Quirópteros do Parque da Grota Funda, Serra de Itapetinga, Atibaia, São Paulo

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A maior parte dos morcegos encontrados em cidades forrageia das áreas naturais às urbanas em busca de frutos de interesse comercial em substituição aos frutos silvestres, escassos em determinados períodos do ano. Nas cidades os morcegos encontram frutos em quintais e pomares e abrigos em folhagens e edificações, dois parâmetros ecológicos importantes para a sua sobrevivência.

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QUIRPTEROS DO PARQUE DA GROTA FUNDA, SERRA DE ITAPETINGA, ATIBAIA, SO PAULO Miriam Mitsue Hayashi1; Talisson Resende Capistrano21

Mestre em Zoologia, UNESP, Botucatu, professora do Centro Universitrio FIEO, Osasco, SP. [email protected]; 2Mestre em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente, Instituto de Botnica, SP. [email protected] A maior parte dos morcegos encontrados em cidades forrageia das reas naturais s

urbanas em busca de frutos de interesse comercial em substituio aos frutos silvestres, escassos em determinados perodos do ano. Nas cidades os morcegos encontram frutos em quintais e pomares e abrigos em folhagens e edificaes, dois parmetros ecolgicos importantes para a sua sobrevivncia. A permanncia dos morcegos em reas urbanas tem causado muitos transtornos, como: a) vos rasantes sobre as rvores em frutificao, presentes em quintais, caladas e praas; b) sujeiras em paredes de casas provocadas por defecaes em vo; c) utilizao de forros e pores de casas como abrigo e d) odores desagradveis e desabamento de forro em decorrncia do excesso de fezes. O problema tem se agravado com o plantio de rvores apreciadas por morcegos em praas pblicas, servindo como atrativo para estes animais. Locais com iluminao e trnsito de pessoas, antes evitados pelos morcegos, hoje so frequentemente visitados, demonstrando uma grande capacidade de adaptao. A chegada dos morcegos em cidades trouxe tambm algumas patologias, como a histoplasmose, causada por esporos do fungo Histoplasma capsulatum que se desenvolve em fezes de morcegos e a raiva, doena virtica fatal. Todos os morcegos, independente do seu hbito alimentar, so considerados susceptveis infeco com o vrus rbico e podem transmitilo atravs da mordida ou de pequenos arranhes, em situaes de manuseio indevido. Segundo dados da Fundao Nacional de Sade, o morcego j o segundo transmissor de raiva em nosso1

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pas, ultrapassando o gato em nmero de casos. A predao de morcegos por animais domsticos, como gatos e ces, um risco de transmisso da raiva e um importante elo entre o ciclo rbico urbano e rural. Alm disso, existem abrigos que alojam diferentes espcies de morcegos permitindo a transmisso interespecfica e a disseminao para outras regies. Apesar dos incmodos causados pelos quirpteros, o controle desses animais, quando necessrio, deve obedecer critrios racionais e princpios ecolgicos. No devemos esquecer o seu papel importante no ecossistema como controlador da populao de insetos, na polinizao de flores, na disperso de sementes, e principalmente restaurao de reas alteradas. Alm disso, por ser um animal silvestre, protegido por lei e a manipulao indevida punida como um crime inafianvel. Atravs dos estudos de comportamento das diversas espcies de morcegos podemos compreender melhor quais devero ser as estratgias de manejo desses animais, cada vez mais frequentes em reas urbanas, e que possuem uma grande importncia ecolgica e de sade pblica. Embora os morcegos frugvoros dos neotrpicos sejam conhecidos da cincia h mais de um sculo, sua funo na dinmica das florestas tem sido investigada apenas recentemente (Fleming, 1988a). No Brasil, estudos semelhantes foram realizados com diversas espcies frugvoras (Uieda & Vasconcellos-Neto, 1985; Marinho-Filho, 1991; 1992; Muller & Reis, 1992; Pedro, 1992; Hayashi & Uieda, 1995), com pouca nfase na dinmica em reas urbanas e na manuteno de reas verdes prximas em ambiente urbano. O presente estudo foi desenvolvido no Parque Municipal da Grota Funda, Serra de Itapetinga, uma rea de 245 ha que est localizada em Atibaia (4545W e 2310S), uma regio montanhosa com altitude variando de 900 a 1400m. O clima ameno, com duas estaes bem definidas, seca e fria com geadas, de abril a setembro e mida e quente, de outubro a maro. O solo da regio arenoso, com fertilidade baixa e acidez pronunciada, apesar disso no h variao na composio florstica de acordo com as caractersticas citadas (Meira Neto et al.,1989). Ao longo de toda regio existem numerosos afloramentos granticos de dimenses variveis que podem abrigar diversas espcies de quirpteros.2

