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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA TRABALHO FINAL DO 6º ANO MÉDICO COM VISTA À ATRIBUIÇÃO DO GRAU DE MESTRE NO ÂMBITO DO CICLO DE ESTUDOS DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA RAQUEL DOS SANTOS GONÇALVES CLÍNICA E LABORATÓRIO NA MENINGITE AGUDA EM PEDIATRIA - QUE UTILIDADE NO DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO? ARTIGO CIENTÍFICO ÁREA CIENTÍFICA DE PEDIATRIA TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DE: DR.ª CÂNDIDA SOFIA FERNANDES CANCELINHA PROF.ª DOUTORA GUIOMAR GONÇALVES OLIVEIRA OUTUBRO/2015

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

TRABALHO FINAL DO 6º ANO MÉDICO COM VISTA À ATRIBUIÇÃO DO GRAU

DE MESTRE NO ÂMBITO DO CICLO DE ESTUDOS DE MESTRADO INTEGRADO EM

MEDICINA

RAQUEL DOS SANTOS GONÇALVES

CLÍNICA E LABORATÓRIO NA MENINGITE AGUDA

EM PEDIATRIA - QUE UTILIDADE NO DIAGNÓSTICO

ETIOLÓGICO?

ARTIGO CIENTÍFICO

ÁREA CIENTÍFICA DE PEDIATRIA

TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DE:

DR.ª CÂNDIDA SOFIA FERNANDES CANCELINHA

PROF.ª DOUTORA GUIOMAR GONÇALVES OLIVEIRA

OUTUBRO/2015

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Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Clínica e laboratório na meningite aguda em Pediatria – que

utilidade no diagnóstico etiológico?

Raquel dos Santos Gonçalves1

Cândida Sofia Fernandes Cancelinha2

Guiomar Gonçalves Oliveira3,4

1. Mestrado Integrado em Medicina - Faculdade de Medicina, Universidade de

Coimbra, Portugal

2. Serviço de Pediatria Médica – Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e

Universitário de Coimbra, Portugal

3. Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal

4. Centro de Investigação e Formação Clínica, Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar

e Universitário de Coimbra, Portugal

Endereço de e-mail: [email protected]

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Índice

Resumo .................................................................................................................................. 4

Abstract .................................................................................................................................. 6

Introdução .............................................................................................................................. 8

Materiais e métodos ............................................................................................................. 10

Resultados ............................................................................................................................ 12

Discussão ............................................................................................................................. 17

Conclusão ............................................................................................................................ 23

Agradecimentos ................................................................................................................... 24

Bibliografia .......................................................................................................................... 25

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Resumo

Introdução: A meningite bacteriana é causa de elevada morbilidade e mortalidade, pelo

que é importante o diagnóstico correto, não só para instituir antibioterapia mas também para

evitar tratamento desnecessário em caso de meningite vírica. Neste estudo estabeleceram-se

parâmetros clínicos e laboratoriais, com respetivos valores de cut-off, sensibilidade e

especificidade, que ajudam a diferenciar meningite bacteriana de vírica.

Métodos: Estudo retrospetivo de crianças/adolescentes, admitidos num Hospital Pediátrico

do Grupo III, entre 1 de Janeiro de 2005 e 30 de Junho de 2015, com diagnóstico de

meningite aguda e identificação de agente etiológico. Foram excluídos os doentes com

punção lombar traumática, análise citoquímica incompleta do líquido cefalorraquidiano,

imunodeficiência, derivação ventrículo-peritoneal e imunossupressão ou antibioterapia nas

duas semanas anteriores à realização da punção lombar. Efetuou-se a análise dos dados com o

programa IBM SPSS Statistics, versão 22 (nível de significância 5%). Nas variáveis

qualitativas foi usado o teste de Qui-quadrado (2) e nas quantitativas o teste de Mann-

Whitney. Nas variáveis com diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos de

meningite analisou-se a área sob a curva receiver operating characteristic (ROC) para avaliar

a utilidade clínica.

