraco, ou seja, o ácido que

tem o maior valor de pKa. Por exemplo, o ácido cianídrico é mais fraco (pKa = 9,1) do que o

ácido clorídrico (pKa = -7,0), logo o íon cianeto (base conjugada do ácido cianídrico) é mais

forte do que cloreto (base conjugada do ácido clorídrico).

E – O efeito nivelador do solvente

Os ácidos fortes estão completamente dissociados em solução aquosa formando o hidroxônio

(H3O+), e a respectiva base conjugada. Sendo assim, esses ácidos estão nivelados à força do

hidroxônio que é o ácido mais forte que pode existir em meio aquoso.

H3O+ Efeito nivelador do solvente

Page 66: Quimica Organica 1 MOODLE

64

Portanto, não é possível determinar a força relativa desses ácidos baseados exclusiva-

mente na reação de dissociação em meio aquoso. Só é possível afirmar que eles apresentam

valores de pKa menores do que 1,74, que é o valor para o hidroxônio.

De forma similar, as bases fortes estão completamente dissociadas em água para formar o

ânion hidróxido (OH-), que é a base mais forte que existe em solução aquosa. Todas as bases

mais fortes estão, portanto niveladas à força do hidróxido (pKa do ácido conjugado – H2O =

15,74) em meio aquoso.

OH-

H2O

Efeito nivelador do solvente

Fica claro, analisando o efeito nivelador da água, que os valores de pKa em meio aquoso

são restritos a faixa entre os valores de pKa do hidroxônio (-1,74) e da água (15,74). Isso é um

ponto importante, pois se houver a necessidade de desprotonar uma substância com valor

de pKa alto, ou seja, desprotonar um ácido fraco (pKa 20-50) é impossível fazê-lo em água,

pois a base mais forte que se pode usar é o íon hidróxido. Portanto, para efetuar esse tipo de

reação ácido-base há a necessidade de se usar um sistema de solvente diferente do aquoso.

Por exemplo, na desprotonação do etino ou acetileno (pKa = 25) deve-se usar um sistema

cujo solvente é a amônia líquida e a base o amideto (NH2-) mais forte do que o íon hidróxido.

H 2O (l)

pKa = 25pKa = 15,74

NH3(l)

pKa = 25pKa = 33

Equilíbrio deslocadopara a esquerda

Equilíbrio deslocadopara a direita

Page 67: Quimica Organica 1 MOODLE

65

4 Fatores que Alteram a Acidez: Efeitos Estruturais e do Solvente

As variações na acidez e basicidade dos compostos orgânicos podem ser correlacionadas com

o efeito dos grupos substituintes presentes na estrutura dos ácidos e das bases, chamado de

efeito intrínseco ou estrutural e com o efeito do solvente.

As reações ácido-base podem ser efetuadas em fase gasosa, onde pode ser avaliada a dis-

sociação de qualquer ácido, do mais fraco ao mais forte ou em solução, cujos experimentos

são limitados pelo efeito nivelador do solvente.

Os dados de acidez e basicidade obtidos em fase gasosa servem para avaliar o efeito in-

trínseco do substituinte, visto que o efeito do solvente está ausente. Já em solução, além dos

efeitos intrínsecos, o efeito de solvatação deve ser levado em consideração.

Para as reações de dissociação de um ácido neutro H-A em fase gasosa, as variações de en-

talpia (ΔHº) são muito mais importantes do que as variações de entropia (ΔSº) e controlam a

energia livre de Gibbs (ΔGº) do processo de dissociação, que são muito desfavoráveis. Nessas

condições, a base conjugada (A-) está isolada, ou seja, sem solvatação, e a sua energia não é

afetada pelas interações com o solvente, como ocorre em solução. A estabilização depende

somente dos efeitos intrínsecos. Dessa forma, pode-se concluir que em fase gasosa os efeitos

intrínsecos afetam predominantemente o ΔHº da dissociação, conforme mostram os parâme-

tros termodinâmicos para a dissociação do ácido fórmico e do metanol, mostrados a seguir.

H H

∆H o ∆S o

É importante ressaltar que o efeito estrutural também está presente em solução, contri-

buindo para o valor de ΔHº, através da estabilização da base conjugada por diversos efei-

tos que veremos adiante. Entretanto, em solução, a solvatação também contribui de forma

importante para o ΔHº. Por isso que os processos mais favorecidos entalpicamente em fase

gasosa, não são necessariamente os mais favorecidos em solução. Além da mudança na

variação de entalpia, o efeito do solvente também influencia a variação de entropia, pois a

solvatação organiza os produtos fazendo com que ΔSº assuma valores negativos. Portanto,

em solução o controle da dissociação pode ser tanto entálpico quanto entrópico, dependendo

Page 68: Quimica Organica 1 MOODLE

66

da contribuição de cada termo para a energia livre de Gibbs. Como exemplo, destacam-se os

parâmetros termodinâmicos para a dissociação do ácido fórmico e do ácido 4-cianobenzóico,

ambos com valores de pKa parecidos. O termo entálpico é mais favorecido para o ácido fór-

mico do que para o ácido 4-cianobenzóico, porém para o termo entrópico o favorecimento é

invertido. O balanço dos dois efeitos faz com que o ácido 4-cianobenzóico seja o mais forte.

pK a = 3,75

pK a = 3,55

Vários são os fatores estruturais que ajudam a estabilizar os ácidos conjugados ou as bases

conjugadas, entre destacam-se: a eletronegatividade do átomo ligado ao hidrogênio envol-

vido na reação ácido-base; o volume do átomo ligado ao hidrogênio; a hibridação; o efeito

polar (efeito de campo e efeito indutivo) e o efeito de ressonância. O entendimento desses

fatores é imprescindível para a compreensão da posição do equilíbrio nessas reações. Os

efeitos do solvente serão discutidos sempre que possível.

A – O efeito da eletronegatividade do átomo ligado ao hidrogênio

No grupo de compostos discriminados a seguir, onde todos os átomos ligados ao hidrogênio

pertencem ao segundo período da tabela periódica, é mostrada a acidez das ligações C-H,

N-H, O-H e F-H em fase gasosa. Como se pode observar, o aumento da eletronegatividade do

átomo A- (base conjugada) conduz a um acréscimo na acidez, caracterizado pela diminuição

do valor de ΔGº. Isso significa que existe um aumento da capacidade de estabilização da car-

ga negativa gerada na base conjugada e esta estabilização aumenta a força do ácido, onde se

conclui que a eletronegatividade do átomo ligado ao átomo de hidrogênio gera na molécula

uma acidez intrínseca.

Page 69: Quimica Organica 1 MOODLE

67

H H

HH

pKa = 48 pKa ~ 38 pKa = 16 pKa = 3,2

carbânion amideto

alcóxido �uoreto

Força de ligação: C-H ~ 96-105 Kcal/mol; N-H = 107 Kcal/mol e F-H = 135 Kcal/mol

Aumento da Eletronegatividade Aumento da Acidez

A partir desses dados podem-se inferir algumas considerações importantes: a estabili-

zação do ânion A- pela eletronegatividade é um fator mais importante do que a força de

ligação H-A que vai dissociar, pois o ácido fluorídrico (H-F) é o ácido mais forte, apesar de

apresentar a ligação mais forte; a basicidade aumenta no sentido do fluoreto para o car-

bânion (basicidade - CH3CH2- > CH3NH- > CH3O

- > F-), pois, como visto anteriormente, quanto

maior a força do ácido, mais estável (mais fraca) é a base conjugada; e por último que,

em fase gasosa, os valores de entropia são muito menores do que os valores de entalpia,

portanto, é a entalpia que controla o processo de dissociação. O fator intrínseco altera sig-

nificativamente o ΔHº; em solução, a ordem de acidez se mantém, como pode ser observado

através dos valores de pKa.

É importante destacar que as bases conjugadas, carbânion e amideto, devem ser gera-

das em um sistema de solvente diferente da água, a fim de se evitar o efeito nivelador do

solvente. Lembre-se que os valores de pKa do etano e da metilamina são muito superiores

ao da água (pKa = 15,7), portanto irão formar bases conjugadas muito mais fortes do que o

íon hidróxido.

Page 70: Quimica Organica 1 MOODLE

68

B – O volume do átomo ligado ao hidrogênio

Quando se compara compostos da mesma coluna da tabela periódica, a força da ligação do

próton com esses compostos é o efeito dominante, portanto a acidez dos ácidos halogenídri-

cos não aumenta com a eletronegatividade do halogênio, mas com o seu volume. Ao descer

na tabela periódica, no grupo dos halogênios, por exemplo, há um aumento na acidez dos

compostos formados por esses átomos. Duas explicações plausíveis acerca do volume do áto-

mo podem ser atribuídas a esse aumento de acidez: a primeira é que o aumento do volume

do átomo de halogênio diminui a efetividade na sobreposição entre o orbital atômico 1s do

átomo de hidrogênio e o orbital p, sucessivamente maiores, (2p–F, 3p–Cl, 4p–Br e 5p–I) do

halogênio. A menor efetividade da sobreposição promove o enfraquecimento da ligação H-X

(X = halogênio); a segunda, diz respeito à densidade de carga, onde ânions maiores possuem

menor densidade de carga, o que explica a maior estabilidade do iodeto (ânion maior) se

comparado com o fluoreto (menor). Além disso, quanto mais fraca for a ligação H-X mais

estável será X- e sendo assim, esses dois efeitos são cooperativos.

Para corroborar com essas argumentações, a seguir são mostrados os dados termodinâmi-

cos para a dissociação dos ácidos halogenídricos em fase gasosa e em solução.

H

pKa= 3,2 pKa = -7,0 pKa = -9,0 pKa = -10,0

H

H H

Força de ligação: H - F = 135 Kcal/mol; H - Cl = 103 Kcal/mol; H - Br = 88 Kcal/mol e H- I = 71 Kcal/mol

Aumento do Volume Aumento da Acidez

Aumento da Basicidade

Page 71: Quimica Organica 1 MOODLE

69

A ordem de acidez dos ácidos halogenídricos não se altera em fase aquosa. A presença da

água facilita a dissociação dos ácidos através da estabilização por solvatação da base conju-

gada aniônica, diminuindo consideravelmente a energia livre de Gibbs de todas as reações.

Considerando o efeito de estabilização proporcionada ao ânion pela solvatação da água, o

fluoreto por ter maior densidade de carga (átomo menor) irá atrair eletrostaticamente, com

maior intensidade, as moléculas da água e deverá ser melhor solvatado, o que levaria a uma

inversão da ordem de acidez observada para a fase gasosa. Entretanto, uma solvatação mais

eficiente da base conjugada organiza melhor os produtos, desfavorecendo a entropia do sis-

tema. Assim espera-se que efeito entrópico causado pela solvatação em água desfavoreça a

dissociação do HF em relação ao HI, por exemplo. Como a ordem de acidez em solução não

se altera, quando comparado com a ordem em fase gasosa, pode-se concluir que o efeito

predominante do solvente ocorre no termo entrópico.

A mesma tendência na ordem de acidez pode ser aplicada para outras colunas da tabela

periódica, como por exemplo, os ácidos formados a partir das ligações com os átomos per-

tencentes ao grupo dos calcogênios (H2O - pKa = 15,7; H2S - pKa = 7,0 e H2Se - pKa = 3,9).

C – O aumento da superfície molecular

A estabilização da carga negativa em ânions provenientes de uma mesma função orgânica

em fase gasosa cresce à medida que a superfície molecular aumenta. Esse efeito ocorre de-

vido à polarização das ligações vizinhas sob a influência da carga negativa gerada na base

conjugada, permitindo que esses grupos recebam elétrons. O espalhamento dos elétrons au-

menta a distância média entre eles, diminuindo a repulsão eletrostática e consequentemente

a energia potencial da molécula. Para exemplificar esse efeito de estabilização é mostrado

a seguir os dados termodinâmicos para o processo de dissociação do metanol, etanol, iso-

propanol e terc-butanol em fase gasosa e os valores de pKa desses alcoóis em solução. Fica

evidente que em fase gasosa, a ordem de acidez depende do volume do alcóxido que se forma

como base conjugada e a acidez aumenta na ordem do metanol para o terc-butanol (menor

valor de ΔGº), pois nessa ordem também aumenta a superfície molecular.

Page 72: Quimica Organica 1 MOODLE

70

pKa = 19,0 pKa = 18,0 pKa = 16,0 pKa = 15,8

Aumento da acidez

Aumento da acidez

Solvatação

Em solução aquosa, ocorre uma inversão da ordem de acidez, onde o metanol agora é o

mais ácido (pKa = 15,8) e o terc-butanol o menos ácido (pKa = 19,0) com o etanol e o isopro-

panol ocupando posições intermediárias, o que corrobora com o raciocínio. Essa inversão

da acidez ocorre devido a menor solvatação no átomo de oxigênio do ânion terc-butóxido,

devido ao maior impedimento espacial (estérico) proporcionado pelos grupos metilas ligados

ao carbono quaternário. Essa diminuição do efeito de solvatação diminui a estabilidade da

base conjugada no que se refere à entalpia do processo.

Nas aminas a ordem de acidez dos ácidos conjugados em fase gasosa também é direta-

mente proporcional ao volume da superfície molecular. A dispersão da nuvem eletrônica das

ligações com os substituintes existentes na molécula na direção da carga positiva no cátion

auxilia na estabilidade desse íon. Essa acidez, como nos alcoóis, pode ser chamada de acidez

intrínseca, pois a estabilização da carga é puramente estrutural.

H H

Aumento do volume da superfície molecular

Aumento da acidez

Em solução aquosa, o efeito da solvatação favorece o íon (CH3)3NH+ para ser o mais ácido

da série, pois por possuir o maior número de grupamentos metilas volumosos o torna menos

Page 73: Quimica Organica 1 MOODLE

71

solvatado, desfavorecendo a entropia da reação e consequentemente tornando-se menos estável.

A razão pela qual a entropia é desfavorecida consiste no impedimento estérico da solvatação, de

maneira que, quando grupamentos volumosos estão presentes, a água para formar interações

fortes e solvatar eficientemente o cátion deverá estar mais organizada. A princípio a ordem de

acidez em solução aquosa, levando em consideração apenas o efeito de solvatação seria:

H H

Diminuição do efeito de solvatação

Aumento da acidez

Contudo, deve-se destacar que a ordem de acidez em solução aquosa desses sais de amônio

é o resultado do somatório do efeito intrínseco, discutido para o processo de dissociação em

fase gasosa, com o efeito de solvatação, discutido anteriormente. De forma que, a ordem de

acidez em água apresenta a seguinte tendência.

H HAumento da acidez

Aumento do volume da superfície moleculare

Efeito de solvatação

D – O efeito da hibridação

Cabe lembrar que os alquinos, como por exemplo, o etino (pKa = 24,0), são mais ácidos do

que os alquenos (eteno - pKa = 44,0), que por sua vez são mais ácidos do que os alcanos

(etano - pKa = 48,0). Essa ordem de acidez das ligações C-H pode ser atribuída a um fator

intrínseco, que resulta do estado de hibridação do átomo de carbono. Para entender o efeito

da hibridação é necessário entender a influência do orbital atômico s nos orbitais híbridos

sp, sp2 e sp3. O orbital s está mais próximo do núcleo e por isso, tem menos energia do que o

orbital p. No ânion acetileto, base conjugada formada pela desprotonação do etino, o átomo

de carbono que contém a carga negativa, possui uma hibridação sp com 50% de contribui-

ção do orbital atômico s, está mais próximo do núcleo do átomo de carbono do que no eteno

(orbital híbrido sp2 com 33% de contribuição do orbital atômico s) e do que no etano (orbital

híbrido sp3 com 25% de contribuição do orbital s). Essa maior proximidade com o núcleo do

átomo de carbono permite uma maior estabilização eletrostática da carga negativa. Como

a capacidade de estabilização da carga negativa pelos orbitais híbridos segue a ordem sp >

sp2 > sp3 podes-se dizer que o orbital sp é o mais eletronegativo da série.

Page 74: Quimica Organica 1 MOODLE

72

pKa = 48,0

CH

NH3 (l)H

pKa = 38,0

pKa = 44,0

NH3(l)H

pKa = 38,0

CH

C H

pKa = 24,0

NH3(l)

pKa = 38,0

sp

sp2

sp3

H

As reações mostradas anteriormente, não podem ser feitas em água ou álcool, que são bem

mais ácidos do que o etino e reagem vigorosamente com o amideto de sódio para formar

amônia e hidróxido ou alcóxido de sódio, respectivamente. Novamente, usa-se um sistema

de solvente diferente para evitar o efeito nivelador do solvente.

Essa diferença de eletronegatividade devido a hibridação do átomo de carbono pode in-

terferir na ordem de acidez de uma série de outros compostos, como por exemplo, os ácidos

carboxílicos e os alcoóis.

O efeito da hibridação também é evidente na acidez de compostos nitrogenados protonados.

O pKa da nitrila protonada é próximo de 12 ( nitrogênio com hibridação sp), enquanto que o

íon piridínio é 5,23 (nitrogênio sp2) e o alquilamônio em torno de 10-11 (nitrogênio sp3).

N

N

N

N H

sp3

sp2

sp2

sp

Aumento do caráter s

Page 75: Quimica Organica 1 MOODLE

73

E – O efeito polar

O efeito polar é a influência de grupos polares sobre a reatividade de um grupo funcional. Ele

pode ser dividido em efeito indutivo e efeito de campo.

A estabilização da base conjugada de um ácido é um fator importante que interfere direta-

mente na acidez do ácido. Qualquer átomo ou grupo que seja capaz de atrair a carga negativa

formada na base conjugada após a desprotonação do ácido pela base e, com isso dispersá-la,

ajuda na sua estabilização e, por conseguinte aumenta a força do ácido.

Nesse contexto, um efeito intrínseco importante é o efeito indutivo atrator de elétrons, que

se inicia com a polarização da ligação σ entre o átomo de carbono e um átomo mais eletro-

negativo do que ele, como por exemplo, N, O ou F. Essa polarização é o resultado de uma

distribuição desigual dos elétrons entre os átomos envolvidos na ligação onde a densidade

eletrônica fica mais próxima do átomo mais eletronegativo. Essa polarização inicial é poste-

riormente passada através das ligações σ adjacentes no esqueleto carbônico de forma a perder

gradativamente a intensidade à medida que se afasta do centro contendo a carga negativa.

Para exemplificar a atuação do efeito indutivo atrator de elétrons na acidez dos compostos

orgânicos, é apresentado a seguir os valores de pKa em água, de diversos ácidos clorobuta-

nóicos substituídos: inicialmente, pode-se verificar que o ácido 2-clorobutanóico (pKa = 2,8) é

significativamente mais forte do que o ácido butanóico (pKa = 4,8). Esse aumento significativo

da acidez pode ser atribuído ao efeito atrator de elétrons exercido pelo átomo de cloro, auxi-

liando na dispersão da carga negativa gerada na base conjugada através da polarização das

ligações σ. Outro ponto importante a ser notado é que o átomo de cloro no carbono C4 quase

não tem efeito sobre a acidez do ácido 4-clorobutanóico (pKa = 4,5), visto que o valor do seu

pKa é muito próximo ao do ácido butanóico, o que confirma a perda gradativa de intensidade

do efeito indutivo a medida que a polarização das ligações tornam-se enfraquecidas. A força

intermediária da acidez do ácido 3-clorobutanóico (pKa = 4,1) corrobora essas explicações.

pKa = 4,8

R H H R

pKa = 4,8

Cl

δ+

δ−

pKa = 4,1

δ+

δ−Cl

δ+

pKa = 4,5

δ+

δ−δ+

Cl

δ+

R

Efeito indutivo atrator deelétrons

Page 76: Quimica Organica 1 MOODLE

74

As análises feitas até o momento para o efeito indutivo foram baseadas somente no efeito

estrutural e podem ser usadas para prever a acidez de diversas substâncias, embora não leve

em consideração o efeito do solvente. A introdução de grupos polares nas moléculas altera

também o efeito de solvatação, como veremos, analisando a acidez em fase gasosa e em água

dos ácidos iodo, cloro e fluoroetanóico. Os dados em fase gasosa mostram que a acidez aumen-

ta na direção do ácido iodoetanóico, por gerar uma base conjugada, o ânion carboxilato, com

maior superfície molecular para a dispersão da carga. Esse fator é puramente intrínseco, visto

que o fator interferente é o volume do átomo de iodo que é maior do que os demais. É possível

notar, entretanto, que essa ordem é invertida em água, provavelmente devido a maior ental-

pia de solvatação do ácido fluoroacetato em relação aos outros carboxilatos da série.

I

pKa = 2,90

Cl

pKa = 2,85

F

pKa = 2,70

XH

X HXH

X H

X

X

X

X

Grupamentos fortemente atratores de elétrons, como o grupo nitro, amônio, nitrila e car-

bonila estabilizam intensamente o ânion formado pela desprotonação do ácido, aumentando

a acidez relativa do ácido, como mostrado a seguir para a dissociação em água de uma série

de ácidos carboxílicos substituídos por grupos atratores de elétrons.

pKa = 4,76

O2N

pKa = 1,7

(H3C)3N

pKa = 1,8

NC

pKa = 2,4

O

pKa = 3,6

De modo contrário, grupos doadores de elétrons deverão diminuir a estabilidade da base

conjugada, pois em vez de ajudar a dispersar a carga negativa, eles contribuem para a sua

concentração. O efeito intrínseco proporcionado por esses substituintes é chamado de efeito

indutivo doador de elétrons. Os grupamentos alquilas, tais como o metila, etila, isopropila, en-

tre outros, são os mais comuns. Para exemplificar esse efeito é mostrado a seguir, os valores

de pKa em água do ácido metanóico (fórmico) e etanóico (acético). Alguns autores sugerem

também, que a diminuição da acidez em solução tem uma grande influência da solvatação.

A introdução de grupamentos alquila, e principalmente os mais volumosos, desfavorecem a

Page 77: Quimica Organica 1 MOODLE

75

entropia do processo de dissociação, como já foi explicado anteriormente, quando foi discutida

a influência do aumento do volume da superfície molecular na acidez dos compostos orgânicos.

H

pKa = 3,7

H3C

pKa = 4,8

Outra abordagem para o efeito polar considera o efeito produzido pelo grupo substituinte

sobre o centro da reação, ou seja, onde é gerada a carga negativa na base conjugada, ocor-

rendo diretamente através do espaço. Este efeito é denominado efeito de campo. O efeito de

campo, assim como o efeito indutivo, depende da interação entre dois momentos dipolares,

um deles é centro contendo a carga negativa na base conjugada, chamado de μ1, e o outro

gerado pelo substituinte (μ2). Essa interação forte de natureza eletrostática (ânion-dipolo),

que se dará através do espaço, domina a estabilidade do sistema e depende da distância e do

ângulo entre os dois dipolos. Se a estrutura molecular for rígida, a distância entre o ânion e

o substituinte não sofrerá alteração. Normalmente, a intensidade da interação ânion-dipolo

tem relação direta com a distância (r) e com a orientação entre eles, através do cosseno do

ângulo formado (cosθ) e do valor da interação eletrostática (μ). Quando a distância entre os

grupos é fixa, a orientação e o momento dipolo que variam em função do substituinte de-

terminam a acidez da molécula.

ClCl

CO2

pKaH = 6,1C

X

X

ClCl

CO2

pKaH = 5,7

Moléculaconformacionalmente

restrita

Moléculaconformacionalmente

restrita

No exemplo anterior, o número de ligações entre os átomos de cloro e o carboxilato é

igual. Se fosse considerado somente o efeito indutivo os valores de pKa das duas substâncias

deveria ser igual, sugerindo que nesse caso o efeito de campo é mais importante do que o

efeito indutivo. No primeiro exemplo o dipolo gerado pelos átomos de cloro está orientado na

mesma direção do dipolo do grupo carboxilato, fazendo com que o cosθ seja maior do que 90o

e, portanto aumentando a energia de interação entre os dipolos o que diminui a estabilidade

do carboxilato e consequentemente diminui a força do ácido.

Page 78: Quimica Organica 1 MOODLE

76

F – O efeito de ressonância

O fenômeno da ressonância, discutido em detalhes na aula 2, é provavelmente o conceito

mais importante usado para relacionar a estrutura dos compostos orgânicos com diversas

propriedades químicas.

Um exemplo clássico para exemplificar o efeito de ressonância é a diferença de acidez

quando se compara o processo de dissociação de um álcool, um fenol e um ácido carboxíli-

co. Essa diferença pode ser atribuída à estabilização por ressonância das bases conjugadas

oriundas do ácido carboxílico e do fenol. Ao analisar os dados termodinâmicos destas rea-

ções em fase gasosa, fica evidente o efeito intrínseco (estrutural) proporcionado pelo grupo

carbonila do ácido carboxílico e pelo anel aromático do fenol na estabilização do carboxila-

to e do fenóxido, respectivamente, quando comparado com o etóxido.

∆G o = 341,1; ∆H o = 348,1; ∆So = 23,5; Τ∆S o = 7,0H3C OH

O

H3C O

O

+ H +

OH O

+ H + ∆G o = 342,3; ∆H o = 350,4; ∆So = 27,2; Τ∆S o = 8,1

C2H5 OH C2H5 O + H + ∆G o = 371,7; ∆H o = 378,3; ∆So = 22,1; Τ∆S o = 6,6

Ácido acético

Fenol

Etanol

Acetato (caboxilato)

Fenóxido

Etóxido

Fase Gasosa

O íon acetato é mais estável do que o íon fenóxido, pois apresenta duas estruturas de

ressonância energeticamente iguais, distribuindo a carga negativa entre os dois átomos de

oxigênio, eletronegativos. Já para o fenóxido, podem ser escritas cinco estruturas de resso-

nância, entretanto, esse ânion é menos estável, pois em três estruturas canônicas a carga

negativa está localizada em átomos de carbono. Essas estruturas possuem mais energias, do

que àquelas em que a carga negativa está no átomo de oxigênio, contribuindo menos para

a estabilidade do híbrido de ressonância. No etóxido, não existe deslocalização eletrônica.

Note que em fase gasosa o único efeito existente é o efeito de ressonância, a pequena dife-

rença nos valores de ΔGº do ácido acético e do fenol mostra que o efeito do anel aromático é

quase tão importante quanto o da carbonila.

O δ

δ

δ

δ

H3C OC

O

3C OC

O δ

δ

Híbrido de ressonância

Híbrido de ressonância

Page 79: Quimica Organica 1 MOODLE

77

Os valores de pKa para essas substâncias obtidas em meio aquoso, mostra que não há in-

versão na ordem de acidez. A diferença na acidez entre o álcool, o fenol e o ácido carboxílico

em solução pode ser atribuída ao fator intrínseco, ou seja, o efeito de ressonância e ainda ao

efeito de solvatação dessas substâncias. O acetato, como dito anteriormente, apresenta duas

estruturas de ressonância com energias iguais onde a carga negativa está mais dispersa e

por isso, ele é menos solvatado. A menor eficiência na dispersão da carga no íon fenóxido,

quando comparado com o acetato faz com que ele tenha uma solvatação maior. O etóxido é

presumivelmente o mais solvatado dos três, pois a carga está localizada no átomo de oxigê-

nio. Essa diferença na solvatação das bases conjugadas afeta as entropias dos processos de

dissociação. O ânion menos solvatado (carboxilato), aumenta a entropia dos reagentes em

comparação com a entropia dos produtos, o que favorece o processo de dissociação.

H

H

H

pKa = 4,8

pKa = 10,0

pKa = 16,0

O aumento da acidez do ácido carboxílico pode ser atribuído também ao efeito indutivo

atrator de elétrons exercido pelo grupo carbonila, estabilizando a carga negativa no car-

boxilato via indução. Cabe ressaltar que muitas vezes é difícil separar o efeito indutivo do

efeito de ressonância no processo de estabilização dos ânions.

Outra série de estruturas em que o efeito de ressonância tem um papel preponderante é o

conjunto de fenóis substituídos mostrados a seguir. Em solução aquosa, o pKa do p-nitrofenol

é igual a 7,2, comparado ao do fenol (pKa = 10,0), enquanto que o 2,4-dinitrofenol tem um pKa

de 4,0 e finalmente o ácido pícrico com valor de pKa de 0,4.

H

pKa = 10,0

H

pKa = 7,2

H

pKa = 4,0

H

pKa = 0,4

Estruturas de ressonância do íon p-nitrofenóxido

Capacidade de receber elétronsdo grupo nitro

Efeito indutivo atratorde elétrons do grupo nitro

Page 80: Quimica Organica 1 MOODLE

78

Certamente, uma parte do efeito exercido pelo grupo nitro na estabilização da base conju-

gada pode ser atribuída ao seu forte efeito indutivo atrator de elétrons, mas a sua habilidade

em deslocalizar a carga negativa do ânion fenóxido também contribui para a estabilidade

do ânion. O efeito de ressonância e o efeito indutivo exercidos pelo grupo nitro na estabili-

zação da base conjugada pode ser confirmado através da comparação dos valores de pKa do

p-nitrofenol (7,2) com o do m-nitrofenol (8,36) e com o do fenol (10,0). O grupo nitro na base

conjugada do m-nitrofenol não estabiliza a carga negativa por ressonância, somente via

indução, e, portanto é o efeito indutivo atrator de elétrons do grupo nitro o responsável pela

diminuição do valor de pKa em praticamente duas unidades, comparado ao fenol. A diminui-

ção da outra unidade no p-nitrofenol pode ser atribuída ao efeito de ressonância.

As ligações C-H em alcanos são pouco ácidas, pois o átomo de carbono, pouco eletrone-

gativo, não estabiliza bem o carbânion formado na base conjugada. A presença de grupos

funcionais, adjacente a ligação C-H que vai dissociar, com habilidade para estabilizar a carga

negativa do carbânion por ressonância, aumenta a acidez desses hidrogênios (efeito intrín-

seco). Os principais grupos que estabilizam a carga negativa por ressonância são mostrados

abaixo. Todos eles possuem como característica química comum a presença de grupos insa-

turados vicinais ao carbono negativo. O orbital π destes grupos tem uma orientação paralela

ao orbital p do carbono negativo, gerando uma interação entre esses orbitais, propiciando a

ressonância e consequentemente à estabilização da carga.

H α

N

O

O

pKa ~ 10,0

H α

C

O

R

pKa ~ 20,0

H αC

pKa ~ 25,0

N

H α

C

O

OR

pKa ~ 25,0

H α

O

OR

pKa ~ 33,0

SO

H α

pKa ~ 41,0

H α

C

C

H

HH

pKa ~ 43,0

H α

R

pKa ~ 49,0

H α

C

O

NR2

pKa ~ 25,0

A presença de um grupo carbonila adjacente a uma ligação C-H é suficiente para diminuir a

acidez desse átomo de hidrogênio, como mostra os valores de pKa acima. O pKa característico

de alcanos (49,0) passa para aproximadamente 20,0 em aldeídos e cetonas. Essa redução do

valor de pKa, ou seja, aumento na acidez, se deve ao fato de que nos alcanos, o carbânion

formado possui a carga negativa localizada no átomo de carbono, enquanto que nos aldeídos

e cetonas, essa mesma carga negativa pode ser deslocalizada para o átomo de oxigênio da

carbonila, gerando um efeito estabilizador de ressonância. O ânion obtido pela deslocaliza-

ção da carga negativa para o átomo de oxigênio recebe o nome de enolato e é muito mais

estável do que o carbânion proveniente do alcano.

Page 81: Quimica Organica 1 MOODLE

79

R

pKa ~ 49,0

NH3 (l)R H

pKa= 38,0

C

O

R

pKa ~ 20,0

NH 3 (l)H

pKa= 38,0

RC

O

RC

O

O efeito de duas carbonilas sobre a acidez do Hα da ligação C-H é cooperativo, pois o eno-

lato será estabilizado duplamente, tornando-se mais estável. Consequentemente substância

contendo uma ligação C-H vicinal a duas carbonilas, como a 2-4-pentanodiona (pKa = 8,84)

ou a qualquer outro grupamento atrator de elétrons, capaz de estabilizar a carga negativa

por ressonância, como a malonitrila (pKa = 11,2) e o dinitrometano (pKa = 3,63) tornam-se bem

mais ácidas. Esses compostos são chamados de metileno ativo.

C

O

RC

O

RH2O(l)

pKa ~ 8,0 -12,0

C

O

RC

O

R C

O

RC

O

R

Na

C

O

R CO

R

Na

pKa = 8,84 pKa = 11,2 pKa = 3,63

Outro caso onde a ressonância influencia a acidez do carbono pode ser observado compa-

rando-se os valores de pKa do metano (~ 48), do tolueno (41,2), difenilmetano (33,0) e final-

mente do trifenilmetano (31,5). Esses valores de pKa demonstram que aumentado o número

de grupos fenila, diminui o valor do pKa, consequentemente aumenta a acidez da ligação C-H.