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A rea de estudo se encontra sob o domnio morfoclimtico da Mata Atlntica e na rea interior a oeste do Estado composta por um relevo bastante ondulado e com formaes de serras (AbSaber, 2003). O Bioma Mata Atlntica (IBGE, 2004) abriga uma parcela significativa da diversidade biolgica do Brasil (Fundao SOS Mata Atlntica/INPE, 2008). reconhecida como um dos 25 hotspots mundiais (Myers et al., 2000), sendo responsvel por abrigar um nmero muito grande de espcies endmicas (Mittermeier et al. 2005). Mesmo com reas ainda pouco conhecidas do ponto de vista biolgico, acredita-se que a regio abrigue de 1 a 8% da biodiversidade mundial (Silva & Casteleti, 2005) e identificada como a quinta rea mais ameaada e rica em espcies endmicas do mundo (Arruda et al., 2001). A rea de estudo muito importante, na questo de conservao, por ser um dos poucos fragmentos remanescentes de Mata Atlntica do interior paulista e por estar relacionado criao de UCs, podendo ser parte integrante do projeto de ampliao das reas de proteo do Estado (Contnuo Cantareira). Segundo o Veloso et al. (1991), a vegetao encontrada na rea classificada como Floresta Estacional Semidecidual Montana. Apresenta uma fisionomia florestal constituda por rvores de 10-12 m de altura, com ocorrncia de indivduos emergentes; o estrato arbreo denso, com o dossel bem fechado pela sobreposio das copas; o estrato arbustivo e herbceo pouco desenvolvido, quando comparados com outras formaes. O estgio de regenerao predominante mdio a avanado, e poucos so os locais em estgio inicial. So encontradas espcies vegetais arbreas como pito-de-macaco - Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze, cedro Cedrela odorata L. e Cedrela fissilis Vell., angelim-de-morcego Andira fraxinifolia Benth., paineira Ceiba speciosa (A.St.-Hil.) Ravenna, fruto-de-pombo Erythroxylum pelleterianum A.St.-Hil., angico-rajado Leucochloron incuriale (Vell.) Barneby & J.W. Grimes, pau-jacar Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F. Macbr. No sub-bosque so encontradas vrias espcies de Piper spp. e Psychotria sp. e em reas de estgios iniciais de regenerao, indivduos de Solanum spp. Espcies do gnero Piper e Solanum so muito apreciadas por espcies de morcegos. O Parque da Grota Funda apresenta grande diversidade florstica e inmeras grutas e cavernas, que contribuem para a formao de colnias permanentes de diversas espcies de3

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morcegos. Alm disso, a dificuldade de acesso a regio provoca poucas perturbaes ao meio no interferindo na dinmica populacional dos morcegos. As coletas de morcegos foram realizadas com redes de neblina (de 6,0m e 12,0m) armadas ao entardecer, em rotas de vo e trilhas de acesso aos abrigos e fontes de alimento e observadas por 12 horas. Um estudo preliminar foi realizada de 2001 e 2003, sendo retomados os estudos no ano de 2009 a 2012. A quantidade de redes e a altura em que foram armadas dependiam das condies da vegetao do local e do acesso s fontes de alimento. Dados como sexo, estado reprodutivo, horrio de captura, altura da rede em que foi capturado, medida de antebrao e peso foram anotados em ficha de campo. O morcego era pesado com balana digital, seu antebrao medido com paqumetro e classificados em juvenil ou adulto. Os morcegos foram mantidos em sacos de pano por trs horas para coleta de amostras de sementes e identificao dos frutos consumidos. A fenologia das espcies vegetais, citadas na literatura como fonte de alimento para os morcegos, bem como das espcies identificadas nas fezes dos animais coletados, foi registrada em visitas diurnas mensais ao campo, concomitante s coletas de morcegos. O acompanhamento da florao e frutificao destas espcies foi feita atravs da presena ou ausncia do fenmeno sem quantificao do nmero de frutos ou flores por indivduos. Frutos maduros foram secos e as sementes separadas para montagem da coleo referncia e as folhas e flores preensadas, segundo Fidalgo & Bononi (1989) e mantidas no acervo do UNIFIEO. A colorao e odor das fezes tambm eram observadas, levando-se em considerao a oxidao da polpa dos frutos aps passagem pelo trato digestivo. Foram coletados exemplares distribudos por 20 espcies, sendo 16 Phyllostomidae, 3 Vespertilionidae e um Molossidae. Destas, Carollia perspicillata, Artibeus lituratus, Sturnira lilium, Artibeus fimbriatus, Platyrrhinus lineatus foram as mais comuns. As demais espcies ocorreram de forma acidental ou espordica. Dentre as espcies coletadas houve uma predominncia de morcegos frugvoros com alguns exemplares insetvoros, nectarvoros e at a coleta de duas espcies hematfagas (Diphylla ecaudata e Desmodus rotundus).4

