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Editorial

A revista 777 tem como norteador o verbo Comunicar. Seja por meio de publicações originais de artigos de brasileiros da Astrum Argentum, em suas diversas linhagens, tanto para os nossos pares quanto para interessados e curiosos; comunicar com o mundo o que acontece no Brasil, pois percebemos que uma revista torna o trabalho do Iluminismo Científico mais observável aos olhos da História; comunicar o que tem de interessante sendo escrito no mundo, artigos que julgamos pertinentes, ou uma tradução feita com carinho e por pessoas que também entendem a necessidade do publishing.

O primeiro número da Revista foi importante para entendermos esse cenário, compreender com quem falamos ao mesmo tempo estimularmos nossa comunidade. E acredito que o entusiasmo inicial tenha sido pago com louvor. Após o primeiro sopro de vida, começa o momento de ajustar a casa. Temos três grandes blocos de escritores: os integrantes mais antigos trazendo idéias vindas de suas experiências na Jornada, os novos trazendo oxigênio à discussão e alguns autores que, mesmo não sendo parte da Fraternidade, tem uma relação tão análoga à nossa com os assuntos que estudamos. Nesta edição tivemos maisautores que nos mandaram textos, traduções e artes.

Espero que assim a revista cumpra seu papel de ser uma expositora depensamentos dos integrantes da Santa Ordem, que mantenha um espaço seguropara a fala e que estimule tanto o iniciante como o mais antigo a exporconsiderações, colocações e ideias. Só assim uma Arte pautada pelo IluminismoCientífico pode se manter viva, aberta e atual. Espero que vocês gostem dostextos aqui expostos, e saibam que a equipe estará abertos para discussão erecepção de novos autores.

Texto: Frater AlHudhudEditores: H418, AlHudhud, Amaranthus, I156

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Apresentação da Edição de Verão

Olá amigas e amigos “vem chegando o verão” já diria a poetisa lá dos idosanos oitenta, mas não há saudades maiores para serem ditas nem escritas. Ao seaproximar do Solstício de Verão nossos corações Thelemitas se enchem dealegria para mais uma edição da Revista 777, parece brincadeira mas, em tãopouco tempo a mais nova e atual revista sobre Thelema contemporânea do Brasilatingiu muitas mentes e corações em sua primeira edição. Além de nossostradicionais escritores, pensadores, e filósofos, somaram-se mais vozes e maispenas, que vertem em tintas agora digitais, pedaços de suas percepções edevaneios ora em LVX ora em NOX. Nossa Revista é uma iniciativa multilinhagensda Santa Ordem A.A. o que demonstra a maturidade e o alinhamento necessárioaos ideais do Novo Aeon. Um admirador do nosso trabalho espontaneamente noselogiou: Revista 777 a ponta de lança da Thelema Brasileira" gostei e vamosusar! No mais, aproveitem o verão que é excelente pro Resh ao ar livre! E porfalar nisso:

"De manhã escureçoDe dia tardoDe tarde anoiteçoDe noite ardo"

Na verdade só precisava de um pretexto e mais contexto para citar Vinicius deMoraes depois de iniciar com Marina Lima, (mais que nunca) força e fogo são denós!

H418

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Índice

Thelemagick: Ararita …………………………………………………………………… 05 Ecos de uma Iniciante Geminiana ……………………………………………………. 15

O andarilho e a andorinha ………………………………………………………………. 17

Kali ……………………………………………………………………………………………… 18

Thelema Contemporânea: Já deu sua bicada hoje ? .…………………….…… 19

Liberdade é o direito de agir conforme a sua própria Vontade .………….……. 24

Abra Had Abra ..……………………………………………………………………….……. 27 Thelema com Responsabilidade: 10 considerações sobre Malkuth ...…… 28

Realizando uma leitura de tarô com cartas de corte ……………………………… 31

Devotion ……………………………………………………………………………………… 34

Uma Nova Liberdade ……………………………………………………………………… 35

Liber Reguli – Uma visão pessoal ……………………………………………………… 38

A árvore …………………………………………………………………………………...…. 45

Invocação a Pã ……………………………………………………………………………… 47

Resposta thelemita ao proselitismo cristista ……………………………………….. 48

O coração da thelema …………………………………………...……………………..... 51

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Thelemagick: אראריתא“Que retornou ao Um, e além do Um,

até a visão do Louco em sua loucura que cantou a palavra ARARITA,e além da Palavra e do Louco; sim, além da Palavra e do Louco.”

Liber DCCCXIII vel ARARITA

“Tu, Garoto Safado, tu abriste o olho de Hórus ao Olho Cego que chora!”Liber 333 - O Livro das Mentiras

Há três assuntos que me chamam a atenção na magia: a poesia mágica, ogesto mágico e a imagem mágica. A poesia mágica, a linguagem das emoções edos sentimentos, é usada na escrita dos livros sagrados ou de Classe A daSantíssima Fraternidade e muita gente questiona o motivo de certosensinamentos não serem passados de forma mais clara, direta e objetiva - ouseja, em receitas de bolo. Leia: “Ele ficou feliz quando se aproximava de casa, acamiseta molhada com água gelada da chuva que começara a cair”. Agora leia:“Gotas gélidas na testa e a camiseta molhada no peito e costas. Do céu nublado,a chuva forte de verão. Respiração ofegante: euforia da pura pressa. Alegriaintensa da aproximação: doce lar!”. Não tenho nem o que dizer mais sobre isso: apoesia fala mais do estado interno de Joãozinho do que a descrição pura. Avivência mágica é tão intensa que um detalhamento exigiria tempo e centenasde páginas de uma descrição pormenorizada que pode ser eficientementeresumida num verso onde os estados de processo e consecução são descritos. Apoesia é mágica. Os gestos são poesias do mundo de Assiah e as imagens noslevam rapidamente à compreensão. O mundo da Magia parece rebuscado ecomplexo, mas o que se tenta fazer é resumir as ideias à essência, para que oleitor possa se deliciar da experiência igualmente. Digo ainda que muitos dosresultados da maioria das práticas mágicas podem ser verificados pela leitura eprática atenta dos livros de Classe A. Desses três fatores que consideroimportantíssimos na minha Aspiração, há um quarto que é outro mas ao mesmotempo os três: a fórmula mágica. E dentre as palavras mágicas aeônicas falareida minha amante atual: ARARITA.

ARARITA (אתירארא) é a palavra composta pelas iniciais de “Achad RoshAchdotho Rosh Ichudo Themuratho Achad” - רהא וזהרומת ורוהיי שאר זתזרהא שאר רהא, quesignifica “um é o seu princípio; uma é a sua individualidade; uma é a suapermutação” [1]; a frase descreve deus como a única coisa eterna e imutável nouniverso, sendo uma abreviatura [2][3] judaica muito antiga e pouco comentada,e um dos notariqons (tradição cabalística de abreviar palavras e frases, criandonovo vocábulo e relacionando aos originais) mais famosos da idade média.Corresponde ao Hexagrama e afirma que a união divina pode ser encontrada nasaparentes oposições da natureza. Individualmente elas significam: Achad, “um”;Rosh, “cabeça ou início”; Achdotho, “sua unidade”; Ichudo, “ser único”;Themuratho, “permutação”.

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Uma das aplicações mais antigas relativas à palavra ARARITA remonta aosjudeus de Provença, em torno do ano 1200, época considerada de ouro para osmesmos [4]. Há suposições de que antigos sigilos encontrados nos livros deCornelius Agrippa tenham surgido nos círculos cabalísticos dessa região. EssaCabala predominantemente oral se fundiu com tradições do sul da França, dospirineus, norte da Itália e mesmo com os mouros e ibéricos, gerando umainfinidade de linhagens de Cabala e Magia posteriormente. ARARITA eraconhecida nos círculos cabalísticos de Provença como a palavra representativados fundamentos do céu, enquanto AHVY representava os fundamentos da terra(sendo AHVY criada a partir de YHVH e AHYH, segundo o Pardes Parmonim de1548, capítulo 21, versículo 3. Moise Cordovero afirma ainda que AHVY - Ehoui, éo nome “verdadeiro” de deus).

ARARITA é um modo de dizer que, independente do nome que se chame asdivindades, forças, elas são uma só. O hexagrama é o símbolo máximo daoperação com os sete planetas sob regulamento das Sephiroth ou números, etambém está relacionado à palavra ARARITA. O seu uso mágico em rituaisnecromânticos e cerimônias já em torno de 1500 é descrito, principalmente emencantamentos e sigilos [5], e Agrippa, em seu De Occulta Philosophiae - Livro 3,já faz associações de ARARITA com os sete planetas da antiguidade, a saber: Sol,Lua, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno e Mercúrio; esses planetas são tambémtrabalhados no Picatrix, um dos mais antigos grimórios, e que certamenteinfluenciou Agrippa e outros em suas reflexões sobre a magia e a natureza dessaarte.

Ainda que a palavra ARARITA apareça muito mais nos textos mágicosmedievais e atuais do que na literatura rabínica, é importante citar que a palavranão foi “criada” pelos magistas e ocultistas medievais, e tem até hoje uso emsimpatias e encantamentos judaicos. Um exemplo de sua aplicação é nasconhecidas תפילות למציאת בת זוג, ou thephiloth lamatziath beth zog, “orações parase encontrar parceiros”, onde ARARITA é o nome visualizado ou pensando emdeterminadas partes da oração. ARARITA tem na maioria dessas oraçõespopulares um efeito semelhante ao Amém.

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Figura 1 - A Torre, às vezes considerada a carta mais violenta doTarot - destruição súbita.

Agrippa atribui ARARITA ao mundo arquetípico, ou mais próximo deAtziluth, enquanto no mundo inteligível ARARITA seria expressa pelos anjos,fisicamente pelos Planetas e assim como os elementos, cada força planetáriateria ainda seus seres “elementais”, como por exemplo Vppupa para Saturno eAdamas para Marte. Ele estende as relações de ARARITA a partes do corpo, aosmundos infernais e ainda metais e cores [6], as quais pegaremos aqui comoexemplo o “planeta” Sol. No mundo inteligível, Sol teria como arcanjo Raphael.Seus elementais seriam: Olor, Vitulmarin, Leo, Aurum, Carbuculus. Apesar deesses nomes não terem motivação clara, é possível determinar que Leo, Aurum eCarbuculus tem relação com Leão, Ouro e Carvão, propriedades clarasrelacionadas ao Sol ao longo dos séculos na alquimia. Era comum até meados daidade média dar nome às propriedades gerais das coisas, principalmente doselementos.

Um dos elementais relacionados a Saturno é chamado de Vppupa, queaparece em poemas medievais e tratados de necromancia pós Agrippa, e serefere nada mais do que a uma ave (semelhante ao Urubu) que se alimenta defezes de outros animais, muitas vezes chamado de Uppupa, pelos gregos.Onychinos, tomado do grego também, se referia ao ônix. Assim os nomes deantigos “elementais” são na realidade as mesmas correlações de animais, cores,plantas, emoções, ideias feitas atualmente com os planetas, porém com palavrasdo grego antigo ou em latim, ou ainda numa língua antiga da qual a palavrafosse proveniente. Era comum entre os autores medievais dar nomes às diversasforças da natureza, assim o fogo teria por consequência, nomes para sua

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capacidade de aquecer e outro nome para sua capacidade de queimar. Asciências, notadamente física e química, pegaram da alquimia essa mania dedenominar diversas propriedades de um determinado ente. O fato de manter deforma mais fiel possível os nomes de forças, anjos, demônios talvez demonstreque os autores dessa época achassem relevante a ideia original atribuída ao ser.Assim, apesar de bruxa ser designada, num período do Latim, por striga ou stria,muitos autores mantinham a palavra no original strix, coruja, com a intençãoprovável de que o leitor pudesse remontar à ideia original do termo e à relaçãoda bruxa com a coruja, ave de hábitos noturnos.

ARARITA tem por valor numérico o 813, que também é o valor do versículode Gênesis I:3 – “Vayomer Elohim Yehi Aur, vihi Aur” (“E deus disse faça-se a luz,e a luz se fez”. Ou em latim: “dixitque Deus fiat lux et facta est lux”). Esseversículo é, entre diversas magias medievais, das frases mais importantes emesmo usada magicamente na concretização dos rituais, através da ordem: “FiatLux”, a mesma falada por deus na criação da luz. Além da analogia com o Fiatlux do gênesis, está relacionada à fórmula de LVX: trazer da escuridão ou dodesconhecido para o conhecido e com a fórmula de IAO. Ambas falam, de certaforma, de transformação e morte.

A palavra ARARITA, já usada mesmo antes das publicações de Agrippa, foipopularizada através de seus trabalhos como citamos, notadamente o DeOcculta Philosophiae; em seu livro podemos encontrar talismãs com a palavra, eaté mesmo Kameas específicos com letras de ARARITA. Aparece também noFormulário de Alta Magia, do Piobb. Para o latim, ARARITA era traduzido comounum principium unitatis suae, principium singularitatis suae, vicissitudo suaunum. Várias associações numéricas podem ser feitas. Eu particularmente nãogosto de estendê-las demais além do óbvio, já que várias correlações podem sersomente fruto de aleatoriedade própria dos números e suas relações com asletras - as combinações possíveis são muitas. A palavra surge em diversostrechos do Sefer Ha Zohar, ou livro do esplendor.

Aparece há mais de cem anos também na maçonaria, como pronúnciasecreta do nome de deus: o tetragrammaton. Diversos livros relacionados àMaçonaria e ao Rosacrucianismo do século XIX citam ARARITA como sendo apalavra “secreta” dos sábios de Alexandria [7]. ARARITA é também representadapor diversos valores: 1, em relação à sua inicial e à unidade de deus; 813, pois1+200+1+200+10+400+1 = 813; 12, considerando apenas o valor decimalresumido e ao Zodíaco: 1+2+1+2+1+4+1 = 12; por 111 [8], representativo datrindade e dos três Alefs. O número 813 pode ter relação também com LAShThALe com o Liber 418 - sendo 418 -> 4+1+8 =13, 1 a mais que 3+1+8=12, erepresentando portanto o próximo passo ou renovação das fórmulas. 418 é umdos números mencionados em Liber ARARITA, um livro de classe A que segundoCrowley “contém um método de reduzir o hexagrama à unidade”. ABRAHADABRA(418) é composta por 11 letras, e em Liber ARARITA uma das associações leva

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em consideração a união do Pentagrama com o Hexagrama, o 5 com o 6. Aimportância, no entanto, recai sobre o 12 nesse mesmo Liber, considerando queo Hexagrama representa os sete planetas e o Ruach do Mago, ou seu centromental: o sol. Entendendo o hexagrama como nosso Ruach fica muito óbviocompreender porque unir todos seus aspectos numa coisa só era consideradopelo Crowley como uma poderosa iniciação. Essas relações são beminteressantes e podem ser desenvolvidas. ABRAHADABRA segue a mesmasequência formativa de ARARITA, sendo composta por duas letras “soltas” (H e D,5 e 4), por duas letras repetidas (B e R, 2 e 200) e cinco letras repetidas (A, 1). Arepetição de Resh e Aleph de ambos os lados do hexagrama mostra a tese eantítese, o confronto entre as ideias.

ARARITA representa ao mesmo tempo a unidade (Yod), a dualidade(representada por duas letras Resh) e a trindade (representada pelas três letrasAlef). Todas elas levariam ao “fim”, ou conclusão das coisas, Thav. Tambémrepresenta a manifestação no mundo elemental (por ter quatro letras). Assim,ARARITA nos leva do 1 ao 4, número da manifestação elemental. Do 1 ao 2, do 2ao 3 e do três ao 4. Seguindo essa ideia original do significado de ARARITA, emLiber DCCCXIII, Crowley já explica a fórmula no primeiro verso, de formapraticamente literal. Fica mais fácil ainda absorver os conceitos de unidade,dualidade e trindade inseridos em ARARITA quando notamos a seguinte imagemtradicional da representação do hexagrama. YOD é considerada a letra geradorade todas as outras do alfabeto hebraico. Acima e abaixo temos Alef, a primeiraletra do alfabeto, e Thav, a última, indicando o princípio e o fim.

Figura 2 - O hexagrama que, além de representar a unidade dos opostos, representa os seteplanetas sob poder das Sephiroth. Cada ponta e o centro são associados a um planeta, Sephirah e

letra da chave ARARITA.

Em Liber ARARITA, o versículo quatro mostra o início da subida pela árvoreda vida através de Thav, letra atribuída a Saturno e à Terra. Crowley sugere que oCapítulo 1 deve ser confrontado versículo a versículo com o Capítulo 2, que

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contém ideias opostas. Liber ARARITA tenta mostrar que nossas ideias sãoapenas projeções mentais no Universo e que o real e irreal são dois lados de umamesma moeda. Fica claro que os versículos de 3 a 9 se relacionam,respectivamente às Sephiroth. O Capítulo 1 apresenta as Sephiroth em seusaspectos “positivos” e o Capítulo 2 apresenta os aspectos opostos. O métodoprático de Liber ARARITA começa então pela comparação de ambos os capítulossimultaneamente. O próprio nome ARARITA e praticamente todos os outros Librijá falaram da natureza da Grande Obra: a união de deus (ou SAG) com o homem,mistério simultaneamente de Saturno (Binah), da Terra e representado pelasubida na árvore da vida. E já no versículo 0, após apresentação da ideia do uno,há a admoestação no Capítulo 2 de que ARARITA é 111, e não 1 - isso seria, umaconsideração de que se ARARITA representa a unidade de vários, e nãonecessariamente isso tem a ver com monoteísmo.

As oposições principais nos Capítulos 1 e 2 são: o Senhor do Tempo, velho(Saturno), contra as mães do inferno, devoradoras de criança; um Rei majestoso(Júpiter) e outros sem misericórdia e vil, semelhante a harpias; um Rei Guerreirocom sua armadura (Marte) contra os vulcões e faíscas infernais; um Deusbrilhante, de música e beleza (Sol), contra os egoístas e afobados; o Oceanocomo ente de vida, contra os corvos da morte (Vênus); um Jovem amável ebrincalhão (Mercúrio) contra espíritos mentirosos; uma Deusa caçadora com seuscães contra seres obscenos na putrefação da morte. No Capítulo 3, a essênciadesses versículos é obtida e deve ser novamente expandida no Capítulo 4. Oscapítulos 5 e 6 avançam a ideia fundamental um pouco além, e as manifestamde acordo com a vontade do Adepto (Capítulo 6). Até que no Capítulo 7, asideias, teses, antíteses e sínteses são dissolvidas. Esse processo culmina emDaath, onde as ideias se destroem.

Liber ARARITA mostra que o Ruach exaltado positivamente cria, enegativamente leva à loucura. No Capítulo 6, podemos notar no versículo 1 apresença de Nuit. Esse seria o grande transe e relaciono a Liber VII, por exemploquando expõe no versículo 40 do Capítulo 1: “Quando Tu me conheceres, Ó Deusvazio, minha chama expirará completamente na Tua grande N. O. X.”. As técnicasde Liber HHH, Had, e Nu me fazem crer que também levam a essa direção e queLiber VII é um método de consecução das teses relacionadas aos planetas.Assim, no Capítulo III de Liber VII, relacionado a Júpiter e a Chochmah: “Eu fui osacerdote de Amon Ra no Templo de Amon Ra em Tebas. Mas Baco veio cantandocom suas tropas de moças vestidas de vinha, moças em mantos escuros; e Bacono meio como um gamo!”, pode resultar numa conclusão espantosa: a passagempor Chochmah, sede da memória de nosso Ruach, poderia ser a recordação doque se foi e as tropas de Baco o esquecimento.