Resultados: Incluíram-se 41 doentes, 22 dos quais com meningite bacteriana (54%) e 19

com meningite vírica (46%). A mediana de idades foi significativamente menor (p<0,001) na

meningite bacteriana (2,5 anos) do que na vírica (6,9 anos). Clinicamente, na meningite

bacteriana predominou a presença de febre 39ºC (p=0,033), convulsões e/ou alteração do

estado de consciência (p=0,003) e exantema purpúrico (p<0,001), enquanto na meningite

vírica foi mais frequente a presença de cefaleia (p<0,001) e rigidez da nuca (p<0,001),

Analiticamente, na meningite bacteriana os valores de proteinorráquia (p=0,001) e de proteína

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C-reativa plasmática (pCr) (p<0,001) foram significativamente superiores, enquanto que os

valores de glicorráquia (p=0,008) e a relação glicorráquia/glicémia (p=0,019) foram

significativamente menores. A pCr foi o único parâmetro com bom poder discriminativo (cut-

off 6,95 mg/dL, 75% de sensibilidade e 94% de especificidade).

Discussão: Sendo um estudo retrospetivo com análise de casos de um só hospital e com

uma amostra reduzida apresenta diversas limitações. Seria necessário a inclusão de mais casos

para a validação dos resultados obtidos.

Conclusão: Concluiu-se que a presença de febre, convulsões, alteração do estado de

consciência, exantema purpúrico, proteinorráquia, relação glicorráquia/glicémia e pCr

plasmática são achados clínicos e laboratoriais úteis na distinção de meningite bacteriana. A

pCr plasmática destacou-se por ser um parâmetro com bom poder discriminativo.

Palavras-chave: “meningite”, “meningite bacteriana”, “meningite vírica”, “líquido

cefalorraquidiano”, “clínica”, “marcadores biológicos”, “pediatria”.

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Abstract

Introduction: Bacterial meningitis is an important cause of morbidity and mortality,

which explains the importance of its correct diagnosis, not only for the institution of antibiotic

treatment but also to avoid unnecessary treatment in case of viral meningitis. This study

established clinical and laboratory parameters with respective cut-off values, sensitivity and

specificity, which help differentiate bacterial meningitis from viral meningitis.

Methods: A retrospective study of children/teenagers, admitted to a tertiary Pediatric

Hospital between January 1st, 2005 and June 30

th, 2015 with the diagnosis of acute meningitis

and identification of the etiological agent. The cases of traumatic lumbar puncture, incomplete

cerebrospinal fluid (CSF) data, immunodeficiency, ventriculo-peritoneal shunt and

immunosuppression or antibiotherapy within two weeks before the lumbar puncture were

excluded. Statistical analysis of data was carried out using the IBM SPSS Statistics, 22

software (significance level of 5%). Differences in qualitative variables were tested with Chi-

square test (2) and differences in quantitative variables were tested with Mann-Whitney test.

We analyzed the area under the receiver operating characteristic (ROC) curve in variables

with statistically significant differences between the two groups of meningitis to evaluate

clinical usefulness.

Results: There were 41 patients, 22 with bacterial meningitis (54%) and 19 with viral

meningitis (46%). The median age was significantly lower (p<0,001) in bacterial meningitis

(2,5 years) than in viral meningitis (6,9 years). Clinically, fever 39ºC (p=0,033), seizures

and/or impaired consciousness (p=0,003) and purpura (p<0,001) were more frequent in

bacterial meningitis while headache (p<0,001) and neck stiffness (p<0,001) were more

frequent in viral meningitis. CSF protein (p=0,001) and serum C reactive protein (CRP)

(p<0,001) were significantly higher in bacterial meningitis while CSF glucose (p=0,008) and

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CSF/blood glucose ratio (p=0,019) were significantly lower. CRP was the only parameter

with a good discriminative power (cut-off 6,95 mg/dL, 75% sensitivity and 94% specificity).

Discussion: As a retrospective study with analysis of a single hospital and a reduced

sample, it has several limitations. It would need to include more cases to compare the results

obtained.

Conclusion: In this study, the presence of fever, seizures, impaired consciousness,

purpura, CSF protein, CSF/blood glucose ratio and serum CRP were found to be useful

clinical and laboratory parameters in the distinction of bacterial meningitis. Serum CRP stood

out for being a parameter with a good discriminative power.

