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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Perfumes N° 4, NOVEMBRO 1996

Os perfumes têm sido parte davida civilizada há váriosséculos, tanto para os ho-

mens como para as mulheres. Todosnós temos preferências por determi-nados aromas, os quais podem nosmudar o humor ou suscitar emoções.Provavelmente o mais primitivo dosnossos sentidos, o olfato tem acapacidade de nos recordar experiên-cias passadas. As mensagens olfati-vas são enviadas para áreas do cére-bro associadas à emoção, à criativi-dade e à memória.

Mas, afinal de contas, o que é umperfume? O que ele contém?

A fragrância de um perfume é umcomplexo sistema de substânciasoriginalmente extraídas de algumasplantas tropicais ou de alguns animaisselvagens. Recentemente,o perigo deextinção de certas espécies vegetaise animais e a busca de novas essên-cias, inclusive de menor custo, con-duziu a química dos perfumes aos la-boratórios, onde são criados osprodutos sintéticos que têm substituí-do paulatinamente os aromas naturais.

Um outro aspecto curioso é que asfragrâncias que encontramos em

palavras latinas per (que significaorigem de) e fumare (fumaça).

O passo seguinte na evolução doemprego dos aromas foi sua apropria-ção pelas pessoas, para o uso particu-lar, algo que provavelmente aconteceuentre os egípcios.

Um avanço posterior foi a des-coberta de que certas flores e outrosmateriais vegetais e animais, quandoimersos em gordura ou óleo, deixavamnestes uma parte de seu princípioodorífero. Assim eram fabricados osungüentos e os perfumes mencio-nados na Bíblia.

A arte de extração de perfumes foibastante aprimorada pelos árabes hácerca de mil anos. Eles faziam essasextrações a partir de flores maceradas,geralmente em água, obtendo ‘águade rosas’ e ‘água de violetas’, dentreoutras.

Com o advento do cristianismo, ouso dos perfumes como aditivo ao cor-po foi banido, uma vez que estava as-sociado a rituais pagãos. Os árabes, noentanto, cuja religião não impunha asmesmas restrições, foram os respon-sáveis pela perpetuação de seu uso. Oressurgimento da perfumaria no Oci-dente deveu-se aos mercadores queviajavam às Índias em busca de espe-ciarias. Uma outra contribuição

A seção ”Química e sociedade” apresenta artigos quefocalizam aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando, sempre que possível, analisar opotencial e as limitações da ciência na solução de problemassociais.Este texto apresenta uma discussão sobre a química dosperfumes. Os aromas têm sido utilizados pela humanidadedesde seus primórdios, e esta prática chegou a levar certasespécies vegetais e animais, fontes originais daquilo que hojechamamos de essências, à beira da extinção. A química dosperfumes é uma atividade econômica crescente e importantefonte de renda para muitos países.

aromas, óleos essenciais, perfumes

Atenção!Antes de continuar a

leitura, use duas gotas deseu perfume preferido.

Talvez isso torne a leituramais agradável.

detergentes, amaciantes e produtosde limpeza são, com freqüência, asmesmas usadas na fabricação de per-fumes. Do ponto de vista da química,o que realmente caracteriza umafragrância? A resposta a essa pergun-ta nos conduz a uma curiosa viagempelo mundo das moléculas voláteis.

Um pouco de história

Os primeiros perfumes surgiram,provavelmente associados a atosreligiosos, há mais ou menos 800 milanos, quando o homem descobriu ofogo. Os deuses eram homenageadoscom a oferenda de fumaça proveni-ente da queima de madeira e de folhassecas. Essa prática foi posteriormenteincorporada pelos sacerdotes dosmais diversos cultos, que utilizavamfolhas, madeira e materiais de origemanimal como incenso, na crença deque a fumaça com cheiro adocicadolevaria suas preces para os deuses.Daí o termo ‘perfume’ originar-se das

QUÍMICA E SOCIEDADE

Com o advento docristianismo, o uso dosaromas foi banido, uma

vez que estavaassociado a rituais

pagãos. Os árabes, noentanto, cuja religião

não impunha asmesmas restrições,

foram os responsáveispela perpetuação de

seu uso

Sandra Martins DiasRoberto Ribeiro da Silva

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significativa foi a das Cruzadas: retor-nando à Europa, os cruzados trouxe-ram toda a arte e a habilidade daperfumaria oriental, além de informa-ções relacionadas às fontes de go-mas, óleos e substâncias odoríferasexóticas como jasmim, ilangue-ilan-gue, almíscar e sândalo. Já no final doséculo XIII, Paris tornara-se a capitalmundial do perfume. Até hoje, muitosdos melhores perfumes provêm daFrança. Já as águas de colôniaclássicas têm menos de 200 anos,sendo originárias da cidade de Co-lônia, na Alemanha.