Os planetas representam não coisas de outro mundo, mas sim o mundoreal, onde se parte da ideia para a realização das coisas. ARARITA érepresentativa de tudo que é manifesto. É a palavra chave dos 7 dias da criação

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da realidade. O plano astral Yesod poderia ser, por conseguinte, a entrada nomundo das esferas e da unidade. Deus velho e jovial no texto indicambasicamente o início e o fim, a juventude e a velhice, Júpiter e Marte. Há naCabala uma prática de criação de golems, onde as palavras iniciais determinamcomo é a cabeça do “ser”, e as outras letras determinam o formato de suaspartes do corpo. Essa tradição é usada para representação dos anjos e arcanjos,e através de Liber Ararita podemos concluir que Crowley sabia dessascorrelações. Essas correlações são usadas por Crowley dos versículos 4 ao 10 deLiber Ararita, onde cada letra se apresenta para ele.

Ainda além de ARARITA, Liber Ararita ensina um método de raciocíniovisando a unidade através do confronto. Ele apresenta em praticamente todos oscapítulos diversos aspectos da palavra ARARITA, e os confronta, a fim de saberqual deles é real. É através das teses - declarações sobre cada ente, através daobservação - e das antíteses - falseamento da possibilidade - que ele alcança asíntese. A ponta superior do Hexagrama é atribuída tradicionalmente a Binah, aínotamos que a vivência de ARARITA pode representar a experiência de Daath deuma forma muito mais simples do que se propaga por aí: seria atravessar oabismo um ato de construir teses e antíteses na busca de uma síntese? A ideiade experimentar e apresentar sempre o oposto, segundo Crowley, nos libera daânsia de ver as coisas como sempre realidade e “sair” da esfera de Ruach.

Sobre as implicações práticas, ARARITA é usado em muitos rituais, sendo osmais conhecidos os Rituais do Hexagrama e Estrela Safira. Apesar da grandequantidade de informação sobre esses rituais, cabe algumas considerações quepodem ser desconhecidas para alguns dos leitores, então acho propíciocomentar. Não vamos detalhar as chaves dos rituais, mas apenas questõespráticas gerais. Nos rituais do hexagrama cada ponta equivale a um planeta. Ainvocação e banimento leva em consideração o curso do sol, em sua viagemaparente pelo céu: no hemisfério norte o sol aparenta nascer à esquerda e se pôrà direita, por isso os traçados do hexagrama seguem esse caminho, ou traçadoem sentido horário. O símbolo do planeta é traçado no centro do hexagrama, oudo signo zodiacal quando for o caso. O nome ARARITA é vibrado enquanto setraça o hexagrama, e o nome cabalístico enquanto se traça o símbolo do planetaao centro.

Os rituais do hexagrama podem ser usados para muitos motivos. O 777tem uma grande quantidade de correspondências planetárias. Uma dasaplicações mais simples é de harmonização com as forças planetárias, ondefazemos o ritual de invocação do planeta pela manhã durante os sete dias dasemana considerando sua atribuição tradicional, começando pelo domingo, diado sol. Outra forma de trabalho é com assunção formas deus, onde se busca umcontato íntimo com uma força planetária e deuses relacionados: pode-se fazerum ritual para um planeta, e assumir sua forma diariamente. A estrela setenáriapode ser usada para conquista de virtudes relacionadas aos planetas ou

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detrimento dos vícios relacionados, ou o simples banimento e invocação doplaneta.

A virtude relacionada à lua é a humildade, e o vício é a preguiça. Sequisermos mais humildade, podemos invocar mais a lua e durante o traçado dalua, desenhar uma lua crescente, para que mostremos a intenção de que ascaracterísticas positivas da lua se manifestem. Para a preguiça, o banimentopode ser realizado, utilizando a lua minguante ao centro para representar que sedeseja banir as características negativas do planeta. Uma invocação de Sol eMarte também podem complementar esse banimento da preguiça associada àlua. Para os outros planetas essa relação não é possível, o que torna a operaçãocom a lua um trabalho muito interessante pelas suas fases. O símbolo do planetadeve ser feito preferencialmente de forma a ocupar o espaço inteiro do centro dohexagrama. Para invocação específica de planetas, diversos modos podem serexperimentados: invocação do planeta no quadrante de seu elemento dominante(vide relações elementais no ritual menor do hexagrama), invocação do planetaem todos os quadrantes (mais comum), invocação do planeta na direção de seuzodíaco no círculo ou mesmo a direção real atual do planeta.

Os quatro rituais podem ou não ser usados em conjunto. O ritual maior dohexagrama pode ser usado sozinho em casos de trabalhos direto com eles. Masgeralmente uma limpeza é feita com o ritual menor do pentagrama(principalmente se o trabalho anterior for relacionado aos elementos) e umapreparação com o ritual menor do hexagrama, notadamente se trabalhamos comzodíaco já que esse ritual trabalha com as forças elementais na roda do zodíaco.

ARARITA, como comentei, é também usado no Ritual da Estrela Safira, quemarca a união do Adepto com seu anjo guardião. Em cada ponto cardeal, fazendoo hexagrama da terra, se ditam frases de união entre os elementos como sendoum deus só. A relação entre o Mago e o SAG é então citado em polaridadesfeminina e masculina, o que dá a entender que o ritual apresenta umacaracterística sexual polarizada. No entanto, apesar dessa característica, o ritualparece mais de consagração já que o executor do ritual pode se assumir comosendo o sujeito (seja filia ou mater ou pater ou filius) e “consagrar” um outro sobEstrela Safira - pode ser uma viagem, mas a presença da dualidade me fazpensar nisso, na constante presença de dois entes no ritual. Assim como oEstrela Rubi é um ritual unicamente de banimento, o Estrela Safira é um ritual deinvocação, evolução dos rituais do hexagrama. A Kabbalah (Sepher Yetzirah, ouLivro da Criação) atribui para as seguintes direções às respectivas constelações[9]:

Áries (Marte) - Nordeste - PaiTouro (Vênus) - Sudeste - Mãe Escorpião (Marte) - Sudoeste - FilhoLibra - (Vênus) Noroeste – Filha

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Aqui, podemos ver que o fato de o Safira Estrela apresentar Mãe, Pai, Filho,Filha tem muito mais motivação astrológica do que apenas sexual de ser. Érelevante notar que áries e escorpião são regidos por Marte, enquanto touro elibra por vênus. O traçado dos hexagramas é igual para todos os quadrantes -com o traçado da linha horizontal, como usado no ritual menor do pentagrama -,se alterando somente a frase principal que dita a união das constelações. Decerto modo, temos no Estrela Safira o Tetragrammaton, YHVH, e unimos: Y+H,H+V, V+H, H+Y. Marquei em negrito a fase V+H pois é a união do Filius et Filia,que acontece não por acaso no Oeste, a estação da completude, do final, dooutono, da colheita. Ao fechar o círculo, ele irá ao centro deste. ARARITA é aquivibrada três vezes, uma com o sinal da Rosa+Cruz (a marca da besta, que podeser conferido ainda nesta edição), uma vez com o sinal de Set Triunfante, que éuma posição de total ação, e uma vez com o sinal de Mulier (ou Baphomet), aposição de passividade.

Set aparece no ritual como a forma escondida de Hórus. Set além de ser odeus egípcio, aparece também no Zohar como sendo um “nome de sucesso”, jáque é composto em hebraico pelas letras Shin e Thav, as duas letras finais doalfabeto. O aparecimento de Set ou não é o resultado de sucesso ou não dainvocação. Nesse momento, a comunhão é feita: segundo o ritual o sacramento ébebido e comunicado, partilhado entre o Mago e Deus. O texto do ritual terminacom uma declaração do sucesso da operação de ARARITA. Cabe notar que Hórus,na mitologia egípcia [10][11], uma vez embriagado foi seduzido por Set paraseus aposentos, onde Set penetrou Hórus. Esse mito explicaria a relação Mago-SAG como sendo uma relação de união homossexual, sob ARARITA. Será que,assim como na mitologia, Set domina Hórus durante sua embriaguez? Aos quegostam de ufologia, talvez faça sentido crer que o SAG pudesse ser de uma raçaalienígena buscando contato com a raça humana para depois - do adeptado -dominá-la através da destruição e da aniquilação de Daath.

Eu vejo Liber ARARITA como incrivelmente prático e associável a outrosLibri, como Liber Nu, liber Had, Liber 418, e extremamente aplicável ao Ritual deEstrela Safira e aos Rituais do Hexagrama, uma obra-prima dentre os Libri deThelema. Pude perceber, por práticas próprias, uma correlação ainda com oEnochiano, notadamente as chamadas 1, 2 e 3, tema que quero desenvolvernuma próxima chance, quando tiver prática suficiente; ARARITA nos deu o poderde realizar de feitiços a rituais e cerimônias elaboradas ao longo dos últimos2000 anos, e ABRAHADABRA vem ser seu complemento. Que a luz que trouxeARARITA à idade média, à consolidação de Asar como rei supremo e a queABRAHADABRA traz ao nosso Éon continue sendo esse fiat lux mágico que nosinicia a cada dia nos mistérios da Vida e ajude a passar a Noite dos Tempos quenos aguarda como príncipes e princesas que somos, rumo à eternidade.

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Frater Amaranthus

[1] Selig, Gottfried. Compendia vocum Hebraico-Rabbinicarum. Biblioteca Estadual da Baviera, 1780.[2] Buxtorf, Johann. De abbreviaturis hebraicis liber novus & copiosus. Universidade Complutense de Madri, 1613.[3] Anônimo. Lexicon Chaldaico-Rabbinicum. Biblioteca Estadual da Baviera, 1747.[4] Lahy, George. Vie Mystique et Kabbale Pratique. Éditions Lahy, 1995.[5] Pistorius, Johann. Ars cabalistica: hoc est recondita theologiae et philosophiaescriptorum. Henricpetrus. Biblioteca Estadual da Baviera, 1587.[6] Agrippa, Heinrich Cornelius. De Occulta Philosophia. Edição: Johann Trithemius. Biblioteca Nacional da República Tcheca, 1533.[7] Pike, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. L. H. Jenkins. Universidade de Michigan, 1871.[8] Levi, Eliphas. The Doctrine of Transcendental Magic. 1855.[9] Dobin, Rabbi Joel. Kabbalistic Astrology: The Sacred Tradition of the Hebrew Sages. Inner Traditions / Bear & Co, 1999.[10] Redford, Donald B. The Oxford encyclopedia of ancient Egypt, Volume 2. Oxford University Press, 2001.[11] Najovits, Simson R. Egypt, Trunk of the Tree, Vol. I: A Modern Survey of an Ancient Land. Algora Publishing, 2003.

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Ecos de uma Iniciante Geminiana

Antes de tudo, vejo a necessidade de esclarecer que falo apenas de mim. Thelema apareceu em minha vida por meio do Livro: Chamando Os Filhos

do Sol, do Marcelo Motta. Se algum escrito confere Iniciação, este é um deles. Com ele se abriu um novo caminho, um chamado e em razão dele passei a

estudar Thelema. Como conseqüência, a couraça formada pela cultura, pelamoral e pelos conceitos cristãos, e posteriormente, por conceitos budistas, serasgou.

Conheci uma “nova” liberdade que rompeu as algemas mentais a que haviasido condicionada através dos anos.

Carl G. Jung, através do seu Livro Sete Sermões aos Mortos, deu-me oponta pé final; comecei a me reformar para que meu modo de pensar seexpandisse para além de conceitos acerca do bem e do mal, a trabalhar a minhamente para que meus pensamentos não fossem mais condicionados pelospadrões atuais do que consiste a moralidade humana sobre o que seja certo ouerrado e também, por julgamentos precipitados.

Então além de Thelema, passei a experimentar e a absorver de tudo o quepudesse me ensinar, que pudesse me acrescentar algo e por isso, passei aestudar outros sistemas também; afinal não passo de uma criança.

Porém Thelema sempre foi a filosofia ideal, com o seu “je ne sais quoi”!Graças aos “Bons Trabalhos”, o Livro Chamando os Filhos do Sol, explica

que a Santíssima Ordem, A qual deposito certeza incondicional, é composta portrês fraternidades: a Branca, a Negra e a Amarela. Então, não é porque você nãoseja seguidor de Thelema, ou seja, da Fraternidade Branca, que você deve deixarde almejar a Santissima Fraternidade dos Irmãos da Luz.

Não limite o seu Ser.

“E porque tu não possuis Sabedoria, não saberás se essas trêsFraternidades, que sempre se antagonizam e completam umas as outras, fazemuma ou fazem três. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir. “ Marcelo Motta.

Desejando entrar em uma ordem thelêmica, além da maldição de nascersobre Sol em Gêmeos, ou seja, o gostar de saber, de procurar aprender e,sobretudo de perguntar; descobri que fui novamente amaldiçoada; agora com amaldição do Por Que, por uma ordem.

Cometi a blasfêmia de perguntar demais, a heresia de querer pensar forada caixa, porque parece que a Caixa de Thelema já está fechada e o programapronto pra ser rodado.

Acostumada, pois Ovelha Negra já sou para os que me cercam: nascimulher, ousei ter a pachorra de me divorciar duas vezes, e por fim, optei por serescrava do serviço público e não dos negócios da família. Sou ovelha negratambém para ordens thelêmicas, sou acometida por egrégoras de outros Aeons.

Percebem?

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Pois eu percebi que se penso igual e pergunto de menos sobre o sistema,se eu concateno com as mesmas idéias, então eu vibro no Novo Aeon. Umsimples questionamento derivado de insights, e de repente já pertenço ao VelhoAeon. Imediatamente condenada e, claramente sem mais o direito de ir e vir.

Recuso-me a vestir outra couraça que me restrinja, ou me prender a ordenscuja forma de pensar devo coadunar e assim chamar isso de Irracionalidade quebrota da Vontade (sic), qualquer coisa em contrário, é fruto de um egomegalomaníaco. Será atoa que minha veia em Thelema se originou com Motta?(risos)

Sei que essas minhas palavras desagradará a muitos, mas anseio que sirvade alerta para os mais incautos sobre uma ortodoxia que surge sob a égide doNovo Aeon.

Thelema me ensinou a ser livre, livre para buscar descobrir qual é anatureza do meu ser.

Então confesso não ter preconceito algum seja com Aeon de Osíris, Aeon deHórus ou de Maat. Proclamo, como uma criança conquistadora e vingadora quecaminha sobre esta Terra, que vibro no Aeon do Empirismo, que busco pelasminhas próprias experiências em qualquer sistema, seja nas alturas e tambémnas profundezas, sem distinção ou diversidade. Mas antes de tudo pela União.

P.S.: Um salve ao meu Instrutor da A.˙.A.˙., exemplo vivo do que seja a prática do WuWei, aquele que ensina sem palavras.

12 de dezembro de 2017

Produção: Soror A.E.A.E.Trilha sonora: City of Roma, Assassin’s Creed, The Best of Jesper Kyd

Direção:אדני

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O andarilho e a andorinha

Eu não te vi:

Mas ouvi tuas asas tocarem as asas do vento.

Rolinha do tempo sob tênue raio de sol:

Voa, voa, andorinha, que prenuncia a tempestade.

Voa bem alto!

Porque mesmo com pés no chão

Quero mais dessa loucura de te amar

Dessa demência que é beber taças e taças

Do vinho forte que corre de teus lábios.

Embriaguez azul que coroa o meu então.

Não me importo com cabelos soltos:

Canto no mau tempo!

Sem ânsia do que há de ser o amanhã.

E mesmo que escondas o sol ante meus olhos

É porque chove e está nublado:

Um dia o verei.

Voa, voa, andorinha:

Que esta Terra seja toda Tua

E essa altura tua, Minha.

Amaranthus

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Kali

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Thelema Contemporânea:

Já deu sua bicada hoje?

Está lá, todos viram, nem preciso contar, todo mundo torceu o nariz para ocapítulo III de Liber AL, na Europa no começo do século XX; na verdade muitagente torce ainda o nariz para o capítulo do homem da Terra, aquele capítulo quefala de Ra Hoor Khut, aquele capítulo mesmo que foi o último a ser escrito, noentanto aponta para o começo do caminho! Sim, o começo, visto que ele trata doestabelecimento do reino de RHK na Terra, é que lá no meio do capítulo há oversículo 51 (uma boa ideia) que atesta:

"Com minha cabeça de Falcão eu bico os olhos de Jesus enquanto ele sependura na Cruz"

Bom, óbvio que eu não escrevo esse texto só para thelemitas e sim paraqualquer um interessado, simpatizante ou até inimigo de Thelema. Esse versoalém de marcial, violento, pictórico, nevrálgico e enigmático guarda em si umparadigma muito importante para poder vivenciar a filosofia de Thelema: oapogeu da Liberdade e do Amor sob Vontade.

Começando pelo princípio do capítulo III do Liber Al, no verso 3 temosRaHoorKhuit: "Agora seja primeiramente compreendido que Eu sou umdeus de Guerra e de Vingança. Eu lidarei duramente com eles"

Vivemos num momento de transição de forças, valores e sentidos, ummomento de convulsões no mundo, algumas até descritas no Liber AL. Osconservadores dando sua última cartada com o velho discurso de pátria, família etemor a deus, as minorias todas reivindicando um espaço ao sol, os indecisos, agrande massa de manobra e claro os curiosos e desconfiados como eu e você,como fica tudo isso? Clara como o cristal, pra nós thelemitas é a sensação de quea nova realidade espiritual descrita nos capítulos I e II do livro deverão serconquistadas por cada indivíduo; é pessoal, não há um raio Thelemizador quecairá de Sirius (Sotis, Seth etc) e purgará ou transmutará a humanidade toda, jápensou? As velhinhas da quermesse de igreja do interior largam os terços e osleques e viram Babalons? Os pastores e crentes nas assembléias “ervangélicas”gritarão: - Sangue de Hoor tem poder! ou - está amarrado em nome do Khu! ouseria do Khabs? Todos viramos estrelas em nossas órbitas e tudo como é embaixovira análogo ao que é de cima? Por mais surreal que pareça, o trabalho é interno,e a conquista é individual, e essa conquista em si, é o conteúdo do capítulo III.

Abrahadabra é a recompensa de Ra Hoor Khut, para outros é o reverso - ouseja: aquilo que está na parte oposta à que se observa, ou que faz volta ao ponto

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original, ou até quem abraçou as crenças que havia abjurado. O personagemprincipal deste capítulo é justamente a contraparte do ente silente, é o ativo,marcial que vai estabelecer seu reino, um reino usurpado, um governante quefará de tudo para não perder seu reinado. Mas onde será que ele reinará?

Se o Liber AL traz a Palavra, a Voz da Lei do novo aeon, o Livro de Thothtraz as imagens pictóricas (Visão) deste Aeon e o Liber 418 traz A Visão e a Voz!Esses três livros são um importante núcleo do sistema Thelemita, além de nosprover muitas respostas às nossas indagações, proponho o seguinte exercício:procure o Hierofante o atu V, e seu simbolismo no Tarot de Thoth. Visualize acarta, o hierofante sentado, seu semblante, as correspondências zodiacais e osdetalhes da lâmina, note que há uma criança dançando dentro do pentagrama nocentro da carta e no peito do hierofante. Essa criança representa Heru Ra Ha e oNovo Aeon que nascerá dentro de cada mulher e cada homem (o menino dentrodo pentagrama, "todo homem e toda mulher é uma estrela"); nos cantos da cartavemos os 4 Kerubs guardiões dos Mistérios e dos elementos eles podem serRaphael, Gabriel, Michael e Uriel ou também IUGGES, ΤΕΛΗΤΑΡΞΑΙ, ΣΥΝΟΧΕΣ,ΔΑΙΜΟΝΕΣ. Pode ser visto também um Hexagrama diáfano numa leve coloraçãoazulada onde culmina o simbolismo da Grande Obra 6:5 e a palavra undécupla,vemos também uma mulher na parte de baixo da carta representando Vênus ouÍsis ou a força feminina já de acordo com o novo Aeon, visto que ela está armada,iluminada e militante (sugiro a leitura do comentário de Liber AL capítulo IIIversículo 55); essa carta em si mostra de fato o equilíbrio entre os aeons representado pela chave na mão do hierofante como também a idéia deigualdade e liberdade.

