(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis (QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais Juliana Martins de Andrade Vitória 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis

(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais

Juliana Martins de Andrade

Vitória

2016

ii

Juliana Martins de Andrade

Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis

(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Ciências Biológicas do Centro de

Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do

Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de

Bacharel em Ciências Biológicas.

Orientador: Prof. Dr. Jean-Christophe Joyeux

Coorientador: Me. Ryan Carlos de Andrades

Vitória

2016

iii

Juliana Martins de Andrade

Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis

(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Biológicas do Centro de Ciências Humanas e

Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Ciências Biológicas.

Aprovada em 8 de julho de 2016.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Dr. Jean-Christophe Joyeux

Universidade Federal do Espírito Santo

Orientador

______________________________________________

Me. Ryan Carlos de Andrades

Universidade Federal do Espírito Santo

Coorientador

______________________________________________

Dr. Ciro Colodetti Vilar de Araújo

Universidade Federal do Espírito Santo

______________________________________________

Me. Gabriel Costa Cardozo Ferreira

Universidade Federal do Espírito Santo

iv

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais e meus irmãos pelo apoio, principalmente à minha mãe que

sempre esteve por perto quando precisei durante o curso.

Agradeço aos meus orientadores, Jean e Ryan, pela orientação e pelos ensinamentos

transmitidos, pela amizade, pela paciência, pela disponibilidade e pela ajuda ao longo do tempo

que permaneci no laboratório.

Agradeço aos meus amigos, em especial à Juliana que sempre esteve presente em todos

os momentos, à Margarida, Nahyara e todos aqueles que estiveram comigo durante o curso e

sempre me apoiando independente das minhas escolhas.

Agradeço a todo o pessoal do Ictiolab, que sempre estiveram dispostos a ajudar e por

sempre incentivarem muita leitura (especialmente o Robson), que é essencial para a formação de

um bom profissional.

Agradeço aos membros da banca, Gabriel e Ciro, por aceitarem o convite.

Agradeço ao Raphael Macieira e ao Helder Guabiroba por fornecerem as imagens

utilizadas neste trabalho.

Agradeço aos professores por todos os ensinamentos passados durante o curso.

v

RESUMO

O nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis Quoy & Gaimard (1824) de poças de maré

da Praia dos Castelhanos, Anchieta e da Ilha da Trindade foi investigado através de análises de

isótopos estáveis, conteúdos estomacais, características funcionais e uso de habitat pela espécie.

Para tal, foram caracterizadas 15 poças de maré em relação a sua batimetria, substrato, altura,

volume, distância do infralitoral e supralitoral, cobertura bentônica, salinidade e temperatura. A

variação ontogenética do nicho ecológico da espécie foi verificada em indivíduos de duas classes

de tamanho, menores que 60 mm (juvenis) e maiores que 100 mm (adultos). As correlações entre

a densidade de L. nuchipinnis e as características físico-químicas das poças indicaram que os

indivíduos habitam fendas presentes em poças de maré mais próximas ao infralitoral, com

substrato rochoso predominante e presença de animais sésseis. Análises multivariadas

envolvendo a dieta, o nicho isotópico e funcional demonstraram que a espécie possui papel de

predadora em ambas fases de vida, alimentando-se principalmente de pequenos crustáceos

quando juvenis e de peixes e crustáceos maiores quando adultos. Através das análises isotópicas

e funcionais pode-se verificar que não houve sobreposição de nicho entre adultos e juvenis,

indicando que não há competição intraespecífica entre juvenis e adultos. Os indivíduos de

Anchieta apresentaram maior enriquecimento de δ13

C e δ15

N que os indivíduos da Ilha da

Trindade, provavelmente devido a maior produtividade primária presente em regiões costeiras.

Desta forma, foi possível verificar aspectos do nicho ecológico ocupado por L. nuchipinnis e

demonstrar a importância da ontogenia para estudos de populações e comunidades.

Palavras-chave: Brasil, maria da toca, variação intraespecífica, isótopos estáveis, ecomorfologia

funcional.

vi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Localização das áreas de estudo na costa do Brasil. ES = Praia dos Castelhanos

(Espírito Santo) e TR = Ilha da Trindade. Adaptado de Macieira (2013). .................................... 14

Figura 2: Região entremarés da Praia dos Castelhanos, Espírito Santo (A) e da Ilha da Trindade

(B). Fotos: Ryan Andrades ........................................................................................................... 15

Figura 3: Medidas morfológicas realizadas em cada exemplar de L. nuchipinnis. (A) Vista

lateral com as medidas de CP = comprimento padrão, DO = diâmetro do olho, AO = altura do

olho, AINP = altura da inserção da nadadeira peitoral, A = altura, CNP = comprimento da

nadadeira peitoral, ANP = altura da nadadeira peitoral, APC = altura do pedúnculo caudal, CNC

= comprimento da nadadeira caudal e ANC = altura da nadadeira caudal. (B) Vista frontal

evidenciando as medidas de L = largura, AB = altura da boca e LB = largura da boca. .............. 17

Figura 4: Gráfico dos eixos 1 e 2 da análise de componentes principais (PCA) com a relação

entre os 10 grupos dos itens alimentares encontrados, representados pelos vetores, com todos os

31 indivíduos de Labrisomus nuchipinnis representados pelos pontos. AA = Adultos de Anchieta,

AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade. ..................... 23

Figura 5: Representação do nicho isotópico, δ13

C x δ15

N, com 41 indivíduos de Labrisomus

nuchipinnis adultos e juvenis de Trindade e Anchieta, representados pelos pontos. A área

pontilhada representa a AT (área total) e as elipses representam a AEC (área padrão da elipse

corrigida). AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ

= Juvenis de Trindade. .................................................................................................................. 24

Figura 6: Distribuição de juvenis (vermelho) e adultos (preto) na PC1 e PC2 dos espaços

funcionais. Cada ponto representa um individuo e os polígonos (área total) representam o

tamanho dos nichos funcionais de cada grupo baseado nas características funcionais

mensuradas.. .................................................................................................................................. 26

Figura 7: Diferentes colorações crípticas e hábitos de Labrisomus nuchipinnis em poças de maré

na Ilha da Trindade. Indivíduo saindo de uma toca em uma poça com substrato

predominantemente rochoso basáltico (A) e registro noturno de indivíduo descansando sobre

cascalho biogênico em poça de maré de formação mista carbonática e basáltica. Fotos: Helder

Guabiroba ...................................................................................................................................... 27

vii

LISTAS DE TABELAS

Tabela 1: Lista das 10 características funcionais calculadas utilizando as medidas da figura 3,

associadas a locomoção, habito alimentar e aquisição de presas. A = característica relacionada a

alimentação, L = característica relacionada a locomoção ............................................................. 18

Tabela 2: Média dos valores das características físico-químicas das poças de Trindade e

Anchieta. ....................................................................................................................................... 20

Tabela 3: Lista dos itens alimentares encontrados nos estômagos de Labrisomus nuchipinnis

juvenis (n = 28) e adultos (n = 16). FO = ocorrência (número de estômagos com o item), FO% =

frequência de ocorrência (FO/total de peixes), N = abundância (número de itens encontrados),

