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  • REVISTA NERA - ANO 7, N. 4 JANEIRO/JULHO DE 2004 - ISSN 1806-6755

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    (Re) Pensando o Conceito do Rural

    Karina Furini da Ponte Mestranda em Geografia da FCT/UNESP - campus de Presidente Prudente, sob orientao

    do Professor Bernardo Manano Fernandes e membro do NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria.

    Correio eletrnico: [email protected] Resumo: Diante das transformaes dos espaos e, nesse caso, do rural, torna-se necessrio um (re) pensar de seu conceito, de uma forma que possa apreender e entender suas mudanas sem denomin-lo de urbanizado. Nesse sentido, compreende-se como um territrio que se alterou com a insero ou fortalecimento de certas caractersticas at ento no existentes, ou no to evidentes, para se adaptar ao novo momento conjuntural e estrutural posto pelo sistema a fim de poder sobreviver diante dessa lgica. Desse modo, pretende-se analisar as diferentes formas at ento vigentes de definies do rural (a partir de critrios: poltico-administrativo, econmico/setorial e quantitativo), buscando entender suas contribuies e limitaes para se entender o rural de hoje. Com isso, possibilitar lanar questes que permitiro identificar o rural no a partir de caractersticas, mas de relaes que a populao estabelece com a terra, sendo esta seu elemento definidor. Palavras-chave: Urbanizao do campo, Conceito, Rural, Relaes, Terra

    (Re) Considering Concepts of the Rural

    Abstract: In the context of contemporary spatial transformations, especially in the relationship between urban and rural spaces, it is useful to reflect on traditional concepts in a way that will permit us to understand change without obliterating -- urbanizing ideas that capture the distinctiveness of the rural. While recent capitalist developments have altered rural space, it is also true that much rural territory has adapted to survive the logic of the market. This study analyzes different terms used to define and understand the rural in the context of changing times. It examines conventional concepts linked to statistical, administrative, political, economic, and sectoral criteria in order to evaluate their utility in comprehending rural space in the current conjuncture. The analysis raises some questions about defining the rural by spatial characteristics rather than by relationships. It advances the proposition that the relationship between people and land is more important in identifying rural space. Key words: Field urbanization, Concepts, Rural, Relationships, Land

    Introduo

    Com as mudanas dos territrios rurais torna-se necessria uma anlise de sua

    atual configurao, de modo que proporcione um entendimento mais claro e que corresponda a esse contexto metamorfoseado.

    Revista NERA Pres. Prudente Ano 7, n. 4 p. 20-28 jan./jul. 2004

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    A partir destas transformaes do campo dificultou-se uma definio precisa sobre ele, o que foi acentuado pelo mtodo de anlise da urbanizao do campo. Para essa perspectiva todo o rural est assumindo feies urbanas, o que tende ao desaparecimento de tal territrio pela homogeneizao aos moldes urbanos.

    Acredita-se que os espaos so dinmicos, alterando-se a todo instante devido tanto prpria conjuntura do sistema como por influncias locais. Mas, parte-se do pressuposto de que suas mudanas ocorrem para se adaptar ao novo contexto de uma forma que permita sua manuteno, recriao e sobrevivncia. Deste modo, tanto o territrio rural como o urbano se modificaram a fim de permanecer enquanto tal.

    Neste contexto de mudana que se torna necessria uma reviso conceitual a fim de apreender este novo territrio para compreender sua atual configurao sem denomin-lo de urbanizado. Entender o rural possibilita ressaltar sua importncia para o conjunto da sociedade e no apenas como um territrio residual e, alm disso, poder lanar alternativas de propostas para um desenvolvimento rural de acordo com estas novas realidades, de modo que permita um desenvolvimento e um progresso no a partir da insero de caractersticas, mas da melhor utilizao destas.

    1.1) Rural: um territrio em transformao.

    Ao nos propormos analisar o conceito do rural, torna-se necessrio recorrer ao processo histrico que engendra as diferentes realidades, uma vez que pela prpria dinamicidade do processo tm-se contextos heterogneos para cada perodo, o que leva a uma configurao especfica para tais territrios, repercutindo em diferentes conceitos.

    Em cada momento histrico, o rural apresenta diferentes conceituaes e mesmo dentro de cada perodo, h vrios tipos de realidades rurais, pois alm de dependerem das transformaes globais, dependem tambm de fatores locais, o que os obriga a se adaptarem a certos fatores para sobreviverem.

