Rascunho apresentação dia 17

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A morte de Ivan Ilitch Luciene Félix Professora de Filosofia e Mitologia Greco- Romana da ESDC [email protected] “O que justifica o ato de viver é a solidariedade, ativa e iluminada que aniquila o eu egoísta e fornece a paz interior” Luiz Venere Décourt (1911-2007) Nessa magistral obra-prima (considerada por Vladimir Nabokov “a mais artística, mais perfeita e de mais sofisticada realização da história mundial”) legada pelo conde russo Leon Tolstói (1828-1910), defrontamo-nos com o soberano do destino: o fim. Eis nosso denominador comum. Fim! Decreta a morte. Pode-se até contestar que seja ou não o “fim último”, mas abster- se desse encontro marcado ninguém conseguiu. A morte é uma prova final, aplicada a qualquer momento; e por mais que se creia não estar preparado, todos somos aprovados. Impossível não se comover com esse personagem: “A vida de Ivan Ilitch era das mais simples, das mais vulgares e, contudo, das mais terríveis. Juiz do Tribunal, falecia aos 45 anos”. Escarafunchando a angustiada consciência do irrepreensível juiz Ivan Ilitch, em breves 85 páginas, Tolstói nos brinda com o relato de um “acerto de contas”, revelando a futilidade do modelo de vida burguês. Será,

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A morte de Ivan Ilitch

Luciene FélixProfessora de Filosofia e Mitologia Greco-Romana da

[email protected]

“O que justifica o ato de viver é a solidariedade, ativa e iluminada que aniquila o eu egoísta e fornece a paz interior”Luiz Venere Décourt (1911-2007)

Nessa magistral obra-prima (considerada por Vladimir Nabokov “a mais artística, mais perfeita e de mais sofisticada realização da história mundial”) legada pelo conde russo Leon Tolstói (1828-1910), defrontamo-nos com o soberano do destino: o fim. Eis nosso denominador comum.

Fim! Decreta a morte. Pode-se até contestar que seja ou não o “fim último”, mas abster-se desse encontro marcado ninguém conseguiu. A morte é uma prova final, aplicada a qualquer momento; e por mais que se creia não estar preparado, todos somos aprovados.

Impossível não se comover com esse personagem: “A vida de Ivan Ilitch era das mais simples, das mais vulgares e, contudo, das mais terríveis. Juiz do Tribunal, falecia aos 45 anos”.

Escarafunchando a angustiada consciência do irrepreensível juiz Ivan Ilitch, em breves 85 páginas, Tolstói nos brinda com o relato de um “acerto de contas”, revelando a futilidade do modelo de vida burguês. Será, preso ao leito, frente a morte certa, que a vida de Ivan Ilitch se revelará mais livre, mais autêntica e pujante. As preocupações corriqueiras, os afazeres mundanos impediram-no de pensar nela.

É com espanto que, diante da morte iminente, atina que viveu uma vida de aparências, tanto no desempenho de seu trabalho, quanto no casamento e em suas demais relações sociais. Ivan Ilitch conclui que sua existência fora desprovida de um propósito mais significativo, que não passou daquilo que a sociedade, com seu mero jogo de

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interesses, de galgar posições de prestígio, de “parecer estar bem”, preconizava. Em resumo: uma autêntica vida de falsidades. Para seu desespero, até mesmo àqueles a quem julgava ser fundamental e amado, sua mulher e filhos, vivenciam sua convalescênça como sendo um capricho inexplicável (a mulher) ou um aperreio, um estorvo (sua filha).

O sucesso profissional, o empenho pela manutenção da ordem, do status quo, daquilo que, aos olhos dos outros era tido como o “certo”, sempre fora o norte de sua “aparentemente” bem sucedida (na verdade, ordinária) vida: “Não era um adulador, nem quando menino, nem quando homem feito, porém, desde a infância, sentira-se naturalmente atraído pelas pessoas que ocupavam posição elevada na sociedade, tal como mariposas pela luz, e assimilava-lhes as maneiras e as opiniões, forçando ainda relações amistosas com elas”.

Segundo perspicaz análise de Gabriel Ferreira: “Ivan Ilitch dá um rosto à imprudência moderna. Ele é o juiz bem sucedido, que crê desempenhar perfeitamente o seu papel, ou seja, que “aplica” o Direito. Ele é o “escravo da lei”, a “boca da lei”, que no fundo no fundo sabe que tais coisas não existem, mas que age profissionalmente como se existissem. À semelhança dos médicos com os quais se depara ao longo de sua agonia e que, ali onde se encontra um homem a ser cuidado (um homem que sofre e que necessita de cuidados), só enxergam uma doença a ser eliminada, Ivan Ilitch também se mostra incapaz, durante toda sua vida como juiz, de levantar os olhos dos autos e dos códigos para ver os homens e seus problemas. Ele “aplica” o direito, mas não sabe (ou finge não saber) que o Direito não pode ser “aplicado” de uma forma mecânica. Sua prudência (no sentido moderno), que se manifesta em sua dócil submissão a um legalismo convenientemente apropriado ao carreirismo, é máxima imprudência (no sentido clássico). E por essa imprudência, Ivan Ilitch paga um preço alto. O preço da falta de sentido”.

Moribundo, reconstitui, na imaginação, suas origens, sua vida como estudante de Direito, os concursos públicos, as motivações que o levaram a eleger Prascóvia Fiódorovna como esposa: “Dizer que Ivan Ilitch se casou por ter se

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apaixonado pela moça e por ter encontrado nela compreensão para a sua concepção da vida, seria tão incorreto quanto afirmar que se consorciara porque a sua roda social aprovara o enlace. Esposou-a movido por suas próprias razões: o casamento lhe proporcionava particular satisfação e era visto como uma boa solução pelos seus amigos mais altamente colocados”. Nem por amor, nem somente por puro interesse, embora seja notória a importância que dava aos valores prezados pelos mais bem situados.

O magistrado não encontrou felicidade no lar. Passado o breve mar-de-rosas que fora a lua-de mel, o matrimônio se revelou perturbador: “E, não mais que um ano após o casamento, Ivan Ilitch chegou à conclusão de que a convivência familiar, embora ofereça certas vantagens, era uma coisa verdadeiramente complexa e difícil, para a qual é preciso elaborar uma relação definida, tal como perante o trabalho, a fim de se poder cumprir honradamente o dever, ou seja, levar-se uma vida que, pela correção, a sociedade aprove”. Problemas de ordem prática, soluções igualmente práticas!

Nada como refugiar-se no trabalho como forma de blindagem para evitar que algum incômodo nos perturbe e podermos assim, anestesiados, deixar a vida seguir seu curso, sob controle: “Todo o interesse da sua existência se concentrou no mundo judiciário e esse interesse o absorvia. A consciência da sua força, que permitia aniquilar quem ele quisesse, a imponência da sua entrada no tribunal, a deferência que lhe tributavam os subalternos, seus êxitos com superiores e subordinados e, sobretudo, a maestria com que conduzia os processos criminais e da qual se orgulhava – tudo isto lhe dava prazer e lhe enchia os dias, a par das palestras com os colegas, os jantares o [jogo] uíste. Assim a vida de Ivan Ilitch decorria da maneira que achava conveniente – agradável e digna”.

