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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
REINALDO SOUSAFERNANDO ANTONIO DA SILVA
(RE) PENSANDO A GEOGRAFIAHistória, Objeto, Método e Práxis
Maceió, Eduneal, 2011
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CAPAReinaldo Sousa
REVISÃO ORTOGRÁFICAEudes da Silva Santos
Tiragem: 300 exemplaresCopyright © Reinaldo Sousa, Fernando Antonio da Silva e Uneal
Esse livro poderá ser reproduzido, parcial ou integralmente, desde que sem fins lucrativos.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
“Quando cada homem despertar, nele mesmo, efor procurando escapar de todas as formas de
alienação religiosa, moral, material, estará emconstrução um novo homem e será possível
alcançar-se uma sociedade de direitos eigualdade comum a todos”.
(Friedrich Nietzsche)
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Aos Nossos Pais
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Universidade Estadual de AlagoasBiblioteca – Campus Zumbi dos Palmares
Bibliotecária responsável – Katianne de Lima
S725rSOUSA, Reinaldo(Re)Pensando a Geografia: História, Objeto, Método e Práxis /Reinaldo Sousa, Fernando Antônio da Silva. - Maceió: Eduneal,
2011. 180 p.Bibliografia: p. 165-175ISBN 978-85-911309-1-71. Geografia - História 2. Geografia - Objeto 4. Geografia -Método
5. Geografia - Práxis
CDU 910.1
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SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTEDA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA À CIÊNCIA GEOGRÁFICA
Prefácio 08
Uma Pequena História da Geografia 12
A Geografia Alemã 20
A Geografia Francesa 29
A Renovação da Geografia 33SEGUNDA PARTE
GEOGRAFIA: OBJETO E MÉTODO
O Método e sua Importância para a Geografia46
Em Busca do Concreto Pensado50
As Possibilidades do Método Dialético53
Da Totalidade à Análise: uma necessidade de método58
Uma Breve Caracterização do Período Histórico Atual
71
A (Re)emergência do Território no Período da Globalização80
O Território Usado como Construção Dialética84
Em Busca da Operacionalidade88
Como Interrogar o Lugar no Interior da Totalidade do Mundo?93
TERCEIRA PARTEA PRÁXIS
As Práticas de Ocupação de Vazios Urbanos Pelos Movimentos de Sem-Teto de
Maceió – Alagoas 100
Uso do Território e Processos de Resistências: Uma Análise da (Des)construçãoda Cidadania no Circuito Inferior de União dos Palmares-AL a Partir daProdução/Distribuição de CDs e DVDs
127
Referências 164
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
PREFÁCIO
Os estudos que contemplam a história, a teoria e, porconseguinte, o método e a práxis da Geografia no Brasil, constituihoje, uma preocupação que tende a alargar-se em face a premência derevisitar e discutir questões históricas, teóricas e epistemológicas quedeem aporte à compreensão da trajetória da disciplina nos interstíciosque precederam ou se seguiram a sua institucionalização em 1934.
Nessa perspectiva, especialmente no que diz respeito aos
estudos sobre a história do pensamento geográfico no país, o decêniode 1980 aparece como um momento por demais significativo.Importantes trabalhos vêm à luz trazendo consigo uma necessidadecada vez maior de repensar o que teria sido essa trajetória, implicandodessa forma em discussões de natureza teórico-metodológicas. Éimportante perceber que este despertar coincide com o momento emque o país começava a vivenciar o processo de abertura política apósquase vinte anos de ditadura militar, bem como com a eclosão domovimento que aqui ficaria conhecido como Geografia Crítica.
Desde então, parodiando o geógrafo Armen Mamigonian,muitos foram os „avanços e os recuos‟. Contudo, é inegável o nível dequalidade alcançado pela geografia brasileira nesse caminhar. E aqui,vale destacar a fecunda contribuição da Geografia Nova proposta porMilton Santos naquele momento. Uma das bases da já mencionadaGeografia Crítica, bem como, das proposições futuras desse autor,contidas, mormente nos livros „A Natureza do Espaço: técnica etempo, razão e emoção‟ e „Por uma Outra Globalização: do
pensamento único à consciência universal‟ – duas obras de referênciageográfica do derradeiro quartel do século passado e início do atual.Objeto, método e práxis da geografia são debatidos lucidamente à luzdo mundo do presente, mundo da tecnociência, mundo daglobalização.
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Ancorados nesse referencial, Reinaldo Sousa e FernandoAntonio da Silva nos brindam com (Re)Pensando a Geografia:
História, Objeto, Método e Práxis. Conforme sugere o título, umarevisão da história da nossa disciplina. Entretanto, convém destacarque não consiste simplesmente em revisitar ou reconstituir umahistória, mas vai além e traz à discussão um tema essencial àgeografia, trata-se do método. Assim, dialogando com o próprioMilton Santos, afora outros autores, a exemplo do filósofo theco KarelKosik, que como bem mostram, inspirou a compreensão de totalidadecomo categoria filosófica subjacente a sua obra, Reinaldo Sousa e
Fernando Antonio da Silva contribuem para clarificar a necessidadedo método no fazer geográfico.
Dessa forma, este livro constitui um ganho significativo, partindo do pressuposto que não obstante os avanços anteriormentealudidos, no Brasil ainda são insuficientes os textos que discutem aquestão do método na Geografia. A clareza mostrada pelos autoresem relação ao método, propicia o desenvolvimento de uma leituraelucidativa e invulgar do período histórico vigente à luz do território.
Mais uma vez dialogando com a teoria miltoniana, avançamna análise do território usado, humano, sinônimo de espaçogeográfico, instância social, e dialético, por conseguinte. Logo,imprescindível à compreensão do mundo do presente, ou ainda para
pensar e projetar o futuro, tendo como referência a materialização domeio técnico-científico e informacional que media a relação doslugares com o mundo, ao mesmo tempo em se confunde com ambos.
Nessa perspectiva o lugar emerge como categoria concreta e
fundamental à analise do período atual, seja por possibilitar a suarealização, seja por se constituir em resistência às perversidades porele impostas. Como bem mostram Reinaldo Sousa e FernandoAntonio da Silva, consiste em uma „unidade da diversidade, namedida em que recebe intensamente determinações externas, mastambém impõe uma dinâmica interna‟. Daí o seu caráter dialético.
De posse dessa compreensão, quando tratam da práxis, nãoapenas desvelam os usos do território, como analisam os seus
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processos, engendrado reflexões que sinalizam significativos avanços
teóricos e crescimento intelectual.Por tudo isso, podemos assegurar que muitos são os méritos
de Reinaldo Sousa e de Fernando Antonio da Silva na desafiante e bem sucedida tarefa de elaborar/organizar este livro. Depois doavanço teórico, o maior deles, é certamente, a capacidade de trazer a
público um texto refinado, elegante, mas também acessível a todos.Ademais, trabalhos dessa natureza e dessa qualidade são
sempre bem vindos e só contribuem para o engrandecimento da
geografia no Brasil e em Alagoas, em particular, que nos últimos anosvem despontando no cenário nacional com uma produção de elevadonível. Nesse sentido vale parabenizar os autores e também aUniversidade Estadual de Alagoas que através da sua reitoria não temmensurado esforços no sentido valorizar e mostrar a capacidade dosseus profissionais.
Antonio Alfredo Teles de CarvalhoProfessor Adjunto da Ufal/Uneal
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PRIMEIRA PARTE
DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA À CIÊNCIA
GEOGRÁFICA
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UMA PEQUENA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA
A pesar do uso recorrente da expressão “Geografia”, esse
rótulo é bastante antigo. Enquanto saber oficial, sua origem se
associa às figuras de Alexander Von Humboldt (1769-1859) e
Karl Ritter (1779-1859), ambos alemães. Mas o uso dessa
expressão remonta à antiguidade clássica.
Os gregos antigos nos deixaram um legado de
conhecimentos que hoje poderíamos denominar, mesmo que em
uma perspectiva tradicional, de Geografia. Segundo Sodré, “ A
Geografia é talvez a ciência de história mais longa. Ela começa,
na verdade, com as primeiras comunidades gentílicas”
(SODRÉ, 1976, p. 13). Ainda conforme o autor, “[...] os gregos
foram os primeiros a registrar de forma sistemática os
conhecimentos geográficos. Foram os gregos, aliás, que
batizaram os conhecimentos sobre a superfície da Terra como
Geografia” (SODRÉ, 1976, p. 14).
Para Sodré, Heródoto não foi apenas o “ Pai da História”,
como trazem os livros de História e como nos ensinam na
educação básica. Teria sido também o primeiro a tratar de
aspectos geográficos nas suas obras, bem como o primeiro a
discutir as relações deterministas entre o meio e o homem.
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Outros gregos também contribuíram para os primeiros
passos da ciência que hoje denominamos Geografia.Eratóstenes, por exemplo, teria, segundo ele, levantado a
primeira discussão acerca da imagem geométrica da Terra.
Matemático e astrônomo, foi responsável pelo cálculo da
circunferência da Terra com um erro de apenas 5%. Ptolomeu,
também matemático e astrônomo, propôs o „geocentrismo‟,teoria que pregava que a Terra era o centro do universo e que o
sol, as estrelas e os planetas giravam ao seu redor.
Ptolomeu também contribuiu, significativamente, para a
cartografia e, por conseguinte, para a geografia, ao propor
mapas com latitudes e longitudes, Tales e Anaximandro privilegiaram as medições e formas da Terra e Aristóteles
dedicou-se às análises em torno do lugar.
Vê-se, assim, que, mesmo com passos lentos ou às vezes
com pequenas falhas, esses pensadores já contribuíam,
sobremaneira, para a construção de um arcabouço teórico emtorno daquela que se tornaria a ciência geográfica.
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No dizer de Sodré, “ A Geografia, na antiguidade, valeu
pelos passos dados, às vezes vagarosamente, às vezes
erradamente, seja no sentido da informação sobre a superfície
da Terra [...], seja no sentido do dimensionamento, da
quantificação, da localização relativa de pontos [...]” (SODRÉ,
1976, p. 18).
Nesse sentido, a geografia, apesar de ter sido
reconhecida como ciência apenas no século XVIII, já permeava
as várias ciências há muitos séculos. Através da filosofia e de
observações astronômicas, os filósofos, matemáticos, entre
outros, descreviam paisagens, faziam deduções acerca do
formato da Terra e propunham conceitos básicos. Afinal, “[...] a
geografia tem suas raízes na busca e no entendimento da
diferenciação de lugares, regiões, países e continentes,
resultante das relações entre os homens e entre estes e a
natureza” (CORRÊA, 1986, p.8).
Se houvesse necessidade de fixação, paraefeitos comemorativos, por exemplo, de umadata assinalando a autonomia da geografia, asua constituição como área específica deconhecimentos e de sua análisesistematizada, esse ano seria o de 1845,quando Humboldt iniciou a publicação doCosmos (SODRÉ, 1976, p. 30).
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Contudo, é importante dizer que o valor dado à
Geografia naquele momento não era dos melhores. Ela aparecia,“[...] antes de definir o seu campo, os seus métodos, as suas
técnicas, como tributária, e desimportante, de outras áreas do
conhecimento, científicas ou não. Estava ainda carregada de
mitos, lendas e deformações, que escondiam o que, em seus
rudimentos, havia de verdadeiro e duradouro” (SODRÉ, 1976, p. 19). Quanto à origem do termo, quase sempre ela é atribuída a
Strabo. Para muitos autores, a sua obra, „Geographicae‟, marca,
pela primeira vez, o uso do termo. Isso nas primeiras décadas
antes de Cristo.
Como ciência, a geografia vai emergir no contextoeuropeu do final do século XVIII e início do século XIX. Até
então a “[...] geografia compunha um saber totalizante, não
desvinculado da filosofia, das ciências da natureza e da
matemática” (CORRÊA, 1986, p.8). Mas, “ A Geografia, ao fim
do século XVIII, havia reunido condições para emancipar-se.
Podia compor seus elementos, espalhados nos mais diversos
campos do conhecimento, e sistematizá-los” (SODRÉ, 1976, p.
29). E isso foi feito ao longo de dois séculos, sobretudo, e
continua sendo feito até os dias atuais.
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Mas o que é geografia afinal? Alguns autores definem a
geografia como o estudo da superfície terrestre. Definição,
todavia, por demais simplória para uma ciência da envergadura
da geografia. Kant (1724-1804), mesmo não sendo um geógrafo
de formação, apenas um filósofo do iluminismo, vai dar uma
contribuição significativa para a afirmação da geografia
(MOREIRA, 2008). Segundo Moraes, “[...] a tradição kantiana
coloca a Geografia como uma ciência sintética (que trabalha
com dados de todas as demais ciências), descritiva (que
enumera os fenômenos abarcados) e que visa abranger uma
visão de conjunto do planeta” (MORAES, 2007, p.32). Para ele,
[...] seria, por excelência, uma disciplina decontato entre as ciências naturais e ashumanas, ou sociais. Dentro dessaconcepção aparecem, pelo menos, trêsvisões distintas do objeto: alguns autoresvão apreendê-lo como as influências danatureza sobre o desenvolvimento dahumanidade. [...] outros autores, mantendo a
ideia da Geografia como estudo da relaçãoentre o homem e a natureza, vão definir-lheo objeto como a ação do homem natransformação deste meio” (MORAES,2007, p. 35).
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Kant não realiza grande transformação na Geografia,
mas confere à percepção geográfica do mundo físico o rigor dadescrição e da taxonomia que a sua compreensão de espaço
permite. Para ele, o espaço é um dado a priori da percepção, um
plano de extensão geométrica preexistente ao olhar humano
(MOREIRA, 2008).
Outra proposta encontrada “[...] é daqueles autores que
propõem a Geografia como estudo da individualidade dos
lugares. Para estes, o estudo geográfico deveria abarcar todos
os fenômenos que estão presentes numa dada área, tendo por
meta compreender o caráter singular de cada porção do
planeta” (MORAES, 2007, p. 33). Há, ainda, autores que,segundo Moraes, definem a geografia como a ciência do espaço.
Neste caso, outro problema aparece: o que é o espaço? Essa é
uma discussão que será levantada em outro momento. Há
também aqueles que definem a geografia como o estudo das
relações homem/meio. Nessa perspectiva, diz Moraes (idem), ageografia seria uma disciplina de contato entre as ciências
naturais e humanas, ou sociais. Para tantos outros, a geografia
aparece como uma ciência de síntese, ou seja, seria ela
responsável pela conjugação dos mais diversos saberes em uma
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só ciência. Essa perspectiva é, por demais, prepotente. Não se
concebe uma ciência que dê conta de todas as particularidades,
que abarque todo o conhecimento. No dizer de Moraes, “[...]
revelando enorme imodéstia, tornar-se-ia a Geografia como a
culminância do conhecimento científico, isto é, como a
disciplina que relacionaria e ordenaria os conhecimentos
produzidos por todas as demais ciências” (MORAES, 2007, p.
41).
Segundo ele, a ideia de uma “ciência de síntese” servia
apenas para encobrir uma suposta vaguidade e indefinição do
seu objeto. Em outras palavras, pela falta de um objeto preciso,
a geografia acabava por tentar abarcar o mundo e não dava conta
dessa perspectiva. Vê-se, assim, uma enorme dificuldade de se
conceituar geografia.
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A partir do século XVIII, vários autores irão se destacar
nas discussões de cunho geográfico. É claro que eramdiscussões específicas, mas que tratavam de temas geográficos.
Por exemplo,
[...] Kant e Leibniz enfatizaram a questão doespaço. [...] Hegel e Herder destacaram ainfluência do meio sobre a evolução das
sociedades. [...] Outra fonte dasistematização geográfica pode ser detectadanos pensadores políticos do iluminismo(MORAES, 2007, p.54).
Esses autores, afirma Moraes, já discutiam temas próprios da
Geografia. Questões como Relação de Poder e Organização do Estado
já estavam na pauta das discussões. Rousseau, para exemplificar, já
discutia, naquela época, a relação entre a gestão do Estado e as formasde representação e extensão do território de uma dada sociedade
(MORAES, 2007).
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A GEOGRAFIA ALEMÃ
Foi na Alemanha, sobretudo com Humboldt e Ritter, que
a geografia tomou a forma de ciência. As condições históricas
do início do século XIX neste país contribuíram, sobremaneira,
para o estabelecimento e afirmação dessa ciência. A combinação
entre o capitalismo e a aristocracia agrária da época culminou noque Moraes (2007) chamou de “ Feudalismo modernizado”, ou
seja, não houve mudança na estrutura fundiária alemã que
continuou, segundo o autor, altamente concentradora. Segundo
ele,
[...] as relações de trabalho não se alteram – a servidão (forma de relação de trabalhotípica do feudalismo) permanece como basede toda a produção. Assim, mesclam-seelementos tipicamente feudais com outros
próprios do capitalismo: produção para omercado, com trabalho servil [...] É nestecontexto que a geografia vai despontar.Dessa forma, [...] temas como domínio e
organização do espaço, apropriação doterritório, variação regional, entre outros,estarão na ordem do dia na prática dasociedade alemã dessa época (MORAES,2007, p.60-91).
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Os dois grandes nomes da geografia dessa época foram
Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter. O primeiro de formaçãonaturalista e o segundo de base filosófica e histórica, além de
geógrafo. Segundo Moreira, o ponto de referência para Ritter foi
a corografia, transformada por ele no método comparativo. “ A
visão corográfica parte da noção do recorte paisagístico que
materializa a arrumação da superfície terrestre numa ordem de
classificação taxonômica ao tempo que propicia ao geógrafo
organizar sua descrição” (MOREIRA, 2008, p. 15). Essa nova
fase e forma da geografia, implementada por Ritter, vai ser
denominada, segundo Moreira (2008), de Geografia Comparada.
Humboldt vai se orientar nesse novo fundamento para ofereceroutra matriz para esta ciência.
