RADIO DIGITAL DIAGRAMA GERAL. RADIO DIGITAL ESTAÇÕES REPETIDORAS.
radio e futebol de botão
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O FUTEBOL DE BOTO
EAS NARRAES ESPORTIVAS
Thiago Stephan Tavares
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O FUTEBOL DE BOTO E AS NARRAES ESPORTIVAS
Por
Thiago Stephan Tavares
(Aluno do Curso de Comunicao Social)
Monografia apresentada
Banca Examinadora na disciplina
Projetos Experimentais
Orientador Acadmico: Professor
Mrcio de Oliveira Guerra
UFJF FACOM 1 SEM 2006
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TAVARES, Thiago Stephan. O futebol de boto e as narraes esportivas.Juiz de Fora: UFJF, FACOM, 1. sem. 2006, 79 fl.impre. Projeto Experimentaldo Curso de Comunicao Social.
Banca Examinadora:
Professor Mestre lvaro Eduardo Trigueiro Americano
Professor Kleber Ramos Queiroz
_______________________________________________________________
Professor Doutor Mrcio de Oliveira Guerra
Examinado o projeto experimental:
Conceito:
Em:
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minha me, Ana, pelo incentivo
ao longo deste percurso
e por em momento algum
ter deixado a peteca cair.
Ao meu pai, Flvio,
que mesmo longe
fez-se presente em minha vida.
minha querida V Auta,
que ajudou na minha criao,
que me fez parar de fumar e
que me encheu de energia.
Ao meu irmo Joo,
grande companheiro desta jornada
que a vida.
As minhas irms, Francesca e Letcia,
belas e fiis companheiras.
Ao meu querido sobrinho Mrcio,o mais novo botonista
da famlia, e que me azucrinou durante toda monografia
para que eu jogasse uma partidinha com ele.
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SINOPSE
Estudo sobre as narraes realizadaspor profissionais de rdio e TV empartidas de futebol de boto antesdeles se tornaram profissionais.
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SUMRIO
1. INTRODUO
2. FUTEBOL: ORIGEM E CHEGADA AO BRASIL
3. RDIO: DA ORIGEM AO ENCONTRO COM O FUTEBOL
4. FUTEBOL E RDIO: UMA DUPLA IRRESISTVEL
5. RDIO E FUTEBOL E A SOCIEDADE BRASILEIRA
6. NASCE O FUTEBOL DE BOTO
7. NARRANDO JOGOS DE BOTO: A VIA CONTRRIA DA
SENSORIALIDADE
8. CONCLUSO
9. REFERNCIAS
10. APNDICES
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E o Eduardo gostava de novela e jogava futebol de boto com seu av.
Renato Russo
Para estufar esse fil, como eu sonhei, s, se eu fosse o rei.
Chico Buarque
Mas claro que o sol vai voltar amanh, mais uma vez,
eu sei...quem acredita sempre alcana.
Renato Russo e Flvio Venturini
Eu jogo limpo, jogo srio sem esbulho,
Pois pra mim adversrio considero como irmo.
Aviso logo para quem jogar comigo que
somente me vencendo poder ser campeo.
Trecho do hino do botonista, por Geraldo Cardoso Dcourt
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1 INTRODUO
O futebol de boto e as narraes esportivas. Este o tema que esta
monografia aborda. Um tema novo, com poucas referncias, mas que tem
como pano de fundo um assunto caro ao povo brasileiro: a paixo pelo futebol.
Mas de onde surgiu a idia para escrever um tema to diferente?
No incio queria escrever sobre o futebol de boto, mas encontrava
dificuldade para relacionar o tema com algum assunto da Comunicao Social.
Este problema foi solucionado no primeiro encontro com o professor Mrcio
Guerra, orientador deste trabalho. Naquela oportunidade o professor falou:
porque voc no escreve sobre as narraes ocorridas nas partidas de futebol
de boto?.
Assim surgiu o tema. Dali em diante, um difcil desafio pela frente: tentar
comprovar que o futebol de boto foi um exerccio importante na formao de
profissionais do rdio e tv. Tentar provar que o rdio, tendo o futebol como
parceiro, seduziu vrias geraes, as quais demonstravam esta seduo
atravs das narrativas nas partidas de boto.
Tema definido, veio o perodo de pesquisa atravs de livros, revistas e
sites. Neste momento comearam a aparecer as dificuldades com bibliografia.
Por ser um tema pouco estudado, muitas informaes utilizadas foram tiradas
diretamente da web, atravs de uma longa pesquisa em sites dos mais
variados estilos. Os poucos livros encontrados sobre o assunto traziam as
mesmas informaes encontradas na internet e em nenhum deles foram
encontradas citaes sobre o objeto de estudo deste trabalho.
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Depois do perodo de leitura, veio o contato com as fontes. Era final de
junho, incio de julho. Logo no primeiro e-mailenviado uma descoberta: a data
para a realizao da pesquisa no era das melhores. O Jos Silvrio est
muito atarefado e de viagem marcada para a Alemanha. Qualquer contato com
ele somente depois da Copa do Mundo respondeu Eliane Leme, assessora
de comunicao da Rdio Bandeirantes em So Paulo. Isso aconteceu com
alguns profissionais. E como se no bastasse, boa parte deles ao trmino da
Copa do Mundo entraram de frias, ficando ainda mais incomunicveis. Diante
disso, no desenvolver da pesquisa foram utilizadas fontes que eram de mais
fcil acesso.
Na redao o trabalho foi dividido em oito captulos. O primeiro conta a
origem do futebol na Inglaterra, as polmicas envolvendo qual povo foi o
verdadeiro inventor do futebol, sua chegada ao Brasil atravs de Charles Miller
e o desenvolvimento deste esporte em nosso pas.
No segundo captulo foi abordado a chegada e o desenvolvimento de
outro fenmeno de massa ao Brasil: o rdio, um invento com mais de cem anos
que permanece na vida das pessoas. Assim como no caso do futebol, tambm
no rdio encontramos polmicas relativas paternidade da criao.
No terceiro captulo, foi tratado do encontro do rdio com o futebol e a
formao desta dupla inseparvel e imbatvel. Rdio e futebol tm
aproximadamente a mesma idade (o futebol um pouquinho mais velho),
cresceram juntos e nunca mais se separaram.
No quarto captulo abordamos o que esta dupla representou dentro da
sociedade brasileira, seu envolvimento com a poltica e com a construo de
uma identidade nacional.
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Esses quatro captulos iniciais serviram para embasar a segunda parte
do trabalho. O quinto captulo marca a entrada no objeto de estudo proposto,
com a apresentao do futebol de boto, suas possveis origens, com espao
tambm para seus causos.
Em seguida, um captulo construdo com base nas entrevistas que foram
realizadas. Tudo isso para dar um bom argumento aos futuros botonistas
quando suas mes gritarem: vai estudar menino, larga estes botes que isso
no vai te levar a lugar nenhum. Eles bem que poderiam responder: - estou
treinando para ser radialista esportivo.
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2 FUTEBOL: ORIGEM E CHEGADA AO BRASIL
O futebol surgiu na Inglaterra em meados do sculo XIX. Logicamente
ele no nasceu pronto como o vemos hoje em dia. Teve que passar por
inmeras adaptaes. O rgbi j existia naquela oportunidade e era muito
popular. Todavia, era praticado principalmente com as mos e a bola era oval.
Foram os alunos da Universidade de Cambridge que tomaram a deciso de
praticar um esporte jogado com os ps e com a bola redonda.
Da mesma maneira que o rgbi foi tambm uma outra
escola muito conhecida que mais incentivou edesenvolveu o futebol. A Escola ou Universidade deCambridge. Seus alunos, por esta ou aquela razo, derampreferncia ao jogo da bola com o p. J existia a bolaredonda e o futebol era a forma de recreio dosestudantes. Logicamente que tambm era jogado emoutras parte fora de Cambridge. Nos parques e campos eoutras escolas. (SALDANHA, 1971, p. 15)
O futebol em Cambridge era praticado no ptio da escola. O nmero
determinado de jogadores parece ter surgido de forma casual e contando com
a ajuda dos diretores, que dividiam as turmas com dez alunos. Para cada uma
delas, um inspetor. Com uma mozinha do clima daquela ilha e estava
definido o nmero de participantes de cada equipe, como nos conta o jornalista
Joo Saldanha em seu livro O futebol, publicado em 1971.
A verdade que da Universidade de Cambridge partiramas principais leis e idias do futebol moderno. Porexemplo, em 1963, durante as comemoraes docentenrio de fundao da Liga Inglesa, quando muitasdiscusses se travavam em torno das coisas do futebol,juntamente com o jornalista Albert Laurence, perguntamosa um dos componentes do grupo que organizara apublicao Os Cem Anos da Liga Inglesa:Ora, o futebol filho do rgbi, mas por que o futebol
jogado onze contra onze e o rgbi por quinze de cada
lado (h tambm rgbi de treze)?O velhote respondeu:
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Existem algumas opinies a respeito e melhor nomexer muito no assunto, e acrescentou baixinho: Temosescoceses aqui presentes. E continuou: H uma razoque parece muito lgica. As classes ou turmas deCambridge eram constitudas por dez alunos. E jogavam
futebol entre si para se aquecerem nos recreios doinverno. Acontece que cada turma tinha um bedel(espcie de inspetor ou tomador de conta da turma).Como o bedel ficava sentindo frio, os rapazesdemocraticamente o convidaram para fazer parte do jogo.Da, onze contra onze. a explicao mais razovel, porque certo que as leis elaboradas em Cambridge foramas que serviram para unificar o futebol como jogo.(SALDANHA, 1971p. 16)
Os escoceses e alemes contestam a paternidade inglesa do futebol.
Mas so os italianos os mais veementes crticos quanto origem do esporte
mais popular do planeta. Para eles, a gnese deste esporte est ligada ao
sculo XV, quando em Florena era jogado um jogo semelhante ao futebol,
chamado de calccio. O assunto to polmico que at hoje o Campeonato
Italiano de Futebol chamado de Calccio.
tal a importncia do jogo italiano na histria do futebolque os italianos reivindicam ser este o verdadeiro comeodo futebol moderno. Vai a tal ponto as discussesinterminveis e sem concesses que diferentemente detodos os pases do mundo onde o jogo se chama futebol,os italianos continuam chamando de calccio. Os ingleseschamam sua organizao principal de Foot-BallAssociation. Os italianos formaram a sua FederazioniItaliana di Calccio. Os jogadores so conhecidos como
calcciattori e a imprensa, rdio, televiso, toda a literaturaenfim s fala e escreve calccio. O povo e torcida tambmno aceitam de outra maneira. Para reforar sua tese, ositalianos costumam dizer que a primeira bola vista naInglaterra foi levada pelos romanos, quando l estiveram.Esta discusso jamais ser decidida. Mas a verdade que por toda parte havia o jogo de bola. (Id., p. 09)
Todavia, o calccio de Florena estava bem mais distante do futebol de
hoje em dia do que aquele praticado em Cambridge. Assim, oficialmente, o
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futebol teve sua certido de nascimento registrada na Inglaterra, no dia 1 de
dezembro de 1863, data de criao da Liga Inglesa de futebol.