Então como é possível nascer uma ideia de igualdade, liberdade e acima detudo a ideia de que somos deuses em potencial se ainda cremos em dogmascristãos ou crististas? Como achar esses atributos de felicidade se você tem quesofrer? Tem que se humilhar? Se há pecado original, e mais sete pecados é óbviotoda a punição e carga de culpa que há incutido nisso, agora multiplica por mil eeleve a décima potência daí já temos ideia da força desse egrégora – "mea culpa,mea culpa, mea maxima culpa" (a grande feitiçaria do Motta e do Euclydes). Parafechar, imagina isso aqui no Brasil - sim no Brasil mesmo onde até macumba écristã, espiritismo é cristão, traficante é cristão, tem até "xintoísta cristão" noBrasil pra você ver!

O senhor iniciando enfatiza que, ao bicar os olhos de Jesus, ele cega avisão. Essa visão é a de um escravo, de um derrotado, pecador, de alguém queatua pela comiseração e simpatia da miséria, e isso meus caros, além de ser antiThelema é cruel e mesquinho, é restritivo, pois se podemos ser todos irmãos nodeleite, na felicidade, na igualdade, para que seremos todos irmãos nosofrimento e na resiliência? Pestilência maior que o apego à visão castradora eseparatista, não há.

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“Terra a Vista!” - Será?

Agora veja como é complexa a mudança do paradigma individual; é mexernum ninho de vespeiro, todas as bases sociais, educacionais e religiosas contémsenão a totalidade de ideias cristãs ou crististas e, querendo ou não, isso estáarraigado em nós! Posso dizer por experiência própria; não tive muito acesso àreligião católica na infância, não tenho primeira comunhão, minha família étradicionalmente umbandista, nada de Umbanda branca ou esotérica - eratraçado com Nagô, quase um Candomblé, ou melhor: “umbandonblé”, coisa degerações. Ainda assim, vejo em mim processos claramente RESTRITIVOS, sejamde visão do mundo ou de outros aspectos emocionais, algo que pode até não sermeu conscientemente, mas em algum fundo de baú está lá: verdadeiras amarrasque dificultam processos de percepção e de realização! Ao meu ver a mudançade paradigmas é um aumento de nossas faculdades de percepção; no fundo, seperceber é a chave de todo processo de autodescobrimento como também achave de Malkuth (mas isso é outro assunto); a quase totalidade da humanidadevive nas conchas de qliphot, aos trancos e solavancos do "deixa a vida me levar"- por isso o trabalho é de pequenas bicadas.

Outro detalhe interessante, ou até divagação minha, é: "Com minha cabeçade Falcão eu bico os olhos de Jesus enquanto ele se pendura na Cruz."Relembrando nossas aulas de análise gramatical "enquanto" é uma conjunção decircunstância temporal, e o mais legal é que o sentido em inglês também é esse"as he hangs in the cross". Gnosticamente falando sabemos que Jesus enquantoChrestos gnóstico dos códices como Pistis Sophia e tantos outros, não é o que foipendurado numa cruz e muito menos o símbolo de submissão e restrição que ofantasma da cruz representa; no livro citado acima há a passagem: "Eis que vimtrazer fogo à Terra (...) Igni Natura Renovatur Integra" Esse Chrestos em nada separece com o bom pastor de tão tementes ovelhas e sim parece claramente, aseu tempo e com a devida proporção, com o Senhor do Fogo no Liber AL: "Eu souum deus de Guerra (...)” ou " Força e fogo são de nós." Veja bem: tipo aquelecomercial antigo: parece, mas não é. Assim sendo se não há ninguém na cruz,não há bicadas, então como descemos da cruz?

Tem dica prática sim senhor! Thelema é uma via prática, semprefilosofamos para propor práticas; não há meu pirão primeiro, nem meu pé medói, tão pouco é a exacerbação do ego, ou eu menor, isso está claro em Liber II –é a apoteose da Liberdade, mas a mais estrita das injunções" ou seja meusqueridos: há trabalho a frente!

"O Sol não morre, como pensavam os antigos; Ele está sempre fulgindo,sempre irradiando a Luz e Vida. Parai por um momento, e adquiri uma concepção

clara deste Sol: como Ele está fulgindo de manhã cedo, fulgindo ao meio-dia,fulgindo à tarde, e fulgindo a meia-noite. Tendes esta idéia claramente formulada

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em vossa mente? ENTÃO PASSASTES DO VELHO AO NOVO AEON.

Agora, consideremos o que ocorreu convosco. A fim de assumirdes estaconcepção mental do Sol sempre-fulgente, que fizeste? Vós vos identificastescom o Sol. Vós saístes da consciência deste planeta, e por um instante vosconsiderastes como Entes Solares. Então, para que voltar atrás?"

Assim transformando esses dois parágrafos em prática temos o Liber CC-Resh Vel Helios – comumente chamado de Resh ou a saudação Thelemita ao sol,é uma prática sem contraindicação, que é facilmente encontrada na internet, e étida por muitos como a prática inicial nos trabalhos da Santa Ordem e por issomesmo considerada básica, mas se enganam os que pensam que esta prática éuma perda de tempo. De fato, essa prática aliada à sua Vontade será umaimportante ferramenta para que o governante adormecido de um reino internodesperte.

Uma nova lei e uma nova palavra foram trazidas como uma nova febre doscéus, jorraram da foz da língua do profeta e da tinta de sua pena. O Aeon estápronunciado sobre o silêncio! E a fórmula da palavra undécupla (Abrahadabra)na lei de Thelema consagra a blasfêmia contra todos os deuses! O senhor doAeon, aquele que carrega o esplendor da blasfêmia em seu próprio nome não éum juiz, cada um que se julgará. Ao meditarmos sobres as cores do Atu XX (OAeon) vamos ver que "o escarlate flamejante, o carmesim brilhante e o vermelhoardente são enfatizados pelo verde passivo" Temos aí a visão também da criançacoroada e conquistadora, não há pecados, não há salvação , há somente Luz,Amor, Liberdade e Vida! Até a morte agora é Vida por vir!

"Tu és o Teu Próprio Caminho.Por isto está escrito: Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos fará livres.

Este mundo não é um antro de demônios expiando seus pecados; este mundo éum dossel de Deuses que dormem, e dormindo, sonham."

É difícil prever como e quando será o crescimento dessa criança, quandoseus ideais juvenis se tornarão uma realidade para todos nós. Crowley disse"...que o mundo está entrando em um período de quinhentos anos deobscuridade e provação, que irá preparar a humanidade para uma era de Luz.."Seria muito ingênuo em acharmos que apenas em cem anos estaríamos prontospara viver a totalidade da lei de Thelema?

Força e fogo são de nós!

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Então:- Já deu sua bicadinha hoje?

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Liberdade é o direito de agir conforme sua própriaVontade

Liberdade é o direito de agir conforme sua própria vontade, é o ato deseguir, com a ausência de interferências ou restrições. Todos nós nascemoslivres, mas durante a infância essa autonomia nos é mascarada por meio demodelos prontos de religiões, comportamentos, palavras, e ações. Por termos amente ainda vazia e pouca capacidade de escolha, acabamos sendo criados emmoldes, escravos dos pensamentos que nos obrigam a ter, uma solução coletivaé formada, um pensamento puramente maquinal. Seguimos nessa submissãoevitando pensar a respeito do que entendemos ou, simplesmente, felizes pelasegurança de um modelo preconcebido de vida. Mostram-nos o que é afelicidade, pintam-na com cores vibrantes e nos dão para olhar, e semprelembrar aonde devemos chegar. Dizem-nos que a verdade não está em nós, queDeus está em um templo, que a razão está nos livros e que devemos acreditarnos filósofos, nos políticos e nos guias. E seguiríamos contentes, nesse modelosocial de vida e pensamento, se não fossem os momentos de incerteza – fasesque encontramos ao nos depararmos com nós mesmos. Em determinados dias,ao acordarmos, nos defrontamos com uma vida vazia, as cores vibrantes dafelicidade parecem foscas, e as religiões, os filósofos, e os políticos, parecemmentir. Sentimo-nos sozinhos, abandonados pelo sistema, perdidos por nãoconseguirmos entender se nascemos ao acaso ou se temos uma missão na vida.Então, em um desesperador vislumbre qualquer, notamos que recuperamos anossa tão temida liberdade, notamos que não fazemos mais parte de um quadrosocialmente aceito. Começamos a questionar, a fazer perguntas que não sedeve. É como se nascêssemos de novo, como se estivéssemos vendo o mundopela primeira vez… Passamos a nos questionar quem é essa pessoa que estádentro de nós mesmos.

Nesse despertar consciente, resolvemos tomar as rédeas de nossa vida,nos encontramos dispostos a abraçar a nós mesmos e seguir a nossa verdadeiravontade. O fato é que nem tudo é tão fácil, o problema central se encontra nafalta de preparação individual para seguirmos nossos próprios pensamentos. Nãosabemos onde termina a vontade coletiva e começa a nossa verdadeira vontade,nos encontramos perdidos e pagando o preço de ser incompreendido: o de serclassificado como sendo Deus ou o Diabo.

Eu me encontrava nesse cenário de busca e insatisfação, perdida em meupróprio interior, vagando sem direção por não saber quem eu realmente era.Nessa busca loucamente delicada que me deparei com a Thelema. Encantei-mepela Thelema ao ler um trecho do Liber CL – De Lege Libellum : “Sabei primeiro,que da Lei brotam quatro Raios ou Emanações: de forma que se a Lei for o centro

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do seu próprio ser, elas devem preenchê-lo com sua bondade secreta. E estasquatro são: Luz, Vida, Amor e Liberdade. Pela Luz vós considerareis a vósmesmos, e percebereis Todas as Coisas que são em Verdade Uma só Coisa, cujonome foi chamado de Nenhuma Coisa.(...)Portanto, pela Vida, vós vos tornaiseternos e incorruptíveis, flamejando como sóis, autocriados e autossustentados,cada um o único centro do Universo. Então pela Luz vós percebeis, pelo Amor vóssentis. Há um êxtase de puro Conhecimento e outro de puro Amor. E este Amor éa força que une as diversas coisas, para a contemplação na Luz de sua Unidade.(...)Finalmente, pela Liberdade está o poder para guiar o seu curso de acordocom a sua Vontade. Pois a extensão do Universo é ilimitada, e sois livres pararealizar o vosso prazer como quiserdes, observando que a diversidade do ser étambém infinita.”

Por meio da Thelema tive a concepção de que, antes de construir,transformar, condenar ou destruir qualquer coisa, é preciso trabalhar nadescoberta de quem realmente se é– o que nós somos, o mundo é! Através doestudo e compreensão da Thelema, vi que ela é a Lei da liberdade:” faz o que tuqueres há de ser o todo da lei” - mesmo que alguém acredite que isso seja umalicença para seguir seus impulsos e devaneios, afinal, que assim seja, ela sedecepcionará por si só.

A Thelema me ensinou que todo indivíduo é diferente, é único, e que éexatamente essa diferença que nos torna quem realmente somos. Por meiodessa Lei consegui ver que a sociedade, em que me encontro, absorve o novohomem e o impede de evoluir, que é preciso despertar para uma nova Era. Pormeio disso, consegue-se entender o que está escrito “Ísis foi Liberdade; Osírisservidão; mas a nova Liberdade é a de Hórus “. Devemos voltar a ser criadoresde nossa própria realidade e não copiadores de padrões arruinados. No tarô deThoth, a carta XIX O Sol aparece como a união das forças que regem o NovoAeon e essa carta “Representa o próximo estágio a ser atingido pela espéciehumana, em que a liberdade total é semelhante à causa e o resultado do novoacesso de energia solar sobre a terra.” O sol é o símbolo da liberdade, a vontadesob controle. Crowley deixa bem claro em seu Liber Aleph que “o verdadeiroprincípio de autodomínio é a Liberdade. Pois nós nascemos em um Mundo queestá escravizado a Ideais...”.

Crowley pontifica a não seguir o que ele denomina como “Culto dosDeuses-dos-Escravos”, apontando que tudo que estagna é deles e dali vem nãoEstabilidade, mas Putrefação”, e deixa também bem claro como reconhecer osDeuses-dos-Escravos “falsa Religião, falsa Ética e até falsa Ciência “. Os Deuses –dos – Escravos sacrificam o indivíduo em prol de uma sociedade, nos trazendo aconcepção que o homem, como indivíduo, existe para ser utilizado, dirigido,educado, controlado e ajustado.

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Thelema é liberdade e, liberdade, defende o direito humano de ser quem seé (e de ter liberdade para procurar o que se é), logo, o homem não pode ser umescravo (principalmente de outro homem ou deus), o homem têm o direito deviver por sua própria lei. Autoconhecimento é o começo da sabedoria.

“Que cada qual pense como quiser sobre o Universo, mas que nenhum tenteimpor aquele Pensamento sobre outrem por qualquer Ameaça de Punição nesteMundo ou em qualquer outro Mundo.” Aleister Crowley, Liber Aleph.

Soror Elemiah

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Abra Had Abra (2017)

Abro te a porta

A minha e a tua

Como se abrisse portas ao coraçãoO meu e o teu

Abro te o portalA entrada da GrutaDa interna verdadeDa minha e da tua

Bem vinda a esseEsconderijo que abriga.Ao poema que desnuda.

Que ilustra ocultandoExplica escondendoOu que mostra velando

Gritam me místicoDizem me cínicoVejo me sísmico

Desmorona o temploImplodido reflexo meuSussurro a ti inominado ateu

H418

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Thelema com Responsabilidade:10 considerações sobre Malkuth

Olá queridos irmãos, irmãs, amigos e amigas, 93.

Há alguns dias um correspondente, tendo lido um artigo meu, meperguntou: QVIF você dissemina que o homem comum não vive em Malkhut, masem Qliphot, porém em Kaballah, seja nos ramos que pesquisei, isso é falado. Porque você, então, continua afirmando que o homem comum vive em Qliphot? Boapergunta, não? Mas, vamos lá. O meu correspondente fala de “escolas de Kaballah” e nisso eletem razão. Nem todas as escolas de Kaballah admitem que estejamos no mundode Qliphot, tomando uma abordagem mais amena, considerando o MundoQliphotico um mundo “demoníaco”, com o qual é melhor o homem não tercontato ou melhor, evitar. Via de regra, este mundo “espelhado”, tambémchamado de Mundo das Conchas, é a essência, por exemplo, do conteúdo deLiber 231, sobre o qual Marcelo Motta realizou uma pesquisa em 1969, quealguns atribuem como resultado desta pesquisa ao início da paranoia do citadoMotta. Mas, foi exatamente o Motta, que tomou esse ponto de vista, isto é, que,essencialmente, o homem comum vive no mundo Qliphotico, um mundo deforças desordenadas, inteiramente comandado pelo “egos” encarnados. Essessão os verdadeiros demônios das Qliphots. Para entendermos o que Motta quisdizer, vamos fazer algumas analogias e apresentar alguns argumentos:

1 - O ego encarnado, em sua maioria é vítima das forças que o rodeiam. Ele tentase acostumar com isso, para variar distraindo-se. Assim, tal um condenado,vivendo em uma cela, ele se adapta ao pouco espaço e sonha com diasmelhores.

2 - Como um barco no oceano, ele vive ao sabor das ondas: um dia está calmo,outro dia está agitado e noutro dia tormentoso; logo tudo volta a calma. Maisuma vez ele se adapta

3 - Em ambas as situações o necessário é tomar consciência da situação que seencontra. No primeiro caso é necessário fugir, no segundo caso é necessárioerguer uma vela no barco e aproveitar a tormenta, pois os ventos farão o barcosair de sua inércia.

4 - Desta forma, Qliphot fala de nossas limitações e na prática mostra aconsciência e alguém unicamente preocupado com as necessidades de

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autopreservação, alimento, egoísmos, sexo eventual, dormir e lutar por umaposição. nada que qualquer animal irracional não faça.

5 - Alguns contestam: mas se aliado a tudo isso há a poesia, a arte, a música, umanimal irracional não faz isso. Sim, é verdade. Mas, mesmo pensante e fazendoalgumas coisas fantásticas (animais adestrados demonstram isso), o que importaé a consciência e a consciência aqui falada é a de estar em um mundodesordenado, flagrantemente constrangedor e adaptar-se a isso sem contestar.Quo Vadis? (Para onde vais?). Motta exemplificou para Euclydes que Qliphot podeser comparado a uma sala escura. Sem enxergar batemos nos obstáculos e como tempo nos acostumamos. MAS CONTINUAMOS CEGOS.

6 - Cabe ao Probacionista da A.'. A.'., reconhecer sua condição de habitante domundo das Qliphots e esforçar-se para sair desta situação - por isso sua tarefainicial é “descobrir a verdadeira natureza dos poderes do próprio ser” e isto é,não só uma “aspiração”, como uma “percepção”.

7 - Na Golden Dawn temos uma dica: o Neófito (equivalente ao Grau deProbacionista da A. A. ) no ritual é convocado a sair das trevas e ir para a Luz. Seele está em Malkhut, isso seria inviável, pois Malkhut é reflexo de Kether,emanação da Luz Infinita. Crowley em Magick parte 3, no diagrama da árvore davida, nos dá outra dica: antes de Malkhut a uma linha, com o nome "Portae"(Porta). ora, se existe uma porta para Malkhut e o Probacionista ainda não deu opasso inicial dos trabalhos na Árvore da Vida que começa em Makhut, onde eleestá????? Pensem...

8 - Se Qliphot pode ser comparado a uma sala escura, Malkhut é uma salailuminada. Os obstáculos estão lá ainda, terão que ser ultrapassados, mas apercepção deles faz com que possamos escolher a melhor maneira para isso emvez de sermos obrigados a nos submeter a uma adaptação por falta de opção.

9 - Malkhut é o mundo em que nos apercebemos do que está à nossa volta. Asmínimas coisas. Estamos diante não de forças desordenadas, mas dos quatroElementos. Temos opção. Se uma pessoa chega a Neófito da A. A. e não percebeque tem opções, nominalmente está Neófito, mas na verdade continuaProbacionista, vitimado por circunstâncias que não controla.

10 - De fato, o que estamos falando aqui é: o ego sob qliphoth tenta se adaptarao seu próprio descontrole. O ego em Malkhut, tenta adquirir o controle e optar,por isso ele se torna um Senhor de Asana, pois não é o controle do externo que éa via, mas do interno. Lembram: o demônio é o ego e ele se manifesta pelo

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corpo. Não se engane o Neófito. Ele será testado em sua ousadia: Essa é afamosa Ordália de Nephesh.

Mas isso é assunto para outra edição.Forte abraço 93.93/93

Q.V.I.F. 196 [email protected]

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Realizando uma leitura de tarô com cartas de corte

Há métodos variados para utilização do tarot, desde ritualística, viagemastral, e o mais utilizado, o divinatório. Esse texto foi baseado na revista In TheContinuum volume 7, escrito pela Soror Meral, com a qual tive diversos insightssobre leituras de tarot que agora irei compartilhar, então quem quiser praticar ésó pegar o seu THE BOOK OF THOTH.

Os oráculos podem ser atribuídos aos 4 elementos, ou seja, existe paracada oráculo um elemento correspondente, Soror Meral afirma que o tarot é maisadequado para questões materiais e aconselha a utilização do I Ching paraperguntas espirituais, talvez por ser mais filosófico e amplo em significado.

Os arcanos menores, sendo eficazes para consultas sobre assuntosmateriais são geralmente atribuídos ao elemento terra. Porém, os arcanosmaiores possibilitam perguntas de temática espiritual.