N% = frequência numérica (N/total de itens). NI = não identificado. .......................................... 22

Tabela 4: Valores das métricas estabelecidas por Jackson et al. (2011), geradas pelo modelo

SIBER, dos quatro grupos analisados. AT = área total, AE = área padrão da elipse, AEC = área

padrão da elipse corrigida. AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos

de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade ......................................................................................... 25

viii

SUMÁRIO

1.Introdução ....................................................................................................................... 9

2.Objetivos ....................................................................................................................... 13

2.1.Objetivos Específicos .................................................................................................. 13

3.Materiais e métodos ..................................................................................................... 14

3.1.Área de Estudo ............................................................................................................ 14

3.2.Coleta de Dados e Processamento ............................................................................... 15

3.3.Análise de Dados ......................................................................................................... 18

4.Resultados ..................................................................................................................... 20

4.1.Características ambientais ........................................................................................... 20

4.2.Uso de Habitat ............................................................................................................. 21

4.2.Análise de Conteúdo Estomacal .................................................................................. 21

4.3.Análise de Isótopos Estáveis ....................................................................................... 23

4.4.Ecomorfologia Funcional ............................................................................................ 25

5.Discussão ....................................................................................................................... 26

5.1.Uso de Habitat ............................................................................................................. 26

5.2.Nicho Trófico .............................................................................................................. 28

5.3.Nicho Funcional .......................................................................................................... 30

5.4.Conclusão .................................................................................................................... 31

6.Referências .................................................................................................................... 32

9

1. Introdução

Existem vários conceitos para definir nicho ecológico. Isso ocorre pois o termo 'nicho' é

amplamente utilizado para se referir a diferentes ideias e processos biológicos. Deste modo, não

há apenas um conceito que defina nicho ecológico, uma vez que é usado para explicar uma

questão muito complexa: "Qual a combinação de fatores ambientais que permite uma espécie

existir em uma dada região geográfica ou em uma dada comunidade biótica, e quais efeitos a

espécie traz para esses fatores ambientais?" (PETERSON et al., 2011). Assim sendo, para

determinar o nicho ecológico de uma espécie, deve-se estudar as relações que esta possui dentro

da população, com a comunidade e com o próprio habitat onde vive (ODUM; BARRET, 2007).

O estudo da ecologia trófica de peixes é um importante indicador das relações ecológicas

entre organismos em um dado ecossistema, consequentemente do nicho exercido pelas espécies.

Neste sentido, é possível determinar estratégias de coexistência entre diferentes espécies através

da separação de hábitos alimentares espacialmente, temporalmente ou através da ontogenia

(SANTOS; ARAÚJO, 1997; BAKER et al., 2014). O hábito alimentar de uma espécie é uma

propriedade dependente de condições abióticas e bióticas (COSTA et al., 1987; ARTERO et al.,

2015). A compreensão das relações ecológicas (ex: alimentação, reprodução, etc.) pode auxiliar

no desenvolvimento de técnicas de manejo sustentável de ecossistemas, contribuindo com

ecólogos, piscicultores e gestores, para a exploração racional dos estoques de peixes e outros

organismos de valor econômico (AMARAL; MIGOTTO, 1980; HAHN; DELARIVA, 2003).

Labrisomus nuchipinnis Quoy & Gaimard (1824) pertence a família Labrisomidae que

possui 15 gêneros e 105 espécies (NELSON, 2006). Em geral, habitam ambientes rasos costeiros

e insulares, normalmente com substrato consolidado e algas abundantes, sendo muito comuns em

poças presentes na zona entremarés (CARVALHO-FILHO, 1999). São considerados residentes

permanentes em poças de maré por exibirem deslocamento restrito (ZAMPROGNO, 1989;

MACIEIRA, 2008). Também exibem hábito críptico e territorialista (SAZIMA, 1986; GIBRAN

et al., 2004; CAMPOS et al., 2010). São ovíparos, realizando postura no território do macho, o

qual exerce cuidados parentais (GIBRAN et al., 2004; CAMPOS et al., 2010). A espécie é alvo

de pesca para fins ornamentais (SAMPAIO; NOTTINGHAM, 2008).

L. nuchipinnis está distribuído pelas águas tropicais do Atlântico Oeste, sendo encontrada

desde Bermuda, Florida (EUA), Bahamas, ao longo do Caribe e do Golfo do México até Santa

Catarina (Brasil) (HUMANN, 1994; WILLIAMS, 2014). No Atlântico Leste pode ser

encontrada no arquipélago Madeira (Portugal) e na costa portuguesa (OLIVEIRA et al., 1992;

VINAGRE et al., 2011), nas Ilhas Canárias e do sul da costa Africana até a Guiné Equatorial

(WIRTZ, 1990).

10

L. nuchipinnis é predador de emboscada (SAZIMA, 1986) e alimenta-se principalmente

de crustáceos, gastrópodes e outros invertebrados (RANDALL, 1967; CARVALHO-FILHO,

1999; SANT’ANA, 2008). Zamprogno (1989) reporta que a espécie é o maior carnívoro

residente permanente de poças e pode ser considerada dominante por ter maior frequência de

ocorrência comparada à maioria das espécies. Pode-se observar em espécies carnívoras um

aumento proporcional na diversidade de alimento explorado com o crescimento do tamanho

corporal (COCHERET DE LA MORINIERE et al., 2003; SANT’ANA, 2008; DAVIS et al.,

2012). A presença de predadores de topo é essencial para manter a diversidade dentro do

ecossistema, uma vez que uma maior diversidade de relações tróficas garante a estabilidade

ecológica da comunidade e seus organismos pertencentes. A retirada destes predadores pode

gerar um grande impacto ambiental afetando, direta ou indiretamente, outras espécies

desestabilizando toda a comunidade através de cascatas tróficas (BASCOMPTE et al., 2005;

FLOETER et al., 2007). Desta forma, o estudo da ecologia de L. nuchipinnis é importante para o

conhecimento de suas interações ecológicas e o papel de espécies carnívoras no ecossistema

entremarés.

O estudo da ecologia trófica de peixes geralmente é realizado através de análises dos

conteúdos estomacais de uma dada espécie. Tal metodologia pode fornecer informações do

tamanho das presas, de taxonomia, e de interações entre predador e presa quando a espécie se

alimenta de diversas fontes (LAYMAN et al., 2005). Entretanto, essa ferramenta possui algumas

limitações, como evidenciar apenas dados da dieta a curto prazo, ou seja, o alimento mais

recente ingerido pelo indivíduo (HYSLOP E. J., 1980; CARVALHO, 2008). Por outro lado, a

análise de isótopos estáveis (ex; 13

C e 15

N) fornece informações do que foi ingerido pelo

predador a longo prazo, indicando de forma robusta a importância dos principais itens da dieta e

sua assimilação (LAYMAN et al., 2005; CARVALHO, 2008). Portanto, as duas metodologias

usadas juntas podem fornecer informações mais detalhadas sobre a ecologia trófica de uma

espécie em um ecossistema (PARKYN et al., 2001; LAYMAN et al., 2005; DAVIS et al., 2012).