Sobre o contentamento que o jogo lhe proporcionava, confidencia-nos o autor: “A alegria que Ivan Ilitch encontrava no trabalho era a alegria da ambição; as alegrias da vida social eram as da vaidade; mas as verdadeiras alegrias eram as proporcionadas pelo uíste”. Entrevemos mais um pouco da alma do corretíssimo juiz

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Ivan Ilitch: ambicioso, vaidoso e frívolo!

Dentre as demais atividades nas quais encontrava prazer ocupavam-no uma inocente e tipicamente burguesa: a decoração e organização do lar; mas nem sequer nisso sua individualidade aflorava: “Teve a sorte, principalmente de poder comprar barato certas antigüidades, que emprestavam à casa um ar pronunciadamente aristocrático. (...) Na verdade, havia ali o mesmo que se encontra nas casas de gente remediada, mas que pretende aparentar opulência e apenas consegue que se pareçam extraordinariamente umas com as outras (...) enfim, tudo aquilo que as pessoas de certa classe possuem para parecer com as pessoas da mesma classe. A casa de Ivan Ilitch era uma perfeita imitação, mas ele a achava absolutamente original”.

Tudo corria relativamente bem na pacata e irretocável vida de Ivan Ilitch. Até que um dia, envolvido na arrumação da nova casa, ansioso por demonstrar a um operário como queria que um serviço fosse executado, deu um passo em falso, escorregou duma escada e deu uma pancadinha de lado, na moldura da janela. Na hora, não sentiu muito, apenas uma dorzinha boba. Mas após esse episódio, as dores foram se tornando cada vez mais intensas e insuportáveis. Apesar de ter se submetido a renomados especialistas, nada pôde fazer. A morte o rondava.

A inesperada condição de enfermo será extremamente favorável à observação, à avaliação isenta e imparcial dos relacionamentos cultivados com todos os que o cercavam, inclusive com seus colegas juízes. É com profundo desapontamento que Ivan constata que, indiferentes, a única coisa que importava mesmo era manter o enfadonho (mas necessário) protocolo de visitas e confabular sobre quem ocuparia o posto que ele deixará, bem como quem ficará com o cargo vago por aquele que o substituir, e assim por diante. Recapitulando seus valores, suas realizações e frustrações, conclui que “farinha do mesmo saco”, não teria agido diferente de seus interesseiros e ambiciosos amigos magistrados. Afundando num sofrimento desesperado, Ivan Ilitch se dá conta da insignificância de sua vida, da fragilidade de suas conquistas. Apesar de suas dores físicas serem terríveis,

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doía ainda mais a sua consciência moral. Próximo à finitude e com fome de imortalidade, a ânsia de encontrar propósito para sua breve e vulgar existência martelava-lhe o cérebro.

Foram três meses, de intensa agonia. Dependente de auxílio para tudo, inclusive para as constrangedoras necessidades fisiológicas, encontra na alma do singelo camponês Guerássin, ternura e, testemunha a bondade humana. Certa vez, agradecendo pelo desagradável préstimo, ouviu o mujique afirmar que fazia isso com prazer; que qualquer um faria. Essa ingenuidade o comovia profundamente. Acalmava-lhe a presença desse prestativo enfermeiro.

Sob o crivo de uma lucidez perturbadora, repassou sua vida: “E quanto mais longe da infância e mais perto do presente, tanto mais as alegrias que vivera lhe pareciam insignificantes e vazias. A começar pela faculdade de direito. Nela conhecera alguns momentos realmente bons: o contentamento, a amizade, as esperanças. Nos últimos anos, porém, tais momentos já se tornavam raros. Depois, no tempo do seu primeiro emprego, junto ao governador, gozara alguns belos momentos: amara uma mulher. Em seguida tudo se embrulhou e bem poucas eram as coisas boas. Para adiante, ainda menos. E, quanto mais avançava, mais escassas se faziam elas. Veio o casamento, um mero acidente e, com ele, a desilusão, o mau hálito da esposa, a sensualidade e a hipocrisia. E a monótona vida burocrática, as aperturas de dinheiro, e assim um ano, dois, dez, vinte, perfeitamente idênticos. E, à medida que a existência corria, tornava-se mais oca, mais tola. É como se eu tivesse descendo uma montanha, pensando que a galgava. Exatamente isto. Perante a opinião pública, eu subia, mas na verdade, afundava. E agora cheguei ao fim – a sepultura me espera”.

Sem que ninguém visse: “Chorava a sua impotência, a sua terrível solidão, a crueldade de Deus, que o abandonava”. Vulnerável, clamava por carinho, piedade e, em silêncio, nutria um desejo inconfessável para um homem de respeito: queria ser cuidado como se fosse uma criança.

Buscar e encontrar o significado da vida é algo particular. O

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juiz Ivan Ilitch foi um homem que não atentou para a liberdade de poder escolher seu destino. Sem discutir, fez o que era para ser feito e pronto. Mas isso fora insuficiente para deixá-lo partir em paz. Não questionou o télos (propósito/objetivo/finalidade) de seus comparsas; “fechou” com a futilidade encantatória da classe dominante; almejada, sem pestanejar, por toda manada, ilusório alvo de imitação. Três horas antes de morrer, Ivan Ilitch vislumbra luz no fundo do saco escuro. Sensibiliza-o as lágrimas nos olhos do filho e da mulher, se apieda por eles: “e percebia que a sua vida não fora o que deveria ter sido, mas ainda podia ser reparada”. No instante em que adota uma atitude em relação ao sofrimento, algo fenomenal o liberta da fantasmagórica ameaça da vala-comum psíquica. Ah, a morte: “Que alegria!”. Ivan Ilitch recebe-a de braços abertos!

http://www.revispsi.uerj.br/v10n3/artigos/html/v10n3a16.html

Se eu tinha que morrer, assim como Caio, deviam ter-me avisado antes. Uma voz dentro de mim desde o início deveria ter-me dito que seria assim. Mas não havia nada em mim que indicasse isso; eu e todos os meus amigos sabíamos que em nosso caso seria diferente. E eis que agora... Não... não pode ser e, no entanto é assim! Como entender isso? (TOLSTOI, 1999, p. 69).

Na análise existencial da morte, Martin Heidegger (1989) afirma que enquanto o Dasein é, ele jamais alcançou sua totalidade, uma vez que atingir a totalidade é realizar a possibilidade da morte, e isto corresponde à perda do ser. Concluímos, por conseguinte, que a referida totalidade não está associada, em relação ao Dasein, à realização de todas as suas possibilidades, mas no sentido de que não há mais o que realizar. A morte é uma possibilidade humana que finda todas as outras, e, por isso, merece destacada importância no pensamento de Heidegger. Tal estrutura, por ele definida como ontológica do Dasein, denominou-se ser-para-a-morte.