Isso é o que se espera pois, aumentando o número de grupamentos fenilas, a carga negativa

gerada na base conjugada pode ser estabilizada por mais anéis através do efeito de ressonân-

cia. Entretanto, pode ser notado também que com a adição sucessiva de anéis fenila, há uma

diminuição no efeito exercido sobre o pKa: o primeiro anel diminui aproximadamente oito

unidades o valor do pKa, o segundo sete e o terceiro somente uma unidade. A explicação para

essas observações experimentais deve-se ao fato de que para se ter uma deslocalização efe-

tiva da carga negativa, todo o sistema deve ser completamente planar. No caso do trifenil-

metano os três anéis não conseguem assumir uma disposição espacial coplanar em torno do

átomo de carbono, pois, os átomos de hidrogênio em posição orto de cada anel fenila tendem

a ocupar o mesmo espaço aumentando a repulsão estérica (espacial). Esse composto adota

Page 82: Quimica Organica 1 MOODLE

80

uma forma espacial em hélice onde cada grupamento fenila está ligeiramente torcido em

relação aos vizinhos, diminuindo a efetividade da sobreposição dos orbitais e consequente-

mente a deslocalização eletrônica. Esse efeito é denominado inibição estérica da ressonância.

H

HH

pKa ~ 48,0

HH

pKa = 41,2

H

pKa = 33,0

H

pKa = 33,0

HH

H H

HH

Impedimento estérico dos átomosde H nas posições orto dos anéis

pKa = 33,0

5 Fatores que Alteram a Basicidade: Efeitos Estruturais e do Solvente

Bases são substâncias capazes de receber um próton (basicidade de Brønsted-Lowry) ou de

doar um par de elétrons (bases de Lewis). Assim como na acidez, a basicidade dos compostos

orgânicos pode ser correlacionada com o efeito dos grupos substituintes presentes na estru-

tura das bases e a sua força com a sua estabilidade, ou seja, quanto mais estável ela for, mais

fraca será. Assim, uma base carregada negativamente é mais suscetível a receber um próton

de um ácido do que uma neutra; um composto em que a carga negativa está deslocalizada é

menos básico do que outro em que a carga está localizada. Foi visto na sessão anterior que

um ácido carboxílico é um ácido mais forte do que um álcool, porque no ácido carboxílico a

carga negativa formada pela desprotonação está deslocalizada entre os dois átomos de oxi-

gênio do carboxilato, contudo está localizada no átomo de oxigênio do alcóxido. Em outras

palavras, o alcóxido é uma base mais forte do que o carboxilato porque os seus elétrons

estão mais disponíveis para serem protonado.

Analisando uma base neutra, existem dois fatores que determinam a sua força: a acessi-

bilidade do par de elétrons e o quanto a carga positiva gerada pela protonação da base pode

ser estabilizada por efeitos intrínsecos ou pelo solvente.

Page 83: Quimica Organica 1 MOODLE

81

A acessibilidade do par de elétrons em um átomo torna-se menor quando: esse átomo

estiver ligado a um grupo atrator de elétrons (efeito indutivo atrator de elétrons); o par de

elétrons estiver em um átomo com hibridação sp ou sp2, com maior percentual de caráter s;

quando estiver conjugado a um grupo atrator de elétrons; quando estiver em átomo muito

eletronegativo, como por exemplo o oxigênio e ainda quando estiver envolvido na manuten-

ção da aromaticidade de um sistema.

A seguir serão mostrados alguns exemplos de bases nitrogenadas neutras que explicam

esses fatores: Os valores de pKaH de alguns ácidos conjugados de aminas em que o átomo de

nitrogênio sofre o efeito indutivo de um grupo atrator de elétrons são mostradas a seguir. Os

grupamentos fortemente atratores de elétrons CF3 e CCl3 tem um largo efeito quando eles estão

ligados ao átomo de carbono contendo o grupamento NH2, contudo ele perde intensidade quan-

do torna-se mais afastado. O efeito indutivo decresce rapidamente com a distância. Nunca é de

mais lembrar que os valores de pKaH fazem referência a acidez das aminas protonadas (ácidos

conjugados) e quanto mais fraco for o ácido, mais forte será a base, no caso, a amina. O gru-

pamento atrator de elétrons diminui a disponibilidade do par de elétrons para receber o próton.

Cl3C Cl3C

pKaH = 5,50 pKaH = 9,65

F 3C F 3CpKaH = 5,70 pKaH = 8,70

H3C

pKaH = 10,6

Se o par de elétrons estiver em um átomo de nitrogênio com hibridação sp ou sp2 ele es-

tará mais fortemente atraído eletrostaticamente pelo núcleo tornando-se mais difícil de ser

protonado. Isso explica, por exemplo, porque o grupo nitrila não é tão básico e necessita de

um ácido forte para ser protonado.

pKaH = 10,7 pKaH = 9,2 pKaH ~ -10,0

A anilina é uma base fraca em meio aquoso, o que pode ser avaliado pela força do seu ácido

conjugado (pKaH = 4,62) em relação ao ácido conjugado da amônia (pKaH = 9,25) ou da cicloexi-

lamina (pKaH = 10,68). Através dos dados obtidos em fase gasosa, a anilina é intrinsecamente

mais básica do que a amônia, pois a alta densidade eletrônica do anel aromático ajuda a esta-

bilizar a carga positiva do nitrogênio no íon anilínio. Além disso, esse íon possui uma super-

fície molecular maior, o que permite um melhor espalhamento da carga positiva. Com esse

resultado, é possível perceber que a diminuição da densidade eletrônica do nitrogênio pelo

efeito de ressonância, em outras palavras, a deslocalização do par de elétrons não ligante do

átomo de nitrogênio para o anel aromático, é um efeito secundário para o efeito intrínseco.

Page 84: Quimica Organica 1 MOODLE

82

Isso pode ser explicado da seguinte maneira: para que haja a deslocalização os elétrons não

ligantes do nitrogênio deverão estar em um orbital p e, por conseguinte o átomo de nitrogê-

nio deverá possuir uma hibridação sp2. Com essa hibridação, a geometria do grupo amina é

muito próxima da trigonal planar onde os átomos de hidrogênios deveriam ficar coplanar ao

anel aromático. Porém esse arranjo aumenta a energia da molécula, devido ao aumento do

impedimento estérico. A fim de minimizar essa interação desestabilizadora os hidrogênios

do grupamento amino deslocam-se aproximadamente 40º em relação ao plano do anel aro-

mático, deixando o par de elétrons parcialmente conjugado, ou seja, prejudicando a sua so-

breposição com os orbitais p dos átomos de carbono do anel aromático.

H

HH

H

~ 40o

H

H

pKa = 4,62

H H

pKa = 9,24

~ 4

Em meio aquoso a ordem de acidez é invertida, pois agora é a dissociação do íon anilínio

que possui o menor valor de ΔGº. Desta maneira, a diferença de basicidade da anilina em re-

lação à amônia em fase aquosa tem sua origem no efeito de solvatação. O íon amônio é mais

solvatado do que o anilínio porque possui o maior número de hidrogênios capaz de fazer

ligação de hidrogênio com a água e por ser menos impedido estericamente. O anel aromático

mais volumoso dificulta a solvatação do grupamento amino. Do ponto de vista entálpico, a

maior estabilidade do íon amônio devido a sua maior solvatação desfavorece o seu processo

de dissociação. Já o termo entrópico mostra um favorecimento para o processo de dissocia-

ção do íon anilínio, pois o fato desse cátion ser mais estável (efeito intrínseco) faz com que

ele seja menos solvatado, aumentando a entropia dos reagentes, quando comparado com os

produtos (íon hidroxônio é mais solvatado do que o anilínio).

Page 85: Quimica Organica 1 MOODLE

83

Ao contrário das aminas aromáticas, o grupo amida é completamente planar com átomo

de nitrogênio hibridizado sp2 e com os elétrons não ligantes em um orbital p. Esse arranjo

espacial permite uma sobreposição eficiente com o grupo carbonila, diminuindo a disponibi-

lidade do par de elétrons não ligante do átomo de nitrogênio e, portanto, tornando-o menos

básico (pKaH amida ~ 0-1).

R

O

NR

R

δ+

δ-

Híbrido deressonância

Devido a essa deslocalização, onde a maior densidade eletrônica está no átomo de oxigênio,

a amida não é protonada no átomo de nitrogênio. Se a protonação ocorresse no nitrogênio,

ele assumiria uma carga formal positiva adjacente ao carbono do grupo carbonila também

deficiente de elétrons, o que é energeticamente desfavorável. Dessa forma, a protonação ocor-

re no átomo de oxigênio, onde a carga positiva formada pode ser estabilizada por um efeito

de ressonância. O átomo de oxigênio é portanto mais básico do que o nitrogênio na amida.

H

H

H H H

Energeticamente desfavorável

Ressonância estabiliza o ácido conjugado

As amidinas são equivalentes nitrogenados das amidas, onde um grupo C=NH substitui a

carbonila. Elas são muito mais básicas do que as amidas (pKaH amidinas ~ 12). Uma amidi-

na possui dois átomos de nitrogênio que podem ser protonados, um possui hibridação sp3

e outro sp2. Pelo efeito da hibridação, o átomo de nitrogênio com o menor % de caráter s

(sp3), portanto menos atraído pelo núcleo, deveria ser o mais básico e, portanto protonado

preferencialmente. Contudo, a protonação ocorre primeiro no nitrogênio sp2 por uma ra-

zão muito semelhante à protonação preferencial do átomo de oxigênio da amida: somente

ocorre deslocalização da carga positiva formada entre os heteroátomos se a protonação

ocorrer no nitrogênio sp2.

Page 86: Quimica Organica 1 MOODLE

84

C

NH

C

NH

pK aH = 12,4

H

Mais básicas que as amidinas são as guanidinas (pKaH = 13,6), normalmente uma base mais

forte do que o hidróxido de sódio. A protonação do átomo de nitrogênio com hibridação sp2

forma um cátion altamente estabilizado por ressonância, onde a carga positiva está distri-

buída pelos três átomos de nitrogênio.

C

NH

pKaH = 13,6

H

NH2H2N

Bases oxigenadas, normalmente são muito mais fracas do que as nitrogenadas devido à

diferença de eletronegatividade entre esses átomos. Porém, é importante conhecer alguns

valores de pKaH de compostos oxigenados pois muitas reações começam com a protonação de

um composto oxigenado.

H

H

H

H

H

H

Aldeído ou Cetona

Ácido carboxílico

Fenol

Ésteres carboxílicos

Álcoois

Éteres

Page 87: Quimica Organica 1 MOODLE

85

Resumo e Palavras-chave

Acidez e basicidade estão intimamente relacionadas a fatores intrinsecos e de solvatação. Um

ácido de Brønsted-Lowry é todo e qualquer composto capaz de doar um próton (H+) e uma base

de Brønsted-Lowry é um composto capaz de receber um próton. A força de um ácido ou de

uma base pode ser expressa por sua constante de acidez (Ka) e de basicidade (Kb), respectiva-

mente, ou pelo seu logaritmo decimal negativo (pKa). Quanto menor for o valor de pKa de um

ácido, mais forte ele será e portanto, estará mais dissociado. A constante de acidez pode ser

diretamente relacionada com a energia livre de Gibbs, num processo termodinâmico onde o

equilíbrio estará deslocado para espécie mais estável. A equação de Henderson-Hasselbalch,

correlaciona o pKa de um ácido com o valor de pH do meio e com a concentração de suas

espécies dissociadas e não dissociadas. Ela pode ser usada, por exemplo, para calcular o per-

centual de ionização de fármaco em um determinado compartimento fisiológico. A força dos

ácidos e das bases fortes, que são completamente dissociadas em água para formar os íons

hidroxônio e hidróxido, respectivamente, é nivelada por esse solvente. Esse efeito é chamado

de efeito nivelador do solvente. Uma outra definição muito útil e mais abrangente sobre ácidos

e bases foi descrita por Lewis, onde o ácido de Lewis é qualquer composto capaz de receber

um par de elétrons e a base de Lewis é qualquer substância capaz de doar um par de elétrons.

Ao término dessa aula você deverá ser capaz de:

Entender porque algumas molécula orgânicas são ácidas e outras básicas;

Reconhecer os pares ácidos/bases conjugados;

Saber porque alguns ácidos são mais fortes do que outros;

Saber porque algumas bases são mais fortes do que outras;

Escrever a constante de acidez e o seu logaritmo decimal negativo para uma reação

ácido-base;

Estimar a acidez e a basicidade usando pH e pKa;

Estimar para que lado o equilíbrio estará deslocado usando o pKa e ΔGº;

Saber qual próton é o mais ácido em uma molécula orgânica mais complexa;

Saber qual par de elétrons é o mais básico em uma molécula orgânica mais complexa;

Correlacionar a acidez e a basicidade com a solubilidade;

Olhando a diante

Reações ácido-base estão envolvidas em diversos mecanismos de reações;

Catálise ácida e básica nas reações de grupos carbonilas;

Uso de ácidos de Brønsted-Lowry e de Lewis nas reações de substituição eletrofílica

aromática;

Reações seletivas a partir do uso de ácidos ou bases.

Page 88: Quimica Organica 1 MOODLE

86

1ª Questão: Os fenóis mostrados a seguir possuem valores aproximados de constante de aci-

dez de 4, 7, 9, 10 e 11. Correlacione os valores de pKa com as respectivas estruturas e explique

a sua resposta.

2ª Questão: O composto mostrado a seguir, tem por razões óbvias, sido chamado de ácido

quadrático. O ácido quadrático é um ácido diprótico, com ambos os prótons sendo mais

ácido do que o ácido acético. No diânion obtido após a perda de ambos os prótons, todas as

ligações carbono-carbono tem o mesmo comprimento, bem como todas as ligações carbono-

oxigênio. Forneça uma explicação para essas observações experimentais.

3ª Questão: Um aminoácido possui tanto um grupo funcional ácido quanto um básico,

portanto, podendo, em solução aquosa, ocorrer uma reação ácido-base entre eles para

produzir uma espécie chamada zwitterion ou íon dipolar, como mostrado a seguir. Usando

uma tabela de pKa diga qual das duas espécies será favorecida no equilíbrio e justifique a

sua resposta.

4ª Questão: Coloque os compostos mostrados a seguir em ordem crescente de acidez. Expli-

que resumidamente a sua resposta.

5ª Questão: O ácido ascórbico (vitamina C) possui a estrutura mostrada a seguir. O próton

mais ácido da sua estrutura possui um pKa de 4,10, enquanto que o segundo próton mais

ácido tem um valor de pKa de 11,99. Escreva a estrutura da base conjugada que resulta da

primeira ionização e explique a sua escolha para o próton removido na primeira ionização.

atividadeS

Page 89: Quimica Organica 1 MOODLE

87

6ª Questão: Seja um ácido orgânico de fórmula geral XCH2COOH, onde X poderá ser substi-

tuído por H, F, Cl, ou Br. Pergunta-se: em qual dos casos o ácido será mais fortemente disso-

ciado em solução aquosa?

a) X = H

b) X = F

c) X = Cl

d) X = Br

e) X = I

7ª Questão: A tabela demonstra as constantes de ionização ácida de substâncias orgânicas

em água a 25ºC. A partir dos dados da tabela, é incorreto dizer que:

Substância Ka

Ácido acético (CH3COOH) 1,8 x 10-5

Etanol (CH3CH2OH) 1,0 x 10-18

Fenol (C6H5OH) 1,3 x 10-10

2-nitrofenol (C6H4(NO2)OH) 6,2 x 10-8

a) o ácido acético é o ácido mais fraco das substâncias listadas na tabela quando estas estão

dissolvidas em água.

b) o etanol é o ácido mais fraco das substâncias listadas na tabela quando estas estão dis-

solvidas em água.

c) fenol é menos ácido que 2-nitrofenol em água.

d) o ácido acético é o ácido mais forte das substâncias listadas na tabela quando estas estão

dissolvidas no solvente polar.

e) o etanol é o ácido mais fraco das substâncias listadas na tabela quando estas estão dis-

solvidas no solvente polar.

8ª Questão: Em um recipiente, são colocados 1,0 mol de ácido acético (Ka ≈ 10–5), 1 mol

de ácido cloroacético (Ka ≈ 10–3) e 0,5 mol de KOH. Considerando o sistema após atingido o

equilíbrio, responda:

a) Quais substâncias serão encontradas no recipiente? E em que quantidades?

b) O KOH reage preferencialmente com um dos componentes presentes no recipiente. Qual

é o efeito responsável por essa preferência? Escreva a fórmula estrutural dos dois ácidos

orgânicos e mostre, por meio de setas, a atuação desse efeito.

Page 90: Quimica Organica 1 MOODLE

88

9ª Questão: O monóxido de carbono (CO) é uma substância altamente tóxica, pois forma

complexos estáveis com o ferro da hemoglobina impedindo que essa proteína capture o

oxigênio molecular necessário para o processo respiratório. Na formação desse complexo, o

CO atua como:

a) Uma base de Lewis.

b) Um ácido de Lewis.

c) Uma base de Brønsted.

d) Um ácido de Brønsted.

10ª Questão: O pH do sangue humano é controlado por vários sistemas tampões, entre eles

um derivado do ácido sulfônico (BES) cujo pKa vale 7,1. A razão entre a forma protonada e a

forma desprotonada do BES no sangue normal, que possui pH = 7,1, é igual a:

a) 0,5.

b) 1,0.

c) 1,5.

d) 2,0.

Page 91: Quimica Organica 1 MOODLE

89

Aula 4

Mecanismos das Reações Orgânicas

As reações orgânicas serão abordadas nos módulos subseqüentes através do estudo deta-

lhado da estrutura e da reatividade de cada grupo funcional. Contudo para um bom enten-

dimento da correlação estrutura-reatividade desses grupos funcionais, se faz necessário

introduzir alguns conceitos gerais importantes que irão posteriormente ajudar a esclarecer

os mecanismos dessas reações orgânicas. Novamente aqui, se faz necessário a introdução de

alguns conceitos básicos da termodinâmica e da cinética química, como digramas do perfil

energético reacional, ordem de reação, energia de ativação, entre outros.

É necessário relembrar antes de começar

Ligação covalente e estrutura molecular

(Módulo 1 – aula 1 - Química Orgânica I);

Ressonância e a teoria de orbital molecular

(Módulo 1 – aula 2 – Química Orgânica I).

Acidez e basicidade dos compostos orgânicos

(Módulo 1 – aula 3 – Química Orgânica I).

1 Mecanismo das Reações Orgânicas

A descrição detalhada, etapa por etapa, de um caminho na qual um reagente é convertido em

um produto é chamado de mecanismo de reação. Essa descrição inclui o movimento dos elé-

trons que leva a formação e a ruptura de uma ou mais ligações químicas e as relações espaciais

(estereoquímicas) dos átomos durante a transformação química. Uma boa descrição mecanís-

tica deve conter as variações estruturais e energéticas que ocorram em cada etapa da reação.

A. Nucleófilos e Eletrófilos

As reações orgânicas iônicas, onde as espécies reagentes possuem alta ou baixa densidade

eletrônica, consiste na maior classe de reações existentes na química orgânica. Os reagentes

podem ser divididos em dois grupos de acordo com o seu caráter eletrônico. Os reagentes com

alta densidade eletrônica são chamados de nucleófilos (afinidade por núcleo, ou seja, afinida-

de por carga positiva). Já os eletrófilos (afinidade por elétrons) são aqueles que possuem baixa

densidade eletrônica, em outras palavras, deficiente de elétrons. Os nucleófilos são comumen-

te, eletricamente neutros ou possuem uma carga formal negativa (negativamente carregados),

Page 92: Quimica Organica 1 MOODLE

90

enquanto que os eletrófilos são espécies eletricamente neutras ou com uma carga formal

positiva (positivamente carregados). Em uma reação iônica um nucleófilo (Nu:) compartilha

um par de elétrons com o eletrófilo (E) no processo de formação de uma ligação covalente.

Os nucleófilos são bases de Lewis, pois são espécies doadoras de par de elétrons e os eletrófilos

são ácidos de Lewis porque são aceptores de elétrons. Dessa forma é possível descrever muitas

reações orgânicas em termos de acidez e basicidade de Lewis. Entretanto, o mais comum na

química orgânica é descrever as reações iônicas em átomos de carbono, em termos de nu-

cleofilicidade e eletrofilicidade e reservar os termos acidez e basicidade para as reações com

prótons (H+). Alguns importantes nucleófilos e eletrófilos estão compilados na tabela a seguir.

H

HNucleó�lo Eletró�lo

Page 93: Quimica Organica 1 MOODLE

91

B. Substratos e Reagentes

Os compostos orgânicos que sofrem uma mudança estrutural ou de um grupo funcional são

chamados de substratos. O segundo componente, muitas vezes uma espécie inorgânica o

reagente que irá reagir com o substrato. Um exemplo é a reação do cloroetano, o substrato

com o íon hidróxido, que é o reagente para produzir o etanol. Essa reação é chamada de

substituição nucleofílica.

Quando duas moléculas ou íons sofrem uma reação do tipo iônica, uma das espécies deve

ser o nucleófilo e a outra o eletrófilo. A designação de substrato e reagente torna-se muito

arbitrária para reações em que duas moléculas orgânicas reagem. Normalmente é necessário

um conhecimento prévio do mecanismo da reação e das condições reacionais para a determi-

nação do substrato e do reagente. Como exemplo, podemos destacar a reação do etanol com o

propanal em meio ácido. O etanol é uma base de Lewis e, portanto o nucleófilo, pois possui dois

pares de elétrons não ligantes no átomo de oxigênio. O grupo carbonila do propanal é polar e

possui uma carga parcial positiva no átomo de carbono. A identificação da estrutura do produ-

to de reação indica que o átomo de oxigênio do etanol foi adicionado ao átomo de carbono da

carbonila do propanal. Nessa adição nucleofílica o etanol é o reagente e o propanal o substrato.

C. Reações orgânicas e o movimento dos elétrons

Uma reação orgânica é uma sequência de etapas envolvendo elétrons ligantes e não ligantes

onde ligações químicas são quebradas e formadas. A descrição mecanística de uma reação

deve mostrar o movimento desses elétrons, que normalmente é designado por setas curvas.

Por convenção, o elétron se movimenta na direção da seta, ou seja, da espécie rica em elé-

trons para a espécie deficiente de elétrons.

Considerando a dissociação de um íon cloreto a partir de um átomo de carbono terciário.

Essa dissociação ilustra uma clivagem de ligação heterolítica em que o par de elétrons com-

partilhado na ligação covalente sigma (σ) move do carbono para o cloro, devido à diferença

de eletronegatividade entre eles. Dessa forma, o átomo de carbono torna-se um cátion e o

átomo de cloro um ânion.

Reagente Substrato

Reagente Substrato

Page 94: Quimica Organica 1 MOODLE

92

A formação de uma nova ligação é descrita de maneira similar. Em uma reação comum do

grupo carbonila, o íon hidróxido nucleofílico, por exemplo, forma uma nova ligação com o

átomo de carbono eletrofílico da carbonila. Nesse exemplo, o movimento síncrono do par de

elétrons ligante do átomo de carbono saindo para o oxigênio na carbonila, ocorre a fim de

evitar que o carbono exceda oito elétrons na camada de valência. Esse deslocamento eletrô-

nico é mostrado pela seta curva.

Outro tipo de movimento de elétrons envolve o movimento de um único elétron e é repre-

sentado por meia seta curva. A clivagem homolítica e as reações de formação de ligação a

partir de radicais livres são exemplos de como esses elétrons se movimentam.

A aproximação entre as moléculas reagentes para efetivar uma reação química pode ocor-

rer através da atração entre cargas opostas ou mediante a sobreposição de orbitais. Cátions e

ânion se atraem mutuamente por meio de forças eletrostáticas e isso pode ser suficiente para

a reação ocorrer. Quando um cloreto de alquila (RCl) reage com iodeto de sódio (NaI) em solu-

ção de acetona (propanona) um precipitado de cloreto de sódio se forma. Os íons sódio (Na+)

e cloreto (Cl-) em solução são atraídos eletrostaticamente e se combinam para formar uma

rede cristalina de cátions e ânions alternadamente, formando um precipitado de cloreto de

sódio. Esse estilo de atração de cargas é raro nas reações orgânicas. Um modelo mais comum

de atração de cargas em uma reação orgânica ocorre entre uma espécie carregada (cátion

ou ânion) e uma molécula orgânica que possua um dipolo. Como exemplo, pode-se destacar

a reação entre o sal cianeto de sódio (NaCN) e um composto carbonilado como a acetona. O

cianeto de sódio em solução se dissocia para formar o cátion sódio (Na+) e o ânion cianeto

(CN-). A acetona possui um grupo carbonila que é polarizado, pois o átomo de oxigênio é

mais eletronegativo do que o átomo de carbono. Dessa forma, o ânion cianeto é atraído pelo

pólo positivo da carbonila. Muitas vezes não é necessário que o reagente seja carregado para

que uma reação orgânica se processe. A metilamina, uma molécula neutra, por exemplo,

σCivagem eletrolítica da ligação

Page 95: Quimica Organica 1 MOODLE

93

reage com a acetona usando o seu par de elétrons não ligante. A alta densidade eletrônica

existente sobre o átomo de nitrogênio na metilamina é atraído pela parte positiva do dipolo

do grupo carbonila.

A polarização pode ocorrer também em torno da ligação σ. O elemento mais eletronegati-

vo da tabela periódica, o átomo de flúor atrai os elétrons da ligação σ para si polarizando a

ligação com o átomo de boro, deixando-o com uma carga parcial positiva. O pólo negativo

da carbonila da acetona, o átomo de oxigênio, é atraído pelo átomo de boro no BF3.

Outras reações orgânicas ocorrem entre moléculas completamente neutras, ou seja, sem

carga e sem nenhum momento dipolo. Um exemplo bastante interessante é a reação de

compostos insaturados (alcenos, alcinos e alcadienos) com a molécula de bromo em solução

aquosa (água de bromo). Essa reação é um teste antigo usado para identificar qualitativa-

mente se uma determinada substância possui ligações múltiplas. O teste consiste em obser-

var se a cor marrom da água de bromo desaparece após a adição da amostra a ser testada.

Caso o teste seja positivo, significa que a amostra possui ligações múltiplas. A atração entre

essas moléculas não é eletrostática. De fato, é conhecido que a reação ocorre porque a mo-

lécula de bromo possui um orbital vazio disponível para aceitar elétrons. Esse orbital é o

orbital antiligante da ligação Br-Br (σ*). Esse é, portanto um caso de interação atrativa entre

orbitais, o orbital π de um alceno (nucleófilo) com o orbital σ* vazio da molécula de bromo

(Br2 – eletrófilo). As moléculas se atraem mutuamente devido a interação entre o orbital

vazio e o completamente preenchido, levando a formação de uma nova ligação.

Em muitas reações orgânicas a orientação dos orbitais dos nucleófilos e dos eletrófilos

exerce um importante controle. Para que uma nova ligação química seja formada no momen-

to da colisão das moléculas, os orbitais das espécies reagentes devem estar adequadamente

δ+δ−

C=O

δ+δ−

C=O

Reagenteneutro

Dipolo

Reagentecarregado

Dipolo

δ− δ+ δ−δ−

δ−

δ+ δ+δ−

C=ODipoloDipolo

π

σ∗

Orbitalpreenchido

Orbitalvazio

Page 96: Quimica Organica 1 MOODLE

94

alinhados no espaço. Como exemplo, na reação entre a trimetilamina (Me3N) e o trifluoreto

de boro (BF3) somente o orbital sp3 do par de elétrons não ligante do átomo de nitrogênio

possui uma orientação adequada para efetivar a sobreposição com o orbital vazio do átomo

de boro e consequentemente formarem uma nova ligação química. Todas as outras colisões

entre as moléculas deverão ter orientações inadequadas para propiciar a sobreposição dos

orbitais e com isso, a formação da nova ligação e consequentemente a reação.

Outro fator importante é a energia dos orbitais, para que haja uma sobreposição efetiva entre

eles, a quantidade de energia destes orbitais deve ser preferencialmente igual ou pelo menos se-

melhante. Os elétrons são transferidos do orbital preenchido para o orbital vazio. Como natural-

mente os orbitais ocupados (orbitais ligantes) possuem menos energia do que os orbitais vazios

(normalmente orbitais antiligantes), os elétrons se movem de um orbital com menos energia para

um de maior energia e isso é parte da energia de ativação da reação. Se a diferença de energia

entre os orbitais for muito grande, dificilmente essa reação irá ocorrer em condições normais.

É importante destacar que nos três casos ocorre uma diminuição de energia do par de

elétrons quando estes passam para o novo orbital molecular ligante, ou seja, quando ocorre

a sobreposição entre o orbital preenchido do nucleófilo e o orbital vazio do eletrófilo. Entre-

tanto, a diminuição de energia mais efetiva acontece no primeiro e no segundo caso onde os

orbitais possuem energias iguais ou pelo menos similares, o que favorece a reação.

N

B

Orientação adequada para asobreposição dos orbitais Orientações inadequadas para a sobreposição dos orbitais

Novo orbital molecular antiligante Novo orbital molecular antiligante Novo orbital molecular antiligante

Novo orbital molecular ligante Novo orbital molecular ligante Novo orbital molecular ligante

Orbitais possuem a mesma energiaOrbitais possuem uma pequena

diferença de energiaOrbitais possuem uma grande

diferença de energia

Page 97: Quimica Organica 1 MOODLE

95

Somente o orbital de maior energia ocupado (homo – Highest Occupied Molecular Orbital)

do nucleófilo possui energia semelhante ao orbital de menor energia desocupado (l u mo –

Lowest Unoccupied Molecular Orbital) do eletrófilo e por isso estes orbitais são os mais

relevantes para a transferência dos elétrons, consequentemente para a formação da ligação

e por sua vez para que a reação ocorra. Esses orbitais são denominados orbitais de frontei-

ra. De forma resumida para que uma reação ocorra e seja efetiva há a necessidade de uma

orientação adequada dos orbitais no momento da colisão entre as moléculas, que os orbitais

possuam energias pelo menos semelhantes e para isso, o nucleófilo deverá possuir elétrons

de alta energia, ocupando o homo e o eletrófilo um orbital vazio (l u mo) de baixa energia.

Para exemplificar, vamos considerar novamente a reação de um composto carbonilado, a aceto-

na por exemplo. A carbonila possui um orbital ligante de baixa energia que é o orbital π ligante.

Esse grupamento possui um dipolo porque justamente nesse orbital, os elétrons estão mais pró-

ximos do átomo de oxigênio, mais eletronegativo do que do carbono. Por essa mesma razão (ele-

tronegatividade do átomo de oxigênio) esse orbital possui uma energia excepcionalmente baixa

fazendo com que o grupo carbonila seja uma unidade estrutural estável. Esse orbital raramente

está envolvido numa reação química. Subindo para o próximo orbital na escala de energia,

encontramos dois orbitais degenerados que correspondem aos orbitais preenchidos pelos pares

de elétrons não ligantes do átomo de oxigênio. Esses são os orbitais ocupados de maior energia

(homo) da carbonila e são eles que irão reagir com os eletrófilos. Quando consideramos o grupo

carbonila como um eletrófilo, isto é, a espécie que irá receber elétrons, deve-se visualizar o orbi-

tal de menor energia desocupado (l u mo) que nesse caso é o orbital π antiligante (π*) da dupla li-

gação C=O. O nucleófilo, carregado ou não, deverá atacar o grupo carbonila no átomo de carbono,

simplesmente porque terá a melhor sobreposição com o componente mais volumoso desse orbital.

C O σ

C O π

C O n

C O π∗

C O σ∗

L UMO

H OMO

C O σ

C O

C O n

C O π∗

C O

L UMO

L U MO

H O MO

pequena diferençade energia

pequena diferençade energia

Nu

NC H +C N

E +

H

Page 98: Quimica Organica 1 MOODLE

96

D. Intermediários reativos e o efeito eletrônico dos substituintes

Em um laboratório de síntese orgânica, um produto de reação pode ser preparado, isolado,

purificado e depois utilizado como material de partida para uma etapa subsequente em uma

síntese total. Esses produtos são muitas vezes chamados de intermediários sintéticos. Eles

são produtos estáveis formados durante uma síntese multietapas.

Outro tipo de intermediário, de suma importância no desenvolvimento de um mecanismo

de reação é o intermediário instável, ou seja, com tempo de meia-vida curto formado durante

o caminho reacional na conversão do material de partida no produto da reação. Muitas des-

sas espécies não são isoláveis. Existem muitos tipos de intermediários de reação que estão

envolvidos nas reações orgânicas. Nessa seção, iremos considerar os quatro intermediários

mais importantes, carbocátion, carbânion, radicais e o carbeno. Assim como os efeitos dos

substituintes sobre eles.