Isótopos estáveis estão presentes em toda a biosfera e sua distribuição mostra como seus

componentes se conectam e como o fluxo de matéria e energia é transmitido entre organismos

(PEREIRA; BENEDITO, 2008). Sendo assim, a análise isotópica pode ser útil para vários tipos

de estudo, como entendimento de teias alimentares, efeitos de espécies invasoras no ecossistema,

circulação e detecção de fontes poluidoras no ambiente, verificação de mecanismos fisiológicos

em organismos, investigação de paleo-dieta, rastreamento de migrações e até na medicina

(MICHENER; LAJTHA, 1994; FRY, 2006). Além disso, é muito utilizada no entendimento de

11

mudanças ontogenéticas na dieta de peixes (COCHERET DE LA MORINIERE et al., 2003;

DAVIS et al., 2012; ARTERO et al., 2015).

Em estudos de ecologia alimentar, os isótopos mais utilizados são os de carbono e

nitrogênio. Isótopos de carbono, em animais, indicam os recursos consumidos na dieta do

indivíduo em um período de tempo e revelam a fonte do alimento quando comparada com outros

organismos. Já isótopos de nitrogênio indicam a posição trófica do organismo no ecossistema

(FRY, 2006). A composição isotópica é expressa através da notação delta (δ), que é a diferença

entre o valor da razão isotópica da amostra e do padrão, representado em partes por mil (‰):

Onde X é o isótopo pesado e R, a razão isotópica, que corresponde a razão entre isótopos

pesados e leves presentes na amostra, por exemplo: 13

C/12

C e 15

N/14

N. Portanto, valores positivos

de δ indicam que a razão isotópica da amostra possui mais isótopos pesados que o padrão e

valores negativos, que a amostra possui mais isótopos leves que o padrão. Os valores padrões são

referência internacional e podem ser adquiridos na International Atomic Energy Agency (IAEA)

em Viena, Áustria e no National Institute of Standards and Technology (NIST) nos Estados

Unidos. A medição dos valores das razões isotópicas é feita por meio de espectrômetros de

massa (FRY, 2006; PEREIRA; BENEDITO, 2008).

Além do uso de isótopos e análise de conteúdo estomacal, a ecomorfologia funcional

também é utilizada em estudos ecológicos, uma vez que a morfologia é um fator intimamente

relacionado a hábitos alimentares e a forma que determinado grupo ou espécie explora o

ambiente (DUMAY et al., 2004). Entretanto, grande parte de estudos de ecomorfologia é voltado

para variações interespecíficas, sem dar a devida importância à variações intraespecíficas.

Variações ontogenéticas podem direcionar mudanças nos traços funcionais de espécies

predadoras (ZHAO et al., 2014). Essas mudanças podem afetar a funcionalidade do ecossistema,

portanto, variações intraespecíficas devem ser consideradas em estudos de ecologia (RUDOLF;

RASMUSSEN, 2013).

Dito isso, neste trabalho é esperado que a espécie L. nuchipinnis, residente tanto de

regiões costeiras quanto de ilhas, seja predadora em todas as fases da vida. Adultos podem ter

uma dieta mais diversificada e ocupar uma posição trófica mais alta em relação a juvenis,

resultante das mudanças de traços funcionais durante a ontogenia, e o nicho ocupado pelas duas

fases de vida não se sobrepõe. Além disso, espera-se que as assinaturas isotópicas dos espécimes

12

de regiões costeiras sejam maiores que daqueles de ilhas oceânicas e que tenham preferência por

poças de maré de substrato consolidado com presença de algas.

13

2. Objetivos

O presente trabalho objetiva determinar o nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis em

ambientes entremarés insular e costeiro através de análises de conteúdos estomacais, isótopos

estáveis e características funcionais.

2.1. Objetivos específicos:

Determinar o uso de habitat da espécie e o fator que influencia sua distribuição em

ambientes de poças de maré;

Verificar se há mudança ontogenética na dieta de L. nuchipinnis através de análise de

conteúdos estomacais e isótopos estáveis;

Determinar a assinatura de carbono (δ13

C) e nitrogênio (δ15

N) da espécie em ambientes

entremarés;

Determinar a amplitude de nicho isotópica de juvenis e adultos da espécie;

Determinar o nicho funcional de juvenis e adultos da espécie através de análise da

ecomorfologia funcional.

14

3. Materiais e Métodos

3.1. Área de estudo

O estudo foi realizado nas poças de marés localizadas na Praia dos Castelhanos (20º49′S,

40º36′W) em Anchieta, Espírito Santo, e na Ilha da Trindade (20°30′ S, 29°20′ W), situada na

extremidade leste da cadeia Vitoria-Trindade (Figura 1).

Figura 1: Localização das áreas de estudo na costa do Brasil. ES = Praia dos

Castelhanos (Espírito Santo) e TR = Ilha da Trindade. Adaptado de Macieira

(2013).

O recife da Praia dos Castelhanos é formado por substrato carbonático composto por

incrustação de algas coralinas e esqueletos de corais com rochas lateríticas dispersas. O nível

médio da maré é de 0,82 m em relação aos dados de referencia de nível zero de cartas marítimas

brasileiras. As poças formadas durante a maré baixa apresentam substrato variando de areia,

cascalho e rocha, paredes irregulares quase verticais, podendo estar cobertas por algas do tipo

turf, macroalgas não calcárias, algas calcárias incrustantes e corais (MACIEIRA, 2008;

MACIEIRA; JOYEUX, 2011) (Figura 2A). A Ilha da Trindade localiza-se a 1.160 km a leste da

costa e faz parte da cadeia Vitória-Trindade formada por uma sequencia linear de ilhas

vulcânicas e montanhas submarinas. Na região entremarés da ilha, são formadas poças de maré

sobre substratos predominantemente basáltico e carbonático (Figura 2B). O nível médio da maré

15

de acordo com os dados de referencia de nível zero de cartas marítimas brasileiras é de 0,62 m.

(MACIEIRA et al., 2014).

Figura 2: Região entremarés da Praia dos Castelhanos, Espírito Santo (A) e da Ilha da Trindade

(B). Fotos: Ryan Andrades.

3.2. Coleta de dados e processamento

As coletas foram realizadas na ilha da Trindade entre abril e maio de 2015 e em Anchieta,

entre agosto e setembro de 2015. Para avaliar o uso de habitat de Labrisomus nuchipinnis foram

escolhidas aleatoriamente 15 poças isoladas em cada local, ou seja, poças que estivessem sem

conexão com outras poças ou com o infralitoral no período de maré baixa. Foram mensuradas a

temperatura, com um termômetro, e a salinidade, com um refratômetro portátil, em 3 pontos

aleatórios de cada poça. A batimetria foi obtida usando um grid subdividido em quadrados de 10

cm x 10 cm, sendo a profundidade mensurada em cada ponto com uma régua (MACHADO,

2013). Foram observados e registrados o tipo de substrato (areia, cascalho ou rocha) e de

cobertura bentônica (algas, algas tipo turf ou animal) presente de cada ponto do grid. Com esses

valores foi possível calcular o volume de cada poça utilizando o método kriging através do

16

software Surfer® 13 (GOLDEN SOFTWARE, LLC) e as porcentagens de cada tipo de substrato

(areia, cascalho e rocha) e de cobertura de algas, animais sésseis e algas do tipo turf de cada

poça. O substrato foi classificado em 3 categorias: areia (grão ≤ 1 mm), cascalho (grão ≤ 50 mm)

e rocha (substrato consolidado > 50 mm). Os valores de rugosidade de cada poça foram obtidos

calculando a razão entre a área superficial e a área planar. As alturas aproximadas das poças

foram medidas com o auxilio de um laser nivelado e uma régua com marcação colocada no

infralitoral. As distâncias das poças do infralitoral e do supralitoral foram medidas com uma

trena.