É importante ressaltarmos que a investigação ontológica enfoca a morte como possibilidade própria; a morte que pertence essencialmente ao “ente que eu mesmo sou”. Desta forma, afasta-se de uma ótica que pensa tal questão como um fenômeno desvinculado ou externo ao Dasein. A sua contínua não totalidade aspira-se com a morte. Mas o “fim” do Dasein deve ser interpretado existencialmente. Com isso, pode-se afirmar que, a experiência da morte pertence originariamente ao ser do Dasein, como sua possibilidade mais própria, irremissível e extrema. Enquanto existe o Dasein já é para o fim. O ser-para-a-morte constitui

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originariamente o Dasein. Essencialmente intrínseco ao estar-lançado, o ser-para-a-morte vigora “antes” de todo e qualquer saber sobre a morte.

Sendo em suas possibilidades, o Dasein já está lançado na morte, que, de início e na maior parte das vezes, é a morte dos outros. Existindo o Dasein morre de fato, muito embora isto se dê na maioria das vezes no modo da decadência. O Dasein decadente foge da estranheza do ser-para-a-morte mais próprio encontrando abrigo “seguro” no impessoal.

A relação entre morte e linguagem no pensamento de Heidegger

A relação entre morte e linguagem no pensamento de Heidegger.                      

Paulo Afonso de Araújo1

Resumo: Este artigo pretende indicar a relação essencial entre morte e linguagem no pensamento de Martin Heidegger. Para tanto, procura seguir seu pensamento do ser-para-a-morte de Ser e Tempo (1927) ao mortal da quadratura (Geviert), das obras da virada (Kehre).

Palavras-chave: Heidegger, morte, linguagem.

Abstract: This article aims to show the essential relationship between language and death at the thought of Martin Heidegger. To this scope attempts to follow his thinking since the being-toward-death in Being and Time (1927) to the mortal of the fourfold (Geviert), of the works from the turn (Kehre).

Keywords: Heidegger, death, language.

Na conferência A essência da linguagem (1957), publicada em A caminho da linguagem (1959), Heidegger afirma: “Mortais são aqueles que podem fazer a experiência da morte como morte. O animal não é capaz dessa experiência. O animal também não sabe falar. A relação essencial entre a morte e a linguagem lampeja, não obstante ainda de maneira impensada”. (HEIDEGGER, 1985, p.203)

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I

Em Ser e Tempo a morte é um dos temas fundamentais para a constituição da integralidade do ser aí (Dasein). No início da segunda seção, Heidegger se pergunta: os existenciais do Dasein – o sentir-se situado, a compreensão, o discurso e a decadência – podem ser recolhidos em uma unidade? A análise precedente mostrou que o ser do Dasein é um poder ser que tem o caráter do não ainda, ou seja, da incompletude. Acontece que esta determinação não pode ser superada, pois enquanto o Dasein é não alcança a própria integralidade, e quando a alcança perde seu ser. Assim, “o alcance da integralidade por parte do Dasein através da morte é, ao mesmo tempo, perda do ser (Sein) do aí (Da)”. (HEIDEGGER, 1977, p.316)Além disso, o fim do Dasein não pode ser experimentado simplesmente como algo que em um dado momento inesperado lhe assalta levando-o ao seu término.

Da mesma forma que o Dasein, enquanto é, constantemente já é o seu ainda-não, ele também já é sempre o seu fim. O findar implicado na morte não significa um ser-no-fim (Zu-Ende-sein) do Dasein, mas um ser-para-o-fim (Sein zum Ende) deste ente. A morte é um modo de ser que o Dasein assume no momento em que é. “Tão logo o homem entra na vida já é velho o suficiente para morrer”. (HEIDEGGER, 1977,  p. 326)

1º PARTENeste sentido, o fenômeno da morte só pode ser visto de forma autêntica quando não é pensado como algo indiferente ou simplesmente como a morte dos outros, onde a relação que cada um tem com sua própria morte é removida como se não lhe dissesse respeito.É interessante notar que Heidegger no período em que elaborava a questão do ser-para-a-morte tinha sempre sobre sua mesa de trabalho um exemplar do conto de Lev Tolstói, A morte de Ivan Ilitch, que inclusive é citado. (HEIDEGGER, 1977, p. 337) É significativo que um conto, e não um tratado filosófico sobre a morte, tenha servido, já neste momento do pensamento heideggeriano, para a elaboração desta questão central de Ser e Tempo. Depois da Kehre, o diálogo de pensamento e poesia será sempre mais frequente na meditação heideggeriana.No conto de Tolstói são indicados alguns dos pontos fundamentais do ser-para-a-morte de Heidegger, como a atitude decadente que recusa o tema da própria morte, pensando-a apenas como morte dos outros. Quando porém a doença de Ivan Ilitch escancara, como um lampejo, a sua condição de mortal, eis que todas as falsas convicções desmoronam. A angústia então o atormenta sem trégua, mostrando-lhe o seu ser sempre mais próximo de um abismo que o aterroriza. Até o momento que a doença o atingiu, sua vida

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prosseguia segundo os cânones de uma vida normal e indiferente, orientada segundo o impessoal público que tudo nivela. Mas com o assalto da angústia diante da morte tudo muda, inclusive o famoso silogismo da lógica elementar.

3ºPARTECaio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal, parecera-lhe, durante toda sua vida, correto somente em relação a Caio, mas de modo algum em relação a ele. Tratava-se de Caio-homem, um homem em geral, e neste caso era absolutamente justo; mas ele não era Caio, não era um homem em geral, sempre fora um ser completa e absolutamente distinto dos demais; ele era Vânia, com mamãe, com papai, com Mítia e Volódia, com os brinquedos, o cocheiro, a babá, depois com Kátienka, com todas as alegrias, tristezas e entusiasmos da infância, da juventude, da mocidade. Existiu porventura para Caio aquele cheiro da pequena bola de couro listada, de que Vânia gostara tanto?! Porventura Caio beijava daquela maneira a mão da mãe, acaso farfalhou para ele, daquela maneira, a seda das dobras do vestido da mãe? Fizera um dia tanto estardalhaço na Faculdade de Direito, por causa de uns pirojki? Estivera Caio assim apaixonado? E era capaz de conduzir assim uma sessão de tribunal? E Caio é realmente mortal, e está certo que ele morra, mas quanto a mim, Vânia, Ivan Ilitch, com todos os meus sentimentos e idéias, aí o caso é bem outro. (TOLSTÓI, 2006. p.49)Com o ser-para-a-morte o Dasein não se encontra mais disperso no impessoal público, mas se abre ao seu puro ser-no-mundo; no momento em que o homem compreende o próprio ter que morrer eis que o si mesmo é aberto e é alcançado pelo Dasein. Isso porque no ser-para-a-morte o Dasein experimenta a morte apenas como a sua própria morte, não como aquela de Caio. A morte é sempre a sua morte.Mas o que significa experimentar sua própria morte? Quando pensamos no fenômeno da morte, constatamos, em primeiro lugar, que quando ela alcança o Dasein ele não é mais aí (Da). Sendo assim, o Dasein não pode atualizar sua própria morte; ela é a possibilidade mais própria do Dasein, que no entanto permanece pura possibilidade. Ela é apenas possibilidade. Isso implica que a morte, sendo a única possibilidade do Dasein que permanece tal, é precisamente a condição que determina o ser do homem, que é sempre um poder ser. A morte enquanto possibilidade da impossibilidade de toda outra possibilidade é aquilo que abre o Dasein ao seu evolver-se em contínuas possibilidades. Ela evita a cristalização do Dasein em uma dada possibilidade, projetando-o para outras possibilidades; sem uma meta, porque somos apenas caminho. Com efeito, o habitar do homem é essencialmente um caminhar em direção ao ser que se subtrai; e precisamente por isso seu habitar é apenas um caminhar.Nosso ser sem meta, é confirmado pelo fato que a morte não alcança o