Segundo Moraes (2007), Humboldt via a Geografia
como a ciência do cosmos, ou seja, como uma síntese de todo o
conhecimento da Terra, uma perspectiva geral desta ciência. Já
Ritter a enxergava como uma ciência que se preocuparia comuma área delimitada, individualizada, com o estudo dos arranjos
individuais que seriam, posteriormente, comparados. Dessa
forma, estruturava-se uma geografia do estudo dos lugares, bem
distinta daquela de Humboldt.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Enquanto Humboldt propunha uma geografia que
privilegiava o globo em detrimento do homem, Ritter propôs o
antropocentrismo. Em termos de método, Humboldt vai propor
o chamado “empirismo raciocinado”, que seria a intuição a
partir da observação e Ritter vai propor a análise empírica
(MORAES, 2007). Mas, apesar da grande contribuição de
Humboldt e Ritter para o que viria a ser a ciência geográfica,
eles caíram, segundo Moreira, no ostracismo “[...] passando-se
um período de quase cinquenta anos antes que a geografia
voltasse ao cenário do mundo científico” (MOREIRA, 2008, p.
15).
Além deles, outra grande contribuição alemã dada à
geografia partiu de Friedrich Ratzel. Sua geografia caracterizou-
se, sobretudo, pela legitimação do poder do Estado para com os
territórios e seu povo. Para Moraes,
Ratzel vai ser um representante típico do
intelectual engajado no projeto estatal; [...] aGeografia de Ratzel expressa diretamenteum elogio do imperialismo, como ao dizer,
por exemplo, “semelhante à luta pela vida,cuja finalidade básica é obter espaço, aslutas dos povos são quase sempre pelomesmo objetivo. Na história moderna arecompensa da vitória foi sempre um
proveito territorial” (MORAES, 2007, p.69).
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No seu clássico Antropogeografia – fundamentos da
aplicação da Geografia à História (1882), Ratzel formula os princípios fundamentais do que mais tarde seria denominado
pelos seus sucessores de “Determinismo Geográfico”. Ratzel
[...] começou seus estudos pela Geologia e pela Paleontologia; após longas viagens pelaEuropa e na América, dedicou-se à
etnografia e daí passou à Geografia. Em1882, apareceu o primeiro volume de suaobra Antropogeografia [...]. Nela, procuravamostrar que a distribuição do homem nasuperfície da Terra havia sido mais oumenos determinada pelas forças naturais,descrevendo, no volume final, a distribuiçãoexistente (SODRÉ, 1976, p. 48).
De acordo com seu postulado, as condições naturais
exerceriam uma grande ou talvez determinante influência no
processo de desenvolvimento dos povos. Assim, um povo só se
desenvolveria em sua plenitude se as condições naturais lhes
fossem favoráveis.
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Na realidade, o determinismo ambiental
configura uma ideologia, a das classessociais, países ou povos vencedores, queincorporam as pretensas virtudes e efetivamas admitidas potencialidades do meio naturalonde vivem. Justificam, assim, o sucesso, o
poder, o desenvolvimento, a expansão e odomínio” (CORRÊA, 1986, p. 10).
Mas, apesar de a ideia de Determinismo ser atribuída atéhoje a Ratzel, muitos estudiosos acreditam que esta prática já
havia sido postulada muito antes dele. Aristóteles, por exemplo,
já havia, segundo Sodré, definido bem sua posição determinista
ao escrever que “[...] os habitantes das regiões frias são cheios
de coragem e feitos para a liberdade. Aos asiáticos faltaenergia, assim são feitos para o despotismo e para a
escravidão” (SODRÉ, 1976, p.38). Mas é, indiscutivelmente,
com Ratzel que a ideia vai ser propagada, sobretudo com seus
discípulos.
A partir da real dependência ou relação com os recursosnaturais disponibilizados pelo território, Ratzel também formula
a ideia de Espaço Vital “[...] uma proporção de equilíbrio entre
a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis
para suprir suas necessidades [...]” (MORAES, 2007, p. 70).
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Segundo ele, “[...] o território representaria o equilíbrio entre a
população ali residente e os recursos disponíveis para as suas
necessidades, definindo e relacionando, deste modo, as
possibilidades de progresso e as demandas territoriais
(CORRÊA, 1986, p. 11). A noção de Espaço Vital seria,
conforme apontado por Moreira (2008, p. 41),
[...] o modo como Ratzel chama a atenção para a importância da terra e do território – unificados no conceito genérico de solo – naconstituição dos modos de vida dos povos eo caráter político da atitude de construir suassociedades levando em conta o fato de ter defazê-lo num processo de ação geográfica,lançando, assim, as bases da Geografia
Política, não da Geopolítica, portanto, umavisão de Geografia que hoje se veria comoteoria da ação. Nada tendo a ver com osentido de uma geopolítica de rés-do-chãoque a interpretação da Geografia de escolasviria a popularizar e difundir.
Essa discussão em torno das categorias política e
geopolítica irá perdurar até os dias de hoje. Há, entre muitos
autores, a aceitação de que o conceito de geografia política,
como se conhece hoje, é atribuído a Friedrich Ratzel a partir da
obra Politische Geographie [Geografia Política] de 1897. Mas,
na verdade, Ratzel não é o dono do rótulo. Ele apenas redefiniu
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a forma de se discutir o conceito, dando um caráter mais
geográfico, pode-se assim dizer.
Segundo Castro (2005), o termo „geografia política‟ foi
usado pela primeira vez em 1750, por Turgot, filósofo francês.
Essa teoria foi apresentada, segundo a autora, como um tratado
de governo e sua preocupação, afirma ela, era demonstrar que o
governo começa no estudo dos fatores geográficos da política.
Mas qual é o campo de ação da geografia política?
Para Castro (idem), é na relação entre a política –
definida por ela como a expressão e modo de controle dos
conflitos sociais – e o território – por ela definido como base
material e simbólica da sociedade – que se pode definir o campo
da geografia política (CASTRO, 2005). Para ela, essa ciência se
preocuparia com o controle e definição dos limites do cotidiano
das sociedades, com o território enquanto materialidade e arena
dos interesses e das disputas dos atores sociais e com as relações
de poder. Uma concepção bem próxima da que hoje se conhece
por geopolítica.
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Lévy apud Castro (2005, p. 91) afirma que “[...] para
que possa existir, a política impõe um território fechado e
estável, delimitado por unidades políticas superpostas e
encaixadas”. Contudo, continua ele, o espaço não se reduz a
essa territorialidade da política, e os atores sociais, mesmo
atuando como cidadãos, inventam espacialidades singulares,
podendo pertencer a espaços diferentes. Assim, segundo Castro(idem), é possível afirmar que como objeto da geografia política
ou de uma geografia do político há o espaço político.
Entenda-se, como assinala Lacoste, que por político não
se deve entender o homem de Estado ou mesmo a política, seja
ela discurso ou exercício de poder. Mas, uma certa categoria defenômenos sociais (LACOSTE, 1988).
A utilização do termo geopolítica deve-se ao jurista
sueco Rudolf Kjellén. Ele teria sido, segundo Sodré, “[...] o
primeiro a empregar a expressão Geopolítica” (SODRÉ, 1976,
p. 59), em livro intitulado O Estado como Forma de Vida de1916 (MOREIRA, 2007). Para Sodré, “Se o Determinismo
Geográfico é um dos traços mais característicos da Geografia
da época do imperialismo, a Geopolítica assinala a deformação
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levada à monstruosidade – é a Geografia do fascismo”
(SODRÉ, 1976, p. 54).
Isso porque para Kjellén, aos Estados pequenos, “[...]
parece estar reservada, no mundo da política, sorte idêntica à
que têm os povos primitivos, no mundo da cultura. São
repelidos para a periferia, mantidos nas áreas marginais e
zonas fronteiras, ou desaparecem” (SODRÉ, 1976, p. 60). Essa
visão acerca da geopolítica é reforçada por Pierre George ao
afirmar que “ A pior das caricaturas da Geografia aplicada da
primeira metade do século XX foi a Geopolítica [...]” (Apud
SODRÉ, 1976, p. 70).
Para Kjellén apud Sodré (idem), a geopolítica se
preocuparia com as relações de poder existentes entre os mais
variados Estados Nacionais. Assim, questões do tipo “Que
Estado exerce mais poder no cenário continental?” ou “Como
um Estado - Nação se torna uma potência global”? associam-se
a essa categoria. Ou seja, o termo não é apenas uma contração
de Geografia Política, mas uma nova categoria cuja temática
central é a relação de poder.
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(RE) PENSANDO A GEOGRAFIAHistória, Objeto, Método e Práxis
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A GEOGRAFIA FRANCESA
Segundo Moraes (2007), a França teria sido o país, de
forma mais pura, teria realizado uma revolução burguesa.
Segundo ele, os resquícios feudais foram completamente
varridos e a burguesia havia instalado seu governo, dando ao
Estado uma roupagem que mais atendia a seus interesses, à
lógica burguesa. Esta nova classe, instalada no governo, “[...]
formulou e comandou uma transformação radical da ordem
existente, implantando o domínio total das relações capitalistas”
(MORAES, 2007, p. 75).
A principal escola francesa que fez oposição à alemã foi,
indiscutivelmente, a lablachiana. O seu principal objetivo era
combater a legitimação estatal pregada por Ratzel na escola
alemã. Segundo Moraes, a “[...] Geografia de Ratzel legitimava
a ação imperialista do Estado bismarckiano. Era mister, para
França, combatê-la. O pensamento geográfico francês nasceu
com esta tarefa. Por isso, foi, antes de tudo, um diálogo com
Ratzel” (MORAES, 2007, p. 77). O principal artífice desta
empresa foi Paul Vidal de La Blache (1845-1918).
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
As ideias propostas por La Blache incutiam,
indiscutivelmente, uma semântica mais liberal. Isso talvez tenha
sido motivado pelos princípios liberais da revolução por que
passava a França. Segundo Moraes, uma primeira crítica,
[...] efetuada por Vidal às formulações deRatzel, dizia respeito à politização explícitado discurso deste. Isto é, incidia no fato deas teses ratzelianas tratarem abertamente dequestões políticas. Vidal, vestindo uma capade objetividade, condenou a vinculaçãoentre o pensamento geográfico e a defesa deinteresses políticos imediatos, brandindo oclássico argumento liberal da „necessárianeutralidade do discurso científico(MORAES, 2007, p. 78).
Mas isto não quer dizer, como aponta o próprio Moraes
(2007), que a Geografia pregada por La Blache não possuísse,
também, uma legitimação ideológica dos interesses franceses.
Contudo, aponta o autor, esta vinculação ou legitimação era
mais dissimulada. Os temas políticos não eram tratados
abertamente e a legitimação do imperialismo era, segundo ele,
mais mediatizada e sutil.
Outra crítica apontada por Moraes (idem) incidiu no
caráter naturalista proposto por Ratzel. La Blache criticou a
„minimização‟ do homem, que era visto como um ser passivo
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nas teorias de Ratzel. Para combater, La Blache propõe um
componente criativo, a liberdade (MORAES, 2007). Isso,entretanto, não quer dizer que La Blache ignorou os estudos na
perspectiva naturalista, ele apenas minimizou a extrema
importância dada por Ratzel ao naturalismo.
Uma terceira crítica de Vidal à Antropogeografia “[...]
atacou a concepção fatalista e mecanicista da relação entre os
homens e a natureza. Atingindo diretamente a ideia da
determinação da História pelas condições naturais”
(MORAES, 2007, p. 80). A proposta de Ratzel exprimia,
segundo Moraes (idem), autoritarismo e o agente social
privilegiado em sua análise era o Estado. Já a proposta de LaBlache manifestava um tom mais liberal, ou seja, que refletia,
segundo Moraes, os ideais da Revolução Francesa.
La Blache definiu o objeto da geografia como sendo a
relação homem-meio e apresentou o homem como ser ativo, ou
seja, que sofre a ação do meio, mas que também interfere neleao seu favor. Na “[...] perspectiva vidalina, a natureza passou a
ser vista como possibilidade para a ação humana; daí o nome
de Possibilismo dado a esta corrente por Lucien Febvre”
(MORAES, 2007, p. 81). Para Corrêa (1986, p. 11/13)
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[...] a visão possibilista focaliza as relações
entre o homem e o meio natural, mas não ofaz considerando a natureza determinante docomportamento humano. [...] para Vidal deLa Blache, o mestre do possibilismo, asrelações entre o homem e a natureza eram
bastante complexas. A natureza foiconsiderada como fornecedora de
possibilidades para que o homem a
modificasse: o homem é o principal agentegeográfico.Além disso,
A Geografia vidalina fala de população, deagrupamento, e nunca de sociedade; fala deestabelecimentos humanos, não de relaçõessociais; fala das técnicas e dos instrumentosde trabalho, porém não do processo de
produção. Enfim, discute a relação homem-natureza, não abordando as relações entre oshomens. É por essa razão que a carganaturalista é mantida, apesar do apelo àHistória, contido em sua proposta(MORAES, 2007, p. 84).
Todas essas discussões irão contribuir para a elaboração
do cabedal teórico do que hoje se conhece por Geografia. Darão
corpo à disciplina que mais tarde se transformaria numa das
mais complexas ciências: a Ciência Geográfica.
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33
A
RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA
Após a Segunda Guerra Mundial verifica-se, no contexto
europeu, uma nova configuração do capitalismo. A Europa,
dividida em função da Guerra Fria, passa a investir pesado em
pesquisas científicas e na reconfiguração de grandes empresas
capitalistas. O medo de expansão do socialismo era evidente.
Nesse contexto,
[...] uma nova divisão social e territorial dotrabalho é posta em ação, envolvendointrodução e difusão de noções espaciais.[...] Estas transformações inviabilizariam os
paradigmas tradicionais da geografia – odeterminismo ambiental, o possibilismo e o
método regional - suscitando um novo,calcado em uma abordagem locacional: oespaço alterado resulta de um agregado dedecisões locacionais (CORRÊA, 1986. p.17).
Assim, a geografia que nasce nesse período tem um
papel ideológico muito importante. Ela irá contribuir “[...] para
dar esperanças aos „deserdados da terra”, acenando com a
perspectiva de desenvolvimento a curto e médio prazo [...]”
(CORRÊA, 1986. p. 17). Esse movimento nasce da ruptura de
alguns geógrafos com a perspectiva tradicional desta ciência.
Isso advém da consideração de que esta perspectiva carecia de
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uma nova forma de se enxergar as coisas. A forma como a
geografia tradicional via e descrevia as coisas já não dava mais
respostas satisfatórias à sociedade. Esse movimento vai ter
início já na década de 1960 e vai atingir seu ápice na década de
1970.
Mas para entender todo esse processo de renovação é
preciso primeiro compreender os fatores da crise, como salienta
Moraes (2007). Para ele, a base social, que engendrara os
fundamentos e as formulações da Geografia Tradicional havia se
alterado, ou seja, “[...] o desenvolvimento do modo de produção
capitalista havia superado seu estágio concorrencial, entrando
na era monopolista. [...] O liberalismo econômico estava já
enterrado; a grande crise de 1929 havia colocado a necessidade
da intervenção estatal na economia” (MORAES, 2007, p. 104).
Em segundo lugar, continua ele, “[...] o desenvolvimento
do capitalismo havia tornado a realidade mais complexa. A
urbanização atingia graus até então desconhecidos. [...] O
quadro agrário também se modificara, com a industrialização e
a mecanização da atividade agrícola, em várias partes do
mundo” (MORAES, 2007, p.104). Enfim, as condições
materiais de existência dos indivíduos eram outras
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Nessa atualização do discurso burguês a
respeito do espaço, que se poderia chamarde renovação conservadora da Geografia,ocorre a passagem, ao nível dessa disciplina,do positivismo clássico para oneopositivismo. Troca-se o empirismo daobservação direta [...] por um empirismomais abstrato, dos dados filtrados pelaestatística [...]. Do trato direto com o
trabalho de campo, ao estudo filtrado pela parafernália da cibernética. [...] da contageme enumeração direta dos elementos da
paisagem, para as médias, os índices e os padrões. Da descrição, apoiada naobservação de campo, para as correlaçõesmatemáticas expressas em índices(MORAES, 2007, p. 110/111).
Isto é, diferentemente das correntes possibilista e
hartshorniana, essa nova geografia
[...] procura leis ou regularidades empíricassob a forma de padrões espaciais. Oemprego de técnicas estatísticas, dotadas demaior ou menor grau de sofisticação – média, desvio-padrão, coeficiente decorrelação, análise fatorial [...] caracterizamo arsenal de regras e princípios adotados porela. É conhecida também como geografiateorética ou geografia quantitativa(CORRÊA, 1986, p. 18).
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Para Moraes (2007), a Geografia Pragmática seria um
instrumento a serviço da Burguesia e do Estado. Seus princípiose fundamentos estão, indissoluvelmente, ligados ao
desenvolvimento do capitalismo monopolista. Dessa forma, os
interesses por ela defendidos seriam a maximização dos lucros,
a ampliação da acumulação de capital, a manutenção da
exploração do trabalho. Dessa forma, “[...] mascara as
contradições sociais, legitima a ação do capital sobre o espaço
terrestre” (MORAES, 2007, p.116). Essa nova Geografia
[...] e os paradigmas tradicionais sãosubmetidos à severa crítica por parte de umageografia nascida de novas circunstâncias
que passam a caracterizar o capitalismo.Trata-se da geografia crítica, cujo vetor maissignificativo é aquele calcado nomaterialismo histórico e na dialéticamarxista (CORRÊA, 1986, p. 19).
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Esta denominação advém, segundo Moraes (idem), de
uma postura crítica mais radical que vai de encontro à Geografia
existente (Tradicional/Pragmática). Segundo ele,
[...] são os autores que se posicionam poruma transformação da realidade social,
pensando o seu saber como uma arma desse processo. São, assim, os que assumem o
conteúdo político de conhecimentocientífico, propondo uma Geografiamilitante, que lute por uma sociedade mais
justa. São os que pensam a análisegeográfica como um instrumento delibertação do homem (MORAES, 2007, p.119).
Os teóricos da perspectiva crítica da Geografia vão
aprofundar a análise das razões da crise. Segundo Moraes (2007, p. 119) “[...] além de um questionamento puramente acadêmico
do pensamento tradicional, buscando as suas raízes sociais”.
Além disso, criticaram a estrutura acadêmica que
[...] possibilitou a repetição dos equívocos:[...] o apego às velhas teorias, o cerceamentoda criatividade dos pesquisadores, oisolamento dos geógrafos, a má formaçãofilosófica etc. E, mais ainda, a despolitizaçãoideológica do discurso geográfico, queafastava do âmbito dessa disciplina adiscussão das questões sociais. Assim, aonível da crítica de conteúdo interno da
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Geografia, não deixam pedra sobre pedra(MORAES, 2007, p. 119/120).