    At o sculo XVIII, o rural apresentava-se como um territrio de importncia primria para o conjunto da sociedade, tendo uma maior concentrao populacional, se comparado ao meio urbano, e representando uma significativa contribuio para a economia em termos produtivos.

    A partir desse perodo, segundo Prez (2001), inicia-se um processo de transformao da sociedade, na qual a idia de progresso surge como o caminho a ser trilhado pela humanidade a fim de avanar do passado para um futuro, ou seja, passando do atrasado para o moderno, do rural para o urbano, da agricultura para a indstria.

    Essa passagem culminou com a Revoluo Industrial no fim do sculo XVIII, a qual alterou as estruturas econmicas, polticas e sociais daquela poca, que passaram a dar maior nfase indstria. Com isso, houve um boom nos setores industriais que tiveram um crescimento tanto da produo, quanto da absoro no nmero de empregos, fazendo com que esses setores passassem a garantir a maior contribuio no PIB nacional.

    Neste sentido, a agricultura e o rural perderam espao diminuindo sua importncia para a economia, pois j no mais proporcionavam a rentabilidade semelhante aos setores industriais e urbanos. Passaram assim, a considerar o rural como espao perifrico, atrasado e residual; j o urbano, no qual se encontravam as indstrias, como o moderno e o progresso. (PREZ, 2001)

    Portanto, a partir do sculo XVIII, o rural e o urbano so apresentados com uma perspectiva dicotmica, como sendo plos opostos, separados e com caractersticas antnimas.

    Tal viso associa o rural ao atraso, baixa densidade populacional, ao isolamento, falta ou precariedade de infra-estrutura. J, o urbano, apresenta um significado de progresso, desenvolvimento, modernidade, dinamicidade, concentrao de servios, infra-estruturas, comrcio, indstria; ou seja, elementos representativos do desenvolvimento.

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    Apesar de passados trs sculos, tem-se ainda o predomnio dessa viso dicotmica de ambos os espaos, o que se pode evidenciar, segundo Solares (1998), a abrangncia no s no meio acadmico, mas tambm, e principalmente, no senso comum das pessoas que vem sempre o rural como o atrasado e o urbano como moderno e desenvolvido.

    Tal perspectiva vem sendo acentuada pelo processo denominado de urbanizao do campo, pois se no considera o rural como atrasado para que urbaniz-lo?

    Esse mtodo de anlise afirma que as transformaes no campo ocorrem no sentido de retirar seu atraso, uma vez que o rural apresenta tcnicas precrias de produo e modos de vida no compatveis com o nvel de exigncia do sistema de mercado.

    Desse modo, aplicar tais elementos ao rural seria lev-lo ao progresso, mas o que se observa o contrrio, pois uma forma de transformar um territrio, cujas caractersticas peculiares no proporcionam o desenvolvimento, com isso, adaptam-se s formas exigidas pelo capital, segundo sua viso, e ainda, amenizam os problemas desse, como o desemprego e a falta de polticas pblicas para o setor agropecurio.

    A perspectiva da urbanizao do campo apresenta uma viso de que s as cidades e as caractersticas urbanas representam os elementos que levam ao desenvolvimento e ao progresso. Com isso, deve-se adaptar o rural (territrio de pouca importncia para a sociedade) com essas caractersticas, pois no segue sua lgica.

    No se quer aqui menosprezar ou ressaltar a relevncia dos espaos, mas lanar indagaes e questionamentos que permitam entender a importncia destas diferenas, na qual tambm o rural possui peculiaridades considerveis para o desenvolvimento da sociedade, e no apenas o urbano, como mostra a viso predominante.

    Ao considerar o desenvolvimento histrico, tem-se atualmente um perodo marcado por transformaes nos espaos, o que no rural, vem representar a insero ou fortalecimento de certas caractersticas e uma maior articulao com o urbano.

    Dentre estas novas caractersticas no campo, h o crescimento das ocupaes rurais no-agrcolas e a pluriatividade da populao rural, o que na verdade no tem nada de novo; a mecanizao e industrializao do processo produtivo agropecurio; o rural como local de moradia e lazer; a instalao de infra-estrutura social como energia eltrica, abastecimento de gua, educao, sade.

    necessrio entender que tais caractersticas no correspondem a todos os espaos no Brasil, restringem-se apenas a algumas localidades, mas vm resultando em muitos questionamentos e tomando uma abrangncia, que diante da atual situao posta para o campo, pode-se pensar at que ponto ir assumir uma importncia generalizada.

    a partir dessas caractersticas mencionadas que surgem muitos questionamentos em torno do processo evidenciado no rural, pois, ou ele est se urbanizando, aderindo feies urbanas (o que leva a uma homogeneizao dos espaos at sua eliminao) ou uma forma de se adaptar ao novo momento conjuntural e estrutural da sociedade para que possa se manter e recriar (enquanto espao singularmente rural) buscando uma alternativa na forma de sobrevivncia.