Os peixes foram capturados com o uso de anestésico a base de óleo de cravo (40 ml l-1

) e

redes manuais pequenas. O óleo de cravo é utilizado como anestésico para várias espécies de

peixes por facilitar a coleta em ambientes confinados como poças de maré. Após identificados,

os peixes capturados foram colocados em sacos ziplocks e conservados a -20°C. Em laboratório,

cada exemplar utilizado nas análises foi pesado e medido em relação ao comprimento total (CT).

Os exemplares coletados foram divididos em duas categorias de tamanho de acordo com

o ciclo de vida da espécie, juvenis (< 60 mm CT) e adultos (> 100 mm CT). Sabe-se que L.

nuchipinnis pode chegar a 230 mm de comprimento total (FROESE; PAULY, 2016), porém, o

objetivo do trabalho foi estudar a espécie e sua ecologia enquanto habitante do ambiente

entremarés. Não existem trabalhos específicos abordando aspectos da biologia reprodutiva (i.e.

tamanho de primeira maturação) de Labrisomus nuchipinnis, no entanto foram registrados

indivíduos adultos (gônadas desenvolvidas) dentro do intervalo de CT definido neste estudo.

Dentre os exemplares coletados, 44 tiveram os estômagos retirados e armazenados em

formol 10% para análise de conteúdo estomacal. Os exemplares foram divididos em quatro

grupos de acordo com a fase de vida e o local de origem. Ao total, foram divididos em 14 juvenis

e 5 adultos de Anchieta, e 14 juvenis e 11 adultos de Trindade. Para a realização da análise de

conteúdo estomacal, o estômago do peixe foi retirado e dissecado. Os itens alimentares

encontrados foram colocados em uma placa de petri e identificados até o menor nível

taxonômico possível com auxilio de uma lupa.

Para análise de isótopos estáveis, foram retirados tecidos de 41 exemplares divididos em

10 juvenis e 10 adultos de Anchieta e 11 juvenis e 10 adultos de Trindade. O tecido muscular foi

retirado e colocado para secar em uma estufa à 60°C por 24 horas. Posteriormente, o tecido seco

foi macerado e transformado em um pó fino e armazenados em eppendorfs. De cada amostra foi

retirado entre 0,4 e 0,6 mg de pó e encapsulado. As capsulas foram depositadas em microplacas

17

identificadas através de nomenclatura alfanumérica e enviadas para análise de isótopos estáveis

(carbono e nitrogênio) na School of Biological Sciences – Washington State University. As

amostras foram incineradas em um analisador elementar e os gases resultantes (CO2 e N2) foram

transferidos para um espectrômetro de massa de razão isotópica. Os resultados obtidos são

expressos em notação delta (δ). O valor do padrão determinado para δ13

C é baseado no fóssil de

Belemnite oriundo da formação carbonática de PeeDee na Carolina do Sul (PeeDee Belemnite -

PDB) e o padrão de δ15

N é oriundo do ar atmosférico.

Para verificar o nicho funcional da espécie e as funções ecológicas associadas, tais como

locomoção, hábito alimentar e métodos de aquisição de presa, foram selecionados 10 traços

funcionais dos indivíduos (Tabela 1) (DUMAY et al., 2004; MACIEIRA, 2013). Foram obtidas

13 medidas morfológicas (Figura 3) com o auxílio de um paquímetro e uma balança digital

(0,001g) para calcular os traços funcionais. Foram utilizados 19 exemplares pertencentes a

Coleção Ictiológica da Universidade Federal do Espírito Santo (CIUFES), coletados em

Trindade, Anchieta, Manguinhos, Jacaraípe e Guarapari no Espírito Santo e foram divididos em

juvenis (<60mm) e adultos (>100mm). Todos os indivíduos selecionados foram tombados na

coleção mediante procedimento padrão, fixados em solução formalina 10% após a coleta e

preservados em álcool 70%.

Figura 3: Medidas morfológicas realizadas em cada exemplar de L. nuchipinnis. (A) Vista lateral com as

medidas de CP = comprimento padrão, DO = diâmetro do olho, AO = altura do olho, AINP = altura da

inserção da nadadeira peitoral, A = altura, CNP = comprimento da nadadeira peitoral, ANP = altura da

nadadeira peitoral, APC = altura do pedúnculo caudal, CNC = comprimento da nadadeira caudal e ANC =

altura da nadadeira caudal. (B) Vista frontal evidenciando as medidas de L = largura, AB = altura da boca e

LB = largura da boca.

18

Tabela 1: Lista das 10 características funcionais calculadas utilizando as medidas da figura 3,

associadas a locomoção, hábito alimentar e aquisição de presas. A = característica relacionada a

alimentação, L = característica relacionada a locomoção.

Traços Funcionais Fórmula Relação ecológica

Peso (A/L) - Massa muscular e quantidade

de alimento ingerido

Área da Boca (A)

Característica e tamanho da

presa

Formato da Boca (A)

Método de aquisição da presa

Tamanho do Olho (A)

Detecção de presa

Posição do Olho (L)

Posição na coluna d'água

Formato Transversal do Corpo (L)

Posição na coluna d'água e

hidrodinamismo

Superfície Transversal do Corpo (L)

Distribuição de massa ao

longo do corpo

Formato da Nadadeira Peitoral (L)

Propulsão e manobrabilidade

Posição Nadadeira Peitoral (L)

Manobrabilidade do peixe

Relação Entre Nadadeira Caudal e

Pedúnculo Caudal (L)

Propulsão caudal e redução de

arrasto

3.3. Análise de dados

Para determinar o uso de habitat e identificar qual fator está diretamente relacionado com

a distribuição de L. nuchipinnis nas poças de maré, foi feita uma análise de correlação linear de

Pearson, comumente usada para mensurar a relação entre duas ou mais variáveis cujos dados se

comportam de forma linear. As correlações foram feitas entre a densidade dos indivíduos

(número de indivíduos por m3) e os aspectos físicos, químicos e biológicos de cada poça. As

principais variáveis foram: substrato, como a porcentagem de rocha, areia e cascalho; cobertura

bentônica, como a porcentagem de alga, turf e cobertura animal e de aspectos físico-químicos,

como salinidade, temperatura, profundidade, volume da poça, área, rugosidade, altura, distância

do infralitoral e do supralitoral.