Essa perspectiva da geografia vai ter em Ives Lacoste,
Milton Santos, entre outros, seus principais teóricos. Com Yves
Lacoste, discípulo de Pierre George, sairá tanto o polêmico
Livro “ A Geografia Serve, Antes de mais Nada, para Fazer a
Guerra”, quanto o clássico “Geografia do
Subdesenvolvimento”.
Nessa perspectiva da geografia, “[...] o homem já não
mais é visto pela geografia segundo suas diferenças de ordem
natural, como o clima ou a topografia. O que distingue os
homens não são os elementos naturais, ma suas condiçõeseconômicas e sociais existentes (MOREIRA, 2007, p. 52). Para
Lacoste,
[...] o saber geográfico manifesta-se emdois planos: a “geografia dos Estados – Maiores” e a “Geografia dosProfessores”. Para ele, a primeira sempreexistiu ligada à própria prática do poder.[...] A “Geografia dos Professores” seriaa que foi aqui denominada de tradicional.Esta, para Lacoste, tem uma duplafunção: em primeiro lugar, mascarar aexistência da “Geografia dos Estados-Maiores”, [...] Em segundo lugar, a“Geografia dos Professores” serve para
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levantar, de uma forma camuflada, dados
para a “Geografia dos Estados-Maiores[...] (Apud MORAES, 2007,
p.121/122).
Milton Santos, por sua vez, chamaria a atenção da
comunidade geográfica com o seu livro “ Por uma Geografia
Nova”. Nele, Santos faz uma análise mais detalhada da ciência
geográfica, do seu objeto e de seus métodos. Ou seja, “Trata-se,
no caso, de ir além da descrição de padrões espaciais,
procurando-se ver as relações dialéticas entre formas espaciais
e os processos históricos que modelam os grupos sociais”
(CORRÊA, 1986, p. 21). Nesse trabalho, afirma Moraes (2007,
p.128), “[...] depois de avaliar criticamente a Geografia
Tradicional, a crise do pensamento geográfico e as principais
propostas de renovação, efetivadas pela Geografia
Pragmática[...]”, Milton Santos expõe sua concepção do objeto
da geografia, tentando dar uma resposta para as questões: O que
é a Geografia? Como deve ser a análise do geógrafo?
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Para Santos, “[...] com o desenvolvimento das forças
produtivas e a extensão da divisão do trabalho, o espaço é
manipulado para aprofundar as diferenças de classes. Essa
mesma evolução acarreta um movimento aparentemente
paradoxal: o espaço que une e separa os homens” (SANTOS,
2004, p. 32). Para ele, o espaço, enquanto soma dos resultados
da intervenção humana sobre a terra, é formado[...] pelo espaço construído que é tambémespaço produtivo, pelo espaço construídoque é apenas uma expectativa, primeira ousegunda, de uma atividade produtiva, eainda pelo espaço não – construído, massuscetível – face ao avanço da ciência e dastécnicas e às necessidades econômicas e
políticas ou simplesmente militares – detornar-se um valor, não – específico ou
particular, mas universal, como o dasmercadorias no mercado mundial(SANTOS, 2004, p. 29/30).
Segundo Santos, a realização do homem, seja material ou
imaterial, não depende apenas da economia, como hoje é pregado por muitos teóricos, sobretudo economistas, mas é
resultado de um quadro de vida, material e não material, que
inclua, além da economia, a cultura (SANTOS, 2007). Para ele,
[...] é necessário discutir o espaço social, ever a produção do espaço como objeto. Este
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espaço social ou humano é histórico, obra do
trabalho, morada do homem. [...] Diz que sedeve ver o espaço como um campo de força,cuja energia é a dinâmica social. Que ele éum fato social, um produto da ação humana,uma natureza socializada, que pode serexplicável pela produção. Afirma,entretanto, que o espaço é também um fator,
pois é uma acumulação de trabalho, uma
incorporação de capital na superfícieterrestre, que cria formas duráveis, as quaisdenomina “rugosidades (SANTOS apudMORAES 2007, p. 128).
Essa corrente da geografia prega uma geografia mais
social, preocupada com as relações sociais de produção que
alteram o espaço e impõem nova forma de vida à sociedade.
Uma geografia que se importe com o homem em essência e com
as relações entre si e com o meio. A preocupação dos geógrafos
críticos é a relação entre a geografia e a superestrutura de
dominação de classe na sociedade capitalista (MORAES, 2007).
Ou seja, ela
[...] agrupa aqueles autores imbuídos de uma perspectiva transformadora, que negam aordem estabelecida, que vêem seu trabalhocomo instrumento de denúncia e como armade combate; enfim, que propõem aGeografia como mais um elemento na
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superação da ordem capitalista (MORAES,2007, p.121/122).
Esse modo de ver a realidade vai contribuir para um
ostracismo da perspectiva tradicional. Segundo Moraes,
A partir de 1970, a Geografia Tradicionalestá definitivamente enterrada; suasmanifestações, dessa data em diante, vão
soar como sobrevivências, resquícios de um passado já superado. Instala-se, de formasólida, um tempo de críticas e de propostasno âmbito dessa disciplina. Os geógrafosvão abrir-se para novas discussões e buscarcaminhos metodológicos até então nãotrilhados. Esta crise é benéfica, pois introduzum pensamento crítico, frente ao passado
dessa disciplina e seus horizontes futuros(MORAES, 2007, p. 103).
Finalmente poderíamos afirmar, concordando com
Moraes (2007, p. 131), que
[...] a Geografia Crítica é uma frente, ondeobedecendo a objetivos e princípios comuns,
convivem propostas díspares. Assim, não setrata de um conjunto monolítico, mas, aocontrário, de um agrupamento de
perspectivas diferenciadas. A unidade daGeografia Crítica manifesta-se na postura deoposição a uma realidade social e espacialcontraditória e injusta, fazendo-se do
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conhecimento geográfico uma arma de
combate à situação existente.
Em outras palavras, trata-se de uma nova postura de
outra geografia e, naturalmente, de outros geógrafos. São
geógrafos que “[...] em suas diferenciadas orientações assumem
a perspectiva popular, a da transformação da ordem social.
Buscam uma Geografia mais generosa e um espaço mais justo,
que seja organizado em função dos interesses dos homens”
(MORAES, 2007, p. 132).
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SEGUNDA PARTE
GEOGRAFIA OBJETO E MÉTODO
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O MÉTODO E SUA IMPORTÂNCIA PARA GEOGRAFIA
“O método científico é o meio peloqual se pode decifrar os fatos”
(Karel Kosik)
A busca pela apreensão científica da realidade social é
algo extremamente complexo. Não se resume a captar a
aparência das coisas, isto é, aquilo que chega através dossentidos, pois, isto é apenas um dos aspectos do conhecimento.
De fato, como observa Felício (2008), a explicação articulada e
coerente do real exige que se ultrapasse o imediato, partindo da
compreensão que a estrutura concreta da coisa, que é a realidade
como totalidade em curso, não se apresenta à primeira vista. Naverdade, esta árdua tarefa passa, inevitavelmente, pela abstração
no bojo do exercício do pensamento, pois supõe a elaboração de
conceitos e o pleno domínio do método.
Para Milton Santos, “um método é um conjunto de
proposições – coerentes entre si – que um autor ou um conjuntode autores apresenta para o estudo de uma realidade, ou de um
aspecto da realidade” (2009b, p.156). Neste sentido, o autor
concorda com Gurvith (1987), quando este afirma que o método
é uma maneira de conhecer, de compreender a realidade,
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existe independente de mim” (idem, p.156). Por conseguinte, o
método não pode ser inerte, estático, uma vez que deve refletir o
real. Este, por sua vez, no tangente à realidade social, não
aparece em qualquer período histórico como algo dado,
acabado, ao contrário, é mutável, circunstancial, momentâneo.
Segundo as expressões de Bernardes (2007, p.243), “os
conceitos significam que o todo se decompõe para permitir
compreender a própria estrutura do todo”. Trilhando nessa
perspectiva, é o método que permite operacionalizar os
conceitos de forma articulada e, destarte, caminhar à análise. Ou
seja, o método como “conjunto de proposições” permite o
estudo de uma realidade sistematicamente, tornando uma teoria
aplicável na elucidação de determinado fenômeno. É neste
sentido que, “a prova de coerência de uma teoria é dada pela
operacionalidade, isto é, pela escolha dos elementos de análise
que revelem a capacidade de enfrentar com o conceito”
(SILVEIRA, 2000, p.21).
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Destarte, o método fornece os instrumentos necessários à
interpretação da realidade, significando que sua importância nãoé secundária, ao contrário. Destacar o papel que ele exerce
traduz a preocupação com o rigor e a coerência na análise, posto
que “[...] sem método não há possibilidade de investigar a
realidade em bases racionais. O método é o caminho para o
conhecimento estruturado” (SANTOS e FERNANDES ApudVALE 2001, p.10). Por esse fio condutor, pensar um método e
toda complexidade dos pressupostos teóricos que o
consubstancia é, ao mesmo tempo, abrir possibilidades a um
estudo mais consistente da realidade.
Portanto, para conhecer a realidade cientificamente deve-se recorrer ao método. Este, por sua vez, traz consigo duas
premissas principais intimamente relacionadas,
interdependentes, a saber: a abstração, mediante a utilização de
conceitos, para alcançar o concreto; e a cisão da realidade em
partes, para compreender como ela se estrutura. Se por um ladoa abstração sugerida pelo conceito permite entender as relações
existentes entre as coisas, por outro a fragmentação é exigida
pela análise. Deveras, conforme sintetiza Karel Kosik (1987,
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p.30), “[...] o concreto se torna compreensível através da
mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte”.
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EM BUSC DO “CONCRETO PENS DO”
Conforme ensina Marx apud Quaini (1979), os conceitos permitem penetrar nas relações concretas que ocorrem no
âmbito de uma dada sociedade ao longo da história. Com efeito,
constituem o ponto de partida de um estudo que objetiva
ultrapassar as abstrações e alcançar o real concreto como
conjunto de múltiplas determinações articuladas organicamente. Nesse sentido, é fundamental enfatizar que os conceitos
formulados para alcançar o comportamento concreto do real, à
maneira elucidada pelo autor, não constituem uma abstração
pura e simples, pois o real tem sua própria organização cuja
coerência é legada pela história.Kosik, por seu turno, mostra que “o método científico é
mais ou menos eficiente segundo a maior ou menor riqueza de
realidade – contida objetivamente neste ou naquele fato – que
ele é capaz de descobrir, explicar e motivar” (KOSIK, 1976,
p.45. Grifos do autor). Isso significa que o método precisaemparelhar a realidade, expressando assim a coerência desta no
plano do pensamento. O cerne dessa questão foi elucidado por
Milton Santos com as seguintes palavras:
Olhem qualquer coisa, olhem qualquerterritório, olhem qualquer situação. Essas
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situações todas são coerentes. Nada que
existe deixa de ser coerente. Em outras palavras, tudo o que existe é coerente. Onosso trabalho de intelectuais é encontrar nainteligência a forma de exprimir o que narealidade é coerente (1997, sem página).
Não obstante, para Kosik (1987), a realidade social é
inesgotável, não sendo possível alcançá-la de uma vez para
sempre, já que novos fatos podem ser acrescentados. Ora, a
realidade humana é um processo contínuo, uma vez que a
história é dinâmica, e, desta forma, não podemos apreendê-la de
uma vez por todas em toda sua complexidade e manifestações.
Desse modo, o objetivo, quando se envereda por uma
pesquisa, esboçado mediante o uso do método, é atingir o
“concreto pensado” na acepção marxista (VALE, 2001), isto é,
uma parcela do real expressa num sistema de ideias, sendo, ao
mesmo tempo, lei do real e lei do pensamento (LEFEBVRE,
1983). Para tanto, se busca estudar, a partir de um sistema de
ideias, determinados aspectos da realidade, mas sem esquecer a
interdependência com o todo em movimento. Portanto, o que
incansavelmente se persegue, através de um rigoroso esforço
metodológico, é a reprodução espiritual e intelectual da
“totalidade concreta”, no dizer de Karel Kosik (1976).
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AS POSSIBILIDADES DO MÉTODO DIALÉTICO
O método dialético é uma forma de pensar a realidade
orientada pelo próprio comportamento histórico desta. Em
outras palavras, esse método não consiste na simplificação da
realidade complexa, como já fizeram muitos outros que
nortearam o fazer geográfico, mas em considerá-la tal como é.Por isso, em face do contexto atual, depreende-se que essa
concepção pode contribuir na árdua tarefa de explicar os novos
problemas colocados à Geografia, se tornando, quiçá,
imprescindível para esta disciplina. No entanto, diante da
pluralidade de abordagens no que concerne ao método dialético,cabe, de antemão, esclarecer o escopo objetivo desta análise.
Segundo Georges Gurvitch (1987), a concepção de
dialética pode ser encontrada em formulações da Grécia Antiga.
Pode ser vista em construções filosóficas de pensadores como
Platão, por exemplo. De lá para cá o termo ou o método foimodificado substancialmente, sobretudo a partir de pensadores
como Hegel e Marx.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Karel Kosik (1976) considera que o objetivo central da
dialética é a reprodução espiritual e intelectual da realidade a
que ele chama de “totalidade concreta”. Nesse caso, esse
método não é mero produto do pensamento ou uma simples
abstração, mas sim uma maneira de alcançar o movimento do
real, partindo do pressuposto de que é necessário caminhar do
abstrato ao concreto.
Corroborando com essa inferência, Melgaço (2008)
entende que, mediante a complexidade do período histórico
atual, a Geografia pode ousar compreender a realidade desde
que trabalhe na perspectiva dialética. A propósito da temática,
esse autor, apoiado em Löwy (1985), explica três atributos
fundamentais da dialética, também apontados por Kurka (2008,
p.11), a saber: “[...] o movimento permanente da realidade como
estrutura, a totalidade e a relação com as contradições na relação
com as partes”. Esses três elementos, de acordo com a autora, se
incorporados à abordagem territorial, podem ajudar,
sobremaneira, na construção de um entendimento consistente da
realidade que procure atingir a essência dos fenômenos
espaciais, por três motivos principais.
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O método dialético vai contra toda concepção de uma
realidade estática, inerte, na medida em que concebe a históriacomo um movimento perpétuo de transformação. Desse modo,
não se pode cristalizar os conceitos, uma vez que estes devem
refletir o movimento. No século da velocidade e da pressa,
usando uma expressão de Santos (2009a, p.66), essa
compreensão é condição sine qua non para elucidar os processossocioespaciais, haja vista que “[...] o tropel dos eventos
desmente verdades estabelecidas e desmancha o saber”
(SANTOS, 2009a, p.18). Há, durante todo momento, uma
grande circulação de pessoas, mercadorias e, sobremodo, de
informação, ainda que a densidade desses fluxos varie de acordocom as possibilidades técnicas e políticas de cada subespaço.
Decerto, o corpo teórico utilizado precisa dar conta do
movimento caso não queira ficar rapidamente desatualizado.
A ideia de totalidade permite enxergar, de modo
diferenciado, o movimento. Porém, como adverte Kosik (1976),totalidade não significa todos os fatos, todas as coisas. Esse
autor é enfático ao dizer que totalidade significa a realidade
como um todo estruturado, em que “cada coisa sobre a qual o
homem concentra o seu olhar, a sua atenção, a sua ação ou a sua
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
avaliação emerge de um determinado todo que o circunda [ ...]”
(idem, p.25).
O conceito de totalidade não pretende enveredar por um
estudo exaustivo de tudo o que existe, um quadro geral, mesmo
porque isso, nos dias atuais, seria praticamente impossível.
Trata-se de explicar os nexos das coisas, dado que:
El sentido de una cosa es la forma supremade su coexistencia con las demás, en sudimensión de profundidad. No, no me bastacontener la materialidad de una cosa,necesito, además, conocer el sentido quetiene, es decir, la sombra mística que sobreella vierte el resto del universo (ORTEGA YGASSET, 1996).
Isso significa que todos os lugares e elementos do
espaço agem de maneira articulada como funcionalidade de um
todo. Em outras palavras, cada pedaço do território, a despeito
de sua enorme escassez ou abundância, reflete, em sua essência
ontológica, a totalidade espacial. Destarte, a visão holística nos permite uma discussão contextualizada dos diversos problemas
colocados à Geografia atualmente, sem a qual eles perdem o
sentido de existência, logo de explicação e solução.
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Por fim, a contradição entre as partes presente no métododialético, no sentido proposto por Kosik (1976), é um atributo
próprio da totalidade concreta, assim como os dois elementos
expostos precedentemente, e não um simples produto do
pensamento. Assim, ela se torna condição essencial para o
movimento, posto que, conforme assinala Lefebvre (1983, p.240), “[...] na contradição encontra-se a raiz, o fundamento de
todo movimento”. Portanto, a conflitualidade e dialogicidade
sociais são os elementos dinamizadores do espaço geográfico.
Contudo, cabe ressaltar que a contradição expressa pelo
método dialético não caracteriza uma dualidade entre as partes,como se cada uma delas fosse constituída de realidades distintas.
Ao contrário, a oposição resguarda certa coerência, porque faz
parte de um único todo. No dizer de Kosik (1976), a totalidade
do mundo é revelada pelo homem na história e vice-versa. Pode-
se inferir, por conseguinte, que num mundo ditado pelas regrasda globalização, cada lugar, apesar de sua diferença no que
concerne ao grau técnico, científico e informacional reflete a
totalidade mundo, daí o seu valor explicativo.
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DA TOTALIDADE À ANÁLISE: UMA NECESSIDADE DE
MÉTODO
“O conhecimento não é contemplação”(Karel Kosik)
A importância que o conceito de totalidade assume no
método dialético, e por consequência nas proposições
metodológicas de cunho geográfico da atualidade, merece uma
reflexão especial. Ele surge no seio da filosofia clássica alemã,
nas formulações de Hegel, Kant e Schelling, com o intuito de
diferenciar a dialética da metafísica. Kant (apud Quaini, 1979,
p.28), por exemplo, mesmo pautado numa abordagem pouco
explicativa, argumenta que “a descrição do mundo ou da terra
deve referir-se à ideia de con junto e “reportar -se sempre a esta”
[...]”.