Este esporte s chegaria ao Brasil no final do sculo XIX. Fbricas de
tecelagem, construtoras de ferrovias, frigorficos, tinham inmeros funcionrios
ingleses que costumavam bater uma bolinha. Todavia, os louros da glria
pela introduo do futebol no Brasil ficaram para um brasileiro, que em outubro
de 1894 desembarcava na Estao da Luz, em So Paulo, vindo da Inglaterra
e trazendo na bagagem duas bolas de couro e equipamentos utilizados na
prtica do esporte.
Mas o grande impulsionador do nosso futebol foi CharlesMiller. Filho de um cnsul britnico de So Paulo, masnascido no Brasil, Miller era jogador hbil e profundoconhecedor das regras. Tambm apitava jogos e ningumdiscutia com ele. No pas de seu pai, chegou primeiradiviso e jogando pelo Southhampton, sendo inclusiveintegrante do selecionado do Condado de Hampshire.(SALDANHA, 1971, p. 45/46)
Charles Miller era audacioso e parecia mesmo convicto na idia de
implantar o futebol em nosso pas.
Miller tornou-se scio do So Paulo Atlhetic Club,formado por funcionrios de empresas inglesas instaladasno Brasil. Ali organizou duas equipes, que em 15 de abrilde 1895, disputaram, em So Paulo, na Vrzea doCarmo, entre as ruas do gasmetro e Santa Rosa, o
primeiro jogo realizado no Brasil segundo as regrastrazidas por ele da Inglaterra. (SOARES, 1994, p. 22)
No demoraria muito para que aquela estranha correria casse no gosto
dos brasileiros. O destino conspirou a favor da divulgao e prtica do esporte
ingls.
Alunos brasileiros do Mackenzie College viram os
ingleses do So Paulo Atlhetic Club treinando futebol (oclube e a escola so prximos). Gostaram do jogo e
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comearam a dar os primeiros chutes numa bola debasquete, trazida dos Estados Unidos pelo professorAuguste Shaw (que pretendia introduzir este esporte naescola). Vencido por seus discpulos, Auguste Shawparticipou da formao do primeiro time de futebol de
brasileiros, na Associao Atltica Mackenzie College deSo Paulo. Era o goleiro da equipe. (Idem, p. 22/23)
Outro importante nome dos primrdios do futebol no Brasil Hans
Nobiling. Nobiling chegou da Alemanha em 1897 com o objetivo de criar um
clube semelhante ao Germnia de Hamburgo, do qual havia sido jogador. Em
1899, juntamente com outros empresrios europeus, fundou o Sport Club
Internacional. Mas ele ficou magoado com a negativa de seus companheiros
em chamar o clube de Hamburgo. Dezessete dias depois da fundao do Sport
Club Internacional, Nobiling fundava o to sonhado Germnia, que mais tarde
passaria a chamar Pinheiros. Nesta altura do campeonato j era possvel
encontrar jovens chutando bola prximos Baa da Guanabara.
No Rio de Janeiro, o primeiro jogo de futebol foi realizadoem 1 de agosto de 1900, por iniciativa de Oscar Cox, queconhecera o esporte na Sua, onde estudara. Em 19 deoutubro de 1901 enfrentaram-se pela primeira vez oscombinados paulista e carioca (Ibidem, p. 23)
Assim, o futebol nasceu no Brasil. Mas ele ainda estava muito longe de
ser o fenmeno de massa de hoje em dia. Pertencia aristocracia, a qual no
tinha o objetivo de misturar-se com o restante da populao. Os negros e
mestios, por exemplo, s foram aceitos no futebol na dcada de vinte, e
mesmo assim sob protestos.
O caso mais notvel da poca aconteceu no Rio deJaneiro, com o Vasco da Gama, clube sustentado pelagrande colnia portuguesa daquela cidade. Para ocampeonato carioca de 1923, o Vasco colocou em sua
equipe principal quatro brancos analfabetos e quatronegros ou mestios (Conceio e Bolo, motoristas
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profissionais; Ceci, pintor de paredes, e Nicolino,estivador).
Jovens estudantes e executivos de empresasestrangeiras que jogavam em outros times viram commuito desagrado essa ascenso, at porque o Vasco da
Gama, com seus novos jogadores, foi o campeo daqueleano. Seus jogadores participavam dos jogos com muitomais entusiasmo e preparo atltico. Acostumados aotrabalho pesado, tinham desenvolvidos condies fsicasdifceis de serem igualadas por seus adversrios. (Ibidem,p.25).
Voltando ao incio do sculo XX, a imprensa ainda no dava bola para
o jovem esporte breto. O futebol era visto como assunto no-srio, no
cabendo a ele espao nas folhas dos dirios da poca.
Calculem os senhores que quando efetuamos o primeirojogo interestadual solicitei aos jornais de ento quedessem curso notcia do prlio realizado. Pois aresposta do Estado de S. Paulo, A Platia e o DirioPopular foi uma s: No nos interessa semelhanteassunto. (WITTER apud SOARES, P. 23)
O futebol tinha que crescer primeiro. Tinha que ficar mais popular. E
ficou, mas isso no aconteceu da noite para o dia. Alm da discriminao
racial, outras questes sociais tambm eram grande empecilho popularizao
do esporte.
Mas nosso futebol ainda era muito limitado no comeodeste sculo e fim do outro. A limitao principal estava
em que era um esporte caro. Nem outra a razo pelaqual era praticado em sua quase totalidade por gente rica.Pelos gr-finos da poca. Para se ter uma idia, as bolaseram importadas e o jogo parava quando uma seestragava. Ento, tinha que se esperar que outra fossemandada da Inglaterra. No era qualquer me quepermitia que seu filho estragasse as botinas batendo bola.E o resto do material? To difcil e inacessvel como omaterial do plo ou do golfe, esporte eminentemente paragente rica. (SOARES, 1994, P. 46/47).
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Mas como um esporte praticado inicialmente pela aristocracia se tornou
to popular? Para podermos explicar esta questo teremos que analisar
primeiro a chegada de outro fenmeno de massa ao Brasil: o rdio. Mas este
assunto para o prximo tpico deste captulo.
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3 RDIO: DA ORIGEM AO ENCONTRO COM O FUTEBOL
O ano de 1894 especialmente marcante para nosso estudo. Foi o ano
em que Charles Miller chegou ao Brasil com as bolas de futebol na bagagem.
Foi tambm o ano da primeira transmisso de som atravs de ondas de rdio,
realizada na Frana pelo fsico ingls Oliver Lodge. Lodge baseou-se nos
estudos do alemo Rudolph Hertz, o qual em 1887 descobriu a existncia
destas ondas. Hertz morreria em 1894 sem ver o sucesso que seus estudos
alcanariam.
Todavia, a histria do rdio cheia de imprecises e polmicas. Tanto
que quem entrou para a histria como o inventor do rdio foi Guglieno Marconi,
que tambm anunciou sua descoberta no ano de 1894. Mas se o assunto
polmico, no podemos deixar de falar em Luciano Klckner, que em seu livro
A Notcia na Rdio Gacha, afirma que o porto-alegrense Roberto Landell de
Moura foi o verdadeiro Padredo rdio, pois em 1893, ou seja, um ano antes
de Marconi, utilizando uma vlvula amplificadora com trs eletrodos, criada por
ele, conseguiu emitir e receber a palavra humana atravs do espao em plena
Avenida Paulista.
Se quanto origem os historiadores divergem, no que se referem
primeira transmisso radiofnica no Brasil todos concordam. Ela aconteceu em
um ano muito marcante na histria brasileira, um ano de efervescncia.
No Brasil, a data da primeira transmisso no apresentadivergncia. Todos concordam que foi em 22 de abril de1922, no dia 7 de setembro, com a transmisso dodiscurso do presidente da Repblica Epitcio da SilvaPessoa. (GUERRA, 2002, P. 14)
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A histria do futebol em nosso pas est ligada Estao da Luz, em
So Paulo, local aonde Charles Miller desembarcou com as bolas de couro. J
a histria do rdio est ligada ao Rio de Janeiro, ao Corcovado, local aonde foi
instalada a antena transmissora destinada primeira transmisso radiofnica.
No Rio de Janeiro, da Praa Paris ao Calabouo graasa uma transmissora instalada no Corcovado pelaCompanhia Telefnica Brasileira e pela WestinghouseEletric Internacional Co. a populao pode ouvir umdiscurso do primeiro locutor; quem diria, o presidenteEpitcio Pessoa. (ALMEIDA, 1989, p. 007)
Mas aps a transmisso do discurso do presidente a estrutura de rdio
utilizada foi desmontada, ficando aquela transmisso como um fato isolado na
histria e sem maiores conseqncias. Serviu apenas como marco, pois tinha
mais motivao poltica do que propriamente uma motivao maior relacionada
ao campo das comunicaes, uma vez que a maior preocupao do presidente
Epitcio Pessoa era a chegada das eleies.
Foi o chamado Ano da Ruptura, da realizao da 1Semana de Arte Moderna, o perodo em que a campanhapela sucesso de Epitcio Pessoa estava nas ruas. Deum lado, Nilo Peanha, e, de outro, Arthur Bernardes,candidato da situao. Vitria da situao, denncias defraudes, e ento o presidente Epitcio Pessoa teve quemanter pulso forte para chegar ao fim de seu mandato.Uma das formas foi promover uma grande celebrao doCentenrio da Independncia. (GUERRA, 2002, p. 14)
Antes disso, em 1919, j existia o Rdio Clube de Pernambuco. Todavia,
esta rdio no tinha objetivo de transmitir, e sim ouvir as rdios norte-
americanas WEAF e KDKA. Assim, o verdadeiro marco inicial das
transmisses radiofnicas no Brasil aconteceu sete meses aps o discurso de
Epitcio Pessoa.
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Porm, no dia 20 de abril de 1923, com o objetivo detrabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra epelo progresso do Brasil, foi inaugurada a RdioSociedade do Rio de Janeiro (atual Rdio MEC), graas iniciativa dos professores Henrique Morize e Roquete
Pinto. Todos os lares espalhados pelo imenso territriodo Brasil recebero livremente o conforto moral da cinciae da arte; a paz ser realidade entre as naes,profetizava Roquete, um idealista.(ALMEIDA, 1989, p.007)
Rapidamente as rdios se disseminaram pelo pas. Foi o perodo em
que as rdios eram mantidas por clubes ou sociedades de pessoas que
acreditavam, que eram entusiastas deste novo veculo de comunicao.
Tempos depois o rdio sairia da guarda dos clubes, sociedades e
colaboradores para cair nas mos da iniciativa privada.