Key-words: “meningitis”, “bacterial meningitis”, “viral meningitis”, “cerebrospinal fluid”,

“clinical symptoms”, “biological markers”, “pediatrics”

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Introdução

A meningite aguda é definida como uma inflamação das leptomeninges, podendo ser

causada por bactérias, vírus ou, raramente, fungos. Esta entidade continua a ter uma elevada

mortalidade e morbilidade, sobretudo na população pediátrica.1,2

Até à introdução de vacinas conjugadas, os principais agentes de meningite bacteriana na

população pediátrica incluíam Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e

Haemophilus influenzae tipo b no período pós-neonatal.3 O perfil epidemiológico desta

doença foi alterado após a introdução de algumas medidas preventivas, nomeadamente da

vacina conjugada contra o Haemophilus influenzae tipo b e, mais recentemente, das vacinas

conjugadas anti-meningocócica tipo C e anti-pneumocócica.3,4

O rastreio universal de

mulheres grávidas para o Streptococcus β-hemolítico do grupo B teve também impacto na

etiologia desta entidade, no período neonatal.4

No entanto, a meningite bacteriana continua a ser uma emergência médica e é

imprescindível iniciar antibioterapia o mais precocemente possível de forma a reduzir a

morbilidade e mortalidade. Por outro lado, a administração empírica de antibioterapia de largo

espetro na meningite vírica pode conduzir a internamentos desnecessários, assim como ao

aumento da resistência aos antibióticos, dos efeitos secundários e dos custos hospitalares, uma

vez que a maioria dos casos é auto-limitada, necessitando apenas de tratamento de suporte.2,5

O exame padrão para o diagnóstico de meningite bacteriana é a cultura de líquido

cefalorraquidiano (LCR) que diagnostica 70-85% dos casos, se não for administrada

antibioterapia previamente à punção lombar. O resultado demora em média dois a três dias,

limitando ainda mais o seu uso.6 Assim, a decisão de iniciar antibioterapia baseia-se muitas

vezes na clínica e nos resultados citoquímicos do LCR e plasmáticos, que estão disponíveis

em menos de uma hora. Contudo, a clínica e os resultados laboratoriais destas duas entidades

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(meningite bacteriana versus vírica), estão muitas vezes sobrepostos, dificultando a

diferenciação entre ambas, pelo que têm surgido vários algoritmos de decisão terapêutica nos

últimos anos.7-9

Os dados nacionais sobre a importância de parâmetros clínicos e analíticos no diagnóstico

diferencial de meningite aguda são escassos.10

O objetivo deste trabalho foi analisar as características clínicas, os resultados do exame

citoquímico do LCR e de parâmetros analíticos plasmáticos em crianças e adolescentes com o

diagnóstico confirmado de meningite aguda e identificação de agente etiológico, num hospital

pediátrico do Grupo III da Região Centro de Portugal. Além disso, os autores pretenderam

correlacionar estes parâmetros com o agente etiológico identificado e determinar valores de

cut-off, sensibilidade e especificidade dos parâmetros analíticos, que possam contribuir para a

decisão de iniciar antibioterapia.

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Materiais e métodos

Efetuámos um estudo retrospetivo com os seguintes critérios de inclusão: a) diagnóstico de

meningite aguda (segundo a codificação da Classificação Internacional de Doenças – 9ª

revisão); b) identificação de agente etiológico bacteriano ou vírico; c) idades compreendidas

entre 1 mês e 18 anos; d) internamentos num Hospital Pediátrico do Grupo III entre 1 de

Janeiro de 2005 e 30 de Junho de 2015.

Dos casos anteriormente selecionados foram critérios de exclusão: a) punção lombar

traumática; b) análise citoquímica incompleta do LCR; c) imunodeficiência; d) derivação

ventrículo-peritoneal; e) doentes sob terapêutica imunossupressora ou antibioterapia nas duas

semanas anteriores à realização da punção lombar.

Foram recolhidos retrospetivamente do processo clínico dos doentes (processo físico e

informático – acesso ao programa Sistema de Apoio ao Médico®) os dados demográficos, que

incluíram sexo, idade no momento do diagnóstico e data de internamento. Dos registos

clínicos foram avaliados: 1) temperatura axilar máxima, 2) cefaleias, 3) vómitos, 4) registo de

convulsões, 5) alterações do estado de consciência, 6) exantema petequial/purpúrico, 7)

abaulamento da fontanela anterior, 8) rigidez da nuca, 9) sinais de Kernig e Brudzinski. No

LCR foi avaliada a contagem total de células, percentagem de polimorfonucleares (PMN),

proteinorráquia e glicorráquia. No sangue determinou-se a contagem total de leucócitos e

neutrófilos e valor da proteína C-reativa (pCr). Calculou-se ainda a relação entre a glicose no

LCR e a glicémia (doseamentos simultâneos).