Os carbocátions são espécies cujo átomo de carbono está positivamente carregado, isto é,

são deficientes de elétrons e por isso instáveis, são tricoordenados e possuem uma geome-

tria planar. A descrição dos seus orbitais retrata três orbitais híbridos sp2 coplanares e um

orbital p vazio perpendicular ao plano. Com esse arranjo, o carbocátion assume uma maior

estabilidade, pois torna a distância entre os elétrons ligantes a maior possível (ângulos de

120º), minimizando assim a repulsão eletrônica. O mesmo não aconteceria se o carbocátion

assumisse uma hibridação sp3 onde os ângulos entre os orbitais são menores (109º).

A ordem de estabilidade dos carbocátions metílico (CH3) < primário (R-CH2) < secundário

(R2-CH) < terciário (R3C) deve-se ao efeito doador de elétrons dos substituintes alquilas. A li-

beração de elétrons por parte dos grupos alquila, por sua vez é uma combinação do efeito po-

lar (polarização obtida pela diferença de eletronegatividade entre o carbono do carbocátion

com hibridação sp2 e os carbonos sp3 dos grupamentos alquilas) e o efeito de hiperconjuga-

ção. Esse último consiste na deslocalização dos elétrons de uma ligação σ C-H e/ou C-C dos

grupos substituintes em direção ao orbital p vazio do átomo de carbono. A deslocalização

eletrônica tem um aspecto estereoeletrônico peculiar uma vez que o alinhamento da ligação

C-H (ou C-C) com o orbital p vazio maximiza a deslocalização eletrônica.

sp2

p2sp 2CC

RR R

CH 3C

H 3CC H3

CC H3

C H3H 3C

Estrutura planar Estrutura Tetraédrica

Correto Incorreto

Orbital sp³vazio

Maior repulsão entreos elétrons ligantes

Menor repulsão entreos elétrons ligantes

Orbital p vazio

120º 109º

Orbital p

Carbocátion

Page 99: Quimica Organica 1 MOODLE

97

Uma ligação C-H de cada grupamento metil deverá ficar paralela a um dos lobos do orbital

p vazio ao mesmo tempo, proporcionando o efeito de hiperconjugação. Dessa forma, é evi-

dente que o carbocátion terciário com três grupamentos alquila é o mais estável, pois tem um

número maior de efeitos de hiperconjugação ao mesmo tempo, estabilizando o carbocátion.

Uma estabilização mais efetiva ocorre quando os carbocátions estão adjacentes a ligações

π, como nos cátions alílicos e benzílicos. Nesses casos, ocorre uma conjugação genuína entre

os elétrons π e o orbital p vazio estabilizando fortemente o carbocátion por deslocalização.

Substituintes como os átomos de oxigênio e nitrogênio, que possuem pares de elétrons

não ligantes estabilizam fortemente os carbocátions. Isso é verdadeiro tanto para heteroá-

tomos com hibridação sp3 (oxigênio de éteres), quanto para heteroátomos com hibridação

sp2 (oxigênio de carbonila). Mesmo o átomo de flúor e outros halogênios estabilizam por

deslocalização os carbocátions.

Os carbânions são espécies que possuem um átomo de carbono negativamente carregado.

Esse ânion, quando derivado de átomos de carbono saturado possui uma configuração pi-

ramidal, com o par de elétrons ocupando um dos lobos de um orbital híbrido sp3. Como o

orbital não ligante é ocupado, a estabilidade aumenta com o aumento do percentual do cará-

ter s. A ordem de estabilidade dos carbânions é carbono sp3 < sp2 < sp, e pode ser avaliada

em fase gasosa pela energia de suas reações com prótons, que é chamado de afinidade por

prótons. Essa ordem é consistente com a tendência de eletronegatividade conforme discutido

na acidez relativa de alcanos, alcenos e alcinos terminais na aula 3.

RC

σ C -H σ C -Hσ C -H

PolarizaçãoHiperconjugação

Hiperconjugação

Orbital p vazioOrbital p vazio

NN OO FF

Page 100: Quimica Organica 1 MOODLE

98

Grupos atratores de elétrons como a carbonila, os grupos ciano e nitro estabilizam forte-

mente os carbânions como resultado dos efeitos de ressonância e polar de forma complementar.

A estabilização por substituintes como o átomo de flúor (F) e o grupo hidroxila (OH) deve-se

exclusivamente ao efeito polar.

Os radicais livres provenientes do átomo de carbono possuem um elétron desemparelhado

em um orbital não ligante e por isso, assim como os carbocátions, são deficientes de elétrons.

É intuitivamente esperado que o radical livre do carbono assuma uma posição intermediária

entre o íon carbocátion (seis elétrons - um orbital vazio) e o íon carbânion (oito elétrons –

orbitais completamente preenchidos). Em consonância com isso, o radical alquila (radical

metil, por exemplo) deverá ser planar, portanto com hibridação sp2, e o elétron desempare-

lhado ocupando um orbital p. Outra possibilidade de geometria para o radical do carbono é

uma geometria ligeiramente piramidal com o elétron desemparelhado ocupando um orbital

híbrido sp3 com grande capacidade de oscilar rapidamente através de uma forma planar

(inversão) para outra estrutura quase planar. Em geral a estrutura ligeiramente piramidal é

obtida quando o átomo de carbono radicalar é substituído por heteroátomos.

Figura 7: Estrutura dos radicais livres do átomo de carbono.

~Orbital sp³preenchido

109º

N

Efeito polar

Efeito deressonância

Efeito polar

Efeito deressonância

Efeito deressonância

C

hibridação sp²

Orbital p Orbital sp³

Hibridação sp³

Page 101: Quimica Organica 1 MOODLE

99

no ta

Anteriormente foram descritos os orbitais de fronteira homo e lumo para as

moléculas orgânicas. Para os radicais, espécies químicas contendo um elétron

desemparelhado na camada de valência, o orbital parcialmente ocupado é

chamado de somo (Single Occupied Molecular Orbital).

Uma boa maneira de começar a discussão sobre o efeito dos substituintes nos radicais é

considerar a determinação mais comum para a estabilidade dos radicais. Essa estabilização

é muitas vezes definida através da comparação com a energia de dissociação da ligação (e dl )

C-H. A partir dessas energias pode-se ter uma idéia de quão fácil um radical pode ser forma-

do e consequentemente da sua estabilidade.

Isso é particularmente verdadeiro quando houver a possibilidade de comparação entre as

forças de ligação dos mesmos átomos, por exemplo, carbono e hidrogênio para diferentes

moléculas. Algumas tendências simples são aparentes, a força da ligação C-H diminui de in-

tensidade em R-H quando R vai de metil para primário, secundário e por último terciário. Os

radicais alquilas terciários são, portanto os mais estáveis e o radical metílico o menos estável.

Para os radicais, normalmente todos os grupos funcionais têm a capacidade de estabili-

zá-los. Tanto os grupos atratores de elétrons como a carbonila e o ciano, quanto os grupos

doadores de elétrons como a metoxila e o dimetilamino quando localizados no carbono ad-

jacente ao intermediário radical possuem efeito estabilizador. Esse efeito pode ser expresso

em termos de deslocalização (ressonância), isto é, as estruturas de ressonância descrevem

essas interações como sendo a deslocalização do elétron desemparelhado para esses subs-

tituintes. Para grupamentos insaturados, a ressonância é análoga ao radical alil. Já com

grupamentos doadores de elétrons uma estrutura dipolar está envolvida e implicam em um

grau de separação de cargas.

∆G =

∆G =

Energia necessária para acisão homolítica da ligação C-H

Energia necessária para acombinação dos radicais

Aumento da estabilidade

Page 102: Quimica Organica 1 MOODLE

100

O efeito de estabilização do radical oriundo de ambos os tipos de substituintes (atratores e

doadores de elétrons) também pode ser descrito em termos de orbitais moleculares (om ). Nes-

se caso, a questão é como o elétron desemparelhado em um orbital p interage com os orbitais

do substituinte adjacente. Vamos considerar primeiro o que acontece quando um radical

encontra-se próximo a um grupo atrator de elétrons. Grupamentos como a carbonila (C=O) e

o ciano (C≡N) são atratores de elétrons porque possuem um orbital π* vazio com baixa ener-

gia. A interação desse orbital com o S o m o do radical forma dois novos orbitais moleculares.

Um elétron, do antigo S o m o , está agora disponível para preencher, pelo menos parcialmente,

os novos orbitais formados. Ele entra no novo S o m o que é mais estável, isto é, possui menos

energia do que o anterior e consequentemente o radical sofre uma estabilização, pois seu

elétron agora possui menos energia.

Pode-se analisar o que ocorre com grupos doadores de elétrons, como a metoxila e o dime-

tialamino, de maneira similar. O átomo de oxigênio do éter tem os seus pares de elétrons não

NEfeito deressonância Efeito de

ressonância

Efeito deressonância

Efeito deressonância

Grupo atrator de elétrons Grupo atrator de elétrons

Grupo doador de elétrons Grupo doador de elétronsEstabilização pelo grupo dimetilamino

ENERG IA

SOMO doradical

π*

N ovo S OMO

Carbonila

Orbital do grupoatrator de elétrons

Energia do radical diminui, pois oselétrons ocupam um novo orbital demenor energia

Orbital p

Page 103: Quimica Organica 1 MOODLE

101

ligantes em orbitais n com energia relativamente alta. A interação desse orbital com o S o m o

do radical irá formar novamente dois novos orbitais moleculares. Três elétrons estão agora

disponíveis para ocupá-los. O orbital S o m o tem agora mais energia do que o seu antecessor,

porém o par de elétrons ocupa um orbital de menor energia. Como dois elétrons diminuíram

de energia e somente um aumentou, existe uma estabilização geral do sistema, mesmo tendo

o novo S o m o uma energia maior do que o anterior.

O quarto intermediário reativo, menos comum, é o carbeno. Essa espécie, assim como os

radicais, é altamente reativa e possui seis elétrons: dois elétrons em cada ligação e dois elé-

trons não ligantes. Investigações detalhadas de um grande número de carbenos de diferentes

estruturas mostram que eles podem dividir-se em dois grupos, de acordo com a sua confi-

guração: (a) aqueles que apresentam elétrons desemparelhados e cujos ângulos das ligações

estão entre 130 e 150º, são denominados carbeno tripleto; (b) os que não possuem elétrons

desemparelhados e os ângulos das ligações são de 100-110º, são chamados de carbeno single-

to. Muitos carbenos como o CH2, podem ser encontrados em ambos os estados de spin, ainda

que o primeiro seja o mais comum.

Todas essas observações podem ser contabilizadas por considerar a estrutura eletrônica

do carbeno. Esse intermediário possui um átomo de carbono dicoordenado onde por isso

esperar-se-ia que ele tivesse uma geometria linear, como a do alquino, com um átomo de

carbono com hibridação sp.

SOMO doradical

Novo SOMO

On

ENERGIA

Aumento de energia doelétron desemparelhado

Orbital p

Maior energia

Orbital n do oxigênioda metoxila

Diminuição de energia do parde elétrons n do oxigênio

p

p

Page 104: Quimica Organica 1 MOODLE

102

O carbeno linear deverá ter seis elétrons para distribuir entre dois orbitais σ e dois orbitais

p de maior energia. Os dois elétrons nos orbitais p degenerados deverão permanecer desem-

parelhados, pois dessa maneira minimiza a repulsão eletrônica.

Contudo, poucos carbenos são lineares: Muitos deles são arqueados contendo ângulos de liga-

ção entre 100 e 150º, sugerindo um estado de hibridação sp2 trigonal. Um carbeno com hibrida-

ção sp2 deve ter três orbitais sp2 com energias mais baixas e um orbital p de maior energia, onde

os seis elétrons são distribuídos entre eles. Existem duas maneiras de fazer essa distribuição:

a primeira delas, todos os elétrons estão emparelhados e cada par de elétrons ocupa um orbital

sp2 (carbeno singleto). A segunda, dois pares de elétrons ocupam os orbitais sp2 e os outros dois

elétrons estão desemparelhados, onde um ocupa um orbital sp2 e o outro um orbital p de maior

energia (carbeno tripleto). Essas duas possibilidades explicam a classificação descrita ante-

riormente para os carbenos com as duas possibilidades de arranjo dos elétrons (estado de spin).

2 1s H

2 sp C

H

σ

σ∗

2 p C

OrbitaisENERGIA

Orbitais p

Orbitais

2 1s Hsp2 C

Orbitais

σ

σ∗

p C

sp2

p

C

2 1s Hsp2 C

σ

σ∗

p C

C

sp2

p

C

ENERGIA

Orbitais

1 elétron emum orbital p

1 elétron emum orbital sp²

2 elétrons emum orbital sp²

orbital p vazio

ENERGIAOrbitais

Orbitais

Page 105: Quimica Organica 1 MOODLE

103

Analisando os dois estados de spins pode-se visualizar a diferença entre os ângulos das

ligações C-H nos carbenos. No carbeno tripleto um orbital sp2 está parcialmente preenchido,

ou seja, com apenas um elétron e esse irá gerar uma menor repulsão com os pares de elétrons

ligantes das ligações σ C-H, aumentando os ângulos dessas ligações. Já no carbeno singleto

o orbital sp2 possui dois elétrons o que aumenta repulsão com os elétrons das ligações σ C-H,

diminuindo os ângulos dessas ligações.

A tabela mostrada a seguir evidencia o efeito do substituinte no estado de spin dos carbe-

nos. Muitos tipos de carbenos existem com estado de spin tripleto, pois a estabilização ob-

tida pela diminuição da energia do elétron desemparelhado ao passar do orbital p, de maior

energia, para o orbital sp2 de menor energia não compensa a repulsão eletrônica existente

entre os elétrons emparelhados no orbital sp2 no estado singleto.

Carbeno Tripleto Ângulo de ligação 130-150º

Elétrons desemparelhados

Carbeno SingletoÂngulo de ligação 100-110º

Elétrons emparelhados

:CH2 :CCl2

:CHPh :CHCl

:CHR :C(OMe)2

:CPh2 NC

N

E. Energética das reações orgânicas

O primeiro e mais importante fator que existe em qualquer reação química ou etapa ele-

mentar de um processo químico é que existe uma barreira de energia, também chamada de

energia de ativação, separando os produtos dos reagentes. A fim de converter os reagentes em

produtos, a energia do sistema deve ser elevada até que a sua energia total seja pelo menos

igual a da barreira de energia. Somente depois disso que os reagentes se transformam em

produtos, passando pela barreira de energia e posteriormente ocorrendo uma diminuição

Somente 1 elétronmenor repulsão

Dois elétronsmaior repulsão

Page 106: Quimica Organica 1 MOODLE

104

na energia. Essa barreira de energia tem grande importância por dois motivos: primeiro, a

altura da barreira determina quão rápido os reagentes podem ser convertidos nos produtos

em uma determinada temperatura. Segundo, na altura máxima da barreira de energia, que é

chamada de estado de transição, existe uma descrição hipotética de um grupo de átomos, de-

nominado, complexo ativado, que é uma “ponte” estrutural entre os reagentes e os produtos,

possuindo assim características de ambos. Ao contrário de alguns intermediários, o estado

de transição não pode ser isolado ou detectado.

O complexo ativado é uma coleção de átomos instáveis e por isso, com energia elevada,

que possui ligações químicas e distribuição eletrônica modificada quando comparado com

os reagentes e aos produtos. A estrutura do complexo ativado é determinada pelas ligações

e variações estruturais que devem ocorrer a fim de transformar os reagentes nos produtos.

Além disso, quanto mais distorcidas das geometrias normais e das distâncias das ligações

as estruturas dos complexos ativados, maiores serão as suas energias. Consequentemente,

mais energia deverá ser adicionada ao sistema para distorcer o reagente para a estrutura do

complexo ativado.

Como exemplo, vamos considerar uma reação bastante simples: a ionização do brometo de

ciclo-hexila terciário para formar um carbocátion e um íon brometo usando metanol como

solvente. O reagente é uma molécula totalmente covalente, ainda que possua a ligação entre

o átomo de carbono com o bromo polarizada. O produto tem um átomo de carbono trivalente,

carregado positivamente solvatado pelo metanol através de ligação de hidrogênio. A ligação

entre o carbono e o bromo é quebrada heteroliticamente com o bromo se distanciando do

esqueleto carbônico e por ser mais eletronegativo, levando consigo os elétrons da ligação

covalente para formar o íon brometo.

Entretanto, entre o reagente e os produtos existe um complexo ativado deve possuir fato-

res estruturais semelhante aos dois. Qualitativamente, o complexo ativado pode ser descrito

Estado de transição [ ]

Barreira de energiaou

energia de ativação

Solvatados

Page 107: Quimica Organica 1 MOODLE

105

como sendo uma estrutura em que o bromo começa a afastar-se do carbono, distorcendo

(aumentando) o comprimento da ligação C-Br. O átomo de bromo começa a desenvolver uma

carga parcial negativa (δ-) quando o par de elétrons da ligação covalente começa a deslocar-

se para próximo dele. Pela mesma razão, o átomo de carbono terciário começa a desenvolver

uma carga parcial positiva (δ+). A ligação C-Br no complexo ativado é mais longa e mais

fraca do que nos reagentes, mas ainda existe alguma energia ligante entre eles. Já nos pro-

dutos ela está completamente ausente. Adicionalmente, devido à maior quantidade de carga

negativa assumida pelo átomo de bromo no complexo ativado, quando comparado com o

reagente, o solvente começa a se organizar em torno do bromo, porém essa interação não é

normalmente tão forte quanto no íon brometo do produto. Posteriormente, com muito me-

nos intensidade o carbocátion começa a solvatar o carbono terciário parcialmente positivo.

As reações orgânicas são usualmente descritas em termos de um diagrama de energia

potencial que identifica a mudança de energia potencial associada à reação entre as molé-

culas à medida que avançam para os produtos. Esse diagrama denominado de diagrama de

perfil de energia plota a energia livre do sistema em função do progresso da reação, também

chamado de coordenada de reação. Entende-se por coordenada de reação a variação na geo-

metria das estruturas dos reagentes à medida que a reação se processa. Para cada etapa indi-

vidual na reação existe um estado de transição, que como dito anteriormente é o arranjo de

maior energia representando as moléculas reagentes para aquela determinada etapa. Para

as reações que ocorrem em mais de uma etapa, os intermediários são as moléculas ou íons

que são formados e depois reagem ainda no decurso da reação total. A diferença de energia

entre o estado de transição e os reagentes é denominada energia livre de ativação (ΔG‡) e

determina a velocidade da reação. Já a diferença de energia entre os reagentes e os produtos

é a variação de energia livre (ΔG) referente à reação, que determina a sua posição no equilí-

C

B r

δ+

δ−

Page 108: Quimica Organica 1 MOODLE

106

brio. É importante ressaltar que se o produto tiver uma energia inferior a dos reagentes, o ΔG

assume valores negativos e a reação se processará espontaneamente no sentido da formação

dos produtos. Essa reação é dita exergônica. Por outro lado, se a energia do produto for maior

do que a dos reagentes, o ΔG será positivo e o processo é denominado endergônico.

A energia livre de uma reação química é definida pela equação ΔG = ΔH - TΔS, onde o ΔH é

a variação de entalpia e ΔS é a variação de entropia para a reação. O termo da entalpia é uma

determinação da estabilidade da molécula e é determinada pela força da ligação química na

estrutura. O termo da entropia especifica a mudança na ordem (probabilidade) associada com

a reação. Finalmente, a energia livre da reação ΔG determina a posição do equilíbrio para

uma determinada reação: ΔG = -RT ln K, onde K é a constante de equilíbrio para a reação:

Um processo reacional envolvendo várias etapas também tem uma energia livre total da

reação determinada pela diferença de energia entre os reagentes e os produtos. Contudo, cada

etapa elementar corresponde a uma reação química a parte e, portanto, terá uma energia livre,

uma energia livre de ativação, um estado de transição e um complexo ativado correspondente

às variações químicas que ocorre nessa etapa do processo. A etapa com o estado de transição

de maior energia é chamada de etapa determinante da velocidade de reação, pois somente

ultrapassando essa energia de ativação que os reagentes podem ser convertidos nos produtos.

A etapa determinante, com isso define a velocidade com que os reagentes se transformam nos

produtos. As etapas no processo que antecedem a etapa determinante da velocidade da reação

participam da lei da velocidade da reação, pois contribuem para barreira de energia total do

sistema. Já as etapas posteriores não têm relação com a velocidade da reação. Cabe ressaltar

que não necessariamente a primeira etapa será sempre a determinante da velocidade de reação.

∆G 1 ∆G 2

∆G

Estado de transição 1[ ]

Estado de transição 1[ ]

IntermediárioC

Energia livre

Page 109: Quimica Organica 1 MOODLE

107

Os dados termodinâmicos proporcionam uma maneira de expressar quantitativamente a

estabilidade, medida pela energia livre (ΔG). Entretanto, ela não determina diretamente a

velocidade da reação. Agora se faz necessário explorar a relação existente entre a estrutura

e a reatividade. A descrição quantitativa da reatividade é denominada cinética química.

Os dados de experimentos cinéticos podem providenciar informações detalhadas sobre o

mecanismo de reação. A velocidade de uma reação pode ser determinada pela diminuição da

concentração dos reagentes ou pelo aumento da concentração dos produtos a uma determi-

nada temperatura em função do tempo. A extensão da reação é muitas vezes medida espec-

troscopicamente, pois essas técnicas espectroscópicas providenciam uma maneira rápida e

contínua de monitorar as variações das concentrações.

Esses dados são incorporados em uma equação matemática conhecida como equação da

velocidade. Essa equação correlaciona a velocidade com a concentração dos reagentes envol-

vidos na etapa lenta da reação e de todas as etapas a precedem, através de uma constante de

proporcionalidade chamada de constante de velocidade específica (k). Portanto, a velocidade

de uma reação poderá ser expressa matematicamente da seguinte maneira: velocidade = k

[A] [B]... Cada concentração tem um expoente chamado de ordem de reação relativo a um

determinado componente. A ordem cinética global da reação é a soma de todos os expoentes

na equação da velocidade. Em uma reação de primeira ordem, por exemplo, a velocidade

varia em função da concentração de um único reagente. Quando a velocidade da reação é

proporcional a concentração de dois reagentes ou ao quadrado da concentração de um rea-

gente, essa reação é dita de segunda ordem.

Quando os experimentos cinéticos mostram essa dependência simples, pode-se usualmente

deduzir que, em um nível molecular, somente uma molécula participa do estado de transição

para uma reação de primeira ordem e duas se combinam para formar o estado de transição de

uma reação de segunda ordem. Essas deduções são chamadas de molecularidade da reação. As

situações mais comuns para a cinética das reações orgânicas são mostradas na tabela a seguir.

∆G 2

∆G

[E T 2]

∆G 3

[E T 3]

Etapa 2

Etapa 3

ProdutosE + F

Energia livre

IntermediárioC

Page 110: Quimica Organica 1 MOODLE

108

Expressão da velocidade Ordem Molecularidade Provável reação

k [A] Primeira 1 A→ [ ]‡

k [A][B] Segunda 2 A + B→ [ ]‡

k [A][A] ou [A]2 Segunda 2 A + A ou 2A → [ ]‡

É importante notar que a velocidade da reação e a constante da velocidade não são as

mesmas coisas. A velocidade da reação é uma determinação da quantidade de reagentes que

reagem em um determinado período de tempo. Já a constante de velocidade é um número

para uma reação específica sob condições específicas que correlaciona a concentração dos

reagentes com a velocidade com que eles são consumidos.

Para exemplificar, vamos considerar a reação do etóxido de sódio (um ânion – alcóxido

metálico - obtido pela desprotonação do etanol) com um cloreto de ácido, o cloreto de etano-

íla. O mecanismo dessa reação é processo simples de adição do etóxido à carbonila, seguido

de eliminação do íon cloreto com um intermediário tetraédrico. A cinética dessa reação é

de segunda ordem ou bimolecular, sendo portanto de primeira ordem para cada reagente.

A formação do intermediário é a etapa determinante da velocidade da reação, portanto, o

estado de transição da transformação dos reagentes no intermediário é o de maior energia.

EtapaLenta

∆G1 ∆G2

∆G

[E T 2]

[E T 1]

Energia livre

Etapa Lenta

Observações Cinéticas Dedução Mecanística

Page 111: Quimica Organica 1 MOODLE

109

Um fator importante a se destacar é a variação da velocidade de uma determinada reação

quando ocorre uma modificação na temperatura. Um aumento da temperatura aumenta a

energia cinética das moléculas e com isso mais colisões irão acontecer e também ocorrerá

uma maior probabilidade de colisões entre moléculas com energia suficiente para efetivar

a reação. O gráfico mostrado a seguir ilustra como a energia média das moléculas varia

com a temperatura. Para uma reação específica com energia de ativação ΔG‡, um maior

número de moléculas com energia suficiente para superar a barreira de energia ocorre em

temperaturas mais elevadas.

A maior área sob a curva, que representa o número total de moléculas, ocorre quando a

temperatura é maior (T3). Isso quer dizer que nessa temperatura a maior parte das moléculas

possui energia suficiente para superar a energia de ativação.

Um catalisador aumenta a velocidade da reação mediante a diminuição da energia de ati-

vação. Solventes podem aumentar ou diminuir a velocidade da reação dependendo do seu

efeito sobre os reagentes e sobre o estado de transição. Reações em que íons são gerados, por

exemplo, se processa mais rapidamente em solventes polares, porque o estado de transição

iônico é estabilizado por interações dipolares favoráveis.

Um ponto importante, nesse momento, é correlacionar à estabilidade definida pela termo-

dinâmica com a reatividade descrita pela cinética. Os diagramas de perfil de energia são fer-

ramentas essenciais para essa conexão. A composição de um produto ao final de uma reação

pode ser governada por um equilíbrio termodinâmico do sistema. Quando isso acontece, a

composição do produto é governada pelo controle termodinâmico e a diferença de estabi-

lidade entre os produtos que podem ser formados, medida pela diferença de energia livre

ΔG, determina a composição do produto. Alternativamente, a composição do produto pode

ser governada pelas velocidades concorrentes de formação dos produtos, que é chamado de

controle cinético. Essa diferença de velocidade está diretamente relacionada com a energia

livre de ativação ΔG‡ dos estados de transição que irão formar os diferentes produtos. Uma

ilustração clássica para exemplificar esses controles é a adição de HCN à butenona. Dois

produtos podem ser formados.

∆G

T 2

T 3

T 3 T 2

Page 112: Quimica Organica 1 MOODLE

110

Para formar o produto cinético, o íon cianeto deverá atacar diretamente a carbonila, en-

quanto que para a formação do produto termodinâmico o íon cianeto terá que atacar o alque-

no da butenona, que é menos eletrofílico. A segunda reação é mais lenta, entretanto, forma

o produto mais estável. As duas reações possuem um ânion alcóxido como intermediário.

Para facilitar o entendimento, as duas reações foram colocadas no mesmo diagrama de

perfil de energia, com os reagentes ocupando a sua parte central.

Ainda correlacionando aspectos termodinâmicos e cinéticos de uma reação, as velocidades

das reações químicas, como já vimos, são controladas pelo ΔG‡, portanto, informações sobre

a estrutura do estado de transição é crucial para o entendimento do mecanismo da reação.

Porém, esses estados de transição têm somente existência transitória, pois são muito instáveis.

Produto cinético

Adição rápida Adição lenta

Produto termodinâmico

NCO

CH 3

CNHOH

CH 3

CN

NC

CN CH 3

O H

CN CH 3

O

Intermediárioalcóxido

Intermediárioalcóxido

∆G1∆G2

∆G 1

[E T 2]

[E T 1]

O

CH 3

CN

OH

CH 3

CN

∆G 3 ∆G4

∆G 2

[E T 2]

[E T 1]

CN CH 3

O

CN CH 3

O

∆G1 ∆G 3∆G2 ∆G1

Produto cinético

Energia livreEnergia livre

Produto Termodinâmico

Etapa lenta

Etapa lenta

Page 113: Quimica Organica 1 MOODLE

111

Por isso, não é possível fazer uma determinação experimental que forneça uma informa-

ção direta sobre a sua estrutura. Hammond assinalou as circunstâncias em que é válido

relacionar a estrutura do estado de transição com a estrutura dos reagentes, intermediários

ou produtos. A sua declaração ficou conhecida como postulado de Hammond. Para etapas

individuais de uma reação o postulado de Hammond descreve: “se dois estados, como, por

exemplo, um estado de transição e um intermediário instável ocorrem consecutivamente du-

rante um processo de reação com quase a mesma quantidade de energia, sua interconversão

deverá envolver somente uma pequena reorganização da estrutura molecular”. Esse postulado

pode ser discutido com base no diagrama de perfil de energia.

O caso 1 representa uma etapa muito exotérmica com uma baixa energia de ativação.

Decorre do postulado de Hammond que nessa etapa, o estado de transição deverá ser seme-

lhante ao reagente, pois os dois estão próximos em energia e podem ser interconvertidos por

uma pequena variação estrutural. Isso é mostrado no diagrama de energia potencial como

um pequeno deslocamento na direção do produto ao longo da coordenada de reação. Isto

significa que as comparações entre as séries estreitamente relacionadas de reagentes deverão

depender principalmente de suas características estruturais. O caso 2 descreve uma etapa

na qual a energia do estado de transição é muito maior do que os reagentes e os produtos.

Nesse caso, nem o reagente e nem o produto é um bom modelo para o estado de transição.

Outras informações são necessárias para descrever as características estruturais do estado

de transição. A comparação e uma série de reagentes de ter como foco primário o estado de

transição. Por último, o caso 3 ilustra uma etapa endotérmica, como pode ocorrer na forma-

ção de um intermediário instável. Nesse caso, a energia do estado de transição é similar a

do intermediário e com isso, o estado de transição deverá ter uma estrutura semelhante ao

intermediário. Os efeitos estruturais e dos substituintes podem ser interpretados em termos

do seu efeito na estabilidade do intermediário.

[E T 3][E T 2]

∆G∆G

∆G

[E T 1]

Reagentes

Reagentes

Intermediárioou produtos

Intermediárioou produtos

(Caso 1) (Caso 2)

Reagentes

Intermediárioou produtos

(Caso 3)

Page 114: Quimica Organica 1 MOODLE

112

Resumo e Palavras-chave

O mecanismo de uma reação orgânica é a descrição etapa por etapa do processo de formação

e ruptura de ligações que ocorre durante a reação. Um mecanismo inclui variações estrutu-

rais que ocorrem e intermediários de reação que devem estar consistente com os dados expe-

rimentais. O movimento dos elétrons é o processo de quebra e formação de ligações químicas

representado por setas curvas que indica a origem do elétron e para onde se destina o elétron.

O mecanismo descreve um reagente rico em elétrons, uma base de Lewis, denominado de

nucleófilo e também um componente atrator de elétrons, um ácido de Lewis, chamado de ele-

trófilo. As características dos reagentes combinadas com as as classes de reação dão origem

a descrição da reação, isto é, adição nucleofílica, substituição eletrofílica, etc.

As reações orgânicas ocorrem tipicamente em uma única etapa ou em múltiplas etapas.

A energética de cada etapa são representadas pelo diagrama de perfil de energia. Uma das

etapas é a etapa determinante da velocidade da reação e pode ser experimentalmente de-

terminada pela cinética da reação. A diferença entre a energia dos reagentes e do estado de

transição é denominada energia livre de ativação. Já a diferença de energia entre reagentes

e produtos é chamada de energia livre. Essas enrgias estão diretamente relacionadas com a

composição dos produtos, que pode ser governada pelo controle cinético ou termodinâmico.

O estado de transição de cada etapa reacional representa uma descrição hipotética dos com-

ponentes da reação no ponto de maior energia de cada etapa.

Hammond assinalou as circunstâncias em que é válido relacionar a estrutura do estado de

transição com a estrutura dos reagentes, intermediários ou produtos. A sua declaração ficou

conhecida como postulado de Hammond.

Ao término dessa aula você deverá ser capaz de:

Identificar os nucleófilos e os eeletrófilos;

Distinguir uma cisão heterolítica de uma reação de uma cisão homolítica;

Escrever em um mecanismo de reação o movimento dos elétrons atravé da no-

tação de seta curva;

Identificar e utilizar os orbitais moleculares de fronteira numa reação porgânica;

Reconhecer os intermediários reativos de uma reação orgânica bem como os seus

efeitos estabilizadores;

Escrever diagramas de perfil de energia para reações orgânicas em uma única

etapa e para reações multi-etapas;

Identificar os principais componentes energéticos dos diagramas de perfil de

energia das reações;

Correlacionar a estrutura do estado de transição com a dos reagentes, interme-

diários e produtos;

Page 115: Quimica Organica 1 MOODLE

113

Descrever o controle cinético e termodinâmico para as reações orgânicas;

Avaliar o efeito da temperatura na cinética da reação;

Olhando a diante

Cinética e mecanismos de diversas reações orgânicas.