Os norte-americanos estavam um pouco nossa frente no que se refere
ao desenvolvimento do rdio. Foi l o primeiro pas que o veculo se tornou
popular, atravs do rdio de galena, o qual foi patenteado em 1906 pelo
coronel norte-americano H. C. Dunwoody. Este modelo de rdio era de
fabricao caseira e era montado em caixas de charuto. Foi tambm nos
Estados Unidos que aconteceu o primeiro flerte entre o rdio e o esporte.
nesta poca que o rdio, no no Brasil, mas nos EUA,descobre seu mais novo filo. Jack Dempsey e GeorgesCarpentier, dois robustos norte-americanos, so os
personagens do primeiro evento esportivo transmitidopela radiofonia, no dia 21 de setembro de 1921: uma lutade boxe vlida pelo ttulo mundial de pesos-pesados.(Ibidem, p. 008).
No Brasil, a princpio, os veculos de comunicao mantiveram-se
afastados dos esportes. que ambos ainda estavam presos ao amadorismo e
elitismo que marcou o incio destes dois fenmenos no Brasil.
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O relacionamento entre futebol e rdio foi, a princpio, difcil. Primeiro
eles nem se conheciam pessoalmente, mas j tinham um cime danado um
do outro. Depois de se conhecerem, comearam a conversar e a se entender
melhor. Nesta poca, as rdios j divulgavam locais e resultados dos jogos.
Mas demoraria ainda algum tempo para que pudessem se tornar verdadeiros
companheiros. Mas tudo aconteceu no seu devido tempo e em 1931 efetuava-
se a maior parceria que o sculo XX teve notcia. Nem futebol nem rdio jamais
seriam os mesmos.
O rdio se expandia em todo o pas e seu futuro grandeparceiro, o futebol, tambm ia ganhando espao junto populao. J em 1930 comeava o namoro do rdiocom o futebol. Primeiro com informaes curtas sobre osresultados das partidas. Em 1931, Nicolau Tuma, daRdio Educadora Paulista, teve a responsabilidade detransformar uma partida de futebol em espetculoradiofnico. Era uma partida vlida pelo 8 CampeonatoBrasileiro de Selees. Jogo entre as selees de SoPaulo e do Paran: "Eu precisava dar a impresso aoindivduo que estivesse ouvindo com os dois fones dordio galena, que ele estaria apreciando e vendo quase, ecompletamente com sua imaginao a minha descrio(GUERRA, 2002, P. 23)
Nicolau Tuma, alm de entrar para a histria do radialismo esportivo do
Brasil como primeiro a transmitir uma partida de futebol, foi tambm o
responsvel pela criao da primeira tcnica de narrao. At hoje locutores
assemelham-se ao estilo de Tuma. Em seu livro A Bola no Ar-Rdio Esportivo
em So Paulo, Edileuza Soares confirma a importncia de Nicolau Tuma, o
speakermetralhadora, assim chamado pelo nmero de palavras que falava
por minuto, para o rdio brasileiro. Conseqentemente, acabou tambm sendo
muito importante para o futebol.
O rdio foi essencial para a transformao do futebol emesporte de massa e um importante complemento na
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definio do rdio como meio de comunicao de massa.O ponto de partida desse processo a primeira narraodetalhada de um jogo de futebol. A transmisso coube aolocutor Nicolau Tuma, da Rdio Sociedade EducadoraPaulista (primeira emissora de So Paulo, fundada em
1923), durante o VIII Campeonato Brasileiro de Futebol,em 1931. Jogaram as selees de So Paulo e doParan, no campo da Chcara da Floresta, no Bairro daPonte Grande, em So Paulo. Nesse dia, foi criada umatcnica para a transmisso direta de futebol. E teve incioa simbiose, que dura at hoje, entre radiojornalismoesportivo e este esporte. (SOARES, 1994, p. 17)
Mas ainda nesta poca o rdio era mantido pelas sociedades. No era
permitida abertamente a publicidade durante a programao, apesar da
existncia de alguns jabs. Assim, as emissoras eram financiadas, no
havendo a necessidade da busca de recursos. Com isso, a programao das
rdios era destinada a uma pequena parcela da populao, ou seja, a elite. A
autorizao da publicidade pelo governo foi um importante acontecimento para
a popularizao das rdios.
Em 1932, porm, o governo autorizou, pelo Decreto21.111, a veiculao de publicidade no rdio (embora,antes disso, as emissoras j fizessem discretamenteanncios de produtos). Tornou-se necessrio ao rdioreformular a sua programao e criar gneros para atingiro grande pblico. (Ibidem, p. 26)
O futebol foi um gnero que se encaixou perfeitamente dentro desta
nova realidade. Realidade complexa naqueles tempos. Se por um lado o
governo permitiu a publicidade, por outro, aumentou a fiscalizao na
programao das rdios. Este controle se deu, sobretudo devido agitao
poltica com a Revoluo de 30. Assim, era seguinte a situao do rdio
quando do incio da sua popularizao, conforme nos conta Edileuza Soares.
a.Um governo centralizador que restringe o radiojornalismopela inibio a qualquer desvio da orientao oficial,
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mediante o controle das concesses.(...) b.Um meio dedivulgao o rdio que precisa se transformar numveculo de massa para conseguir anncios de empresas.c.Um esporte de massa, o futebol, com jogadoresprofissionais e clubes que, para sustentar os novos gastos,
necessitam de jogos com grandes pblicos pagantes.O rdio esportivo tem os requisitos para atender estas trsdemandas: informativo sem se envolver com a poltica dogoverno; conquistou o pblico e, em conseqncia, osanunciantes; mantinha, nesses ouvintes o interesse pelofutebol. (Id. p. 09).
Ento, rdio e futebol se encontraram para nunca mais se separarem.
Os dois se encaixaram de maneira to perfeita que at hoje ainda no
conseguimos definir o limite de um e de outro. Uma associao que a
matemtica no consegue explicar: um mais um d bem mais que dois. Ambos
afetaram de forma marcante a populao brasileira, encontrando na nossa
sociedade elementos que permitiram o engrandecimento desta unio, da qual
originou um dos traos mais marcantes da cultura brasileira. Mas isso o
assunto para os prximos tpicos.
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4 RDIO E FUTEBOL: UMA DUPLA IRRESISTVEL
Ver um jogo de futebol no estdio muito diferente de assisti-lo pela TV.
Como completamente diferente de ouvi-lo pelo rdio. Ouvir uma partida de
futebol pelo rdio um exerccio para a imaginao. Os narradores so
contadores de histrias. Eles descrevem o que esto vendo e com estas
palavras o ouvinte consegue formar imagens mentais do que esta sendo
narrado e acaba por se transportar para o local do jogo: um jogo imaginrio
diferente em sensaes e cores em cada mente.
Os locutores esportivos recorrem as mais diversasestratgias para concretizar a seduo junto aostorcedores. Seja atravs de uma linguagem estereotipada,de uma associao do jogo guerra, de adjetivaes que,ao contrrio do que sempre se apregoou entre oscomunicadores sociais, nada tem de pobre ou banal.Atravs de uma retrica de amplificaes, o narradorconvida o ouvinte a fazer parte do espetculo. Ele partede todo processo de transmisso. O narrador d um novosentido metfora tradicional. Logo, o torcedor adotaesse novo significado e passa a repeti-lo exausto. Ouso da retrica estimula a visualizao do jogo e abreespao para a fantasia e o sonho do espetculo".(ALMEIDA apud GUERRA, 2006, p. 54)
O surgimento da imagem num veculo de comunicao indicava para o
fim do rdio. Por que ouvir uma partida se poderamos assisti-la, vendo todos
os lances? Porm, as partidas na TV tiraram algo do torcedor que o rdioexplorava muito bem: a capacidade de imaginao.
O rdio tem um espao da criao junto imaginao dosouvintes. Essa riqueza da comunicao perde foraexatamente quando a sociedade deixa de ser narrativapara ser figurativa e ilustrativa com o surgimento dateleviso. Porque a TV passa a transmitir de uma formadireta, sob os mais diversos ngulos, onde otelespectador v a jogada, literalmente, sob os mais
diversos pontos de vista. Ao eliminar essa narrativaradiofnica, elimina-se o mito para se ter em seu lugar o
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dolo, que projeo de uma imagem. (GUERRA, 2006,p. 60)
Alm disso, assistir um jogo pela TV em vez de ouvi-lo pelo rdio
priorizar a viso em detrimento da audio. Lgico que as partidas da TV so
narradas, mas no exatamente como no rdio. A TV ainda procura sua
identidade de narrao, visto que narrar o que se est vendo acaba sendo
redundante.
A audio, pelo contrrio, provoca uma integrao entre apercepo do ambiente e auto-percepo ouve-se a si
prprio e ao entorno, num nico cenrio auditivo. Aaudio mais interativa, por no isolar, espacialmente, osujeito do objeto da percepo. Percebemos o visto comoalgo externo ao corpo, enquanto o que ouvimos ressoadentro de ns. (MEDITSCH apud GUERRA, 2006, p. 68)
A voz uma grande aliada nesta predominncia da audio como
sentido, como destaca Roland Barthes.
A voz humana , com efeito, o lugar privilegiado (eidtico)da diferena: um lugar que escapa a toda cincia, poisno h nenhuma cincia que esgote a voz; classifiquem,comentem historicamente, sociologicamente,esteticamente, tecnicamente a msica, haver sempre umresto, um suplemento, um lapsus, um no dito que sedesigna ele prprio: a voz. Este objeto sempre diferente colocado pela psicanlise na prateleira dos objetos dodesejo... Toda a relao com uma voz forosamenteamorosa. (BARTHES apud GUERRA, 2006, p. 58)
Assim, com sua voz que ressoa dentro do corpo do ouvinte, o locutor de
futebol narra muito mais do que s o jogo.
As metforas, metonmias, hiprboles, onomatopias,concretizadas nos bordes, transformaram-se emrecursos estilsticos, que do forma narrao,permitindo ao ouvinte visualizar o campo de disputa e osjogadores. Ao contrrio do que se possa pensar, o rdio
um meio essencialmente visual. Os olhos constituem aimaginao do ouvinte, o que aumenta a polissemia
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interpretativa. Uma imagem em cada mente. Aenunciao - como ato de produo de um texto consiste na busca constante da emoo atravs depolarizaes como sucesso e fracasso, fortuna e falncia,amor e dio, glria e decadncia, virtuosismo e
incompetncia. (ABREU apud GUERRA, 2006, p. 81)
O narrador narra um espetculo que se passa distncia, mas que ao
mesmo tempo est muito perto, dentro de nossa cabea, em nossa
imaginao. Tudo que o locutor de rdio fala verdade, cabendo a ns,
ouvintes, criarmos o jogo em nossa mente.