Portanto, dito de forma simplificada, o principal partido
de método que o conceito de totalidade quer mostrar é que para
compreensão de determinado fenômeno é necessário recorrer às
relações nas quais ele está inserido, pois é isso que lhe confere
sentido e, por conseguinte, possibilidades de explicação
coerente.
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Dentre os autores supracitados, há um destaque para
Hegel, por aprofundar a concepção dialética da realidade quemais tarde inspiraria Marx. Na verdade, Hegel introduz na
filosofia uma dialética da razão e, desta forma, promove grande
avanço no que concerne à visão da realidade a partir da
perspectiva totalizante, a despeito das críticas conduzidas
posteriormente, sobretudo pela abordagem materialista dahistória, em contrapartida a sua filosofia.
De acordo com as concepções Hegelianas, a vida
humana é nada mais que a busca da liberdade na superação das
contradições postas ao espírito (HEGEL, 1980). Para ele,
totalidade é a oposição e, ao mesmo tempo, a unidade entre vidae consciência no movimento do espírito. Assim, concebe
totalidade como unidade de opostos.
Porém tal oposição não configura um dualismo, haja
vista que perspectivas distintas (vida e consciência) convergem
na esteira de um movimento unitário, qual seja, o desenrolar do processo histórico, já que, segundo Hegel, a história do mundo é
a representação da ideia do espírito. Por conseguinte, essa
unidade dos opostos se dá, devido às concepções da realidade
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que norteiam sua filosofia, no plano do pensamento (HEGEL,
1980).
Para Marx, por outro lado, com o seu materialismo
histórico e dialético, a totalidade é unidade da diversidade,
porém concreta e histórica porque é resultante da
indissociabilidade dialética homem-natureza. Coloca-se,
portanto, no sentido inverso ao de Hegel, procurando desvendar
as contradições “Concretas” no seio do modo de produção
capitalista.
Nesta direção da totalidade marxista, o que interessa
discutir não são as coisas vistas isoladamente, mas “[...] as
feições e situações [...]” inseridas num “sistema de relações em
que se totalizam e unificam” (PRADO JUNIOR, p.8), ou seja, as
relações concretas que engendram o movimento da totalidade.
Na Geografia, a incorporação desta categoria se dá,
efetivamente, mediante a Renovação Crítica do século passado,
notadamente na década de 1970, sob a égide do materialismo
histórico dialético. Mas, principalmente nos últimos três
decênios, a noção de totalidade vem sendo muito divulgada e
aceita dentro da Geografia.
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Pode-se dizer que a produção geográfica que se
fundamenta nesta perspectiva diferenciada de se enxergar arealidade se mostra bastante fecunda, pois inaugura um debate
que abre novas possibilidades de elucidação dos fenômenos
espaciais. Evidentemente não agrada a todos, revelando a
pluralidade teórico-metodológica latente no âmbito da própria
Ciência Geográfica na contemporaneidade. Na trajetória epistemológica de Milton Santos, a
categoria totalidade aparece como recurso de método que, a bem
dizer, norteia toda sua produção científica. Isso resulta de um
amplo debate filosófico com autores clássicos que abordaram tal
concepção1.Outra contribuição importante para a visão holística da
realidade geográfica, de grande influência na Geografia
Dialética de Milton Santos, encontra-se em Sartre (1978). Este
autor infere que a realidade como totalidade histórica se revela
no permanente processo de totalização que é, ao mesmo tempo,movimento da história e do conhecimento. A totalidade é um
dinamismo constante que aparece, concomitantemente, como
1 O entendimento de totalidade que norteia a produção geográfica de Milton
Santos é inspirado, principalmente, em Karel Kosik (Dialética do Concreto) eGeorg Luckács (História e Consciência de Classe).
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resultado de totalizações anteriores e como totalização do
presente em direção ao futuro. Assim, as “novas” totalidades
não são inteiramente novas, uma vez que a história é feita de
continuidades e descontinuidades, não podendo ser assimilada
lineamente.
Desta maneira, a ideia de totalização chama atenção para
o fato de que falar de totalidade implica evocar a noção de
movimento. Neste, a totalidade evolui e muda de significado
porque na esteira do processo de totalização passado e futuro se
entrelaçam num movimento único. E, conforme acrescenta o
filósofo francês, tomar algo em sua totalidade significa
apreendê-lo partindo das circunstâncias concretas que o
explicam (SARTRE, 1978).
Para Kosik (1976), totalidade não significa simplesmente
que tudo está em relação com tudo e que o todo é mais que a
soma das partes. Nem muito menos seriam todos os fatos, todas
as coisas, todos os aspectos. Para ele, totalidade é a própria
realidade em curso de desenvolvimento e autocriação, isto é,
uma “Totalidade Concreta”. Dizendo de outra maneira
totalidade significa: realidade como um todoestruturado, dialético, no qual ou do qual umfato qualquer (classe de fatos, conjuntos de
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fatos) pode vir a ser racionalmentecompreendido (KOSIK, 1976, p.35).
Souza, por sua vez, coaduna com esta concepção
quando afirma que:
A totalidade é uma totalidade orgânica.Donde, explicar um fenômeno é integrá-lona totalidade das suas determinações, àsquais ele se refere, situá-lo no seio da
ligação global constituinte de sua realidade ede seu sentido, o todo de que se trata sendoum todo orgânico, a ligação uma ligaçãoorgânica (SOUZA, 2006, p.172).
Essa compreensão permite, como explicita a autora
acima, uma discussão contextualizada dos fatos e, portanto, um
salto qualitativo no método geográfico, sobretudo considerando
que em sua evolução teórica a Geografia não se preocupou
devidamente com este aspecto. Como observou Armando
Correia da Silva, a totalidade “[...] se manifesta na articulação
ontológica dos pedaços”, compreendendo que uma coisa só tem
status ontológico quando existe (HARVEY, 1980), numa visão
totalizante em que as partes só têm existência dentro do todo.
Para a Geografia, esse entendimento aponta, em primeiro
lugar, a real necessidade de um conceito de espaço que consiga
incorporar esses aspectos de maneira coerente, sem perder de
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vista a identidade geográfica. No contexto em que Milton Santos
formulou sua primeira proposta de método de maior
repercussão, ou seja, no livro “ Por uma Geografia Nova” (1978,
2004), esse era um dos grandes problemas. Não foi por acaso
que esse autor, em um dos capítulos desta obra, se referiu à
ciência geográfica como viúva do espaço, ressaltando, dessa
forma, que este conceito, que é o core da geografia, ainda não
havia recebido a devida atenção dos geógrafos.
Em 1996, em sua obra mais madura, Santos afirma que o
Espaço Geográfico deve ser considerado como “[...] um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório de
sistemas de objetos e de sistemas de ações [...]” (SANTOS,
2009a, p.51). Coroando essa ideia, ele apresenta, também, a
concepção de espaço banal, considerado o espaço de todos os
homens não importando as diferenças entre eles. Seria das
instituições, sem importar sua força. O espaço das empresas, não
importando seu poder (SANTOS et al, 2000, p.2), inspirado em
François Perroux2.
2 Segundo Silveira (2010), no tempo em que se privilegia uma Geografia dos
pontos, onde se destaca apenas os atores hegemônicos, este conceito leva emconsideração todos os agentes justamente porque trabalha com a noção detotalidade.
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Lefebvre (1983), em seu livro “Lógica Formal/Lógica
Dialética”, deixa claro que para se chegar ao conhecimento pleno de qualquer objeto, o único caminho é a análise que
implica, inevitavelmente, a decomposição, pois, a mera
contemplação enquanto todo não permite compreender suas
estruturas e leis de funcionamento. Nessa concepção, a
fragmentação da totalidade é inerente à tarefa analítica. Como se pode notar nas palavras do próprio autor, “[...] a análise se
esforça por penetrar no objeto. Oposta a toda contemplação
passiva, ela não respeita esse objeto” (LEFEBVRE, 1983, p.117.
Grifo do autor).
Neste sentido, Kosik (1976) está plenamente de acordo evai mais além ao destacar que a fragmentação se torna condição
sine qua non para alcançar a realidade concreta, a qual o autor
se refere como a “coisa em si”, e, por conseguinte, é enfático ao
dizer que “sem decomposição não há conhecimento”. Nesta
perspectiva, a cisão da totalidade é uma questão metodológicacrucial quando se trabalha num viés dialético. Conforme
acrescenta o autor,
A característica precípua do conhecimentoconsiste na decomposição do todo. Adialética não atinge o pensamento de fora
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para dentro, nem de imediato, nem
tampouco constitui uma de suas qualidades;o conhecimento é que é a própria dialéticaem uma das suas formas; o conhecimento éa decomposição do todo (1976, p.14).
As contribuições que estes autores trazem permitem
outra compreensão no que se refere à categoria totalidade na
Geografia, ou seja, incorporar uma visão holística significa, ao
mesmo tempo, procurar maneiras de fragmentar o todo se a
pretensão for ultrapassar a mera descrição. É importante, então,
dizer que a Geografia miltoniana tem muita influência destes
autores.
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Não obstante, os recortes dados ao objeto, necessários ao
conhecimento, encontram suas explicações dentro da totalidade,inatingível enquanto tal, posto que
[...] os fatos isolados são abstrações, sãomomentos artificiosamente separados dotodo, os quais só quando inseridos no todocorrespondente adquirem verdade e
concreticidade. Do mesmo, o todo de quenão foram diferenciados e determinados osmomentos é um todo abstrato e vazio(KOSIK, 1976, p.41).
Esse ir e vir entre as partes e o todo reforça o
entendimento proposto por Kosik quando ressalta a necessidade
de se considerar a dialética como um movimento em espiral, que
vai da contradição à totalidade e desta à contradição. Esse
método, segundo Gurvitch (1987), mantém o pesquisador em
alerta, pois também vai da afirmação à negação.
Por isso, a análise de determinados aspectos da realidade
deve ser remetida ao contexto que os geraram, dado que “[...]
todo conhecimento parcial ou isolado dos homens ou de seus
produtos deve ser superado em direção da totalidade ou ser
reduzido a um erro por parcialidade” (SARTRE, 1978, p.112).
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Esse quadro metodológico tem como evidente que não há o todo
sem as partes e vice-versa. Ou seja,
a fragmentação do real e a mente divididasão complementos de uma mesma
possibilidade: a dimensão ôntica do método.Este se põe, assim, como síntese da análise eanálise da síntese, num movimento
intelectivo que vai do todo à parte e desta aotodo (SILVA, 2000, p.12).
Em sintonia com este pensamento, Lefebvre (1983)
argumenta que análise e síntese devem ser utilizadas de maneira
indissociáveis, pois não se trata de uma simples
complementação de uma para com a outra. Na verdade, no dizerdo autor, a análise só tem sentido porque o real se apresenta de
maneira sintética, enquanto a síntese se faz necessária, uma vez
que a totalidade une momentos contraditórios.
Desta forma, para se chegar à “coisa em si”, à luz do
grande legado marxista de análise e síntese, o esforço envolveos movimentos do pensamento tentando esposar a realidade
concreta.
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Nesse caminho,
parte-se do abstrato pensado e pela análise esíntese chega-se ao concreto pensado. Oconcreto, portanto, não se confunde com oempírico embora o envolva. O concreto [...]é concreto porque é síntese de múltiplasdeterminações, isto é, unidade do diverso(VALE, 2001, p.11).
Com efeito, a totalidade sócioespacial num viés
miltoniano, onde coexistem diferentes objetos com diferentes
usos, nos desafia, provoca. Analisá-la e apreendê-la supõe o
domínio de categorias. Certamente, o que deve balizar a escolha
de tais categorias é o movimento real das estruturas internas do
objeto, isto é, a “dialética do concreto”, na denominação de
Kosik (1976). Em outras palavras, o processo de análise deve
expressar a essência dos fenômenos espaciais. Para tanto, a “[...]
análise dever ser “concreta”: se ela “quebra” o objeto, e o nega,
deve quebrá-lo de um modo tal que convenha apenas a esse
objeto” (LEFEBVRE, 1983, p.120. Grifos do autor).
Contudo, para ser eficaz, o método, indubitavelmente,
precisa esposar as texturas do atual período histórico, definido
por Milton Santos como meio técnico-científico-informacional.
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Precisa explicar o que, paradoxalmente, parece inexplicável, ou
seja, as contradições do atual período.
Não se trata aqui de uma simples descrição dos
fenômenos, mas da busca pelo entendimento da sua própria
razão de ser, da sua essência. Trata-se, a rigor, da tentativa de
compreensão da realidade não fragmentada, mas constituída do
todo e de suas partes. Vê-se, assim, tratar-se de uma realidade
complexa, de uma compreensão que apenas a dialética permite
ter.
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71
UMA BREVE CARACTERIZAÇÃO DO PERÍODO HISTÓRICO
ATUAL
O período histórico atual, muito distinto dos que os
precedeu, tem como fundamento marcante o tripé técnica,
ciência e informação, sendo por isso denominado por Milton
Santos de meio Técnico-Científico-Informacional, no dizer do
autor (2009b), a expressão geográfica da globalização. Esta proposta emerge nas formulações do autor como resultado de
uma periodização dividida em três períodos: meio natural,
técnico e técnico-científico-informacional. Cada um deles é
definido por um sistema técnico especifico que, por sua vez,
autoriza determinadas formas de fazer, isto é, de organizar,concomitantemente, a sociedade e o território.
Ancorado neste pensamento é que se pode afirmar que a
técnica, na atualidade, passa a ser solidária universalmente, de
tal maneira que é possível estar presente em cada lugar de forma
potencial. A velocidade de difusão desse novo sistema técnico, pautado nas possibilidades das telecomunicações, o que permite
sua unicidade (SANTOS, 2006), abala todas as facetas do
cotidiano, introduzindo e fazendo surgir diversas racionalidades
em todos os lugares. A racionalidade hegemônica, com a
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
intolerância do “pensamento único”, se defronta com diversos
contextos nos lugares, donde emergem outras formas de fazer,
pautadas na pluralidade econômica, cultural como também
espacial.
Para os agentes de maior poder de atuação, mormente as
grandes empresas, a ciência é o motor do desenvolvimento, o
trabalho intelectual ganha importância primária e as
informações em massa se processam vertiginosamente. Esses
são os principais fatores que resultam na eficácia das ações
desses agentes. Sobre a informação, Santos (2006) adverte ser
uma informação não face a face, mas mediada, preparada e
servida pelos atores hegemônicos do sistema.
O processo de globalização é entendido por Santos
(2009a) como ápice da internacionalização do capital, visto que
se concretiza a pretensão do capitalismo de tornar-se um sistema
mundial. Isso quer dizer que as texturas atuais diferem da
internacionalização, pois esse novo processo, que ganhou corpo
a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, gerou grandes
metamorfoses no espaço enquanto totalidade, com implicações
diretas nos lugares que passam a ser reflexos do mundo,
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73
impedindo que espaços distantes fiquem isolados e causando um
hibridismo cultural nunca antes presenciado na história humana.Sob a égide de uma nova divisão do trabalho, em que a
informação desempenha um papel singular, o território se
transforma para cooperar com os atores hegemônicos. Para
Santos e Silveira (2005), as mudanças são percebidas até mesmo
na arquitetura dos objetos, que tendem a ser cada vez maistécnico-científico-informacionais.
Esse mesmo processo permite articular as diversas partes
que compõem a totalidade, alargando contextos e encurtando
distâncias, pois as tecnologias de ponta geram novas
possibilidades de fluidez, base de expansão e de intercâmbio.Há, a todo momento, uma grande circulação de pessoas,
mercadorias e, sobretudo, de informações, ainda que a
intensidade varie de uma região para outra, pois irá depender
das possibilidades técnicas e políticas disponíveis.
Em outras palavras, o meio técnico-científico-informacional, enquanto configuração territorial da
globalização, não se apresenta de forma homogênea no espaço
visto como totalidade. Deveras, algumas parcelas do território
são dosadas com maior intensidade pelas variáveis do período,
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
autorizando assim ações comandadas pelos agentes
hegemônicos (SILVEIRA, 2009). Desse modo, a divisão
territorial do trabalho dos dias de hoje aprofunda as
desigualdades entre os lugares, de modo que as diferenças
socioespaciais tornam-se mais nítidas, haja vista que não são
mais um dado natural, mas da “segunda natureza”, como
chamara Marx, inserida no movimento da totalidade social.
Contudo, a globalização não é conhecida por todos
(SOUZA, 2008), sendo, sobretudo, um processo paradoxal e
fragmentador, pois, ao tempo em que cria novas possibilidades é
uma fábrica de perversidades. Esta nova fase da acumulação
capitalista tem na informação e nas finanças duas de suas
principais representatividades (SILVEIRA, 2009). Assim, para
Santos,
A mundialização que se vê é perversa [...].Concentração e centralização da economia edo poder político, cultura de massa,
cientifização da burocracia, centralizaçãoagravada das decisões e da informação, tudoisso forma a base de um acirramento dasdesigualdades entre países e entre classessociais, assim como da opressão edesintegração do indivíduo (1997, p.17).
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75
As possibilidades trazidas pelo processo de globalização,
como a de tudo conhecer num curto lapso de tempo, têm seapresentado apenas como fabulações para a grande maioria das
pessoas, pois as contradições no tocante à distribuição do capital
se acentuam e as perversidades impostas podem ser vistas em
todos os lugares (SANTOS, 2006). Se por um lado os sistemas
de engenharia modernos, juntamente com as ações velozes queos animam, são aspectos representativos da época, por outro, a
escassez das necessidades mais básicas para grande parte da
sociedade grita a essência contraditória da mesma.
Mas, retomando a questão da técnica, é necessário
compreender a particularidade atual que, aliada à ciência, é a principal responsável pelas rápidas e grandes mudanças
presenciadas a partir do segundo pós-guerra3.