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Mataces granticos, tpicos da regio, podem servir de abrigo diurno e noturno para Carollia, Glossophaga, Anoura, Myotis e Tadarida e ocos de rvores e copas arbreas densas podem alojar Sturnira, Artibeus e Platyrrhinus. No presente trabalho foram encontrados dois abrigos diurnos. O abrigo de Tadarida brasiliensis foi localizado a partir do acmulo de fezes, de odor forte, na entrada da fenda de rocha e pelas vocalizaes de vrios indivduos durante o dia. Os morcegos, cerca de 20, estavam dispostos um do lado do outro em pequenas frestas de cerca de 2 cm. Pelo acmulo de fezes foi possvel estimar que a colnia estava neste local h mais de trs anos. O outro abrigo era uma gruta com um agrupamento de Carollia perspicillata, prxima a sede do parque e de sales mais amplos. O local estava sendo co-habitado por Anoura. Das 415 espcies vegetais identificadas no parque (Meira Neto et al., 1989), 45 podem servir de alimento aos morcegos e nove (20%) foram amostradas em suas fezes. A concentrao da dieta em diferentes espcies de frutos representou um importante parmetro para a separao de nichos alimentares entre as espcies mais comuns. O parque apresenta extensas reas de alimentao, possibilitando aos morcegos um comportamento de forrageio de pouca fidelidade a uma mesma rea, confirmando dados obtidos por Pedro (1992), Aguiar (1994) e Hayashi (1996). As duas espcies de morcegos mais recapturadas (Artibeus lituratus e Sturnira lilium) utilizam recursos alimentares disponveis por toda a extenso do parque e com frutificao ao longo do ano, possibilitando que estes morcegos mantenham o consumo dos frutos mais apreciados. No presente estudo observamos diversas plntulas crescendo em locais de difcil acesso, lugares visitados apenas por dispersores areos. Muitas figueiras se desenvolvendo em outras rvores e solanceas entre fendas de rochas localizadas em grandes altitudes. Morcegos frugvoros tendem a escolher frutos maduros que apresentam sementes em condies de germinao, alm disso, saem para se alimentar mais de uma vez por noite e percorrem grandes distncias para se alimentar do fruto de sua preferncia. Neste trajeto param muitas vezes em pousos temporrios de alimentao e defecam nestes locais ou em vo, facilitando a disperso de sementes.5

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O presente trabalho visa contribuir com informaes e conhecimentos especficos sobre a interao morcego-planta, possibilitando relacionar a importncia deste grupo animal na dinmica sucessional e na recuperao de reas degradadas. A manuteno e preservao de populaes de dispersores vertebrados, como os morcegos, contribuem para a conservao de remanescentes florestais e mantm estes animais, em reas naturais, sem o deslocamento para a cidade em busca de alimento. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ABSABER, A. 2003. Os domnios de natureza no Brasil: potencialidades paisagsticas. So Paulo: Ateli Editorial. 160p. AGUIAR, L. M. S. Comunidades de Chiroptera em trs reas de Mata Atlntica em diferentes estdios de sucesso Estao Biolgica de Caratinga, Minas Gerais, Minas Gerais, 1994. Dissertao (Mestrado) Instituto de Cincias Biolgicas, Universidade Federal de Minas Gerais. ARRUDA, M. B. (org.). Ecossistemas Brasileiros. Braslia: Edies IBAMA, 49p. 2001. FLEMING, T. H. Fruit bats: prime movers of tropical seeds. Bat Conservation International, 1988a, p. 3-6 HAYASHI, M. M. UIEDA, W. Phytophagous bats from two disturbed areas (Eucalyptus monoculture and orchard) of Southeastern Brazil. Bat Res. News., v. 36, p. 71, 1995. HAYASHI, M. M. & UIEDA, W. Comportamento de morcegos Artibeus lituratus e Platyrrhinus lineatus (Phyllostomidae) em Fcus guaranitica (Moraceae). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ZOOLOGIA, 21, 1996, Porto Alegre. Resumos: Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Zoologia, 1996. p. 240-241.6

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