Sempre achei que o futebol perdeu muito, em fantasia,depois que apareceu a televiso, aplacando no torcedor acapacidade de sonhar cada drible, cada passe, cadachute, cada gol. Graas a Deus, o rdio me pegava pelamo e me transportava aos campos de futebol na minhautopia. Abenoado o rdio que me nutriu de tantosdevaneios recolhidos nas tramas da grande rea.(SILVEIRA apud GUERRA, 2006, p. 56)
Assim como ouvir um jogo no rdio depende de nossa imaginao,
imaginamos sempre que nosso time est jogando melhor quando ouvimos as
transmisses radiofnicas. Os locutores tambm tm certa culpa nisto. Afinal,
um simples chute a gol que no levou perigo ao goleiro passa a ser um chute
perigoso que passou rente trave. Isso acontece pelo fato das narraes
esportivas no rdio celebrarem um duplo encontro da criatividade: a
capacidade imaginativa de nosso povo, sempre sonhador, com a criatividade
de nossos profissionais de rdio, nicos no mundo.
Levei anos, desde o tempo da TV Tupi, fazendo testes ecomparaes, tudo dentro da mais rigorosa iseno, deforma que agora posso afirmar, sem qualquer dvida, queos nossos times de futebol jogam melhor no rdio do quena televiso. que os locutores das rdios vem tudo,mas tudo mesmo, o que no acontece com os locutores e
comentaristas da televiso. (NOGUEIRA apud GUERRA,2006, p. 56)
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Os narradores portugueses tambm tm sua criatividade. No livro
golo p! as narraes em Portugal so estudadas e traduzidas para o
brasileirs.
Fbio ajudou a tapar os caminhos da baliza, durante aprimeira parte mas nunca revelou fora para servir de elode ligao entre os mdios e os avanados. Ficou nosbalnerios aquando do intervalo. Fbio ajudou a fechara defesa, a fechar os caminhos do gol durante o primeirotempo, mas no teve flego para fazer a ligao entre omeio campo e o ataque. Ficou nos balnerios aquandodo intervalo significa, simplesmente, foi substitudo, foi
pro chuveiro no intervalo. (ROBERTO E BOGO, 1999, p.13)
O rdio enquanto veculo de comunicao est mais junto do povo.
mais gil que os outros veculos. Apresenta uma linguagem mais coloquial que
a tv. o veculo mais presente em ambientes de trabalho, uma vez que
possvel desempenhar o trabalho ouvindo o rdio. Quando sai um gol, por
exemplo, enquanto voc est trabalhando, a expectativa fica enorme enquanto
o locutor estende o grito de gol, uma vez que voc ainda no tem a certeza
sobre quem assinalou o tento, visto que estava mais concentrado em outra
atividade. Mas s escutar o grito de gol que o ouvido passa a ficar mais
atento e ansioso. que o gol um momento mgico. A ansiedade s passa
quando o grito encerrado e o locutor confirma o autor do gol. Em seguida,
euforia ou tristeza. E sem parar de trabalhar.
Outro elemento das transmisses esportivas que causa grande
expectativa o sinal sonoro para indicar o placar. O primeiro a utilizar tais
sinais foi Ary Barroso, grande nome da msica popular brasileira. Mas no
que o autor de Aquarela do Brasil tambm tem grande reconhecimento na
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histria do rdio e do radialismo esportivo em nosso pas. A gaitinha do Ary
Barroso era tocada toda vez que saia um gol, causando o mesmo sentimento
de expectativa do grito prolongado de outros narradores. Ainda hoje esses
sinais sonoros que do mais cor s transmisses esportivas so amplamente
utilizados. Tambm so muito utilizados em vinhetas que anunciam o tempo e
o placar.
O rdio est muito mais presente no quotidiano das pessoas. Numa
partida de futebol, por exemplo, antes, durante e depois do jogo so noticiadas
informaes sobre o trnsito. Indo para o jogo, ouvindo o rdio de dentro do
seu carro, voc recebe informaes sobre o melhor percurso para chegar ao
estdio. Na hora de ir embora acontece o mesmo. Durante toda a
programao, os profissionais do rdio tambm esto em contato com a polcia
para saber informaes sobre confuses, acidentes de trnsito ou qualquer
outra informao relevante.
O rdio informa e diverte. Notcias ao lado do entretenimento. Assim, o
humor tambm tem espao dentro das transmisses. As transmisses so
divertidas. Quando um jogador tem uma atuao ruim e ainda faz uma jogada
feia, a equipe que trabalha na transmisso no perdoa, e este pobre vtima
de gozaes, assim como ocorreria se o ouvinte estivesse vendo somente com
os olhos. Jos Carlos Arajo, o Garotinho, escolhe em todo jogo a baranga do
jogo, ou seja, o pior em campo durante o desenrolar da disputa.
No que se refere linguagem utilizada no rdio, ela bem mais
coloquial do que a utilizada em TV ou impresso. Nas transmisses esportivas
essa linguagem se aproxima ainda mais da forma utilizada no dia a dia da
populao, o que deixa o ouvinte mais vontade, uma vez que aquele jeito de
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falar faz parte do seu ambiente. Os locutores introduzem termos nas narraes
retirados da fala do povo. Tambm acontece o inverso. Locutores criam
expresses que caem no gosto da populao. Jogadores tambm tm este
poder.
As expresses so uma criao dos jogadores e daimprensa. Romrio criou, por exemplo, a expressopeixe para chamar algum companheiro, mas foram osjornalistas esportivos que, influenciados pela LigaProfissional de Basquete dos Estados Unidos (NBA),inventaram o termo assistncia, para o jogador que d opasse para o outro marcar o gol diz AntnioNascimento, editor de Esporte do jornal "O Globo.
(HIDALGO, 2006, p. 10)
Assim, podemos perceber que essa forma de linguagem utilizada no
rdio utiliza uma via de mo dupla no contato com o ouvinte: tanto copia
expresses da populao, como inserem novos termos que acabam caindo no
gosto geral. Mais uma vez, dupla criatividade. Roberto DaMatta diz que nosso
futebol uma forma de mostrar quem somos. Com o rdio acontece a mesma
coisa. Parafraseando DaMatta, o rdio praticado, vivido, discutido e teorizado
no Brasil seria um modo especfico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade
brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto, descobrir. No
prximo captulo veremos que o termo rdio utilizado entre aspas acima, na
verdade, na citao de Damatta, o termo utilizado futebol.Terminamos este captulo com a citao de Mauro de Salles Villar,
diretor do Instituto Houaiss de Lexicografia, em entrevista Revista Lngua,
que nos d uma importante contribuio acerca da absoro de termos
utilizados no futebol ou em suas transmisses pela lngua geral.
A integrao de terminologia e linguagem informal na
lngua geral tem padres difceis de se estabelecer, masuma coisa tem em comum a importncia do universo
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daquele termo na vida de quem usa a lngua. Nos sculos15 e 16, um bom nmero de vocbulos e expresses damarinha passaram da terminologia dessa atividade para ochamado nvel zero da lngua geral: foi o perodo daexpanso martima portuguesa, com grande peso social e
econmico. O nmero de palavras do futebol bastantemenor que aquele, mas ocorre pelos mesmos processosque vivem abertos na lngua: a linguagem por extenso, afigurada, a metfora, a sindoque etc. (HIDALGO, 2006,p. 11)
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5 RDIO E FUTEBOL E A SOCIEDADE BRASILEIRA
No segundo captulo deste trabalho falamos da origem do futebol, como
ele surgiu, como veio parar no Brasil e como comeou a ser praticado em
nosso pas. No captulo seguinte, demos destaque origem do rdio, seu
desenvolvimento e seu encontro com o futebol. J no quarto captulo,
demonstramos como a dupla futebol e rdio afetou o ouvinte e toda
sociedade brasileira. Antes de entrarmos no objeto de estudo deste trabalho,
uma breve noo sobre o qu este fenmeno acabou se tornando dentro da
sociedade brasileira.
Com o rdio ao seu lado, o futebol se tornou espetculo. Um verdadeiro
show. As partidas passaram a ser ouvidas por dezenas de milhares de
ouvintes. Com o passar dos anos, os grandes jogadores assumiram auras de
verdadeiros semi-deuses. neste sentido que estes heris modernos dialogam
com a questo dos rituais das antigas sociedades mticas. Mas o que o mito?
[...] o mito conta uma histria sagrada; ele relata umacontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempofabuloso do princpio. Em outros termos, o mito narracomo, graas a faanhas dos Entes Sobrenaturais, umarealidade passou a existir [...]. sempre, portanto, anarrativa de uma criao: Ele relata de que modo algofoi produzido e comeou a ser. O mito fala apenas do querealmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os
personagens dos mitos so os Entes Sobrenaturais.(ELIADE, 1972, p. 11)
Os mitos so narrativas que celebram um pacto com a comunidade. Eles
so fundamentais na estruturao de determinada sociedade. Mas para que
possam ser revividos, precisam ser continuamente rememorados. Esta
rememorizao feita atravs do rito, que a forma de fazer que o mito, a
narrativa, se torne ao. So estes rituais que guardam caractersticas comuns
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com os espetculos esportivos de hoje em dia, uma vez que nestes
espetculos, uma pessoa de origem simples, atravs do seu prprio esforo,
da sua luta, tem a oportunidade de transcender a um patamar de existncia
superior.
Toda sociedade tem a necessidade de transcendncia.Essa transcendncia de tornar um homem comum em umhomem diferente a que proporciona o surgimento detoda legio de deuses, de heris e super-heris. O mito justamente o elemento de transcendncia. E para que eleexista necessrio que exista o rito, que a suacelebrao, a narrativa mtica. um elemento que temque passar por vida, paixo, morte, lamento e
ressurreio. (GUERRA, 2006, p. 57)
O mito apresenta algumas funes. A primeira de integrao: integrar
a comunidade. A segunda funo de dominao: explica quem governa,
quem d as ordens. J a terceira funo uma deformao do mito, assim
como a segunda, mas de forma mais acentuada, uma vez que o prprio mito
acaba sendo simulado. Neste ponto que surgem nossos mitos esportivos, os
mitos criados pela mdia. Eles at possuem certas qualidades que poderiam vir
a torn-los mitos. Contudo, a mdia que impulsiona essa transcendncia. Mas
j no o mesmo mito das sociedades sagradas.
[...] mesmo com a runa do mito clssico, o mito assumiuoutras formas de se comunicar com o homem moderno.
Mesmo com todo avano tecnolgico, eles ainda tmlugar no mundo contemporneo. Eles se proliferamconvivendo conosco na imprensa e em outros meios decomunicao de massa: cinema, msica, televiso, rdio,livros e esporte, invadindo o imaginrio humano,alimentando e dando respostas como h centenas deanos atrs. Os mitos ainda estimulam o fascnio do serhumano pelo desconhecido e pelo fantstico.(MOSTARO, 2005, p. 12)
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Assim surgem os nossos mitos modernos, como Garrincha, como Pel e
como Carmem Miranda. Todavia, os mitos relacionados aos esportes se
diferenciam daqueles relacionados com o cinema ou com a msica, entre
outros. Estes ltimos so as celebridades. Chegaram a este status quase que
exclusivamente pela atuao da mdia. J os mitos originrios das atividades
esportivas assemelham-se a heris.