3 Na vasta obra de Milton Santos o papel que a técnica desempenha é central.
O autor a encara de forma abrangente, ou seja, enquanto “fenômeno técnico”.Essa perspectiva tem como corolário que é necessário considerar todas asmanifestações técnicas, inclusive a técnica da própria ação.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Em “ A Natureza do Espaço” , Santos (2009a) assinala
que no decorrer da história as diversas sociedades se utilizaram
de diferentes técnicas para intervenção no ambiente físico, com
o intuito de suprir as necessidades de sobrevivência, o que
desenvolve, paulatinamente, um avanço que, na realidade, não
era contínuo. Tal avanço nas técnicas, objetivando maior
utilização da natureza, resultou na complexidade de algumas
sociedades. Essa complexidade se revela, sobretudo, na forma
de organização e distribuição do trabalho.
Assim, depreende-se que o avanço no conjunto das
técnicas (re)define o andar da sociedade, posto que, gera novas
possibilidades até então desconhecidas. Entretanto, o conjunto
de técnicas utilizadas em períodos anteriores não era o mesmo
em todos os lugares, ou seja, se na Europa dominava-se as
técnicas de navegação, aqui na América os índios não
imaginavam a existência de um objeto muito pesado, mas que
flutuava sobre as águas.
É importante ressaltar que a expansão do sistema
capitalista resultou na grande difusão das técnicas, que agora
possui características singulares. Para Santos, “[...] essa técnica,
cuja realização se tornou relativamente independente, é chamada
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pesquisa” (1985, p.27). Essa “[...] técnica de fazer técnica” é o
grande “pincel que desenha” o espaço geográficocontemporâneo. Pois,
por meio das comunicações, o período afetaa humanidade inteira e todas as áreas daterra. Espaços que escapamtemporariamente às forças são raros nestafase da história. As novas técnicas,
principalmente aquelas para processar eexplorar inovações, trazem, como nuncaantes, a possibilidade de dissociaçãogeográfica de atividades (SANTOS, 1985,
p. 28).
A técnica universalizou as relações, os gostos, o
consumo, as culturas e tantas outras coisas mais (SANTOS,1997). Mais que isso, o que se presencia, principalmente nas
metrópoles, é a “sucessão alucinante dos eventos”, para usar
uma expressão miltoniana. Vive-se, hoje, o ápice da
concentração do capital e ao mesmo tempo da busca frenética
pelo seu domínio. A riqueza convivendo, paradoxalmente, lado
a lado com a pobreza, o que se poderia chamar de “doença desse
período histórico”.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Compreender o lugar, nesse contexto, supõe
(re)conhecer que este se tornou, ao mesmo tempo e
estranhamente, singular pelas influências do contexto e
mundializado por ser ele mesmo receptáculo das possibilidades
trazidas pela globalização. Nesse sentido, a noção de lugar-
mundo e mundo-lugar deve perpassar a todo tempo o
entendimento do espaço contemporâneo.
Balizado pela própria condição de ser parte e, também, o
todo que compõe, dialeticamente, o espaço, o lugar emerge
como categoria capaz de sintetizar a complexa ligação do todo e
suas partes. Trata-se de uma categoria síntese das condições
materiais e das ações que compõem, indispensavelmente, o
espaço geográfico. Assim, pensar essa categoria a partir do
método miltoniano de análise pressupõe uma possibilidade real
de compreensão
Em meio a toda essa complexidade, novas e grandes
problemáticas se colocam à Geografia; e a análise descritiva que
vê o território como simples palco das ações humanas é, no
mínimo, insuficiente, posto que esta ciência tem a enorme e
difícil tarefa de compreender os processos de desigualdade que
se acentuam nesse período da globalização, tarefa alcançada
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apenas com o rigor metodológico necessário, pois, as questões
que caracterizam o espaço atual não podem ser desconsideradasno fazer científico.
Portanto, a definição de um método capaz de dar conta
da análise geográfica nesse contexto precisa considerar,
sobretudo, a atualidade e o movimento. Do contrário, será
insuficiente ou correrá o risco de ficar desatualizado antesmesmo de sua aplicabilidade.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
A RE)EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO NO PERÍODO DA
GLOBALIZAÇÃO
Conforme fica evidente, refletir atualmente acerca do
propósito da Geografia e, particularmente, dos principais
conceitos e categorias que a balizam, emparelhando os
processos do mundo do presente, pressupõe rigor
epistemológico. Esse rigor perpassa, sobretudo, pelo próprio
questionamento do método.
Com a intensificação do processo de globalização e as
(re)modelações que ele causa no conteúdo dos lugares, por
intermédio de nexos extra-locais ou extra-regionais, muitas
vezes pautados no capital internacional, o debate sobre território
tem merecido destaque na Geografia. Em face das
transformações nas instâncias política, econômica e cultural que
caracterizam o período em marcha, a questão do território
(re)emerge fundamentada em outros paradigmas que não os
“deixados” pela modernidade, pois, certamente, não está imune
a tais mutações.
Na verdade, o território ganha novas configurações,
agregando sistemas de engenharia complexos para atender aos
ditames do capital, sendo assim preparado, material e
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juridicamente, para o mercado. Contudo, devido à seletividade
espacial desses vetores, emergem outras racionalidades,calcadas em outras maneiras de ver e praticar o território.
Por conseguinte, assevera Silveira (1999), os lugares
atualmente, e, sobretudo, as grandes cidades, podem ser
pensados como superposição de diferentes divisões territoriais
do trabalho, diferentes lógicas, diferentes valores e escalas, mastambém distintas ideologias e discursos. Neste sentido, Santos
(2009) deixa claro que a Globalização não se realiza sem o meio
Técnico – Científico – Informacional, que é sua expressão
geográfica. Em 1992, quando o debate sobre o tema começou a
tomar corpo, esse autor já chamava atenção para esse fato comas seguintes palavras:
A fase atual, chamada também de períodocientífico, do nosso ponto de vista
particular, é, em primeiro lugar, a fase naqual se constitui, sobre territórios cada vezmais vastos, o que se chamará de meio
científico-técnico, isto é, um momentohistórico no qual a construção ou areconstrução do espaço se dará com umconteúdo de ciência e de técnica (SANTOS,1992, p.14).
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Ou seja, as diversas lógicas e valores difundidos pelas
variáveis do período não se realizam alheios ao território, daí a
importância desta categoria. O espaço como instância da
sociedade, imprescindível ao funcionamento do mundo, é o
princípio de método adotado. Isso quer dizer que a compreensão
do território é imperativa para entender os novos valores, escalas
e ideologias, bem como a questão da cidadania.
Neste contexto, em 1994, Milton Santos falava do
Retorno do Território para ressaltar a importância que este
conceito teria na interpretação do período histórico atual.
Contrariamente às leituras que concebem território como mera
divisão político-administrativa ou simples palco das ações
humanas, as possibilidades reais de compreensão das texturas
atuais acenam à outra perspectiva, pois,
é o uso do território, e não o território em simesmo, que faz dele objeto de análisesocial. Trata-se de uma forma impura, um
híbrido, uma noção que, por si mesmo,carece de constante revisão histórica. O queele tem de permanente é ser nosso quadro devida. Seu entendimento é, pois, fundamental
para afastar o risco de alienação, o risco da perda do sentido da existência individual ecoletiva, o risco de renúncia ao futuro(SANTOS, 1994, p.5).
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Com efeito, o complexo quadro de heterogeneidade
socioespacial exige uma maior preocupação com este conceitotão caro à Geografia, visando discutir de maneira mais
aprofundada os processos contraditórios dessa nova fase da
acumulação capitalista. Depreende-se, portanto, que uma noção
de território fundada no método dialético pode contribuir com
este propósito.
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O TERRITÓRIO USADO COMO CONSTRUÇÃO DIALÉTICA
O território, usado como lei do real e lei do pensamento
(LEFEBVRE, 1983), ou seja, como “concreto pensado” na
acepção marxista, onde o real é expresso num sistema de ideias,
está fundamentado no método dialético. Assim, enxerga-se o
território de maneira conjunta, apesar da grande diferença entreos diversos agentes que o usam desigualmente, explicitando
assim vários projetos sociais. Por isso, pode revelar realmente
como a sociedade está organizada, pois
[...] incluye todos los actores y noúnicamente el Estado, como en la acepción
heredada de la modernidad. Abriga todos losactores y no sólo los que tienen movilidad,como en la más pura noción de espacio deflujos. Es el dominio de la contigüidad, y nosolamente la topología de las empresas ocualquier otra geometría. Se refiere a laexistencia total y no sólo a la noción deespacio económico. Incluye todos losactores y todos los aspectos y, por ello, essinónimo de espacio banal, espacio de todaslas existencias. La historia se produce contodas las empresas, todas las instituciones,todos los individuos, independientemente desu fuerza diferente, apesar de su fuerzadesigual (SILVEIRA, 2008, p.3).
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Nesta perspectiva, o território como base material da
vida, um conjunto de objetos, não tem significado em si mesmo, pois quem o atribui valor é a sociedade. Porém, como a
globalização tornou mais nítida a desigualdade espacial, a partir
de espaços opacos e luminosos, cria-se uma tendência a
desprezar os agentes de menor poder de atuação no território.
No entanto, como mostra Ortega y Gasset (1973), o“uso” é coletivo, isto é, um atributo da vida em sociedade, da
“gente”, jamais individual. Nesse sentido, trabalhar com alguns
agentes, num contexto de desigualdades como o atual, como se
fossem a totalidade do território, significa trabalhar com uma
noção abstrata, desprovida de valor explicativo real(SILVEIRA, 1995).
Por outro lado, o território usado expressa as diferentes
intencionalidades que coexistem, mesmo frente à difusão de um
“pensamento único” da globalização perversa (SANTOS, 2006).
Assim, é sinônimo de espaço geográfico “[...] que pode serconsiderado como a junção de materialidade e vida social”
(SILVEIRA, 2010, p.74). Só a partir dessa hibridez composta
por objetos e ações, indissociavelmente, é possível pensar o
contexto dos dias de hoje, uma vez que “afirma-se, ainda mais, a
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dialética no território e, ousaria dizer, a dialética do território, já
que usado o território é humano, podendo, desse modo,
comportar uma dialética” (SANTOS, 1994, p.8).
Para Milton Santos, “o território usado, visto como uma
totalidade, é um campo privilegiado para a análise, na medida
em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade
e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso” (SANTOS,
2000, p.09). Desta forma, o autor deixa claro que este conceito
não concebe o território como algo estático. “[...] é tanto o
resultado do processo histórico quanto a base material e social
das novas ações humanas” (Idem, p.02).
Destarte, Melgaço (2008) compreende que o conceito de
território usado é o que mais consegue expressar os elementos
do método dialético, por levar em conta a totalidade, a
contradição entre as partes e o movimento constante de
transformação. Não se trata aqui de ver estes três principais
elementos do método dialético de maneira isolada para
compreender o movimento concreto das variáveis do período
técnico-científico-informacional porque isso significaria negar o
próprio método. Conforme ressalta Kosik:
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O progresso da abstratividade àconcreticidade é, por conseguinte, em geralmovimento da parte para o todo e do todo
para a parte; do fenômeno para a essência eda essência para o fenômeno; da totalidade
para a contradição e da contradição para atotalidade; do objeto para o sujeito e dosujeito para o objeto (KOSIK, 1976, p.30).
Esse movimento circular demonstra que a apreensão da
realidade em todas as suas manifestações é algo complexo,
mormente em face dos processos atuais. Portanto, os novos
arranjos conferidos aos lugares colocam também outras
preocupações para pensá-los. A questão das novas escalas,
ideologias e discursos que se superpõem nos lugares, bem como
a cidadania não podem ser discutidas fora da perspectiva
totalizante, isto é, sem o território visto como um todo dialético,
o território usado.
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EM BUSCA DA OPERACIONALIDADE
Conforme pontuado ao longo dessa discussão, a
incorporação do método dialético à ciência geográfica sugere o
uso de conceitos adequados que consigam expressar a totalidade
das relações socioespaciais contraditórias. Tais conceitos
precisam estar sintonizados com as características do meio
técnico-científico-informacional e, ademais, permitirem
caminhar da totalidade à análise.
Em outras palavras, a questão que se coloca é como,
diante dos desafios concretos que a história põe nesse começo
de século, aplicar o conceito de território usado e outros
subjacentes a esta proposta. Essa é a busca por operacionalidade
da teoria da qual falava Silveira (2001). Com essa preocupação
Milton Santos indica que
[...] um caminho possível seria partir datotalidade concreta como ela se apresentanesse período da globalização – uma
totalidade empírica – para examinar asrelações efetivas entre a Totalidade-Mundoe os Lugares. Isso equivale a revisitar omovimento do universal para o particular evice-versa, reexaminando, sob esse ângulo,o papel dos eventos e da divisão do trabalhocomo uma mediação indispensável (2009a,
p.115).
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Essa abordagem, balizada pelo movimento da totalidade
espacial, reforça o papel dos lugares na interpretação geográficado período atual, pois se fundamenta no pressuposto de que “El
lugar no es un fragmento, es la propia totalidad en movimiento
que, a través del evento, se afirma y se niega, modelando un
subespacio del espacio global” (SILVEIRA, 1995). Ou seja,
mesmo inserido no movimento da globalização que articula olocal com o global, os lugares não se tornam iguais, ao
contrário, suas diferenças são reforçadas e ganham novos
contornos.
É nesse contexto que a noção de evento referenciada pela
autora ganha sentido e, ao mesmo tempo, importância naelucidação dos processos espaciais, posto que
se consideramos o mundo como umconjunto de possibilidades, o evento é umveículo de uma ou algumas dessas
possibilidades existentes no mundo. Mas o
evento também pode ser o vetor das possibilidades existentes em uma formaçãosocial, isto é, num país, ou num região, ounum lugar, considerados esse país, essaregião, esse lugar como um conjuntocircunscrito e mais limitado que o mundo(SANTOS, 2009a, p.144).
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Nessa perspectiva, o tempo é incorporado à compreensão
do espaço geográfico, sendo ele que acentua as desigualdades
entre os lugares que a Globalização propiciou ressaltar. O lugar
é, assim, unidade da diversidade, na medida em que recebe
intensamente determinações externas, mas também impõe uma
dinâmica interna. Eis o comportamento dialético dos lugares no
atual período histórico. Esse papel central do lugar nos dias de
hoje configura o Retorno do Território aludido por Milton
Santos.
A busca por operacionalizar a teoria do espaço
geográfico como um conjunto indissociável de sistema de
objetos e sistema de ações parece ser também a preocupação de
Silveira (1999), quando faz uma releitura da noção de situação
para aplicá-la à Geografia no contexto atual. A autora nos
mostra como essa ideia, atrelada à de eventos, pode ser eficaz na
compreensão do lugar como uma totalidade no interior da
totalidade mundo e das formações socioespaciais.
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O objetivo principal dessa proposta é enfrentar “[...] a
necessidade de produzir um esquema metodológico que permitaelaborar um retrato dos lugares na história do presente”
(SILVEIRA, 1999, p.22). Em outros termos,
trata-se [...] de cindir a geografia do mundoem subtotalidades, que se tornam estruturassignificativas para cada conjunto de eventos.
Uma cisão da totalidade é uma novatotalidade com um significado, umaestrutura num conjunto mais abrangente,uma estrutura e um sistema porque suarealidade é dada pelo movimento(SILVEIRA, 1999, p.24).
Assim, leva-se em consideração, concomitantemente, o
movimento da totalidade espacial e as singularidades doslugares, dotados de um arranjo particular que é tanto material
como imaterial. Num viés Sartriano (1978), poder-se-ia dizer
que o processo de transformação da totalidade-mundo
desemboca na cristalização desigual de alguns momentos no
âmbito local. Mais uma vez, o conceito de situação geográficase mostra eficaz quando a abordagem é totalizante, pois
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a situação é um resultado do impacto de um
feixe de eventos sobre um lugar e contémexistências materiais e organizacionais.Inovações técnicas e novas ações deempresas de força diversa, dos váriossegmentos do Estado, de grupos ecorporações difundem-se num pedaço do
planeta, modificando o dinamismo preexistente e criando uma nova
organização das variáveis (SILVEIRA,1999, p.25).
Por conseguinte, a partir da situação geográfica
evidencia-se como são diversas as ações que atravessam os
sistemas de objetos nos lugares. Assim, fica claro que o
princípio de método adotado nesse caminho é a história em
processo refazendo a dinâmica socioespacial do presente. Em
consequência, a noção de situação geográfica está fundamentada
na Dialética do Concreto, uma vez que é substanciada pelo uso
do território nos diferentes contextos, encarnando a diversidade
de ações, intencionalidades, normas, etc.
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COMO INTERROGAR O LUGAR NO INTERIOR DA
TOTALIDADE MUNDO?
A partir do lugar, com a noção de situação geográfica, a
proposta de território usado se torna empiricizável, uma vez que
salta aos olhos o entendimento do espaço como “[...] um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório de
sistemas de objetos e de sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como um quadro único no qual a história se
dá” (2009a, p.51).
Este conceito infere que o espaço possui arranjos visíveis
que se relacionam entre si, com e por meio da sociedade em
movimento. Ou seja, a essência do espaço geográfico é humana,todavia os objetos que compõem a paisagem são necessários à
reprodução social.
Nesse sentido, os objetos e arranjos de objetos são
construídos, (re)construídos e (des)construídos para atender a
dinâmica social, produtiva e espacial de um dado período passível de contextualização. Os interesses e necessidades da
sociedade variam, qualitativa e quantitativamente, com o passar
do tempo. Com efeito, mudam os objetos bem como as ações.
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Com a preocupação de analisar essa totalidade composta
por objetos e ações, esse autor propõe um leque de categorias
que visam à análise do espaço por intermédio do lugar. Dentre
elas, Forma, Função, Estrutura e Processo merecem destaque,
pois, no dizer de Silva, “[...] elas fornecem um modelo analítico
concreto num viés dialético-marxista” (2010, p.36).
Silva (2009), porém, oportunamente nos lembra que é
imprescindível considerar o contexto histórico dessa proposta,
posto que em Milton Santos o conceito de espaço sofre
alterações significativas, sempre balizadas pelo diálogo com
outros autores, a despeito da prevalência da ideia central. Aqui
depreende-se, em virtude dos caminhos trilhados pelo autor em
suas obras, que Forma, Função, Estrutura e Processo continuam
latentes para interrogar o lugar, considerado-o como um
conjunto indissociável de sistema de objetos e sistema de ações,
ou, como quer Souza (apud MELGAÇO, 2005, p.37), “[...] a
materialização da ideia abstrata de Território Usado”.