19

Para análise de conteúdo estomacal foram calculadas a frequência de ocorrência (FO% =

número de estômagos com item i / número total de estômagos x 100) e a frequência numérica

(N% = número total do item i / número total de itens x 100). Foi realizada uma Análise de

similaridade (ANOSIM), um teste não-paramétrico que verifica se há dissimilaridade

significativa entre dois ou mais grupos. Neste caso, foram definidos a priori e testados dois

fatores, local e fase de vida, usando 999 permutações para cada um com os dados previamente

transformados (raiz quarta). Foi utilizada a análise de componentes principais (Principal

Components Analysis - PCA) para verificar a variação ontogenética da dieta entre indivíduos da

espécie e as principais presas consumidas (abundância). A PCA estabelece variáveis

representando as possíveis variâncias de dados multivariados e mostra a correlação de cada

componente com as variáveis. Os componentes foram representados por cada indivíduo de

Trindade e Anchieta divididos em duas categorias, sendo elas juvenis e adultos, e as variáveis, os

itens alimentares divididos em 10 grupos (Anomura, Brachyura, Decapoda, Echinodermata,

Echinoidea, Gastropoda, Isopoda, Paguroidea, Polychaeta e Teleostei).

Para determinar a amplitude de nicho isotópica dos juvenis e adultos de cada local, foi

empregado o modelo SIBER (Stable Isotope Bayesian Ellipses in R) (JACKSON et al., 2011).

Este modelo foi usado para gerar elipses no gráfico e calcular as métricas estabelecidas por

Layman et al. (2007) e Jackson et al. (2011), sendo elas área total (AT), área padrão da elipse

(AE) e área padrão da elipse corrigida (AEC). A AT é o valor da área que engloba todos os

pontos de um determinado grupo indicando o nicho isotópico total ocupado. Os valores de AT

são influenciados pelos indivíduos que apresentam valores extremos de δ13

C e/ou δ15

N. AE é o

valor a área da elipse gerada pelo SIBER que é uma equivalente bidimensional do desvio padrão.

AEC é o valor da área da elipse corrigida ( ) pois AE é um valor

subestimado por causa do pequeno número de amostras analisadas. O valor de AEC, diferente de

AT, não é influenciado pelo número de amostras. O modelo foi empregado utilizando o software

R (R CORE TEAM, 2016).

Para verificar quais características funcionais são mais importantes para diferenciar

adultos de juvenis, foi feita uma PCA utilizando valores padronizados dos traços funcionais para

permitir a comparação entre os grupos, como variáveis cada indivíduo como componentes. Para

visualizar o nicho funcional de juvenis e adultos, os valores dos coeficientes dos eixos 1 e 2

foram utilizados para gerar uma representação gráfica do espaço funcional.

20

4. Resultados

4.1. Características Ambientais

Nas poças de Trindade o tipo de substrato dominante foi rochoso, presente em todas as

poças, tendo em média 85,2% de cobertura de rocha. Apenas 5 poças continham areia no

substrato (média = 10,2%) e 4 continham cascalho (média = 3,9%). Todas as poças apresentaram

algum tipo de cobertura bentônica, exceto duas com substrato 100% rochoso. Algas do tipo turf

foi a cobertura predominante (33,6%), presente em 7 poças, seguido de macroalgas (20,4%) e,

em menor frequência, animais sésseis (3,3%), ambas presentes em 5 poças.

Todas as poças de Anchieta apresentaram os três tipos de substrato, exceto uma que não

continha cascalho. O tipo de substrato dominante também foi rochoso, mas em menor

porcentagem (média = 54,7%) comparado as poças da Ilha da Trindade. Em Anchieta, as poças

também apresentaram em média mais areia e cascalho que as de Trindade, tendo média de 25,7%

e 19,7%, respectivamente. Todas as poças continham cobertura bentônica, sendo macroalgas

presentes em todas as poças (média = 35,1%) exceto uma. Algas do tipo turf e animais sésseis

foram pouco predominantes, mas presentes na maioria das poças, com média de 8,8% e 6,6%,

respectivamente. Apenas em duas poças não havia presença de animais sésseis e em quatro poças

não havia matriz de algas do tipo turf.

Em geral, os valores médios dos aspectos físico-químicos das poças nos dois locais foram

semelhantes, como mostrado na Tabela 2, com exceção das distâncias do infralitoral e do

supralitoral que foram muito maiores em Anchieta. As distâncias do infralitoral variaram entre

16,6 m e 70,8 m em Anchieta e 0,9 m e 16,9 m em Trindade, e as do supralitoral, entre 16,7 m e

70,1 m em Anchieta e 9,2 m e 36,7 m em Trindade.

Tabela 2: Média dos valores das características

físico-químicas das poças de Trindade e Anchieta.

Trindade Anchieta

Salinidade 37,4 39,9

Temperatura (°C) 29,9 27,9

Altura (cm) 56,2 51,3

Rugosidade 1,12 1,16

Profundidade (cm) 8,9 9,0

Volume (l) 95,6 119,7

Área (m²) 1,3 1,6

Distância do infralitoral (m) 5,6 42,1

Distância do supralitoral (m) 19,7 43,8

21

4.2. Uso de Habitat

Foi possível verificar uma correlação significativa entre a densidade de L. nuchipinnis e

ocorrência de cobertura animal (animais sésseis, r2 = 0,7, p = 0,002) em poças de Trindade. Já

em poças de Anchieta, houve correlação significativa da densidade de peixes com substrato

rochoso (r2 = 0,5, p = 0,037), presença de cobertura animal (r

2 = 0,7, p = 0,004) e distância do

supralitoral (r2 = 0,7, p = 0,004). Não foram detectadas correlações significativas com as outras

variáveis analisadas (p > 0,05).

4.3. Análise de Conteúdo Estomacal

Foram analisados 44 estômagos de peixes com CT variando de 35-60 mm e 120-157 mm,

sendo que os estômagos de 6 peixes juvenis de Anchieta e 7 de Trindade (3 adultos e 4 juvenis)

encontraram-se vazios (29,6%). No total foram encontrados 74 itens alimentares em todos os

estômagos, dentre eles os mais abundantes foram Brachyura (32,9%), Anomura (27,4%),

Gastropoda (19,2%) e Teleostei (12,3%). Dos outros grupos encontrados, o total variou de 1 a 3

itens.

Entre adultos e juvenis, há uma diferença na diversidade de itens alimentares (Tabela 3).

Mesmo havendo alguns itens presentes nos dois grupos, há diferença na frequência de

ocorrência, como em Teleostei, Gastropoda e Brachyura. Apesar de haver poucos dados, pode-se

notar uma mudança ontogenética na dieta de L. nuchipinnis.

22

Tabela 3: Lista dos itens alimentares encontrados nos estômagos de Labrisomus nuchipinnis juvenis (n

= 28) e adultos (n = 16). FO = ocorrência (numero de estômagos com o item), FO% = frequência de

ocorrência (FO/total de peixes), N = Abundância (número de itens encontrados), N% = frequência

numérica (N/total de itens). NI = não identificado.