No começo de minha prática com o tarot, internalizava as cartas realizandoo seguinte processo:

Primeiro, eu meditava sobre a carta, contemplando seus desenhos etomava nota dos diversos pensamentos e diversas associações que surgiam emminha mente, e as cores que mais chamavam a minha atenção. Anotava tambémseu significado (presente no livro acompanhante do deck), além de suasatribuições simbólicas e astrológicas. Visualizar o diagrama da árvore da vida,também servirá de auxilio para interpretação, sabendo que cada esferacomeçando de cima para baixo possui até o número 10, que é o mesmo numeralque existe nos arcanos menores e os caminhos são relacionados aos arcanosmaiores, pode-se encontrar mais detalhes no livro Cabala Mística.

É recomendável que adquira cartas de baralho comum para anotar osignificado diretamente nas cartas, a não ser que prefira escrever diretamente notarot (caso queira descarta-lo), essa prática de escrever nas cartas é maisapropriada para os arcanos menores, pois estes são mais numerosos.

Em nossas leituras, podemos utilizar o conceito de Significador que servepara representar o consulente. Para isso, iremos utilizar as cartas da corte,relacionando o consulente com a carta que possua os aspectos físicos ou depersonalidade mais próximos deste (ex.: se a consulente for uma mulher madura,de cabelos claros e com temperamento colérico, a carta Rainha de Paus poderiaser o significador). Poderá também verificar o significador através da sua data denascimento, você pode seguir conforme consta no livro de Thoth:

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12 de março a 10 de abril Rainha de Paus

11 de abril a 11 de maio Princesa de Discos

12 de maio a 11 de junho Cavaleiro de Espadas

12 de junho a 12 de julho Rainha de Copas

13 de julho a 13 de agosto Princesa de Paus

14 de agosto a 13 de setembro Rei de Discos

14 de setembro a 13 de outubro Rainha de Espadas

14 de outubro a 12 de novembro Princesa de discos

13 de novembro a 12 de dezembro Rei de Paus

13 de dezembro a 10 de janeiro Rainha de Discos

11 de janeiro a 9 de fevereiro Princesa de Espadas

10 de fevereiro a 11 de março Rei de Copas

Como alternativa ao uso do Significador, simplesmente utilize uma cartatestemunha (é uma carta que, após embaralhar o deck, é retirada e serve pararepresentar o consulente).

Cada elemento é relacionado com nossas situações do dia a dia. Paraelucidar sobre os elementos irei demonstra-los conforme as letras hebraicas,trata-se do nome divino Yod, He, Vau, He.

Yod – fogo, paus, rei, idealização,

He – água, copas, rainha, sentimentos

Vau – Ar, espadas, cavaleiro, pensamentos

He – terra, discos (ouros), princesa, praticidade

Uma leitura de tarot não deixa de ser um ritual, então tenha em mãos asarmas mágicas, não precisa ser algo muito elaborado, você pode utilizar-se deum lápis como uma varinha que representará o fogo, um vaso ou um copo paraágua, um abridor de cartas para representar o ar e um círculo achatado demadeira ou moedas para representar a terra.

Então invoque o auxílio do Altíssimo com estas palavras: “Invoco a ti, I A Opara que envies H R U, o grande Anjo que preside às operações desta SabedoriaSecreta para que ele pouse sua mão invisivelmente sobre estas consagradascartas da arte, que por meio disso possamos obter conhecimento verdadeiro decoisas ocultas, para a glória de teu Nome inefável. Amém. “* (The book of Thoth)

Mantenha a mente calma e desvencilhada das situações cotidianas e foquena pergunta que está sendo feita. Com a sua mão esquerda retire as cartas, apósembaralhar, já deve ter uma ideia de qual carta é o Significador. Seguindo a

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tiragem do Yod-He-Vau-He, embaralhe as cartas e separe em quatro montes,cada monte representará um elemento e conduzirá a leitura conforme forperguntado; após separar, procure o significador em cada monte, quandoencontrar, na mesma ordem que tiverem as cartas, inicie a leitura com o lequede cartas aberto ou em ferradura. Com as cartas viradas para cima inicie acontagem conforme aparecem as cartas.

No caso de Cavaleiros, Rainhas e Príncipes, conte 4.

No caso de Princesas, conte 7.

No caso de Ases, conte 11.

No caso de cartas menores, conte de acordo com o número.

No caso de trunfos, conte 3 quando se tratar de trunfos dos elementos; 9 quando se tratar de trunfos planetários; 12 quando se tratar de trunfos zodiacais.

Veja o jogo como um todo, perceba se tem repetições de cartas do mesmoelemento, número e outras compatibilidades, se possui outros membros da cortee em que direção estão olhando, verifique também a proximidade das cartas domesmo naipe, o que pode indicar, durante o processo da leitura, que algumascartas terão mais influência sobre as outras, exemplo: se há duas cartas de fogoenvolvendo uma carta de água, talvez esta carta esteja com sua influênciacomprometida.

Para que a leitura seja mais completa e minuciosa, note para qual direçãoas cartas estão olhando: esse detalhe pode representar uma pessoa ou eventoque estará chegando e/ou uma situação afirmativa, e no sentido oposto, apartida do evento ou da pessoa em questão.

Esse tipo de leitura demanda muito tempo e concentração por ter muitascartas, então escolha um período que tenha disponibilidade para realizá-la.

Soror Adler

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Devotion

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Uma Nova Liberdade

A Lei de Thelema expressa-se de modo definitivo em seu texto seminal Liber AL vel Legis svb figvra CCXX. Tudo que segue a ele é comentário, cuja pertinência se faz na medida em que a forma que esta expressão se deu, não propôs um entendimento simples e direto. Seu texto poético é rico em alegorias, figuras fantásticas e passagens que parecem ter sido produzidas de forma propositadamente obscuras. Mas de tudo que poderia ser especulado sobre a Lei,uma coisa é afirmada sem parecer dar margem à dúvida: “A Lei é para todos.”

Com olhos do éon passado, a primeira leitura que salta à mente é de certoproselitismo. É possível nesta leitura meramente aforística do texto entender quea anunciação revelada é uma oferta a todos. Aceitar a Lei, portanto, seria aderirao credo, exatamente como fora anunciada a salvação dos cristãos. E do mesmomodo que aquele raciocínio cristão se desenvolveu, aqueles que não a aceitamsão penalizados por se colocarem ausentes à sua luz: serão escravos, cujodestino é servir.

Não é possível considerar esta interpretação outra coisa senão vulgar. Éuma leitura típica daquele que cita frases de efeito ignorando seu contexto eperdendo a possibilidade de uma visão mais ampla do enunciado. Tomando otexto integralmente (e acredito que este seja o único modo de começar a pensaros libri de classe A, embora não deva ser o modo final de pensá-los), a Leianunciada não propõe dividir os seres-humanos entre aqueles que aceitam ounão uma suposta nova lei revelada em um livro obscuro. Em seu contexto, acitação parte de uma exposição em que, após o profeta pedir que seja escrita alei, Nuit o responde “...the Law is for all”(I.34), “The word of the Law isTHELEMA”(I.39) e “...Do what thou wilt shall be the whole of the Law.”(I.40). Estassão as três características da Lei. Em nenhuma outra parte do livro a Lei serádefinida de modo tão objetivo e direto1. Neste contexto, “ser para todos” é umade suas características, ao lado de ser expressa pela palavra THELEMA e de quefazer a vontade será sua totalidade. É notável que em Liber Aleph, Crowley usede forma recorrente a palavra “natureza” quando faz referência à vontade doleitor. Esta não parece ser uma opção casual e é razoável extrair que a Leideclarada em Liber AL, que atende pela palavra THELEMA e cujo cerne localiza-seno exercício da vontade, incorre naturalmente sobre todo indivíduo. Deste modo,é absolutamente estranha a ideia de aceitar essa lei ou ter de aderir à sualegislação. Tal como a Lei da Gravidade, a Lei expressa por THELEMA não esperaaceite, mas sugere reconhecimento. É inquestionável que aquele que nãoreconhece a Lei da Gravidade, há de sofrer consequências práticas e imediatasao desafiá-la e mesmo para contorná-la é preciso dominar seus princípios maisfundamentais e ainda correr riscos severos. O mesmo ocorre com a Lei reveladaem Liber AL, aceitá-la ou não é indiferente. Ela agirá do mesmo modo para todos.

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Embora a palavra “Liberdade” não apareça em Liber AL, Crowleyposteriormente irá chamar a lei anunciada como “Lei da Liberdade”2. Masenquanto a palavra liberdade possa sugerir um conceito muito simples, umarápida reflexão sobre seu significado pode levar a alguns paradoxos. Ademais,como qualquer conceito abstrato, a ideia de Liberdade muda ao longo do tempo,e talvez seu sentido no novo éon seja distinto do que entendíamos no final doéon passado.

O historiador camaronense Achille Mbembe publicou um artigo no final de2016 onde apresenta sua ideia do fim do “humanismo”. Em um trecho, eleargumenta que até recentemente a repressão era a essência da liberdade:

"Ontem, a sociabilidade humana consistia em manter os limites sobreo inconsciente. Pois produzir o social significava exercer vigilânciasobre nós mesmos, ou delegar a autoridades específicas o direito defazer cumprir tal vigilância. A isto se chamava de repressão. Aprincipal função da repressão era estabelecer as condições para asublimação. Nem todos os desejos podem ser realizados. Nem tudopode ser dito ou feito. A capacidade de limitar-se a si mesmo era aessência da própria liberdade e da liberdade de todos. Em partegraças às formas dos novos meios e à era pós-repressiva quedesencadearam, o inconsciente pode agora vagar livremente. Asublimação já não é mais necessária. A linguagem se deslocou. Oconteúdo está na forma e a forma está além, ou excedendo oconteúdo. Agora somos levados a acreditar que a mediação já não énecessária."

Se considerarmos que reprimir é uma forma de restringir, o Liber AL trataexplicitamente do assunto. Logo após entregar o que chamei anteriormente decaracterísticas da Lei, Nuit anuncia no versículo seguinte que “The word of Sin isRestriction.(...)”(I.41). É notável aqui a mesma estrutura empregada naconstrução do versículo, onde a palavra “Sin” é grafada com inicial capitular domesmo modo que a palavra “Law” em I.39. Fica evidente a relação siamesa entreos versos3: primeiro foi definida a Lei, em seguida o que é sua corrupção.

É possível, portanto, pensar a Lei como uma nova forma da prática daliberdade nestes tempos. Que de forma similar a que Mbembe desenvolve emseu artigo, é uma liberdade não mais balizada pela restrição, mas pelo fimcoletivo da sublimação, o fim da mediação consciente-inconsciente que nosreprimindo, permitia a vida em sociedade como temos vivido nos últimos séculos.Assim, a profecia do novo éon acerta em antecipar o espírito de um novo tempoque, construído ao longo do século XX, culmina um século mais tarde numasociedade informatizada e cada vez mais descentralizada, celular eindividualizada.

A promessa desta profecia é uma vida de gozo e fruição. Livre dasrestrições impostas pelas morais de tempos passados, finalmente o ser-humano

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poderia ser e fazer o que quiser. Enquanto livro santo, o Liber AL pareceacompanhar uma tradição de entregar aos seus adeptos uma escatologia onde ofim de sua revelação entrega um tempo melhor que o passado. Uma evoluçãohistórica para um novo momento em que finalmente a felicidade perfeita podeser alcançada por aqueles que entenderem seu credo.

Mas talvez sejam apenas aparências. Ou anseios de um profeta que aointerpretar seus escritos tenha tido olhos demasiado positivistas para ver que onovo passo anunciado trazia em si seus próprios conflitos. Aliás, a nova liberdadeé uma liberdade que só existe no conflito. Se antes a restrição balizava asgarantias do convívio social, hoje vemos estas garantias se dissolvendo e novasformas de mediação tomarem seu lugar. Cabe a nós, filhos do Infinito Espaço eInfinitas Estrelas, encontrarmos os novos meios. Talvez, a nova liberdade que sedescortina dependa menos de acordos velados e mais de diálogos abertos.

Menos de regras gerais e mais das particularidades de cada caso. Menos demorais absolutas e mais da razão em sua expressão mais humana que não estáem sobrepujar a natureza, mas em criar caminhos onde não há passagem.

Sim, este é o tempo da Criança Coroada e Conquistadora e nosso livrosanto traz em seu terceiro capítulo uma declaração de guerra. Mas talveztambém seja tempo de pensarmos a guerra. De pensarmos tudo que tomamoscomo certo. Pois é provável que, mesmo a expectativa de uma era de Luz, Vida,Amor e Liberdade não seja exatamente o que poderia se esperar. Assim, como aliberdade parece vestir uma nova roupa nestes tempos, é certo que os outrosraios da lei4 também possuem novas realidades e talvez muitos de nós aindaestejamos olhando pros frutos do novo éon com lentes do éon passado.

[1]- São referidas aqui as passagens em que a palavra Lei é escrita com letra maiúscula.[2] - q.v. Liber 837 - Lei da Liberdade[3] - q.v. Liber AL I.36; I.54; II.54; III.47[4] - q.v. Liber 150 – De Lege Libellum

Frater Ad Astra ([email protected])

Bibliografia:

CROWLEY, A. Liber 150: de lege libellum. In: CROWLEY, A.; REGARDIE, I. (Org.). Gems from the equinox. Phoenix: Falcon Press, 1986. p. 111-136.

___________ Liber 837: the law of liberty. Disponível em: <http://www.sacred-texts.com/oto/lib837.htm>. Acesso em: 12/11/2017

___________ Liber AL vel Legis. San Francisco: Weiser, 2004. 160p.

___________ Liber ALEPH vel CXI: the book of wisdom or folly. Disponível em: <http://www.sacred-texts.com/oto/aleph_index.htm>. Acesso em: 12/11/2017

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Liber Reguli – Uma visão pessoal

Faze o que tu queres há de ser tudo da lei.

Esse breve ensaio visa apresentar, como dito, uma visão pessoal sobre oritual Reguli, visto que salvo distorções deliberadas das correspondênciassimbólicas, não há uma única forma correta de executar um ritual da SantaOrdem e sim interpretações diferentes, já que via de regra, não há umcomentário de mestre Therion escrito sobre os mesmos. Não somente com oReguli, mas essa ausência de comentário se repete no Rubi Estrela, SafiraEstrela, e a Missa da Fênix, obviamente de forma propositada. Há aqui, portanto,minha visão sobre os propósitos e sobre como executar esse ritual, tendo mebaseado em minha experiência, em comentários de autores célebres sobre essee outros rituais, e tendo visto a execução do mesmo por diferentes pessoas,jamais tendo encontrado uma que fosse cem por cento igual à outra, diga-se depassagem.

“Mas ela disse: os ordálios eu não escrevo: os rituais serão metade conhecidos e metade

escondidos: a Lei é para todos.” (AL I:34)

O Ritual Reguli é descrito como: “Ritual da Marca da Besta: umencantamento para invocar as energias do Aeon de Hórus”. Seria chover nomolhado dizer que ele canaliza a egrégora thelemita, ou a corrente noventa etrês; seria também dizer algo inteiramente desprovido de sentido prático, e fugirde uma resposta honesta. Dito de forma clara, o ritual se trata da fixação daVontade no plano de discos, através da canalização da Verdadeira Vontade(Chiah), Verdadeira Alma (Neschamah) e Verdadeiro Eu (Jechidah). Hácanalização de forças que estão além da consciência ordinária para amaterialização no plano físico; é, em última análise, um ritual thelemita dopentagrama.

Farei algumas análises gemátricas baseadas numa possível cabala inglesadescoberta na Ordem Alquímica Hermética QBL* que apelidei de Cifra 11,doravante C11, e que uso em minhas pesquisas pessoais em relação ao livro dalei e alguns rituais de thelema. No meu estudo pessoal encontrei um grandetesouro para análise do AL nesta cifra, e espero poder compartilhar desse estudotão logo ele esteja maduro.

* A Ordem Alquímica Hermética QBL surgiu nos 60 sem estrutura de graus ou hierárquica, focadaem qabalah, magia cerimonial, psicologia esotérica, e tantra, dentro do paradigma thelemita. Acifra em questão foi descoberta/recebida por volta dos anos 70 na Inglaterra por Jim Lees, JakeStratton-Kent, e Carol Smith. O grupo, ou parte dele, ainda se encontra em atividade.

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1. A Cruz Templária ou O Selo Undécuplo

Há que se fazer uma certa análise no símbolo formado durante essa partedo ritual que é a bem semelhante a Cruz de Salém, assinatura do Grão-Mestredos Cavaleiros Templários, a mesma usada por Baphomet XI (Aleister Crowley), eParzival XI (Marcelo Ramos Motta), em suas respectivas encarnações da OrdoTempli Orientis. Semelhante, porém não a mesma, utilizada na mão esquerdapelo hierofante no tarô de Rider-Waite.

Os onze nós, ou pontos da cruz formada, possuem uma relação simultâneacom a Árvore da Vida, e também com o sistema de chakras, de forma implícita.

“1. Que ele desenhe um círculo em volta da sua cabeça exclamando NUIT!2. Que ele trace o Dedão verticalmente para baixo, toque no muladhara chakra

exclamando HADIT!3. Que ele, retraçando a linha, toque no centro do peito exclamando RA-HOOR-KHUIT!”

São aqui representadas os três principais conceitos thelemitas, NUit serelacionando com Kether e o Sahasrara, HADit se relacionando com o Malkuth e oMuladhara. Ra-Hoor-Khuit no meio, sendo a Criança de HAD e NU assumindo aposição do Anahata.

“1. Que ele toque o Centro da sua Testa, sua boca e laringe exclamando AIWAZ!2. Que ele trace o seu Polegar da direita pra esquerda pelo rosto na altura das narinas.”

No centro da testa está o Ajna, e na laringe o Vishudha, a horizontal na altura das narinas Daath, ao lado de Binah e Chokmah.

“3. Que ele toque o Centro do Peito e o Plexo Solar exclamando THERION!4. Que ele trace o Polegar da esquerda pra direita através do peito na altura do

esterno.”

No centro do peito está o Anahata, e no plexo solar o Manipura. Entre os dois é traçado uma horizontal representando ao mesmo tempo Geburah, Tipharete Chesed.

“5. Que ele toque os cakras svadhisthana e muladhara exclamando BABALON!6. Que ele trace o Polegar da direita pra esquerda através do abdômen na altura dos quadris.”

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Por fim, aqui fica explícita tal analogia, onde se toca o Svadhistana e o Muladhara, mas agora a linha traçada na altura dos quadris, e dos órgãos sexuaisaproximadamente, pegando as regiões equivalentes a Hod,Yesod e Netzach.

O que talvez passe despercebido é que ao mesmo tempo Muladhara eSahasrara são representados no corpo, mas é sugerido que estão ligadostambém fora dele, o primeiro à terra, e o segundo ao mais alto, ou numalinguagem mais thelemita, a sua estrela, como em planos que se cruzam. Essaassociação está também presente no exercício do pilar do meio, e em outrasformas de Kundalini Yoga, por exemplo no livro Kundalini Tantra, de SwamiSaraswati Satyasangananda. Pelo mesmo autor é dito que temos outros chakrasinferiores e que o muladhara seria o mais alto destes, que seria o sistema dechakras dos animais composto também por atala, vitala, sutala, talatala,rasatala, mahatala e patala, e estariam localizados nas pernas com os nadisfluindo para o Muladhara. Uma associação microcósmica com o plano dasqliphoth talvez caiba aqui. Acima do Sahasrara, pela mesma visão, haveria outroschakras representando a consciência divina, ou estelar. Desconfio é que nessesímbolo undécuplo, e nesse encantamento, reside uma das chaves do casamentosimbólico entre os sistemas do ocidente e do oriente realizada por mestreTherion.