Os métodos microbiológicos considerados na identificação de agente etiológico foram a

coloração de Gram e cultura de LCR, técnicas de biologia molecular no LCR (polymerase

chain reaction - PCR - para bactérias ou vírus) e hemocultura. Os doentes foram agrupados

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em grupo meningite bacteriana (MB) e grupo meningite vírica (MV), de acordo com o agente

etiológico identificado, por um ou mais destes métodos.

A análise dos dados foi efetuada através do programa IBM SPSS Statistics, versão 22,

tendo os testes estatísticos sido avaliados ao nível de significância de 5%.

Para avaliar a existência de associação entre variáveis qualitativas foi usado o teste de Qui-

quadrado (2) e para comparar uma variável quantitativa entre dois grupos independentes, a

qual não é proveniente de uma população que segue uma distribuição normal, foi aplicado o

teste de Mann-Whitney.

Analisou-se a área sob a curva receiver operating characteristic (ROC) para avaliar a

utilidade clínica (valor cut-off, sensibilidade e especificidade) das variáveis que apresentaram

diferenças estatisticamente significativas entre os grupos MB e MV: contagem de proteínas

no LCR, valor de glicose no LCR, relação glicorráquia/glicémia e pCr plasmática. A área

abaixo da curva ROC representa a capacidade discriminatória dos sujeitos com MB versus

MV, sendo 1,00 o valor mais elevado e 0 o valor mais baixo. A classificação para a acuidade

diagnóstica deste teste considera: 0,90-1.00 = discriminação excelente, 0,80-0,89 =

discriminação boa, 0,70-0,79 = discriminação aceitável, 0,51-0,69 = discriminação fraca, 0-

0,50 = sem poder discriminativo. Quanto à capacidade preditiva de uma variável, esta pode

ser considerada como boa (sensibilidade e especificidade 75%), razoável (sensibilidade e

especificidade 50-74%) ou medíocre (sensibilidade e especificidade <50%).

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Resultados

Durante o período de estudo, e depois de aplicados os critérios de exclusão, foram

incluídas 41 crianças/adolescentes com o diagnóstico de meningite; 22 com isolamento de

agente bacteriano (54%) e 19 com identificação de vírus (46%). Dentro do grupo de MB

isolaram-se diferentes agentes: 13 casos de Neisseria meningitidis (59%), 7 de Streptococcus

pneumoniae (32%), 1 de Haemophilus influenzae tipo B (5%) e 1 de Streptococcus β-

hemolítico do grupo B (5%). Os casos de MV foram todos causados por Enterovírus – Quadro

1.

Quadro 1. Agentes etiológicos envolvidos na meningite vírica e bacteriana

Meningite vírica (n=19) Meningite bacteriana (n=22)

Agentes

identificados

Enterovírus (19; 100%) Neisseria meningitidis (13; 59%)

Streptococcus pneumoniae (7; 32%)

Haemophilus influenzae (1; 5%)

Streptococcus β-hemolítico do grupo B (1; 5%)

Relativamente à distribuição por sexo, 28 (68%) pertenciam ao sexo masculino. Contudo,

não há uma relação estatisticamente significativa entre o sexo e a etiologia (p=0,987) –

Quadro 2.

A distribuição quanto à faixa etária está representada na Figura 1. O grupo MV foi mais

frequente acima dos cinco anos (89% dos casos), enquanto nos casos MB houve um

predomínio no primeiro ano de vida (41%). A mediana de idades é significativamente menor

(p<0,001) no grupo MB (2,5 anos) versus MV (6,9 anos).

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Quadro 2. Dados demográficos, n (%)

Meningite vírica

(n=19)

Meningite bacteriana

(n=22)

Total Valor p

Rácio M/F 2,2 2,1 2,2 0,987*

Idade

Mediana (anos) 6,9 2,5 6,1 <0,001*

1 mês e <3 meses 0 (0%) 1 (5%) 1 (2%)

3meses e <12 meses 0 (0%) 8 (36%) 8(20%)

12 meses e <5 anos 2 (11%) 6 (27%) 8 (20%)

5 anos 17 (89%) 7 (32%) 24 (59%) M=género masculino. F=género feminino.

*Teste de Qui-quadrado.