Juvenis Adultos

Itens alimentares FO FO% N N% FO FO% N N%

Anomura

Anomura NI 6 21,43 19 52,78 - - - -

Paguroidea - - - - 1 6,25 1 2,70

Brachyura

Majidae - - - - 1 6,25 2 5,41

Xantidae 1 3,57 1 2,78 - - - -

Brachyura NI 7 25,00 7 19,44 7 43,75 14 37,84

Caridea

Alpheidae 2 7,14 2 5,56 - - - -

Echinoidea - - - - 1 6,25 1 2,70

Gastropoda

Collisella sp. - - - - 2 12,50 3 8,11

Gastropoda NI 2 7,14 2 5,56 5 31,25 9 24,32

Isopoda 1 3,57 1 2,78 - - - -

Ophiuroidea - - - - 1 6,25 1 2,70

Teleostei

Entomacrodus sp. 2 7,14 2 5,56 - - - -

Ophioblennius trinitatis - - - - 1 6,25 1 2,70

Teleostei NI 1 3,57 1 2,78 5 31,25 5 13,51

Polychaeta 1 3,57 1 2,78 - - - -

Total 36 100

37 100

Resultados da ANOSIM mostraram que houve dissimilaridade na dieta de L. nuchipinnis

entre Trindade e Anchieta (Global R = 0,211, p = 0,017). Em relação a fase de vida, também

houve diferença significativa entre adultos de juvenis (Global R = 0,173, p = 0,024).

A PCA evidenciou Brachyura, Anomura e Teleostei como sendo os grupos de presas de

maior significância para L. nuchipinnis (Figura 4). Os dois eixos, PC1 e PC2, explicaram juntos

64,6% de variabilidade dos dados (35,9% e 28,7%, respectivamente). Nos dois eixos, Anomura

foi negativamente correlacionado (-0,55 para eixo 1 e -0,56 para eixo 2). A variável

positivamente correlacionada com o eixo 1 foi Brachyura (0,81) e com eixo 2 foi Teleostei

(0,79). Os valores de variância das outras variáveis foram menores que 0,23.

Os peixes foram divididos em 4 grupos, sendo eles adultos de Anchieta (AA), juvenis de

Anchieta (AJ), adultos de Trindade (TA) e juvenis de Trindade (TJ). De acordo com a PCA, o

grupo AA, distribuído nos quadrantes do lado direito, foram influenciados pelos vetores

Teleostei e Brachyura, respectivamente, indicando que essas foram as categorias de presas

23

consumidas mais importantes pelos indivíduos desse grupo. O principal item consumido pelo

grupo AJ, segregado no quadrante inferior direito, foi Brachyura, exceto por um indivíduo

localizado no segundo quadrante que consumiu Teleostei. O grupo TA, distribuído no quadrante

superior esquerdo e inferior direito, também tem Teleostei e Brachyura como principais itens

alimentares. Finalmente, o grupo TJ, com maioria localizada no quadrante inferior esquerdo,

tem como principal fonte alimentar Anomura, mas também consome presas pertencente aos

grupos Teleostei e Brachyura (Figura 4). Sendo assim, em Anchieta, juvenis se alimentaram

principalmente de Brachyura e adultos, de Teleostei e Brachyura. Em Trindade, juvenis se

alimentaram principalmente de Anomura e adultos, de Teleostei e Brachyura, como os de

Anchieta.

Figura 4: Gráfico dos eixos 1 e 2 da análise de componentes principais (PCA) com a relação entre os 10

grupos dos itens alimentares encontrados, representados pelos vetores, com todos os 31 indivíduos de

Labrisomus nuchipinnis representados pelos pontos. AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta,

TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade.

4.4. Análise de Isótopos Estáveis

Foram utilizados indivíduos juvenis de Trindade (TJ) medindo 35-60 mm CT (média

53,1), adultos de Trindade (TA) medindo 135-157 mm CT (média 146,3 mm), juvenis de

Anchieta (AJ) medindo 40-55 mm (média 49,2 mm) CT e adultos de Anchieta (AA) medindo

102-126 mm CT (média 118,6 mm).

Os valores de δ13

C e δ15

N dos grupos de Trindade variaram entre -16,9 e -14,4‰, e 6,8 e

9‰, respectivamente. Comparando adultos e juvenis, percebe-se um aumento nos valores de

δ15

N com o aumento do tamanho (Figura 5), sendo em média 8,7‰ (entre 8,5 e 9‰) para adultos

24

e 7,5‰ (entre 6,7 e 8,3‰) para juvenis. A média dos valores de δ13

C em adultos foi menor que

em juvenis, sendo -16,3 (entre -15,1 e -16,9‰) e -15,1‰ (entre -14,4 e -16,1‰)

respectivamente. Em Anchieta, os valores de δ13

C e δ15

N variaram entre -14 e -11,3‰, e 10,3 e

14,1‰, respectivamente. Também houve um aumento dos valores de δ15

N em relação ao

aumento do tamanho corporal, com média de 13‰ (entre 12,3 e 14,1‰) para adultos e 10,8‰

(entre 10,3 e 12,1‰) para juvenis. Entretanto, diferente de Trindade, a média dos valores de δ13

C

em adultos foi maior que em juvenis, sendo -12,4 (entre -14 e -11,3‰) e -13,3‰ (entre -14 e

-12,6‰), respectivamente.

Figura 5: Representação do nicho isotópico, δ13

C x δ15

N, de todos os 41 indivíduos de Labrisomus

nuchipinnis adultos e juvenis de Trindade e Anchieta, representados pelos pontos. A área pontilhada

representa a AT (área total) e as elipses representam a AEC (área padrão da elipse corrigida). AA =

Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade.

Não houve sobreposição de δ-espaço entre nenhum grupo (Figura 5), indicando que não

há sobreposição de nicho isotópico entre adultos e juvenis de ambos os locais. De acordo com os

valores de AEC (Tabela 4), a amplitude de nicho isotópico de adultos e juvenis de Anchieta são

semelhantes. Já o grupo de adultos de Trindade possui a menor amplitude de nicho isotópico

comparado aos outros grupos (Tabela 4). Entre os dois locais, nota-se um elevado

enriquecimento de δ13

C e δ15

N nos peixes de Anchieta em relação aos de Trindade. Em Anchieta

a média dos valores de δ13

C foi de -12,8‰ e de δ15

N foi de 11,9‰. Já em Trindade a média dos

valores de δ13

C e δ15

N foram -15,7‰ e 8,8‰, respectivamente.

25

Tabela 4: Valores das métricas estabelecidas por Jackson et al. (2011), geradas pelo

modelo SIBER, dos quatro grupos analisados. AT = área total, AE = área padrão da

elipse, AEC = área padrão da elipse corrigida. AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de

Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade.

AA AJ TA TJ

AT 1,84 1,49 0,51 1,86

AE 0,82 0,84 0,27 0,84

AEC 0,92 0,94 0,31 0,94

4.5. Ecomorfologia funcional

Dentre os 19 exemplares medidos, 14 foram classificados como adultos e 5 como juvenis.