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Dasein simplesmente como o acabamento de seu caminho. No momento que o Dasein morre, anula-se para ele a possibilidade de poder experimentar sua própria morte. Diz Tolstói no final do conto:

E de repente, percebeu com clareza que aquilo que o atormentava e não o deixava, estava de repente saindo de uma vez, de ambos os lados, de dez lados, de todos os lados. Eles dão pena, é preciso fazer com que não sofram. Libertá-los e libertar a si mesmo desses tormentos. “Como é bom e como é simples – pensou. — E a dor? – perguntou em seu íntimo. — Para onde foi? Eh, onde estás, minha dor?”Prestou atenção.“Sim, ei-la. Ora, e então? Que seja a dor”.“E a morte? Onde está?”Procurou o seu habitual medo da morte e não o encontrou. Onde ela está? Que morte? Não havia nenhum medo, porque também a morte não existia.Em lugar da morte, havia luz.— Então é isto! – disse de repente em voz alta. — Que alegria!Tudo isso lhe aconteceu num instante, e a significação desse instante não se alterou mais. Mas, para os presentes, a sua agonia ainda durou duas horas. Algo borbulhava-lhe no peito; o seu corpo extenuado estremecia. Depois, o borbulhar e o rouquejar tornaram-se cada vez mais espaçados.— Acabou! ¬– disse alguém por cima dele.Ouviu essas palavras e repetiu-as em seu espírito. “A morte acabou – disse a si mesmo. — Não existe mais”.Aspirou ar, deteve-se em meio do suspiro, inteiriçou-se e morreu.           (TOLSTÓI, 2006, p.75-76).                                                                                      

A morte como única verdadeira possibilidade nunca pode se realizar. E precisamente isto que não é, este não ente, este nada é aquilo que desde o nascimento condiciona o mais profundo ser do homem, determinando-o como mortal sem meta.O homem pode experimentar a própria morte apenas pensando-a como possibilidade nunca realizável, na qual descerra-se nele a possibilidade de não mais ser aí (Da-sein). Diante da morte há apenas o inexplicável ter que morrer para viver.O Dasein sente a caducidade de seu ser-no-mundo mediante um sentir-se situado, uma tonalidade afetiva fundamental: a angústia. Ela não é uma forma de medo, porque a angústia não se dá diante de um ente intra-mundano ameaçador, mas diante do mundo como tal. O mundo na angústia é experimentado em sua insignificância; nela o mundo se apresenta como o próprio nada. O Dasein não encontra em si mesmo o fundamento para a sua condição essencial, ou seja, o seu ser-no-mundo; o porquê da sua condição

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não encontra resposta. Assim, a angústia abre o Dasein ao nada, ao abismo sem lugar em que ele, enquanto finito, se encontra lançado como ser-no-mundo. Angústia, abertura, encontrar-se lançado e morte são co-originários; o fato que o Dasein fuja da própria nulidade no impessoal público, na dispersão de si mesmo, apenas atesta a originária abertura angustiante da própria morte.

II

Podemos nos perguntar se nesta primeira etapa do caminho de pensamento de Heidegger é possível identificar uma ligação entre morte e linguagem. Parece-nos que sim, não obstante os resquícios da metafísica do sujeito transcendental ainda presentes em Ser e Tempo. O lugar desta ligação é o chamado da consciência (Gewissen). O fenômeno da consciência é visto como chamado do Dasein ao seu próprio si mesmo. Pergunta-se Heidegger:Que chamado a consciência faz ao interpelado? Em sentido rigoroso, nada. O apelo não exprime nada, não fornece nenhuma informação sobre acontecimentos do mundo, nada tem para contar. Muito menos pretende iniciar, no próprio interpelado, uma “conversa consigo mesmo”. “Nada” é confessado para o si-mesmo interpelado, mas este é chamado para si mesmo, ou seja, para assumir o seu poder-ser mais próprio. (HEIDEGGER, 1977, p. 363)E acrescenta: “A fala da consciência sempre e apenas se dá em silêncio. Não somente nada perde em termos de percepção, mas até leva o Dasein interpelado e apelado a recolher-se na silenciosidade de si mesmo”. (HEIDEGGER, 1977, p. 363-364). No despertar do chamado silencioso da consciência, o Dasein se abre à nulidade de seu ser-no-mundo, ou seja, ao fato de se encontrar lançado no mundo sem um porquê. Nulidade tem aqui o significado da falta de fundamento originária na qual o Dasein desde sempre encontra-se lançado.Posteriormente, Heidegger evidencia que o chamado da consciência revela que o Dasein se caracteriza por seu ser em dívida (Schuld, que significa também pecado). Dívida que se constitui em uma originária falta essencial, que é a condição de nulidade do próprio Dasein. “Determinamos de maneira existencial e formal a idéia de ‘devedor’ do seguinte modo: ser fundamento de um ser determinado por um nada, isto é, ser fundamento de uma nulidade”( HEIDEGGER, 1977, p.376). A dívida originária do Dasein é o peso que ele mesmo deve suportar porque, enquanto lançado, não é o fundamento de seu próprio ser. O Dasein é o ente que pode ser apenas porque lhe é concedido ser. Ele pode ter diante de si a possibilidade com a qual funda o seu habitar e com este o ente na sua totalidade, apenas porque não tem fundamento em si mesmo. Ele é caracterizado pela nulidade do nada. E apenas por isso ele é capaz da morte. Existindo, o Dasein

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nunca retrocede aquém de seu estar-lançado, de tal modo que pudesse em cada caso despedir expressa e exclusivamente de seu “ser si mesmo” e transferir ao “aí” (Da) semelhante "que é e tem de ser" (daß es ist und zu sein hat). O estar-lançado não se encontra aquém dele como um acontecimento que de fato ocorreu e que se teria desprendido do Dasein e com ele acontecido, mas o Dasein, enquanto é, como cura, é constantemente o seu “que” (daß). (HEIDEGGER, 1977, p.377)Além disso, uma vez que o ser do Dasein é a cura, o cuidado, ele significa: “desde que se justifique a forma de determinação existencial da dívida como ser fundamento de uma nulidade, o Dasein como tal é em dívida”. (HEIDEGGER, 1977, p.378-379) O chamado da consciência por manifestar a nulidade, ou seja, a mortalidade do Dasein, chama na forma do silêncio. Apenas o silêncio tem afinidade com o nada. Tudo isso já anuncia a Kehre, que levará Heidegger a pensar a essência mesma da linguagem como “som do silêncio”. “A linguagem fala como som do silêncio” (HEIDEGGER, 1985, p.27); som que não é algo simplesmente humano, mas um deixar ser lugares onde silêncio e palavra podem jogar a sua essência.Contudo, a virada não acontece sem problemas, pois em Ser e Tempo quem chama o Dasein à própria mortalidade não é o ser, mas o próprio Dasein. São os resquícios do sujeito transcendental! Depois da virada, porém, o chamado não é mais da consciência, mas do próprio ser. Com a Kehre, o Dasein se enfraquece porque Heidegger abandona a busca de fundar o ser.