2. Palavras de poder

São vibradas cinco palavras de poder que, segundo o texto do ritual,através delas as energias do Aeon de Hórus trabalham a Vontade do magista nomundo. Muito já foi discutido sobre as palavras Thelema e Ágape, em váriostrabalhos de Mestre Therion. Liber II serve como um bom início para quem nãoestá ainda familiarizado com o sentido dessas palavras dentro das injunções:“Faze o que tu queres há de ser tudo da lei. Amor é a lei, Amor sob Vontade”.Sendo assim, considero ponto pacífico a razão delas aqui, e vou me aterbasicamente em FIAOF, LaShTaL, e AUMGN.

FIAOF, é uma adaptação da tradicional fórmula de IAO incorporada de doisvav’s cuja soma é 93. O ponto que julgo importante dessa adaptação é que ficaexplícito que há um ente que sempre existiu, e a continuará a existir, e seregenerar, externamente ao ciclo de IAO. Não por caso o valor de vav é 6, onúmero do Sol/Tiphareth, representando o Sagrado Anjo Guardião e/ou oHierofante, pois “há aquilo que permanece”. Para Crowley esse é o hieróglifomais apropriado para a auto iniciação no aeon de Hórus.

“O Khabs está no Khu, não o Khu no Khabs. Adorai então o Khabs, e contemplai minha luz

derramada sobre vós!” (AL I:8-9)

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LaShTaL, numa análise pouco convencional, considerei aqui a C11, onde agematria atribuída a essa palavra resulta 39, a mesma da palavra Khabs nessacifra. Em Liber 500 a primeira associação ao número é “to abide, dwell” (viver,morar, habitar), também valor de LT que pode significa quieto. Mais adiante noritual, são separadas direções para cada parte desta palavra dentro de um cubo,o qual o magista está dentro. Fica bastante sugestivo para mim que a formaçãodo cubo (Kaaba) representa o Khabs, que é morada de Hadit. A pedra negradentro da Kaaba ou literalmente a morada do divino. Não se pode deixar escapar:39 é o reflexo de 93. Voltarei a essa palavra mais adiante, pois ela é chave desteritual da forma que enxergo.

AUMGN - há aqui novamente uma ‘fórmula’ regenerada por Therion, aoacrescentar o MGN ao pranava. Nesse caso a palavra soma 100, e o sufixo MGN,com as duas últimas letras formando uma extensão sonora ao M, soma 93.AUMGN guarda em si as três ordens dentro da Santa Ordem, e a conexão entreessas expressa na fórmula. M é o homem da terra, o enforcado, que tem suaexpressão da Ordem da Aurora Dourada. U ou V, é o Hierofante, o Sagrado AnjoGuardião representando assim a Ordem da Rosa Rubra e da Cruz Dourada e ograu de amante. Ficando o A por representar o Eremita, e a invisível ordem daEstrela de Prata. E o GN ? O G e N representam a ligação e a passagem entreestas ordens. N representando a Morte, que é a passagem para a segundaordem, enquanto G o caminho de Gimel, que é inspiração vinda da terceiraordem. Voltando a análise gemátrica dentro da C11 é interessante notar queAUMGN leva o valor de 64, o mesmo de Agape nesta cifra. AUMGN + AGAPE =128. No capítulo III, Ra Hoor Khuit, que por acaso tem o mesmo valor (120) de ONna cifra, diz que oferecerá uma máquina de guerra (war-engine), o somatório de“war-engine” é 128, que alias também é o mesmo de mulher escarlate (ScarletWoman).

3. O Pentagrama Averso e A verdadeira forma do homem

“Descendo, mergulhando minhas asas, eu cheguei às habitações de escuro esplendor. Lá, naquele abismo informe, fui eu feito um comungante dos Mistérios Aversos. Eu sofri o abraço mortal da Cobra e do Bode; eu prestei a homenagem infernal à vergonha de Khem.” (Liber LXV II.4-5)

Crowley se descreve como o maior poeta de sua época, e é peculiar entãoa escolha da palavra “averso” (averse) ou invés da palavra “inverso” paradescrever os pentagramas no texto do ritual. L.M. Duquette percebe isso nocomentário feito em seu livro “The Magick of Thelema”, sem no entanto, ofereceruma perspectiva diferente, apenas apontando o fato. Enquanto as palavrasaverso e inverso guardam um significado similar, podendo ser sinônimos emdeterminados casos, a palavra inverso frequentemente designa o contrário,

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enquanto averso pode às vezes significar “aquilo que tem função oposta” ou“aquilo que foi afastado”. É interessante notar que a Vontade é frequentementerepresentada como besta, solar, masculina/positiva/ativa, leão (cuja constelaçãotem Reguli como estrela alfa), enquanto a alma é feminina/negativa/passiva,lunar, representada pela mulher escarlate em thelema. Sendo assim, no contextodesse ritual o pentagrama averso é a verdadeira representação do homem comodeus encarnado, o espírito imerso na dualidade dos planos da forma, a ponta decabeça para baixo, aquilo que foi afastado. O ritual visa assim materializar asforças aeônicas em seu casamento, Hadit e Nuit, Therion e Babalon, e torná-lasmanifestas na vida quotidiana, com o aterramento dessas forças. Assim opentagrama averso fala sobre NOX, e usa esses sinais, e não os de LVX.

DuQuette ainda cita em seu livro que Israel Regardie sugeriu para ele queCrowley queria apenas chocar os membros da Golden Dawn com essa escolha, eque seria bom executar o ritual com a estrela “da forma correta”. Pessoalmenteeu acho cômico o quanto Regardie tem certa obsessão em “consertar” os rituaisdo Therion, deliberadamente invertendo ou pervertendo as novas perspectivassugeridas por Mestre Therion para fórmulas mais tradicionais, bem semelhantesàs osirianas habituais, ou “limpas” dos arquétipos comumente associados acosmovisão thelemita. Sendo assim, eu prefiro me afastar das visões dessesautores, indo numa direção diferente.

Pode ser observado que esse ritual é orientado de um ponto de vistadiferente, uma nova perspectiva, a solar. Sendo assim, do ponto de vista do sol,mesmo em sentido literal, o pentagrama está em sua posição habitual. Mas indoalém do literal, não seria esse pentagrama averso aquele com as pontassuperiores apontando Chokmah e Binah, enquanto a ponta inferior aponta paraTiphareth? O casamento da Vontade e Alma representado nesse ritual de NOX,visto da casa do sol.

Há na capa do Magick (Liber 4) o lamen de Mestre Therion, uma curiosasobreposição do Selo Undécuplo com o círculo superior no interior da Estrela deBabalon, o corpo sobreposto ao Hexagrama Unicursal, formando um pentagramaaverso em vermelho e laranja ao combinar os dois símbolos. A rosa noHexagrama Unicursal coincide com Anahatta/Tiphareth no Selo Undécuplo. Achave desse ritual é um pentagrama e um hexagrama unidos, ABRAHADABRA! Aponta inferior desse pentagrama averso aponta o centro de outro pentagramaaverso, este último contido dentro de um pantáculo, simbolizando umaterramento. Estranho que possa ser, esse lamen, para mim, parece sintetizarsimbolicamente esse ritual da marca da besta. Pois ainda em liber Viarum Viae,ao caminho de Heh, ligando Tipheret e Chokmah, está associado o presente ritualcomo “a formulação da Estrela Flamejante”.

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Para aqueles ainda não convencidos sobre a necessária mudança deperspectiva sugerida no ritual, vale lembrar que esse é um ritual thelemita dopentagrama em contraste com o ritual menor do pentagrama da formausualmente conhecida. As fórmulas por trás dos rituais foram purgadas ereajustadas, sendo assim não se pode ter uma nova perspectiva fazendo tudo daforma como sempre foi feito.

4. A canalização, O Khabs e a Kaaba

Feito o selo, pronunciadas as palavras, e traçadas os pentagramas comsuas correspondências, agora é feito um símbolo de vórtice, não com as mãos,mas com o próprio corpo em torno de seu eixo. Seja no ritual do vórtice da magiado caos, ou na aplicação de um reiki, toda vez que eu vi um movimento devórtice era na direção de unir e canalizar energias. Agora um movimento devórtice com o próprio corpo é como apontar uma seta para o interior do própriouniverso, este que foi definido ao percorrer o círculo anteriormente, e este quefizeste os símbolos de NOX em cada quadrante que agora percorre rodopiandoem seu próprio eixo.

Pronto! Agora está no centro do universo. Faça o símbolo da conjunçãosolar e lunar, pois você casou as forças da Vontade e da Alma. Vibre Aiwass!Soque a Terra! Ísis triunfante com sua Criança! Vibre Thelema! Se restava algumadúvida do propósito deste ritual…

Em seguida, é feita a construção da Kaaba com a palavra mágickaLAShTAL. A direita, e a frente os poderes de LA, que representa o não, negativo,passivo. A esquerda, e atrás poderes de AL, o todo, positivo, e ativo. ShT acima eabaixo, enquanto que Shin representa o espírito, e está associado a carta O Aeon,que mostra Hadit e Nuit em união. Teth está associada a carta Lust, que mostraBabalon no centro montando a Besta. ShT portanto é união, tanto macro quantomicrocosmica sendo representada. Ao dizer, “dentro de mim os poderes” peçoentão que se lembrem novamente da C11 que citei onde Kaaba e Khabs possuema mesma gematria, e isso situa perfeitamente um dentro do outro aqui, fechandoum simbolismo perfeitamente thelemita. E aí eu levanto o questionamento, seera Boleskine a nossa Kaaba, ou se era outra coisa, e aí então: em qual direçãodevemos começar esse ritual ?

“Se isto não estiver corretamente; se vós confundirdes as demarcações, dizendo: Elas sãouma; ou dizendo, Elas são muitas; se o ritual não for sempre a me: então aguardai osterríveis julgamentos de Ra Hoor Khuit!” (AL I:52)

Seria o ponto central dos thelemitas algum amontoado de pedras emruínas nas terras altas da Escócia ? Sem querer ofender aos irmãos mais

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ortodoxos com meu questionamento, mas para mim isso não faz o menor sentidona perspectiva do novo aeon, ou numa filosofia tão centrada no indivíduo.

5. O fim das palavras

“O fim das palavras é a Palavra Abrahadabra.” (AL III:75)

Após repetir a primeira parte do ritual, a palavra que encerra o ritual éABRAHADABRA. Com onze letras que encerram o pentagrama, que pode serformado com os cinco a’s, e o hexagrama com as seis letras restantes. Em cincocomo o Hórus marcial, e em seis como Rá. Reafirmando a união do micro com omacrocosmos, a recompensa de Ra-Hoor-Khuit, que é a fórmula do aeon atravésda qual se realizará a Grande Obra.

Amor é a lei. Amor sob Vontade.

Texto: I.156Ilustração: Natasha Anita Nox

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A árvore

"Tudo que há: do nada é chegadoTanto de conhecimento quanto de nome privado

2 a partir do 0, de um gráfico linear“Tu és” – apenas ponto de partida para bradar.

Arrancado e murcho, tornou-se três, forma criando,E lá um caminho triangular aflorando, Respirando profundamente, qual o mar

Um ponto de partida para Me compassar.

Distinção passada, uma forma, uma marcação,Perfeito anterior, um quatro, uma torção,

Com a força de uma serpente isto viaja no caminhoForça da Cólera, o 5 é o seu destino.

Sabendo e Vendo até onde chegou,Encontra uma Luz e a chama de Sol,

Centrado no 6 com uma vista para se admirar,Um lugar a partir do qual vem Me ensinar.

Defronte a Nun, líquido vertido:Um brilho suave e verde -

O coração foi vencido.

Avanço do intelecto, com o 7 vêm os conflitos,Um equilíbrio procurado nos Céus tão Aflitos,

Sobre o destino dos amores, do trovão o espectro, Já havia lá o 8, e reina o intelecto.

À medida que os ramos se estendem ao longo da Árvore,Um ponto de partida para Me analisar.

Ainda semi consciente, toda a gravidade puxa,Criando um plano onde a insanidade pulsa

Mas dentro da Loucura, o Divino se promoveGirando na Prata o Símbolo do 9.

Tudo algum dia cessa:O círculo Secreto,

(O fim está no topo)E tudo que está dentro dele, o 1 no 10,

E antes que a percepção prevaleçaEstá novamente ali e começa.

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Eia então:Cá uma árvore,

O lugar donde Eu Me concebi.

Karel McCoy (Tradução: AlHudhud)

A Deusa Negra - Euclydes Lacerda de Almeida

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Invocação a Pã

Invocação a PãDa luz inefável e brilhante uma forma vem:Um bode esbelto de branca lã.Seus cascos prateados criando faíscas sobre as ondas, o relâmpago reluzindo em seus chifres, diante do céu libertador. As ondas quebram na beira da praia:“Tu és um poderoso rei”De longe, sabendo todas as suas dádivas, traz ainda o Nascimento do Sol a Tudo que vive. Tudo.

À floresta, aos brejos, às montanhas ele corre!Aos rochedos e ainda além alcança!E lá habitou, no trigo da plantação e no âmago do meu coração.Um início exuberante de primavera, o prazer de florir cantamosNa bruma turva e esbranquiçada, eu sinto que começamos!

Como se sussurrasse durante um sonho, um nome:“Pan. Seu nome é Pã e eu te entrego a ele. Ele será constante durante todo o ano, até que chamado e renovado”

Então aqui estou com uma chama diante de Me, um sino nas mãos, e convoco o Grande Deus Pã, Io Pã (bata o sino 5 vezes) ! Trago vinho e mel, e a promessa do meu sempre crescente amor.E ele vai perfurando e empurrando e semeando.Eu invoco a Ti, Io Pã, Eu te invoco de volta ao mundo, Io Pã Pã Pã (toque o sino 5 vezes)

Pã do meu coração e de todos os lugares selvagens, eu preencho tua taça e te cubro de beijos, para que escutes!

Minhas montanhas, circunferências, bosques e minha mão, meu ouvido e vontade estão Sob teu comando, para que eu Te sirva, para que eu Te ame.

Io Pã PãIo Pã!

Karel McCoy (Tradução: AlHudhud)

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Resposta Thelemita ao proselitismo cristista

NOTA: Como mestre do Oasis Blazing Star da OTO, eu recebo um fluxo regularde e-mails de partes interessadas. Às vezes, recebemos mensagens de cristãosque tentam converter-nos em sua religião escrava, como nossa Lei da Liberdadeé claramente ameaçadora para eles. Aqui está uma resposta a um desses e-mails - o e-mail original é encontrado nas citações em negrito.

À Irmã Sarah G e todos aqueles na Childrens Mercy Foundation,

Faze o que tu queres será toda a Lei.

Obrigado pela sua mensagem. Agradeço a sua preocupação e estou feliz quevocê leve a Palavra a sério o suficiente para se preocupar com a percepção dosoutros. Assumindo que suas afirmações e perguntas são sérias, eu as respondereiseriamente:

A religião que você está envolvida é satânica. Conjurar espíritos,astrologia, yoga, feitiçaria, meditação transcendental e magia sãocondenados por Deus, que é o seu Criador.

Nossa religião não é necessariamente sobre a conjuração de espíritos, astrologia,feitiçaria, de yoga ou coisas do gênero. Nossa religião exige que você encontre asua Verdadeira Vontade e a faça. Essas coisas não são condenadas por Deus -elas são, pelo menos, usadas por seus líderes como o rei Salomão. Muitos rabinostêm ensinado várias formas de meditação e o que é oração, senão a meditaçãodirigida alimentada pelo Amor divino (Ágape)?

Esta religião ensina que você pode ser seu próprio Deus, e você podeusar a magia para atingir poderes especiais, mas de onde você acha queesses poderes estão vindo? Certamente não é Deus, porque você nãoestá lhe pedindo. Toda a teoria de "Faze o que Tu queres" se opõe à LeiDivina dada a nós por Cristo, que é "Faze a vontade do Pai”.

Este é um equívoco comum, irmã. Toda a teoria de “Faze o que Tu queres” é arespeito de cumprir a Lei Divina. A “Verdadeira Vontade” de Faze o que tu queresé a Vontade do Universo, a Vontade de Deus enquanto se move dentro do corpoe da mente do indivíduo. Toda a filosofia de Thelema é construída sobre averdade de encontrar Deus dentro de si mesmo, assim como Meister Eckhart, omístico cristão: "O olho através do qual eu vejo Deus é o mesmo olho pelo qualDeus me vê; Meu olho e olho de Deus são um olho, um ver, um saber ... "Na verdade, dizemos que “o amor é a lei, o amor sob vontade”. Isto significa queo método da Vontade é sempre o do Amor. E sabemos que “Deus é Amor" (1 João4: 8). Não é isto um cumprimento do Senhor como ele falou entre os homens: “E

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ele, respondendo, disse: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, comtoda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; E teupróximo como a ti mesmo. “(Lucas 10:27).

Satan sempre tentou o homem a pensar que eles seriam mais felizesfazendo o que eles gostam, mas a verdade é que a verdadeira felicidadesó vem para aqueles que estão vivendo através da vontade de Deus,porque Deus quer o melhor para nós e Satanás quer-nos mortos.Satanás quer possuir as almas de todos os que estão nessa religião, e épor isso que ele os levou ao Ocultismo. Você pode ver os testemunhosde inúmeras pessoas que tiveram que ter exorcismos como resultado deestar em religiões satânicas, como Thelema.

Para nós, nosso “Satan” é restrição. Os ideais dogmáticos do Homem quesurgiram são contrários à Lei de Deus. Dizemos: “Não há nenhuma lei além deFazer o que tu queres”, porque a Vontade Divina dentro de cada um de nós é oobjetivo primário da realização. Tornar-se um com essa Vontade, ter a Vontadeuna com a Vontade d’Ele e, portanto, tornar-se uma Única Vontade, é a mais altadas metas. Como está escrito: “Tu deverás (1) descobrir qual é a tua Vontade. (2)Faça aquele Vontade com (a) unicidade, (b) desapego, (c) paz. Então, e só então,você está em harmonia com o Movimento das Coisas, sua parte de vontade e,portanto, igual à Vontade de Deus. E uma vez que a vontade é apenas o aspectodinâmico do eu, e já que dois eus diferentes não poderiam possuir vontadesidênticas; Então, se a tua vontade for a vontade de Deus, Tu és Isso”.

O que faria você querer seguir uma religião que é satânica paracomeçar? Aleister Crowley é conhecido por ser maligno. “Nãodeveríamos antes cultivar a humanidade para a qualidade, matandoqualquer animal corrompido, como fazemos com outros animais, eexterminando os vermes que a infectam?” (A Lei é para Todos, p. 15)Certamente isso soa totalmente errado para você!

Talvez ele fosse um pouco pitoresco às vezes, até mesmo tolo e brutal, emborasempre um piadista... A diferença é que não pretendemos imitar Aleister Crowley.Não seguimos a vontade de Aleister Crowley. Seguimos a nossa Vontade Divina. AVontade Divina como é encontrada dentro de seu próprio Coração. Não foi dito:“O reino de Deus não vem com observação; nem dirão: Eis aqui! Ou, lo lá! Pois,eis que o reino de Deus está dentro de vós.” (Lucas 17:21)

A única diferença é que tomamos a palavra de Cristo a sério quando ele diz:“Jesus lhes respondeu: Não está escrito na tua lei, eu disse: Vós sois deuses?”(João 10:34). Além disso: “A luz do corpo é o olho; se, pois, o teu olho é único,todo o teu corpo será cheio de luz” (Mateus 6:22). E: “Naquele dia sabereis queeu estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós” (João 14:20). Ou seja,buscamos conhecer Cristo tão bem, amá-lo tão singularmente, que não há

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diferença entre Ele e Nós, e que Sua Vontade trabalha pela Nossa, através doAmor sob Vontade.

☩ O Senhor vos abençoe.☩ O Senhor ilumine suas mentes, conforte seus corações e sustente seus corpos.☩ O SENHOR vos leve à realização de vossas verdadeiras Vontade, a GrandeObra, o Summum Bonum, a Verdadeira Sabedoria e a Felicidade Perfeita.