    Considera-se a ltima perspectiva a mais aceitvel, pois se os territrios rurais no aderirem ao novo sistema, podero ficar ainda mais marginalizados do processo, frente a falta de polticas pblicas para os setores agropecurios.

    Ento, entender o rural como uma categoria histrica que se transforma diante dos diferentes momentos requer tambm uma reviso conceitual destas realidades, pois essas, conseqentemente, tendem a se alterar.

    Com as mudanas das caractersticas do rural faz-se necessria uma anlise para entender como se configura tal realidade atualmente, pois como j foi mencionado, a viso do urbano e rural ainda permanece dicotmica e em alguns casos no acompanhou este processo de mudana, o que se pode evidenciar em suas diferentes conceituaes que perdem a dinamicidade e peculiaridade de tal territrio, o que leva a denominaes que no conseguem apreender a totalidade de suas relaes.

    Neste sentido, considera-se relevante uma anlise para entender o que o rural hoje, possibilitando assim compreender suas mudanas sem desconsider-lo como territrio

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    rural, ou que este vem se urbanizando de tal modo que ocorrer sua homogeneizao aos modelos urbanos, levando ao seu fim. H a constituio de novas ruralidades e no sua urbanizao.

    Nesta nova fase, marcada pelo processo de globalizao, transformaes ps-fordistas das relaes de produo e precarizao das relaes de trabalho, no vm afirmar o fim do campo, mas sim novas relaes que esto sendo estabelecidas de modo que o urbano e o rural possuem necessidades que ambos podero suprir.

    Nesse sentido, Wanderley (2001b) oferece importantes contribuies ao analisar o rural como um espao que apresenta particularidades histricas, sociais, econmicas e culturais que proporcionam sua integrao ao resto do territrio. Mas estas relaes no anulam suas especificidades, ao contrrio, fazem com que ocorra esta integrao e cooperao. Com isso, o rural se torna um local especfico e diferenciado das outras realidades.

    Estas diferenas permitem uma integrao dos espaos. Mas acredita-se que apesar da dominao das cidades sobre o campo, esse no tende a desaparecer, pois ao mesmo tempo em que se interagem, mantm suas particularidades para que possam permanecer nesta relao, desse modo, criando tambm as tenses e conflitos entre os espaos, estabelecendo uma dialtica entre eles.

    A importncia de compreender o rural hoje surge da necessidade de um repensar das polticas pblicas para o campo, de modo que entend-lo proporcionar meios para lanar sugestes de propostas de polticas de desenvolvimento rural que contemplem tais peculiaridades e singularidades dele.

    Autores como Abramovay (2000) e Prez (2001) ressaltam o carter territorial no qual o rural deve ser analisado, pois esse vem passando por transformaes tanto internas como externas, estabelecendo novos tipos de articulaes e configurando novos territrios.

    Ao tomar como parmetro o territrio para uma anlise do significado do rural, est-se entendendo no apenas como uma base fsica na qual ocorrem as relaes e aes sociais, econmicas e polticas, mas como um espao que o resultado destas diferentes tramas. Deste modo, cada realidade vai apresentar configuraes espaciais que demonstraro os tipos de relaes estabelecidas.

    Com isso, o territrio algo construdo historicamente pela sociedade. Sendo assim, representa suas relaes tanto internas como externas, o que demonstra a maior ligao com o meio urbano. Portanto, torna-se necessrio pensar propostas que buscam melhorias tanto para o rural quanto para o urbano, a partir das caractersticas das relaes existentes entre esses espaos.

    Segundo Prez (2001, p.17), tais propostas de desenvolvimento rural compreendem un proceso de mejora del nivel del bienestar de la poblacin rural y de la contribucin que el medio rural hace de forma ms general al bienestar de la poblacin en su conjunto, ya sea urbana o rural, con su base de recursos naturales.

    Nesse sentido, as propostas de desenvolvimento tm como base as peculiaridades do rural e sua articulao tanto entre si, como com outros territrios.