Componentes básicos de umperfume

Um perfume é, por definição, ummaterial — porção de matéria commais de uma substância. A análisequímica dos perfumes mostra que elessão uma complexa mistura de com-postos orgânicos denominada fra-grância (odores básicos). Inicialmente,as fragrâncias eram classificadas deacordo com sua origem. Por exemplo:a fragrância floral consistia no óleoobtido de flores tais como a rosa,jasmim, lilás etc. A fragrância verde eraconstituída de óleos extraídos deárvores e arbustos, como o eucalipto,o pinho, o citrus, a alfazema, a cânforaetc. A fragrância animal consistia emóleos obtidos a partir do veado almis-careiro (almíscar), do gato de algália(algália), do castor (castóreo) etc. Afragrância amadeirada continha extra-

tos de raízes, de cascas de árvores ede troncos, como por exemplo, do ce-dro e do sândalo.

O sistema moderno de classifica-ção das fragrâncias engloba um totalde 14 grupos, organizados segundoa volatilidade de seus componentes:cítrica (limão), lavanda, ervas (hortelã),aldeídica, verde (jacinto), frutas (pês-sego), florais (jasmim), especiarias(cravo), madeira (sândalo), couro (re-sina de vidoeiro), animal (algália), al-míscar, âmbar (incenso) e baunilha. AFig. 1 classifica essas fragrâncias se-gundo sua volatilidade.

Os perfumes têmem sua composiçãouma combinação defragrâncias distribuídassegundo o que os per-fumistas denominamde notas de um perfu-me. Assim, um bomperfume possui trêsnotas:

Nota superior (oucabeça do perfume): éa parte mais volátil doperfume e a que detec-tamos primeiro, geral-mente nos primeiros 15 minutos deevaporação.

Nota do meio (ou coração do per-fume): é a parte intermediária do per-fume, e leva um tempo maior para serpercebida, de três a quatro horas.

Nota de fundo (ou base do per-fume): é a parte menos volátil, geral-

mente leva de quatro a cinco horaspara ser percebida. É também deno-minada ‘fixador’ do perfume. A estafragrância estão associadas, segundoos perfumistas, as emoções fortes e asugestão de experiências como en-contros sexuais e mensagens eróticas.A Fig. 1 ilustra a participação dasdiversas fragrâncias nas notas de umperfume.

Composição química dasfragrâncias

As fragrâncias características dosperfumes foram obtidas durante muito

tempo exclusivamentea partir de óleos es-senciais extraídos deflores, plantas, raízes ede alguns animaisselvagens. Esses óle-os receberam o nomede óleos essenciaisporque continham aessência, ou seja,aquilo que confere àplanta seu odor carac-terístico. Embora osóleos essenciais se-jam ainda hoje obtidos

a partir dessas fontes naturais, têmsido substituídos cada vez mais porcompostos sintéticos, como veremosmais adiante.

Os químicos já identificaram cercade três mil óleos essenciais, sendoque cerca de 150 são importantescomo ingredientes de perfumes. Paraque possam ser usados com esse fim,os óleos essenciais devem serseparados do resto da planta. Astécnicas usadas para isso baseiam-seem suas diferenças de solubilidade,volatilidade e temperatura de ebulição.A extração por solventes, por exemplo,utiliza o solvente éter de petróleo (umamistura de hidrocarbonetos) paraextrair óleos essenciais de flores. Já oóleo de eucalipto pode ser separadodas folhas passando através delasuma corrente de vapor de água(destilação por arraste de vapor).

Uma vez obtido um óleo essencial,a análise química permite identificarquantos e quais componentes estãopresentes. Antes do advento dastécnicas modernas de análise de óleosFigura 1: Escala de notas de um perfume e a participação de diferentes fragrâncias nessas notas.