1ª Questão: O mecanismo comumente aceito para o mecanismo de substituição eletrofílica do

grupo nitro em um anel aromático é mostrado a seguir. Assumindo que o produto nitroben-

zeno é mais estável do que o material de partida, responda:

a) Escreva um diagrama de perfil de energia para essa reação;

b) Marque o(s) estado(s) de transição no diagrama com o símbolo ‡;

c) Marque qualquer intermediário com I;

d) Escreva a(s) estrutura(s) do(s) intermediário(s) e mostre onde eles estão no diagrama;

e) Indique a energia livre de ativação ΔG‡ no diagrama;

f) Indique a energia livre ΔGo da reação no diagrama.

2ª Questão: Escreva um diagrama de perfil de energia para uma reação exergônica em três

etapas, onde o primeiro intermediário é mais estável do que o segundo e a segunda etapa é a

determinante da velocidade da reação. Indique o ΔGo, ΔG‡, a posição dos estados de transição

e dos intermediários.

3ª Questão: O equilíbrio entre um composto carbonilado e o seu hidrato normalmente favo-

rece o aldeído ou a cetona. Consulte livros de química orgânica para verificar o mecanismo

dessa reação e escreva o seu diagrama de perfil de energia, marcando a diferença de energia

entre os dois compostos. O que muda no perfil de energia para o hidrato da ciclopropanona

que é formado preferencialmente em relação à cetona.

4ª Questão: Na reação de adição nucleofílica à carbonila mostrada a seguir, o correspon-

dente diagrama de perfil de energia apresenta um intermediário e dois estados de transição.

Segundo o postulado de Hammond os estados de transição terão estruturas semelhantes a

quem? Explique a sua resposta.

atividadeS

Page 116: Quimica Organica 1 MOODLE

114

5ª Questão: Na reação de adição eletrofílica de HCl ao 2-metilpropeno, a reação ocorre se-

letivamente. O produto formado é oriundo da adição do eletrófilo (H+) ao carbono da dupla

ligação do substrato mais hidrogenado e o nucleófilo (Cl-) ao carbono menos hidrogenado,

essa orientação da adição é denominada regra de Markovnikov. Considerando que o interme-

diário dessa reação é um carbocátion, justifique essa seletividade. Construa dois diagramas

de perfil de energia para as duas possibilidades de reação e os compare. Isso auxiliará a

justificar a formação do produto da reação.

6ª Questão: O gráfico mostrado a seguir corresponde às mesmas reações realizadas uma

com catalisador e a outra sem catalisador. Identifique no gráfico essas reações e justifique

a sua resposta.

[E T 2]

[E T 1]

Energia livre

Reagentes

Intermediário

∆ G 1 ∆ G 2

∆ G 1

Page 117: Quimica Organica 1 MOODLE

115

7ª Questão: O gráfico mostrado a seguir descreve a reação de sulfonação do naftaleno sob

condições reacionais distintas, para formar produtos diferentes. Um produto é obtido sob con-

trole cinético e o outro sob controle termodinâmico. Identifique qual diagrama de perfil de

energia corresponde à condição reacional sob controle cinético e sob controle termodinâmico.

8ª Questão: A estrutura mostrada a seguir é de um carbeno estável, obtido na forma de cris-

tal incolor e analisado por difração de raio-X. De acordo com a sua estrutura esse carbeno

pode ser considerado como singleto ou como tripleto? Explique a sua resposta.

9ª Questão: Os carbocátions e os radicais livres do carbono são espécies deficientes de elé-

trons. Contudo, ao contrário do primeiro, os radicais podem ser estabilizados tanto por gru-

pos doadores de elétrons, quanto por grupos atratores. Explique essa afirmativa.

10ª Questão: A ordem de estabilidade dos carbânions é carbono sp3 < sp2 < sp, e pode ser ava-

liada em fase gasosa pela energia de suas reações com prótons, que é chamado de afinidade

por prótons, conforme mostra a tabela a seguir. Explique esse resultado.

Reagentes

Podutos

Coordenada de reação

Energia

H SO2 4+

H O2

SO H3

SO H3H O2

NC

N

Ângulo de ligação102º

R - + H + R-H

CH4

419,4

H2C=CH2

408,7

HC CH

375,1

A�nidade por prótons (kcal/mol)

Page 118: Quimica Organica 1 MOODLE

116

eStereoquímica

Aula 1

Análise Conformacional

A ciência ensina, há muito tempo, que o ponto primordial para a interpretação das proprie-

dades de uma substância química passa inicialmente pelo reconhecimento e compreensão da

sua estrutura e das suas ligações químicas. A estrutura de uma substância está diretamente

associada à forma com que os átomos estão arranjados no espaço. Já o termo ligações quí-

micas descreve as forças que mantêm os átomos vicinais unidos. O objetivo desse módulo

é estudar mais aprofundadamente os orbitais e as teorias de ligação, a teoria da ligação de

valência e a teoria dos orbitais moleculares, a fim de entendermos a ligação covalente.

É necessário relembrar antes de começar:

Ligação covalente e estrutura molecular

(Módulo 1 – aula 1 - Química Orgânica I);

Ressonância e a teoria de orbital molecular

(Módulo 1 – aula 2 – Química Orgânica I);

Energética das reações químicas

(Módulo 1 – aula 4 – Química Orgânica I).

1 Conformação de compostos acíclicos

Confôrmeros são arranjos espaciais de um grupo de átomos de uma molécula que são ra-

pidamente convertidos em outra orientação espacial através da rotação de uma ligação σ.

A orientação específica de um determinado confôrmero é denominada conformação. Para

entender porque diferentes conformações existem, precisamos lembrar que a ligação σ é

proveniente da sobreposição dos orbitais no eixo nuclear, portanto, não existe nenhuma

orientação que comprometa a sobreposição desses orbitais. Portanto, eles existem porque

as posições relativas dos substituintes nos diferentes átomos, especialmente no átomo de

carbono, mudam com a rotação em torno do eixo da ligação.

2

Page 119: Quimica Organica 1 MOODLE

117

C

H

HH

C

H

HH

σ

C

H

HH C

H

HH

H

HH

H

HH

σ

C C

Rotação sobre a ligação

No processo de interconversão dos confôrmeros existe uma barreira de energia sobre a rota-

ção da ligação denominada barreira de rotação ou barreira torcional. A magnitude dessa bar-

reira de energia depende dos substituintes ligados aos átomos envolvidos na ligação σ que está

sofrendo o processo de rotação. A questão que agora teremos que responder é: Por que existe

uma barreira de energia sobre a rotação da ligação σ carbono-carbono? Para responder essa

pergunta, começaremos estudando a ligação carbono-carbono mais simples que existe que é

a ligação da molécula do etano. O etano tem duas conformações extremas que é a estrelada

e a eclipsada. Essas conformações são mostradas a seguir sob três diferentes pontos de vista.

Conformação Estrelada

Visão Lateral

Visão Lateral Visão Frontal

Visão Frontal

Conformação Eclipsada

Conformação Estrelada

Visão Lateral

Visão Lateral Visão Frontal

Visão Frontal

Conformação EclipsadaAnalisando a conformação estrelada e a eclipsada do etano, a partir da visão frontal, pode-

se entender porque essas conformações são assim denominadas. Na conformação eclipsada

as ligações C-H próximas ao observador bloqueiam completamente a visão das ligações mais

afastadas, como em um eclipse solar onde a lua bloqueia a visão do sol para a Terra. Na es-

trelada as ligações C-H mais afastadas aparecem nas lacunas entre as ligações C-H próximas,

formando algo semelhante a uma estrela.

Existem basicamente dois métodos de escrever essas conformações: o primeiro consiste em

simplesmente escrever a visão lateral da molécula usando linhas cheias tracejadas em cunha

para representar as ligações que não estão no plano do papel. A linha cheia representa a

Page 120: Quimica Organica 1 MOODLE

118

ligação que está mais próximo do observador, ou seja, saindo do papel para frente. Já a linha

tracejada representa a ligação mais afastada do observador, isto é saindo do plano do papel

para trás. Esse método é denominado cavalete.

H

HHH

HH H

HH

H

HH

HH

H

H

HH

HH

H H

HH

Conformação estrelada Conformação eclipsada

O segundo método consiste em escrever a visão frontal, olhando ao longo da ligação car-

bono-carbono. Essa visão é conhecida como projeção de Newman e está sujeita a algumas

convenções: a) o átomo de carbono mais próximo do observador está localizado na junção

das três ligações C-H da frente; b) o átomo de carbono de trás (que não aparece na visão

frontal) é representado por um círculo largo. O círculo representa a densidade eletrônica

da ligação carbono-carbono; c) As ligações do carbono mais afastado do observador são

escritas junto à borda do círculo e não a partir do centro dele; d) as ligações eclipsadas,

para facilitar a visualização, são escritas ligeiramente deslocadas como se a ligação tives-

se sofrido uma pequena rotação. As projeções de Newman das conformações estreladas e

eclipsadas do etano são mostradas a seguir.

H

H HH

HHH

H

H

H

HH

Conformação estrelada Conformação eclipsadaÁtomo de carbono

mais afastadodo observadorÁtomo de carbono

mais próximodo observador

Ligação C-H docarbono próximocomeça no centro

do círculo

Ligação C-H docarbono mais afastado

para na borda do círculo

H

H HH

HHH

H

H

H

HH

Conformação estrelada Conformação eclipsadaÁtomo de carbono

mais afastadodo observadorÁtomo de carbono

mais próximodo observador

Ligação C-H docarbono próximocomeça no centro

do círculo

Ligação C-H docarbono mais afastado

para na borda do círculo

As conformações estreladas e eclipsadas do etano não são idênticas em energia: a con-

formação estrelada é mais estável do que a eclipsada em 12,1 kJ mol-1 ou 2,9 kcal mol-1.

Esse valor corresponde à barreira de rotação. No curso dessa conversão, existem outras

conformações possíveis, com energias entre esses extremos e a partir desses dados pode-se

construir um gráfico de variação de energia do sistema em função da rotação da ligação

carbono-carbono. Para tal define-se o ângulo diedro (θ), muitas vezes chamado de ângulo

de torção ou ângulo torcional, como sendo o ângulo formado entre a ligação C-H do carbo-

no próximo ao observador e a ligação C-H do átomo de carbono mais afastado do observa-

dor. Na conformação estrelada θ = 60º e na eclipsada θ = 0º.

Page 121: Quimica Organica 1 MOODLE

119

H

HHH

HH

H

H HH

HH

θ

H

HH

H

HH

H

H

H

H

HH

θ

θ θConformação estrelada

= 60, 180 e 300ºÂngulo Diedro Conformação eclipsada

= 0, 120 e 240º

= 60° = 0°=0°

droDiedÂnnggulo D dDi d l D

θ = 60°=

dDi d l D

θ =

Â

θθ 0°= 60= 0 60

O diagrama de energia mostra a conformação estrelada como sendo o mínimo de ener-

gia potencial enquanto que a conformação eclipsada representa o máximo de energia. Isso

significa que a conformação eclipsada não é a mais estável, visto que qualquer rotação, por

menor que seja, deverá levar a uma conformação com menos energia. A molécula deverá,

portanto, passar a maioria do seu tempo na conformação estrelada ou quase estrelada e

apenas uma passagem transitória pela conformação eclipsada, durante a conversão de uma

conformação estrelada para outra.

060 120 180 240 300 360

H

H

H

H

HHH

H

H

H

HHH

H

H

H

HH

H

H HH

HHH

H HH

HHH

H HH

HH

2,9

θ

Energiakcal/mol ¹-

Ângulo diedro

Por que a conformação eclipsada possui energia maior do que a estrelada? A barreira torsio-

nal do etano não se deve somente a interações estéricas dos átomos de hidrogênio dos grupos

metílicos na conformação eclipsada, uma vez que esses átomos são pequenos e estão distantes

o suficiente para minimizar as repulsões estéricas (van der Waals). Estima-se que esse fator

seja responsável por apenas 10% da barreira de energia do etano. Interações eletrostáticas

entre as ligações C-H fracamente polarizadas também não são importantes. A maior contri-

buição em energia para a barreira de rotação foi atribuída à repulsão dos elétrons proveniente

de uma sobreposição desfavorável entre os orbitais ligantes das ligações σC-H na conformação

eclipsada. Contudo, outros cálculos teóricos sugerem que essa diferença de energia pode ter

origem também em uma interação estabilizadora entre o orbital ligante σC-H de um carbono

com o orbital antiligante σ*C-H do outro átomo de carbono (efeito de hiperconjugação), quando

esses orbitais estão exatamente paralelos, como ocorre na conformação estrelada.

Page 122: Quimica Organica 1 MOODLE

120

H

HH

H

HH

H

HH

H

HH

σC-H

σC -HσC -H

σC -H

σ∗C -H

σC-H (preenchido) e σ∗C-H (vazio)Repulsão entre os elétronsdos orbitais ligantes

Interação estabilizadora entre os orbitais

Conformação eclipsada Conformação estrelada

Naturalmente, a imagem real é provavelmente uma mistura de todos os três efeitos, cada

um contribuindo mais ou menos, dependendo do composto sob consideração.

A situação conformacional do propano é muito similar a do etano: Existem três mínimos

de energia indistinguíveis (conformações estreladas) e três barreiras de energia também sem

distinção, referentes às conformações eclipsadas no gráfico de energia potencial em função

do ângulo diedro. Entretanto, uma vez que a barreira de rotação agora envolve o eclipsa-

mento de um grupo metil (no lugar de um átomo de hidrogênio) com um átomo de hidrogênio,

a energia para a rotação da ligação carbono-carbono na conversão de uma conformação

estrelada para a conformação eclipsada no propano é de 14,2 kJ mol-1 ou 3,4 kcal mol-1. Pro-

vavelmente o incremento de 0,5 kcal mol-1 na energia da barreira de rotação do propano pode

ser atribuída à interação repulsiva de van der Waals entre o grupamento metil ligado a um

átomo de carbono e o átomo de hidrogênio ligado ao outro carbono (CH3/H).

060 120 180 240 300 360

H

H

HHH

H

H

HHH

H

H

HHH

H

H H

HHH

H H

HHH

H H

HH

θ

Energiakcal/mol ¹-

Ângulo diedro

H

H HCH3

HH

θ = 60o

H3C

HH

H

HH

H

H

H

CH3

HH

θ = 0o

H3C

HHH

HHCH³ CH³ CH³

CH³ CH³ CH³

3,4

Conformação estrelada

Conformação eclipsada

Uma situação conformacional diferente é encontrada na molécula do butano. Agora, dois

átomos de hidrogênio são efetivamente trocados por dois grupos metílicos mais volumosos.

Esses grupamentos são grandes o suficiente para ficar um no caminho do outro, isto é, os

fatores estéricos tornam-se uma contribuição significativa para aumentar a barreira de ener-

gia rotacional. Além disso, existem três ligações carbono-carbono em torno das quais pode

haver rotação; as ligações C1-C2 e C3-C4 possuem comportamentos semelhantes ao do propano,

porém a ligação C2-C3 possui características diferentes. Ao girar essa ligação observamos que

nem todas as conformações estreladas e eclipsadas possuem a mesma energia. As seis con-

formações adotadas pelo butano ao se fazer a rotação da ligação carbono-carbono central

são mostradas a seguir em intervalos de 60º.

Page 123: Quimica Organica 1 MOODLE

121

H

H3C

H

CH3

HH

H

H

CH3

CH3

HHH3C

H

H

CH3

HH

H

H CH3

CH3

HH

CH3

H HCH3

HHH

H3C HCH3

HH

H 3C

HH

CH3

HH

H

H3C

H

CH3

HH

θ = 0o

CH3

H HC H 3

HH

θ = 180o

H 3C

C H3H

H

HH

4,5-6,1

0,9

3,6

060 120 180 240 300 360

θ

Energiakcal/mol ¹-

Ângulo diedro

syn-periplanar

anticlinal anticlinal

sinclinal (gauche)anti-periplanar

sinclinal (gauche)

syn-periplanar

anti-periplanarConformação estrelada

Conformação eclipsada

O diagrama de energia em função do ângulo diedro para a molécula do butano mostra

três mínimos de energia, sendo que dois deles são equivalentes em energia e correspondem

as conformações sinclinais (gauche). A terceira, a conformação anti-periplanar, é a mais

estável (0,9 kcal mol-1), pois é desprovida das interações repulsivas de van der Waals CH3/CH3

existentes nas formas gauche. Existem também três barreiras de energia, onde duas delas

correspondem à diferença de energia entre a forma anti-periplanar e as formas anticlinais

(3,6 kcal mol-1). O acréscimo de energia dessas conformações anticlinais deve-se aos dois

eclipsamentos CH3/H. A última barreira rotacional, a de maior energia (4,5-6,1 kcal mol-1),

envolve o eclipsamento CH3/CH3. Essa barreira retrata a diferença de energia entre a confor-

mação mais estável antiperiplanar e a conformação menos estável syn-periplanar.

Como no etano, as conformações eclipsadas do butano não são estáveis, visto que qualquer ro-

tação leva para uma conformação mais estável. A conformação anti-periplanar é a mais estável

de todas, pois os grupos metílicos, mais volumosos, estão o mais afastado possível um do outro.

Isso nos leva a acreditar que a molécula do butano sofre uma interconversão relativamente rá-

pida entre as conformações sinclinais e antiperiplanar, passando depressa por uma conformação

eclipsada. As conformações eclipsadas, que correspondem aos máximos de energia, represen-

tam o estado de transição para a conversão de um confôrmero mais estável no outro.

Cabe ressaltar que nem sempre a conformação anti-periplanar será a mais estável. Molécu-

las do tipo X-C-C-Y, onde X e Y são grupamentos fortemente eletronegativos, usualmente halo-

gênios, como por exemplo, o 1,2-difluoroetano prefere a conformação gauche em detrimento à

conformação antiperiplanar, em qualquer que seja o solvente, esse efeito é denominado efeito

gauche. Nessa conformação, cada ligação C-F está anti-periplanar a uma ligação C-H, propi-

ciando a sobreposição entre o orbital ligante σC-H e o orbital antiligante σ*C-F. Essa interação

estabilizadora compensa a diminuição da repulsão estérica existente quando os átomos de

flúor estão anti-periplanares.

Page 124: Quimica Organica 1 MOODLE

122

F

H HF

HHH

H FF

HH H

FF

H

HH

σC -H

σ∗C-F

σC-H (preenchido) e σ∗C -F (vazio)

F

FHH

HH

Menor repulsãode Van der Waals

Anti-periplanar Gauche

Interação estabilizadora entre os orbitais

A diferença de energia que existe entre as conformações dos compostos alifáticos apre-

sentados aqui são relativamente pequenas. A energia intrínseca da molécula, a temperatura

ambiente, é suficiente para permitir a rápida conversão entre todas as conformações pos-

síveis. Também é verdade que em qualquer momento, as conformações mais estáveis estão

presentes em um percentual maior, enquanto que as percentagens são bem menores para as

conformações que correspondem aos máximos de energia. A baixa temperatura somente as

conformações que correspondem ao mínimo de energia estão presentes.

2 Conformação de compostos cíclicos

A estabilidade relativa dos anéis carbocíclicos saturados, denominados cicloalcanos, nos fornece

informações importantes sobe a sua conformação. Dados de calores de combustão mostram que

o ciclopropano é o mais instável, ou seja, possui maior energia, e o ciclo-hexano o mais estável.

A instabilidade relativa dos cicloalcanos de cadeias menores, como por exemplo, o ciclopropano

e o ciclobutano, é uma consequência direta das suas estruturas cíclicas, e por isso se diz que

essas moléculas possuem uma tensão de anel. Experimentalmente isso pode ser evidenciado

analisando os calores de combustão relativos dos cicloalcanos.

O calor de combustão de um composto é a variação de entalpia da sua oxida-

ção completa. A oxidação completa de um hidrocarboneto significa convertê-

lo em dióxido de carbono e água. Isso pode ser realizado experimentalmente

por um calorímetro, que mede a quantidade de calor liberada na oxidação.

Se uma substância libera mais calor do que a outra na combustão, é porque

ela deve ter relativamente maior energia potencial, sendo consequentemente

mais instável.

CH4 + 2O2 → CO2 + 2 H2O ΔHo = -803 kJ mol-1

no ta

Considerando que cada átomo de carbono de um cicloalcano possui hibridação sp3, então

cada ângulo de ligação deveria assumir valores de 109,45º. Entretanto, em um anel planar,

os átomos de carbono não podem se dar ao luxo de escolher o seu ângulo de ligação, visto

que os ângulos internos dependem somente do número de átomos no anel (representado

pelo correspondente polígono regular). Se esse ângulo difere do ideal, ele deve de alguma

maneira proporcionar uma tensão no anel. A tabela a seguir mostra os valores dos ângulos

internos para polígonos regulares e a indicação da tensão por átomo de carbono devido ao

desvio desse ângulo, quando comparado com o ideal tetraédrico (109,45º).

Page 125: Quimica Organica 1 MOODLE

123

Número de átomos do anel

Ângulo interno no anel planar(polígono regular)

109, 5º - ângulo interno(determinação da tensão por carbono)

3 60º 49,5º

4 90º 19,5º

5 108º 1,5º

6 120º -10,5º

7 128,5º -19º

8 135º -25,5º

Analisando a tabela acima, podemos verificar que a maior tensão de anel ocorre no ci-

clopropano, mas diminui rapidamente a partir do ciclobutano e atinge o seu mínimo no

anel de cinco membros. Para esse último, se diz que a tensão de anel é mínima. Além disso,

verifica-se que a tensão de anel aumenta, apesar de menos rapidamente, quando o anel se

torna maior após o ciclopentano. Esses dados foram a base da teoria desenvolvida por Baeyer,

denominada teoria das tensões angulares, para explicar a tensão de anel dos cicloalcanos.

Porém, se faz necessário determinar a tensão de anel nesses compostos cíclicos experi-

mentalmente, para que se possa comparar com a predição teórica obtida para os anéis pla-

nares. Uma boa maneira de determinar a tensão nos anéis reais é usar o calor de combustão.

Inicialmente iremos analisar os calores de combustão para alguns alcanos acíclicos, pois

podemos assumir que eles são livres de tensão. Os resultados mostram que a diferença de

entalpia de combustão para qualquer par de alcanos na série é quase constante e assume

um valor próximo a -660 kJ mol-1 ou 157 kcal mol-1. Como a única diferença estrutural entre

esses alcanos é o acréscimo de grupamentos metilenos (-CH2), essa diferença de energia pode

ser atribuída a cada grupamento -CH2.

Alcano acíclico CH3(CH2)nCH3 - ∆H combustão (kJ mol-1) Diferença (kJ mol-1)

Etano n = 0 1560 -

Propano n = 1 2220 660

Butano n = 2 2877 657

Pentano n = 3 3536 659

Hexano n = 4 4194 658

Heptano n = 5 4853 659

Octano n = 6 5511 658

Nonano n = 7 6171 660

Decano n = 8 6829 658

Undecano n = 9 7487 658

Um cicloalcano (CH2)n pode ser considerado, como sendo um determinado número de gru-

pamentos metilenos unido. Se esses cicloalcanos forem livres de tensão, então o calor de

combustão deverá ser simplesmente n x 660 kJ mol-1. Se, entretanto, existir alguma tensão

Page 126: Quimica Organica 1 MOODLE

124

no anel, esta o tornará menos estável, isto é existirá um acréscimo de energia, e, portanto, a

energia de combustão também será maior. A determinação do calor de combustão para uma

série de cicloalcanos é mostrado na tabela a seguir. A tensão de anel foi obtida fazendo a

seguinte subtração: n x ΔH combustão por CH2 (kJ mol-1) – n x 660 (kJ mol-1).

Cicloalcano (CH2)n

n Calor de combustão(kJ mol-1)

Calor de combustão por grupo CH2 (kJ mol-1)

Tensão do anel(kJ mol-1)

Ciclopropano 3 2091 697 115

Ciclobutano 4 2744 686 109

Ciclopentano 5 3320 664 27

Cicloexano 6 3952 659 0

Cicloeptano 7 4637 662 27

Cicloctano 8 5310 664 42

Ciclononano 9 5981 665 54

Cinclodecano 10 6636 664 50

Ciclopentadecano 15 9885 659 6

Analisando os dados de calor de combustão dos anéis carbocíclicos saturados podemos ob-

ter algumas conclusões importantes: a) a maior tensão de anel é de longe a do ciclopropano;

b) o anel com a menor tensão, ao contrário do que previa a teoria de cálculo de tensão de

anel através do desvio angular, é o cicloexano e não o ciclopentano; c) a tensão em anéis

maiores que o de seis membros aumenta até atingir o máximo em energia para n=9 e depois

volta a diminuir, isso também não foi previsto pela teoria baseado no desvio angular; d)

Cicloexano (n=6) e os cicloalcanos maiores (n ≥ 14) possuem calores de combustão por –CH2

em torno de 658 kJ mol-1, o mesmo valor obtido para os alcanos acíclicos livres de tensão.

Então, porque existem discrepâncias entre a tensão de anel dos cicloalcanos calculada

pela teoria do desvio angular, proposta por Baeyer, quando comparada com a obtida pela

entalpia de combustão por –CH2? A resposta é simples, exceto o ciclopropano, todos os outros

cicloalcanos não são planares.

Os fatores que contribuem para a tensão existente nos anéis dos cicloalcanos serão eluci-

dados analisando, em detalhes, a estrutura de vários desses compostos.

A. Conformação dos cicloalcanos pequenos (n = 3, 4 e 5)

Como acabamos de constatar o ciclopropano é muito menos estável do que o esperado para

três grupamentos metilenos. Por que isso acontece? Existem duas razões para explicar esse

dado experimental: a tensão angular e a tensão torcional.

A figura a seguir mostra a estrutura do ciclopropano. Podemos ver que o seu anel é com-

pletamente planar, onde todos os comprimentos das ligações C-C são os mesmos fazendo com

Page 127: Quimica Organica 1 MOODLE

125

que os três átomos de carbono estejam nos cantos de um triângulo eqüilátero. Olhando ao

longo das ligações C-C podemos perceber que todas as ligações C-H estão eclipsadas, de modo

semelhante à conformação eclipsada do etano. Nesta conformação, o etano possui energia

maior do que na conformação estrelada e isto caracteriza a tensão torcional. O mesmo ocorre

no ciclopropano, com um agravante, a sua estrutura é planar e rígida, impedindo a rotação

das ligações C-C que poderia aliviar a tensão torcional.

H

H H

H 2C

H

CC

C

H

H

H

H

H

H

Visão ao longo daligação C-C

Projeção de NewmanConformação eclipsada1,089 Aº

115º

1,510 Aº

Outro fator que contribui para a tensão no anel do ciclopropano é o desvio angular, pois os

ângulos C-C-C no ciclopropano são iguais a 60º, diferentes em 49,5º do tetraedro regular (109,45º).

Essa compressão dos ângulos internos é denominada tensão angular. Esse desvio angular acar-

reta em uma sobreposição menos efetiva dos orbitais sp3 dos átomos de carbono no ciclopropano.

CH

H

C

HH

C

HH

A tensão total observada nesse anel é, portanto, a soma da tensão torcional, proveniente da re-

pulsão de van der Waals devido ao eclipsamento dos átomos de hidrogênio e da tensão angular,

oriundo da distorção dos ângulos. Em consequência, as ligações C-C do ciclopropano são mais

fracas (ΔHo = 65 kcal mol-1), do que as ligações C-C nos alcanos acíclicos (ΔHo = 90 kcal mol-1).

Isso torna esse carbociclo muito reativo, pois a quebra da ligação C-C alivia a tensão do sistema.

O ciclobutano por ser estruturalmente menos rígido do que o ciclopropano pode existir

em duas conformações distintas, uma planar e a outra dita “dobrada”. O anel planar tem o

mínimo de tensão angular possível, que ainda assim é alta (desvio de 19,5º), mas deverá ter a

tensão torcional máxima, visto que os quatro pares de átomos de hidrogênio dos grupamen-

tos metilenos estão eclipsados. A tensão torcional pode ser reduzida mediante uma distorção

na conformação planar de forma que o anel deixa de ser planar, adotando uma conformação

“dobrada”. Com isso, a tensão torcional diminui, mas a tensão angular aumenta. Apesar do

aumento da tensão angular a conformação preferencial do ciclobutano é a forma dobrada ou

forma de asa, cujo ângulo de dobra (θ) é igual a 28º.

Page 128: Quimica Organica 1 MOODLE

126

θ = 28o

H

H

H

H

1,109 A o

107o

1,551 A o

88o

H

HH

HH

H

H

H

Ângulo de dobra

Redução doeclipsamento

Redução doeclipsamento Ligações C-H não estão

completamente eclipsadas

Visão lateral mostrando oshidrogênios eclipsados

Conformação dobrada

Conformação planar

Visão ao longo daligação C-C

Visão ao longo daligação C-C

Ciclobutano

A conformação dobrada do ciclobutano pode ser interconvertida rapidamente para a outra

conformação dobrada no sentido inverso. A barreira de energia para essa conversão é de 1,45

kcal mol-1 ou 6,06 kJ mol-1. Essa barreira de rotação é alta o suficiente para estabelecer um

duplo mínimo de energia para as conformações do butano. Como resultado da conformação

dobrada do ciclobutano, os derivados monossubstituídos, como o brometo de ciclobutila, pode

existir como confôrmeros axiais e equatoriais. Estudaremos esses confôrmeros em detalhes

quando analisarmos as conformações do cicloexano.

H

H H

H

H

HH

H

H

H

H

HH

H

∆G = 1,45 kcal mol ¹ favorecendo a conformação equatorial-

Os anéis de cinco membros são comuns na natureza: os anéis carbocíclicos dos esteróides, e

das prostaglandinas; os anéis contendo átomo de oxigênio, como no açúcar furanose, nucle-

osídeos, nucleotídeos e ácidos nucléicos; os anéis contendo nitrogênio, como no aminoácido

prolina e em alcalóides como a nicotina, entre outros.

HO

H3C O

O

H

H

CH3

H

H3CH

CH3O

HO

OH

O

OH

O

HO OH

OH

OH

Diosgenina - esteróide Prostaglandina E1 Furanose

N O H

H

O

N

NH

CH3

N

NN

N

NH2

O

HO H

HH

HH

OP-O

O -

O

Ácido nucléico Prolina Nicotina

Page 129: Quimica Organica 1 MOODLE

127

O anel de cinco membros carbocíclico, ciclopentano, quando planar, os seus ângulos inter-

nos deverão ser de 108º e, portanto, quase que totalmente livre de tensão angular, visto que o

ângulo ideal é de 109,5º. Por outro lado, a tensão torcional nessa conformação deverá ser con-

siderável (estimado em 10 kcal mol-1 ou 42 kJ mol-1) devido ao eclipsamento H-H dos dez átomos

de hidrogênio. Para minimizar essa tensão, assim como o ciclobutano, o ciclopentano sofre

uma distorção e torna-se não planar, gerando como tensão total para a molécula, uma tensão

torcional residual somada a tensão angular, que sofre um acréscimo de 60% do valor no anel

planar. A conformação de menor energia é resultante desses dois efeitos, sendo ela mais estável

do que a planar. Duas conformações dobradas, mais estáveis são possíveis para o ciclopentano,

a envelope e a meia-cadeira. A diferença de energia entre essas duas conformações é pequena,

sendo a conformação envelope mais estável por cerca de 0,5 kcal mol-1 ou 2,1 kJ mol-1. A barrei-

ra de rotação entre essas duas conformações também é muito pequena, e não é surpreendente,

portanto, que o ciclopentano tenha uma rápida interconversão entre essas conformações.

H

HH

H1,113 A o 106o

1,546 A o

104o

H

H

H

H

Conformação envelopedo ciclopentano

Projeção de Newman

H H HH

HH

HHHH H

H H

H

H H

HHH

HH

H

H

H

HH

HHH

H

Conformaçãoenvelope

Conformaçãomeia-cadeia

Conformaçãoenvelope

Assim como no ciclobutano, o confôrmero monossubstituído mais estável do ciclopentano

é aquele em que o substituinte ocupa uma posição equatorial no anel. A barreira de inversão

do anel é de 3,4 kcal mol-1 quando esse substituinte é um grupo metílico.

H

H

H

H H

HH

HCiclopentano monossubstituído

conformação equatorial é amais estável

B. Conformação do cicloexano

Os dados de calor de combustão mostram que o cicloexano é o único anel carbocíclico com

menos de 14 átomos de carbono que pode adotar uma conformação essencialmente livre de

tensão. Isso deve incluir a tensão torcional e a tensão angular.