    Observa-se ainda a relevncia de se pensar em polticas prprias para as especificidades do rural, pois muitas medidas para o campo so derivadas da viso do urbano, o que no contempla a realidade do rural. Sendo assim, esto fadadas ao fracasso, na medida em que impem alternativas, que neste contexto, no conseguem responder a tais objetivos.

    As polticas que levam em considerao tais especificidades contribuiro para um melhor resultado, que o de propiciar uma melhora no nvel de vida tanto da populao rural, quanto da urbana, uma vez que so territrios que se relacionam.

    Quando se trata de polticas de desenvolvimento rural, no se pressupe apenas o campo, mas tambm algumas cidades nas quais suas relaes so basicamente tpicas do rural. Sendo assim, no porque determinadas cidades so consideradas urbanas que so necessrias polticas urbanas. Devem-se privilegiar suas relaes e caractersticas.

    Por isso que h muitas polticas de desenvolvimento que no surtem resultados, pois apresentam propostas que no correspondem s peculiaridades dos locais.

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    A partir da tabela 1, visualizam-se as dimenses populacionais por municpios no Brasil, o que se pode entender o predomnio da ruralidade brasileira. Com isso, tem-se que a maior parte de seus municpios so de reduzidos tamanhos populacionais, o que representa uma ampliao do grau de ruralidade das cidades brasileiras, pois apesar de serem consideradas como tal, pelo fato da necessidade poltica-administrativa, apresentam relaes tipicamente rurais.

    Com relao ao grau de ruralidade, Veiga (2002) ressalta que as cidades de pequeno (at 50 mil habitantes) e mdio porte (de 50 a 100 mil habitantes), apresentam uma economia alicerada na utilizao direta de recursos naturais. Portanto, so municpios rurais, ou seja, apesar da denominao de cidades, so rurais pelas relaes que estabelecem com a terra.

    Por outro lado, Wanderley (2001c, p. 04) considera os municpios com populao total inferior a 20.000 habitantes como cidades que pela sua prpria dimenso, impem limites a uma verdadeira experincia da vida urbana, pois apresentam relaes, tanto no campo como na cidade, estritamente ligadas terra.

    Tabela 1: Nmeros de municpios no Brasil, por tamanho da populao. tamanho da populao n de municpios

    at 2.000 105 2.001-5.000 1.225 5.001-10.000 1.312

    10.001-20.000 1.382 20.001-50.000 958

    50.001-100.000 301 100.001-500.000 193 mais de 500.000 31

    TOTAL 5507 Fonte: IBGE- Censo Demogrfico Brasil- 2000

    Org.: Ponte, Karina Furini da

    Estabelecer um critrio, por tamanho populacional, para definir o grau de ruralidade dos municpios se torna complicado, uma vez que o Brasil composto por realidades distintas ao longo de seu territrio. Mas, concorda-se que muitos de seus municpios, principalmente os de pequeno porte, apesar de serem classificados como cidades, apresentam relaes nas quais a terra a condicionante principal. Nesse sentido, tais polticas de desenvolvimento devem estar aliceradas nesses princpios, caso contrrio no conseguiro atingir seus objetivos.

    1.2) Consideraes sobre algumas definies do rural.

    Diante de toda esta transformao do campo, torna-se necessrio realizar uma anlise para compreender como se configura o rural atualmente. Para isso, iniciou-se com as diferentes abordagens vigentes at ento procurando entender suas contribuies e limitaes para uma compreenso da definio desse novo territrio rural.

    Uma das abordagens restringe-se perspectiva poltico-administrativa assumida pelas cidades. Nesse contexto, tem-se a definio estabelecida pelo IBGE (1996, p.09) como

    na situao urbana consideram-se as pessoas e os domiclios recenseados nas reas urbanizadas ou no, correspondendo s cidades (sedes municipais), s vilas (sedes distritais) ou s reas rurais isoladas. A

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    situao rural abrange a populao e os domiclios recenseados em toda a rea situada fora desses limites, inclusive os aglomerados rurais de extenso urbana, os povoados e os ncleos.

    A definio do IBGE privilegia o carter administrativo assumido pelas cidades. Com isso, so estabelecidas sedes municipais para regularem e ordenarem determinada regio, independente do nmero de habitantes, de seus aspectos econmicos, sociais, culturais e geogrficos.

    Outro elemento que se pode entender nessa anlise do rural e do urbano para o IBGE que ele considera como plo principal o urbano. Sendo assim, definido esse espao, o restante rural, ou seja, o secundrio.