11%

89%

5%

36%

27%32%

0

5

10

15

20

[1 - 3[ [3 - 12[ [12 - 60[ >=60

Meningite vírica

Meningite bacteriana

Figura 1. Distribuição etária dos casos de meningite vírica e bacteriana

Avaliando as variáveis clínicas (Quadro 3), não se verificou diferença estatisticamente

significativa entre os grupos de MV versus MB na presença de vómitos, sinais de Kernig e

Brudzinski ou fontanela anterior hipertensa. No grupo MV foi mais frequente a presença de

cefaleia (p<0,001) e rigidez da nuca (p<0,001), enquanto na MB foi mais frequente a presença

de febre 39ºC (p=0,033), convulsões e/ou alteração do estado de consciência (p=0,003) e

exantema purpúrico (p<0,001). Todos os casos em que se verificou exantema purpúrico

Idade (meses)

n

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tiveram diagnóstico de meningite meningocócica, com exceção de um em que houve

identificação de Streptococcus pneumoniae.

Quadro 3. Variáveis clínicas, n (%)

Meningite vírica

(n=19)

Meningite bacteriana

(n=22)

Total Valor p

Febre 39ºC 5 (26%) 13 (59%) 18 (44%) 0,033*

Cefaleias 18 (95%) 6 (27%) 24 (59%) <0,001*

Vómitos 13 (68%) 15 (68%) 28 (68%) 0,987*

Convulsões/Alt. consciência 8 (42%) 19 (86%) 27 (66%) 0,003*

Exantema purpúrico 0 (0%) 12 (55%) 12 (29%) <0,001*

Sinais meníngeos

Rigidez da nuca 18 (95%) 4 (18%) 22 (54%) <0,001*

Kernig/Brudzinski 5 (26%) 3 (14%) 8 (20%) 0,436*

FA hipertensa 0 (0%) 1 (5%) 1 (2%) 1,000*

FA hipertensa=fontanela anterior hipertensa Alt. consciência=alteração do estado de consciência. *Teste de Qui-quadrado.

Quanto às variáveis laboratoriais (Quadro 4), não se verificou relação estatisticamente

significativa entre o agente etiológico e o número total de células no LCR, predomínio de

polimorfonucleares no LCR, ou valor absoluto de leucócitos e neutrófilos plasmáticos. Na

MB, os valores de proteinorráquia (p=0,001) e de pCr plasmática (p<0,001) foram

significativamente superiores em relação aos valores da MV, enquanto que os valores de

glicorráquia (p=0,008) e a relação entre glicorráquia e glicémia (p=0,019) foram

significativamente menores.

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Quadro 4. Variáveis laboratoriais, mediana (AIQ)

Meningite vírica

(n=19)

Meningite bacteriana

(n=22)

Valor p

LCR

Células (cél/μL) 107 (55-440) 898 (35-10000) 0,143*

Predomínio PMN (/μL) 11** 19** 0,053**

Proteínas (mg/dL) 36 (26-55) 131 (42-238) 0,001*

Glicose (mmol/L) 3,0 (3,0-4,0) 2,85 (1,15-3,38) 0,008*

Glicose LCR/sangue 0,61 (0,56-0,74) 0,42 (0,14-0,62) 0,019*

Sangue

pCr (mg/dL) 2,6 (1,38-4,38) 16,0 (6,4-32,8) <0,001*

Leucócitos (/μL) 12135 (8065-14873) 10900 (6893-19800) 0,935*

Neutrófilos (/μL) 9360 (6205-11270) 6705 (3846-15715) 0,734* LCR=líquido cefalorraquidiano. pCr=proteína C-reativa. PMN=polimorfonucleares.

*Teste de Mann-Whitney. **valor de n (variável qualitativa), teste de Qui-quadrado.

Analisando a área sob a curva ROC (Figura 2) as variáveis com capacidade discriminatória

significativa são: a proteinorráquia, a glicorráquia, a relação glicorráquia/glicémia e a pCr. A

proteinorráquia, glicorráquia e relação entre glicorráquia e glicémia têm um poder

discriminativo aceitável, com uma área abaixo da curva de ROC de 0,794, 0,741 e 0,770,

respetivamente. A variável pCr tem um bom poder discriminativo, com uma área abaixo da

curva de 0,850.