Menos volátil, a ‘notade fundo’ de um per-

fume geralmente levade quatro a cinco horaspara ser percebida. (...)A essa fragrância estãoassociadas, segundo os

perfumistas, asemoções fortes e a

sugestão deexperiências como

encontros sexuais emensagens eróticas

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5essenciais (cromatografia a gás, es-pectrometria de massa, ressonânciamagnética nuclear, espectroscopiade infravermelho etc.), os químicosidentificavam quase exclusivamenteo componente principal de um óleoessencial. Hoje, é possível identificartodos os componentes de um óleo,mesmo aqueles que estão presentesem quantidades mínimas. Algunsóleos essenciais chegam a ter maisde 30 componentes. O Quadro 1apresenta as fórmulas dos principaiscomponentes de alguns óleos essen-ciais.

cos, desodorantes), e para criarilusões, como deixar o plástico dosassentos de automóveis com cheirode couro.

O Quadro 2 apresenta as estrutu-ras de alguns compostos sintéticosusados em perfumaria.

Os produtos sintéticos talveznunca substituam completamenteos naturais. Os perfumes mais carosusam os produtos sintéticos apenaspara acentuar o aroma dos óleos na-turais. Para alguns óleos, como opatchouli e o de sândalo, os quími-cos ainda não encontraram substi-tutos satisfatórios. Uma grandecontribuição da química sintéticatem sido, sem sombra de dúvida, apossibilidade de preservação decertas espécies animais e vegetaisque corriam o risco de extinção de-vido à procura desenfreada de óleosessenciais. Uma outra contribuiçãoé o barateamento dos perfumes,permitindo seu uso por uma fatiamais ampla da população.

Existe uma diferença muito grandeno preço dos produtos de perfumaria,dependendo se são classificados como‘perfume’, ‘água de colônia’ ou ‘loçãopós-barba’. Estas diferentes classifica-ções refletem, na realidade, a composi-ção da mistura que você está compran-do. Os perfumes contêm misturas defragrâncias dissolvidas em um solvente,geralmente o etanol. O etanol, por suavez, contém sempre uma pequenaquantidade de água. A Tabela 1 ilustraas diferentes composições para produ-tos de perfumaria. Quanto maior aporcentagem das essências nas fra-grâncias, maior o preço do produto.

Além da essência e do solvente, osfabricantes adicionam à mistura

Quadro 1: Principais componentes de alguns óleos essenciais.

Quadro 2: Alguns compostos sintéticos utilizados como fragrâncias artificiais.

Uma vez identificados os com-ponentes de um óleo essencial, osquímicos podem fabricá-los sinteti-camente e torná-los mais baratos.Uma outra possibilidade é a síntesede novos compostos com aroma si-milar ao produto natural, porémcom estruturas totalmente diferen-tes. A grande maioria das fragrân-cias usadas hoje em dia é fabricadaem laboratório. Os produtos sinté-ticos são usados para aromatizarprodutos de limpeza (sabões, de-tergentes, amaciantes de roupas) eprodutos de higiene pessoal (tal-

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Perfumes N° 4, NOVEMBRO 1996

Uma grandecontribuição da

química sintética temsido, sem sombra de

dúvida, a possibilidadede preservação de

certas espéciesanimais e vegetais que

corriam o risco deextinção devido à

procura desenfreada deóleos essenciais

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Perfume 15% (150 mL/L) 950 : 50

Loção perfumada 8% (80 mL/L) 900 : 100

Água de toalete 4% (40 mL/L) 800 : 200

Água de colônia 3% (30 mL/L) 700 : 300

Deocolônia 1% (10 mL/L) 700 : 300

Tabela 1: Composição média de misturas usadas em produtos de perfumaria.

Composição dosolvente(etanol:água)/mL:mL

Fração em volumeda essência (mL da

essência/ L damistura)

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Vamos fazer um perfume?Um bom perfume pode ser

preparado utilizando-se as seguintesproporções: álcool, 76 mL; essência,10 mL; fixador, 2 mL; propileno glicol,2 mL, e água destilada, 10 mL. Asessências podem ser adquiridascomercialmente. Na cidade de SãoPaulo existe uma região no centrovelho com casas comerciais especia-lizadas na venda de essências (a RuaTabatinguera é o ponto de referência).Exemplos de custo de algumas essên-cias (porções de 100 mL): jasmim,R$6,50; absinto, R$9,00; alfazema,R$5,40; almíscar, R$8,60; patchouly,R$11,00; âmbar, R$7,80). Oportuna-mente, Química Nova na Escoladescreverá procedimentos experimen-tais para a obtenção de algumas es-sências.