Amor é a lei, amor sob vontade.

Fraternalmente,

Frater IAO131Sacerdote de Ecclesia Gnostica CatholicaMestre dos Oásis Blazing Star O.T.O.www.iao131.com

Tradução: H418

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O coração da Thelema

0.

Todo evento é a união da mônada de alguém com uma das experiênciaspossíveis a ela.

“Todo homem e toda mulher é uma estrela” - isto é, um agregado de taisexperiências, constantemente mudando a cada novo evento, que afeta ele ou elaconsciente ou inconscientemente. Cada um de nós tem um universo próprio, mas

é o mesmo universo para cada um de nós assim que ele inclui todas asexperiências possíveis. Isso implica a extensão da consciência para incluir todas

as outras consciências. – Introdução do Crowley ao Livro da Lei

Thelema é frequentemente entendida apenas em termos da soberania doindivíduo, e dos direitos inalienáveis que dela provêm. Isso, é claro, éperfeitamente válido, e leva a valiosos insights. É um ponto de partida inevitável.No entanto, ficar apenas nessa interpretação é ignorar a riqueza de nuances eressonâncias mais sutis. Curiosamente, há uma grande resistência as tentativasde alargar o entendimento geral de Thelema. Isso é, sem dúvida, um reflexo datendência inata de se agarrar a uma cara identidade – e em termos maispessoais, buscar refúgio no gueto da individualidade.

Thelema é uma chave universal, e tem uma aplicação muito mais ampla doque seus confinamentos ao círculo oculto pode sugeri. Esse ensaio foca quaseestritamente da ideia de Verdadeira Vontade, a essência dessa está contida maisIr do que em Ser. Seu símbolo é o ankh, a cruz ansata, o símbolo egípcio do “ir”.Através da experiência, nós participamos no Sacramento de Ser no seu aspectodinâmico como Ir. Isso é maya, lila, a ilusão da manifestação. É uma Peça Divinaque Ser apresenta, para poder apreciar a si mesmo. Em última análise, amanifestação tem um fim em si mesma, e em essência pura alegria, totalabandono, vontade absoluta. Existência é no fundo ausente de propósito. Aquireside a inocência de Harpócrates, o Bebê no Ovo Azul, Hoor-paar-kraat.Manifestação é Criança gerada pela eterna, incessante, interação ouacoplamento de Nuit e Hadit, e a mais alta consecução é recuperar a consciênciadessa identidade.

Matéria é energia. A intrincada, interligada, extática ondulação e rodopio daenergia dá origem a ilusão da forma. Esse processo é sempre dinâmico, sempretransformativo. Nós estamos eternamente chegando, incarnando um novo eventoa cada instante. A forma aparece, floresce, decai e dissolve. A energia queEnforma ou Incarna é todavia eterna, e cria, de novo, novas formas, novospadrões. A ampulheta da existência é virada, de novo e novamente. A menos quedespertemos para esse eterno passatempo, a essência da magick ou maya,

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então nunca veremos além da sedução da forma. Despertar, no entanto, é aindaparticipar nessa peça, mas participar conscientemente. Nós surfamos nasondulações do tecido, sabendo seu lugar no todo. “Mas vós, Ó meu povo,levanta-te e acorda !”.

Esse ensaio busca traçar o fio dourado do êxtase através de vários níveis –do Ser ao Não-Ser, do Dois ao Zero. Essas nuances mais sutis de Thelema podemser iluminadas pelas referências a várias ideias do misticismo oriental. Em últimaanálise, no entanto, a riqueza de Thelema transcende mesmo estas tradições, epode ser vista como a sua recessão ocidental. Por fim, por meio de um apêndice,uma passagem de Crowley é citada. Isso foi tirado do “Ritual da Marca da Besta”,e é anexada para demonstrar que a interpretação de Thelema aqui apresentadaestá em pleno acordo com seus principais proponentes nos tempos modernos.

I.“A palavra da Lei é Thelema.

Quem nos chamar Thelemitas não estará errada, pois se olhar próximo a palavra(…)

Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.” (AL I:39-40)

Thelema é o nome dado ao corpo da doutrina mística e mágica que veio aestar associada a Aleister Crowley. Isso é de muitas formas compreensível, poisfoi ele o seu principal expoente nos tempos modernos, e deu coerência, clareza eglamour ao que veio a ser chamado de Culto de Thelema. No entanto, como éfrequentemente apontado, ela não originou dele, e não foi de forma alguma suainvenção. Pelo contrário, ele estava essencialmente transmitindo uma correnteque já estava lá. Ver Thelema como sendo de alguma forma criação de Crowley,e então focar nele como núcleo central da doutrina[1] a torna nada mais queCrowleanismo. Isto serve apenas para diminuir e obscurecer as profundasramificações e sutilezas. A força de Thelema deriva de sua universalidadeessencial, suas afinidades com outras tradições, e é nesse contexto que ela podeser melhor entendida.

Como é bem sabido, Thelema é uma palavra grega que significa Vontade, eé um resumo bem apropriado do culto e seu significado e aplicaçãofundamentais. Também é as vezes referido como a Corrente 93, pois pelaQabalah grega a palavra Thelema corresponde a 93. Novamente, Crowley nãochegou a essa palavra como sumário da doutrina. Invés disso, ela é um termocentral no Livro da Lei, ou Liber AL, um complexo e profundo texto em três curtoscapítulos comunicado a Crowley em Abril de 1904 por uma inteligência praeter-humana chama Aiwass. A palavra Thelema é um excelente sumário de duasfrases chaves desse texto: “Faze o que tu queres há de ser tudo da lei”, e “Amoré a lei, Amor sob Vontade”. Críticos tem demonstrado sua própria

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superficialidade e falta de percepção ao confundir querer e precisar, einterpretam “Faze o que tu queres” como “Faça o que quiser”. Eles assim perdema razão de uma forma que surpreende em sua suprema banalidade.

Vontade é vista como uma profunda, fundamental força diretora que meroscaprichos e fantasias, que são simples e transitórias ondas ou perturbações nasuperfície da piscina. Em termos de Thelema, a Verdadeira Vontade éimplicitamente dinâmica e vem do centro do indivíduo. Liber AL expressa isso deforma muito bela ao dizer que somos cada um uma estrela no espaço, com nossaprópria órbita e um verdadeiro caminho. Essa órbita é nossa trajetória, nossaVerdadeira Vontade, o impulso ou dinamismo que nos define como indivíduos.Deve ser o negócio de cada um de nós descobrir nossa verdadeira orbita, ebuscar segui-la de todo o nosso ser. Colocando de outra forma, nossa VerdadeiraVontade pode ser entendida como nosso lugar natural no universo, nosso cursoalocado, nosso inerente e peculiar movimento pelo firmamento estrelado de Nuit.Verdadeira Vontade pode então ser entendida como destino, função naturalComo Crowley coloca, é permitir as estrelas brilharem, vinhas produzir uvas, eágua buscar o seu nível.

Verdadeira Vontade, então, pode ser vista como uma profunda,inconsciente força que as vezes grita no seu sangue como instinto. Maiscomumente, no entanto, encontra uma imperfeita, insípida, refração consciente edifusa em uma pletora de desejos e quereres, um balaio de puxões e impulsosem direções difusas. Quando a consciente e superficial vontade de um indivíduoestá em jogo com sua corrente subjacente, sua inconsciente Verdadeira Vontade,então ele está nadando contra a correnteza, e assim não só gastando suasenergias, mas também ficando no caminho de outros. Cada um tem suaVerdadeira Vontade ou nossa linha natural de desenvolvimento, e éevidentemente de interesse que descubramos nossa tendência natural e nosalinhemos conscientemente com a ela. Ele irá então, continuando a analogia,nadar com a correnteza ao invés de contra ela, perseguindo seu correto caminhoou órbita.

Vista neste contexto, thelema é evidentemente bem mais profundo que aimaginam os críticos de Crowley. No entanto, há ainda uma questão: Porque adiferença entre desejo consciente e Verdadeira Vontade ? Se a VerdadeiraVontade é a vontade natural por que não somos aberta e conscientementegovernados por ela; e por que não vamos, alegremente, em nosso caminho ? Arazão reside primariamente em condicionamento social, uma conformidadeimposta de valores e ideias com as quais todos estamos infectados em maior oumenor grau. Desde o nascimento somos encorajados a seguir um código artificialde conduta, ao invés do curso ou proclividade que nos dita ser natural o nossoinstinto. Em verdade somos encorajados a não confiar em nossos instintos, e nosfiarmos na “lógica”, “razão”, ou “consciência” como guias para um

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comportamento “apropriado”. Isto foi caracterizado por Nieztsche e outros como“instinto de rebanho”, que pode ser natural para vacas ou ovelhas, mas quedificilmente se encaixa na mais exaltada ideia thelêmica de “homem régio” ou“mulher régia”. A relação entre a consciente, continuada vontade e a VerdadeiraVontade pode ser melhor concebida pela imagem do sol num dia nublado,lutando para encontrar um caminho através da densa nuvem. Luz do dia, é claro,é luz solar; e quanto mais o sol é obscurecido pelas nuvens, mais fraca e insípidaessa luz do dia se torna. Similarmente, nossa Verdadeira Vontade é coberta poruma densa camada de condicionamento social, e sua intensidade natural éconsequentemente enfraquecida e distorcida. É essa mescla de comportamentocondicionado, com leves temperos de Verdadeira Vontade diluída, que formanossa vontade consciente. Nós somos então privados de nosso direito denascença, ao invés de queimarmos com verdadeira intensidade da ígnea energiacriativa em nosso núcleo, apenas uma pequena fração consegue encontrar seucaminho através das camadas de isolamento, produzindo um débil, ofuscadobrilho. Isso pode parecer mais conveniente quando olhamos de um ponto de vistaexclusivamente político, econômico e/ou social, e nada além. O resultado práticoé que somos débeis como indivíduos. Alquimicamente, ouro é transformado emchumbo.

Expresso dessa forma, pode parecer que tudo que temos que fazer é deixarde lado nosso condicionamento social e desfrutar de nossa radiante VerdadeiraVontade. No entanto, isso é subestimar seriamente a profundidade que ocondicionamento permeia. É de fato raro alguém acordar repentinamente parasua Verdadeira Vontade, e então prosseguir regozijante em seu caminho natural.O despertar embora possa parecer súbito, como um raio; mas é a culminação,um clímax, e glorifica em solo bem preparado. Nós temos que aprender a vivermais naturalmente outra vez, a aprender a confiar mais em nossos instintos, adar mais ouvidos a nossa voz interior. Mais apropriadamente seria o caso dedesaprender, de descartar as falsas camadas de comportamento condicionadoentão permitindo a estrela interior brilhar, em sua natural intensidade.

Muitos temeriam isso como sendo anarquia, como arrancar as traves,confundindo ausência de restrição interna como licenciosidade. Em certo sentidoisso É anarquia – a anarquia do carvalho, que floresce na temporada de acordocom seu ritmo natural. É anarquia no sentido de ausência de restrição artificial,de disciplina imposta por uma “autoridade” externa pode ser triste que Liber AL édirecionado ao homem régio, o indivíduo que está comprometido com a busca dadescoberta de sua Verdadeira Vontade e realização dessa. “Mas você, Ó meupovo, levante e acorde!”. Assim que um indivíduo faz isso, e opera com aintensidade de uma fantástica usina elétrica interior – então essa Vontade nãopode falhará em seu cumprimento, pois ele está ciente de sua função natural nouniverso e de sua necessidade – de fato, inevitável – do comprimento dessa.Liber AL, esse potente somatório de Thelema, sinaliza apaixonada esensualmente para o “o coração de cada homem”, que nós devemos acordar

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para a verdadeira identidade e viver nossa vida completamente. No momentoThelema é elitista, mas apenas no sentido que poucos estão ouvindo suamensagem e menos ainda entendendo. “Os escravos servirão” - mas apenasenquanto ele se mantiver contente em permanecer preso a servidão, e emignorância de sua esplendorosa identidade régia.

Thelema é uma chama radiante, uma potente convocação, e pode ser vistacomo o próximo passo para a humanidade. Crowley supôs que com atransmissão de Liber AL nós teríamos entrado numa nova era – o Aeon de Hórus,a Criança. Isso, ele explicou, foi precedido pelo Aeon de Osíris, o Pai – sendo eleprecedido pelo Aeon de Isis, a Mãe. Hórus é em algum sentido o produto dos dois,e partilha de suas essências, mas se torna mais cônscio de sua natureza comoente independente dos dois. Crowley fez algumas conexões entre a sucessão dosaeons e a precessão dos equinócios, então associando a cada períodoaproximadamente 2000 anos. No entanto, esses aeons se relacionamprimariamente com as fases da evolução da consciência humana, assim como odesenvolvimento da consciência num nível individual desde o nascimento. Há umindicativo nisso – que a sucessão dos aeons não está ligado a precessão dosequinócios no “Comento antigo” de Crowley sobre o Liber AL III, verso 34. Ondeele afirma, acerca do Aeon de Hórus: “Seguindo esse nascerá o Equinócio de Ma,a deusa da Justiça, pode ser daqui a centenas ou dez milhares de anos; pois oComputo do Tempo não está aqui como Lá”. O crescimento do a Criança ésempre uma matéria dolorosa, e Crowley supôs que o Novo Aeon seriainaugurado com caos e com um banho de sangue como seu batismo. Isso não édifícil de ver. As correntes que prendem os escravos são forjadas por falsosdeuses – consumismo, materialismo, respeito a “autoridade” política e coisas dotipo. Esses deuses não se contentarão em derreter como a neve, e o começo doAeon do Filho parecerá escuro e disruptivo aos remanescentes do patriarcal Aeonde Osíris. Séculos de repressão, do represamento de forças e instintos naturais,resultaram provavelmente numa explosão externa, e o colapso da sociedade nospadrões conhecidos.

No entanto, tudo isso é para que os padrões do Novo Aeon emerjam comodevem. Thelema é direcionada para o indivíduo, e busca despertar ele ou nela arealeza, criatividade e gênio. Estabelecimento da Lei de Thelema não é nosentido do estabelecimento de um reinado político de Ra-Hoor-Khuit, oulançamento de um corpo de estado contra os presentes centros de poder dasociedade. Ao invés disso, é o caso de trazer a Lei de Thelema para umconhecimento de todos; e esse propósito é melhor servido aplicando-o a nósmesmos, através da descoberta e realização da Verdadeira Vontade. Há umaanalogia com a Lei da Gravidade, onde estabelecimento é o senso dereconhecimento, de sua aceitação e uso como um princípio universal.

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Thelema é a chave para a transformação da consciência, tanto individualquanto de espécie. Sua real beleza, no entanto, reside em sua universalidade,sua aplicabilidade em todos os níveis. Tomada como exotérica, ela reivindica asoberania do indivíduo, e nos exorta a todos nos tornamos um mais como reis,mestres de nossos próprios destinos, triunfantes do Aeon da Criança Coroada eConquistadora. Num nível mais sutil e esotérico no entanto, ela é também umachave para transcender a individualidade – pois em níveis mais profundos oindivíduo se une ao coletivo, o Todo. Aqui deve ser lembrado o princípio de “duasverdades” do Budismo. Não há dúvida de que a chave para a promulgação deThelema como princípio reside em expor sua aplicação para a soberania doindivíduo, nossa identidade como gloriosa estrela no espaço, regozijante em suaórbita. Essa estrela surge como o gênio criativo, e é direito nato de todo oindivíduo, desde que ele saiba disso, para partilhar dessa brilhante naturezaestelar. Magick é um sistema de iniciação, onde os véus são dissolvidos e o DeusOculto é liberado para seguir seu caminho desimpedido, de fazer sua Vontade,como apenas um deus pode. Paradoxalmente, contudo, quando adentramos maisfundo no núcleo do nosso ser, nós descobrimos que não há indivíduo ou coletivo,nem dentro ou fora, nem exotérico ou esotérico. Thelema é o ponto de partidapara essa jornada, iniciando como a apoteose da individualidade, como tambémsua dissolução.

II.

“Eu sou a chama que arde em cada coração de homem, e o núcleo de cadaestrela. Eu sou Vida, e o doador de Vida, ainda assim o conhecimento de mim é o

conhecimento da morte.” AL II:6

Nós vimos que a vontade consciente – mais comumente experimentadacomo um eco de Choronzon, o empurrão de uma multiplicidade de vontadesdiversas, caprichos, impulsos e desejos – é de algum modo a refração daprofunda Verdadeira Vontade, se bem que distorcida, enfraquecida, atrofiada. Emverdade, a Verdadeira Vontade se manifesta em níveis distintos, floresce dasprofundezas secretas do ser, a semente oculta. Assim podemos conceber oindivíduo como algo como uma cebola, camada sobre camada, véu sobre véu. Talimagem sugere um núcleo. No núcleo da estrela está Hadit, o assento e o pontode apoio da Verdadeira Vontade.

A cosmologia de Liber AL nos dá Nuit e Hadit, as duas polaridades básicas,interação da qual a manifestação surge. Nuit pode ser considerada como osomatório de todas as possibilidades, e Hadit como qualquer ponto queexperimenta essas possibilidades. Nuit é o círculo de infinita circunferência, Hadité o ponto infinitesimal que possui posição mas não tamanho. “Ainda assim elaserá conhecida e Eu nunca”, porque Hadit é o ponto do qual nós florescemos, oolho que não pode ver a si mesmo. É o núcleo e o gênesis do ser, o bindu oculto,

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que apenas pode perceber ou se tornar consciente de si mesmo pela união comas possibilidades de experiência. O núcleo da estrela é essencialmentedesconhecido e incognoscível, porque para possuir qualquer tipo demanifestação ou consciência ele precisa já ser parte do Corpo de Nuit. Nós nãopodemos nunca retornar a fonte, mas devemos sempre seguir, sempre, sempreem jornada adiante.

Nuit, Hadit, e sua conjunção e criança Ra-Hoor-Khuit, são princípiosabstratos vestidos em símbolos mais concretos. Eles são assim revestidos paraque sejam mais inteligíveis a nós. A mente racional entende pela expressão,percebendo de modo dualista. Nesse nível racional, o melhor que pode ser feito éexpressar as coisas de maneira simbólica. A esperança é que a intuição possatrabalhar nas ardilosas, sugestivas, percepções fugazes que a contemplação detais imagens proporciona. Em verdade, esses símbolos são de certa formaintercambiáveis, e retem sua utilidade apenas enquanto não são analisados pormuito tempo ou muito profundamente. Eles falam com a intuição, sonho eimaginação, e não – em nada além de um nível superficial – com a lógica e arazão. Eles são melhores aproveitados quando penetram na consciência, dessaforma evitando as intercepções de razão.

Mente, corpo e espírito são frequentemente vistos como coisas separadas,divisões rígidas, entidades isoladas. Comumente, é como se o espírito vestissesua mente e seu corpo como se fossem um terno, eventualmente voando paratrocar seus trapos velhos por novos. Essa concepção, que vem do dualismo – afilosofia de oposto que são irreconciliáveis – torna-se questionável sobre umexame mais próximo, e rapidamente se decompõe. Por exemplo, mesmo o maiscabeça dura dos dualistas iria, admitir o princípio do psicossomatismo, ou ainteração entre o mental o físico. Nesse contexto, estados mental e emocionalcomo estresse, ansiedade e daí por diante podem se manifestar como doençasfísicas. Um exemplo óbvio seria a úlcera estomacal produzida pelo estresse. Nãosurpreendentemente, o princípio também opera na direção oposta, com estadosfísicos afetando o equilíbrio emocional ou mental. Um resfriado, por exemplo,parece drenar nossas energias, e pode nos deixar muito sensíveis. De tudo issopode parecer, que há ao menos um grau mínimo de influência mutua, com oplano mental e físico afetando um ao outro, interpenetrando e interagindo.Pensado sobre isso, alguém pode se perguntar onde o mental termina e o físicocomeça e vice-versa. Níveis de humor, para dar outro exemplo, parecem ter umacorrelação bioquímica; atividade hormonal tem um efeito profundo naconsciência. Quanto mais esses pontos são levados em conta, mais arbitrária setorna a linha entre mente e corpo, entre mental e físico, entre espírito e matéria.As práticas do hatha yoga, por exemplo, quando devida e assiduamenteexecutadas, parece levar a uma maior consciência do sagrado – a unidadecorpo/mente, uma noção de continuidade da consciência em vez demultiplicidade de partes. Parece que temos, na verdade, um continuum, no qualimpomos divisões e classificações conceituais e arbitrárias, como mente, corpo,

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alma, etc. Essencialmente há um combinado, e não tem importância alguma sevemos a mente como algo mais sólido, ou o que seja.