Determinou-se o valor de cut-off, sensibilidade e especificidade no diagnóstico de

meningite bacteriana para cada uma destas variáveis (Quadro 5). Considera-se que a pCr e a

relação entre glicorráquia e glicémia têm uma capacidade preditiva boa, enquanto as restantes

variáveis apresentam capacidade preditiva razoável.

pCr (mg/dL)

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Figura 2. Curvas ROC aplicadas às variáveis laboratoriais

Quadro 5. Sensibilidade, especificidade e valor de cut-off das variáveis laboratoriais

Sensibilidade (%) Especificidade (%) Valor p Cut-off

LCR

Proteínas (mg/dL) 59 100 0,001 100,9*

Glicose (mmol/L) 50 100 0,010 2,85**

Glicose LCR/sangue 75 82 0,019 0,55**

Sangue

pCr (mg/dL) 75 94 <0,001 6,95* * A partir destes valores de cut-off a meningite classifica-se como sendo bacteriana

** A partir destes valores de cut-off a meningite classifica-se como sendo vírica

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Discussão

A hospitalização e instituição de antibioterapia de largo espetro em crianças com alterações

citoquímicas do LCR em situações de meningite vírica/asséptica é uma situação frequente,

constituindo fator de preocupação para os pais e aumentando os gastos em saúde. Por outro

lado, a ausência de identificação e tratamento precoces de uma meningite bacteriana pode ter

consequências graves para a criança, aumentando o potencial de morbilidade e mortalidade.6

Apesar da confirmação etiológica através de métodos microbiológicos ou de biologia

molecular ser fundamental, a decisão sobre instituição de antibioterapia pode ser necessária

antes destes resultados se encontrarem disponíveis. Assim, torna-se fundamental integrar os

dados clínicos e laboratoriais de forma a distinguir os doentes de elevado risco de

apresentarem meningite bacteriana.

Vários estudos têm procurado estabelecer os parâmetros clínicos e laboratoriais ideais para

a distinção rápida entre meningite bacteriana e vírica.7-9,10-14

De entre os vários algoritmos de decisão clínica, destacamos o “Bacterial Meningitis

Score” e o “Meningitest”, ambos validados para a população pediátrica.7,8

O primeiro,

desenhado por Nigrovic et al, inclui cinco critérios independentes de alto risco em crianças

com pleocitose do LCR: coloração de Gram do LCR positiva, contagem absoluta de

neutrófilos no LCR 1.000 células/μL, proteínas no LCR 80 mg/dL, contagem absoluta de

neutrófilos no sangue periférico 10.000 células/μL e presença de convulsões. A presença de,

pelo menos, dois destes parâmetros tem uma sensibilidade de 87% na identificação de agente

bacteriano. Um score de zero tem um valor preditivo negativo de 100%.8

Chavanet et al desenvolveram o “Meningitest”, um score para identificação de meningite

bacteriana em crianças e adultos. Na população pediátrica, determinaram valores de corte para

quatro parâmetros diferentes e atribuíram-lhes uma pontuação: contagem de leucócitos no

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LCR 1.800 células/mL (dois pontos), percentagem de neutrófilos no LCR >80% (três

pontos), proteínas no LCR >1,2 g/L (três pontos) e relação entre glicorráquia e glicémia 0,3

(três pontos). Um valor de cut-off de dois pontos discrimina bem as duas causas de meningite

em crianças, com uma sensibilidade de 100% e uma especificidade de 85%.7

Neste contexto, quisemos conhecer a realidade de um hospital pediátrico da região Centro

de Portugal, determinando a utilidade de fatores clínicos e analíticos de acesso rápido na

decisão terapêutica, em ambiente de urgência.

À semelhança de outros estudos, verificou-se um predomínio do sexo masculino em todas

as faixas etárias, embora sem significância estatística.12,15

Tal como descrito na literatura, a

meningite bacteriana foi mais frequente nos primeiros anos de vida (embora com ocorrência

de casos em todas as faixas etárias), enquanto a etiologia vírica predominou na idade escolar,

com significância estatística.10

Relativamente aos agentes identificados, verificou-se um predomínio da etiologia

meningocócica, verificado também noutros estudos, e que pode ser atribuível, em parte, ao

facto de o estudo ter decorrido numa fase pós-vacinação universal contra Haemophilus

influenzae e já com introdução da vacinação antipneumocócica.10,11

Contudo, em países onde

a vacinação antipneumocócica é universal, como o Reino Unido, os estudos mais recentes

revelam que outros agentes bacterianos, como o Streptococcus β-hemolítico do grupo B,

podem ser o principal agente identificado.3

Outros estudos evidenciaram também a predominância de Enterovírus como agente causal

de meningite vírica.10,16

A identificação exclusiva de Enterovírus no nosso estudo poderá

justificar-se pelo facto de outros vírus estarem associados a quadros de encefalite, situações

de imunodeficiência ou quadros graves com instituição prévia de antibioterapia, excluídos da

nossa amostra.