Para Santos (1985), a Forma é o aspecto visível de uma
determinada coisa. São os objetos e arranjos de objetos que
compõe o espaço, isto é, casas, condomínios, parques, escolas,
avenidas e etc., tudo gerado historicamente, organizando o
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presente e projetando o futuro. A consideração da Forma na
análise revela que a sociedade não paira sobre o espaço, isto é,não há sociedade a-espacial. A vida humana em suas diversas
realizações supõe a existência de formas, materialidade, por isso
esta categoria se torna tão importante para assimilar a dinâmica
sócio-espacial.
Evidentemente ela não revela tudo, posto que nos deixano campo do aparente que é a representação da realidade. Se
“[...] constatar não é compreender” (MELGAÇO, 2007), é
necessário ir além da Forma, ademais porque a realidade como
totalidade não se apresenta à primeira vista (FELICIO, 2008).
A Função é a atividade desempenhada pela forma. Eladá sentido à forma visto que um objeto no espaço não subsiste
desprovido de tarefa e, por outro lado, a tarefa não pode ser
desempenhada sem a Forma, daí a relação direta entre as duas.
Mais tarde, Santos introduz a noção de forma-conteúdo para
demonstrar a íntima relação que existe entre Forma e Função.Um terceiro aspecto da análise é a Estrutura . Santos
assinala que “[...] estr utura implica a inter-relação de todas as
partes de um todo; o modo de organização ou construção”
(1985, p.50). É o aspecto “invisível” construído pela inter -
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relação das diversas funções desempenhadas pelas/nas formas.
Como ensina Ortega Y Gasset “[...] las cosas trabadas en una
relación forman una estructura (p.50). Por isso, para
compreendê-la é preciso sempre considerar a dinâmica social de
cada período.
A estrutura espacial de um dado lugar é o resultado da
interação de várias estruturas que subsistem indissociavelmente.
Como nos lembra Santos,
a estrutura espacial é algo assim: umacombinação localizada de uma estruturademográfica específica, de uma estrutura de
produção específica, de uma estrutura de
renda específica, de uma estrutura deconsumo específica, de uma estrutura declasses específica e de um arranjo específicode técnicas produtivas e organizativasutilizadas por aquelas estruturas e quedefinem as relações entre os recursos
presentes (1985, p. 17).
Para apreensão da realidade, a geografia não pode se
interessar mais pela forma das coisas do que pela sua formação.
Por isso, outro fator inerente ao estudo do espaço, que nos
permite ter em consideração o movimento, é o Processo . Este
seria o constante devir social que constrói, (re)constrói e
(des)constrói as formas ao longo da história. O Processo é
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dinâmico, ou seja, processa e é processado, modifica e é
modificado. É ao mesmo tempo resultado e condição da história.Desse modo, o estudo do processo se faz necessário na
medida em que se busca entender a gestação das formas, o que
facilitará a compreensão das funções por elas exercidas. Nesse
sentido, a história se constitui numa ferramenta muito
importante a qual é preciso recorrer constantemente.À primeira vista, o geógrafo pode ser induzido a estudar,
pura e simplesmente, a forma. Porém, não se pode separá-la
concreta e conceitualmente das demais categorias sob pena de
não se compreender a contento os diversos aspectos que compõe
o espaço. Afinal, como afirma Santos,Para se compreender o espaço social emqualquer tempo, é fundamental tomar emconjunto a forma, a função e a estrutura,como se tratasse de um conceito único. Nãose pode analisar o espaço através de um sódesses conceitos, ou mesmo de umacombinação de dois deles. Se examinarmosapenas a forma e a estrutura, eliminando afunção, perderemos a história da totalidadeespacial, simplesmente porque a função nãose repete duas vezes. Separando estrutura efunção, o passado e o presente sãosuprimidos, com o que a ideia detransformação nos escapa e as instituiçõesse tornam incapazes de projetar-se no
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
futuro. Examinar forma e função, sem a
estrutura, deixa-nos a braços com umasociedade inteiramente estática, destituídade qualquer impulso dominante. Como aestrutura dita a função, seria absurdo tentaruma análise sem esse elemento (1985, p.56).
Assim, forma, função, estrutura e processo, este último
sinônimo de tempo, quando consideradas em conjunto impedem
a compreensão superficial e descritiva dos fenômenos, que
ignora sua essência e, por conseguinte, deve ser evitada,
sobretudo mediante a dinâmica do processo de globalização.
Portanto, esse método constitui uma base forte que auxilia o
Geógrafo na leitura e interpretação da realidade. Trata-se,
portanto, de uma ferramenta eficaz na construção/desconstrução
de uma discussão teórica mais sólida, coesa e o mais importante
pautada numa metodologia que é, antes de tudo, a busca de uma
outra Geografia.
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Terceira Parte
A Práxis
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
AS PRÁTICAS DE OCUPAÇÃO DE VAZIOS URBANOS PELOS
MOVIMENTOS DE SEM-TETO DE MACEIÓ, ALAGOAS
4
Comumente, os estudos sociológicos têm tratado os
movimentos sociais, bem como as demais ações humanas, como
se estes estivessem descolados do espaço, e mais
especificamente, do território. Sem em uma precisa
contextualização temporal e espacial a análise se apresenta
empobrecida e, muitas vezes, deturpada. Por isso entendemos
que não se trata somente de historicizar, mas também de
espacializar. Tampouco se trata somente de descrever, mas de
analisar dialeticamente. Assim, a partir de Santos et al.
(2000), propomos uma análise centrada no uso do território a
fim de contextualizarmos as disputas, os conflitos e as
negociações em torno do uso da cidade no que se refere a
questão habitacional.
4 Texto organizado por Carlos Eduardo Nobre com base na sua Dissertação intitulada
“A Emergência de Outras Racionalidades: As Ocupações de Vazios Urbanos pelosMovimentos de Sem-Teto de Maceió - Alagoas (1999-2009)”. Carlos Eduardo Nobreé Graduado em Geografia e Mestre em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da Universidade Federal de Alagoas e Professor da Universidade Estadualde Alagoas.
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No Brasil, o direito à moradia é reconhecido
juridicamente através do artigo 6º da Constituição Federal de1988. O artigo 2º, inciso I, da lei 10.257/2001, intitulada
Estatuto da Cidade, dispõe que “a política urbana tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana, mediante [...] garantia do
direito [...] à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental,à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações [...]”.
No entanto, constatamos, no cotidiano das cidades
brasileiras, que esses direitos não são universalmente garantidos,
visto que grande parte da população urbana não dispõe dessesatributos espaciais e, em um caso extremo, não dispõe de
moradia. Nesse sentido há uma contradição entre o que exige a
lei e o que existe na realidade no que toca o direito à moradia.
Essa contradição não é de fácil apreensão, mas talvez seja
possível fazê-la através da análise do uso do território a partir daleitura das práticas espaciais, engendradas por distintos agentes
sociais, a fim de se compreender esse processo contraditório
entre inclusão e exclusão. Nesse sentido, destacamos, de modo
geral, três práticas espaciais que entendemos serem úteis a
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compreensão da exclusão socioespacial, mais especificamente,
da exclusão habitacional.
A primeira diz respeito à política urbana que não
incorpora, salvo raras exceções, os princípios sociais contidos na
Constituição e no Estatuto da Cidade a fim de promover a
função social da cidade e da propriedade. Ao contrário, a gestão
pública, através do planejamento urbano, racionaliza o espaço
segundo os interesses e direitos individuais, negando,
constantemente, os interesses e direitos coletivos.
A segunda prática corresponde à apropriação e
manutenção, por agentes públicos e privados, de terrenos e
prédios desocupados em áreas centrais da cidade reproduzindo a
“escassez” de terra e habitação, favorecendo a especulação
imobiliária ao tempo em que nega à população pobre o direito
de acesso e uso dos vazios urbanos para fins de habitação de
interesse social.
A terceira prática consiste na reprodução do uso privado
e desigual do espaço urbano em detrimento do uso coletivo
igualitário em que seja salvaguardado o direito à moradia e aos
demais atributos espaciais.
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Essas práticas apresentadas correspondem ao uso
corporativo do território urbano e respondem a uma lógicaeconômica global que contraria as necessidades sociais locais.
Nesse sentido, existe um conflito entre interesse econômico e
interesse social em torno do uso de determinados espaços da
cidade destinados a fins habitacionais. Nesse processo de
dominação corporativa da cidade, restou à parcela da população,excluída da lógica econômica de acesso a terra e à habitação,
desenvolver táticas para suprir suas necessidades de moradia.
Alguns aderem a soluções próprias como a autoconstrução e a
ocupação de áreas inadequadas à habitabilidade. Outros se unem
e formam movimentos sociais que passam a atuar na cenaurbana a partir de uma multiplicidade de protestos contra o uso
corporativo do território urbano ao tempo em que reivindicam
políticas públicas de combate à especulação e ao déficit
habitacional.
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Talvez, as formas de protesto e reivindicação de moradia
que se tornaram mais evidentes a partir da década de 1990 e
com capacidade transformativa das relações político-espaciais
tenham sido as ocupações de vazios urbanos por sem-teto. Os
sem-teto de várias cidades brasileiras, excluídos dos benefícios
urbanos ou sem condições rentáveis para aquisição de terra e
habitação, formaram redes de movimentos sociais, com o
objetivo de exigir dos poderes públicos o uso de terras e prédios
desocupados para habitação de interesse social. Assim, foram
desenvolvidas táticas e estratégias de ocupação desses vazios
urbanos, contrariando à lógica hegemônica de apropriação
dominante desses objetos espaciais.
Nesse sentido, é que ocorre a disputa pelo espaço urbano
seguida do conflito que envolve poder, proprietário, gestores
públicos, movimentos de sem-teto e agentes da justiça. O fato é
que os gestores públicos negam constantemente estas práticas de
ocupação dos sem-teto como alternativa de luta reivindicatória,
de modo que deslegitimam constantemente a luta pelo direito à
moradia e ao lugar, reafirmando o interesse em manter as
práticas de dominação seguidas da exclusão socioespacial.
Outro problema é o fato de que a memória das lutas
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reivindicatórias muitas vezes não é reconhecida pelos gestores
públicos, principalmente aqueles a serviço das classesdominantes, de modo que as conquistas e as ações dos
movimentos sociais urbanos passam a não fazer parte do
planejamento e das políticas públicas.
É desse modo que o poder público, apesar dos discursos
progressistas e dos avanços jurídicos e políticos da últimadécada, no campo do planejamento e da gestão urbanos, acaba
por reproduzir as práticas históricas e conservadoras como a
periferização da população pobre acompanhada do não
atendimento das necessidades socioespaciais básicas. Apesar da
generalização da questão, entendemos que cada cidade em queocorre ocupação de vazio, bem como cada ocupação requer uma
compreensão histórica e espacial particular. Nesse sentido,
resolvemos estudar as ocupações de vazios urbanos pelos
movimentos de sem-teto de Maceió, Alagoas, a fim de
compreendermos melhor as reivindicações, os protestos, osconflitos e as formas de organização e de manifestação desses
movimentos na cena urbana.
Entendemos que a descrição, a análise e a crítica
contextualizada desses atos políticos bem como dos agentes
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envolvidos nos conflitos podem contribuir para o
reconhecimento das formas de apropriação, organização e
gestão do espaço habitado de Maceió, de modo que outras
possibilidades de uso da cidade, baseadas no ideário de justiça
social, possam ser consideradas.
As práticas dos movimentos sociais na luta pelo direito à
moradia e no contexto do uso desigual do território
Antes de explorar o tema, é preciso definir o que estamos
chamando de movimentos sociais neste trabalho.
Compreendemos esta categoria movimento social não em seu
termo amplo, mas específico, isto é, preocupamo-nos com os
movimentos de sem-teto que atuam na cena urbana através deuma multiplicidade de protestos e reivindicações que objetivam,
para além do reconhecimento e efetivação do direito à moradia,
uma transformação nas formas de uso econômico da cidade
calcada no ideário de justiça urbana.
Também devemos prestar uma definição mais precisa aoque chamamos de movimentos de sem-teto. Frente à
complexidade com que se registra a conformação de tais
movimentos, é preciso entender que um movimento de sem-teto
não é composto apenas por sujeitos sem uma casa propriamente
dita. A atual concepção de moradia sugere que para além da
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O fato é que, atualmente, as cidades têm se tornado
receptáculo de interesses econômicos/hegemônicos que emanam
de uma chamada ordem global (SANTOS, 1998, 2003, 2005,
2008). Assim, os interesses corporativos, de caráter privado, têm
marcado o uso e o funcionamento do território urbano. Pelo fato
dos agentes hegemônicos selecionarem as partes do território
aptas a atenderem seus interesses é que outras partes acabam por
ser excluídas. É por isso que certos direitos fundamentais não
são universalizados, dentre eles, o direito à moradia. Para que tal
fenômeno de segregação ocorra, é preciso que alguns
instrumentos e dispositivos sejam acionados. Assim, destacamos
três instrumentos que corroboram complementarmente para a
exclusão da população conferindo-lhe o status de sem-teto.
O primeiro instrumento diz respeito ao planejamento
urbano tal como ele é, atualmente, praticado no país. É preciso
dizer que o planejamento urbano não é um instrumento
meramente técnico, mas essencialmente político. Assim, ele
tanto pode servir a operações que dêem conta de atender aos
interesses coletivos, como pode servir às operações
exclusivas/seletivas, pautadas por interesses privados. Este
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segundo modelo é o que tem orientado a prática planejadora
brasileira. Nesse sentido, a exclusão habitacional resulta de um
imperativo hegemônico em que os interesses das grandes
empresas e corporações ganham destaque. A terra e a habitação
tornam-se objetos de projetos caros em sua natureza produtiva,
inacessível à parte da população que já sofre com a falta deemprego e renda.
A política habitacional brasileira, pautada num
planejamento de mercado, atua eficazmente para atendimento do
mercado imobiliário e deficitariamente para o atendimento da
sociedade. Poderíamos falar, portanto, de duas políticashabitacionais: uma voltada à população pobre e outra voltada às
classes ricas. O problema é que a primeira age conforme as
decisões da segunda. Assim sendo, criam-se espaços exclusivos
para os pobres e espaços exclusivos para os ricos. É dessa forma
que o território urbano é segregado pelo próprio aparelho deEstado.
O segundo instrumento, estritamente relacionado ao
primeiro, diz respeito ao mercado. A terra e a habitação, com
todos os atributos inerentes à moradia digna, são conferidos não
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só um valor de uso, mas um valor de troca. Nesse sentido,
aqueles que se apropriam largamente da terra e da habitação
podem mantê-las vazias a fim de restringir a oferta destes
produtos no mercado. Assim, com a produção intencional da
“escassez” torna-se possível especular e lucrar. Os valores
destes produtos diferenciam-se conforme a localização. Assim,
quanto mais “digna” for à localização, mas cara são a terra e a
habitação. Nesse sentido, a população pobre é empurrada para
as partes mais desprovidas da cidade, fomentando o processo de
exclusão. Este processo especulativo contribui para a produção
do déficit habitacional e, contraditoriamente, o déficit
habitacional retroalimenta a especulação imobiliária. A
perversidade do fenômeno encontra-se aí.
Os governos brasileiros, em resposta ao déficit
habitacional, buscam promover a construção de mais unidades
habitacionais. No entanto, a questão do estoque de terras e
prédios vazios e a regulação do mercado imobiliário continuam
sem respostas práticas. Cabe indagar se o problema é tão
somente de falta de unidades habitacionais, ou se é da falta de
condições de acesso a terra e à habitação (através de uma
política que regule o preço dos imóveis), ou mesmo de acesso
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aos milhares de vazios urbanos que servem tão somente à
especulação imobiliária.O terceiro instrumento, que normatiza e regula as
práticas acima descritas, diz respeito às normas jurídicas. No
Brasil, constantemente, o direito põe-se a serviço dos interesses
econômicos/privados e contrariam os interesses
sociais/coletivos. É nesse contexto que especuladores eempresas imobiliárias encontram as condições para agir.
Em resposta a estes mecanismos de dominação e
controle e diante das condições precárias de habitabilidade, os
sem-teto brasileiros passam a se organizar em movimentos
sociais para protestar e reivindicar a efetivação de políticassociais urbanas pautadas no direito à moradia. Nesse sentido,
qualquer análise acerca das práticas dos movimentos de sem-
teto deve fazer referência ao contexto descrito anteriormente,
com o risco de anularmos o significado e o sentido da luta. A
análise dever partir, também, da compreensão do atual períodotécnico-científico-informacional como proposto por Milton
Santos (2008) e Santos e Silveira (2005), em que a técnica e o
território se tornam fundamentais à compreensão das práticas
hegemônicas e contra-hegemônicas.
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Esse retorno dos sem-teto tem sido marcado pela
capacidade de articulação e organização das ações; pelo
respectivo alcance destas no território urbano e nacional; pelas
transformações jurídicas e institucionais conquistadas; mas,
principalmente, pelo novo tipo de ação contra-hegemônica que
consiste nas ocupações de terrenos e prédios vazios públicos e
privados localizados em áreas de interesse econômico.
No atual período técnico-científico-informacional os
movimentos de sem-teto se apropriam das tecnologias da
informação e se articulam construindo verdadeiros espaços
reticulares, de modo que a abrangência das ações destes
movimentos aumenta consideravelmente pelos territórios
nacional e internacional. Essa apropriação dos objetos técnicos
(internet e telefonia móvel) pelos movimentos de sem-teto
permitiu uma verdadeira organização política no território
brasileiro, criando, assim, uma rede de ações contra-
hegemônicas. Agora, os sem-teto também elaboram um tipo de
informação que é privilégio, segredo e poder (típica das relações
hegemônicas) e que possibilita, por exemplo, as ações de
protesto e ocupações simultâneas de vazios urbanos de
diferentes cidades brasileiras.