O comprimento padrão dos exemplares adultos variou entre 103 e 131,3 mm (média = 114,8

mm) e dos exemplares juvenis variou entre 23 e 51,3 mm (média = 43 mm). No resultado da

PCA, as variáveis formato da boca e tamanho do olho foram correlacionadas positivamente e

peso foi correlacionado negativamente com o eixo 1. Posição do olho foi correlacionada

positivamente e superfície transversal do corpo foi correlacionado negativamente com o eixo 2.

Os eixos 1 e 2 da PCA explicaram 66,3% da variabilidade dos dados (46,7 e 19,7%,

respectivamente). As variáveis significativas do eixo 1 foram as que influenciaram a separação

de nicho funcional entre adultos e juvenis. Formato da boca e tamanho do olho indicam que

juvenis apresentam maior assimetria (altura maior que largura) na forma da boca e o olho maior

em proporção ao corpo comparado a adultos. A variável peso indica que adultos possuem maior

massa que juvenis.

As posições dos indivíduos das duas classes de tamanho foram distintas no espaço

funcional (Figura 6). Não houve sobreposição de nicho funcional entre adultos e juvenis. O valor

da área total do espaço funcional em adultos foi ligeiramente maior que o de juvenis, sendo eles

9,5 e 8,9, respectivamente.

26

Figura 6: Distribuição de juvenis (vermelho) e adultos (preto) na PC1 e PC2 dos espaços funcionais.

Cada ponto representa um individuo e os polígonos (área total) representam o tamanho dos nichos

funcionais de cada grupo baseado nas características funcionais mensuradas.

5. Discussão

5.1. Uso de habitat

Características bióticas e abióticas de poças de maré podem influenciar o uso de habitat

de espécies, que tendem a selecionar o ambiente mais favorável à sua sobrevivência (WHITE et

al., 2015). A preferência de L. nuchipinnis de Anchieta por poças com substrato consolidado

condiz com vários aspectos de seu comportamento dependente de rochas, como o hábito de se

abrigar em tocas e de ser predador de espreita (SAZIMA, 1986). A reprodução também é um

aspecto que depende desse substrato pois a postura dos ovos é feita em paredes rochosas

(GIBRAN et al., 2004). A coloração críptica, ausente apenas em machos em período

reprodutivo, e a adaptação a ambientes com pouca luminosidade são características morfológicas

que também indicam preferência da espécie por este tipo de ambiente (Figura 7). A preferência

por substrato consolidado de indivíduos de Trindade não foi evidente nos resultados da

correlação (r2 = 0,31, p = 0,257), pois este tipo de substrato foi dominante em todas as poças.

Apenas uma poça apresentou maior porcentagem de substrato arenoso, no entanto não foi

registrado indivíduo de L. nuchipinnis na mesma.

27

Figura 7: Diferentes colorações crípticas e hábitos de Labrisomus nuchipinnis em poças

de maré na Ilha da Trindade. Indivíduo saindo de uma toca em uma poça com substrato

predominantemente rochoso basáltico (A) e registro noturno de indivíduo descansando

sobre cascalho biogênico em poça de maré de formação mista carbonática e basáltica.

Fotos: Helder Guabiroba.

Os resultados mostraram que a espécie também tem preferência por poças com presença

de cobertura bentônica animal. Em Anchieta, a maioria dos animais bentônicos sésseis

encontrados nas poças foram corais pertencentes aos gêneros Siderastrea e Zoanthus,

obrigatoriamente associados a rocha. Não se sabe se há alguma relação direta de L. nuchipinnis

com corais, assim como não há registro destes animais presentes na dieta dessa espécie. Estudos

reportam que algumas espécies de Brachyura (potenciais presas de L. nuchipinnis) podem

utilizar corais para proteção e como fonte de alimento (MANTELATTO; CHRISTOFOLETTI,

28

2001; NOGUEIRA et al., 2014), mas não há registros que esse tipo de relação ocorra nas áreas

estudadas. Outros trabalhos mostram que existe correlação entre abundância de corais e

abundância de peixes em recifes (CHABANET et al., 1997). Deste modo, aparentemente, a

suposta preferência da espécie por poças com cobertura bentônica animal pode ser reflexo da

dependência de corais para com substrato consolidado. Entretanto, a presença de corais pode

estar relacionada à presença das principais presas de L. nuchipinnis na poça. Em Trindade, os

invertebrados sésseis ou com pouca mobilidade mais abundantes encontrados foram os ouriços-

do-mar da espécie Echinometra lucunter e anêmonas (observadas em uma poça apenas). Foram

encontrados espinhos de ouriço no estômago de um indivíduo de Trindade, indicando que esse

animal é uma fonte de alimento para L. nuchipinnis. Também houve registro nas ilhas do Caribe

da presença de ouriços-do-mar da mesma espécie na dieta de L. nuchipinnis (RANDALL, 1967).

Porém, tanto em Trindade como no Caribe, a frequência de ocorrência desse item alimentar foi

muito baixa, não justificando a forte correlação para cobertura animal com a dieta da espécie,

porém, juvenis podem utilizá-los para proteção contra predadores (J.-C. JOYEUX, observação

pessoal).

Em Anchieta, L. nuchipinnis possui preferência por poças localizadas próximas ao

infralitoral. Em Trindade, a correlação não foi considerada significativa (r2 = 0,5, p = 0,074),

embora o valor de p foi próximo a 0,05. Poças localizadas próximas ao infralitoral, comparadas

as poças do supralitoral, possuem maior diversidade de fauna bentônica e peixes. Por estarem

localizadas mais próximas ao mar, o tempo de exposição das poças não é tão longo quanto em

poças próximas ao supralitoral, portanto, as condições físico-químicas são menos estressantes

(ex. variação de temperatura e salinidade) (MACIEIRA, 2008; MACIEIRA; JOYEUX, 2011).

5.2. Nicho trófico

Os resultados das análises de conteúdos estomacais indicaram que L. nuchipinnis tem

peixes e crustáceos como principais fontes de alimento. Em outros estudos feitos com a dieta

dessa espécie, crustáceos foi o grupo de presas mais importante, no entanto a espécie também

apresentou um elevado grau de oportunismo (RANDALL, 1967; ZAMPROGNO, 1989;

SANT’ANA, 2008). A espécie apresentou variação ontogenética na dieta em ambos os locais,

substituindo pequenos crustáceos, como Anomura e pequenos Brachyura por peixes e braquiúros

maiores. No trabalho de Sant’Ana (2008) em Anchieta, também foi observada uma mudança

ontogenética na dieta de L. nuchipinnis, tendo Amphipoda como principal presa de juvenis e

Brachyura como presa principal em adultos.