Page 130: Quimica Organica 1 MOODLE

128

Considerando que o anel do cicloexano assume uma conformação planar, todos os átomos de

hidrogênio adjacentes estarão eclipsados, o que leva a um aumento da tensão torcional. Nessa

geometria, o ângulo da ligação C-C-C será de 120º em vez de 109,5º, acarretando em uma tensão

angular, agora de expansão. Entretanto, se um átomo de carbono do anel se mover para uma

posição acima do plano e outro átomo, de lado oposto ao primeiro, se mover para baixo do pla-

no, os átomos de hidrogênios se deslocam o suficiente para assumir uma conformação estrelada

em relação ao seu vizinho. Além disso, o ângulo C-C-C diminui para valores de 111º, próximo do

ideal que é 109,5º. Essa forma estável do cicloexano é denominada conformação cadeira.

H

H

H

H

H H

H H

H H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

120o

111o

Eclipsados

Cicloexano - conformação planarÁtomos de Hidrogênio eclipsados

Conformação cadeiraÁtomos de hidrogênio em

conformação estrelada

A visão ao longo de duas ligações C-C no modelo tridimensional da conformação cadeira

do cicloexano, mostra claramente que não existe ligação C-H eclipsada. De fato, todas as

ligações são estreladas diminuindo o quanto possível a energia da conformação. Por essa

razão e pela ausência da tensão angular, diz-se que a conformação cadeira é livre de tensão.

H

H

CH2

CH2

H

H

H

H

H

H

Visão frontal da conformaçãocadeira do cicloexano

Visão ao longo daligação C-C

Projeção de Newman

A outra forma assumida pelo cicloexano é denominada de conformação bote. Nessa conforma-

ção, de maior energia, todos os átomos de hidrogênio estão eclipsados. Além disso, existe uma

interação particularmente desestabilizadora que ocorre entre as ligações C-H em “mastro”. Isso

explica porque a conformação bote é muito menos importante do que a conformação cadeira.

H

CH2

H

CH2

H

H H

H

H

H

Visão frontal da conformaçãobote do cicloexano

Visão ao longo daligação C-C

Projeção de Newman

Interações C-H em “mastro”

A conformação bote, mesmo sendo livre de tensão angular, é mais instável do que a con-

formação cadeira em aproximadamente 25 kJ mol-1 ou 5,7 kcal mol-1 de energia. Isso se deve

Page 131: Quimica Organica 1 MOODLE

129

exclusivamente a tensão torcional. Como vimos anteriormente para o ciclobutano e para o

ciclopentano, as interações das ligações C-H eclipsadas na conformação bote do cicloexano

podem ser reduzidas, mediante uma distorção do anel. A essa conformação bote ligeiramen-

te distorcida damos o nome de conformação bote-torcido, que apesar de não ser tão estável

quanto à conformação cadeira, ela possui 19,7 kJ mol-1 ou 4,7 kcal mol-1 a menos de energia

do que a conformação bote . Ela é obtida quando as duas ligações C-C “centrais” sofrem uma

pequena distorção uma em relação à outra.

Visão ao longo daligação C-C

Distorção da ligação C-C

Distorção da ligação C-C

O cicloexano possui dois grupos de átomos de hidrogênio geometricamente diferentes: seis

deles se estendem para cima e para baixo ao longo de um eixo vertical que passa no centro

da molécula. Eles são chamados de axiais. Os outros seis átomos de hidrogênio se alternam

sobre um plano “equatorial” perpendicular ao eixo axial. Esses átomos de hidrogênios são

chamados de equatoriais.

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

H

Conformação cadeira de cicloexanoHidrogênios axiais

Hidrogênios axiais

Hidrogênios axiais

Hidrogênios equatoriais

Hidrogênios equatoriais

Hidrogênios equatoriais

Hidrogênio equatorial

Hidrogênio equatorial

O cicloexano pode sofrer uma inversão de anel passando de uma conformação cadeira para

outra. Essa inversão promove uma mudança evidente: o grupo de átomos de hidrogênios

axiais de uma conformação cadeira passa para equatorial na conformação cadeira invertida.

A mesma inversão ocorre com os átomos de hidrogênio equatoriais. Isto é, os dois grupos de

átomos de hidrogênio sofrem uma mudança de lugar. O processo de inversão da conformação

cadeira não ocorre uma única etapa. Inicialmente a primeira inversão forma um intermediá-

rio, a conformação bote-torcido, que numa segunda etapa com a mesma energia da primeira,

produz a conformação cadeira invertida.

Page 132: Quimica Organica 1 MOODLE

130

H1H 2

H2

H1H1H2Equatorial

Conformaçãocadeira

Conformaçãocadeira

Conformaçãobote-torcido

Axial

Axial

Equatorial

Intermediário

O processo de inversão de anel completo do cicloexano pode ser dividido nas conforma-

ções mostradas a seguir. As setas vermelhas indicam a direção em que um determinado deve

se movimentar para formar a próxima conformação.

H1

H212

3

4 56

H2

H1

12

34

5

6

H1H2

12

34

5

6

H 1

H2

12

3

4 5

6

H 1H 2

H 11

2

3

4

5

6

12

34

6

C 2-C 3 e C 5-C 6

C 2-C 3 e C 5-C 6

5

H 2

H 11

234

5 6

Distorção da ligação

Distorção da ligação

Estado de transição

Estado de transição

Conformaçãocadeira

Conformaçãocadeira

Conformaçãomeia-cadeira

Conformaçãomeia-cadeira

Conformaçãobote-torcido

Conformaçãobote-torcido

Conformação bote

Estado de transição

Intermediário

Intermediário

O perfil de energia desse processo de inversão mostra que a conformação meia-cadeira

corresponde ao máximo de energia (estado de transição) indo da conformação cadeira para

a bote-torcido. A conformação bote verdadeira é o máximo de energia (estado de transição)

do processo de interconversão entre os dois confôrmeros bote-torcido. Posteriormente, o

segundo confôrmero bote-torcido é convertido na cadeira invertida, passando por outra

conformação meia-cadeira.

0

-1

H1H 2

H 2

H 1

H 1

H 2

H 1H 2

H 1

H 2

H 2

H1

1 0 ,7

5,5

6 ,9

1 0 ,7

H 1

H 2

Energiakcal mol

Processo de invasão de anel

Page 133: Quimica Organica 1 MOODLE

131

Na conformação meia-cadeira do cicloexano, quatro átomos de carbono adja-

centes estão no mesmo plano, aumentando a tensão angular do anel. A seguir,

são mostradas outras formas de escrever as conformações meia-cadeira e

bote torcido.

1

2

34

5

6 12

3 4 5

6

= 1

2

3

4

5

6

=3

1

2

4

5

6

Conformação meia-cadeira Conformação bote-torcido

no ta

C. Conformações dos cicloexanos substituídos

Em um cicloexano monossubstituído existem duas conformações cadeira distintas: uma

com o substituinte na posição axial e a outra em que ele está na posição equatorial. Essas

duas conformações estão em um rápido equilíbrio químico e possuem energias diferentes.

Normalmente, o confôrmero com o substituinte na posição axial possui mais energia e,

portanto, está em menor quantidade no equilíbrio.

R

H

H

R

eq.

Conformação cadeiraConformação cadeiraSubstituinte R equatorialSubstituinte R axial

K

A tabela a seguir mostra uma série de cicloexanos monossubstituído, com substituintes

variados, e a preferência do confôrmero equatorialmente substituído em relação ao axial-

mente substituído a 25 ºC.

Cicloalcano (CH2)n Constante de Equilíbrio (Keq.)∆E conformaçõesequatorial – axial (kJ mol-1)

% conformação com substituinte equatorial

-H 1 0 50

-CH3 19 7,3 95

-CH2CH3 20 7,5 95

-CH(CH3)2 42 9,3 98

-C(CH3)3 > 3000 > 20 > 99,9

-OCH3 2,7 2,5 73

-C6H5 110 11,7 99

Por exemplo, no metil-cicloexano (R = CH3), o confôrmero com o grupo metil na posição

axial possui 7,3 kJ mol-1 a mais de energia do que o confôrmero com o grupo equatorial. A

quantificação entre os dois confôrmeros equatorial e axial no equilíbrio pode ser feita com

Page 134: Quimica Organica 1 MOODLE

132

o mesmo formalismo usado na termodinâmica, isto é, se ΔGº < 0, a conformação equatorial

é favorecida; e se ΔGº > 0 a conformação axial é predominante. A concentração molar dos

confôrmeros equatoriais e axiais é relacionada à constante de equilíbrio (Keq.) pela expressão:

R

H

H

R

eq.

Confôrmero equatorialConfôrmero axial

K

A correlação existente entre ΔGº e a Keq. é descrita pela equação mostrada a seguir, onde

R = 1,986 cal mol-1 K-1 e T é a temperatura em Kelvin (K).

Rearranjando a equação anterior, obteremos a seguinte expressão para a Keq..

a 298 k, quando ΔGº é determinado em kcal mol-1 a equação precedente pode ser reescrita como:

Cabe ressaltar que pequenas diferenças de energia livre resultam em uma conversão qua-

se completa do confôrmero axial no equatorial. O percentual do confôrmero equatorial no

equilíbrio pode ser calculado com a equação mostrada a seguir:

Para um derivado monossubstituído do cicloexano, o tipo de substituinte determina a di-

ferença de energia entre as conformações axiais e equatoriais. Usando os valores da variação

de energia livre entre os dois confôrmeros, nós podemos rapidamente calcular o percentual

de cada conformação cadeira que estiver presente no equilíbrio em qualquer temperatura.

Para alguns substituintes como o átomo de flúor, a razão entre as conformações axiais e

equatoriais não variam tanto da razão 50:50 obtida pelo cicloexano. Contudo, para grupos

mais volumosos, como o metil, somente uma pequena quantidade do confôrmero axial de-

verá estar no equilíbrio. A tabela a seguir mostra a diferença de energia entre as duas con-

formações para alguns substituintes.

Keq. =[confôrmero equatorial]

[confôrmero axial]

∆Go = -RT lnKeq.

Keq.= e(∆Go / R T )

Keq.= e-1,69∆Go

[Keq. / (1 + Keq.)% confôrmero equatorial = 100

Page 135: Quimica Organica 1 MOODLE

133

∆G oR

H

HR

∆G o

- H- F- CN- C l- B r- C- OC H 3- OH- CO2H- CH

3- CH=C H 2- CH2CH 3- CH(CH3)2- C 6H 5- C (C H 3)3

C H

0,0-0,2-0,2-0,5-0,5-0,5-0,6-1,0-1,4-1,7-1,7-1,8-2,1-2,9-5,4

Energia

Coordenada de reação

Produtos

Substituinte (R) (equatorial - axial)(kcal mol-1)

∆G oR

H

HR

∆G o

- H- F- CN- C l- B r- C- OC H 3- OH- CO2H- CH

3- CH=C H 2- CH2CH 3- CH(CH3)2- C 6H 5- C (C H 3)3

C H

0,0-0,2-0,2-0,5-0,5-0,5-0,6-1,0-1,4-1,7-1,7-1,8-2,1-2,9-5,4

Energia

Coordenada de reação

Produtos

Substituinte (R) (equatorial - axial)(kcal mol-1)

A pergunta que temos que responder imediatamente é: por que o confôrmero com o subs-

tituinte na posição axial geralmente tem energia maior do que o equatorial?

Existem duas razões que explicam essa diferença de energia: a primeira delas é que o

confôrmero é desestabilizado pela repulsão de van der Waals entre o grupo substituinte

(R) e os dois átomos de hidrogênio (ou outros grupos) axiais nos átomos de carbono C3 e

C5 que estão do mesmo lado do anel. Essa interação estérica repulsiva é denominada inte-

ração 1,3-diaxial.

C

H

HHH

HH

H

H

HH

H

H123

4 5 6

C

H

HH

HH

H

H

H

HH

H

H123

4 5 6=

Interação 1,3-diaxial

O metil-cicloexano providencia um exemplo simples que ilustra o efeito da substituição

de um dos átomos de hidrogênio do cicloexano. Contudo, o efeito proporcionado por outros

substituintes será muito semelhante a esse: qualquer grupo mais volumoso que o átomo de hi-

drogênio em posição axial providencia interações 1,3-diaxiais aumentando a energia do con-

fôrmero. À medida que o volume do substituinte aumenta, essa interação se torna mais severa

e o confôrmero axial mais instável, sendo, portanto, menos favorecido no equilíbrio químico.

A segunda razão é que no confôrmero equatorial a ligação C-R está anti-periplanar a duas

ligações C-C, enquanto que na conformação com o substituinte R em axial a ligação C-R é

sinclinal (gauche) a duas ligações C-C. É importante lembrar que, da mesma maneira que a

interação gauche aumenta a energia da conformação sinclinal do butano em relação à con-

formação anti-periplanar, também ocorre um acréscimo de energia no confôrmero axial do

cicloexano devido a essa interação.

Page 136: Quimica Organica 1 MOODLE

134

H

R

H

H

C H2

C H2

H

H

H

R

H

H

=

R

H=

H

R

H 2C

H 2C

H

H

H

H

H

H

P r ojeção d e N ewmanProjeção de Newman

As ligações em vermelho são anti-periplanares(por questão de clareza, somente uma interaçãocom a ligação C-C é mostrada)

As ligações em vermelho são sinclinais (gauche)(por questão de clareza, somente uma interação coma ligação C-C é mostrada)

Analisando os dados da tabela apresentada na página anterior podemos perceber que a

diferença de energia entre o confôrmero equatorial e axial do etil-cicloexano (ΔGº = -1,8 kcal

mol-1) é muito parecida com a diferença apresentada para o metilcicloexano (ΔGº = -1,7 kcal

mol-1). O confôrmero axial do etilcicloexano adota uma orientação em que a porção metílica

do grupamento etila se afasta do anel. Por isso, ocorre apenas um pequeno aumento na ener-

gia da interação 1,3-diaxial quando comparado ao metil-cicloexano. Em contrapartida, uma

interação gauche adicional é associada à introdução desse grupo metil extra.

C

H

HHH

HH

H

H

HH

H

H123

4 5 6

C

H

HH

HH

H

H

H

HH

H

H123

4 5 6=

C

H

C H3

HHHH

H

H

HH

H

H123

4 5 6

C

H

C H3

HH

HH

H

H

HH

H

H123

4 5 6=

Interação 1,3-diaxialMetil-cicloexano

Interação 1,3-diaxialEtil-cicloexano

Similarmente, a conformação axial do isopropil-cicloexano também adota uma orien-

tação em que as duas metilas do grupo isopropil se afastam do anel, fazendo com que as

interações 1,3-diaxiais com os hidrogênios axiais dos carbonos C3 e C5 não sejam muito

diferentes das existentes no metil-cicloexano. O pequeno acréscimo da energia livre de

Gibbs deve-se principalmente às duas interações gauche relacionadas à introdução de dois

grupamentos metilas extras.

C

H

CH3

C H3HHH

H

H

HH

H

H123

4 5 6

C

H

C H3

C H3HH

H

H

H

HH

H

H123

4 5 6=

Interação 1,3-diaxialIsopropil-cicloexano

Já o que ocorre quando um grupo terc-butil é introduzido no anel carbocíclico de seis

membros é bastante diferente. O confôrmero axial do terc-butil-cicloexano apresenta uma

forte interação 1,3-diaxial entre o terceiro grupo metil e os hidrogênios axiais que estão

nos carbonos C3 e C5. Por esse motivo, o confôrmero equatorial é largamente favorecido no

equilíbrio. Devido a esse favorecimento, o grupamento terc-butil é bastante utilizado para

estabilizar uma conformação particular de forma que seja possível estudar outros aspectos

da estereoquímica ou ainda efeitos conformacionais no anel de seis membros.

Page 137: Quimica Organica 1 MOODLE

135

C

H

3

CHCH3

H H

H

H

H

HH

H

H123

4 5 6

C

H

3

CHCH

3H

H

H

H

HH

H

H123

4 5 6=

CH

HH H H

Interação 1,3 - diaxialterc-butil-cicloexano

A introdução de um heteroátomo, como por exemplo, o grupo metoxi do metoxi-cicloe-

xano diminui a diferença de energia entre os confôrmeros axiais e equatoriais. O átomo de

oxigênio da metoxila funciona como um elo afastando a metila do anel de maneira muito

semelhante ao que ocorre com o etil-cicloexano, diminuindo a interação com os átomos de

hidrogênios axiais que estão do mesmo lado.

O

H

CH3HH

H

H

HH

H

H123

4 5 6

Metoxi-cicloexano

Diante do que foi exposto até agora, podemos concluir que a constante de equilíbrio não

depende do tamanho do substituinte, ma sim da sua interação com os hidrogênios axiais

da sua vizinhança.

Quando existem dois ou mais substituintes no anel, ocorre uma complicação adicional.

Além das conformações axiais e equatoriais, os substituintes podem estar para cima ou para

baixo relativo ao plano definido pelos seis átomos de carbono do anel. Quando esses substi-

tuintes estão do mesmo lado do anel são chamados de estereoisômeros com configuração cis.

O outro estereoisômero possui os substituintes em lados opostos ao plano do anel, isto é, um

grupo está acima do plano e o outro abaixo. Esse estereoisômero é denominado trans. Veja

o exemplo do 1,2-dimetil-cicloexano ilustrado a seguir.

CH 3

CH 3

CH 3

CH 3

cis-1,2-dimetil-cicloexano trans-1,2-dimetil-cicloexanoCH 3

CH 3

CH 3

CH 3

cis-1,2-dimetil-cicloexano trans-1,2-dimetil-cicloexano

Vamos agora considerar as formas cadeira desses isômeros. Se os grupos metilas estão do

mesmo lado do anel, isto é o cis isômero, e o substituinte no C1 está na posição axial, então

o grupo metil no carbono C2 deve ficar na posição equatorial.

Page 138: Quimica Organica 1 MOODLE

136

CH 3

CH 3

CH 3H

CH 3H

H

CH 31 1

2

O primeiro grupo metil é colocadona posição axial do carbono Cl.

Esse grupamento está para cima.

O segundo grupo metil, para respeitar acon�guração cis, deve também ser colocado

para cima e isso corresponde à posição equatorial.

cis - 1,2 - dimetil - cicloexano

Na representação planar do cicloexano substituído, estamos olhando direta-

mente para o anel no plano da folha de papel e as ligações acima e abaixo

desse plano são representadas por linhas em cunha e tracejadas, respectiva-

mente. Cabe ressaltar que essas linhas não indicam nada sobre a conformação

do anel de seis membros.

C H 3

C H 3

Linha em cunha representauma ligação orientada para

cima do plano do papel.

Linha tracejada representauma ligação orientada para

baixo do plano do papel.

no ta

Na configuração trans do 1,2-dimetil-cicloexano as metilas estão em lados opostos, logo

se colocarmos a primeira metila para cima no carbono C1, portanto, na posição axial, a

segunda metila deverá ser adicionada no carbono C2 para baixo. Esse segundo grupo metil

deverá ocupar uma posição axial também.

CH 3

CH 3

CH 3H

CH 3H

CH 3

H1 1

2

O primeiro grupo metil é colocadona posição axial do carbono Cl.

Esse grupamento está para cima.

O segundo grupo metil, para respeitar acon�guração trans, deve ser colocado

para baixo e isso corresponde à posição axial.

trans - 1,2 - dimetil - cicloexano

Cabe nesse momento ressaltar a importância da representação da estrutura do cicloexano

na forma cadeira, visto que ela possui muito mais informações do que a representação do

hexágono planar. Na forma cadeira é mostrada tanto a configuração quanto a conformação,

enquanto que na forma planar somente a configuração é descrita.

Uma vez escrito o isômero correto, podemos representar as duas conformações cadeiras

para esse isômero e responder qual confôrmero é o mais estável. Para o isômero cis-1,2-

dimetil-cicloexano uma conformação cadeira tem um grupo metil na posição axial e outro

na equatorial. Ao fazer a inversão do anel, o substituinte na posição axial passa a ficar na

equatorial e vice-versa. As duas conformações cadeira têm um substituinte na posição axial

e o outro na posição equatorial, sendo, portanto, iguais em energia. As interações 1,3-dia-

xiais são idênticas para os dois confôrmeros.

Page 139: Quimica Organica 1 MOODLE

137

CH 3H

H

CH 3CH 3H

CH 3

H

eq.

cis - 1,2 - dimetil - cicloexano

Equatorial Equatorial

Axial Axial

K

Nas duas conformações cadeira do trans-1,2-dimetil-cicloexano existe uma grande dife-

rença de energia entre elas. O confôrmero que apresenta os dois grupamentos metilas em

posição equatorial é mais estável do que a conformação diaxial, porque o primeiro não apre-

senta interação 1,3-diaxial entre as metilas e os átomos de hidrogênios.

CH3

H

H

CH3H

CH3

H

CH3

HH

HH

eq.

Confôrmero diequatorial

trans - 1,2 - dimetil - cicloexano

Confôrmero diaxial

K

Podemos concluir então, que o confôrmero favorecido no equilíbrio será aquele com maior

número de substituintes na posição equatorial, pois assim as interações 1,3-diaxiais dos

substituintes com os respectivos hidrogênios são minimizadas. O exemplo a seguir do iso-

mentol ilustra essa máxima.

H3C

CH (CH3)2

OH

H

CH3

H

H

OH H

H

H3C

OH

H

Isomentol

AxialAxial

Axial

Equatorial

Equatorial

Equatorial

Devemos agora analisar a situação em que os substituintes são diferentes. Por exemplo, para

o trans-2-bromo-cicloexanol não há problema, pois uma conformação cadeira terá os dois

substituintes na posição equatorial e na outra conformação esses substituintes estarão em po-

sições axiais, sendo a primeira muito mais estável. Porém, no caso do cis-2-bromo-cicloexanol

em que um substituinte está em equatorial e o outro em axial nas duas conformações cadeira,

o confôrmero favorecido no equilíbrio dependerá dos substituintes. Em geral, a conformação

favorecida será aquela em que o substituinte mais volumoso estiver na posição equatorial.

No exemplo citado anteriormente o bromo é mais volumoso do que a hidroxila e, portanto

a conformação mais estável terá o átomo de bromo na posição equatorial preferencialmente.

OH

B rB r

OH

HH

H

B r

H

OH

OH

B rH

OH

HB r

B r

H

H

OH

trans - 2 - bromo- cicloexanol

cis - 2 - bromo- cicloexanol

Confôrmero diaxial Confôrmero diequatorial

Equatorial

Equatorial AxialAxial

Page 140: Quimica Organica 1 MOODLE

138

É importante lembrar que as regras de análise conformacional fornecidas anteriormente ser-

vem apenas como uma diretriz para tentar determinar a conformação mais estável. Entretanto,

em alguns casos não é fácil fazer essa determinação. Em oposição a essas incertezas, anéis

contendo grupamentos terc-butila são fáceis de decidir qual conformação será a mais estável.

Como vimos anteriormente, o grupo terc-butila fica preferencialmente na posição equatorial.

OH OH

H

H

EquatorialAxial

Conformação favorecida, pois possuio grupo terc-butil na posição equatorial,

�xando a hidroxila na posição axial.

D. Conformações dos heterociclos saturados: o efeito anomérico

A princípio, as conformações dos heterociclos de cinco e seis membros saturados seguem qua-

se os mesmos princípios conformacionais dos compostos carboxíclicos que nós vimos até o mo-

mento. Entretanto, temos que atentar para um detalhe, esses anéis contendo heteroátomos além

das ligações C-H, C-C, C-substituintes, os heteroátomos possuem pares de elétrons não ligantes

que deverão ocupar posições equatoriais e axiais. Alguns exemplos são mostrados a seguir.

SS O

O NH

O

NH

Axial

Axial

Equatorial

Equatorial

Ditiana Dioxano Morfolina Piperidina

Equatorial

Equatorial

Axial

Axial Axial

Axial

Outro ponto a ressaltar sobre os pares de elétrons não ligantes dos heteroátomos nas con-

formações cadeira é o fato de que os elétrons representados pela cor azul estão paralelos às

ligações C-C e C-X (X = heteroátomo) e os elétrons em vermelho estão paralelos às ligações

C-H e C-R, se o anel tiver substituinte (R). O tetraidropirano mostrado a seguir ilustra essa

relação de paralelismo. Note que os substituintes próximos ao heteroátomo nas posições

equatoriais não estão paralelos a nenhum par de elétrons não ligante.

O

HCH 3

3

CH 3

O CH 3CH 3

H

O

HCH 3

CH 3

H

O

HCH 3

CH 3

H

Par de elétrons em vermelhoestá paralelo às ligações

C-H e C-CH axiais 3

Par de elétrons em azulestá paralelo às ligações

C-H e C-CH axiais

Page 141: Quimica Organica 1 MOODLE

139

Um dos mais importantes heterociclos oxigenados saturados são os açúcares. A glucose é

o açúcar de ocorrência natural mais abundante e existe preferencialmente na forma de ß-D-

glucopiranose, mostrada a seguir. Não é surpreendente verificar, nesse momento, que na sua

conformação cadeira mais estável todos os substituintes estão em posição equatorial. Em um

primeiro momento, as regras da análise conformacional observadas anteriormente explicam

essa preferência conformacional da glucose. Para quatro das cinco hidroxilas (hidroxilas em

preto) a posição equatorial é convertida em axial através da inversão do anel. Porém, para

a quinta hidroxila (em vermelho) próxima ao átomo de oxigênio no anel a interconversão

equatorial-axial ocorre pela clivagem/re-formação do hemiacetal, pois nessa posição, co-

nhecida como posição anomérica, existe uma inversão de configuração.

O

HO

HOHO

HOOH

OH - 64%- β-D-

O

HO

HOHO

HOOH

OH - 35%

OH

HO

HOHO

HOO

1%

Hemiacetal

Glucose glucopiranoseequatorial axial

Substituinte na posição anomérica

O que pode ser surpreendente é o fato de existir, por parte da hidroxila na posição ano-

mérica, apenas uma pequena preferência pela posição equatorial (64:35%). Maior surpresa

consiste no fato de que em alguns derivados da glucose a preferência dos substituintes na

posição anomérica seja a axial e não a equatorial. Especialmente se o substituinte for alta-

mente eletronegativo, como mostra os resultados ilustrados na tabela a seguir.

Derivado da glucose Substituinte % confôrmero axial

O

HO

HOHO

HO OR

O

HO

HOHO

HO R

OR = H 36

OR = CH3 67

R = OCOCH3 86

R = Cl 94

Podemos definir de uma maneira geral que os substituintes eletronegativos no carbono

anomérico dos derivados da glucose e em outros heterociclos, como por exemplo, no carbono

C2 do tetraidropirano apresentam uma preferência pela posição axial e a esse efeito inespe-

rado chamamos de efeito anomérico. Para grupos OH e OR essa preferência é comparável com

a preferência estérica pela posição equatorial e para grupos mais eletronegativos o efeito

anomérico é maior. Todos os três derivados halogenados do éster tribenzoato (X = F, Cl e Br

e Bz = C6H5CO) da xilose, por exemplo, existe preferencialmente na conformação em que o

halogênio ocupa uma posição axial, mesmo que para isso os outros três grupamentos ésteres

também tenham que ficar na posição axial.

Page 142: Quimica Organica 1 MOODLE

140

OX

O Bz

BzOBzO

O

OBz X

O Bz OBz

Éster benzoato da xilose

Todos os substituintesna posição equatorial Todos os substituintes

na posição axial

Uma evidência do efeito anomérico pode ser obtida quando comparamos a preferência

do confôrmero axial no equilíbrio existente no tetraidrotiopirano, heterociclo contendo

um átomo de enxofre, quando comparado com o tetraidropirano, heterociclo similar com

átomo de oxigênio. No tetraidropirano a ligação C-S (1,82 Å) é significativamente maior do

que a ligação C-C (1,43 Å) e maior do que a ligação C-O (1,54 Å) o que diminui as interações

repulsivas 1,3-diaxiais no heterociclo contendo o átomo de enxofre. Dessa forma, o efeito

anomérico é quase que exclusivo nesse heterociclo e pode ser claramente percebido quan-

do o percentual do confôrmero axial aumenta no equilíbrio com o aumento da eletrone-

gatividade do substituinte (R).

S

X

H

H

S

H

X

H

X - X -equatorial axial

% de X - axial aumenta quando aeletromagnetividade de X aumenta

Distância maior

O que obrigatoriamente temos que responder agora é: por que existe o efeito anomérico?

A origem do efeito anomérico é essencialmente estereoeletrônico. O heterociclo sofre uma

estabilização a partir da interação do orbital antiligante de baixa energia (σ* C-X) com os

elétrons do orbital não ligante do heteroátomo. No derivado clorado do tetraidropirano,

por exemplo, o heterociclo estabiliza com a sobreposição do par de elétrons não ligante

do átomo de oxigênio com o orbital não ligante (σ* C-X) da ligação C-X, conforme mostra

a ilustração a seguir.

C lσ* C -C l

Axial

Equatorial

Sobreposição deorbotais paralelos

CCCCC lσ* C -C l

Equ

çaralelos

Mas essa estabilização só ocorre se o átomo de cloro estiver na posição axial! Se lembrar-

mos o que foi dito anteriormente, o par de elétrons não ligante do átomo de oxigênio na

posição equatorial é paralelo a ligações C-C do anel e não tem relação de paralelismo com

as ligações C-H e C-R, onde R é um substituinte, como por exemplo, o átomo de cloro. Sendo

Page 143: Quimica Organica 1 MOODLE

141

assim, somente o par de elétrons axial do oxigênio consegue estabilizar a molécula, desde

que o substituinte eletronegativo também esteja na posição axial. Portanto, só o confôrmero

axial é beneficiado pela estabilização, e essa é a origem do efeito anomérico.

OC l σ*C-C l

σ*C -C lAxial

EquatorialAlinhamento inadequado da ligação

com os dois pares de elétronsnão ligantes do átomo de oxigênio.

OC l σ*C-C l

σ*C -C lAxial

EquatorialAlinhamento inadequado da ligação

com os dois pares de elétronsnão ligantes do átomo de oxigênio.

Podemos representar essa estabilização deslocalizando a densidade eletrônica do átomo

de oxigênio para o átomo de cloro. Compostos que exibem o efeito anomérico possuem uma

ligação C-X, onde X é o heteroátomo do anel mais curta e mais forte, em contrapartida a

ligação C-Cl fora do anel fica mais longa e mais fraca.

O

C l

O

C l

δ+

δ-

E. Conformações de anéis fundidos: a decalina e os esteróides

A estrutura da decalina consiste em dois anéis carbocíclicos de seis membros fundidos,

ou seja, dois cicloexanos juntos através de uma ligação C-C em comum. Dois diastereoi-

sômeros são possíveis para a decalina; configuração cis se os átomos de hidrogênio na

junção do anel estão do mesmo lado em relação ao plano do anel e trans se estão em

lados opostos. Na cis-decalina o segundo anel se junta ao primeiro de modo que em um

ponto de conexão entre os dois anéis seja axial e o outro equatorial. Na trans-decalina o

segundo anel se junta ao primeiro de modo que ambos os pontos de conexão entre os dois

anéis sejam equatoriais.

H

H

H

H

H

H1

2

H

H1

2

Decalina

cis-decalina

trans-decalina

Esta ligação está na posiçãoequatorial do anel 1

Esta ligação está naposição axial do anel 1

As duas ligações em vermelho ocupamposições equatoriais no anel 1

Page 144: Quimica Organica 1 MOODLE

142

Quando o anel do cicloexano sofre uma inversão os hidrogênios equatoriais se convertem

em axiais e vice-versa. O mesmo ocorre com a cis-decalina, que possui junções entre os

anéis axial-equatorial. Essa inversão não é possível para a trans-decalina, pois, para ela

inverter a junção que é equatorial-equatorial deve se tornar axial-axial e dessa forma não é

possível manter os dois anéis fundidos.

H

H1

2

1

2

H HH

H

H

H1

2 X HH

AxialAxial

EquatorialEquatorial Inversão de anel

Rotação para vero anel 2 de frente

Impossível juntar as duas posiçõesaxiais no anel de seis membros

H

H1

2

1

2

H HH

H

H

H1

2 X HH

AxialAxial

EquatorialEquatorial Inversão de anel

Rotação para vero anel 2 de frente

Impossível juntar as duas posiçõesaxiais no anel de seis membros

Os esteróides são uma importante classe de compostos que existe em todos os animais e

plantas com diferentes funções, como regular o crescimento (esteróides anabolizantes), a

orientação sexual (todos os hormônios sexuais são esteróides), agindo como mecanismo de

defesa em sapos e plantas. Os esteróides são definidos por sua estrutura: possuem um esque-

leto carbônico básico que consiste em quatro anéis fundidos, sendo que três deles são de seis

membros e um de cinco membros. Como na decalina, cada anel pode ter uma configuração

cis ou trans. Porém os esteróides possuem normalmente junções trans, exceto no anel A com

B que pode ser cis. Exemplos como o colestanol (todos os anéis fundidos com configuração

trans) e o coprostanol ( junção A e B cis) são mostrados a seguir.