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Isto significa uma transformação nas ações políticas dos
movimentos sociais, pois agora é possível articular, planejar eexecutar protestos e ocupações simultâneas e instantâneas que
jogam com a ordem institutucional e jurídica impostas e travam,
no território urbano, verdadeiros conflitos políticos. Nesse
sentido, ao mesmo tempo em que “os sem” em suas localidades
mantêm relações orgânicas em que prima a comunicação, elestambém criam relações organizacionais em que prima a
informação5.
Esse processo de popularização da tecnologia permitiu a
articulação e unificação de movimentos sociais brasileiros de
diferentes matrizes de racionalidades, de modo que foi possívelexistir em Alagoas fragmentos desses movimentos originados
em outros territórios da Federação.
5 Conforme Santos (2008, p. 339), “a razão universal é organizacional, arazão local é orgânica. No primeiro caso, prima a informação que, aliás, ésinônimo de organização. No segundo caso, prima a comunicação”.
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O uso do território pelos movimentos de sem-teto de Maceió,
Alagoas
A luta pela moradia se manifesta cotidianamente. Mas
gostaríamos de chamar a atenção para um tipo de prática que
emerge no final da década de 1990 e adentra a década de 2000, e
que diz respeito às ocupações de terras e prédios “abandonados”
pelos poderes públicos ou por proprietários privados. No entanto, essas ocupações não ocorrem em qualquer
prédio ou terreno desocupado. Os sem-teto realizam uma leitura
do território urbano e selecionam os objetos desocupados a
sofrerem ocupações segundo os seguintes critérios:
No caso de prédio, este pode pertencer tanto ao poder público como ser de domínio privado:
Prédios do poder público: dá-se preferência àqueles da
União localizados em áreas centrais. Nos centros das
capitais brasileiras há um significativo estoque de
prédios vazios da União que foram abandonados apósmudanças das instituições para novas áreas. Em Maceió,
por exemplo, há um prédio do INSS no centro comercial
que foi ocupado por sem-teto durante dois anos e que
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voltou a ser abandonado após despejo ensejado pela
justiça.
Prédios privados: dá-se preferência aqueles com dívidas
de IPTU há mais de anos e que não sofreu aplicação do
instrumento IPTU Progressivo no tempo, tampouco
desapropriação.
No que tange à ocupação de terra urbana, esta também pode pertencer tanto ao poder público como ser de
propriedade privada.
Terras públicas: dá-se preferência àquelas de domínio
tanto da União, como de estados e municípios. Busca-se
as terras bem localizadas, infraestruturadas e próximas asáreas centrais, com melhor acessibilidade de transportes.
Terras privadas: o critério para seleção e ocupação é o
mesmo que para os prédios privados: devem estar
ociosas e com dívidas de IPTU.
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O que há de comum nestas ocupações é que elas
ocorrem, geralmente, nas áreas centrais, economicamente
privilegiadas e valorizadas. Esta é uma novidade nas práticas
dos movimentos de sem-teto brasileiros, pois, o que eles
questionam é exatamente o uso econômico destes objetos que
poderiam servir prioritariamente ao uso social. Questionam e
afrontam, desse modo, as práticas hegemônicas que normatizam
e regulam o uso e o funcionamento da cidade. Propõem,
portanto, com suas práticas, o rompimento desta lógica. É nesse
sentido que ocorre constantemente o conflito entre interesse
privado e interesse público. Em outros termos podemos falar de
um conflito entre uma ordem econômica e uma ordem social ou
mesmo de uma ordem externa à cidade e de uma ordem interna
a esta.
O fato é que estes conflitos são, geralmente,
acompanhados por uma criminalização das práticas dos
movimentos sociais. Estes são acusados constantemente de
violar os direitos de propriedade, mas respondem que o que está
sendo violado é o direito à moradia. Um dos lemas do
Movimento União de Movimentos de Luta por Moradia (UMM)
consiste no seguinte: “enquanto morar for um privilégio,
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ocupar é um direito”. Este lema traduz o significado e o sentido
da luta dos sem-teto, de modo que suas ações comportam não sóum sentido político, mas também simbólico.
Em síntese, o que estas práticas de ocupação sugerem é
que ao mesmo tempo em que se protesta contra a exclusão
habitacional, reivindica-se o direito de uso dos vazios urbanos
para habitação da população pobre que, no atual contexto, nãoencontra condições de moradia em localidades apropriadas à
sobrevivência digna. Apontam, ainda, a urgente necessidade de
se (re)pensar as políticas públicas urbanas que devem voltar-se
aos interesses da sociedade, pautadas na efetivação de direitos
reconhecidos e que estão por efetivar-se. Nossa reflexão acercadas ocupações de vazios urbanos pelos movimentos de sem-teto
de Maceió possibilita algumas considerações a partir do que foi
exposto até aqui.
Em Maceió, foram estudadas seis ocupações
empreendidas pelos Movimentos Terra Trabalho e Liberdade(MTL) e União de Movimentos por Moradia (UMM). Frente a
um histórico de reivindicações e conflitos, estas ocupações
sofreram processo de reassentamento pelo poder público e pela
justiça que não lhe conferiram o direito a permanecerem nos
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vazios ocupados. As ocupações que ocorreram em áreas
centrais, mesmo de bairros periféricos, com exceção da
ocupação do INSS (que ocorreu no centro comercial da cidade),
foram realocadas para a periferia de Maceió: uma área
desprovida de transporte, escola, postos de saúde e distante de
possíveis postos de trabalho.
As razões atribuídas pelo poder público para
reassentamento foram inúmeras. Mas ao confrontarmos a teoria
à realidade, constatamos que o principal motivo foi à
valorização imobiliária existente nas áreas ocupadas que iam de
encontro à possibilidade de uso do território por uma população
de baixa renda. O que os poderes públicos buscaram, a não
conceder o direito dos sem-teto permanecerem naquelas
localidades, foi não contrariar os interesses econômicos de
agentes que pretendiam lucrar com as terras.
Como exemplo, citamos a ocupação do Movimento
Terra Trabalho e Liberdade próxima ao shopping Pátio Maceió
antes da construção deste. Esta ocupação ocorreu em um terreno
de domínio do poder público estadual e após a construção do
shopping, os sem-teto foram transferidos para uma área
extremamente desprovida de equipamentos e serviços.
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A partir das considerações gerais apresentadas,
reafirmamos o fato de que há uma estreita relação entre gestão pública e interesses privados, visto que o Estado age
fundamentalmente para salvaguardar os interesses econômicos
de proprietários de terras e de agentes imobiliários.
Com relação às ocupações que estudamos em Maceió,
constatamos que o poder público e a justiça agiram no sentidode desfazê-las através de instrumentos jurídicos que despejaram,
em um primeiro momento, e reassentaram em um segundo
momento. Apesar dos sem-teto lutarem pela permanência nas
áreas centrais, mesmo sendo de um bairro periférico,
verificamos que as gestões públicas municipal e estadualreassentaram as populações nas áreas mais escassas dos bairros
periféricos caracterizadas pela ausência ou incipiência de
infraestrutura e equipamentos de uso coletivo, bem como pela
dificuldade de acesso a possíveis empregos em áreas centrais da
cidade. Nesse cenário, em que se reproduziu a segregaçãosocioespacial, não é difícil imaginar a reprodução, também, dos
problemas urbanos estruturais como falta de emprego e renda,
da violência como alternativa de vida e, possivelmente, da
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formação de novos movimentos de protesto e reivindicação que
irão se apropriar, novamente, dos espaços hegemônicos.
Nossa pesquisa se limitou a estudar as ocupações de
vazios pelos sem-teto maceioenses. Mas é preciso compreender
detalhadamente os limites e as possibilidades de uma política
habitacional nas cidades brasileiras que (re)organize o espaço
urbano em função de um uso de áreas desocupadas que atenda
aos interesses da sociedade como um todo, e não só de alguns
setores econômicos.
As ocupações de vazios urbanos por movimentos de
sem-teto denunciam, em última análise, “o esgotamento das
formas dominantes de construção das relações sociedade-
espaço” (RIBEIRO, 2009, p. 151). Nesse sentido, sugerimos
algumas ideias-força que poderiam servir a reconstrução dessas
relações no contexto das racionalidades contra-hegemônicas.
Seriam as seguintes ideias-força:
1.
A política habitacional deve fazer parte de um
planejamento territorial mais amplo que considere os
vazios urbanos em áreas centrais da cidade e dos bairros
como possibilidade de uso para combate ao déficit
habitacional. Para tanto, é preciso inverter a lógica de
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apropriação desses vazios, subordinando o uso
econômico e corporativo ao uso social e coletivo.2.
A gestão pública deve empreender “um projeto coletivo
de sociedade, que subordine os muitos interesses
privados a um interesse público maior” (COUTINHO,
1991 apud RIBEIRO, 2000, p. 250) de modo que o
direito de propriedade, como direito privado, possa sersubordinado ao direito à moradia, como direito coletivo.
Para tanto, é preciso considerar o território usado como
base para realização de todos os agentes sociais.
3.
É preciso considerar as demandas sociais do lugar. Nesse
sentido, o planejamento urbano e a política habitacionaltêm de fazer um nexo com as práticas espaciais locais,
considerando as inúmeras alternativas de formas de
moradia apresentadas pelos usuários da cidade que não
participam dos modelos econômicos e arquitetônicos
globais.4.
É preciso conhecer a formação territorial da cidade a fim
de compreender o processo de segregação e exclusão de
parcela da população. Essa compreensão por parte dos
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gestores públicos pode auxiliar o desvendamento de
novas formas de combate à reprodução desse processo.
5.
O planejamento, apesar de consistir num instrumento
técnico, é essencialmente político. Portanto, é necessário
que a gestão pública permita a participação efetiva dos
movimentos sociais na elaboração dos projetos de
intervenção pública e incorporem as escolhas advindas
desses movimentos na apropriação e organização do
território urbano.
6. Frente à capacidade organizacional dos movimentos
sociais urbanos e do alcance de suas lutas, estes não
podem mais ser ignorados pela gestão pública como
portadores de projetos de cidade. Nesse sentido,
acreditamos que a relação movimento social gestão
pública pode ser salutar à medida que suas ações
representem chances de mudanças conjunturais e
estruturais na conversão do processo de dominação da
terra urbana e da produção habitacional.
7. Diante da apropriação corporativa do território urbano,
resta aos sem-teto se utilizarem de táticas para terem
acesso aos benefícios materiais disponíveis a apenas
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parte da população urbana. Nesse sentido, as táticas dos
sem-teto devem ser contextualizadas territorialmente. Aocupação de vazio, como tática de luta, consiste na
reivindicação do direito à moradia constituindo uma
ação imprescindível à conquista da materialidade
espacial. Cabe a gestão pública realizar as devidas
contextualizações nos momentos em que aparece paramediar conflitos.
8. Frente à insistente criminalização dos movimentos
sociais pelos agentes hegemônicos, é preciso considerar
o outro lado, isto é, ouvir e entender as razões que
orientam as práticas dos movimentos sociais. A buscadessa racionalidade contra-hegemônica deve partir da
análise do território usado, objeto de disputa e de
conflito de interesses entre agentes hegemônicos e
contra-hegemônicos.
9.
Em Maceió não existe uma política de uso dos vaziosurbanos atrelada a uma política habitacional que vise
combater o déficit e a segregação socioespacial. As
intervenções da gestão municipal e da gestão estadual
para resolução do problema habitacional dos
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movimentos de sem-teto ocorreram em áreas periféricas
destituídas de infraestrutura e equipamentos de uso
coletivo. Desse modo, constatamos que apesar da crítica
largamente difundida pelos estudiosos do planejamento
urbano a respeito dos problemas da periferização da
população pobre, a gestão pública local não a
considerou. Nesse sentido, é preciso, urgentemente, a
elaboração de um planejamento urbano, articulado
territorialmente, e que atenda às demandas de moradia
considerando o acesso aos benefícios urbanos.
A partir desses apontamentos, precisamos considerar as
ocupações de vazios urbanos não como ameaça à urbanidade e a
convivência social, mas como ação política que visa combater
os problemas socioespaciais vivenciados por grande parte da
população que não tem acesso a transporte, emprego, educação,
saúde, etc. Como afirma Bitoun (1991, p. 44) “[...] a gestão da
cidade não pode prescindir da expressão política dos segmentos
sociais que fazem uso do espaço urbano”, e como diz Souza
(1997), “discutir projetos sociais, desprezando o território, é
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aprofundar as desigualdades, pois a gestão do território não pode
se distanciar dos desígnios da sociedade”. Nesse sentido, concordamos com Ribeiro (2008)6
quando se refere à justiça urbana. Ela nos diz que “não é só uma
questão de acesso a terra e a distribuição de renda, mas saber
como as injustiças não vão ser reproduzidas”. Uma alternativa,
no caso da questão habitacional, seria considerar as práticas dossem-teto quando estes se apropriam de determinados vazios
urbanos.
6 Conferência proferida pela Professora Ana Clara Torres Ribeiro, no
Seminário Política e Planejamento ocorrido em Curitiba, Paraná, em agostode 2008.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Para concluir, gostaria de reafirmar a necessidade de se
analisar as práticas dos movimentos sociais partindo sempre de
um contexto territorial em que ocorrem as lutas, os conflitos e a
disputa em torno da busca da cidadania sonhada. O atual
processo histórico/geográfico tem nos mostrado a necessidade
de se partir das práticas sociais cotidianas caso se queira
entender e combater as desigualdades largamente expressas
territorialmente.
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127
USO DO TERRITÓRIO E PROCESSOS DE RESISTÊNCIAS:
UMA ANÁLISE DA DES)CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO
CIRCUITO INFERIOR DE UNIÃO DOS PALMARES A PARTIR
DA PRODUÇÃO/DISTRIBUIÇÃO DE CDS E DVDS
7
Com a globalização, o território ganha uma nova
configuração para consolidar o meio técnico-científico-
informacional, que é a expressão espacial do ápice da
internacionalização do capital, de maneira desigual e combinada
(SANTOS, 2009a). Não obstante, malgrado os progressos
alcançados nos diversos campos, aumenta de forma exponencial
o fenômeno da pobreza, resultante da maneira perversa pela qual
atuam no território os atores hegemônicos do sistema. Assim, a
noção de cidadania encontra-se escamoteada frente ao quadro
geral de pobreza presente na organização sócio-espacial. Trata-
se, na realidade, de uma Pobreza Estrutural Globalizadas, ou
seja, generalizada e permanente (SANTOS, 2006). Esta noção
infere que o simples crescimento econômico não resultará na
distribuição da renda, como insistem algumas leituras da
realidade, pois a “Dialética do Concreto” (KOSIK, 1978) tem
7 Texto organizado por Reinaldo Sousa, Carlos Eduardo Nobre, Amistson
Lopes da Silva, Antonio Lopes da Silva Neto e Fernando Antonio da Silva, junto ao Núcleo de Estudos do Pensamento Miltoniano – NEPEM da Uneal.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
provado justamente o contrário. Dessa forma, as perversidades
da globalização, manifestadas também na pobreza e perceptível
em todos os lugares, precisam ser consideradas no estudo da
organização sócio-espacial.
A globalização acentua os paradoxos, criando nas
cidades um meio ambiente uno e diverso ao mesmo tempo. Uno,
por ser uma totalidade interconectada por um mosaico de
divisões territoriais do trabalho. Diverso, pelas desigualdades
gritantes que comporta lastreada numa lógica segregadora. É,
paradoxalmente, o espaço que une e que separa as pessoas
(SANTOS 2009c).
Para analisar essa realidade, Milton Santos propôs um
método para os países subdesenvolvidos industrializados,
revelando a existência de dois circuitos da economia urbana: o
Circuito Superior e o Circuito Inferior . Os dois circuitos
apresentam características muito singulares e na sua maioria
opostas. Tecnologia, organização, capitais, emprego, crédito,
margem de lucro, propaganda, reutilização dos bens, ajuda
governamental e dependência externa constituem alguns
exemplos dessas características. O Circuito Superior da
economia investe intensivamente em tecnologia, fazendo pleno
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uso dos meios técnico-científicos, posto que se vincula a divisão
internacional do trabalho. O Circuito Inferior, apesar de seroriundo do processo de modernização, não tem o mesmo acesso
aos bens e serviços, apesar das mesmas necessidades, devido ao
acesso raro ou insuficiente renda, resultando em diferenças de
consumo e, desse modo, está ligado ao conteúdo dos lugares.
A importância do território usado na compreensão da
Produção/distribuição de CDs e DVDs em União dos Palmares
A natureza complexa dos processos contemporâneos
confere ao território grande importância para interpretação
geográfica. Nele, imbricam-se nexos de natureza econômica,
política e cultural. Ora, se por um lado esse contexto tem
demonstrado a potência do território para elucidar o
funcionamento da realidade atual, por outro lado sugere uma
abordagem totalizante por parte da Geografia no intuito de
elaborar explicações concatenadas com a dinâmica concreta da
realidade.
A análise do uso do território revela, portanto, as
desigualdades socioespacias materializadas na maneira como os
diversos agentes se apropriam dos subespaços da cidade de
União dos Palmares para morar, consumir, etc. Por meio desse
enfoque, evidenciam-se as diferentes divisões territoriais do
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
trabalho que a cidade comporta na atualidade derivadas do
mesmo movimento contraditório e combinado. Portanto, é a
partir dessa categoria que se procura compreender as atividades
de produção, venda e distribuição de CDs e DVDs na cidade de
União dos Palmares – AL. Para tanto, é necessário também
entender como essa atividade, ao entrar em cena, engendra uma
lógica particular na economia urbana. Nesse sentido, a proposta
dos Circuitos da Economia Urbana elaborada por Milton Santos
(2008) se mostrou eficaz.
A cidade fragmentada e os circuitos da economia urbana
As diferentes divisões do trabalho que as cidades
comportam na atualidade, cada qual com sua força peculiar de
uso do território, acenam a fragmentação espacial que nelas se
materializa. Para Milton Santos, se a abordagem é holística, é
necessário reconhecer que
Há, de um lado, uma economia
explicitamente globalizada, produzida decima, e um setor produzido de baixo, que,nos países pobres, é um setor popular e, nos
países ricos, inclui os setoresdesprivilegiados da sociedade, incluídos osimigrantes. Cada qual é responsável pela
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instalação, dentro das cidades, de divisões
de trabalho típicas (2009, p.323).