De sada, uma diferena bsica entre dolos do esporte ede outros universos, como a msica e a dramaturgia, semostrou reveladora. Enquanto os primeirosfrequentemente possuem caractersticas que os
transformam em heris, os do outro universo raramentepossuem estas qualidades. A explicao para este fatoreside no aspecto agonstico, de luta, inerente ao universodo esporte. O sucesso de um atleta depende dofracasso do seu oponente. (...) enquanto os primeirovivem somente para si, os heris devem agir para redimira sociedade. (HELAL, 2001, p. 1)
A dupla composta por futebol e rdio acabou assumindo caractersticas
mticas e criando seus mitos. O mito precisa ser repetido de tempos em
tempos para que possamos nos lembrar de onde viemos, de certos
ensinamentos. O futebol talvez at tenha sido o grande mito fundador do povo
brasileiro. Um povo formado por inmeras etnias, com diferentes
manifestaes culturais, que se une de quatro em quatro anos nas Copas do
Mundo. quando aflora o verdadeiro sentimento de pertencimento das vriasindividualidades e coletividades presentes em nosso pas. Somos o Brasil, o
pas do futebol. Assim como no carnaval, que dura apenas quatro dias, no
futebol todos so iguais.
O futebol considerado uma religio. Seu aspecto mticocontribui para que na nossa sociedade profana, ele seja oaltar onde o indivduo vai realizar sua vontade de
transcendncia como em uma sociedade sagrada. como uma vlvula de escape, suas tristezas do dia a dia
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so esquecidas quando o seu time do corao ou aseleo do seu pas entra em campo. Atravs do jogo,pases subdesenvolvidos e pobres se igualam aodesenvolvidos e ricos. Quando est assistindo um jogo, otorcedor se aliena, se transporta para um outro mundo,
cria no heri que est dentro de campo seu sucesso, como se ele tivesse vencido. Dessa forma o dolo gerauma relao de afinidade com o espectador ou torcedor,sendo sua presena no jogo, decisiva para o sucesso doespetculo. (MOSTARO, 2005, p. 17)
O brasileiro joga junto com seu time. As vitrias nos gramados, so
vitrias na vida. As noes de garra, vontade, determinao, so ensinamentos
para todos os campos de atuaes do cotidiano. So ensinamentos que so
passados de forma ritualizada. Nosso futebol est diretamente ligado ao jeito
de ser do brasileiro. O socilogo Roberto DaMatta tem uma viso significativa
sobre o assunto.
Estudando o futebol e o esporte como um drama,pretendo analisar essas atividades como modosprivilegiados atravs dos quais a sociedade se deixaperceber ou ler por seus membros. Neste sentido sigode perto aquela conhecida e profunda reflexo de CliffordGeertz (1973), segundo a qual o rito (e o drama), seria umdeterminado ngulo de onde uma dada populao contauma histria de si para si prpria. O futebol praticado,vivido, discutido e teorizado no Brasil seria um modoespecfico, entre tantos outros, pelo qual a sociedadebrasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se,portanto, descobrir. (DaMatta, 1982, P. 21)
Mas no todo mundo que pensa desta maneira. Durante muito tempo
a intelectualidade brasileira atribuiu ao futebol o epteto de pio do Povo. Na
monografia Garrincha: o mito que a mdia no soube explorar, o jornalista
Filipe Mostaro diz que o torcedor se aliena, se transporta para um outro
mundo[...] O termo aliena muito bem empregado entre aspas. Para as
pessoas que diferentemente de Mostaro acreditam que o futebol realmente
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um fator de alienao, do casamento entre futebol e rdio teria nascido um
grande monstro, um instrumento para controlar as aes populares e manter o
povo distrado dos assuntos pelos quais primeiramente deveria se preocupar.
Ou seja, o futebol enquanto esporte de massa teria tornado-se num
instrumento do governo, seja ele ditadura, militar ou no, ou qualquer outro tipo
de governo que pretenda desviar a ateno do povo de determinado assunto.
At hoje escutamos falar que muita coincidncia que as eleies para a
presidncia do Brasil aconteam de quatro em quatro anos, juntamente com as
Copas do Mundo. Roberto DaMatta explica melhor esta viso em que o futebol
aparece como pio do Povo.
De acordo com esta tese utilitarista, se o futebol existesocialmente como uma instituio importante, porqueele deve estar desempenhando um certo papel social bemdeterminado em relao sociedade. No caso, o seupapel desviar a ateno e mistificar o povo. Ou seja, squem sabe o real papel do futebol na sociedade brasileira a camada dominante (que o utiliza como pio dasmassas) e os crticos da sociedade. A massa permanecena escurido de sua idiotice crnica, incapaz de perceberseu sistemtico engano. (DaMatta, 1982, p.22).
Certo que essa teoria no mnimo simplista. Lembra at a teoria das
agulhas hipodrmicas ou balas mgicas to estudadas nas disciplinas que
abrangem as teorias da comunicao. Mais uma vez Roberto DaMatta nos d
uma importante contribuio acerca do futebol no Brasil.
O esporte faz parte da sociedade, tanto quanto asociedade tambm faz parte do esporte. Impossvelcompreender-se uma atividade (ou um plano deatividades), sem referncia totalidade na qual estinserida. Esporte e sociedade so como as duas faces deuma mesma moeda e no como o telhado em relao aosalicerces da casa. Suas relaes no so deestratificao, como j disse Geertz (1973: 46), mas
relaes expressivas, dramticas, onde comeo e fim serebatem um no outro; onde as regras, como veremos
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mais adiante, transformam-se em atores. Pois asociedade se revela tanto pelo trabalho, quanto peloesporte, religio, rituais e poltica. Cada uma destasesferas uma espcie de filtro ou operador, atravs doqual a ordem social de faz e refaz, inverte-se e reafirma-
se, num jogo bsico para sua prpria percepo enquantouma totalidade significativa. A tese do esporte comoatividade derivativa deve ser substituda por umaperspectiva capaz de tomar o social como um fenmenototal e, ao mesmo tempo, especfico. Que no precisa serreduzido a nenhuma lgica prtica, de tipo real ouutilitrio. O mundo no comeou com os homensbuscando comida e realizando guerras. O impulsoprimordial, se que se pode falar nisso, foi dado tantopelo corpo, quanto pelo esprito. Se me for permitidoparafrasear Lvi-Strauss, diria que o primeiro dardo no
foi somente bom para matar, mas tambm para divertir,decorar e pensar. (DaMatta, p. 23 e24)
J vimos que reduzir o futebol a pio do Povo ser simplista demais.
Mas que ele guardou e ainda guarda relao estreita com a poltica, no h
como negar. O futebol est relacionado diretamente com a identidade nacional,
o que chama a ateno de polticos e governos. E essa identidade nacional
que o futebol acabou por desenvolver foi impulsionada em diferentes perodos
de nossa histria.
No incio do sculo passado, o pas passava por grandes modificaes
estruturais. Os imigrantes chagavam a todo instante da Europa. Mas nosso
setor produtivo ainda guardava resqucios do perodo escravagista. A presso
do capital internacional apontava para um caminho sem volta. Nosso incipiente
futebol tambm estava inserido neste processo.
Nesse sentido, vivenciando a sociedade brasileira umaforte tenso externa as presses do capital internacionalque impunha profundas mudanas na economia einterna os conflitos do recm instalado mercado detrabalho livre a necessidade de um reordenamento geralde todo o tecido social, colocava o futebol como parte do
processo modernizador. (RIBEIRO, 2003, p. 02)
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Apesar de fazer parte deste processo modernizador, o futebol ainda no
havia sido descoberto pelos polticos e governantes. Como j vimos
anteriormente, neste perodo o futebol ainda no havia se encontrado com o
rdio e outras mdias. E tambm no havia se encontrado com a amante
interesseira que mais tarde tentaria explor-lo: a poltica.
Assim, apesar de inteno disciplinadora, ao longo dastrs primeiras dcadas do sculo XX, houve poucainterveno direta do Estado no esporte. somente apartir do final dos anos vinte, e principalmente nos anostrinta, que se produz um discurso centralizador e se
objetiva uma forma mais atuante do Estado em relao sorganizaes esportivas. Pelo menos dois fatorescontriburam para essa mudana: a fragilizao da atento hegemnica poltica oligrquico-cafeeira e doliberalismo republicano, e a crescente popularizao dofutebol. (RIBEIRO, 2003, p. 02)
J no perodo que compreende a ditadura de Getlio Vargas, entre 1937
e 1945, as coisas comeam a mudar e o futebol passa a ser visto como um
instrumento para modificar os paradigmas sociais do perodo anterior. Nada
melhor do que o futebol, um esporte que nesta poca j era um fenmeno de
massa, transmitido pelo rdio, divulgado nos impressos, para aproximar um
ditador do seu principal alvo: a populao.
nesse processo que se inscreve tambm o futebol.
Caracterizado j nos anos 30/40 como um fenmenopopular e de massa, o futebol assim como as atividadesesportivas em geral passou a ser visto pelas elitesgovernantes como um componente fundamental a seratingido na sua cruzada disciplinadora. Ela j se inicia em1933, com o governo criando a profisso de jogador defutebol e obrigando como todo trabalhador assalariado a sua sindicalizao. Na verdade, a profissionalizao dojogador de futebol correspondia a um movimento culturale poltico mais amplo, envolvendo tanto os interesses dedisciplina social do Estado, a dinmica especfica do
futebol, quanto um clima natural, que perpassava toda
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sociedade, de produo de uma identidade nacional forte.(RIBEIRO, 2003, p. 03)
Esta nova identidade nacional difere da proposta pelas elites no incio do
sculo XX. O futebol era amador e negros, ndios e mulatos eram proibidos de
participar. A profissionalizao do futebol, alm de regulamentar a participao
de todas as etnias, mais uma vez tira o poder daquelas antigas e decadentes
elites, que defendiam o amadorismo. neste perodo que o futebol comea a
fazer parte da construo da nova identidade nacional.
Apesar da resistncia de alguns segmentos maisconservadores, o crescimento da ideologia da construode uma identidade de povo e de nao, fundada noimaginrio do mulato, colabora para a profissionalizao.A influncia negra e indgena, que no incio do sculo eraconsiderada a negao na identidade Brasil, agora vistacomo um fundamento de uma ideologia nacional, abrasilidade. (RIBEIRO, 2003, p. 04)
Mais do que participar do futebol, os negros e mulatos acabaram por dar
a verdadeira cara para o futebol brasileiro, e, consequentemente, para o
prprio Brasil. Gilberto Freyre em 1945 estabelece a seguinte relao entre o
futebol e a construo da identidade nacional.