A B

C D

HO

H

CH 3

H

H CH 3

H

CH 3

H

H CH 3

HH

HO

Estrutura básica dos esteróides

Axial

EquatorialColestanol

CoprostanolA B

C D

HO

H

CH 3

H

H CH 3

H

CH 3

H

H CH 3

HH

HO

Estrutura básica dos esteróides

Axial

EquatorialColestanol

Coprostanol

A B

C D

HO

H

CH 3

H

H CH 3

H

CH 3

H

H CH 3

HH

HO

Estrutura básica dos esteróides

Axial

EquatorialColestanol

Coprostanol

F. Importância da conformação das moléculas

As variações do arranjo espacial envolvendo a rotação de ligação covalente sigma é bastante

relevante para o reconhecimento molecular de uma molécula, seja ela endógena ou exógena

pelos receptores biológicos e explica as diferenças de atividade biológica.

A acetilcolina, importante neurotransmissor do sistema nervoso parassimpático é capaz

de interagir com dois subtipos de receptores: os muscarínicos localizados no sistema ner-

voso periférico e os nicotínicos, localizados predominantemente no sistema nervoso cen-

tral. Os diferentes efeitos biológicos promovidos pela acetilcolina decorrem de interações

com diferentes arranjos espaciais dos grupamentos acetato e amônio quaternário presen-

Page 145: Quimica Organica 1 MOODLE

143

tes em sua estrutura com o sítio receptor correspondente. As principais conformações as-

sumidas pela acetilcolina são a anti-periplanar e a sinclinal (gauche), sendo essa última a

mais estável, pois a alta densidade eletrônica do átomo de oxigênio da carbonila do grupo

acetato estabiliza eletrostaticamente a carga positiva do grupo amônio. O reconhecimento

seletivo dos bioligantes muscarina e nicotina por esses subtipos de receptores permitiram

evidenciar que a conformação anti-periplanar da acetilcolina está envolvida com a ação

nos receptores muscarínicos, enquanto que a conformação sinclinal é responsável pela

atividade no subtipo nicotínico.

H3C ON

CH3

OCH3

CH3

H

O

H

H

N (CH3)3

HH3C

O3,74 Ao

H

O

H

N (CH3)3

H

HH3C

O3, 31 A o

OOH

H3C

H

(H3C)3N

HN

H CH 3

N

Confôrmeroanti-periplanar Acetilcolina

NicotinaMuscarina

Confôrmerosinclinal

Grupo acetato

Grupo amônioquaternário

O dietilestilbestrol é um estrogênio sintético desenvolvido a partir de estudos que mos-

tram a importância de interações do tipo ligação de hidrogênio envolvendo grupos doa-

dores presentes nos compostos bioativos, como por exemplo, as hidroxilas no estradiol

com os receptores esteroidais. A distância entre as hidroxilas é um fator relevante para a

interação com o receptor. No estradiol e no dietilestilbestrol essa distância é igual a 14,5

Å. O derivado bis-hidrogenado do dietilestilbestrol possui uma atividade biológica muito

menor, pois para esse composto, contendo uma ligação sigma que pode sofrer rotação,

existem conformações no equilíbrio em que a distância entre as hidroxilas é menor do que

a necessária para a interação com o receptor.

H 3C

C H3

HO

OH

14,5 A o

H O

H

H

H 3C OH

H

14,5 A o

H3C

C H 3

HO

OH

HO

C H3

OH

H3C

σRotação da ligação

Derivado bis-hidrogenadodo dietilestilbestrol

Confôrmero inativoMenor que 14,5 Aº

Estradiol

Dietilestilbestrol

Page 146: Quimica Organica 1 MOODLE

144

Agora, vamos ver através de dois exemplos, como a conformação das moléculas afeta

diretamente a composição dos produtos formados e a velocidade de uma reação. Para tal

serão mostrados dois exemplos de reações envolvendo um processo de eliminação. Não

devemos, por hora, nos preocuparmos com os detalhes do mecanismo de eliminação, pois

o veremos de maneira aprofundada em um capítulo posterior. Em uma eliminação E2 a

nova ligação π é formada pela sobreposição da ligação σ C-H com o orbital antiligante

σ* C-X, onde X pode ser, por exemplo, um halogênio. Para a sobreposição desses orbitais

ocorrer de maneira efetiva a ponto de formar uma nova ligação, eles devem estar no

mesmo plano. Existem duas conformações que satisfazem essa condição, uma tem o áto-

mo de hidrogênio e o átomo X syn-periplanr e na outra, em que esses átomos estão em

lados opostos é a anti-periplanar. Como já vimos a conformação anti-periplanar é a mais

estável por ser estrelada, todavia, o mais importante é que somente essa conformação

possui as ligações C-H e C-X totalmente paralelas, condição necessária para o processo de

eliminação E2.

X H H X

X

HH

X

X

H

σ* C-X

σ C-H

π

Conformação syn-periplanar

(eclipsada)

X e H no mesmo plano

Ligações totalmenteparalelas

Conformação anti-periplanar(estrelada)

Sobreposição dosorbitais paralelos

Ligação formada

Átomo X sai com ânion

Átomo H saicomo próton

Considere agora, o exemplo da reação de eliminação do 2-bromobutano com etóxido de

sódio como base e etanol como solvente, para formar o but-2-eno. Para esse haleto de al-

quila existem duas conformações onde os átomos de H e Br estão anti-periplanares. Porém,

uma delas é mais estável, pois não existe a interação repulsiva gauche CH3-CH3. Sendo

assim, o alceno formado majoritariamente tem os grupos metilas em lados opostos e é

proveniente da conformação anti mais estável do haleto de alquila onde os grupos metilas

também estão em lados opostos. Esse exemplo mostra claramente a influência da confor-

mação na composição dos produtos formados.

Page 147: Quimica Organica 1 MOODLE

145

H 3CC H 3

B r

H

H 3C

C H 3

C H 3H 3C+

H

H C H3

B r

C H3HC H 3H 3C

H

H 3C HB r

C H3HH 3C

C H 3

EtO Na, E tOH

Minoritário Conformação anti-periplanarmais estável

Conformação anti-periplanarmenos estável

Interaçãogauche

Majoritário

anti-periplanar

Majoritário

Outro exemplo é a reação de eliminação dos cloretos de mentila e neomentila derivados

dos alcoóis terpenóides mentol e neomentol, respectivamente, para formar os alcenos cor-

respondentes como produtos de eliminação. Esses isômeros diferem apenas na configuração

dos átomos de carbono ligados ao cloro nos cloretos e à hidroxila nos alcoóis. Quando o

cloreto de mentila é tratado com etóxido de sódio em etanol, a reação de eliminação ocorre

lentamente para formar o 2-menteno como único produto. Sob condições similares o cloreto

de neomentila reage rapidamente e forma uma mistura do 2-menteno com o 3-menteno.

C H3

C lC H(CH 3)2

EtO Na, EtOH

C H3

C H(CH 3)2

C H3

C H(CH 3)2

+

75%25%

C H3

C lC H(CH 3)2

EtO Na, EtOH

C H3

C H(CH 3)2100%Cloreto de

neomentilaCloreto de

mentila

Reação rápida Reação 250 vezesmais lenta

Para explicar os resultados apresentado acima, vamos considerar as conformações cadeira

mais estáveis do cloreto de neomentila e do cloreto de mentila. Como vimos anteriormente,

a conformação mais estável do anel cicloexano polissubstituído será aquela em que o grupo

mais volumoso ocupa uma posição equatorial, para minimizar as fortes interações 1,3-dia-

xiais com os átomos de hidrogênio axiais que estão do mesmo lado em relação ao plano do

anel, ou ainda, a conformação com o maior número de substituintes em posições equatoriais.

No caso dos cloretos de neomentila e mentila o grupamento isopropil deverá ficar preferen-

cialmente na posição equatorial por ser o grupo mais volumoso.

Para que a reação de eliminação do cloreto de neomentila via um processo bimolecu-

lar (E2) ocorra, o cloro é forçado a ficar em uma posição axial, pois assim, assume uma

conformação anti-periplanar com dois átomos de hidrogênio. Daí a formação de produtos

distintos. A velocidade dessa reação é maior, quando comparada com a reação do cloreto

de mentila, pois o arranjo espacial adequado do cloro (axial) para que a reação se processe,

ocorre na conformação cadeira mais estável, onde o grupo isopropil assume uma posição

equatorial. Portanto, essa conformação que é a ideal para reagir está em maior quantidade

no equilíbrio conformacional.

Page 148: Quimica Organica 1 MOODLE

146

C H 3

H

H

C H3

K eq .

H

ClH

H

C l

H

H

EtO

- H C l

C H3

C H(CH 3)2

25%

- H C l

C H3

C H(CH 3)2

75%Cloreto de neomentila

Reação rápidaEquatorial

Equatorial

AxialAxial

Conformação menos estávelpois o grupo i-Pr ocupa umaposição axial

O Cl está em equatorial, portanto, nãoexiste ligação C-H anti-periplanar paraque ocorra a eliminação

Conformação mais estável, pois o grupoi-Pr ocupa uma posição equatorial

Duas ligações C-H anti-periplanar ao átomode cloro (axial). A eliminação é favorecida edois produtos podem ser formados

No cloreto de mentila, o átomo de cloro está em uma posição equatorial na conformação

cadeira de menor energia, impossibilitando o processo reacional, pois não existe ligação C-H

anti-periplanar. Para que a eliminação ocorra o átomo de cloro tem que necessariamente

ocupar uma posição axial e para isso deve ocorrer uma inversão de anel para formar a con-

formação cadeira de maior energia, com os três substituintes em posições axiais. A reação

deverá ocorrer nessa conformação menos estável, portanto, desfavorecida e por isso, em

menor concentração no equilíbrio químico. Isso explica a menor velocidade dessa reação.

Repare que na conformação reativa existe somente uma ligação C-H anti-periplanar, com

isso, um único alceno deverá ser formado.

H

C H3

H

Cl

H

2

K eq .

C H 3

H

HH

C l

H

2

OE t

C H3

C H(CH 3)2100%

Cloreto de mentila

Conformação mais estável Conformação de maior energiaCl equatorial não ocorre E Cl axial ocorre E

Reação lenta

Resumo e Palavras-chave

A relação espacial entre átomos em uma molécula influencia profundamente nas proprie-

dades físicas e químicas dos seus compostos. Os isômeros que diferem somente no arranjo

espacial dos seus átomos ligantes são conhecidos como estereoisômeros. Os estereoisômeros

que se interconvertem a temperatura ordinária mediante rotação de ligação sigma são deno-

minados estereoisômeros conformacionais. O arranjo espacial específico dos átomos em uma

determinada molécula é chamado de confôrmero. Esses podem ser representados em forma

de cavalete ou em projeção de Newman. Aqueles que não são interconvertidos por esse pro-

ceesso são os estereoisômeros configuracionais. Esses isômeros são convertidos um no outro

mediante a quebra e formação de ligação química.

Page 149: Quimica Organica 1 MOODLE

147

A rotação sobre uma ligação sigma de uma molécula acíclica tem, normalmente uma pe-

quena barreira de energia de rotação ou torcional devido à interações repulsivas de van der

Waals quando as ligações se aproximam no espaço. A rotação de uma ligação sigma gera

dois tipos de conformaçãoes com energias distintas: a conformação eclipsada e a conforma-

ção estrelada. A conformação mais estável é a estrelada pois, além de não apresentar repul-

são dos elétrons proveniente de uma sobreposição desfavorável entre os orbitais ligantes das

ligações σC-H vizinhas, possui uma interação estabilizadora entre o orbital ligante σC-H de um

carbono com o orbital antiligante σ*C-H do outro átomo de carbono (efeito de hiperconjuga-

ção), quando esses orbitais estão exatamente paralelos.

A rotação de uma ligação sigma em uma molécula cíclica é restrita devido à pequena

liberdade conformacional do anel. A tensão existente em um anel carbocíclico se deve ao

desvio do ângulo ideal entre os orbitais ligantes, deformação angular, conhecido como

tensão angular e ainda pelo eclipsamento dos átomos gerando uma tensão torcional. A

tensão angular é maximizada em anéis pequenos, como por exemplo, o ciclopropano e o

ciclobutano e tende a zero no cicloexano. O cicloexano apresenta uma série de conforma-

ções que não são planares, livre de tensão angular, sendo a mais estável a conformação

cadeira que não apresenta também tensão torcional. A conformação cadeira do cicloexa-

no apresenta dois grupos de átomos de hidrogênio distintos, os hidrogênios axiais e os

hidrogênios equatoriais. Os anéis carbocíclicos de seis membros substituídos apresentam,

quando os substituintes assumem uma posição axial, interações repulsivas denominadas

interação 1,3-diaxial.

Podemos definir de uma maneira geral que os substituintes eletronegativos no carbono

anomérico dos derivados da glucose e em outros heterociclos, como por exemplo, no carbono

C2 do tetraidropirano apresentam uma preferência pela posição axial e a esse efeito inespe-

rado chamamos de efeito anomérico. Esse efeito consiste em uma interação estabilizadora a

partir da sobreposição do orbital antiligante de baixa energia (σ* C-X) na posição anomérica,

com os elétrons do orbital não ligante do heteroátomo.

A estrutura da decalina consiste em dois anéis carbocíclicos de seis membros fundidos, ou

seja, dois cicloexanos juntos através de uma ligação C-C em comum. Dois diastereoisômeros

são possíveis para a decalina; configuração cis se os átomos de hidrogênio na junção do anel

estão do mesmo lado em relação ao plano do anel e trans se estão em lados opostos. Na cis-

decalina o segundo anel se junta ao primeiro de modo que em um ponto de conexão entre

os dois anéis seja axial e o outro equatorial. Na trans-decalina o segundo anel se junta ao

primeiro de modo que ambos os pontos de conexão entre os dois anéis sejam equatoriais. A

estrutura da decalina é encontrada também nos esteróides onde as junções dos anéis pos-

suem preferencialmente a configuração trans.

A conformação das moléculas interfere diretamente a velocidade da reação, a composição

dos produtos formados em uma reação e ainda na potência e no tipo de atividade biológica.

Page 150: Quimica Organica 1 MOODLE

148

Ao término dessa aula você deverá ser capaz de:

Escrever e diferenciar as diferentes conformações de uma molécula acíclica e ali-

cíclica;

Estimar as barreiras de rotação das conformações das molécula acíclica e alicíclica;

Prever a diferença de energia entre os confôrmeros do cicloexano substituído e ain-

da determinar o percentual desses confôrmeros no equilíbrio químico;

Escrever as conformações cadeira, mei-cadeira, bote e bote torcido para o anel ciclo-

exânico e também distinguir as posições axiais e equatoriais quando pertinentes;

Identificar e aplicar o efeito anomérico nas moléculas, bem como correlacioná-lo

com a estabilidade das moléculas;

Usar o conhecimento de arranjo dos átomos em moléculas acíclicas e alicíclicas para

predizer e explicar as suas reações;

Olhando a diante

Como a conformação e o alinhamento dos átomos podem afetar as reações de

eliminação;

Como o alinhamento das ligações podem permitir que grupos de uma molécula se

movam através de ligações C-C (rearranjo) ou permitir que haja quebra dessas

ligações (reações de fragmentação);

Como o alinhamento dos orbitais controlam a reatividade (efeitos estereoeletrônicos);

Escrever adequadamente os anéis formados no estado de transição de algumas rea-

ções, como por exemplo a reação de aldol.

atividadeS

1ª Questão: Os dois análogos de açúcar mostrados a seguir fazem parte da estrutura de dois

compostos usados no tratamento de doenças de aves domésticas. Quais conformações deve-

rão ser as mais estáveis?

OHO CH3

OCH 3

O

O CH3

HO

OHH 3C

2ª Questão: À temperatura normal, o 2-metilbutano existe principalmente em duas con-

formações em oposição em torno da ligação C2 e C3. Cerca de 90% das moléculas existem na

conformação mais favorável e 10% na menos favorável. (a) Calcule a variação de energia

Page 151: Quimica Organica 1 MOODLE

149

livre (ΔGº, conformação mais estável – conformação menos estável) entre essas conforma-

ções. (b) Desenhe um diagrama de energia potencial da rotação em torno da ligação C2-C3 do

2-metilbutano. Faça o melhor que puder e atribua valores de energia relativa para todas as

conformações do seu diagrama. (c) Desenhe as projeções de Newman de todos os rotâmeros

da letra (b) e indique o(s) mais estável(is).

3ª Questão: O sistema de anel bicíclico fundido trans B é mais estável 2,61 kcal/mol do que

a estrutura análoga cis quando X é um grupo metileno (CH2). Entretanto, o acetal bicíclico

fundido cis A onde X é um átomo de oxigênio é 0,17 kcal/mol mais estável do que o isômero

trans B. Providencie uma explicação para a maior estabilidade de A, ilustrando as interações

que deverão contribuir para essa estabilidade.

X

X

H

H X X

H

HA B

X = CH2; ∆G = -2,61 kcal/mol

X = O ; ∆G = +0,17 kcal/mol

4ª Questão: O composto 2-cloro-tetraidrotiopirano apresenta um ΔGº = + 1,5 para o equilí-

brio mostrado a seguir. Qual o percentual de cada confôrmero no equilíbrio a 25 ºC. Forneça

explicações para o favorecimento de uma das conformações no equilíbrio. Dados R = 1,986

cal/mol.K.

S

C l

H S

H

C l

A B

5ª Questão: Baseado nas propriedades do anel cicloexano, qual desses isômeros possui um

momento dipolo maior. Explique a sua escolha.

C l

Cl

CH3

H3C

CH3

H3CCl

Cl

6ª Questão: As amidas assumem preferencialmente uma geometria planar, com uma barrei-

ra rotacional em torno de 20 kcal/mol, conforme mostra o processo a seguir.

R N

OR1

HR N

OH

R1

20 kcal/mol

A. A barreira rotacional em fase gasosa da N,N-dimetilformamida é aproximadamente 1,5

kcal/mol menor do que em solução. Explique.

B. A deslocalização eletrônica das amidas a seguir é mais favorecida do que na N,N-dime-

tilformamida? Explique a sua resposta.

R N

O

N O

Page 152: Quimica Organica 1 MOODLE

150

7ª Questão: O que as energias de tensão mostradas a seguir sugerem sobre a origem da

tensão nos anéis de três membros?

O NH

Tensão(kcal/mol) 27,3 26,9 27,7

8ª Questão: Escreva os isômeros conformacionais do cis-1,2-dimetil-cicloexano e do cis-

3,4-dimetil-cicloexanona. Enquanto os confôrmeros do cicloexano possuem energias iguais,

os confôrmeros da cicloexanona não são. Indique qual confôrmero é favorecido explicando

a sua resposta.

9ª Questão: A seguir é mostrada a conformação predominante para a D-glicose. Por que

não é surpreendente que a D-glicose seja o açúcar mais comumente encontrado na natureza?

(Dica: Procure estruturas de açúcares como a D-galactose e a D-manose e compare-as com

a D-glicose).

O

HO

HOHO

HOOH

10ª Questão: Qual o membro de cada um dos seguintes pares que você espera que tenha

o maior calor de combustão? a) cis- ou trans-1,2-dimetil-cicloexano; b) cis- ou trans-1,3-

dimetil-cicloexano; c) cis- ou trans-1,4-dimetil-cicloexano. Justifique as suas respostas.

Page 153: Quimica Organica 1 MOODLE

151

Aula 2

Estereoisômeros Configuracionais

No capítulo anterior, descrevemos as conformações das moléculas que são interconvertidas

por rotação sobre uma ligação σ carbono-carbono (estereoisômeros conformacionais). Nele

também descrevemos os estereoisômeros cis e trans dos cicloexanos substituídos. Nesse ca-

pítulo enfocaremos os estereoisômeros configuracionais, que são moléculas com a mesma or-

dem de conectividade entre os átomos, porém diferem na orientação espacial de um grupo de

átomos e podem ser subdivididos em enantiômeros e diastereoisômeros. Esse capítulo começa

com a descrição dos estereoisômeros nos alquenos e nos cicloalcanos sem liberdade confor-

macional. A ligação π de um alqueno, assim como a ausência de liberdade conformacional

de um cicloalcano tensionado, impede a rotação sobre a ligação σ carbono-carbono, fazendo

com que os substituintes nessas moléculas tenham orientações diferentes. Os prefixos cis,

trans, (E) e (Z) são usados para descrever esses arranjos espaciais relativos. Posteriormente

descreveremos a estereoquímica de compostos saturados, começando com os que possuem um

carbono assimétrico, ou seja, um carbono que possui quatro substituintes diferentes. Essas

moléculas existem como estereoisômeros, pois existem duas orientações espaciais distintas

possíveis para os quatro substituintes. Em seguida estudaremos as relações estereoisoméricas

de compostos com dois ou mais carbonos assimétricos. O arranjo espacial dos átomos em uma

molécula quiral influencia diretamente nas suas propriedades físicas e químicas, nas proprie-

dades organolépticas, na sua atividade biológica entre outras propriedades.

É necessário relembrar antes de começar

Ressonância e a teoria de orbital molecular

(Módulo 1 – aula 2 – Química Orgânica I).

Energética das reações químicas

(Módulo 1 – aula 4 – Química Orgânica I).

Análise conformacional

(Módulo 2 – aula 1 – Química Orgânica I).

Classificação dos isômeros – uma breve revisão

Os isômeros constitucionais ou estruturais possuem a mesma fórmula molecular, mas dife-

rem na ordem de conectividade entre os átomos. As três categorias de isômeros constitucio-

nais são: isômeros de cadeia, de posição e funcional. Já os estereoisômeros possuem a mesma

fórmula molecular, a mesma ordem de conectividade entre os átomos, mas diferem no arran-

Page 154: Quimica Organica 1 MOODLE

152

jo espacial de seus átomos. Os estereoisômeros podem ser subdivididos em conformacionais e

configuracionais. Os estereoisômeros conformacionais foram apresentados no capítulo ante-

rior e consiste na orientação instantânea dos átomos em uma molécula, os confôrmeros, que

podem ser interconvertidos através da rotação sobre uma ligação σ carbono-carbono. Já os

estereoisômeros configuracionais para ser convertido um no outro, precisa haver a quebra e

a formação de ligação química. Eles podem ser classificados em enantiômeros e diastereoisô-

meros. Os enantiômeros possuem uma relação objeto e imagem especular não sobreponível,

já para os diastereoisômeros não existe relação objeto/imagem e podem ser desmembrados

em aquirais - diastereoisômeros geométricos - e quirais. Um resumo de todos os tipos de

isômeros é apresentado na figura a seguir.

H

HHH

HH H

HH

H

HH

CH2H3CCH2H3C

OH

OH

OH

OH

H O2CC O2H

H O2C C O 2H

OH OH

Possuem a mesma fórmula molecular,mas estruturas diferentes

Possuem a mesma fórmula molecular a mesma ordem de conectividade entre os átomos, mas o arranjo espacial dos átomos são diferentes

Possuem a mesma fórmula molecular,mas a ordem de conectividade entre os átomos são diferentes

Aquirais Quirais

Page 155: Quimica Organica 1 MOODLE

153

Estereoisômeros Geométricos

A ligação π é caracterizada por uma alta densidade eletrônica acima e abaixo da ligação σ. A

sobreposição dos orbitais p paralelos dos carbonos torna a ligação mais rígida, impossibilitan-

do a rotação sobre a ligação dupla. Para que haja essa rotação, a ligação π deve ser quebrada

e posteriormente formada novamente. Como consequência dessa restrição conformacional,

dois estereoisômeros são possíveis para um alqueno dissubstituído. Esses estereoisômeros

são classificados como geométricos e um deles foi denominado por van’t Hoff em 1874 de

cis (palavra proveniente do latim, significando “no mesmo lado”) e o outro de trans (palavra

também oriunda do latim, que significa “através” ou “em lados opostos”). Tomemos como

exemplo o ácido fumárico e o ácido maleico, conhecidos desde o século dezenove por terem

a mesma composição química, os mesmos grupos funcionais, porém, com propriedades quí-

micas e físicas diferentes, sendo, portanto, estereoisômeros geométricos. O aquecimento do

ácido maleico promove uma reação de desidratação para formar o anidrido maleico, para

que essa reação ocorra, as duas carboxilas dos ácidos carboxílicos devem estar do mesmo

lado em relação ao plano da dupla ligação, sendo, portanto, esse o estereoisômero geométrico

com configuração cis. Nenhuma reação é observada para o ácido fumárico, o que podemos

concluir que os grupamentos carboxila estão em lados opostos à dupla ligação. Esse ácido é,

portanto o estereoisômero com configuração trans.

H O2C

C O 2H

HO 2C C O 2H

(Carboxilas do mesmo lado)

Não ocorre reação(Carboxilas em lados opostos)

HO2C CO 2H HO2C

CO 2H

HO2C CO2HHO2C CO2H

HO2CCO2H

Interconversão

Rigidez estrutural

H O 2H

ural

O2C C O

Rigidez estrutu

H 2HO2C C O H OO2H

O2CC O

A interconversão entre os estereoisômeros cis e trans dos alquenos é possível desde que

a ligação π seja primeiro quebrada. Isso requer uma quantidade considerável de energia,

em torno de 260 kJ mol-1 ou 60 kcal mol-1, valor esse estimado pela diferença entre a força

da ligação dupla e a força da ligação simples carbono-carbono. Uma maneira de quebrar

a ligação π é transferir um elétron do orbital molecular π ara o orbital π* (transferência

Page 156: Quimica Organica 1 MOODLE

154

de elétron do homo para o l u mo). Dessa forma, o orbital molecular ligante e o antiligante

ficam com um elétron cada e a ordem de ligação é igual a zero, ou seja, não existe ligação

formada. Essa transferência de elétron do homo para o l u mo pode ser realizada através

de radiação eletromagnética com energia adequada, como por exemplo, a luz na região do

ultravioleta (UV) do espectro eletromagnético. Portanto, incidindo luz UV a um alqueno

ocorre a promoção do elétron do orbital π ligante para o π antiligante e com isso promo-

vendo somente a quebra da ligação π, deixando a ligação σ intacta e permitindo a rotação

dessa ligação.

CO 2HHO 2C

CO 2HHO 2C CO 2HHO 2C

HO2C

CO 2H

Luz UV quebra a ligação π , tornandoa rotação da ligação σ possível

HO 2C CO 2H

HO 2CCO 2H

HO 2C CO2H

HO 2C CO2H

HO 2C CO 2H

HO 2C CO 2H

HO 2C CO2H

HO 2C CO2HO HCO

HO

HO 2C C

CO2H

O2HCO

2C C

2C C

HO 2HO 2C CO

C C O 2H

22

Energia necessária parapromover o elétron doorbital π para o π*

O HC O

HO

HO 2C C

C O2H

O2HC O

2C C

2C C

HO 2HO 2C CO 2

HO 2 O 2H2C C

22 2

Elétron transferido para o orbital π* cancela o elétron do orbital π: O resultado é a quebra da ligação π

Os estereoisômeros geométricos também podem estar relacionados com os cicloalcanos

como, por exemplo, o ciclopropano, o ciclobutano e como vimos no capítulo anterior, no

cicloexano também. A rigidez estrutural proporcionada pelo sistema cíclico, assim como a

ligação π, impede a rotação da ligação σ. Os dois substituintes podem estar do mesmo lado

em relação ao plano do anel, estereoisômero cis ou em lados opostos, estereoisômeros trans

e não podem ser intercambiáveis sem a quebra e a formação de pelo menos uma ligação.

CH C H CH 3

C H 3

Mesmo ladoLados opostos

Page 157: Quimica Organica 1 MOODLE

155

Quando um alqueno tem menos de dois átomos de hidrogênios, isto é, alquenos trissubs-

tituídos e tetrassubstituídos, eles também podem existir em duas formas estereoisoméricas,

porém, os prefixos cis e trans já não podem mais ser usados. No lugar, a relação espacial

entre os substituintes são designados pela letra E, de origem germânica (entgegem), que

significa “através” e pela letra Z, também de origem germânica (zusammen) significando

“juntos”. Essa designação da relação espacial se baseia em uma ordem de prioridades dos

substituintes ligados aos átomos de carbono constituintes da ligação dupla (C=C). Se os dois

substituintes de maior prioridade, um de cada átomo de carbono da C=C, estiverem do mesmo

lado em relação ao plano da ligação dupla, o composto será o estereoisômero geométrico Z.

Inversamente, se eles estiverem em lados opostos o estereoisômero geométrico será o E. Na

nomenclatura i u pac dos compostos orgânicos, os descritores (E) e (Z) são incluídos como

prefixos, colocados entre parênteses, em itálico e conectado ao resto do nome por um hífen.

X

Y

W

ZX X

Z

Qual dos substituintestem maior prioridade?

Qual dos substituintestem maior prioridade?

Para determinar a prioridade dos substituintes, devemos aplicar um conjunto de regras

denominadas convenção de Cahn-Ingold-Prelog, que são baseadas na magnitude do número

atômico de cada átomo: O maior número atômico tem maior prioridade. Um par de elétrons

não ligante, muitas vezes encontrado quando um heteroátomo está ligado a um átomo de

carbono por uma dupla ligação, tem menor prioridade. Entre os átomos, o hidrogênio tem

menor prioridade. O conjunto de regras é resumido a seguir:

1. Analisar os dois átomos que estão ligados diretamente a cada átomo de carbono conecta-

do pela dupla ligação. Considerando cada final da dupla ligação separadamente, assinale a

maior prioridade para o elemento com o maior número atômico.

C

H

C

C l

H 3C

C l

Nesse �nal da dupla ligação o átomo de carbono tem maior prioridade, porque tem o nº atômico maior do que o hidrogênio

Nesse �nal da dupla ligação o átomo de cloro tem maior prioridade, porque tem o nº atômico maior do que o carbono

2. Se o átomo ligado a um carbono da dupla ligação for um isótopo do mesmo elemento

também ligado a esse carbono, aquele que tiver maior massa será o de maior prioridade. Por

exemplo, deutério tem maior prioridade do que o hidrogênio.

Page 158: Quimica Organica 1 MOODLE

156

D C l

3. Se dois átomos de dois grupamentos distintos ligados a um dos carbonos da dupla ligação

forem os mesmos, deveremos analisar os próximos átomos dos respectivos grupamentos

que possuem os átomos idênticos. O grupo ligado ao átomo de carbono da dupla ligação que

tiver o átomo com o maior número atômico no primeiro ponto de diferença será o de maior

prioridade. Se os três átomos ligados aos átomos idênticos forem também iguais a mesma

análise deverá ser feita com o próximo grupo de átomos ligados aos carbonos subsequentes.

C

H

C

C l

H 3C

C l

C

C C l

C

CH

O

O átomo de oxigênio do gruupo -CH OH tem maior prioridade do que o átomo de hidrogênio do grupo -CH , devido ao maior número atômico do oxigênio

2

3

H OH 2C C l

Nesse �nal da dupla ligação o átomo de carbono tem maior prioridade, porque tem o nº atômico maior do que o hidrogênio

Nesse �nal da dupla ligação o átomo de cloro tem maior prioridade, porque tem o nº atômico maior do que o carbono

Átomos de carbono idênticos

4. Se ligações múltiplas estiverem presentes, elas devem ser assinaladas como “equivalentes

de ligações simples”. Cada átomo da ligação dupla deverá estar conectado por ligações sim-

ples ao outro átomo em duplicata. A duplicação de cada átomo terminal da ligação múltipla

é descrita a seguir.

Representação da carbonila

Representação da carbonila

Representação da nitrila

Representação da ligação tríplice

Page 159: Quimica Organica 1 MOODLE

157

C

H

C

H

O

C H2H 3C

H

O

Maior prioridade

Maior prioridade

Estereoisômeros Enantioméricos

Uma reação muito conhecida que veremos posteriormente é a adição de nucleófilos à carbo-

nila (adição nucleofílica em compostos carbonilados). O grupamento carbonila possui tanto

o átomo de carbono, quanto o átomo de oxigênio, ligados por uma dupla ligação, e ambos

com hibridação sp2, assumindo, portanto, a forma geométrica trigonal planar. Essa geome-

tria deixa a carbonila com as duas faces, a da frente e a de trás, igualmente livres para o

ataque do nucleófilo.