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A apresentação clínica da meningite em crianças pode ser inespecífica. O diagnóstico

diferencial da tríade febre, cefaleias e rigidez da nuca inclui meningite bacteriana, vírica,

fúngica, tuberculosa, carcinomatosa ou associada a doenças inflamatórias.5 Torna-se, por isso,

fundamental integrar a história clínica, dados epidemiológicos e o exame físico detalhado.

Sadarangani et al. determinaram que em crianças com idade inferior a três meses e com

meningite bacteriana, as características clínicas mais comuns de apresentação são febre

(100%), redução da ingesta alimentar (86%) e letargia (71%). Em crianças com mais de três

meses afirmaram não existir características clínicas que discriminassem os casos de meningite

vírica dos de causa bacteriana.3 Estes achados diferem do presente estudo, que revelou que a

presença de temperatura 39ºC aumenta significativamente a probabilidade de se tratar de

uma meningite bacteriana. Os outros critérios não fizeram parte da avaliação deste estudo.

O surgimento de exantema, rigidez da nuca e alterações de consciência podem surgir numa

fase tardia. O exantema petequial/purpúrico constitui sempre um sinal de alerta para etiologia

bacteriana, sendo mais frequente nas infeções meningocócicas e pneumocócicas.17

Uma meta-

análise de estudos prospetivos em crianças com suspeita de meningite bacteriana revelou uma

sensibilidade de 51% na presença de rigidez da nuca, 53% para o sinal de Kernig e 66% para

o sinal de Brudzinski.5

Oostenbrink et al. criaram um score preditivo de meningite bacteriana tendo em conta

indicadores independentes: duração da queixa principal, vómitos, irritação meníngea, cianose,

petéquias, distúrbio de consciência e pCr plasmática.9 No nosso estudo, a presença de vómitos

e a presença de sinais de Kernig e Brudzinski não apresentaram significância estatística no

diagnóstico etiológico. À semelhança do estudo referido, a presença de púrpura e alteração do

estado de consciência estavam mais frequentemente associados a meningite bacteriana. Por

sua vez, a presença de convulsões é um dos parâmetros avaliados no “Bacterial Meningitis

Score”.8

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A pesquisa de parâmetros do LCR que possam prever uma meningite em crianças12,13,15,18

,

bem como a criação de um conjunto de valores de referência para os mesmos, tem sido uma

preocupação de diversos autores.19

Alguns estudos afirmam que valores de células e de

proteínas no LCR aumentados e glicorráquia diminuída são indicadores típicos de meningite

bacteriana.3,19

Isto suporta os resultados do presente estudo, no qual se concluiu que a

meningite bacteriana tem valores de proteinorráquia significativamente superiores e valores

de glicorráquia significativamente inferiores quando comparados com os valores destes

biomarcadores nos casos de meningite vírica, realçando a importância de se realizar uma

punção lombar.

À semelhança de um estudo em que a relação glicorráquia/glicémia 0,4 demonstrou ter

80% de sensibilidade e 98% de especificidade para o diagnóstico de meningite bacteriana em

crianças com mais de dois meses de idade,6 no nosso trabalho também se demonstrou que este

parâmetro laboratorial apresentou boa capacidade preditiva, com valor de cut-off de 0,55.

A pleocitose no LCR (>5 células/μL) não demonstrou ser uma variável com significância

estatística, parâmetro não consensual noutros estudos.3,10,11

Um estudo português determinou

um valor de cut-off de 321 células/μL como tendo sensibilidade e especificidade próximas dos

80% na discriminação etiológica.10

Contudo, crianças com pleocitose no LCR e sem outros

critérios apresentam um risco muito reduzido de meningite bacteriana, com uma sensibilidade

de 98,3% e especificidade de 61,5%.11

Neste estudo, o predomínio de PMN no decorrer de dias de doença não tem uma correlação

significativa com os dois grupos de meningite. Em estudos anteriores demonstrou-se uma

dinâmica diferente na meningite asséptica e bacteriana relativamente à percentagem de PMN

ao longo do tempo. Nas primeiras 24 horas da doença observou-se um predomínio de PMN na

meningite vírica, em vez de mononucleares, e ocorreu uma redução significativa destas

células no final do primeiro dia. Pelo contrário, na meningite bacteriana mantém-se o

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recrutamento de PMN ao fim das primeiras 24 horas de doença, levando a um aumento da

contagem absoluta de neutrófilos mesmo após o primeiro dia de instalação da doença.15,20