III

Um primeiro passo no sentido da superação dos resquícios do sujeito transcendental nós encontramos na preleção O que é metafísica? (1929). O tema da preleção é o nada, que, segundo Heidegger, a metafísica nunca conseguiu pensar de forma autêntica. Na metafísica, com efeito, o nada é pensado como a negação do ente. A negação, por sua vez, é conhecida como uma operação do intelecto, fato que nos leva a dizer que o não da negação é fruto do intelecto. Mas como se coloca a relação entre o não da negação e o nada? É o não que determina o nada ou ocorre o contrário? Esta questão é importante porque colhe os limites do sujeito transcendental, que não consegue se decidir sobre qual dos dois elementos tem primado sobre o outro. O intelecto obviamente desenvolve a operação da negação, mas como pode negar a totalidade do ente se a ele mesmo não é dada a possibilidade de que o ente possa ser negado? O intelecto deve ter alguma relação com o nada para poder desenvolver a operação da negação. Isso significa para Heidegger que “o nada é mais originário que o não e a negação”. (HEIDEGGER, 1996b, p.108) Esta afirmação contém já um forte enfraquecimento do sujeito transcendental, pois a força que o projeta

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não provém de si mesmo: o próprio nada deve se anunciar ao Dasein. E o modo pelo qual o nada se anuncia ao Dasein é a tonalidade afetiva da angústia: “a angústia revela o nada”. (HEIDEGGER, 1996b, p.112) Com a angústia, o ente na sua totalidade cai na insignificância, evidentemente não no sentido que desaparece no nada, mas no sentido que na angústia o nada se manifesta juntamente com o ente na sua totalidade. (HEIDEGGER, 1996b, p.113) Na angústia o ente se torna problemático, porque permanece sem fundamento. Ente e nada não são desta forma duas regiões subsistentes por si mesmas que em um segundo momento se colocam na proximidade. Aqui ocorre algo surpreendente: o nada, ou seja, o absolutamente outro respeito ao ente, ao nadificar o ente o mostra. “Somente na clara noite do nada da angústia surge a originária abertura do ente enquanto tal: o fato de que é ente – e não nada”.( HEIDEGGER, 1996b, p.114) Neste seu ser um diante do outro se desdobra já a diferença ontológica, a cuja salvaguarda é destinado o próprio Dasein. Deste modo, Heidegger pode dizer que “o nada não permanece o indeterminado oposto ao ente, mas se desvela como pertencente ao ser do ente”. (HEIDEGGER, 1996b, p.120) No nada, no absolutamente outro respeito ao ente, encontra-se custodiado o mistério do ser; ser e nada se co-pertencem.Mais adiante, no ensaio A origem da obra de arte (1936), Heidegger vê a obra de arte como um modo de ocorrência essencial da verdade como alethéia. A obra de arte se desdobra como luta de mundo e terra, onde o mundo se expõe como auto-abertura por essência e a terra se produz como auto-fechamento. A terra é aquilo que por essência esconde a si mesma. Ela pode descerrar apenas porque permanece cerrada em si mesma. Este permanecer encoberto, este não poder explicar a própria proveniência nos faz pensar a terra como o próprio nada, absolutamente outro que como tal permanece indizível. E no entanto, este caráter terrestre da obra de arte é aquilo que, em seu permanecer encoberto, descerra o seu mundo. A terra é o nada que abre o ente na sua essência.A conferência Hölderlin e a essência da poesia (1936), por sua vez, nos fala da relação que liga o homem e a terra. Pergunta-se Heidegger:

Quem é o homem? Aquele que deve testemunhar aquilo que é. Testemunhar significa, de um lado, declarar; mas ao mesmo tempo quer dizer: declarando, garantir aquilo que se declara. O homem é aquele que é precisamente testemunhando o próprio Dasein (...) Mas o que deve testemunhar o homem? A sua pertença à terra. (HEIDEGGER, 1996a, p.36)O homem é aquilo que é apenas porque testemunha a sua pertença à terra. Mas a terra é para Heidegger aquilo que se descerra como auto-fechamento, a terra é o descerrar-se do nada, daquilo que permanece indizível na sua alteridade.

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Pertencer à terra quer dizer pertencer ao nada, isto é, ser em relação essencial com esta (com este). Mas é precisamente a morte aquilo que permite ao homem pertencer à terra. De sua parte, a morte indica este caráter de transitoriedade de seu ser, a finitude que abre. O homem porém vê este desabrochar e declinar não apenas na própria existência, mas também em todas as coisas. O tempo em seu temporalizar-se abre ao ente na sua totalidade uma abertura onde pode desabrochar e declinar. Heidegger afirma:

Esta pertença consiste no fato que o homem é o herdeiro e o aprendiz de todas as coisas. Mas estas estão em contraste entre si. Aquilo que mantém as coisas em seu contraste e que, precisamente por isso, ao mesmo tempo as recolhe em um conjunto Hölderlin chama de “intimidade” (Innigkeit). O testemunho da abertura a esta intimidade ocorre na criação de um mundo e no seu surgir como também na sua destruição e no seu crepúsculo. (HEIDEGGER, 1996a, p.36)Esta relação entre mortalidade e pertença à terra é retomada por Heidegger na conferência sobre a poesia de Hölderlin Como quando em dia de festa... (1939). A relação é aqui caracterizada pelo luto, que mostra o modo pelo qual a natureza (physis) se encontra desperta. “Assim se ela parece dormir alguns tempos do ano/ no céu ou entre as plantas ou entre as pessoas,/ encontra-se em luto o vulto do poeta,/ parecem ser sós, e no entanto sempre pressentem”. Comenta Heidegger:

A natureza parece dormir e no entanto não dorme. Ela está desperta, mas desperta no modo do luto. Este se retira de tudo para a comemoração (Gedenken) de uma coisa apenas. Mas a rememoração (Andenken) do luto permanece próxima daquilo que lhe foi tirado e que parece distante. O luto não apenas afunda na laceração por aquilo que foi perdido. Ele faz retornar sempre de novo o ente. (HEIDEGGER, 1996a, pp.54-55)No luto se abre ao homem a consciência de seu próprio destino mortal, pelo qual quem morre é conservado na recordação, e assim continua presente como ausente. Nisso se dá a recordação do pensamento que rememora (Andenken), operante no luto, que se celebra por aquilo que morreu; mas aquilo que morreu se torna, através desta celebração mesma, aquilo que se distanciou para se tornar próximo. Na recordação vive aquilo que morreu, aparecendo como passível do crepúsculo que pertence a sua mortalidade. Precisamente por isso o véu do Andenken torna vivo o objeto de nosso luto, uma vez que no Andenken se evidencia a sua verdade, a verdade daquilo que tem em si o destino de tramontar. A nossa recordação torna plenamente presente aquilo que recordamos; mas o que recordamos é aquilo que celebramos no luto, a sobrevivência daquilo que morreu, ou melhor, o declínio próprio da mortalidade.