Acaba de se definir de maneira inconfundvel um estilobrasileiro de futebol, e esse estilo uma expresso amais do nosso mulatismo gil em assimilar, dominar,
amolecer em dana, curvas ou em msicas, as tcnicaseuropias ou norte-americanas mais angulosas para onosso gosto: sejam elas de jogo ou de arquitetura. Porque um mulatismo o nosso psicologicamente, ser brasileiro ser mulato inimigo do formalismo apolneo sendodionisaco a seu jeito o grande feito mulato. (FREYRE,1945, p. 432)
Freyre vai alm, e relaciona o estilo de jogar futebol brasileiro com nossa
prpria sociedade, assim como Roberto DaMatta.
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O mesmo estilo de jogar futebol parece contrastar com odos europeus por um conjunto de qualidades de surpresa,de manha, de astcia, de ligeireza e ao mesmo tempo debrilho e de espontaneidade individual em que se exprimeo mesmo mulatismo de que Nilo Peanha foi at hoje a
melhor afirmao na arte poltica. Os nossos passes, osnossos pitus, os nossos despistamentos, os nossosfloreios com a bola, ou alguma coisa de dana ecapoeiragem que marcam o estilo brasileiro de jogarfutebol, que arredonda e s vezes adoa o jogoinventado pelos ingleses e por eles e por outros europeusjogado to angulosamente, tudo isso parece exprimir demodo interessantssimo para os psiclogos e ossocilogos o mulatismo flamboyant e, ao mesmo tempo,malandro que est hoje em tudo que afirmaoverdadeira do Brasil. (Ibidem, p. 421/2)
Todavia, todas essas habilidades, todo esse mulatismo, tinham que ser
disciplinados para que pudessem atingir o seu potencial mximo. Assim
pensava o governo. No s em relao ao futebol. No perodo da ditadura de
Getlio Vargas, houve uma tentativa de disciplinar toda sociedade brasileira, e
o futebol, como outros esportes, no poderia ficar de fora disso. Nem o futebol,
tampouco o rdio, que, como j vimos, teve permitida a publicidade, mas
censurada sua programao.
com esse esprito que foi criado em 1941 o ConselhoNacional de Desportos. Inscrito na cultura poltica doestado autoritrio varguista, o CND visava todo oordenamento desportivo, em especial o futebol que viviauma transio tensa do amadorismo para o
profissionalismo e ganhava cada vez mais importnciapoltica, enquanto manifestao popular e de massa.(RIBEIRO, 2003, p. 04)
No perodo poltico seguinte era Vargas no aconteceu nenhuma
grande mudana na forma de encarar o futebol. Mesmo no perodo da ditadura
militar, nada foi modificado. Ainda conforme Ribeiro, os militares se
apropriaram de uma tradio elitista e autoritria da cultura poltica brasileira e
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acabaram por privilegiar interesses de setores hegemnicos. A prpria falta de
transparncia no futebol brasileiro acabou fazendo com qu, atravs de seus
cartolas, o mesmo acabasse por se tornar aliado do poder, uma vez que era de
interesse dos dirigentes que a imprensa ou qualquer setor que questionasse
essa falta de transparncia em questo fosse controlada.
Os militares at tentaram utilizar o futebol comopropaganda poltica. Slogans como ningum segura estepas, lanado na Copa de 70, eram comuns. Mas no to fcil utilizar politicamente o futebol.De qualquer modo, independente dos esforos polticos,os resultados do selecionado brasileiro no
necessariamente corresponderam s expectativaspolticas do regime. Das cinco Copas do Mundodisputadas entre 1964 e 1985, apenas na de 1970 oselecionado foi vitorioso, conquistando o tricampeonatomundial. A concluso bvia e salutar: apesar de todaestrutura de controle que havia, visando obter resultadosque interessariam ser explorados politicamente, o jogopreservou sua autonomia. (RIBEIRO, 2003, p. 06)
Os maus resultados nas Copas de 74 e 78, associados ao esgotamento
do milagre econmico dos militares, acabaram pondo em cheque o
mulatismo que outrora era visto como fator de identidade nacional. A
habilidade individual deveria ser posta de lado em prol do conjunto. Mais uma
vez o futebol daria exemplo para toda sociedade.
Assim diferentemente dos anos trinta a sessenta
principalmente com as conquistas de dois campeonatosmundiais de futebol agora a emancipao e aconsolidao da identidade nacional no se encontravamais na propalada no mulatismo, mas no seu oposto. Obrilho individual deveria dar lugar racionalidade e aorganizao. Tais temas passaram a ser associados anossa maturidade como nao. (GIL apud RIBEIRO,2003, p. 07)
Na dcada de oitenta tem incio a redemocratizao do pas.
Paralelamente a este fenmeno, ocorreu a democracia corinthiana, que neste
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perodo de abertura poltica era uma forma de os jogadores daquele clube dar
um basta ao modelo de disciplina militar implantado anteriormente. Eram os
prprios jogadores quem decidiam, atravs do voto, as decises que outrora
ficariam a cargo de dirigentes.
Na dcada de 90 o futebol comea e se globalizar, acompanhando a
ideologia neoliberal. Esta globalizao exps a fragilidade das instituies
brasileiras ligadas ao futebol, sobretudo os clubes, erigidos sob uma tradio
elitista e autoritria.
Assim, desde os anos 30 que o futebol se relaciona com a poltica.
Tentamos mostrar como o poder, nos principais perodos polticos do sculo
passado, dialogou com este esporte de massa. Mas jamais conseguiu control-
lo. Ribeiro nos d esta importante contribuio.
O que se observa, nessa trajetria do sculo XX, opapel fundamental que o futebol teve na construo daidentidade nacional brasileira, na medida em que foi setransformando numa paixo nacional, compondo demaneira significativa o mosaico da cultura polticanacional. Assim como o carnaval e o samba, o futebol um dos patrimnios culturais brasileiros.O estudo desses movimentos culturais revela como apoltica de construo e legitimao de uma identidadenacional dialoga com eles. Percebe-se uma relao tensa,na medida em que h manifestaes explcitas demanipulao poltica do futebol, procurando usar a suafora emocional como forma de dar legitimidade a
determinadas aes polticas. Ao mesmo tempo, o futebolguarda sua autonomia, pois a sua fora emocional epsicolgica depende muito mais dos dribles individuais doque da vontade poltica. ( RIBEIRO, 2003, p. 08)
E assim o futebol se incorporou sociedade brasileira. Hoje ele est to
atrelado a ela que difcil imaginar o Brasil sem o futebol. Mas ele teve que
lutar por isso. Teve que lutar para que fosse democratizado. Teve que lutar
para no ser um mero instrumento de manipulao. Essa luta acabou por
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tornar o prprio futebol brasileiro num mito. Este esporte tornou-se um
fenmeno extenso demais para torn-lo num mero instrumento poltico. Pelo
contrrio, ele acabou por desempenhar o prprio papel do governo quando
educa, diverte, integra, ensina regras que devem ser obedecidas e at permite
certa mobilidade social. O futebol ensina cidadania. Est ao lado da nossa arte,
da nossa msica. A rivalidade entre bairros, entre cidades ou qualquer outro
tipo de grupo pode ser resolvida dentro das quatro linhas. E quem perde no se
sente alijado, mesmo que derrotado, uma vez que existe sempre a
possibilidade de vencer na prxima partida, diferentemente da guerra.
Para tal, teve ao seu lado, desde que se conheceram nos anos vinte e
trinta, o rdio, que fez do futebol o fenmeno de massa que ele .
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6 NASCE O FUTEBOL DE BOTO
O encontro entre futebol e rdio, como j vimos, acabou criando um
fenmeno extremamente marcante dentro da sociedade brasileira. Ajudando-se
mutuamente, ambos se beneficiaram deste encontro. Parece que se um ou
outro no existisse, nem o futebol nem o rdio seriam fenmenos to
populares.
Coincidncia ou no, estudos apontam que o futebol de boto foi criado
no final da dcada de 20 e incio da de 30, no Rio de Janeiro, por Geraldo
Dcourt, no mesmo perodo em que o rdio encontrou-se com o futebol.
Dcourt trouxe para uma mesa, tablado ou mesmo cho, as emoes de uma
partida de futebol simulando o campo de jogo, os jogadores e a bola.
Tudo indica que o boto brasileiro e foi introduzido noPar. Ganhou notoriedade quando chegou ao Rio deJaneiro e caiu nas mos do publicitrio Geraldo CardosoDcourt (...) no final da dcada de 20. Ele teria sido aprimeira pessoa a fazer um livro com as regras oficiais eera um dos primeiros praticantes no pas, quando comapenas 19 anos de idade deu ao jogo o nome de Celotex,produto feito de bagao de cana-de-acar e usado napoca para a confeco das mesas. (FINELLI, 2006).
Antes de escrever o livro com as regras do futebol de boto,
Dcourt tambm desenvolveu esta modalidade ldica ao lado de seus amigosdo colgio Aldridge, em Niteri.
Oficialmente, no entanto, considera-se que o futebol demesa foi criado no Brasil entre 1922 e 1929 por GeraldoCardoso Dcourt, estudante do Colgio Aldridge, emNiteri. O jogo chamava-se Celotex, porque jogado emmesas feitas a partir desse material, empregado naconstruo de divisrias. A garotada usava botes quearrancava de seus uniformes de colgio, e era comum
que andassem pelo Aldridge segurando as calas. O que,evidentemente, levou a direo da escola a proibir a
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prtica em suas dependncias. Em 1930, Dcourtpublicou o primeiro livro sobre as regras do novo esporte.O criador do jogo de boto teve o dia de seu nascimento,14 de fevereiro, oficializado em 2001 pelo entogovernador Geraldo Alckimin como dia do botonista.
(BARRETO, 2006, p. 33)
Todavia, existem outras correntes que relacionam a origem do jogo
Inglaterra, assim como o futebol.
O autor Ubirajara Godoy Bueno, no seu livro Botonssmo,de 1988, diz que provavelmente ele descendente doJogo da Pulga, muito praticado na Europa, principalmentena Inglaterra, e que consistia em pressionar uma ficha
com outra ficha, para faz-la pular (da o nome pulga)dentro de, um copo. Mas Bueno tambm admite que elepode ter surgido do jogo Trs Tampas de Garrafa, no qualos jogadores vo dando toques nas tampas, com um dosdedos, para que uma passe entre as outras duas e assim,sucessivamente, at atingir o gol. (BARRETO, 2006, p.32/33).
provvel que o futebol de boto realmente tenha sua criao
influenciada pelos Jogos de Pulga e de Tampas de Garrafa. Mas o pai do
futebol de boto que ainda hoje vemos meninos praticando, ainda que bem
menos que no passado, deve ter sido mesmo Dcourt.
Maria Cristina Von Atzingen, em seu livro "Histria doBrinquedo" (2001), d duas verses para a inveno dojogo: a primeira de que teria sido ele inventado em1947, por Peter Adolph, com o nome de subbuteo. Mas
ressalva ela que, em 1930, Geraldo Dcourt, carioca, teriainventado o jogo, que seria jogado com peas feitas deum material chamado "celotex". Afirma ela que o jogo,inicialmente, era jogado com os botes da cueca edepois, do uniforme dos meninos que, por vezes,entravam em classe segurando as calas... O jogochegou a ser proibido em um colgio do Rio de Janeiro.(jogos.antigos)
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Percebe-se claramente que a origem do futebol de boto confusa. Mas
o fato que quem levou a glria de ter inventado a modalidade foi mesmo
Geraldo Dcourt.