CarbonilaTrigonal planar

Consideremos, por exemplo, o ataque do ânion cianeto (nucleófilo) à carbonila para formar

a cianoidrina. O cianeto pode atacar a carbonila se aproximando pela face da frente, for-

mando após a protonação do alcóxido formado como intermediário a cianoidrina, contendo

o grupo nitrila para frente do plano e a hidroxila para trás. Já o ataque do cianeto pela face

de trás, formará a cianoidrina após protonação do intermediário, com a hidroxila para frente

do plano e a nitrila para trás do plano. Repare que os produtos formados possuem a mes-

ma fórmula molecular, a mesma ordem de conectividade entre os átomos, mas um arranjo

espacial da hidroxila e da nitrila diferentes, portanto, esses produtos são estereoisômeros

configuracionais, pois não podem ser interconvertidos através de rotação de ligação σ.

O

CN

NC O NC

CNO C N H O C N

Ataque do nucleó�lo pela face da frente

Ataque do nucleó�lo pela face de trás

Reação deprotonação

Reação deprotonação

Page 160: Quimica Organica 1 MOODLE

158

Colocando os dois produtos lado a lado e tentando fazer uma sobreposição entre as duas

cianoidrinas formadas, de forma que todos os grupamentos coincidam, podemos verificar

que essas estruturas não se superpões, logo, não são idênticas.

HCH 3C

HO CN

BH

CH 3C

HO CN

B

Podemos notar também que existe uma relação de imagem especular entre as cianoidrinas

A e B: Se nós refletirmos a estrutura A em um espelho, veremos que a estrutura obtida será

idêntica a B.

Espelho

Nova moléculaimagem especular Rotação sobre

esse eixoTerminando a rotação para colocar a cadeia carbônica no plano

Essas estruturas diferentes, que são imagem especular uma da outra, não são superponível

são denominadas enantiômeros. O par de enantiômeros A e B são quirais, ou seja, são estru-

turas que não se superpõem a sua imagem especular.

Quiralidade vem de quiral (palavra oriunda do grego chair, que significa mãos)

e é um atributo geométrico; diz-se que um objeto que não pode ser superposto

à sua imagem especular é quiral, enquanto que um objeto aquiral é aquele em

que a sua imagem especular pode ser superposta ao objeto original. Existem

vários objetos quirais, tais como as mãos. Essa propriedade é exibida também

por moléculas orgânicas.

COOH

R

COOH

NH2NH2

CC HRH

Ser superponível é diferente de ser sobreponível. Quaisquer dois objetos po-

dem ser sobrepostos simplesmente colocando-se um objeto em cima do outro,

sejam eles iguais ou não. Superpor dois objetos (como na propriedade de su-

perposição) significa, ao contrário, que todas as partes de cada objeto devem

coincidir. A condição de serem superponíveis deve ser satisfeita para que duas

coisas sejam idênticas.

no ta

Page 161: Quimica Organica 1 MOODLE

159

Consideraremos agora outra reação similar a anterior. A adição nucleofílica de cianeto à

cetona, para formar cianoidrina. O ataque pela face da frente e pela face de trás da cetona

pode novamente formar duas estruturas, que agora chamaremos de C e D.

O

C N

N C OHO H O C N

CN

Ataque do nucleó�lo pela face da frente Ataque do nucleó�lo pela face de trás

Diferentemente das cianoidrinas A e B, ao colocarmos a cianoidrina C na frente do espelho

e após girarmos a imagem especular obtida, vemos que a estrutura D resultante se superpõe

a C, sendo, portanto, espécies idênticas.

Imagem especular

Espelho

C =D

Para ter certeza de que tudo, até aqui, foi realmente entendido, façamos agora uma breve

reflexão: C e D são moléculas idênticas, enquanto que A e B são imagem especular uma da

outra. A reflexão no espelho não faz diferença para C ou D, pois elas são superponíveis às

suas imagens especulares. Portanto, elas não existem como enantiômeros. Estruturas que

são superponíveis a sua imagem especular são chamadas de aquiral. Já as estruturas A e B

são imagem especular uma da outra não superponível, por isso, são estruturas diferentes

denominadas enantiômeros. Os enantiômeros são quirais.

Qual é a diferença essencial entre a cianoidrina da acetona e a do propanal, que faz com

que a primeira seja superponível com a sua imagem especular e a última não? A resposta

é simetria. A cianoidrina da acetona tem um plano de simetria atravessando a molécula

pelo átomo de carbono central e os grupos OH e CN, dividindo-a em duas partes simétricas

(iguais), uma metila para cada lado.

C

Plano de simetria

Page 162: Quimica Organica 1 MOODLE

160

Por outro lado, a cianoidrina do propanal não tem plano de simetria: o plano do papel tem

o grupo OH de um lado e o CN do outro. Já o plano perpendicular ao plano do papel tem um

átomo de hidrogênio de um lado e um grupo etila do outro. Esse composto é completamente

assimétrico e possui dois enantiômeros.

C

Essas metadessão diferentes

Cianoidrina do propanalMolécula assimétrica

Essas metadessão diferentes

Enantiômeros

Um plano de simetria é definido como um plano imaginário que divide uma

molécula de tal forma que as metades resultantes sejam imagem especular

uma da outra. O plano pode passar pelos átomos, entre os átomos ou por am-

bos. Todas as moléculas que possui um plano de simetria é aquiral. O plano

de simetria é, portanto, uma ferramenta útil para identificar quiralidade ou

ausência de quiralidade em uma molécula.

no ta

A cianoidrina do propanal é quiral, pois não tem um plano de simetria. De fato, ela não

tem plano de simetria, porque possui um átomo de carbono tetraédrico com quatro grupos

diferentes, -OH, -CN, -H e –CH2CH3. Esse átomo de carbono é conhecido como carbono assi-

métrico. Outras denominações para esse carbono são: centro assimétrico ou estereogênico e

ainda estereocentro. Já a cianoidrina da acetona possui um plano de simetria e é por isso,

aquiral. O átomo de carbono central dessa cianoidrina não é assimétrico, porque tem apenas

três substituintes diferentes, -OH, -CN e –CH3.

C

Centro estereogênicoou assimétrico

Substituintesiguais

A. Atividade ótica

Existe diferença nas propriedades químicas de dois enantiômeros? A resposta é não. Com-

postos enantioméricos, diferem somente na orientação espacial dos seus átomos. Tem, por-

tanto, as mesmas ligações químicas e por isso, possuem propriedades físicas idênticas. Eles

apresentam também propriedades químicas iguais quando reagem com substâncias aquirais.

Tomemos como exemplo, algumas propriedades físicas dos enantiômeros do 2-butanol.

Page 163: Quimica Organica 1 MOODLE

161

Propriedade Física Enantiômero A do 2-butanol Enantiômero B do 2-butanol

Ponto de ebulição a 1atm (oC) 99,5 99,5

Massa específica (g mL-1 a 20 oC) 0,808 0,808

Índice de refração (20 oC) 1,397 1,397

Entretanto, veremos adiante que existem metodologias de diferenciação desses enantiô-

meros. Uma delas é examinar como cada enantiômero interage com outra molécula quiral,

como por exemplo, as diferentes velocidades de migração dos dois enantiômeros em uma

fase estacionária quiral durante uma cromatografia, a diferença de solubilidade em solven-

tes quirais, as diferentes velocidades de reação frente a reagentes quirais.

Outra maneira facilmente observável na qual os enantiômeros são diferentes é o compor-

tamento deles frente ao plano da luz polarizada. Quando um feixe de luz plano-polarizada

passa através de um enantiômero, o plano de polarização da luz gira. Além do mais, os

enantiômeros separados giram a luz plano-polarizada em quantidades iguais, mas em sen-

tidos opostos. Por causa desses efeitos, os enantiômeros quando isolados são chamados de

compostos oticamente ativos.

A luz comum é um pacote de ondas eletromagnéticas que oscilam simulta-

neamente em todos os planos perpendiculares à direção do deslocamento dos

fótons, essa luz é chama de luz circularmente polarizada. Quando a luz passa

através de um material denominado polarizador, todas as ondas menos uma

são eliminadas, e o feixe resultante oscila em um único plano. A essa luz

denomina-se plano-polarizada.

no ta

Usaremos como exemplo a (+)-carvona e a (-)-carvona para explicar esse comportamento

dos enantiômeros e também para entendermos o funcionamento de um instrumento cha-

mado polarímetro. A (+)-carvona é o principal componente do óleo da semente de cominho

e é responsável por seu cheiro característico. A (-)-carvona, seu enantiômero, é o principal

componente do óleo de hortelã e também fornece o seu cheiro característico. Extratos de

ambos são usados como agentes flavorizantes em alimentos. Está claro que a diferença de

odores dessas substâncias tem uma relação direta com as suas estruturas tridimensionais.

Page 164: Quimica Organica 1 MOODLE

162

Fazendo-se passar uma luz plano-polarizada através de uma solução da (+)-carvona ve-

rifica-se que ocorre um desvio da luz polarizada no sentido horário (+62º). Ao contrário, a

solução da (-)-carvona desvia o plano da luz polarizada no sentido anti-horário (-62º). A ob-

servação do desvio do plano da luz polarizada é conhecida como polarimetria; essa medida é

a maneira mais simples de determinar se uma amostra é oticamente ativa ou não. Lembre-se,

para ser oticamente ativa precisa desviar a luz plano-polarizada e para desviá-la um enanti-

ômero deve estar em maior quantidade do que o outro, pois, como foi dito anteriormente, os

enantiômeros desviam a luz polarizada em quantidades iguais, mas em sentidos opostos. Se

a amostra tiver 50% de cada enantiômero não haverá desvio da luz plano-polarizada, visto

que o desvio proporcionado por um enantiômero anulará o desvio do outro e então a mistura

não será oticamente ativa. Essa amostra contendo quantidades iguais dos dois enantiômeros

é denominada mistura racêmica ou racemato e muitas vezes designados como (±) ou par dl.

Dessa forma, podemos chegar à importante conclusão de que uma substância quiral não será

necessariamente oticamente ativa.

As determinações polarimétricas são feitas em um polarímetro que é constituído dos se-

guintes componentes: Uma fonte de luz com um único comprimento de onda (monocromáti-

ca), normalmente é usado uma lâmpada de sódio, um filtro plano-polarizante, o mais comum

é o prisma de Nicol (bloco de cristal de calcite – CaCO3), um recipiente para acondicionamento

de amostra, onde uma célula contendo, normalmente, uma solução com a substância a ser

analisada é introduzida, e um detector com um indicador do ângulo de desvio do plano da

luz polarizada, que pode ser o olho humano ou uma célula fotoelétrica. O esquema mostrado

a seguir ilustra os componentes de um polarímetro.

Luz não-polarizada Luzpolarizada

Fonte de luz

Polarizador Tubo de amostra contendomoléculas orgânicas

Analizador Observador

Fonte: “Química Orgânica” tradução da 6ª edição Norte-Americana, John McMurry, 2005, editora Cengage Learning.

Nesse tipo de instrumento a luz é inicialmente polarizada antes de atravessar uma célula

contendo a amostra a ser analisada. Quando a luz age sobre as moléculas simétricas, para

cada posição de uma molécula existe uma posição de outra molécula que corresponderá

à imagem no espelho da primeira. Considerando que qualquer amostra líquida por menor

quantidade e/ou mais diluída que seja, contém um número muito grande de moléculas, en-

tão, para cada posição aleatória de uma molécula, será grande a probabilidade de existir

outra molécula cuja posição seja a imagem especular da primeira. Como resultado, o desvio

Page 165: Quimica Organica 1 MOODLE

163

proporcionado por essas moléculas tendem a se cancelar. Por outro lado, a interação da luz

sobre uma molécula assimétrica não ocorrerá esse cancelamento, porque não se pode colocar

uma molécula assimétrica em posição que corresponda exatamente à imagem especular dela

mesma, ou seja, não existe sobreposição entre dois enantiômeros. O resultado é o desvio

do plano da luz polarizada, a que chamamos de rotação ótica (α). A medida desse ângulo

de rotação é feita pela rotação de outro polarizador, o analisador. Quando a amostra gira o

plano da luz polarizada no sentido horário (para a direita), a rotação ótica (α) é designada

pelo sinal de (+) ou pela letra d e amostra é chamada de destrógira. Por sua vez, se o desvio

ocorrer mo sentido anti-horário (para a esquerda), o ângulo a recebe o sinal de (-) ou a letra

l e a amostra é denominada levógira.

O ângulo final que uma amostra (líquido puro ou uma solução) de um composto gira o

plano da luz polarizada depende de uma série de fatores: o tamanho da célula (comprimento

do tubo contendo o líquido ou a solução da amostra), concentração da amostra, temperatura,

solvente e comprimento de onda da luz.

Densidade do líquido puro (g mL ) ou concentração da solução (g 100mL )

-1

-1

Comprimento da célula - l (dm)Comprimento

de onda (λ)

Temperatura damedição

Rotação ótica (α)

O ângulo (α) observado no polarímetro, a rotação ótica, quando dividido pelo comprimen-

to da célula (l) em dm e pela concentração da amostra (c) em g 100 mL-1 ou pela densidade do

líquido (d) em g mL-1 fornece a rotação específica [α] para o composto em questão.

Costuma-se indicar o comprimento de onda e a temperatura (como índice inferior e su-

perior, respectivamente). Isso se faz necessário, pois, como foi dito anteriormente o valor

da rotação específica varia com o comprimento de onda da luz e coma temperatura. Esses

índices servem, portanto, para especificar como a rotação ótica foi medida. Normalmente

as rotações óticas de uma amostra em solução são determinadas a 20 °C, usando solventes

como etanol ou clorofórmio e a luz usada é obtida a partir de uma lâmpada de sódio, com

comprimento de onda de 589 nm (raia D do sódio).

Page 166: Quimica Organica 1 MOODLE

164

Soluções excessivamente concentradas introduzem possibilidades de associa-

ções entre as moléculas que podem alterar a natureza do meio por onde está

passando a luz plano-polarizada, e com isso a relação apresentada entre α, l e

c deixa de ser linear fornecendo resultados discrepantes. Por razões semelhan-

tes, a mudança do solvente pode ter influência pronunciada na rotação especí-

fica de certos compostos. Por isso normalmente também se indica o solvente e

a concentração da solução, utilizados na determinação da rotação ótica.

no ta

Tomando como exemplo novamente as propriedades dos dois enantiômeros do 2-buta-

nol mostradas anteriormente, podemos perceber claramente a única diferença entre esses

dois enantiômeros.

Propriedade Física Enantiômero A do 2-butanol Enantiômero B do 2-butanol

Ponto de ebulição a 1atm (ºC) 99,5 99,5

Massa específica (g mL-1 a 20ºC) 0,808 0,808

Índice de refração (20 ºC) 1,397 1,397

Rotação específica [α]D25 -13,52º +13,52º

Uma amostra de uma substância oticamente ativa contendo um único enantiômero é

chamada de enantiomericamente pura ou ter um excesso enantiomérico de 100%. Por exem-

plo, uma amostra enantiomericamente pura do (+)-2-butanol apresenta uma rotação espe-

cífica ([α]D25) de +13,52º. Por outro lado, uma amostra que tem menos do que a quantidade

equimolar do enantiômero (-)-2-butanol exibirá uma rotação específica que será menor

do que +13,52º, porém, maior do que 0º. Tal exemplo é dito ter um excesso enantiomérico

menor do que 100%. O excesso enantiomérico (e.e.), também denominado pureza ótica é

definido como a seguir:

Alternativamente a pureza ótica pode ser apresentada como sendo a rotação ótica (obser-

vada) relativo à rotação do enantiômero puro. Como os dois enantiômeros cancelam um ao

outro a rotação observada é o produto do (% enantiômeromaior - % enantiômeromenor) x [α]λ.

Se [α]λ for conhecido, a determinação do α permite que a pureza ótica e o excesso enantio-

mérico sejam determinados:

Page 167: Quimica Organica 1 MOODLE

165

Existem várias outras maneiras de se determinar o excesso enantiomérico, incluindo es-

pectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear (r m n ), cromatografia e eletroforese capilar.

B. Configuração absoluta

A quiralidade de uma molécula é descrita através da determinação da sua configuração ab-

soluta. Historicamente, o gliceraldeído foi o ponto de referência para descrever a configura-

ção de carboidratos e outras substâncias naturais de acordo com a convenção de Emil Fischer.

Os dois enantiômeros do gliceraldeído foram originalmente assinalados arbitrariamente com

as configurações D e L, como mostrado a seguir. Posteriormente, uma determinação da con-

figuração do tartarato de rubídio e sódio por cristalografia de raio-X e a sua correlação com

o D-gliceraldeído estabeleceu que o assinalamento arbitrário foi feito corretamente.

Na convenção de Fischer, a configuração de outras moléculas é indicada pelos descritores

D e L, que são assinalados mediante comparação estrutural com a molécula referência do

gliceraldeído. Para utilização dessa convenção, é comum usar fórmulas em projeção para

facilitar a comparação estrutural. Essas são representações planares definidas de maneira a

transcrever as informações tridimensionais da molécula, chamadas de projeção de Fischer. A

molécula é orientada de forma a colocar a maior cadeia carbônica, na conformação eclipsada,

alinhada verticalmente com o átomo de carbono terminal mais oxidado na parte superior da

projeção. As ligações verticais de cada carbono são direcionadas para baixo (o mais afastado

do observador) e as ligações horizontais são orientadas para cima (na direção do observador).

O cruzamento da linha vertical com a horizontal corresponde ao átomo de carbono do centro

estereogênico. As formas D e L do gliceraldeído são mostradas a seguir.

OHHH

OH OHH1

23

1

2

3

12

3

HHOHO

H HH O

1

2

3

Projeção deNewman

Projeção de Newman

Cavalete

Cavalete

Projeção de Fisher

Projeção de Fisher

Page 168: Quimica Organica 1 MOODLE

166

O assinalamento da configuração de qualquer outra molécula quiral na convenção de Fis-

cher é feita mediante a comparação com a projeção de Fischer do D- e L-gliceraldeído. A mo-

lécula é alinhada com a cadeia principal na vertical e o átomo de carbono mais oxidado na

parte superior da projeção, conforme a convenção de Fischer descrita anteriormente. O centro

estereogênico com o maior número (na parte inferior da projeção de Fischer) é comparado

com o carbono C2 do gliceraldeído. Se a configuração for igual a do D-gliceraldeído, a molé-

cula terá a configuração D, enquanto que se a configuração for semelhante ao L-gliceraldeído

a configuração será a L. Essa comparação é ilustrada a seguir para vários carboidratos.

OHH

OHH 2 HHO2

HO H H OH HHO

Os aminoácidos encontrados nas proteínas têm configuração L, como ilustrado para a

alanina, serina e leucina.

HH 2N HH 2N HH 2N

A fim de obter bom resultado com estas fórmulas, deve-se lembrar que elas são projeções e

por isso, devem ser tratadas de forma diferente em relação aos modelos tridimensionais usa-

dos anteriormente nos testes de superposição dos enantiômeros. Como a projeção de Fischer

é planar, ela deverá sempre ser superponível a sua imagem especular, por isso é adicionada

uma restrição que consiste em não poder girar a fórmula fora do plano do plano do papel.

Também não se pode girar 90º a projeção, pois assim estaremos interconvertendo um enan-

tiômero no outro. Contudo, a rotação de 180º é permitida.

Giro de 180º no sentido horário no plano do papel

Permitido

Giro de 90º no sentido anti-horário no plano do papel

Proibido

Como no caso das fórmulas representadas por linhas tracejadas e em cunha, é possível es-

crever várias projeções de Fischer do mesmo enantiômero, o que pode causar muita confusão.

Page 169: Quimica Organica 1 MOODLE

167

Para verificar se duas projeções representam o mesmo enantiômero ou não, temos que en-

contrar uma maneira segura de converter uma projeção na outra de forma a manter a mesma

configuração absoluta ou obter o outro enantiômero. Isso pode ser feito mediante a troca de

posição dos substituintes: uma única troca entre dois substituintes converte um enantiôme-

ro no outro, enquanto um par de trocas de posição mantém a configuração absoluta original.

Esta operação leva simplesmente, a uma representação diferente da mesma molécula.

C O2H

C O2H C O2HPrimeira troca Segunda troca

Temos agora, uma maneira simples de verificar se duas projeções de Fischer diferentes re-

presentam o mesmo enantiômero ou a sua imagem especular. Se a conversão de uma das es-

truturas na outra for o resultado de um par de trocas, elas serão idênticas. Se para a conversão

for necessário um número ímpar de trocas, as duas estruturas serão um par de enantiômeros.

Até hoje, o uso da convenção de Fischer é quase que inteiramente restrito aos carboidratos,

aos aminoácidos e aos compostos biologicamente importantes com estruturas semelhantes a

eles. O problema com o uso generalizado dessa convenção, é que não existe regra adequada

para decidir qual estereocentro se assemelha ao carbono C2 do D- ou L-gliceraldeído, quando

as estruturas não são similares aos compostos de referência. Como vimos, essa relação é

clara para os carboidratos e aminoácidos.

O sistema que substituiu a convenção de Fischer (D e L) e que é até hoje o mais usado, por

poder ser aplicado de uma maneira muito abrangente a uma grande diversidade de moléculas,

é o sistema usado na convenção de Cahn-Ingold-Prelog, que usa os descritores R e S.

Os descritores R e S são aplicados usando regras de sequência de prioridades para os subs-

tituintes ligados ao átomo cuja configuração se deseja assinalar. Essas regras são iguais às

apresentadas para a determinação da configuração E ou Z nos diastereoisômeros geométri-

cos. Os átomos substituintes são classificados segundo uma ordem decrescente de prioridade

que é baseada numa ordem também decrescente de números atômicos. Quando dois ou mais

átomos substituintes forem o mesmo elemento químico (em geral carbono) a determinação

da prioridade terá como base o próximo átomo ligado ao primeiro átomo substituinte e assim

por diante, até que se encontre uma diferença nos substituintes. Esse processo deverá ser

continuado até que a ordem de prioridade tenha sido estabelecida para todos os substituintes.

Quando um átomo estiver ligado a outro por uma ligação múltipla, essa deverá ser desmem-

brada em ligações simples. Depois de terminado o assinalamento da ordem de prioridade, a

molécula deverá ser vista numa orientação espacial tal que o substituinte de menor priori-

dade esteja para trás do centro estereogênico. Para facilitar a visualização, os outros três

substituintes deverão estar projetados na direção do observador. Esses substituintes poderão

ter um dos dois arranjos possíveis: ocorre a diminuição da prioridade dos substituintes no

sentido horário e nesse caso a configuração é assinalada como sendo R (do latim rectus, que

Page 170: Quimica Organica 1 MOODLE

168

significa direita). De modo oposto, se a prioridade dos substituintes diminui em sentido anti-

horário assinala-se a configuração S (do latim sinister, que significa esquerda).

A configuração do enantiômero do 2-butanol mostrado a seguir é descrita como sendo

S. O átomo de maior prioridade ligado ao carbono assimétrico é o oxigênio e o d menor

prioridade é o átomo de hidrogênio. Os dois substituintes remanescentes possuem átomos

iguais (carbono) e a escolha entre eles para determinar o de maior prioridade é feita através

da comparação dos ligantes. O grupo metil tem (H,H,H), enquanto que o etil possui (C,H,H);

portanto, o grupo etil tem maior prioridade do que o metil, visto que o átomo de carbono tem

número atômico maior do que o hidrogênio. A ordem de prioridade completa é OH > C2H5 >

CH3 > H. Quando essa molécula é vista do lado oposto ao substituinte de menor prioridade (H),

os grupos remanescentes apresentam uma prioridade decrescente no sentido anti-horário,

sendo, portanto, o enantiômero S.

1

23

4 H

1

23

Ordem decrescentede prioridade

H para trás docentro assimétrico

Sentido anti-horário

Outro exemplo interessante é a determinação da configuração absoluta do ácido 3-hidroxi-

2-metilpropanóico. A primeira etapa é expandir a estrutura de forma que todas as ligações

múltiplas dos grupos funcionais sejam representadas pelos seus equivalentes contendo so-

mente ligações simples.

CO2H OHCO

OHCO

O

C

Posteriormente usamos as regras de prioridade para assinalar a prioridade de cada grupo

(-CO2H > CH2OH > CH3 > H) e em seguida giramos a molécula de forma a colocar o grupo de menor

prioridade para trás do carbono assimétrico. Como a prioridade decrescente apresentada é anti-

horária, esse enantiômero apresenta configuração S.

H

1

2

3

4 1 2

3

1 2

3

Sentido anti-horário

Page 171: Quimica Organica 1 MOODLE

169

A determinação da configuração absoluta de um carbono assimétrico em

uma molécula cíclica segue as mesmas regras de sequência de prioridades

para os substituintes ligados ao átomo cuja configuração se deseja assina-

lar, usada para os compostos acíclicos. Uma maneira fácil de visualizar os

substituintes ligados ao estereocentro é passar através dele uma linha que

divida o anel em dois (para anéis com número par de átomos de carbono,

essa operação deverá seccionar um dos átomos do anel). Posteriormente é

atribuída normalmente a ordem de prioridade, como se fosse um composto

de cadeia aberta. Como exemplo, veremos a determinação da configuração

absoluta do estereocentro na molécula da (+)-carvona citada anteriormente.

XX

XX

XX

12

3

4

1

2

3

Esses dois grupos sãoclaramente diferentes

Carbonoassimétrico

Quatro substituintes diferentes3X = metade do grupo -CCH

Rotação da molécula para colocar o hidrogênio para trás

Portanto, a (+)-carvona consiste no enantiômero com a configuração R

e a (-)-carvona é o enantiômero S. Nesse momento é importante ressaltar

que não existe nenhuma relação direta entre os descritores configuracio-

nais R e S e a rotação do plano da luz polarizada. Isto é, existem enan-

tiômeros que possuem a configuração absoluta R e desviam a luz plano-

polarizada para a direita (+) e outras com configuração S que também são

destrógiras. O mesmo pode acontecer para as substâncias levógiras, ou

seja, desviam a luz plano-polarizada para a esquerda e podem ter confi-

guração absoluta R ou S. O que podemos afirmar é que se um composto R

desvia a luz plano-polarizada para a direita (+), o seu enantiômero (S) des-

viará a luz para a esquerda (-). Alguns exemplos são mostrados a seguir.

Page 172: Quimica Organica 1 MOODLE

170

Vejamos agora como determinar a configuração absoluta de uma substância representada

em projeção de Fischer. Inicialmente procedemos de maneira semelhante ao que fizemos até

agora, ou seja, usamos as regras de prioridade para assinalar a prioridade de cada grupo. Em

seguida, verificamos se a ordem de prioridade decrescente apresentada gira num sentido ho-

rário ou anti-horário, contanto que o grupo de menor prioridade esteja na “ligação” vertical,

pois essa, como já foi descrito anteriormente, representa os átomos ou grupos de átomos que

estão mais afastados do observador.

H1 2

3

Se o grupo ou o átomo com a menor prioridade estiver na “ligação” horizontal, isto é mais

próximo do observador, a resposta obtida a partir da ordem de prioridade decrescente apre-

sentada será oposta à resposta correta. Por exemplo, se a ordem descrita girar no sentido

horário sugerindo uma configuração absoluta R, esse composto será na realidade o enantiô-

mero S. O inverso também é verdadeiro.

12

3

(S)

Estereoisômeros Diastereoisoméricos

Os enantiômeros por terem uma relação de imagem especular um com o outro possuem pro-

priedades físicas e químicas iguais, exceto a rotação do plano da luz polarizada. Entretanto

outros tipos de estereoisômeros podem ser quimicamente (e fisicamente) muito diferentes.

Por exemplo, os ácidos insaturados fumárico e maleico, mostrados anteriormente, são dias-

tereoisômeros geométricos e por serem estruturalmente muito diferentes possuem proprie-

dades físicas e químicas muito diferentes.

H O2C

CO 2H

H O2C C O 2H

cis-Ácido maleico(Carboxilas do mesmo lado)

Ponto de fusão = 299-300 Co

cis-Ácido furmárico(Carboxilas em lados opostos)Ponto de fusão = 140-142 Co

Um tipo de estereoisomerismo semelhante pode ocorrer em compostos cíclicos contendo

um plano de simetria. Os estereoisômeros cis e trans do 4-tec-butil-cicloexanol também

possuem propriedades físicas e químicas diferentes.

Page 173: Quimica Organica 1 MOODLE

171

cis-terc-butil-cicloexanolPonto de fusão = 82-83 Co

trans-terc-butil-cicloexanolPonto de fusão = 80-81 Co

Plano de simetria Plano de simetria

Os estereoisômeros que não possuem uma relação de imagem especular um do outro são

chamados de diastereoisômeros. Os dois pares de estereoisômeros mostrados anteriormente

não são imagens especulares uns dos outros e, portanto, são diastereoisômeros. Podemos ob-

servar ainda que ambos são aquirais. Contudo, nem todos os diastereoisômeros são aquirais,

vejamos o exemplo a seguir. O 3-fenil-2-butanol possui dois estereocentros e não possui pla-

no de simetria, portanto, é um composto quiral. Quatro estereoisômeros podem ser escritos.

D iastereoisômeros

Espelho Espelho

Imagem especular Imagem especular

A e B ; C e D são enantiômeros

Enantiômeros Enantiômeros

Podemos ver claramente que dentre os quatro estereoisômeros, existem dois pares de enan-

tiômeros. Porém qual é a relação existente entre um par de enantiômeros e o outro? Após gi-

rar as imagens especulares B e D, percebemos que um enantiômero de um par não representa

a imagem especular de nenhum dos enantiômeros do outro par. Isto é, o estereoisômero A

não é imagem de C e D, assim como B também não é. O mesmo vale para C e D em relação

a A e B. Vimos anteriormente que os estereoisômeros que não são imagens especulares um

do outro são denominados diastereoisômeros. Logo, a relação existente entre os pares A e B

com C e D é diastereoisomérica.

Page 174: Quimica Organica 1 MOODLE

172

Analisando os estereoisômeros do 3-fenil-2-butanol, podemos concluir que os diastereoi-

sômeros quirais só podem surgir quando as estruturas tiverem mais de um estereocentro.

**

**

**

**

* = * =

Enantiômeros EnantiômerosDiastereoisômeros

Estereocentros Estereocentros

Outro exemplo de estereoisômeros diastereoisomérico ocorre com a efedrina e a pseudo-

efedrina. A efedrina é um aminoálcool similar aos derivados sintéticos da anfetamina que

pode ser encontrada em certas plantas da família das efedráceas, muito utilizada como des-

congestionante nasal e em medicamentos para emagrecer, pois ela acelera o metabolismo

queimando mais gordura (através da termogênese - produção de calor), porém causa uma

forte dependência. Através de suas estruturas podemos ver que não existe uma relação de

imagem especular entre essas substâncias, pois, somente um dos dois centros estereogênicos

na efedrina é invertido na pseudo-efedrina.

HO

****

O H

Ambos os compostos são produzidos na forma enantiomericamente pura pela

planta. Os enantiômeros naturais desses diastereoisômeros (efedrina e pseu-

do-efedrina) são a (1R,2S)-(-)-efedrina e (1S,2S)-(+)-pseudo-efedrina.

RS

S

S

no ta

A seguir são apresentados algumas propriedades físicas da (1R,2S)-(-)-efedrina e (1S,2S)-

(+)-pseudo-efedrina naturais e dos seus respectivos enantiômeros sintéticos (1S,2R)-(-)-efe-

drina e (1R,2R)-(+)-pseudo-efedrina.

Page 175: Quimica Organica 1 MOODLE

173

Substância Ponto de fusão (ºC) [α]D20

(1R,2S)-(-)-efedrina (Natural) 40,0 – 40,5 - 6,3º

(1S,2S)-(+)-pseudo-efedrina (Natural) 117,0 – 118,0 + 52,0º

(1S,2R)-(-)-efedrina (Sintética) 40,0 – 40,5 + 6,3º

(1R,2R)-(+)-pseudo-efedrina (Sintética) 117,0 – 118,0 - 52,0º

Ao se falar de diastereoisômeros quirais como a efedrina e a pseudo-efedrina, necessa-

riamente representamos um dos enantiômeros de cada diastereoisômero. Isso porque pre-

cisamos incluir informações estereoquímicas às suas estruturas para poder distinguir os

enantiômeros. Outra possibilidade é representar a mistura racêmica dos dois enantiômeros.

**Diastereoisômeros

Enantiômero Enantiômero Mistura Racêmica

Quando representamos a estereoquímica de uma molécula diastereoisomérica, estamos es-

crevendo a estereoquímica relativa. Porém, quando falamos do enantiômero de um dos dias-

tereoisômeros estamos representando a estereoquímica absoluta. A estereoquímica relativa é

usada quando relacionamos os estereocentros de uma molécula com os de outra.