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O pensamento que rememora torna-se pensamento mortal. Ele não é pensamento caduco, mas pensamento pensado pelos filhos da terra. Alguns versos de Hölderlin extraídos de Andenken dizem: “Não é bom/ ser sem alma de pensamentos/ mortais”. (HEIDEGGER, 1992, p.20)  Estes versos são dirigidos ao próprio poeta que, ao nomear o sagrado, deve ser rico na alma de pensamentos mortais. O poeta encontra-se no entre que separa e recolhe os deuses e os mortais; assim, se de um lado ele presta atenção aos acenos do sagrado, de outro, deve pensar em modo mortal. A sua tarefa é oferecer os acenos do sagrado ao seu povo na palavra poética, dando desta forma o fundamento (a medida) para o habitar do homem sobre esta terra. Apenas se o poeta, ao mesmo tempo, assume em si mesmo os elementos divino e mortal pode cumprir sua tarefa sagrada: dar medida ao habitar do homem.Como sabemos, a quadratura (Geviert) do mundo é extraído por Heidegger de vários colóquios com a poesia de Hölderlin. Nela o homem, o mortal, é aquele que pertence à terra, à physis, à fonte que se esconde. Na medida em que o mortal é colocado sobre a terra encontra-se já sob o céu, e pode em tal modo co-pertencer como mortal aos divinos. Heráclito fala em um fragmento (62) da relação entre imortais e mortais: “imortais mortais, mortais imortais, uns vivem a morte, outros morrem a vida”. (HEIDEGGER; FINK, 1986, p.119)

Na vida do mortal dá-se a relação com o totalmente outro, com o ser divino do deus que o torna finito: o deus imortal “vive” o seu morrer, enquanto o homem “morre” a vida imortal. Uns recebem dos outros a própria diferença, ou seja, em virtude da relação que os faz ser aquilo que são. É como dizer que o recíproco diferir lhes designa o próprio destino, tendo-lhes expropriado a possibilidade de ser cada um por si mesmo aquilo que têm de ser. (RUGGENINI, 1996, p. 197).Nesta comum-pertença de mortais e divinos, de terra e céu, se desdobra o jogo de espelhos do Geviert. Neste jogo o mortal é aquele que habita a terra sob o céu e se encontra na escuta dos acenos do divino. O segredo da mortalidade do homem não é, desta forma, experimentável simplesmente pensando o homem em termos biológicos. O homem é desde sempre, como mortal, relação a sua alteridade: o divino. Deus é portanto o segredo da mortalidade do homem, ou ainda melhor, tal segredo é a própria comum-pertença dos quatro do Geviert, que desdobram o mundo como o lugar de passagem e de ultrapassagem. Deste lugar de passagem fala o primeiro dito do pensamento ocidental, ou seja, o dito de Anaximandro, que Heidegger traduz: “ao longo do uso; eles dão, pois, lugar a que pertença a conexão (Fug), com isso também o cuidado de um com o outro (na resolução) na não-conexão (Un-Fugs)”(HEIDEGGER, 1980,p.372)Precisamente o mortal, o ente que mais que outros se arrisca no jogo sem

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porquê do ser, assume o caráter de passagem (que não se deixa dizer), de caminho sem meta. Sobre a relação da morte com o jogo abissal do ser diz Heidegger: “A morte é a medida ainda impensada do incomensurável, isto é, do jogo supremo no qual o homem trazido à terra, é colocado”. (HEIDEGGER, 1997, p. 167)Aquele que mais que outros medita sobre esta medida é o poeta, que assume o entre de céu e terra, de divinos e mortais. Esta medida é a autêntica dimensão com a qual os homens fundam seu habitar sobre a terra e o desdobramento do ente em sua totalidade. Mas para que os poetas possam corresponder à dimensão do Geviert, eles mesmos devem assumir sua condição de mortais; devem sentir em si mesmos a nulidade a qual pertencem correspondendo a ela. Os homens enquanto mortais atingem o abismo, que é propriamente o ser na sua pura alteridade. Sobre isso afirma Heidegger:

A morte é o escrínio do nada, ou seja, daquilo que nunca, em nível algum, é algo que simplesmente é e que no entanto ocorre essencialmente (west), e até mesmo se desdobra com o mistério mesmo do ser. A morte, enquanto escrínio do nada, custodia em si aquilo que é o essencial do ser. Escrínio do nada, a morte é o resguardo do ser. (HEIDEGGER, 2000, p.180)O nada aqui não se apresenta como algo estranho ao ser, mas ambos são apenas porque se co-pertencem no mesmo.

IV

Mas tudo isso leva-nos à relação entre morte e linguagem?Para responder esta questão, tentemos considerar como a linguagem no pensamento de Heidegger muda a sua essência, mantendo ao mesmo tempo os resultados sobre a morte.Em Ser e Tempo, Heidegger considera a linguagem um dos existenciais fundamentais do Dasein. O seu fundamento ontológico é o discurso, que como tal é co-originário ao sentir-se situado e à compreensão. O discurso não é desta forma algo que se acrescenta ao Dasein em um segundo momento, mas lhe é constitutivo. Dizer isso significa que o discurso é ele mesmo a abertura na qual o Dasein desde sempre existe. O Dasein é porque sente-se situado e compreende, e precisamente a compreensão desdobra a relação que liga Dasein e discurso. “O discurso é a articulação da compreensibilidade. (...) Chamamos de totalidade significativa aquilo que, como tal, se estrutura na articulação do discurso. (...) A compreensão afetivamente situada do ser-no-mundo se exprime no discurso”. (HEIDEGGER, 1977, P.214) A linguagem é desta forma a expressão do discurso, o qual constitui, juntamente com o sentir-se situado e a compreensão, a abertura do ser-no-mundo. Assim, já nesta etapa do

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caminho de Heidegger a linguagem tem uma função fundamental; e, além disso, a modalidade autêntica pela qual o Dasein se abre à linguagem não é o falar, mas o escutar. Diz Heidegger: “Enquanto escuta da voz do amigo que todo Dasein traz consigo, o escutar constitui até mesmo a abertura primordial e autêntica do Dasein para o seu poder-ser mais próprio”. (HEIDEGGER, 1977, p.217)A escuta é o modo originário pelo qual o Dasein tem acesso ao mundo. Isso comporta que o Dasein fala porque escuta. E aqui Heidegger fala da escuta da voz do amigo que todo Dasein traz consigo.O que entende Heidegger com a escuta da voz do amigo? Em primeiro lugar a voz do amigo cala, no sentido que não diz nada. Heidegger não evoca aqui nenhum dito nem um dizer. O amigo fala com uma voz que o Dasein traz consigo (trägt bei sich), mas onde?  Não traz nem dentro nem simplesmente fora, mas consigo. O com (bei) indica um ser-com (Mit-sein), um colocar-se na escuta, ou seja, um referir-se a algo; só que este algo, o amigo, não fala, ou seja, é invisível. Considerando a passagem citada, afirma Derrida:

O amigo não tem figura. Não tem sentido. Não tem nome. Não é um homem, não é uma mulher, não sou eu, não é um eu, nem um sujeito nem uma pessoa. É um outro Dasein que todo Dasein traz consigo (bei sich trägt), através da voz que entende; nem em si, na orelha, na “orelha interior”, no interior de uma interioridade subjetiva, contudo nem também distante, muito distante da orelha (pois pode-se entender muito bem distante, em um espaço externo ou em uma transcendência qualquer), mas na vizinhança, a uma distância que não é nem absoluta – absolutamente infinita – nem na proximidade absoluta de uma propriedade; conseqüentemente, não é determinável segundo uma qualquer medida objetiva do mundo. (DERRIDA, 1994, p.345)Esta voz tem o caráter de um chamado que ao não dizer nada se esconde, ou seja, trata-se de um chamado sem aquele que chama.Nós já encontramos este caráter da voz que todo Dasein traz consigo no apelo da consciência. Este chamado desperta o Dasein para o si mesmo autêntico, e se mostra como um assumir a dívida de sua própria nulidade. O chamado interpela o homem convocando-o ao próprio destino mortal.Todo Dasein traz consigo tal chamado, mas na maioria das vezes sua voz é sufocada pelo falatório quotidiano, pela dispersão do si mesmo no impessoal público.Mas o que significa para o Dasein trazer, portar (tragen) consigo a voz do amigo? Portar, trazer consigo é suportar na proximidade que não anula a distância mas coloca em referência. Tragen é um manter-se na diferença (Aus-trag). A voz não é nem em si nem por si, mas se encontra no diferir, ou seja, no entre que separa e recolhe. A diferença traz no com que recolhe

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o Dasein e a voz no ponto que os separa e os conecta na intimidade. Nesta intimidade a voz do amigo é a pura alteridade à qual o Dasein se refere. Este fato do Dasein trazer consigo a voz do amigo é a essência da escuta. Escutar quer dizer dirigir-se para aquilo que chama, é abrir-se a algo. Apenas porque o Dasein é em si mesmo aberto, pode falar com os outros, ou seja, ser um ser-com (Mit-sein). O ser-com implica um mesmo destino: ser-no-mundo. Este mesmo destino se recolhe precisamente no discurso, no poder escutar e falar um com o outro.Do mesmo modo, aquilo que recolhe no mesmo destino é precisamente a morte. Na simples afirmação “todos morrem” se escancara o caminho comum que recolhe todos os homens. Contudo, nesta comunidade o discurso pode se tornar falatório e a morte não ser assumida como destino; trata-se da dispersão no impessoal público, que é uma modalidade do ser-no-mundo. O Dasein é um poder ser, e como tal pode escolher-se como também não se escolher. O Dasein é uma possibilidade lançada. Como tal, pode abrir-se a um discurso autêntico, aquele em que o Dasein não se dispersa no falatório, mas isso implica a antecipação da morte. Tal antecipação não é obviamente uma decisão de morrer, mas o abrir-se ao destino mortal, isto é, assumir-se como caminho sem meta. Nesta antecipação o Dasein descobre o seu ser apenas as próprias possibilidades. A resolução antecipatória da morte comporta a consciência que a morte, enquanto possibilidade da impossibilidade de qualquer possibilidade, dá o tom fundamental do caminho do Dasein. A ressonância desta resolução faz com que toda possibilidade aquém da morte seja experimentada como um caminho de fluxo contínuo. A ressonância da morte é escutada pelo Dasein na voz silenciosa da consciência, que o chama ao seu destino de mortal. Com esta resolução o Dasein se abre ao seu ser-no-mundo, que encontra no discurso a sua articulação fundamental. Desta forma se insinua a relação fundamental que une discurso e voz silenciosa, possibilidade e morte. A voz silenciosa tem em relação ao discurso o mesmo papel de fundamento sem fundo que a mortalidade tem em relação a toda outra possibilidade, inclusive todo possível ser-com.

V

Na conferência Hölderlin e a essência da poesia, por sua vez, a essência da linguagem é pensada como colóquio (Gespräch), de acordo com o verso do poeta: “Muito experimentou o homem/ Muitos celestes nomeou/ desde quando somos um colóquio/ e podemos escutar uns aos outros”. (HEIDEGGER, 1996a, p.36) Aqui o homem não usa simplesmente a linguagem para dialogar, mas ele mesmo é um colóquio. O fenômeno fundamental deste colóquio único é o escutar, que descerra a pertença do homem a um mesmo destino. Apenas a partir deste vínculo de pertença,

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nós homens “podemos escutar uns aos outros”. Este destino comum é a morte, testemunhada por nossa pertença à terra. Apenas porque o Dasein se encontra recolhido em um mesmo destino de morte pode ser um colóquio. Este ser um colóquio não anula as diferenças, mas as escuta em seu diferir.

O mesmo (das selbe) não se confunde com o igual (das gleiche) e nem tampouco com a unidade vazia do que é meramente idêntico. Com freqüência, o igual se transfere para o indiferenciado (das Unterschiedlose) a fim de que tudo nele se acorde. O mesmo é, ao contrário, o recíproco pertencer do diverso que se dá, pela diferença, desde uma reunião integradora. O mesmo apenas se deixa dizer quando se pensa a diferença. Na diferenciação (Austrag) dos diferentes vem à luz a essência reunidora do mesmo. O mesmo reúne o diferente numa união (Einigkeit) originária. (HEIDEGGER, 2000, p.196-197)O mesmo colóquio não comporta uma redução dos diferentes dialogantes, mas os escuta. Sendo assim, se os diversos devem poder ser unidos através de sua recíproca diversidade, então o horizonte de sua união não pode ser senão o fundamento mesmo de sua diversidade, ou seja, a pura diferença. A pura diferença é o próprio ser na sua relação essencial com o nada.Para nós homens a relação com este nada (o ser enquanto diferença) é a nossa mortalidade.Nas obras posteriores a Ser e Tempo, Heidegger usa sempre o termo mortal para designar a essência do homem: “Os mortais são os homens. São assim chamados porque podem morrer. Morrer significa: ser capaz da morte, enquanto morte”. (HEIDEGGER, 2000, p.180) O mortal pertence ao jogo do Geviert. Neste jogo se desdobra a essência do ser que chama silenciosamente as quatro regiões do mundo (terra e céus, mortais e divinos) e estabelece um intervalo (um entre) que faz ser toda coisa. Este chamado também se encontra na linguagem como “som do silêncio”, que em seu silencioso ressoar chama mundo e coisa em sua diferença. Apenas a partir da escuta do som do silêncio o mortal pode falar, ou seja, corresponder ao dizer originário, como essência da linguagem.A partir da metade dos anos 30 Heidegger começa a pensar a linguagem como abertura originária onde o Dasein encontra-se desde sempre lançado. Neste sentido, a pré-compreensão do Dasein é sempre um horizonte de linguagem. Estes horizontes, por sua vez, não são eternos, mas históricos e finitos. A verdade ocorre paulatinamente, abrindo épocas sempre novas, mas sempre em estreito colóquio entre si. O fato que os horizontes sejam finitos não se constitui em uma deficiência, mas é a possibilidade mesma para que outras épocas possam ocorrer. Aqui a finitude, a mortalidade, é índice de um sempre contínuo fluir da história, de um contínuo alternar-se de acontecimentos históricos. Não por acaso, no ensaio A origem da obra de arte, o mundo se torna um mundo indicando que a abertura da verdade