Em 1988 o CND, Conselho Nacional do Desporto, reconheu o futebol de
mesa como esporte genuinamente brasileiro.
Dcourt, que aparece na foto ao
lado, ficou mesmo com a fama e teve
o dia de seu nascimento oficializado
como Dia do Botonista. Alm disso,
coube a ele tambm redigir o Hino do
Botonista. Recebi este hino atravs de
e-mail, o qual circula entre vrios adeptos deste esporte. Todavia, no
consegui comprovar a sua autenticidade, uma fez que no encontrei nenhuma
fonte que citasse o tal hino. De qualquer maneira, acredito que seja mesmo de
autoria de Dcourt, uma vez que no haveria motivo para atribuir algo a ele que
outro comps, visto que o lugar de Dcourt j est guardado na histria deste
esporte.
HINO DO BOTONISTA
"Uma homenagem aos botonistas do Brasil"
Letra: Geraldo Cardoso DcourtMsica: Geraldo Cardoso Dcourtagosto/1982
Botonista eu sou com justo orgulho
Boto muita f no meu boto
Botonista eu sou com muita honra
Isto verdade, eu no me arrependo no
Botonista eu sou com persistncia
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Jogo a qualquer hora com prazer
(Pois jogando em qualquer regra!
Eu vou praticando o meu lazer) -bis-
Eu jogo limpo, jogo srio sem esbulho,
Pois pra mim adversrio considero como irmo.
Aviso logo para quem jogar comigo que
somente me vencendo poder ser campeo. (bis)
Essa a origem mais aceita pelos estudiosos do futebol de boto.
Percebe-se que existe uma dupla terminologia utilizada para denominar esta
prtica: futebol de mesa e futebol de boto. Os termos so prximos. Porm,
apresentam uma leve diferena. Futebol de mesa o nome dado prtica
mais sistematizada do jogo, com regras mais restritas. um esporte
reconhecido oficialmente, organizado em ligas, federaes e confederaes. J
o futebol de boto uma prtica mais livre, que permite uma maior criatividade
de seus praticantes. Essa caracterstica levou escolha deste termo para
designar esta prtica dentro deste trabalho, uma vez que os narradores,
locutores e jornalistas esportivos eram mais adeptos do futebol de boto do
que do futebol de mesa. Outro termo que aparece na citao acima futmesa.
Trata-se de uma contrao do termo futebol de mesa, assim como ocorreu com
o futebol de salo, que passou a ser futsal. Todavia, o termo futmesa no se
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tornou to popular como o futsal. Tambm aparece na citao acima a palavra
botonista. Este o nome dado a quem pratica o futebol de boto ou futebol de
mesa. Nem botoneiro, nem futemesista, como seria chamado quem pratica o
futebol de mesa. O termo certo botonista.
Hoje em dia, a Confederao Brasileira de Futebol de Mesa congrega
trs modalidades. A mais praticada a regra dos doze toques ou paulista.
Ela muito difundida em So Paulo, Rio de Janeiro e Paran. Por muito fcil
de jogar, a que possui o maior nmero de botonistas. Nela, o botonista tem
doze toques para conduzir a bola at o ataque e poder chutar. Todavia, s so
permitidos trs toques consecutivos com um mesmo boto. Logicamente que
esta modalidade apresenta algumas nuances na regra, mas basicamente
isso. a modalidade que mais se aproxima do profissionalismo.
Outra modalidade da Confederao a regra baiana ou de um toque.
Como o prprio nome diz, muito comum no estado da Bahia, assim como no
Rio de Janeiro. Cada botonista pode dar somente um toque, passando em
seguida a vez ao adversrio. Assemelha-se ao ping-pong em determinadas
situaes. A outra modalidade confederada a regra carioca ou dos trs
toques. a modalidade confederada mais praticada em Minas Gerais.
Tambm tem muita fora no estado do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Gois e
So Paulo. Nesta modalidade, o botonista tem que evoluir do campo de defesa
para o ataque utilizando apenas trs toques consecutivos. um jogo
extremamente estratgico, uma vez que necessrio passar para o campo de
ataque sem que o adversrio consiga tomar a posse de bola. Nesta
modalidade cada partida dura cinqenta minutos, divididos em dois tempos de
vinte e cinco. Os botonistas que disputam as competies tambm so os
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rbitros das partidas, diferentemente das outras modalidades, as quais no
apresentam juzes. Mas o assunto deste estudo no o futebol de mesa, e sim
o futebol de boto.
A prtica do futebol de boto se expandiu pelo pas assumindo as mais
diferentes formas de jogo. Os materiais utilizados na composio das mesas e
dos jogadores foram os mais variados. Os botes eram mais ou menos
redondos. Eram feitos de coco, de tampas de garrafa, de tampas de relgio,
mas na maioria das vezes eram botes de camisa, o que deu nome ao jogo. As
palhetas, instrumentos utilizados para impulsionar os botes, podiam ser
pentes ou outros botes. As bolas eram comprimidos, pequenos botes de
camisa, miolo de po, papel alumnio amassado, sementes. Os campos eram o
cho, mesas de jantar, tbuas de passar roupa. O mais importante para jogar
era a imaginao, o que tornou o futebol de boto extremamente democrtico.
Nesse ponto apareceu mais uma vez a criatividade do brasileiro. E pe
criatividade nisso.
Muitos materiais so utilizados na confeco de botes.Hamilton Tavares foi saber tempos depois que um deseus botes tinha sido feito de resina e de OSSOHUMANO. O antigo dono revelou que os ossos eram deseu tio Ademar e que o nmero 4 embutido era o dia deseu falecimento... (TAVARES, 2006)
Hamilton Tavares proprietrio de um site na internet. Neste mesmo site
descobri que ele se auto-intitula o maior colecionador de botes do mundo.
Hamilton Tavares Neto (dono da Boto & Palheta e presidente da AFOCERJ),
possui a maior coleo de botes do mundo: 18.000 botes". (idem)
Assim como no futebol, o futebol de boto cheio de causos e
histrias. O personagem mais uma vez Hamilton Tavares. Neste caso, os
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causos reais, misturam-se com a fico. que a criatividade dos botonistas
extrapola qualquer limite do real.
Em um triste sbado de 1999, o carro de Hamilton
Tavares foi roubado. Alm dos botes novos estavamtambm dentro do carro os lendrios e antigos times doFlamengo e do Olmpia. Dias depois ns encontramos ocarro devidamente depenado e com apenas um nicoboto sobrevivente nomeado: o ltimo dos moecanos.Hamilton recuperou o time do Flamengo por 50 reais(bagatela). J o time do Olmpia teve um resgatedramtico. Depois de um ano e meio de cativeiro, o timefoi encontrado por terceiros, porm um dos jogadores novoltou: Parraga, o filho do diabo. Boatos confirmam seualiciamento ao trfico do morro do Borel. (TAVARES,
2006)
Hamilton relata tambm:
Alexandre Gyraffa ficou muito bravo com seu artilheiroChiquinho aps o trmino de uma final onde esse mesmoboto havia perdido uma centena de gols fceis. Foi tantasua ira com o jogador que Alexandre o esfregou naparede ate restar apenas uma sombra do antigogoleador... e o lanou pela janela. Semanas depoisandando pela rua, Gyraffa rev seu antigo jogador, s queagora bbado e na sarjeta. Alexandre no teve d eempurrou o boto bueiro a baixo. (Idem)
Eu mesmo, aps uma derrota para meu irmo, ainda na adolescncia,
no departamento de futebol de mesa do Tupi Foot Ball Club, quebrei um time
inteiro. Depois, cheio de remorso, tentei colar os botes de acrlico com super-
bonder.
Jogar boto no s palhetar e fazer gols. muito mais que isso.
imaginao. aventura. fazer amigos. lembrar de casos por toda uma
vida. ser genuinamente brasileiro.
No Sul, os botes mais cobiados - sobretudo paracompor a linha de defesa - eram aqueles grandes que
deviam ser arrancados, com todo o cuidado, da parte detrs dos sobretudos de inverno, aproveitando-se o
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momento em que um incauto visitante o deixassependurado no cabide, enquanto conversava com o donoda casa. Muito mais arriscado era tirar puxadores dearmrios da prpria casa. Esses se tornavam corpulentoszagueiros, mas podiam resultar numa reprimenda de
parte do pai ou da me do infrator. Riscar a mesa dejantar, a ponta de tesoura, era um delito passvel de serpunido com uma surra de cinta de couro. Arrancar atampa do relgio de pulso do av, nem se fala.(TAVARES, 2006)
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7 NARRANDO JOGOS DE BOTO: A VIA CONTRRIA DA
SENSORIALIDADE
Chegamos ao captulo que trata do objeto de estudo que este trabalho
se prope. Ao longo deste estudo, comeamos abordando a origem do futebol,
seu surgimento na Inglaterra e sua vinda para o Brasil. Depois continuamos
com o surgimento do rdio, sua chegada em nosso pas, sua disseminao
Brasil afora e seu encontro com o futebol. No captulo seguinte analisamos
como o binmio rdio-futebol afetava e afeta a populao. Em seguida, fizemos
um breve estudo acerca do que o futebol, sempre com o rdio ao seu lado,
representa dentro da sociedade brasileira. Ento chegamos at o surgimento
do futebol de boto nos anos 20 e 30 do sculo passado. Tudo isso para
chegar at aqui e poder falar de partidas de futebol de boto que, mesmo de
brincadeira, acabavam sendo narradas por seus praticantes. Muitas dessas
pessoas que jogavam futebol de boto e narravam ao mesmo tempo, na
infncia e adolescncia, acabaram por se tornarem profissionais de rdio.
O fato de crianas e adolescentes narrarem partidas de futebol de boto
enquanto jogavam uma prova indicial da afetao que o rdio causava nestas
pessoas. Elas iam jogando e narrando ao mesmo tempo e iam imitando os
bordes daqueles narradores que ouviam pelo rdio. Assim, uma simplespartida de futebol de boto tornava-se um grande clssico envolvendo craques
e jogadas mirabolantes. E isso tpico do rdio, sobretudo porque ele meche
com a imaginao dos ouvintes.