A estrela é portanto, essencialmente coesa, um continuum; e o núcleo decada estrela é Hadit, o assento da Verdadeira Vontade, a força motora ou impulsodinâmico. Essencialmente, tudo o que somos é uma expressão, desenvolvimento,materialização ou concretização dessa essência, esta Verdadeira Vontade, essachama que arde “no núcleo de cara estrela”. Tal como o cogumelo é o frutocarnoso mais denso – uma intrincada, malha ou expressão do micélio – de formasemelhante é cada indivíduo a expressão, frutificação e florescimento daVerdadeira Vontade, a chama que arde no centro de cada estrela, o núcleo do ser.A partir de tais considerações, é evidente que a Verdadeira Vontade não émeramente algum tipo de desejo profundo a espreita nas profundezas doindivíduo, esperando ser descoberto e trazido a consciência por rituaisapropriados e meditações. Ao invés disso o caso é que o indivíduo é umaexpressão da Verdadeira Vontade – e níveis, como vimos, são classificaçõesarbitrárias. A Verdadeira Vontade, portanto, não é algo que o indivíduo possui,como um tesouro enterrado. Ela é em verdade a semente e essência doindivíduo, a fonte da qual ele emana. A vontade consciente é então um reflexo,refração ou distorção da Verdadeira Vontade, não importa quão obscura. Hadit éuma essencial e mais profunda identidade.

Tudo o que temos, e tudo o que somos, floresce desse núcleo. Comoindivíduos, como entidades manifestas nesse universo “concreto”, somosprojeções, densamente cobertas, brilhando desse diamante interior, essasemente secreta. “Seja tu Hadit, meu centro secreto, meu coração & minhalíngua”. Isso é um entendimento mais profundo de Thelema; e é importanteentender isso, pois muitas pessoas parecem interpretar thelema num sensomeramente comparativo e superficial: descobrir o correto código de conduta noque pode ser erroneamente descrito como Exterior, e segui-lo inexoravelmente,sem desvios. Isso é verdade num nível particular, mas não entra profundamentena questão visceral – que é, obviamente, de onde os laços e espirais cintilantes eglamorosos de maya florescem. Pois em verdade somos uma expressão de nossonúcleo, nossa Verdadeira Vontade; nós somos o seu veículo, e assim nãopodemos fazer qualquer outra coisa que não nossa Verdadeira Vontade. Nósestamos 93 milhões de quilômetros de Sir Peter Pendragon, que no “Diário de umfanático por drogas” de Crowley se dá conta de que sua Verdadeira Vontade eraser um engenheiro aeronáutico. E ainda talvez não tão longe, porque por maisexaltado que nosso conceito de Verdadeira Vontade possa ter se tornado, aindadeve encontrar uma realização adequada e merecedora no Exterior, ou afrustração será nosso prêmio.

Há aqui um paradoxo. Se tudo o que temos e tudo o que somos, sãoexpressões de nossa Verdadeira Vontade, então porque alguém se incomodariaem passar pelo sangue, suor e lágrimas na tentativa de atingir o Conhecimento e

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Conversação do Sagrado Anjo Guardião, quando na verdade não estáconversando com esse e sim o sendo em essência ? A importante distinçãoreside, no entanto, na percepção ou despertar para esta identidade. Há umparalelo aqui com tradições Budismo Ch’an, onde é enfatizado que a chave paratudo é simplesmente despertar para a realidade, e perceber ou se lembrar dequem se é. Um dos mais famosos koans do Zen, a mais famosa degeneraçãojaponesa do Ch’an, é sobre relembrar sua face antes do nascimento, suaverdadeira face. O sonhador acorda, e percebe que esteve o tempo todosonhando. A consciência esteve restrita, obscurecida, enlameada, mas não mais.Agora ela arde em gloriosa intensidade, seu brilho natural. Em verdade, não hánada além de consciência. Tudo o que existe, é manifestação da consciência,exatamente como o cogumelo é uma manifestação mais densa do micélio.

A Verdadeira Vontade, então, não é uma coisa estática enterrada dentro denós, e de alguma forma aparte. Ela é dinâmica. Ela não é Ser, mas Ir, e pode serrepresentada pelo ankh, cruz ansata, o símbolo egípcio para ir. Estrelas, por fim,não estão penduradas estáticas no espaço, mas estão num estado de aceleração,de dinamismo, de movimento. A definição crowleyiana de magia como sendoenergia tendendo a mudança é relevante aqui, trazendo a mente a ideia demovimento, ou uma sucessão de estados, de perpétua transformação. A essênciada consciência estelar, que há no núcleo de cada estrela, é uma contínuaexplosão de energia, sempre mutante, sempre dinâmica. O universo inteiro estánum perpétuo, dinâmico estado de subida e descida, nascimento e morte, deeterna e infinita transformação, de criação e destruição. Nós como indivíduostemos uma tendência de pensar em nós mesmo como não estando sujeitos aessa mudança, mas em verdade somos parte desse turbilhão como tudo mais.Como energia tendendo a mudança, nós somos uma nova encarnação a cadainstante. Como magistas devemos receber bem essa corrente mutante, essaeterna transformação, em vez de nos agarrarmos a uma persona ilusória – queno fim das contas, é apenas uma máscara. A bolha é uma expressão transitóriado fluxo, uma forma que surge no meio do turbilhão, vórtice e rodopio, e queexperimenta uma fugaz e caprichosa existência antes de sua transformação, suareencarnação em outra forma espontânea. Nós somos expressões externas deuma força motriz interna, bolhas no fluxo, restrições transientes de consciência.“Pois eu estou divida por amor, pela chance da união”. A aparente divisão do sertem suas raízes num mais profundo e interno Ser; e que é uma aparênciaflorescendo do Ir, um padrão de energia tendendo a mudança.

A chave para acordar do senho da consciência restrita é identificação comesse fluxo, que floresce to núcleo de cada estrela, e portanto de Hadit. E aaplicação dessa chave consiste em ver manifestação fenomenológica como asombra transiente que é, e buscar penetrar em seu núcleo, na essência daconsciência estelar. Então nós cavamos mais, e mais profundamente, naesperança de emergir na luz do dia.

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III.

“Eu sou a secreta Serpente enroscada a ponto de saltar: em meu enroscar háalegria. Se eu ergo

minha cabeça, eu e minha Nuit somos um. Se eu pendo minha cabeça, e ejaculoveneno, então é arrebatamento da terra, e eu e a terra somos um.”

(AL II:26)

Em um nível individual Thelema está preocupado em alcançar este centrosecreto, essa Verdadeira Vontade, que está no núcleo de cada estrela. Uma vezque essas profundezas tenham sido encurraladas e reintegradas em umaconsciência plena, a estrela pode resplandecer em toda a sua intensidadenatural, e proceder à flor, para se cumprir, preencher. Como um sistema derealização mística e mágica, Thelema dá grande ênfase à consecução doConhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Existe uma certaconfusão quanto ao que se entende tanto pelo termo “SAG” quanto pela naturezados frutos que esse “conhecimento e conversação” geram. Isto é, em parte, umaconsequência do fato do próprio Crowley ter dado relatos contraditórios sobre oque a experiência significa e de onde ela surge. É minha crença que o despojar-se do jargão, no entanto, implica em penetrar no núcleo da estrela, com todo oser operando em consciência reintegrada (ou restaurada) de sua VerdadeiraNatureza e Destino. Existem, externamente, algumas dificuldades com essainterpretação.

Há algumas passagens em seus escritos onde Crowley retrata o SAG comoum aspecto mais profundo, mais essencial e mais real do âmago da natureza daestrelada. Isso soa um pouco no âmbito daquele venerável termo oculto “EuSuperior”, exceto pelo fato de que o primeiro não carrega os mesmos aspectosmorais. No entanto, nós também podemos encontrar outras passagens onde eleafirma que o Anjo é uma entidade independente – total e completamente distintado indivíduo em si, a quem este Anjo fora designado para executar algum tipo depapel de assistência benevolente. Em Magick Without Tears, que foi uma de suasúltimas obras, Crowley chegou a se referir à noção de que o Anjo seria umaspecto mais profundo do indivíduo, como uma “heresia condenável”. Deve-sesalientar, no entanto, que se quisermos levar suas últimas visões como sendonecessariamente mais corretas, a ideia de um anjo “separado” do individuo nãose senta facilmente com as ramificações mais profundas de Thelema, nem com ametafísica – tanto mística quanto mágica – que ele continuou a explorar.Aprendemos com The Confessions que ele considerou sua missão na vida ensinaro Conhecimento e Conversação com o SAG, cujo ele enxergou como sendo oPróximo Passo para a Humanidade. Uma vez que, realmente, pegar as coisaspara fazer é muitas vezes preferível para se ambientar e mastigar as sutilezas enuances metafísicas, suponhamos que Crowley estivesse tentando ser

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pragmático. Estava colocando o assunto no palco sob linguagem simples eprontamente compreensível, cheia de considerações de alto nível, e deixando asimplicações mais profundas para se resolver depois. Em um nível mais profundo,isso tudo pode ser feito, porque nada existe fora da consciência.

Nas passagens mais relevantes de seus escritos, o SAG é identificado como Self-Anão, o Self-Silencioso (Ser Silencioso, Eu Silencioso), o Bebê no Ovo,Harpócrates, Hadit.

“Hoor-paar-Kraat ou Harpócrates, o ”Bebê no ovo Azul”, não é meramente o Deus do Silêncio num senso convencional. Ele representa o Eu Superior, o Sagrado Anjo Guardião. A Conexão é como o simbolismo do Anão da Mitologia. Ele contém tudo em Si mesmo, mas é imanifesto.”

“Mas a “Pessoa Pequena” do misticismo hindu, o Anão insano, no entanto, astuto de muitas lendas de muitas terras, é também este mesmo Espírito Santo, ou Ente Silente de um homem, ou o seu Sagrado Anjo Guardião.”

O Self-Anão é o Ser Silencioso (Eu Silencioso) dentro, Hadit, quenormalmente permanece velado em seu santuário escondido – O Deus Oculto.Crowley também o identificou com o que chamou de Consciência Fálica ou Racial:a força subjacente à manifestação, cujo representante ou vice-regente é o falo –o transmissor da força vital, a energia vital e animadora. Essa identificação com aConsciência Fálica proporciona uma pista vital para a intuição, afinal o impulsosexual parece surgir frequentemente de profundidades obscuras dentro doindivíduo, em alguns casos parece ter uma vontade própria. Isso não é paraassertar um elo simples entre a corrente sexual e a Verdadeira Vontade. Em vezdisso, o sexo é o último véu, a máscara definitiva, o fio vital no padrão. Não é poracaso que Nuit e Hadit, e seu filho ou conjunção Ra-Hoor-Khuit, estão vestidos desimbolismo sexual – pois a semente vital está no fundo da corrente sexual. Acriatividade em todos os níveis, em todos os planos, está inextricavelmenteligada ao sexo. E a autoridade de condicionamento externo sempre tentou cercaro uso da corrente sexual com tabus e repressões, vendo a domesticação como omelhor aproveitamento desta poderosa força, de forma a torná-la ferramenta útilna escravização dos indivíduos.

Esta Consciência Fálica – que está subjacente à corrente sexual, e dizemosser um instinto mais profundo, mais primitivo – é a força básica da vida, o instintoda vida, a força vital e aquilo que é o núcleo do Todas as estrelas. Quanto menosem sintonia com os instintos uma pessoa está, mais essa força é experimentadacomo uma energia alienígena, anárquica, ameaçadora e vulcânica. Nessesmomentos, ela é sentida como se fossem violentos aumentos ou juncos de uma

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força irresistível, vagamente percebida como emergindo de “dentro”. Um dosLivros Sagrados de Thelema, Liber A'ash vel Capricorni Pneumaticii, diz respeito aessa Consciência Fálica, essa Serpente Interior. É identificada inequivocamentecomo sendo a Suprema Força Mágica, a Criatividade Primitiva. Crucialmente, érepresentada como sendo essencialmente impessoal, velando a si mesma naencarnação para se transmitir e levar sua semente para o sempre. A linguagemdeste Liber é rica e sensual, e as implicações são inconfundíveis.

A essência desta força reside na sua impessoalidade. Na verdade, não temutilidade para o indivíduo, exceto na medida em que ele é a expressão etransmissão dessa força; ele é a sua encarnação; ele não é mais que seu veículo.No seu núcleo, o centro do qual ele brota, essa energia é a mais puraconcentração da Corrente 93 – na verdade, É a Corrente 93! Em um nívelindividual, se foca em torno de um centro de gravidade, formando um acréscimo;e esse acréscimo é o núcleo: “O Núcleo de todas as Estrelas”. No entanto, estenúcleo é um tipo de concentração dinâmica e não um centro estático e auto-existente. É mais a convergência transitória de energia ou vitalidade, a flor quepassa com a sua estação. Mais uma vez, a essência do assunto não está em Ser,mas em Vir-a-Ser, em energia tendendo a mudar.

Fora uma conquista de Freud demonstrar que os valores sociais e culturaissão nutridos pela libido reprimida. Ele reconheceu que, na raiz, esta libido era aForça Motriz, a Força Criativa no homem – criação esta do plano físico, mental ouespiritual. Basta dar um passo além para ver tudo (todo o tecido demanifestação, Maya, Lila, o sonho de viver) como sendo uma expressão econcentração dessa tal Energia. O que se remonta aqui é a ideia de AustinOsman Spare de "fornicação eterna", de "todas as coisas fornicando o tempotodo"; ele reconheceu que a mesma energia que impulsiona a Força Criativa nohomem também tece a Lila: o tecido do qual a tapeçaria inteira, glamurosa esedutora é tecida.

O impulso ou corrente sexual, como comumente experimentado, é muitasvezes uma esfinge para o indivíduo, que é seu veículo ou expressão. O que passapara o desejo sexual em tais casos é meramente um reflexo insípido dessaenergia primitiva e dinâmica - que está subjacente à manifestação –, na qual aLila dança. A tendência natural desta força é a pan-sexualidade; e a visão de"tudo que fornica todo o tempo" é, portanto, uma visão desta natureza. É oobjetivo da Magick realizar uma identidade com essa corrente (bem como donúcleo da Verdadeira Vontade) e permitir a sua floração plena e adequada.

Este caminho - de utilizar a força no coração da manifestação em sua formadireta e prístina, para fazer mudanças na lila - é o caminho da CorrenteOphidiana. É esse o caminho da Magia Sexual; e, embora direto, é precário e

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cheio de perigo para os incautos. Magick, então, deriva - em termos etimológicos- da mesma raiz que Maya, o jogo de ilusão ou manifestação, e significa amanipulação desse Maya, ou Ilusão. De todas as ilusões, nenhuma delas é maispotente ou glamurosa do que aquelas que brilham e cintilam com o fascínioescuro do sexo.

O mago que usa a Corrente Ophidiana deve ser capaz de desvencilhar acorrente sexual da luxúria, que é a embalagem “bonita e com lacinho” em que acorrente sexual geralmente está condicionada a fluir - a força, portanto, pode sercanalizada para outras direções. A essência do ocultismo criativo está, por causade uma intenção consagrada, em canalizar o fluxo dessa força em direções ouformas específicas e, portanto, manipular Maya, comissionar novas danças:formar novos padrões. O perigo reside no fato de que, se qualquer mancha deluxúria permanecer, a Corrente Ophidiana irá inflar o objeto a proporções tais queo maldito mago cairá como uma presa na Obsessão, nas mãos dos vampirossexuais que ele involuntariamente criou.

Obviamente a Magia Sexual não é o único Caminho para o Despertar e aLibertação. No entanto, possui a vantagem de trabalhar e com o Maya, isso emvez de tentar rejeitá-lo como Ilusão. Como diz o Kularnava Tantra, as coisas quelevam ao inferno também podem levar ao céu; na realidade, o sonho de viver énosso, e com ele fazemos o que quisermos.

O verso de Liber AL citado no início desta seção diz respeito ao uso dacorrente Ophidiana. Inevitavelmente, suas ideias estão vestidas de simbolismo,uma vez que os axiomas que estes procuram transmitir estão além dasdualidades da razão, da fala ou do pensamento - eles são melhor insinuados,portanto, pelos olhares “laterais”, “flertes”, que são intuitivos. Tais símbolos seinfiltram intuitivamente, e sugerem - por analogia ou indução - aquilo que émuito ‘passageiro” para uma expressão mais concreta. A imagem da "Serpentesecreta", é claro, sugere uma conexão sexual; e sua forma enrolada indicaKundalini, que é a força mágica central no homem, que se encontra como seenrolada em torno da base da espinha. Está "enroscada e prestes a surgir"porque é dinâmica, cheia de energia. Seu enroscar é alegre, e essa alegria ouêxtase é a subjacente natureza da manifestação, Maya – a Lila. "Lembre-se deque a existência é pura alegria ..."

Figurativamente, essa força pode ser direcionada para uma união mística,união arrebatadora com Nuit; ou para baixo, para um arrebatamento mágico come da terra. Aqui há um eco de um versículo do Liber AL, no início do primeirocapítulo, onde são mencionados três graus – Eremita, Amante e Homem da Terra.O Eremita é talvez aquele que dirige a corrente para cima, para uma união comNuit. O Homem da Terra faz com que a corrente "abaixe" sua cabeça e "lance o

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veneno". O Amante combina essas abordagens no "amor sob vontade", usandoas flores da manifestação como um Sacramento, chegando à essência deles edespertando para a identidade, para a auto-realização suprema. Este talvez sejao Caminho Supremo, viver a vida ao máximo, tal qual um Sacramento, umaDança de Existência projetada e imaginada para seu próprio deleite.

IV.

“Então o sacerdote respondeu & disse à Rainha do Espaço, beijandosuas amáveis sobrancelhas, e o orvalho de sua luz banhando o corpo

dele inteiro em um doce perfume de suor: Ó Nuit, contínua do Céu, queseja sempre assim; que os homens não falem de Ti como Uma mas

como Nenhuma, e que eles não falem de ti de modo algum, uma vezque tu és contínua!” (AL I:27)

Nós vimos na seção precedente deste artigo que Verdadeira Vontade resideno núcleo da estrela, e floresce do ponto Hadit, sua semente secreta. Naverdade, Verdadeira Vontade é uma expressão desse bindu, um desdobramentodo seu dinamismo. Paradoxalmente como pode ser primeiramente visto, tudo oque temos, somos e fazemos é uma expressão da Verdadeira Vontade, como aaranha que tece sua teia. Nesse caso, a teia é obviamente a dança de maya, osonho da existência.

Há um outro paradoxo, que é a aparente diversidade de estrelas quedividem um núcleo comum. A humanidade divide uma cama, e num nívelprogressivamente profundo de consciência, o indivíduo se funde numaconsciência de raça ou inconsciente coletivo. Tal como o indivíduo é no fundouma expressão e florescimento da Verdadeira Vontade, assim a VerdadeiraVontade é uma faceta ou expressão parcial de uma, mais profunda, vasta,Vontade Coletiva ou Cósmica, tal como Sirius é o sol por trás do sol. Isso édelineado na frase do Liber AL anteriormente citada, onde o Hadit declara que:“Eu sou a chama que queima em todo coração do homem, e no âmago de todaestrela”. Há uma indicação mais profunda na sentença: “Na esfera eu em todaparte sou o centro, uma vez que ela, a circunferência, é em lugar algumencontrada.”