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não pode ser pensada como uma estrutura estável.A palavra poética inaugura no seu dizer épocas históricas. Este caráter inaugural comporta o fato que a palavra constitui uma abertura histórica onde as coisas são coisas. O verso final da poesia A palavra de Stefan George, que diz “nenhuma coisa seja onde a palavra faltar (Kein ding sei wo das wort gebrichts)”, é comentado por Heidegger:

“Um ‘é’ se dá, onde se desfaz a palavra (Ein ‘ist’ ergibt sich, wo das Wort zerbricht)”. Desfazer-se significa aqui: a palavra possível de ser pronunciada retorna no silêncio, lá onde extrai origem e possibilidade; retorna ao som do silêncio que, enquanto saga originária, movimenta as regiões da quadratura (Geviert) do mundo, instaurando entre si a proximidade. Este desfazer-se da palavra é o autêntico passo atrás no caminho do pensamento. (HEIDEGGER, 1985, p.204).Aquilo que Heidegger diz é surpreendente: de um lado, a palavra é aquilo que doa o “é” à coisa, é aquilo que abre a coisa ao seu mundo; de outro, a palavra mesma para doar o “é”, deve se desfazer. Isso comporta em primeiro lugar que a palavra não pode ser pensada como uma coisa, a palavra não “é”, assim como o próprio ser não é um ente. A palavra es gibt, se dá.

Mas o que dá a palavra? Segundo a experiência poética e de acordo com a tradição mais antiga do pensamento, a palavra dá: o ser. Assim pensando este se do dá-se (es, das gibt), temos de buscar a palavra como a doadora e nunca como um dado. Usamos a expressão dá-se (es gibt) de várias formas. Dizemos, por exemplo, “es gibt an der sonnigen Halde Erdbeeren” (há morangos na encosta ensolarada); il y a: há morangos lá; eles podem ser encontrados como o que lá está. Em nossa reflexão usamos de outro modo a expressão dá-se (es gibt). Não dizemos dá-se a palavra mas: isso, a palavra, dá... (Es, das Wort, gibt...). (HEIDEGGER, 1985, pp. 182-183)Mas de que modo a palavra dá o ser às coisas? Mostrando-as. Heidegger pensa o mostrar (Zeigen) como o modo originário pelo qual a linguagem, enquanto saga do dizer (Sagen), se descerra. Sagen é propriamente Zeigen. O desfazer-se da palavra é um mostrar. A linguagem, pensada como Zeigen, não pode ser entendida como um instrumento que o homem usa para mostrar as coisas e se mostrar. A linguagem fala. Ela em seu falar deixa ser as coisas. A linguagem desenvolve este deixar ser no jogo de espelhos do Geviert, cujas regiões ocorrem apenas porque são colocadas em sua proximidade, uma diante da outra. O mostrar da linguagem é desta maneira a mesma proximidade que traz para a vizinhança as regiões do Geviert; trata-se do mesmo movimento de ser uma diante da outra das regiões do mundo. No Geviert o homem aparece como o mortal, como aquele que experimenta a morte como morte. Mas exatamente na morte o

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desfazer-se da palavra como Zeigen encontra um ponto de referência preciso. Com base nesta referência de morte e linguagem, a poesia não pode ser entendida apenas como instituição de novos horizontes de experiência, nos quais se desdobra a vida das épocas humanas. Diz Hölderlin no verso final de Andenken: “aquilo que permanece instituem os poetas”. E podemos nos perguntar: aquilo que permanece é apenas um mundo, ou seja, um âmbito histórico cultural definido por um léxico e uma sintaxe? Mas, o mundo que o poeta expõe é precisamente aquilo que passa, isto é, que se descerra e depois tramonta: fogo que se acende e se apaga. Então o que permanece?No ensaio A origem da obra de arte, Heidegger define a obra de arte como a exposição de um mundo e a produção da terra. A terra é aquilo que se descerra como auto-fechamento, e permanece cerrada em si mesma. Assim aquilo que permanece é precisamente este caráter terrestre da obra. Mas este caráter terrestre é exatamente a mortalidade do homem. O homem é mortal porque pertence à terra, e isso é testemunhado na linguagem. A proposição “um ‘é’ se dá, onde se desfaz a palavra” pode ser entendida com base na terra da obra de arte, que sucessivamente entrará no Geviert juntamente com o mortal.Tudo isso nos faz pensar que a poesia que institui aquilo que permanece é aquela linguagem que, juntamente com a abertura de um mundo, ressoa nossa pertença à terra como mortalidade. Isso implica, antes de tudo, que, de um lado, o desfazer-se da palavra deixa aparecer o ser (o “é”) como o dar-se da coisa mesma, e, de outro, que isto ocorre em modo paradoxal, pois o ser aqui não se dá como algo além da palavra, como algo anterior e independente dela, mas como efeito do silêncio, ou seja, do desfazer-se da palavra. Deste modo o encontro com as coisas ocorre apenas como um jogo de naufrágio da linguagem, onde o homem experimenta a própria mortalidade.A palavra custodia em seu dizer o não dito, onde ela encontra fundamento. O dito e o não dito são os dois nexos essenciais da palavra, assim como na obra de arte o são a luta de mundo e terra. Esta luta é a dinâmica interna da verdade do ser, a alethéia, onde desencobrimento e encobrimento são reciprocamente evocados. Neste movimento a palavra enviando-se nas épocas históricas não exaure nunca a sua riqueza. Com efeito, se a palavra enquanto doa o “é” se desfaz, isso comporta que o seu mostrar é aquele do lusco-fusco, da meia luz, a que alude Heidegger na palavra Lichtung, clareira. A palavra assume aqui a mesma dinâmica da Lichtung, que rareia para mostrar, ou seja, vela a si mesma para desvelar. A palavra se subtrai para mostrar.Se agora retomamos o verso de Hölderlin, “aquilo que permanece instituem os poetas”, compreendemos que este permanecer não é um durar, mas é rememorar. A palavra é originariamente aceno destinado a ser conservado

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na memória. A relação de morte e linguagem é a mesma que ocorre entre desencobrimento e encobrimento, uma relação que se deixa entrever apenas como meia luz. A linguagem é a casa do ser, a morte é o escrínio do nada. Linguagem e morte: o mesmo.

BIBLIOGRAFIA

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