Estereoquímica Relativa

Estereoquímica Absoluta

Diastereoisômeros

Compostos Meso

Pasteur realizou a primeira separação de enantiômeros usando um composto obtido durante

a preparação de um vinho. O ácido tartárico (ácido 2,3-di-hidroxibuatnodióico) é um com-

posto com dois carbonos quirais que se deposita como um sal de potássio (tartarato de po-

tássio) durante a fermentação do suco de uva. Biot demonstrou que o ácido tartárico obtido

a partir do vinho é usualmente dextrógiro e que além dele também foi obtido nesse processo

um composto que não possui atividade ótica, chamado por ele de ácido racêmico. Todavia, o

ácido racêmico tem a mesma composição química do ácido tartárico.

Pasteur observou que os cristais de sódio-amônio do ácido racêmico possuíam duas dife-

rentes formas: uma estrutura “destra” e a outra “sinistra”. Com o auxílio de um microscópio

ele separou manualmente as duas formas cristalinas e observou que uma girava o plano da

luz polarizada para a direita (dextrógira) e a outra para a esquerda (levógira). Misturando

Page 176: Quimica Organica 1 MOODLE

174

quantidades iguais dos ácidos oticamente ativos obtidos a partir dos sais separados, Pasteur

demonstrou que o ácido racêmico é uma mistura de quantidades iguais do ácido tartárico

dextrógiro e levógiro, isto é, uma mistura racêmica. O tartarato é o único sal conhecido

que os seus enantiômeros depositam em diferentes formas cristalinas diferentes. Entretanto

esses cristais diferentes só são formados em temperaturas inferiores a 25 ºC.

Cristal “destro” Cristal “sinistro”

O ácido racêmico representa apenas dois dos isômeros esperados para o ácido tartárico.

Podemos predizer que uma substância com dois estereocentros pode levar a um máximo de

quatro possibilidades de estereoisômeros, contudo, somente três isômeros são atualmente

encontrados: os dois enantiômeros que são oticamente ativos e formam o ácido racêmico e

um estereoisômero oticamente inativo.

Podemos calcular o número máximo de estereoisômeros possíveis a partir da

fórmula: estereoisômeros = 2n, onde n é o número de centros assimétricos.

no ta

O ácido tartárico ilustra outra importante propriedade geométrica dos diastereoisômeros:

moléculas com dois ou mais centros assimétricos não são necessariamente quirais. Essas mo-

léculas que possuem dois ou mais estereocentros e são aquirais são denominadas compostos

meso. Moléculas meso possuem um plano de simetria.

180o

180o

RS

RR

SS

RS

RR

SS

RS

RS

?

Grupos OH cisImagem especular

Imagem especularGrupos OH trans

Grupos OH transGrupos OH cis

Enantiômeros

Page 177: Quimica Organica 1 MOODLE

175

Enquanto o par de estruturas A e B são claramente enantioméricas, se olharmos cuida-

dosamente as estruturas C e D veremos que de fato, elas não são enantiômeros, mas sim es-

truturas idênticas. Para provar isso, basta girar 180º a estrutura C, em sentido horário, para

cima no plano do papel. Veremos que a estrutura obtida é exatamente a estrutura D.

RS

H

Igual a D

Como podemos ver, os ácidos (R,S) e (S,R)-tartárico não são enantiômeros, pois eles repre-

sentam a mesma molécula. Esses compostos mesmo contendo dois estereocentros são aqui-

rais, visto que possuem um plano de simetria. Para facilitar a visualização desse plano de

simetria, basta fazer uma rotação de 180º sobre a ligação central.

Girar 180 o ladodireito da molécula

o

Plano de simetria Oticamente inativo

Concluindo, os três estereoisômeros encontrados para o ácido tartárico são mostrados a se-

guir: dois enantiômeros oticamente ativos, quando analisados isoladamente e um composto

meso oticamente inativo.

Girar 180 o ladodireito da molécula

o

Plano de simetria Oticamente inativo

Algumas propriedades físicas dos estereoisômeros do ácido tartárico estão compiladas na

tabela mostrada a seguir. Podemos reparar que as propriedades dos enantiômeros são idên-

ticas, exceto o desvio do plano da luz polarizada, porém, diferentes das do composto meso.

Outra observação interessante é que o ponto de fusão da mistura racêmica é maior do que os

pontos de fusão dos enantiômeros isolados. Isso ocorre porque as atrações intermoleculares

entre os enantiômeros dentro da estrutura cristalina são mais fortes na mistura racêmica do

que nos enantiômeros separados.

Substância Ponto de fusão (ºC) [α]D20 Solubilidade em H2O (g/100 mL)

(+)-Ácido tartárico 170 + 11,98º 147 (25º C)

(-)-Ácido tartárico 170 + 11,98º 147 (25º C)

(±)-Ácido tartárico 206 0 25 (25º C)

meso-Ácido tartárico 140 0 120 (25º C)

Page 178: Quimica Organica 1 MOODLE

176

Os mesmos princípios estereoquímicos são aplicados também aos compostos cíclicos. Por

exemplo, os dois centros quirais do ácido ciclopropano-1,2-dicarboxílico proporcionam três

estereoisômeros para a molécula: um par de enantiômeros trans e uma forma cis que tem um

plano de simetria e, portanto é um composto meso.

Ponto de fusão = 175 Co

Rotação Especí�ca = 84± o

Grupos carboxilas trans Grupos carboxilas cis

Espelho

Ponto de fusão = 139 Co

Plano de simetriaComposto meso

Rotação Especí�ca = 0

Outros Tipos de Moléculas Quirais

Embora o átomo de carbono assimetricamente substituído seja o tipo mais comum de estere-

ocentro em compostos orgânicos, vários outros tipos de centros assimétricos são encontrados.

A. Compostos com outros átomos estereogênicos tetravalentes

Qualquer molécula contendo um átomo central ligado a quatro substituintes diferentes em

uma geometria tetraédrica deverá ser oticamente ativa. Dentre esses átomos centrais encon-

tramos o nitrogênio e o fósforo nos sais de amônio e fosfônio quaternários, respectivamente.

O óxido de fosfina também é tetraédrico e é quiral se todos os três substituintes forem dife-

rentes, incluindo o oxigênio. Outros átomos dessa categoria são o Si, Ge e Sn.

N

R 1

R 2R 3

R 4 PR 1

R 2

R 3 R 1R 2

R 3 POR 4

Sal de amônio Sal de fosfônio Óxido de fos�na

B. Compostos com átomos estereogênicos trivalentes

Não tão evidentes são os casos de compostos contendo enxofre e fósforo trivalentes,

incluindo os sais de sulfônio, os sulfóxidos e as fosfinas. Os heteroátomos nessas estru-

turas são piramidais (aproximadamente tetraédricos), com o par de elétrons não ligante

ocupando um dos cantos de um tetraedro. Como a barreira de energia para a inversão de

configuração dessas moléculas tetraédricas são relativamente altas, eles podem ser obtidos

como enantiômeros puros.

Page 179: Quimica Organica 1 MOODLE

177

I nversão lenta

Sulfóxido Íon sulfônio Fosna

Compostos nitrogenados trivalentes também são aproximadamente tetraédricos. Nesse

caso, entretanto, a barreira de inversão é pequena, e os compostos não podem ser separados

como enantiômeros puros a temperaturas normais.

Inversão rápida

C. Compostos com rotação restrita

Certos compostos que não possuem átomos assimétricos podem ser quirais, porque eles têm

uma estrutura que pode ser esquematicamente representada como na figura mostrada a se-

guir. Para esses compostos, podemos escrever dois planos perpendiculares onde nenhum dos

dois pode ser cortado por um plano de simetria. Se ambos os planos puderem ser cortados

pelo plano de simetria, a molécula deverá ser superponível a sua imagem especular. Essas

moléculas serão mostradas na de alguns exemplos que veremos a seguir.

BA

A

BA diferente de B

Bifenilas contendo quatro substituintes volumosos nas posições orto não podem sofrer ro-

tação na ligação central devido ao impedimento estérico. Alguns desses compostos chegam

a ter uma energia de ativação (barreira de rotação) superior a 22 kcal mol-1. Nessas moléculas,

os dois anéis aromáticos estão em planos perpendiculares, e se eles forem assimetricamente

substituídos então a molécula será quiral. Esses estereoisômeros são conhecidos como enan-

tiômeros conformacionais ou atropisômeros.

Page 180: Quimica Organica 1 MOODLE

178

ImpedimentoEstérico

ImpedimentoEstérico

Espelho

Nos alenos, o átomo de carbono central possui uma hibridação sp. Os dois orbitais p re-

manescentes de cada carbono são perpendiculares entre si e se sobrepõem com os orbitais p

paralelos a eles do átomo de carbono adjacente, fazendo com que as ligações formadas por

essas sobreposições quem em planos perpendiculares. Portanto, os alenos se enquadram no

modelo de substâncias representado pela figura anterior e assim como as bifenilas, só serão

quirais se os dois lados da molécula forem assimetricamente substituídos.

Aleno oticamente inativo

Aleno

Aleno oticamente inativo Aleno oticamente ativo

Espelho

Outros tipos de compostos semelhantes às bifenilas e aos alenos que são similarmente qui-

rais se apresentarem substituintes diferentes são os spiranos e as moléculas contendo uma

dupla ligação exocíclica.

Spirano Composto com a duplaligação exocíclica

Proquiralidade

Uma molécula é proquiral se ela puder ser convertida da forma aquiral para a quiral em uma

única etapa. Como exemplo, usaremos a reação de adição nucleofílica do cianeto ao propanal

para formar a correspondente cianoidrina (2-hidroxi-butanonitrila), mostrada na seção de

estereoisômeros enantioméricos.

Page 181: Quimica Organica 1 MOODLE

179

CN

NC O NC OH

*

ProquiralQuiral

Reação deprotonação

O enantiômero da 2-hidroxi-butanonitrila que será formado depende de qual face do grupo

carbonila planar irá sofrer a reação. A distinção das faces da carbonila é feita através dos

descritores estereoquímicos re e si. Para nomear essas faces procedemos de maneira seme-

lhante às regras usadas para os descritores R e S. Inicialmente estabelecemos a ordem de-

crescente de prioridade dos três substituintes ligados ao átomo de carbono sp2 trigonal plano,

usando os mesmos critérios descritos anteriormente. Em seguida determinamos o sentido

dessa ordem de prioridade; caso o sentido dessa prioridade decrescente seja o horário a face

da carbonila é denominada re (similar ao descritor R dos estereoisômero), em oposição, se o

sentido for o anti-horário a face da carbonila é designada como sendo si (similar ao S). No

exemplo particular da reação do cianeto com o propanal, a adição do nucleófilo pela face re

forma o (S)-2-hidroxi-butanonitrila. Já a adição pela face si da carbonila dá origem ao outro

enantiômero. Dessa forma, podemos dizer que as faces dessa carbonila são enantiotópicas,

pois a adição do nucleófilo irá formar produtos enantioméricos.

O

CN

OH O HO CNCN

23

1

2 3

Sentido horário

Face re Face si

Sentido anti-horário

Ataque do nucleó�lo pela face re Ataque do nucleó�lo pela face si

Faces enantiotópicasdo propanal

Em adição aos compostos contendo átomos com hibridação sp2 e geometria planar, as

substâncias contendo átomos com hibridação sp3 e geometria tetraédrica também podem

ser proquirais. Um átomo com um orbital híbrido sp3 pode ser um centro proquiral se, ao

trocar um dos grupos ligados a ele, um centro assimétrico for formado. A glicina é o único

α-aminoácido sem um centro quiral, porém, trocando um dos prótons do átomo de carbono

central por deutério, um carbono assimétrico será criado. Sendo assim, o carbono do grupa-

mento metileno (-CH2) proquiral.

Page 182: Quimica Organica 1 MOODLE

180

H DTrocando um próton

por deutério

Proquiral Estereocentro

Assim como as faces enantiotópicas de uma carbonila podem ser nomeadas pelos descri-

tores estereoquímicos re e si, também é possível assinalar os grupos enantiotópicos de um

átomo de carbono sp3 tetraédrico proquiral. Ainda seguindo os mesmos critérios descritos

para o sistema R e S, o grupo enantiotópico que forma, após a troca, um estereocentro com

a ordem decrescente de prioridade no sentido horário deverá ser chamado por pro-R. De

maneira semelhante, o estereocentro formado com a ordem de prioridade girando em sen-

tido anti-horário é denominado pro-S. Cabe ressaltar que, como o estereocentro é gerado

artificialmente mediante a troca de um dos átomos de hidrogênio do grupo metileno por um

grupo G, devemos assumir que G tem prioridade imediatamente superior ao H e que ele não

afeta a ordem de prioridade dos demais substituintes.

HH GH

1 2

34HH HG

1 2

3 4

Novo estereocentro é S, entãoo H em vermelho é pro-S

Proquiral Proquiral Novo estereocentro é R, entãoH em azul é pro-R

Separação de enantiômeros - Resolução

Uma vez que nas células e organismos vivos estão envolvidas reações de materiais enantio-

mericamente puros, como os carboidratos, aminoácidos e dn a , muitos compostos de ocorrên-

cia naturas existem na forma de enantiômeros puros. Ao contrário, as reações químicas mui-

tas vezes produzem misturas racêmicas. Isso sempre ocorre se são usados somente substratos,

reagentes, catalisadores e solventes racêmicos ou aquirais. Os produtos enantioméricos de

uma reação química podem ser enantiomericamente enriquecidos ou até mesmo obtidos na

forma enantiopura somente se materiais de partida, reagentes, catalisadores ou solventes

quirais forem utilizados.

Uma mistura racêmica pode ser separada nas suas duas formas enantioméricas. O processo

de separação de uma mistura racêmica nos seus enantiômeros é conhecido como resolução e

pode ser realizado de várias maneiras diferentes.

Historicamente, o método usual de resolução era o uso de um reagente enantiomericamente puro,

muitas vezes um material de ocorrência natural, como agente de resolução. Quando uma mistura

racêmica de um composto A (R,S-A) reage com um enantiômero puro B (R-B) por exemplo, os dois

produtos formados são diastereoisoméricos, nomeados, nesse caso, R,S-AB e R,R-AB. Como os

diastereoisômeros possuem propriedades físicas distintas, eles podem ser separados por cristaliza-

ção ou cromatografia. Posteriormente a separação dos diastereoisômeros, a reação original, isto é de

Page 183: Quimica Organica 1 MOODLE

181

A com B, pode ser revertida para obter R-A e S-A enantiomericamente puros ou enriquecidos. Esse

conceito é resumido no esquema a seguir.

1:1 Mistura racêmica

Diastereoisômeros separados

Enantiômeros puros ou enriquecidos

Reage com R-B

Reação reversaretirada de R-B

Para facilitar o entendimento, vejamos agora um exemplo real de uma resolução de enantiômeros

usando um reagente quiral como agente de resolução. O aminoácido mostrado a seguir foi obtido

na sua forma racêmica, mediante uma síntese de Strecker (reação que estudaremos em capítulos

futuros). Contudo, o interesse nesse aminoácido era avaliar a sua atividade no sistema nervoso cen-

tral e para isso se fazia necessário analisar a atividade de cada um dos enantiômeros isoladamente.

*

Síntese de Strecker

Inicialmente o aminoácido racêmico foi transformado no seu respectivo anidrido racêmico, usan-

do para tal o anidrido acético como reagente. Essa reação foi realizada com o objetivo de facilitar

a reação com o agente de resolução, pois o anidrido é uma espécie mais reativa do que o ácido

carboxílico original.

*Anidrido acético

Para a etapa de resolução foi realizada a reação da mistura racêmica do anidrido com o sal de

sódio do mentol, um álcool de ocorrência natural enantiomericamente puro para formar dois ésteres

diastereoisoméricos. Um dos diastereoisômeros mostrou-se mais cristalino que o outro (isso se

deve ao seu ponto de fusão mais elevado), o que permitiu a cristalização da mistura. Dessa ma-

neira foi possível isolar um dos diastereoisômeros na sua forma pura. Evaporando o solvente da

Page 184: Quimica Organica 1 MOODLE

182

solução contendo o outro diastereoisômero (chamado de água mãe) foi possível obter o outro dia-

stereoisômero menos cristalino também na sua forma pura.

Evaporação da“água mãe”

Ponto de fusão = 103 - 104°C Ponto de fusão = 72,5 - 73,5°C

Agente de resolução

Diastereoisômero A Diastereoisômero B

Diastereoisômero A Diastereoisômero B

( )-Anidrido

Após a separação dos diastereoisômeros os ésteres foram hidrolisados, separadamente, mediante

reação, sob aquecimento, com uma solução aquosa de KOH. Os ácidos obtidos são enantiômeros,

como mostra as suas rotações específicas e os seus pontos de fusão idênticos.

Ponto de fusão = 103-104 Co Ponto de fusão = 72,5-73,5 Co

Diastereisômero A Diastereisômero B

Hidrólise Hidrólise

Enantiômero A Enantiômero BoPonto de fusão = 152-153 C Ponto de fusão = 15215-154 Co

Page 185: Quimica Organica 1 MOODLE

183

Finalmente, uma hidrólise mais vigorosa da amida (ebulição por 40 horas com uma solução aquosa

de NaOH 20%) forma os aminoácidos enantiomericamente puros necessários para o estudo biológico.

A cHN A cHN

H 2N H 2N

Enantiômero A Enantiômero B

Ponto de fusão = 152-153 Co Ponto de fusão = 152,5-154 Co

Hidrólise Hidrólise

Enantiômero R Enantiômero S

Outra maneira de resolver enantiômeros é usar um material quiral em um processo de separação

físico. Atualmente, muitas separações de enantiômeros são feitas usando cromatografia com coluna

quiral. A resolução por cromatografia depende da adsorção diferenciada dos enantiômeros pela

fase estacionária quiral contida na coluna cromatográfica. Uma fase estacionária torna-se quiral,

ligando-se um composto enantiomericamente puro, normalmente um aminoácido.

HN

NHO

ON O 2

N O 2

*

Porção do aminoácido

Sílica derivatizada - fase estacionária quiralSílica - fase estacionária aquiral

A cromatografia com uma fase estacionária quiral é especialmente importante quando os en-

antiômeros a serem resolvidos não apresentam grupos funcionais suscetíveis à formação de de-

rivados (usualmente ésteres e sais) necessária para a resolução clássica descrita anteriormente.

Por exemplo, os dois enantiômeros de um análogo do tranquilizante Valium tem atividades bi-

ológicas diferentes. Para estudar a ação biológica desses compostos é necessário obtê-los enan-

tiomericamente puros. Essa resolução foi feita passando uma solução da mistura racêmica através

de uma coluna cromatográfica contendo como fase estacionária sílica ligada a um derivado de

aminoácido quiral. O (R)-(-)-enantiômero mostrou menor afinidade pela fase estacionária, sendo,

portanto, menos adsorvido. Consequentemente, esse enantiômero foi eluído mais rapidamente,

isso é, passou pela coluna mais rapidamente. O (S)-(+)-enantiômero por ter uma interação maior

com a fase estacionária demorou um tempo maior para sair da coluna. Um esquema representa-

tivo desse processo é mostrado a seguir.

Page 186: Quimica Organica 1 MOODLE

184

Valium - Tranquilizante Derivado-(R)-enantiômero Derivado-(S)-enantiômero

.

S

6.

R

R S1. 2.

RS

3.

R

S4.

R

S

5

S

7.

RRR

Esquema de uma cromatogra�a Introcução na coluna dos doisenantiômeros

Início da eluição

Fase EstacionáriaQuiral

Mistura racêmicaR e S

Eluente(fase móvel)

Durante a eluição Enantiômero R separado Enantiômero S separado

Existem outros métodos de separar enantiômeros, dentre eles podemos destacar: a resolução

cinética, que depende da diferença na velocidade de reação dos enantiômeros com o agente de

resolução (reagente quiral); outro método é a resolução enzimática. Essa metodologia é baseada na

habilidade de uma enzima (proteína catalisadora) em distinguir os enantiômeros R e S ou os grupos

pro-S e pro-R de um composto proquiral. Dessa forma, a enzima que é quiral, irá reagir preferen-

cialmente ou exclusivamente com um dos enantiômeros.

Quiralidade e a atividade biológica

Diversas substâncias usadas como fármacos, apresentam em suas estruturas um ou mais carbonos

assimétricos. A supressão da quiralidade nesses fármacos leva muitas vezes, ao desaparecimento

da atividade biológica. Adicionalmente, a inversão da configuração absoluta do estereocentro tam-

bém pode levar a perda da atividade biológica ou a uma modificação importante dessa atividade. A

seguir são mostradas substâncias quirais contendo um ou mais carbonos assimétricos que ilustram

essa correlação entre a configuração absoluta do estereocentro e a atividade biológica.

Page 187: Quimica Organica 1 MOODLE

185

*

5R

2S

6R

(S)-ketaminaAnaestético

(±)-�uoxetina - Prozac®Antidepressivo

(S)-propranololAnti-hipertensivo

(+)-limonenoOdor de laranja

(-)-limonenoOdor de limão

(S,S)-aspartameSabor doce

(S,S)-aspartameSabor amargo

(R)-propranolol

InativoEfeito colateral:

Inibe a conversão do hormôniotireóide tiroxina à triiodotironina

(2S, 5R, 6R)-penicilina VAntibiótico

Enantiômero - (2R, 5S, 6S) - inativo

(S)-�uoxetinaPrevine a enxaqueca

(S)-ibuprofenAnalgésico/Anti in�amatório

(R)-ibuprofenInativo

(R)-ketaminaAlucinógeno

(S)-talidomidaTeratogênico

(R)-talidomidaSedativo

Por exemplo, a talidomida é um sedativo leve e pode ser utilizado no tratamento de náuseas, mui-

to comum no período inicial da gravidez. Quando foi lançado, era considerado seguro para o uso

de grávidas, sendo administrado como uma mistura racêmica. Entretanto, um fato desconhecido na

época era que o enantiômero S possuía uma atividade biológica teratogênica, ou seja, levava a uma

má formação congênita, afetando principalmente o desenvolvimento dos braços e das pernas do

bebê. O uso indiscriminado dessa substância na forma racêmica levou ao nascimento de milhares

de pessoas com graves defeitos físicos.

Page 188: Quimica Organica 1 MOODLE

186

Outro exemplo de como a quiralidade pode afetar as propriedades biológicas de uma molécula

é o racemato da fluoxetina, uma medicação usada no tratamento da depressão. O enantiômero S,

entretanto, funciona muito bem no combate à enxaqueca.

As drogas provenientes de fontes naturais, obtidas diretamente ou após modificação química, são

normalmente quirais e existem na forma enantiomericamente pura. A penicilina V, por exemplo,

um antibiótico isolado do fungo Penicillium, tem configuração absoluta 2S, 5R e 6R dos centros

assimétricos. O seu enantiômero, de origem sintética, não possui nenhuma atividade biológica. Os

fármacos sintéticos podem ser produzidos na forma racêmica ou na forma quiral. Muitos deles, en-

tretanto, são racêmicos. O ibuprofen, por exemplo, é produzido e comercializado na forma racêmi-

ca, apesar de somente o enantiômero S ser bioativo. Embora, o enantiômero R possa ser lentamente

convertido na sua forma ativa no organismo, o enantiômero inativo parece diminuir substancial-

mente a velocidade com que com que o enantiômero S faz efeito (de 12 para 38 minutos).

O aspartame, um adoçante sintético, é muito utilizado no Brasil e no mundo. O estereoisômero

S,S é doce, enquanto que o seu enantiômero possui um sabor amargo. Essa diferença nos sabores

sugere que os sítios receptores na língua para essas substâncias são quirais e apenas um enantiôme-

ro específico se encaixará em seu sítio específico. O mesmo pode ser dito para os enantiômeros do

limoneno e os seus receptores no nariz. Uma substância bioativa pode exercer a sua atividade de

várias maneiras, dentre elas, através da interação com estruturas biológicas chamadas de receptores,

que são proteínas quirais altamente organizadas espacialmente. Devido a essa quiralidade, imagina-

se que para interagir com elas, o arranjo espacial da estrutura da substância biologicamente ativa

deve ser bem definido. Os arranjos das duas espécies devem ser complementares. Existem vários

modelos que explicam essa interação, um deles é mostrado através do esquema a seguir.

C C

Não encaixa

O modelo mostrado anteriormente foi proposto em 1933 por Easson e Stedman. Eles pro-

puseram que as diferenças na atividade biológica entre os enantiômeros resultam da reativi-

dade seletiva destes estereoisômeros com os receptores e que a interação enantiômero-receptor

requer pelo menos três pontos de encaixe. Esse modelo ficou conhecido como modelo de

três pontos. Através do esquema anterior podemos perceber claramente que somente um dos

enantiômeros é capaz de atingir a orientação correta para permitir que todos os três grupos

funcionais encaixem nos seus sítios na superfície do receptor. O outro enantiômero que só tem

dois pontos de encaixe pode ser inativo biologicamente ou ter a sua atividade bastante redu-

zida. Isso pode ser ilustrado analisando a atividade vasopressora (aumento da pressão arterial)

Fonte: “Química Orgânica” tradução da 6ª edição Norte-Americana, John McMurry, 2005, editora Cengage Learning.

Page 189: Quimica Organica 1 MOODLE

187

da adrenalina ou epinefrina. Com a (R)-(-)-epinefrina os três pontos de interação com o sítio

receptor são o anel aromático substituído, a hidroxila e o grupo amônio secundário protonado.

Todos os três grupos funcionais interagem com os seus sítios ligantes complementares na

superfície do receptor, produzindo a interação necessária para estimular o receptor. Com a (S)-

(+)-epinefrina somente duas interações são possíveis. A hidroxila ocupa uma região do espaço

que não interage com o receptor. O mesmo acontece com a N-metildopamina. Portanto, não é

surpreendente que a resposta vasopressora proporcionada pela N-metildopamina e pela (S)-(+)-

epinefrina sejam menores do que a obtida com a (R)-(-)-epinefrina.

N

O

CH3H

H

H

O HOH

A

A

B

C

HO H

CH3H

H

O HOH

A

A

B

C

N

HO H

CH3H

H

O HOH

A

A

B

C

Resumo e Palavras-chave

As relações espaciais entre os átomos de uma molécula pode ter uma profunda influência nas

propriedades físicas e químicas dos seus compostos. Isômeros que diferem somente no arranjo

espacial dos seus átomos ligantes são conhecidos como estereoisômeros. Os estereoisômeros que

não são convertidos um no outro através de rotação de ligação sigma são denominados este-

reoisômeros configuracionais. Moléculas que possuem duplas ligações ou estruturas cíclicas podem

existir como estereoisômeros geométricos. A isomeria geométrica é decorrente da rotação restrita

dos grupos substituintes nessas moléculas. Devido a impossibilidade de interconversão rápida dos

isômeros geométricos eles são considerados estereoisômeros configuracionais. Compostos cujas

moléculas possuem algum tipo de assimetria podem ser quirais e levar a um tipo de estereo-

isomeria que é normalmente detectado pela atividade ótica. O estereoisomerismo cujas estruturas

não são superponíveis à sua imagem especular são chamados de enantiômeros. Os enantiômeros

possuem propriedades químicas e físicas iguais, porém, desviam o plano da luz polarizada em

quantidades iguais mas para direções opostas. Esses enantiômeros são denominados dextrógiros,

quando desviam a luz plano-polarizada para a direita e levógiro quando o desvio ocorre para a

esquerda. A configuração absoluta do carbono assimétrico ou estereocentro pode ser indicada

pelos descritores D e L proposto por Fischer ou pelo sistema que usa os descritores R e S proposto

na convenção de Cahn-Ingold-Prelog. As misturas racêmicas ou racematos são misturas 50:50

dos enantiômeros R e S e podem ser resolvidos por diversas técnicas, como por exemplo, o uso

de um reagente quiral, conhecido com agente de resolução ou por cromatografia contendo uma

fase estacionária quiral. Algumas moléculas têm mais de um centro assimétrico. Os enantiômeros

apresentam configuração opostas em todos os estereocentros, entretanto os diastereoisômeros têm

Page 190: Quimica Organica 1 MOODLE

188

a mesma configuração em pelo menos dos centros. Um composto com n estereocentros pode ter

no máximo 2n estereoisômeros. Os diastereoisômeros apresentam propriedades físicas e químicas

diferentes e podem ser separados facilmente. Os compostos meso possuem estereocentros, mas

são aquirais porque possuem um plano de simetria. A quiralidade não é exclusividade do átomo

de carbono assimétrico, ou seja, com quatro substituintes diferentes, diversos outros átomos ou

moléculas podem ser quirais. Como exemplo, podemos citar os átomos de nitrogênio e fósforo es-

tereogênicos tetravalentes, os átomos estereogênicos trivalentes e os compostos com rotação restrita.

Uma molécula é considerada proquiral se ela puder ser convertida da forma aquiral para a quiral

em uma única etapa de reação. Um átomo proquiral com hibridação sp2 tem duas faces e essas são

designadas como re e si. Um átomo de carbono sp3 é um centro de proquiralidade somente se a

troca de um dos substituintes iguais resultar na formação de um centro assimétrico. O átomo cuja

substituição leva à formação do estereocentro R é chamado de pro-R e aquele em que a substitu-

ição leva à formação de um estereocentro S é o pro-S. Diversas substâncias usadas como fármacos,

apresentam em suas estruturas um ou mais carbonos assimétricos. A supressão da quiralidade

nesses fármacos leva muitas vezes, ao desaparecimento da atividade biológica. Adicionalmente,

a inversão da configuração absoluta do estereocentro também pode levar a perda da atividade

biológica ou a uma modificação importante dessa atividade.

Ao término dessa aula você deverá ser capaz de:

Escrever as forma tridimensionais das moléculas;

Escrever e identificar as moléculas com imagem especular;

Usar os descritores D e L e R e S para identificar as configurações absolutas dos este-

reoisômeros;

Identificar os planos de simetria nas moléculas;

Identificar e diferenciar enantiômeros e diastereoisômeros;

Identificar os compostos meso;

Resolver enantiômeros;

Identificar e nomear os átomos proquirais de uma molécula;

Correlacionar a forma das moléculas com as atividades biológicas;

Escrever a estereoquímica das moléculas.

Olhando a diante

Reações estereosseletivas;

Reações que controlem a geometria dos alcenos;

Controlando a estereoquímica com compostos cíclicos;

Síntese assimétrica;

Bioquímica;

Page 191: Quimica Organica 1 MOODLE

189

1ª Questão: Assinale a configuração R ou S de cada um dos compostos mostrados abaixo.

2ª Questão: A epinefrina natural, [α]D = -50 é utilizada na medicina. Seu enantiômero é

medicinalmente inútil e, na verdade, tóxico. Suponha que você recebeu uma solução cujo

rótulo diz conter 1g de epinefrina em 20 mL de líquido, mas cuja pureza óptica não está es-

pecificada. Quando você a coloca em um polarímetro (tubo de 10 cm) e obtém uma leitura de

-2,5º. Qual é a pureza óptica da amostra? Ela é segura para uso medicinal?

3ª Questão: Estão mostrados a seguir as projeções de Newman para o (R,R)-, (S,S)- e (R,S)-

2,3-diclorobutano. (a) Correlacione as projeções com as respectivas configurações absolutas.

(b) Qual fórmula é um composto meso?

4ª Questão: As estruturas mostradas a seguir são representações do 3-fluoro-2-fenil-2-

pentanol. Mostre a relação estereoquímica de cada estrutura com o (2R, 3R)-3-fluoro-2-

fenil-2-pentanol.

5ª Questão: Especifique todas as configurações das unidades estereogênicas que compõem

os estereoisômeros mostrados a seguir.

6ª Questão: O composto mostrado a seguir racemiza com base. Por quê?

atividadeS

Page 192: Quimica Organica 1 MOODLE

190

7ª Questão: O D-galacitol é um dos compostos tóxicos produzidos pela doença galactosemia.

O acúmulo de altos níveis de D-galacitol provoca a formação de catarata. A projeção de Fis-

cher dessa substância é mostrada a seguir. Desenhe uma estrutura tridimensional para o D-

galacitol. Em seguida, desenhe a sua imagem especular e a converta para a projeção de Fischer.

Por último, diga qual é a relação estereoquímica entre o D-galacitol e a sua imagem especular.

8ª Questão: O mevacor é usado clinicamente para reduzir os níveis séricos do colesterol. Já

o butaclamol é um potente antipsicótico utilizado no tratamento da esquizofrenia. Indique

os carbonos assimétricos de cada uma dessas estruturas.

9ª Questão: Uma substância tem rotação específica de -39º. Uma solução dessa substância

(0,187 g/mL) tem rotação observada de -6,52º quando colocada em um tubo de polarímetro de

10 cm de comprimento. Qual é o percentual de cada enantiômero na solução?

10ª Questão: Indicar se as estruturas são enantiômeros, diasterioisômeros ou idênticas e

representá-las nas suas formas estendidas.

Page 193: Quimica Organica 1 MOODLE
Page 194: Quimica Organica 1 MOODLE