    Segundo Siqueira (2001), as definies de rural tanto do IBGE, como dos PNADs e dos Censos em geral, derivam do Plano Diretor de cada municpio, o que por sua vez, elaborado por tcnicos, mas so submetidos aprovao nas cmaras municipais, ou seja, so critrios polticos que vo definir o que rural. Desse modo, esses tm como base a tradio e representao que o poder pblico tem do rural, e no os critrios estabelecidos cientificamente, derivados de estudos, que permitem apreender o verdadeiro contexto que envolve cada territrio.

    Outro sentido assumido por tais definies refere-se s questes econmicas, pois os impostos urbanos tm como destino as prefeituras municipais; j os rurais vo para o governo federal. a partir dessa realidade que h uma necessidade da ampliao da rea urbana pelos municpios, pois nesse caso, sua arrecadao oramentria tende a aumentar.

    Na necessidade de viabilizar conceituaes administrativas e polticas que permitam a regulao dos territrios, perde-se a dinamicidade e a peculiaridade desses.

    Portanto, segundo Abramovay (2000), no Brasil e em muitos pases como no Equador, na Guatemala, em El Salvador e na Repblica Dominicana, muitas cidades nas quais a economia e a vida social giram em torno de aspectos rurais, so consideradas urbanas pelo simples fato de possurem um aparato administrativo que necessrio para a regulao das regies.

    Essa definio permite entender que no Brasil, urbano quem mora nas sedes dos municpios, independente do tamanho desses e das profisses desempenhadas. Sendo assim, um agricultor que tem como base econmica, social e cultural o campo, mas que vive nas cidades, considerado urbano.

    Outro critrio corresponde ao aspecto econmico/setorial, ou seja, est associado ao tipo de ocupao da populao. Deste modo, so rurais as localidades que apresentam uma determinada proporo de mo-de-obra empregada na agricultura como em Israel e no Chile (ABRAMOVAY, 2000).

    arbitrrio estabelecer uma definio do rural a partir de uma perspectiva de atividades da populao, pois se verifica nestas ltimas dcadas um crescimento no nmero de ocupaes rurais no-agrcolas no campo. Sendo assim, assumir que so rurais apenas os espaos nos quais se praticam atividades ligadas agropecuria afirmar a urbanizao do campo, pois estas ocupaes no seriam tpicas do rural.

    Vale ressaltar ainda a definio da FAO/DAS (1998) apud Abramovay (2000, p.06), na qual afirma que

    ainda que em muitos casos a agricultura oferea o essencial das oportunidades de emprego e gerao de renda em reas rurais, prefervel no defini-las por seu carter agrcola. H crescente evidncia de que os domiclios rurais (agrcolas e no-agrcolas) engajam-se em atividades econmicas mltiplas, mesmo nas regies menos desenvolvidas. Alm disso, conforme as economias rurais se desenvolvem, tendem a ser cada vez menos dominadas pela agricultura. Finalmente, existem empreendimentos agropecurios, em alguma medida, nas reas urbanas.

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    No se pode mais entender o rural e o urbano a partir de uma perspectiva de diviso social e espacial do trabalho em que as cidades so reconhecidas pela indstria e o campo pela agricultura, o que no verdadeiro, pois est havendo uma mudana das relaes de produo e trabalho em ambos os territrios. Tem-se um rural no mais atrelado essencialmente produo agropecuria, mas sim, outras atividades industriais e de servios.

    Por fim, h os critrios quantitativos na delimitao dos territrios rurais, privilegiando o tamanho populacional para tal definio. Desse modo, em Portugal, na Espanha, na Itlia e na Grcia so rurais os locais com menos de 10 mil habitantes, e h tambm outros pases latino-americanos como: Argentina, Bolvia, Mxico, Venezuela, Honduras, Nicargua e Panam que adotam um limite populacional que varia entre 1.000 e 2.500 habitantes para a definio de rural.(ABRAMOVAY, 2000)

    Nessa perspectiva tem-se tambm o trabalho de Veiga (2002) que acrescenta ainda os critrios de densidade populacional e localizao.

    Mesmo considerando limitada essa viso, pois no leva em considerao as situaes geogrficas, econmicas, sociais e culturais de cada localidade, apenas fatores numricos, no se pode deixar de avaliar sua contribuio. A varivel quantitativa tem sua relevncia para diferenciar o campo da cidade. O rural, geralmente, apresenta um grau reduzido de populao e pouca influncia antrpica em seu meio; j o urbano, tem uma maior concentrao de pessoas com ambientes mais artificializados.