No

entanto, o predomínio de PMN por si só é um mau critério de diagnóstico, pois segundo

Negrini et al. um doente com predomínio de PMN no LCR entre Abril e Outubro (pico de

incidência de doença causada por Enterovírus) tem maior probabilidade de ter meningite

asséptica do que bacteriana.15

Investigações recentes demonstraram que a pCr plasmática é um biomarcador muito bom

de meningite bacteriana.14,21

Tatara et al. afirmaram que era a variável de maior acuidade

quando comparada com outras variáveis, sendo que um valor de cut-off de 2mg/dL apresenta

uma sensibilidade de 92% e uma especificidade de 84%.14

No nosso estudo, o valor de pCr

encontrado como cut-off é superior, com sensibilidade e especificidade semelhantes. Existe

ainda um estudo que afirma que a concentração da pCr plasmática pode ser útil em doentes

com parâmetros do LCR compatíveis com meningite por apresentar um elevado valor

preditivo negativo (99%) no diagnóstico de meningite bacteriana.6

Este estudo apresenta algumas limitações. Trata-se de um estudo retrospetivo, com análise

de casos de um só hospital e por isso não tem em conta resultados de outros hospitais com

uma epidemiologia e características clínicas diferentes. A amostra é reduzida, devido por um

lado à ausência de identificação de agente etiológico em muitos casos e, por outro lado, aos

critérios de exclusão aplicados. Seria necessário a inclusão de mais casos para comparar os

resultados obtidos. Para além disso, a acuidade do estudo está dependente dos registos

médicos serem o mais detalhados e pormenorizados possíveis.

Contudo este estudo permite tirar como conclusões robustas que a presença de febre,

convulsões, alteração do estado de consciência, exantema purpúrico, proteinorráquia, relação

glicorráquia/glicémia e pCr plasmática são achados clínicos e laboratoriais úteis na distinção

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de meningite bacteriana. A pCr é o único parâmetro laboratorial que apresenta bom poder

discriminativo e boa capacidade preditiva.

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Conclusão

O rápido reconhecimento de uma meningite bacteriana é essencial para iniciar terapêutica e

evitar consequências devastadoras. No entanto, também se deve evitar a antibioterapia em

casos de meningite vírica, pois leva a hospitalização, aumento de resistências aos antibióticos

e custos desnecessários. O objetivo deste estudo era avaliar os achados clínicos e laboratoriais

de doentes diagnosticados com meningite e correlacionar com a respetiva etiologia.

Concluiu-se que a presença de febre 39ºC, convulsões, alteração do estado de

consciência, exantema purpúrico, proteinorráquia, relação glicorráquia/glicémia e pCr

plasmática são achados clínicos e laboratoriais úteis na distinção da etiologia da meningite. A

pCr plasmática destacou-se por ser um parâmetro com bom poder discriminativo, podendo

por isso ser útil na abordagem inicial de um doente com meningite com restantes exames

complementares não esclarecedores, ou em situações em que os recursos disponíveis são

limitados.

O nosso estudo tinha como objetivo demonstrar que parâmetros clínicos e analíticos

podem, numa situação de emergência, ajudar na distinção entre meningite bacteriana e vírica

e na tomada de decisão clínica. Não se pretendeu substituir scores já estudados e validados,

nem diminuir a importância da apresentação clínica e do exame físico no diagnóstico de

meningite bacteriana. Dado o reduzido número de doentes e o facto de pertencerem somente a

uma população hospitalar, é questionável se os valores de cut-off determinados podem ser

aplicados em todos os casos. Um estudo prospetivo, englobando maior número de doentes

será a melhor forma de validar a utilidade destes parâmetros, fornecendo informação que

poderá ser importante no estabelecimento de algoritmos de atuação em casos de meningite

aguda.

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Agradecimentos

Agradeço à Dr.ª Cândida Cancelinha pela orientação, disponibilidade e incentivo prestados

ao longo de todo o trabalho.

Agradeço à Prof.ª Doutora Guiomar Oliveira pela orientação desta tese.

Agradeço à Dr.ª Ana Ferraz pela ajuda prestada ao longo da recolha de dados.

Agradeço à Dr.ª Marisa Loureiro pela ajuda prestada no tratamento estatístico do presente

trabalho.

Agradeço aos meus pais, avós, padrinhos, à Andreia e ao Tiago por todo o apoio que me

deram.

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