Enquanto nos meios audiovisuais o telespectador contacom som e imagem, no rdio a nica arma a voz, a fala.Isso, fatalmente, desperta a imaginao do ouvinte, que
logo cria na sua mente a visualizao do dono da voz oudo que est sendo dito. Se na televiso a imagem j vem
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acompanhada com a voz ou mesmo sozinha, no rdio oouvinte tem a liberdade de criar, com base no que estsendo dito, a imagem do assunto/pessoa/fato. De acordocom Mcleish, quem faz textos e comentrios para o rdioescolhe as palavras de modo a criar as devidas imagens
na mente do ouvinte, e, assim fazendo, torna o assuntointeligvel (2001:16). Por tratar-se de um meio cego, asua linguagem estimula a imaginao, envolve o ouvinteconvidando-o a participar da mensagem atravs de umdilogo mental. (SEPAC, 2003, p. 21/22)
Essa capacidade do rdio de formar imagens na mente de quem est
ouvindo chamada de sensorialidade. As narrativas ocorridas nas partidas de
futebol de boto uma forma de externar as imagens mentais que o rdio
provoca na cabea dos ouvintes.
Foi possvel notar ao longo da pesquisa desenvolvida para tentar
comprovar a hiptese proposta, que acabou sendo formada uma interessante
estrutura cclica. O rdio, atravs das narraes de partidas de futebol afetou
em cheio o ouvinte brasileiro. Parte desses ouvintes, talvez os que mais foram
afetados pelo rdio, acabavam por narrar at mesmo partidas de futebol de
boto. E em muitos casos, essas crianas, esses adolescentes afetados pelo
rdio que narravam partidas de futebol de boto eram os futuros profissionais
do rdio.
O incio desta histria como o de dezenas de locutores
de futebol. Um campo de futebol de boto, dois times emcampo e, entre uma jogada e outra - muitas vezes atsem jogada - tudo ia sendo narrado. O microfone, muitasvezes era um gravador, e qualquer som que pudesse serparecido com um sinal eletrnico para hora do tempo eplacar, passava a compor a narrativa. Evidente que nofaltavam as simulaes do barulho da torcida vibrando,gritando huuuu. Alm claro, das entrevistas com osjogadores (botes), perfeitamente respondidas com ailuso de que uma voz um pouco mais rouca poderia serentendida por quem estivesse ouvindo como sendo a de
algum de verdade. (GUERRA, 2002, p. 13)
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Na entrevista concedida por Mrcio Guerra, ele foi alm. Como o futebol
de boto pode mexer tanto com a criatividade de quem joga? Talvez por ter,
assim, como o futebol, o rdio ao seu lado.
Eu tinha quase duzentos times de boto. Eu faziacampeonato com desfile de abertura. Eu tinhacampeonatos estaduais, Campeonato Brasileiro, Copa doBrasil. Eu fazia mil coisas. E destes campeonatos saa aSeleo Bons de Bola, que era a seleo dos meusmelhores jogadores com a qual eu enfrentava meu primo,que tinha a Seleo dos Maiorais. Ele tambm faziavrias competies. s vezes ele me chamava paranarrar os jogos dos campeonatos dele ou ele narrava osmeus. Eu gravava minha narrao. Eu usava sininho com
sinal eletrnico. Eu apagava as luzes do quarto ecolocava velas ao lado do campo para fingir que era postede iluminao. Eu pegava embalagem de chocolate, umpapel mais duro, para fazer faixa de torcida organizada.Era um verdadeiro ritual, onde eu comecei me interessarpela narrativa do rdio. (APNDICE A)
Mrcio Guerra no foi o nico profissional do rdio que passou por essa
experincia. Vrios outros profissionais tambm passaram por essa
brincadeira, como Jos Silvrio, radialista renomado da Rdio Bandeirantes
de So Paulo, que tambm tinha esse hbito.
O mineiro de Itumirim iniciou sua carreira nas mesas defutebol de boto. Enquanto jogava, "transmitia" o jogopara os "ouvintes". Um dia, enquanto "irradiava" umapartida, foi ouvido pelo diretor da Rdio Cultura de Lavras.Imediatamente foi convidado para trabalhar na rdio,
oportunidade que agarrou e que iniciou oficialmente suavida nos microfones. Teve uma brilhante e duradourapassagem pela Jovem Pan, iniciada com a sada deOsmar Santos da rdio, dando oportunidade para Silvriose consagrar nos anos 80. Hoje "solta sua voz" na RdioBandeirantes. (PIRAJ, 2006)
A metodologia de pesquisa escolhida para o desenvolvimento deste
trabalho contava com entrevistas orais e atravs de e-mails, com alguns
profissionais da imprensa, para tentar comprovar a hiptese de que o futebol
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de boto foi um importante exerccio para o despertar da vocao profissional
de inmeros profissionais do rdio e tv. Logicamente que eu j tinha pistas
sobre quem jogava boto. Mas confesso que o que eu no imaginava era que
estes profissionais guardavam lembranas to marcantes dessas partidas do
passado.
Mrcio Guerra e Jos Silvrio so dois consagrados nomes do nosso
rdio. Jos Silvrio tem quarenta anos de rdio. Mrcio Guerra mais novo,
mas tambm tem muita experincia. Paralelamente carreira no rdio,
desenvolveu a carreira acadmica e hoje doutor em comunicao pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ambos viveram a poca urea
do futebol de boto, que foram as dcadas de 60, 70 e 80.
A partir da dcada de 90 o futebol de boto passou a sofrer com uma
concorrncia poderosa, os jogos eletrnicos, e acabou ficando em segundo
plano na preferncia dos jovens. Mesmo assim, ainda foi possvel encontrar
profissionais da imprensa que no final da dcada de 80 e incio da de 90 jogava
futebol de boto e tambm narrava suas partidas. o caso de Rodrigo Dias,
jornalista da TV Panorama, em Juiz de Fora.
Eu fazia o seguinte. Como na minha cidade, Muria, euno conhecia muitas pessoas que gostavam de jogarfutebol de boto, eu jogava sozinho. Eu criava os
campeonatos, com vrios times, fazia tabelinha,passava horas confeccionando a tabelinha bonitinha, aa eu disputava os campeonatos. O Fluminense semprechegava na final, no porque eu sou Fluminense, masporque era o melhor time. Quando chegava na deciso,eu pegava um gravador da minha irm, colocava do ladodo estrelo e comea a narrar os jogos. Eu fazia tudocomo se fosse uma narrao mesmo. Falava a escalaodos times e como eu no tinha como colocar o hino doFluminense em um outro aparelho de som, eu pegava efalava mais ou menos assim: e agora entram em campo
os artistas do espetculo, o Fluminense definido eumesmo fazia o sonzinho da vinheta Fluminenseeeee.
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Sou tricolor de corao... E assim eu ia narrando o jogo.Depois que acabava a partida, o Fluminense campeosempre, afinal no dava para perder para mim mesmo, euouvia a fita para saber se eu narrei bem. (APNDICE D)
A sensorialidade, essa caracterstica do rdio que o torna capaz de
formar imagens na mente dos ouvintes, nas narraes do futebol de boto,
acaba por tomar a via inversa e posta em prtica atravs da criatividade dos
praticantes. Essas narraes so uma forma de externar essa afetao
causada pelo rdio. interessante notar como a mesma transmisso afeta
diferentemente os ouvintes. No caso de Rodrigo Dias, o que mais lhe chamava
a ateno era o Fluminense, sempre presente em suas narraes.
Para Guilherme Mendes, profissional que atuou durante anos no rdio e
hoje na TV, o fato de vrios profissionais do rdio terem narrado partidas de
futebol de boto mais uma prova da fora do rdio.
Acho que todos da minha gerao passaram por essaexperincia. Na dcada de 70 as principais diverses erajogar bola, soltar papagaio, brincar de carrinho e jogarboto. Naquela poca era a gente que fazia as regras doboto. ramos muito influenciados pelo rdio. Ento agente ia jogando e narrando as partidas. (APNDICE B)
Ele chega a citar vrios nomes de profissionais que jogavam boto e
narravam.
Com certeza. Estava trabalhando na Rede Globo de BeloHorizonte e surgiu o papo do futebol de boto. O RogrioCorrea falou que brincava. O Bob Faria tambm. O OdilonAndrade tambm brincava. E o Luis Roberto tambmjogava. Nesta turma que tem entre trinta e cinco ecinqenta anos, que trabalha com o futebol no rdio e naTV voc vai encontrar diversos profissionais que jogaramfutebol de boto. Que jogavam e narravam. Que jogavame brincavam de narrar. Acabaram achando que essa erauma opo profissional e investiram na carreira de
jornalista. (APNDICE B)
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Entre os profissionais entrevistados, uma unanimidade: todos eles
confessaram que quando narravam eram muito mais influenciados pelas
transmisses de rdio do que de TV, mesmo no caso de Rodrigo Dias, o mais
jovem profissional entre os entrevistados.
Na minha poca no havia tanta transmisso de jogospela TV como existe hoje. No que eu seja to velho. Masem 1988, 89, 90, a gente no tinha esta facilidade que agente tem hoje, de assistir jogo por Sky, ESPN, TVaberta. Ento eu fui muito influenciado por rdio, pelanarrao, principalmente, do Jos Carlos Arajo. Todo dia
noite eu ouvia rdio para saber as notcias doFluminense e estava sempre ouvindo os jogos pelo rdio.E isso me influenciou muito. (APNDICE D).
Assim, o futebol de boto acabou por mostrar como o rdio afetava os
ouvintes, e tornou, em alguns casos, um importante exerccio do despertar da
vocao profissional e mesmo um treinamento para o futuro.
Pra mim foi uma grande influncia. Claro que eu pensavaem outras profisses antes de escolher a comunicao,mas na verdade, quando pintou a palavra comunicaona minha cabea, com a opo do jornalismo esportivo,eu me remeti exatamente ao tempo que eu tive essaexperincia. E quando eu fui chamado pela primeira vezpara fazer rdio eu descobri que na verdade eu j faziaaquilo quando eu jogava boto. (APNDICE A)
O jornalista Rogrio Correa tambm acredita que o futebol de boto foiimportante para vrios profissionais. Acho que pode ajudar, sim. A prtica
importante para melhorar o improviso - comenta Correa. J o radialista
Oscar Ulisses acredita que o futebol de boto e suas narraes so apenas
mais uma forma dos apaixonados por futebol e rdio mostrar seu
sentimento.
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Pode ter contribudo para o desenvolvimento daquele quegosta de narrar jogos e futebol de boto. Tentandoexplicar melhor: quem tem o interesse em narrar jogos vaibrincar com essa idia sempre que possvel, at no jogode boto. (APNDICE F)
Atualmente, o futebol de boto vem perdendo espao para outro jogo: o
vdeo game. Cada vez mais os jogos eletrnicos se aproximam da realidade no
que diz respeito s imagens. E essa proximidade com o real tem fascinado os
jovens e mesmo os adultos. Assim, cada vez mais difcil encontrar um
menino jogando boto na calada da sua rua. Perde o futebol de boto, mas
perdem tambm os jovens de hoje em dia.
Acredito que esses passatempos mais antigos, como o io-i e o peo, tm ainda seus momentos de moda. Ento euacredito que numa dessas modas o futebol de bototambm possa cair no gosto da garotada. Porque essaquantidade de jogos eletrnicos tem na parte visual umatrativo muito grande. Mas jogar o futebol de boto era