Em verdade, considerar a situação como sendo uma multiplicidade deVerdadeiras Vontades, que de alguma forma se fundem ou misturam numemaranhado mais amplo, é uma grande simplificação. Sobre o risco de evocarsombras de “Alice no país das maravilhas”, nós podemos talvez dizer que vamosao interior, apenas para emergir, piscando, sobre o exterior. A medida queviajamos mais profundamente no que podemos chamar carinhosamente denosso núcleo mais profundo do ser, a paisagem gradualmente muda, e nos

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encontramos penetrando no mais profundo do Ser, ao invés daquilo que nosreferiríamos como “nosso próprio” ser. No entanto, para discutir esse assuntodevemos mantê-lo num plano de relativa simplicidade, expresso nos termoscompreensíveis na linguagem do dualismo.

Então, nós podemos dizer que a Verdadeira Vontade individual é uma faceta daVontade Cósmica, e assim desse ponto de vista a individualidade é mais aparentedo que real. Isso faz, em si, levantar uma objeção a expressão exotérica deThelema: aquela da possibilidade de choque de Verdadeiras Vontades. Essaobjeção foi mencionada para Crowley – indubitavelmente não pela primeira vez –por C.R. Cammel, então amigo de Crowley e admirador de suas proezas literárias,mas hostil as suas ideias mágicas e místicas. Crowley respondeu ao efeito de quea soma das Verdadeiras Vontades individuais são a Vontade Cósmica, o GrandePlano, Deus; assim, conflito não ocorreria, todas as Vontades Verdadeiras semisturando, todas sendo facetas do Padrão Divino. Cammel nos conta,condescendentemente, que achou essa resposta engenhosa mas nãoconvincente. Sem alguma apreciação dos apontamentos metafísicos de Thelema,sem algum presságio intuitivo das sutilezas mágicas e místicas, talvez hajapouco encantamento. No entanto, uma vez que comecemos a entender queindividualidade é mais aparente do que real, as coisas começam a se acomodarem seu devido lugar. Isso é ecoado pelas palavras de Nuit no Liber AL: “Pois euestou dividida pela graça do amor, pela chance de união.”

Este é o pano de fundo do qual floresce a individualidade, que é aparenteem vez de real e assim partilha de maya, ilusão. É também de onde ela retorna.Este insight não é unico de Thelema. De fato, ela afiniza a esse respeito comoutras tradições tais como Ch’an, Advaita Vedanta, e a corrente Prajnaparamitado Budismo, - um fortalecimento e confirmação do insight. Advaita éfrequentemente considerada monismo, uma afirmação de que tudo é um, mas talinterpretação está equivocada. Na verdade, ‘advaita’ é uma palavra sânscritaque significa simplesmente “não dividido”. A diferença pode parecer sutil, aoponto do pedantismo, mas é uma distinção crucial. O termo “um” só temsignificado em contraste com “muitos”; assim, uma vez que não haja “muitos”, otermo “um” não tem significado. É mais preciso ficar com o sentido literal de ‘nãodividido’. Sunyavada é regularmente visto como uma sutileza e um refinamentodo advaita, mas essencialmente há pouca diferença prática. Uma vez que vocêtenha abolido a diversidade, faz pouca diferença em como você chama o quesobra – isto é, assumindo que de fato algo sobra. As diferenças doutrinárias entreadvaita e sunyavada podem ser seguramente descartadas para o propósito desteartigo.

É nesse contexto que podemos nos remeter mais uma vez a imagem dacebola, com suas muitas camadas, níveis e cascas. É uma boa imagem paraThelema e para a viagem ao núcleo da corrente 93, porque quanto mais camadas

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nós removermos, mais profundamente penetramos no núcleo. No núcleo queimaa corrente 93 em toda sua glória feroz, e ela cria a lila, a dança de maya, paraseu próprio deleite. Essa ilusão ou maya, aparte da qual não há nada, quefloresce do nada, e que essencialmente é nada, não tem propósito. É purodeleite, pura alegria; e toda gama de existência, que é aparente prazeres edores, tristezas e alegrias, converte-se nisso. É essa randomicidade, nessaexistência despropositada, que muita gente tem dificuldade de aceitar. E essa é arazão pela qual tanta gente no Ocidente falha em concordar com, e portantorejeitam, os insights dessa corrente representada por tradições tais como, Ch’an,e sunyavada. Mesmo um grande pensador como Einstein, cujas descobertasderam início a física quântica, não podia encarar a natureza randômica daexistência que sua teoria parece inexoravelmente implicar. Ele declarou que serecusava a acreditar que Deus jogava dados com o universo. Em uma análisefinal Einstein, como todas as outras pessoas, provou estar preso pelos seuspróprios preconceitos.

A busca pelo propósito ou pelo significado é a pedra na qual todas asfilosofias ou tradições precisam fundir-se enfim, a menos que eles levantem umpropósito como um ato de fé. Ainda assim a questão em si, quando examinada, éum tanto quanto estranha. Porque deveria haver um propósito para a existênciaafinal ? Num nível individual, talvez a busca por propósito traia a inabilidade deaproveitar o aqui e agora, de partilhar do divino sacramento da existência. Ametafísica Hindu constrói o a ideia de vastas época no tempo, esticando porbilhões de anos, e, por fim, se resolvendo em um Dia e uma Noite de Brahma, oeterno e sucessivo surgir e dissolver da manifestação. Contra esse pano defundo, ideias de perfeição, evolução da consciência individual, e assim pordiante, começam a parecer engraçadas. Se nós como indivíduos não estamosfelizes com a direção – ou a aparente direção – que nossas vidas estão tomando,então somos nós que temos que injetar propósito na nossa existência, se é issoque parece faltar. Isso deve ser reconhecido, no entanto, como um ato depragmatismo que é. Não há base para colocar isso numa escala cósmica.

Física num nível subatômico tende a adicionar peso a uma figura tal comoa que pintamos nas nossas considerações sobre Thelema até então. Não pintaexatamente o mesmo retrato, e nem isso deveria ser esperado. No entanto,proporciona uma base para intuição para aproximarmos do santuário por umângulo diferente e ainda assim chegar, regozijante, ao santuário interno. Esseterritório foi bem explorado por Fritjof Capra em seu livro ‘O Tao da Física’, e nãonos é apropriado entrar em sua apresentação aqui em profundidade. Em síntese,matéria é composta de átomos, e os átomos por sua vez compostos de partículassubatômicas de diversos tipos. Os físicos tentam, sempre tentaram e, semdúvida, sempre esperarão descobrir uma unidade indivisível de matéria,independente da escala. Infelizmente para esta ambição, eles ainda têm quedescobrir algo que não, sobre exame mais profundo, quebre em suas partículasconstituintes menores. Baseado nas tendências passadas e presente, não há

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nenhuma perspectiva de algo que não seja assim constituído. O derradeiro blocoprimário de matéria prova-se notavelmente esquivo, e provavelmente não existe,por mais paradoxal que isso pareça. Nós pegamos a matéria, e nadaencontramos ali ! Em vez disso, há uma infinita regressão de arranjos, umaeterna sucessão de caixas dentro de caixas. Física quântica sugere uma drásticaalteração na visão de mundo Ocidental, evocando ecos de uma frasereverberante do Liber AL: “… pois Eu esmaguei um Universo; & nada resta.”.

Embora, as partículas que têm rebolado diante de nossos estupefatosolhares mostrem características curiosas – pelo menos, curiosas em termos danoção aceita de realidade. A mesma partícula se comporta como onda de energiae como partícula física, e parece ser os dois simultaneamente. Isso nós dá umaimagem bastante bonita, a da matéria sendo composta de ondas de energiaentrelaçadas, num nível subatômico. Numa escala maior isso forma padrões, eesses padrões são maya, a dança da ilusão, ou a existência como conhecemos –ou pensamos conhecer. Nós estamos agora em posição de fazer um maravilhososalto de intuição, e identificar essa energia – ondas as quais constituem amatéria – com a Corrente 93, o emaranhado espiral eterno e peça da VerdadeiraVontade. Isso encaixa bem com a mitologia Hindu, manifestação brotandodiretamente da dança amorosa de Radha e Krishna. Isso é espelhado no Liber AL,onde a manifestação é a criança Ra-Hoor-Khuit, surgindo da cópula de Nuit eHadit.

Outra característica curiosa das partículas ou ondas nesse nível subatômicoé sua aparente randomicidade ou falta de previsibilidade. Tudo que pode ser ditoé que haverá uma tendência a elas se comportarem dessa ou daquela maneirano curso do experimento. Também foi descoberto que a presença de umobservador em si altera o comportamento das partículas nesse nível, assimdemonstrando que existe ao menos alguma quantidade de interação entre oobservador e aquilo sendo observado. Dada a figura pintada acima, que retrata‘objetos’ como sendo vibrantes, dinâmicos campos de energia, há umcompromisso de em algum grau de interação, troca e interação entre essescampos. Em outras palavras, esses objetos ou campos não são entidadesindependentes como tal, nem pacotes discretos de energia. Ao invés disso, aentidade tende a certa forma, uma aproximação, mas há uma constante trocaperiférica com outras entidades. Eu estava certa vez escutando um programa derádio, sobre a pesquisa em física subatômica e o comportamento das partículas,e escutei um entrevistado contar como os experimentos demonstraram que épossível ao observador influenciar mentalmente o comportamento das partículas.Infelizmente eu nunca cruzei com outra menção a isso, e sou também incapaz deprová-la. No entanto, dada a varredura delineada acima, e a interpenetração doscampos de energia, não seria surpreendente que a pesquisa tenha encontradoalgo assim.

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É dessa maleabilidade da matéria ou maya, a natureza da qual é ilusão, daqual o magista se aproveita em suas manipulações. Thelema nos leva no coraçãoda ilusão, nos deixando dar uma olhadela na natureza da realidade, e nospermitindo então nos dar conta de nossa identidade com essa encenação.

V.

“O Perfeito e o Perfeito são um Perfeito e não dois; não, são nenhum! Nada éuma chave secreta dessa lei. Sessenta e um os Judeus a chamam; eu a chamooito, oitenta, quatrocentos & dezoito. Mas eles têm a metade: una por tua arte

para que tudo desapareça.” (AL I:45-47)

No coração de Thelema, como o coração da matéria – pois os dois não sãodiferentes – há um vazio ou nada. Essa nada é também pleno, porque é dessenada que a completa panóplia da manifestação provém. Paradoxalmente, o vaziocontém a semente do todo, secretando a manifestação ou lila do seu centrosecreto. Isso nos dá a fórmula do coração de Thelema, o 0=2. Quanto maisavançamos em Thelema mais paradoxais as coisas tendem a se tornar, e essesparadoxos se aglutinam sobre o paradoxo primeiro dessa fórmula. Ele também éas vezes expresso como NOX, 210. De forma simples, aparente diversidade ésimbolizada como dois, florescendo e sendo equivalente a zero. Essencialmentenão há diferença entre o dois e o zero ou nada. 210 é um subsequenterefinamento, mostrando a redução de dois a um, e então a zero; no entanto,como mencionado na introdução desta seção do artigo, redução ao um é maisum pseudoestágio do que qualquer coisa. A fórmula é as vezes expressa como(+1)+(-1) = 0, onde +1 e -1 representam o dual, polaridade, os dois polos deaparente diversidade, os princípios masculino e feminino. Isso também expressauma outra noção de equilíbrio, o vazio ou zero incluindo em si mesmo o Ser e oNão-Ser. É na fórmula do 0=2 que a física quântica e thelema convergem. Istonão é de todo surpreendente, porque é a energia do 93 ou Thelema que abrigatudo, que em seu núcleo, “é em toda parte o centro”. No mundo damanifestação, polaridade é um conceito chave, o mecanismo através do qual amanifestação emerge. Até onde podemos alcançar, manifestação é semprepolarizada ou balanceada. Qualquer manifestação emergindo do vazio nocoração da existência então, só pode ser em termos de balanço ou polarização –daí a expressão 0 = (+i) + O Zero, nada ou vazio não é meramente a negação damatéria ou algo, mas também contém o oposto ou não-manifestação. Isso é, éclaro, similar a chamada Dupla Negativa do Shen-Hui.

Quietude na matéria ou manifestação é apenas aparente, como se fossealgo distante. Num nível subatomico, como vimos, partículas são pacotes deenergia, num estado de velocidades equilibradas. Manifestação é sempre

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dinâmica, sempre num estado de “ida”, e nunca estática. Estabilidade é sempreproduzida por um equilíbrio dinâmico de forças ou energia; em verdade, tudoestá num estado de fluxo e fluído. Novamente, isso ilustra a definição do Crowleyde magick como energia tendendo a mudança, tal como o insight de que magianão é Ser, mas Ir. A corrente 93 é sempre dinâmica, sempre se renovando,sempre cambiando entre criação e dissolução. Revertendo para uma analogiaanterior, são as finas redes do micélio do qual o corpo carnoso ou cogumelo érevestido, sucessivamente frutificando e morrendo. A matéria emerge, floresce,decai em dissolução, e então emerge novamente em outra forma. Existem ondasde energia vestidas, em perpétua danças extática, de alegria, de acasalamento,girando e rodopiando. Um dos textos tântricos traduzidos por Woodroffe tem otítulo de Ondas de Benção. E esse título sugere a dança de maya.

É inútil procurar propósito ou sentido nessa perpétua lila, essa dançasucessiva de criação e destruição. Em última análise é auto amor ou êstase,“pois eu estou dividida pela chance de união”. Uma vez que estivermossintonizados com essa corrente, nós também podemos ter esse sentimento, queé o mais alto deleite.

Manifestação floresce do zero, e retorna ao zero. Isso acontece não duranteincontáveis aeons – pois tempo é uma ilusão como a matéria – mas a cadainstante. Um símbolo comum para o infinito é ∞, o que guarda um senso demovimento perpétuo, da revolução da manifestação, um dinâmico e polarizadoequilíbrio. Nós estamos assim, sempre encarnando novamente nesse espetáculode deleite, nessa jornada extática através do oceano de benção. Nós estamosnum contínuo estado de mudança, de transformação, da magia no sacramentoda existência. A vida não precisa de outro selo ou sanção que não este.

“Também O Santo veio a mim, e eu contemplei um belo cisne flutuando noazul.

Entre suas asas eu sentei, e os æons iam passando. Então o cisne voou e mergulhou e planou, ainda assim prosseguimos sem

destino. Um garotinho louco que montava comigo se dirigiu ao cisne, e falou:

Quem és tu que flutuas, e voas, e mergulhas e planas no vazio? Vede, estesmuitos æons se passaram; de onde tu vieste? Para onde vais?

E rindo eu o repreendi, dizendo: De nenhum lugar! Para nenhum lugar! Estando o cisne silencioso, ele respondeu: Então, se não há um destino, por

que esta eterna viagem? E eu repousei a minha cabeça contra a Cabeça do Cisne, e ri, dizendo: Não há

prazer inefável neste voo sem destino? Não haveria fadiga e impaciência para aquele

que alcançasse algum destino? E o cisne estava sempre silencioso.

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Ah! Mas nós flutuamos no Abismo infinito. Prazer! Prazer! Cisne branco, que tu sempre me leves entre as tuas asas!” (LXV

II:17-25)

Realizando nossa jornada extática no coração da matéria, nós chegamos aoseu centro, o vazio. É importante, no entanto, que esse vazio não seja visto como“mais real” que a manifestação; ou ainda que a matéria não seja de algumaforma diminuída de importância pela consideração daquilo que existe por trásdela. Isso seria uma blasfêmia, uma negação da natureza sacramental daexistência, uma forma menos sutil de dualismo, e uma desastrosa e absurdaincompreensão da situação. Pois zero é igual a dois, e dois é igual a zero. Elessão idênticos, absolutamente idênticos, e assim ambos aspectos ecomplementares de igual importância. Se isso não ficar claro, então podemoscontemplar o demônio maniqueísta despontando sedutoramente a distância.

Aqui há um princípio bem simples – esse de não confundir os planos. Umailustração básica será suficiente. Nuit diz: “Que não haja diferença feita por vósentre uma coisa & qualquer outra coisa; pois daí vem sofrimento”. Umaconsideração simples do advaita sugere que, de fato, todas as diferenças sãoimposições num continuum. De tudo isso, se eu escolher preparar uma infusãode um a xícara quente de cicuta, ao invés do meu usual ovaltine, então minhafalha em perceber a diferença entre as duas bebidas levaria a destruição do meupresente veículo de manifestação. De um certo ponto de vista, é claro, pode serdito que isso não faria muita diferença: Eu como entidade aparente só possuouma existência transiente de qualquer forma, um insubstancial espectro nanévoa da manhã. Logicamente, não há nenhum benefício no ponto de vista quediz “todos nós vamos morrer cedo ou tarde, então por que isso importa?”.Existência é essencialmente um sacramento, no entanto, para ser comungadoem sua totalidade. Para citar Nieztsche: “Toda alegria quer eternidade – querprofunda, profunda, profunda eternidade”.

Novamente, pode parecer paradoxal, mas uma vez que estivermosacordado, percebido a natureza de lila, nós continuamos como antes – mas com adiferença de que sabemos que é uma peça. É como a parábola Zen sobremontanhas e vales. Uma vez que vejo as montanhas como montanhas e valescomo vales. Então eu almejei a iluminação; e montanhas não são maismontanhas, e vales não são mais vales. Uma vez despertos, nós continuamos arepresentar nossos papéis; mas não estamos mais absorvidos no drama,perdidos no personagem; pois estamos despertos, e sabemos que se trataapenas de um sonho. Essa é a mais alta alquimia. É importante alcançar esseponto, caso contrário uma grosseira confusão tomará lugar, e o sacramento seránegado em sua natureza. Lila é uma ilusão do ponto de vista que é o nadamascarado de alguma coisa, mas real no sentido que emerge desse nada. O,apelidado, Wei Wu Wei diz “Eu sou, porque eu sou Não”. Isso soa paradoxal, e

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não faz sentido ao intelecto. Pode, no entanto, ser intuído – e apreendido por uminstante, fugazmente, por alguma parte de nosso ser que é “além de tudo meu”.

Uma vez que acordamos, nós não permanecemos nessa percepção danossa identidade subjacente. Em vez disso, nós volitamos para dentro e para foradessa realização, essa percepção – ou ainda, assim parecemos para os nossossentidos terrenos. Isso não pode ser agarrado, pois é um espírito livre,escolhendo ir e vir quando lhe convém. Nós não vivemos – somos vividos. Lilamanifesta-se temporalmente tanto quanto carnalmente; e o tempo sendoilusório, os flashes de despertar nos parecem nem sequenciais nem consistentes.Isso é de fato patético, tentar vestir esses dardos de insight numa linguagem,que por natureza são gaguejantes, incoerentes, soluçantes. No entanto, talveznessas tentativas nós apontemos o dedo para a lua, e talvez ao menosintuitivamente demos algum tipo de direção indicativa.

Mas nós devemos nos contentar em tomar ocasionais mergulhos napiscina, no estase e milagre de despertar para nossa identidade, no qual nóssomos, ao mesmo tempo, concomitantes com o todo da manifestação e não-manifestação, e ainda além de ambos. Tudo e Nada devem ser abraçados comigual fervor, enquanto seguimos regozijantes no nosso caminho, rodopiandonesse e naquele caminho no glorioso espetáculo que é a nossa criação, emcomunhão com o hedonista e ascético, ambos comungante e eremita – habitandoos dois no todo, e aparte do todo.

Pois – não é essa a nossa Vontade ?

Michael StaleyTradução, com autorização, por: I156 e VVV

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