Sandra M. Dias é aluna do curso de bachareladoem química da UnB e bolsista do Grupo PET/QUÍ-MICA. Roberto R. da Silva é doutor em químicaorgânica e professor adjunto do Departamento deQuímica da UnB.

substâncias denominadas de fixado-res que têm a função de retardar aevaporação da essência, e conse-qüentemente, prolongar os efeitos doperfume. É comum também adicionarum outro álcool, o propileno glicol, pa-ra aumentar a solubilidade da essên-cia no solvente.

Finalmente, cabe salientar quepara algumas pessoas os perfumesnão trazem sensações agradáveis:são aquelas que têm algum tipo dealergia aos ingredientes usados naformulação. Essências tais como a deanís, bergamota, canela, citronela,cravo, gerânio, hortelã, safrol, sassa-frás etc. podem originar dermatites(inflamação da pele), manchas cutâ-neas e febre dos fenos.

Curiosidades sobre perfumes

• A paixão pelos perfumes alcan-çou seu auge nas cortes francesas doséculo XVIII, quando Luís XV decretouque para cada dia dasemana deveria haveruma fragrância dife-rente na corte. Ma-dame Pompadour(1721-1764) teria gastoo equivalente aR$250 000,00 em per-fumes.

• Arqueólogos que abriram otúmulo do faraó Tutankhamon em 1922encontraram vasos com um óleoperfumado conhecido como Kiphi.Após 3 300 anos, traços do aromaainda puderam ser detectados.

• O ano de 1900 representou o

auge no comércio do óleo de almíscar(musk), quando cerca de 1 400 kg doóleo foram coletados, causando amorte de 50 mil animais.

• Atualmente, o comérciomundial do óleo de almíscar naturalé limitado a 300 kg por ano, o queainda representa a morte paraalguns milhares de veados almisca-reiros.

• O óleo de jasmim natural cus-ta cerca de R$5 000,00 por quilogra-ma. A mesma quantidade da fra-grância artificial chega a custarR$5,00.

• São necessárias cinco toneladasde rosas para se obter um quilogramade óleo essencial.

• É famosa a carta que Napoleãoescreveu a Josefina dois meses an-tes de retornar: “Pare de tomar banho!Estou voltando!”

• O profe ta efundador do islamis-mo, Maomé, acredi-tava no poder dosperfumes e, segundodizem, teria afirmadocerta vez: “Três coi-sas são importantespara mim na Terra:

mulheres, perfumes e orações.” Nu-ma outra ocasião, teria dito: “O per-fume é o alimento que nutre meuspensamentos.”

• Um quilograma de óleo essen-cial de jasmim requer para ser obtidocerca de oito milhões de flores.

É famosa a carta queNapoleão escreveu aJosefina dois mesesantes de retornar:

“Pare de tomar banho!Estou voltando!”

Para saber maisSHEREVE, R.N., BRINK JR., J.A. In-

dústria de processos químicos. Tradu-ção por Horácio Macedo. Rio de Janei-ro: Guanabara Dois, 1980.

TRINDADE, Diamantino Fernandes,DEUS, Cláudio. Como fazer perfumes.6. ed. São Paulo: Ícone, 1988.

MAHAJAN, Jaswant Rai. Química dealmíscares naturais e artificiais. QuímicaNova, v. 5, n. 4, p.118-123, out. 1982.

SÜSKIND, Patrick. O perfume: his-tória de um assassino. Tradução porFlávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Record,1995.

CORBIN, Alain. Saberes e odores:o olfato e o imaginário social nos séculosdezoito e dezenove. São Paulo: Com-panhia das Letras, 1987.

EMSLEY, John. The consumersgood chemical guide: a jargon-freeguide to the chemicals of everyday life.Londres: W. H. Freeman, 1994. Este livrocontém nove capítulos versando sobreos seguintes assuntos: perfumes; ado-çantes; álcool; colesterol, gorduras efibras; analgésicos; PVC; dioxinas; ni-tratos; dióxido de carbono. Trata-se deuma excelente obra de divulgação cien-tífica, acessível às pessoas que cursa-ram o ensino médio.