    Para entendermos o territrio rural, no devemos reduzi-lo somente a uma simples realidade quantitativa, mas sim, consider-lo dentro de um contexto histrico com suas inter-relaes com o urbano, com o resto do territrio e suas relaes estabelecidas internamente.

    Portanto, denota-se que os critrios de delimitao do rural apresentam limitaes que muitas vezes no permitem compreender que territrio esse, relegando-o meramente a resduos ou localidades com importncia secundria.

    Neste sentido, h grandes contribuies do meio acadmico que propem reflexes sugerindo mtodos de anlises que possibilitam apreender os territrios rurais a partir de suas caractersticas peculiares, principalmente no que se refere s suas atuais transformaes.

    Com isso, h tericos como Abramovay (2000), Wanderley (2001a,b, c) e Alentejano (1998) que apresentam mtodos mais qualitativos, pois em suas anlises do nfase s relaes que se estabelecem com a terra como ponto principal na delimitao do rural, o que ao nosso ver, permite uma maior compreenso de tal contexto.

    Na compreenso do rural, h de se considerar a terra como principal fator de estabelecimento dos tipos de relaes econmicas, polticas e sociais da populao do campo, ou seja, seu elemento definidor.

    Para as relaes sociais, h o predomnio de dimenses simblicas e culturais com a terra caracterizando um sentido de coletividade e cooperao, apesar de que se pode encontrar em muitas realidades rurais um enfraquecimento dos laos sociais, debilitando suas solidariedades coletivas devido prpria competitividade econmica colocada pelo mercado. Mas o sentido de pertencimento ao local permanece, construindo referncias identitrias que fazem com que seja possvel estabelecer relaes polticas a partir das lutas e reivindicaes no s por terra, mas por condies econmicas, polticas e sociais mais dignas no campo, tanto para a populao que j se encontra na terra, como para aquelas desterritorializadas que buscam sua reterritorializao.

    necessrio entender que estas reivindicaes ocorrem para que se criem condies de reproduo e manuteno enquanto populao rural e no espao rural.

    Nessa perspectiva, Wanderley (2001a) analisa o rural como a constituio de um local de vida, com particularidades de modo de vida e referncias identitrias, fazendo com que se construa um sentimento do local.

    Esta dimenso poltica deriva-se da prpria contradio colocada pelo capital, pois ao mesmo tempo em que geram condies que favorecem sua lgica, criam tambm outras contrrias a estas imposies.

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    Nesse sentido, Wanderley (2001a) oferece importante contribuio ao analisar o rural de forma dinmica e contraditria, pois ao mesmo tempo em que ocorre a integrao com as cidades, ocorrem tambm as lutas para manter suas particularidades que o urbano tenta aniquilar. Desse modo, as diferenas entre rural e urbano criam simultaneamente identificaes e reivindicaes, constituindo o rural como um ator coletivo do processo.

    Segundo Wanderley (2001a, p.25)

    a definio do rural uma dialtica: grupos e instituies o definem atribuindo sentido a estas diferenas e sua ao-notadamente poltica- afeta estas diferenas, cria e revela outras, s quais so atribudos novos sentidos.

    Com isso, tem-se que o rural apresenta tambm uma dimenso poltica de luta e reivindicao que vem crescendo nos ltimos tempos como forma de conseguir seus direitos enquanto cidado rural.

    necessrio entender que estas reivindicaes ocorrem para que se criem condies de reproduo e manuteno enquanto populao rural e no espao rural.

    Nas relaes econmicas, o rural no est mais atrelado exclusivamente s atividades agropecurias, mas ao uso da terra para outras atividades como prestao de servios, local de moradia e ocupaes no-agrcolas, apesar de considerar que essas novas atividades no configuram toda a realidade do campo brasileiro. Porm, h uma ampliao dessas caractersticas, fazendo com que o rural no mas identificado apenas com as ocupaes agrcolas.

    Sendo assim, o rural deve ser entendido como um territrio criado pelas relaes econmicas, sociais e polticas que a populao do campo estabelece com a terra.

    Portanto, considera-se que ao mesmo tempo em que os dados quantitativos apresentam contribuies para se compreender o rural, a nfase maior se d para as relaes estabelecidas no campo. Essas permitem uma anlise qualitativa sobre a realidade, representando variveis relevantes que permitem entender toda a dinmica e a peculiaridade desses territrios.

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