29

Os resultados da análise de isótopos estáveis também demonstraram forte diferenciação

na dieta de adultos e juvenis da espécie L. nuchipinnis. Em ambos os locais a ausência de

sobreposição de nicho isotópico entre os dois grupos, indica que não há competição entre adultos

e juvenis (PETTITT-WADE et al., 2015). O enriquecimento de δ15

N com o tamanho pode estar

relacionado ao aumento da preferência por presas de maior porte que devem ocupar níveis

tróficos mais altos (BADALAMENTI et al., 2002; COCHERET DE LA MORINIERE et al.,

2003; LINDE et al., 2004). A alteração nos valores de δ13

C pode ser explicada pela mudança da

fonte de alimento (O’FARRELL et al., 2014; ARTERO et al., 2015). A mudança ontogenética na

dieta é comum em peixes, principalmente predadores. Outros estudos com peixes carnívoros

também mostraram uma mudança ontogenética na dieta semelhante a de L. nuchipinnis, que

trocam pequenos crustáceos por peixes e crustáceos maiores durante o crescimento

(COCHERET DE LA MORINIERE et al., 2003; ARTERO et al., 2015; VASLET et al., 2015).

Explorar diferentes recursos em fases da vida diferentes sugere que uma mesma espécie pode

ocupar nichos distintos em um mesmo ambiente. No caso de L. nuchipinnis, mesmo ocupando

nichos distintos e níveis tróficos diferentes, a espécie possui papel de predadora, pois indivíduos

adultos e juvenis são carnívoros.

A amplitude de nicho isotópica de juvenis maior que a de adultos, sugere que L.

nuchipinnis se torna mais especialista com o crescimento do tamanho corporal (PETTITT-

WADE et al., 2015). Em Anchieta não houve diminuição significativa na diversidade de presas

exploradas por adultos nesse local. Os resultados de análise de isótopos estáveis não refletem os

resultados de análise de conteúdo estomacal obtidos por Sant’Ana (2008), que observou uma

tendência de adultos da espécie se tornarem mais generalistas em relação a juvenis. Isso pode ter

ocorrido pois a análise de conteúdo estomacal mostra apenas os últimos itens que foram

ingeridos pelos indivíduos, o que necessita de grande quantidade de amostras para mensurar a

dieta de uma espécie, uma vez que o comportamento oportunista pode gerar interpretações

equivocadas. Além disso, há grande chance de ocorrer falhas na separação e identificação das

presas por estarem muito danificadas pela digestão (BAKER et al., 2014). Resultados da análise

de isótopos estáveis, do contrário, mostram o que foi ingerido a longo prazo (semanas a meses)

pelos indivíduos, fornecendo informações do que foi assimilado pelo consumidor (FRY, 2006).

Juvenis podem ser mais ativos que adultos, gastando mais energia na aquisição de alimento e

fuga de possíveis predadores. Isso torna necessária a ingestão de maiores quantidades de

alimento para suprir essa demanda energética, o que pode ter influenciado na maior amplitude de

nicho de juvenis. Quando adultos, estabelecem um território e seu deslocamento se torna mais

restrito. Com a área de exploração limitada, a variedade de itens a serem explorados reduz, e a

30

demanda por energia diminui. Além disso, o maior tamanho corporal permite a ingestão de

presas maiores que suprem mais energia, resultando em uma amplitude de nicho mais estreita.

Porém, a amplitude de nicho isotópico de indivíduos de Anchieta foi semelhante nas duas fases

de vida, podendo ser reflexo da maior diversidade existente em ambientes costeiros.

Os resultados da análise de isótopos estáveis mostraram valores de δ13

C e δ15

N de

Trindade menores do que de Anchieta. Ambientes costeiros possuem alta produtividade primária

e secundária por apresentarem maior diversidade de ecossistemas, receberem aporte de

nutrientes do continente através dos estuários e serem mais complexos, garantindo uma maior

diversidade comparada à ilhas (CARVALHO, 2008), como o caso de Anchieta. Já ambientes

insulares distantes da costa, como Trindade, espera-se que apresente produtividade mais baixa

por não receberem aporte de nutriente continental (ex: ausência de estuários), exceto se o

ambiente insular for exposto a influência de processos oceanográficos, tais como ressurgência

(JAQUEMET; MCQUAID, 2008). Deste modo, ambientes costeiros provavelmente são mais

enriquecidos em δ15

N que ambientes insulares, o que refletiu nas assinaturas isotópicas de L.

nuchipinnis desses locais.

5.3. Nicho funcional

As características funcionais testadas mostraram que também há separação de nicho

funcional entre adultos e juvenis da espécie. O tamanho do olho em juvenis sendo maior

proporcionalmente pode ser reflexo da maior vulnerabilidade que possuem no ambiente e da

maior necessidade por busca de alimento para suprir as demandas energéticas. Deste modo, a

assimetria do formato da boca pode refletir a variedade de presas consumidas por juvenis e o

formato das mesmas. A ausência de sobreposição do espaço funcional indica que os dois grupos

podem ser considerados como entidades funcionais diferentes dentro de populações ou de

comunidades (ZHAO et al., 2014). A mudança ontogenética na dieta pode estar estreitamente

relacionada a mudança dos traços funcionais, pois com o crescimento corporal as nadadeiras se

tornam maiores e mais resistentes (WAINWRIGHT et al., 2002) e a abertura da boca também

aumenta, o que permite a ingestão de presas de maior porte (KARPOUZI; STERGIOU, 2003). A

mudança ontogenética no nicho funcional de uma população pode alterar a composição

funcional da comunidade e, consequentemente, a funcionalidade do ecossistema (RUDOLF;

RASMUSSEN, 2013). Isso evidencia a importância da variação intraespecífica dos traços

funcionais na ecologia do ecossistema (ZHAO et al., 2014).

31

5.4. Conclusão

Mudanças na dieta durante a ontogenia é uma forma de garantir a coexistência entre fases

diferentes da mesma espécie em um ambiente, evitando a competição intraespecífica e

consequentemente, gerando maior eficiência na exploração de recursos alimentares. O estudo da

ontogenia é importante pois mostra que uma espécie pode ocupar nichos diferentes durante fases

de vida diferentes. No presente trabalho, o papel ecológico da espécie L. nuchipinnis foi

apresentado através de diferentes métricas. O nicho ecológico de L. nuchipinnis em ambientes

entremarés pode ser definido como uma espécie predadora em ambas fases estudadas (juvenis e

adultos), alimentando-se principalmente de decápodes (Brachyura e Anomura) quando juvenil e

peixes e Brachyura (caranguejos e siris) quando adultos. A espécie geralmente encontra-se em

fendas principalmente em poças de maré com substrato predominantemente rochoso com

presença de organismos sésseis. Adultos apresentam maior nível trófico que juvenis por se

alimentarem de presas maiores que ocupam níveis tróficos mais altos, consequência da diferença

das características funcionais entre as duas fases. Desse modo, L. nuchipinnis é um predador que

interfere em diferentes comunidades durante fases de vida diferentes, evidenciando que o nicho

ecológico ocupado pela espécie como um todo é bem maior do que o esperado. Isso indica que a

espécie possui um papel importante para a estabilidade ecológica de regiões entremarés. Por

estar localizado na interface continente-oceano, esse ambiente é sujeito a ação antrópica direta,

como pesca, poluição por lixo, esgoto, entre outros que geram impacto sobre o ecossistema. O

estudo do nicho é um meio de conhecer as relações ecológicas de uma espécie em um dado

ecossistema, que é essencial para o desenvolvimento de técnicas de manejo sustentável do

ambiente contribuindo para a conservação dos recursos naturais.

32

7. Referências

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