Cada uma dessas economias encontra-se estruturada em
variáveis especificas, posto que revela, em sua essência, a lógica
e os interesses de uso do território dos agentes que as
engendram. Se por uma parte a economia globalizada funciona
mediante as variáveis do período, quais sejam, ciência,
informação e finanças; por outra parte a economia de baixo
emana das necessidades localmente vividas e, por conseguinte,
vincula-se aos conteúdos dos lugares.
Essas diferentes formas de organizar o trabalho se
entrelaçam nos subespaços da cidade, colocando em evidênciaas desigualdades dos agentes envolvidos. Para analisar essa
realidade, Milton Santos propôs um método para os países
subdesenvolvidos industrializados, revelando a existência de
dois circuitos da economia urbana, a saber: o Circuito Superior,
ou moderno, e o Circuito Inferior, ambos derivados damodernização tecnológica que incide sobre o território
brasileiro, mormente no último quartel do século XX. Portanto,
os dois circuitos possuem a mesma origem.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Assim, a distinção central entre eles reside no grau de
capital e no nível de organização de cada um. Isso significa que
os dois circuitos apresentam características muito singulares e
na sua maioria opostas. Tecnologia, capitais, emprego, crédito,
margem de lucro, propaganda, reutilização dos bens, ajuda
governamental e dependência externa constituem alguns
exemplos dessas características.
O Circuito Superior da economia investe intensivamente
em tecnologia, fazendo pleno uso dos meios técnico-científicos,
posto que vincula-se a divisão internacional do trabalho. Utiliza
capital-intensivo, alicerçado nos sistemas técnicos atuais, e
consegue abarcar um vasto território, geralmente utilizando as
partes da cidade mais bem servidas de infraestrutura.
Por conseguinte, seu campo de atuação muitas vezes
escapa à escala do país, como no caso da produção direcionada
ao exterior, tendendo a aumentar seus mercados sob a égide da
publicidade, situando-se nesse mesmo nível o campo de suas
relações. Assim, “[...] o circuito superior inclui bancos,
comércio de exportação e importação, indústria urbana
moderna, comércio e serviços modernos, bem como comércio
atacadista e transporte” (SANTOS, 2008, p.47).
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Nos dia de hoje, o Circuito Superior se expande e atinge
cada vez mais territórios distantes, introduzindo novos vetoresnos arranjos locais, ou seja, refazendo a dinâmica socioespacial
dos lugares. Destarte, tem nos monopólios e oligopólios suas
principais representações.
Resultante dele identifica-se o Circuito Inferior, que é
formado por uma multiplicidade de comércios e serviços bemcomo atividades de fabricação, onde os graus de capital e
tecnologia são relativamente baixos. Desse modo
O Circuito Inferior é formado de atividadesde pequena escala, servindo, principalmente,à população pobre; ao contrário do que
ocorre no circuito superior, essas atividadesestão profundamente implantadas dentro dacidade, usufruindo de um relacionamento
privilegiado com a sua região (SANTOS,2008, p.43).
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
Nesta perspectiva, depreende-se que o Circuito Inferior
detém uma lógica própria de organização, que muitas vezes é
estranha à ótica hegemônica, que está mais vinculada aos
conteúdos dos lugares. Não obstante, não deixa de ser,
outrossim, um resultado das texturas do período histórico atual,
embora que indiretamente, posto que em seus encaixamentos e
reencaixamentos sócio-espaciais, malgrado o progresso técnico-
científico e informacional, afasta cada vez mais os pobres do
acesso aos bens produzidos pelo circuito superior.
Com efeito, a teoria dos circuitos da economia requer
que se enxergue a cidade como uma totalidade. Essa ideia se
torna fundamental para compreender a dialética que perpassa o
território no atual período histórico, dado que, tal enfoque
permite levar em consideração as intencionalidades de todos os
agentes, malgrado a diferença entre eles, inclusive as atividades
dos CDs e DVDs em União dos Palmares - AL.
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Táticas, estratégias e resistência no território: uma leitura a
partir da produção/distribuição de CDs e DVDs
Para construir os argumentos que consubstanciam nossa
análise acerca da desconstrução da cidadania no Circuito
Inferior em União dos Palmares, a partir da
produção/distribuição de CDs e DVDs, tomamos como ponto de
partida algumas proposições que caracterizam, fundamentam e
explicitam o fenômeno estudado. Tais proposições são
formuladas a partir das noções de racionalidade hegemônica e
contra-racionalidade propostas por Santos (2008) e das noções
de tática e estratégia propostas por Certeau (1994). Estas noções
nos permitem ensaiar a compreensão de como a produção/distribuição de CDs e DVDs por comerciantes pobres
constituem um tipo de resistência à situação vigente marcada
pelo desemprego estrutural e; como tais resistências são
empreendidas a partir do uso tático da técnica e do território.
Estas proposições apontam para a politização das práticas espaciais empreendidas por agentes pobres que
encontram no circuito inferior da economia urbana as
alternativas de combate à miséria e à pobreza, bem como a
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(re)construção / (re)significação da cidadania, mesmo que esta
última advenha de forma parcial, não plena.
Como primeira proposição, afirmamos que a
produção/distribuição de CDs e DVDs piratas em União dos
Palmares, como fenômeno marcadamente presente nas cidades
brasileiras, consiste em um “submercado e subcircuito espacial
específicos da produção” com “sua racionalidade própria”
(SANTOS, 2008, p. 309). Esta racionalidade própria se instala e
se contrapõe ao que podemos chamar de racionalidade
dominante/hegemônica, esta última entendida como aquela
“desejosa de tudo conquistar” (ibidem), caracterizada pelo
relativo poder de controle e regulação do território.
O poder de controlar e regular o território advém das
circunstâncias estratégicas auferidas por determinadas empresas
que buscam, através de instrumentos jurídicos e econômicos,
bem como a partir de suas ações, monopolizar o mercado
produtor/distribuidor de determinados produtos. Não obstante,
esta tentativa de controle e dominação se demonstra ineficaz
frente à força e resistência empreendida pelos inúmeros
trabalhadores urbanos que encontram nas atividades
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marginalizadas a possibilidade/alternativa de sobrevivência. É
neste sentido que podemos falar de contra-racionalidades.Como segunda proposição, afirmamos que estas
contrarracionalidades se manifestam através do uso tático do
território. Conforme Certeau (1994, p. 101), a tática “é
determinada pela ausência de poder ”, ao contrário da estratégia
que é “organizada pelo postulado de um poder” (grifos nooriginal). Nesse sentido, o uso tático do território corresponde às
práticas empreendidas por aqueles agentes destituídos de poder
organizacional, caso dos produtores/distribuidores de CDs e
DVDs piratas. Estes agentes jogam com as circunstâncias
impostas pela racionalidade hegemônica, tirando partido dasvantagens técnicas da produção dominante. Nesse sentido, o uso
da técnica para produção/distribuição de CDs e DVDs piratas
pressupõe uma “maneira de pensar investida numa maneira de
agir, uma arte de combinar indissociável de uma arte de utilizar”
(CERTEAU, 1994, p. 42).Os vendedores ambulantes, nesse sentido, praticam o
território a partir de objetos que lhes possibilitam uma maior
mobilidade, capacidade de fuga, visto que a tática “é
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determinada pela ausência de um próprio”, isto é, “não tem por
lugar senão o do outro” (CERTEAU, 1994, p. 100-101).
Em nossas visitas de campo, constatamos o uso de
carrinhos de mão e de varais onde os CDs e DVDs são expostos
e facilmente recolhidos em caso de batida policial. Apesar da
utilização destes equipamentos, verificamos, também, a
utilização de barracas montadas no interior da feira de rua que
ocorre todas as quartas-feiras e sábados8. O fato é que, como
afirma Miranda (2005, p. 106), “a falta de alternativas faz com
que esses sujeitos pratiquem o território e desenvolvam ações
insubordinadas que jogam com a ordem estabelecida”.
Para Certeau (1994, p. 41-42), “esses modos de proceder
e essas astúcias de consumidores compõem, no limite, a rede de
uma antidisciplina”. A partir deste ensaio, apresentamos
algumas considerações. Identificamos, por exemplo, duas
categorias de comerciantes ambulantes que usam o território
diferentemente: uma categoria comercializa os CDs e DVDs
inseridos na área reservada à feira de rua. A outra categoria
8 O uso desses equipamentos móveis possibilita, também, um fluxo
permanente pela cidade em busca da maior concentração de consumidores.
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corresponde àqueles comerciantes que usam os carrinhos de
mão e os varais e que não pagam taxa ao poder público.
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Caracterização dos agentes envolvidos com a divisão de
trabalho dos CDs e DVDs
Com a finalidade de apreender os nexos que colam o
circuito espacial produtivo dos CDs e DVDs ao território da
cidade de União dos Palmares, partimos de dois pressupostos
basilares:
1- A partir da expansão da pirataria no contexto
brasileiro, verifica-se que, em cada lugar, há uma propensão
maior por parte de determinados agentes em acolher os sistemas
de objetos e sistemas de ações que constitui tal uso do território.
Acreditamos que tal acolhimento explica-se pela
situação desigual dos agentes no território, visto que um novo
uso deste apoia-se sobre um uso preexistente, conformando,
assim, um arranjo inédito (SANTOS, 1985; SANTOS &
SILVEIRA, 2005). Por isso, segundo Tozi (2010), a pirataria se
aproveita das diferentes condições socioterritoriais intrínsecas à
armadura do período atual.
2 – Baseados no primeiro pressuposto, advogamos que
no contexto da situação geográfica Palmarina a incorporação
desse uso do território se dá como uma das várias formas de
resistência à pobreza. Isso significa tomar o fenômeno da
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pobreza e, consequentemente, do desemprego estrutural como
variáveis-chave para elucidação da dialética que envolve a produção, distribuição e consumo de CDs e DVDs em União
dos Palmares – AL.
Assim, faz-se necessário entender a situação geográfica
dos agentes envolvidos com esta divisão social e territorial do
trabalho. Para tanto, foram aplicados questionários aoscomerciantes presentes nos principais locais de venda da cidade,
tendo em vista que estes eram os mais acessíveis para obtenção
de informações. A maior parte das pessoas que respondeu ao
questionário era do sexo masculino, tendo como estado de
origem a própria Alagoas. 86,96% dos entrevistados sãooriginários de Alagoas, enquanto que apenas 4,35% vieram do
estado de Pernambuco e 8,7% tem suas raízes no estado de São
Paulo, porém todos no momento vivem em União dos Palmares.
Demais, a parcela mais densa compõe-se de pessoas em idade
de trabalho, ou seja, entre 16 e 60 anos, como mostra o gráficoabaixo.
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Observa-se a presença maciça de comerciantes do
produto com idade entre 16 e 45 anos, total que corresponde a
69%, o que corrobora com a hipótese de que o desemprego
estrutural tem forçado a construção de alternativas de
sobrevivência, uma vez que não se trata de uma condição dedesemprego temporária.
O atual período técnico-científico-informacional não
abarca a totalidade da população economicamente ativa,
tampouco os jovens trabalhadores. Em verdade, poderíamos
dizer que é o Circuito Superior, por natureza seletivo, que nãoadmite a contratação ampla e plena, pois o seu funcionamento
parte de uma organização exigente de mão de obra qualificada e
especializada, atributo incipiente no caso da maioria dos
vendedores (conforme mostra o gráfico 2).
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Nesse sentido, os jovens trabalhadores buscam e
inventam alternativas para se colocarem no circuito da economiaurbana e adquirirem alguma renda. Podemos dizer que o
Circuito Inferior é uma resposta a seletividade do circuito
superior. Mesmo o Estado e as grandes empresas, ao tratarem as
atividades do Circuito Inferior como crime, não podem negar a
sua legitimidade e eficácia no que toca a possibilidade doemprego. De fato, o circuito superior não oferta empregos para
todos, de modo que se faz necessário, em dadas situações,
utilizar-se das bases técnicas existentes nos lugares como
possibilidade de reinvenção de novas formas de trabalho.
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Ficou evidente, também, que uma grande parcela dos
agentes envolvidos tem uma baixa escolaridade, conforme
demonstrado pelo gráfico que segue.
A maior parte deles, ou seja, mais de 52%, não chegou a
concluir o nível fundamental ou é analfabeto. Pelo menos essa
atividade do circuito inferior da cidade de União dos Palmares
tem como característica marcante a pouca ou insuficiente
escolaridade. Ao que parece, há uma estreita relação, em União
dos Palmares, entre baixo grau de escolaridade, pobreza e
circuito inferior. Esta relação resulta de um processo
contraditório marcado pelo fato de que ao tempo em que o
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circuito superior, através dos discursos acionados, dispõe da
necessidade de mão de obra qualificada, é notável que o períodoatual de globalização é marcado por uma precarização funcional
e estrutural dos sistemas educacionais brasileiros e, mais
especificamente, alagoano. Nesse sentido, os jovens
trabalhadores, em idade produtiva, não são acolhidos pelo
mercado, mais especificamente, pelo circuito superior. Estes sãorejeitados sob a alegação da falta de preparo e qualificação,
mesmo sabendo que a questão não pode e não deve ser reduzida
a este alegação, visto que, como já dito, o circuito superior é,
por excelência, seletivo.
No entanto, se a seleção para o emprego já se constituiem um entrave para o sujeito adquirir um trabalho “formal”, no
dizer economicista, a falta de qualificação e preparo só
corrobora com a dificuldade. Há de se dizer que a falta de
qualificação e preparo não sugere, somente, um problema
individual, como o discurso economicista quer fazer crer aoculpar o sujeito pelo despreparo. Como já dito, este fato resulta
de um processo histórico e político assentado no atual fenômeno
de globalização que responde aos desígnios do próprio mercado.
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O que nos interessa, afinal, é apenas reafirmar a razão de
ser do circuito inferior frente às exigências organizacionais do
Circuito Superior que não admite, dentre outras qualidades, a
baixa escolaridade. Portanto, os 52% que não concluíram o
ensino fundamental e os 26% que não concluíram o ensino
médio representam uma população alijada do mercado
especializado e que encontra, nas atividades piratas, a
possibilidade para sobreviver.
Há de se constatar, ainda, os 4% de vendedores com
ensino superior completo que denuncia, a priori, um
esgotamento das possibilidades de absorção do Circuito
Superior de uma mão de obra mesmo supostamente qualificada
e especializada.
No momento de aplicação do questionário, mais de 95%
identificaram-se apenas como vendedor dos produtos. Ao que
parece, há uma divisão social do trabalho instituída. Todavia,
muitas informações sobre a procedência dos discos contrariam
tais dados, pois indicam que vários comerciantes citadinos
também estão envolvidos na produção. Dessa forma, concluí-se
que há certo receio por parte da maioria em fornecer
informações no que diz respeito à origem do produto.
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Buscou-se verificar há quanto tempo os agentes estão
envolvidos nesta divisão do trabalho para, assim, compreender avinculação desta com a expansão do meio geográfico
contemporâneo no Estado de Alagoas. O gráfico 3, traz à baila o
resultado obtido:
Nota-se um aumento substancial na quantidade de
agentes envolvidos com os produtos no último ano, parcela que
representa 60,87%. Trata-se, portanto, de um fenômeno que vem
ganhando maior expressividade nos últimos meses, ainda queum percentual significativo já esteja na atividade durante alguns
anos. Comprovando isto, somando-se aqueles que estão a mais
de cinco anos tem-se pouco mais de 17% do total. Como o
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
próprio termo flexibilidade tropical,9 cunhado por Santos (2008,
p. 324), sugere, é possível admitir que o tempo de permanência
na atividade seja, também, flexível.
No que concerne aos vendedores mais antigos, alguns
destes foram os primeiros a colocarem os produtos em União
dos Palmares. De acordo com informações do trabalho de
campo, na ocasião muitos já estavam envolvidos com o
comércio de discos “originais”, mas com a expansão da pirataria
no Estado passaram a incorporar a nova divisão do trabalho.
Tudo indica que muitos desses vendedores mais antigos
assumiram, recentemente, o papel de distribuidores dos produtos
para outros agentes locais.
9 Para Santos (2008 [1996], p. 324), “nas grandes cidades, sobretudo no
Terceiro Mundo, a precariedade da existência de uma parcela importante
(às vezes a maioria) da população não exclui a produção de necessidades,
calcadas no consumo das classes mais abastadas. Como resposta, umadivisão do trabalho imitativa, talvez caricatural, encontra as razões para se
instalar e se reproduzir. Mas aqui o quadro ocupacional não é fixo: cada
ator é muito móvel, podendo sem trauma exercer atividades diversas ao
sabor da conjuntura. Essas metamorfoses do trabalho dos pobres nas
grandes cidades criam o que [...] denominamos de „flexibilidade tropical‟.
Há uma variedade infinita de ofícios, uma multiplicidade de combinações em
movimento permanente, dotadas de grande capacidade de adaptação, e
sustentadas no seu próprio meio geográfico, este sendo tomado como uma forma-conteúdo, um híbrido de materialidade e relações sociais”.
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Assim, parece estar havendo, com a introdução dessa
atividade, o alargamento da divisão social do trabalho à medidaque novas pessoas são solicitadas a participarem na
comercialização dos discos. De fato, a banalização técnica de
equipamentos originalmente usados pelos agentes hegemônicos
da produção e a facilidade de difusão do conteúdo informacional
pela internet tem colaborado para o aumento da produção edistribuição de CDs e DVDs piratas. Portanto, esse uso do
território, mesmo não respondendo aos anseios de um trabalho
digno, mostra-se solidário com os conteúdos do lugar. Decerto,
isto ocorre porque os agentes locais detêm maior controle sob o
circuito espacial de produção dos discos, ou seja, este sistema produtivo estrutura-se, essencialmente, sobre relações
horizontais, para além dos interesses extrovertidos.
De fato, é a partir da situação concreta apontada acima
que se deve pensar os novos significados atribuídos às técnicas
emblemáticas do período por estes agentes quando nelas sãodepositados os valores sociais lugarizados. Dessa forma, poder-
se-á, talvez, captar o sentido concreto da participação das
pessoas caracterizadas precedentemente no circuito espacial de
produção dos CDs e DVDs. Pois vale sublinhar que embora seja
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um fenômeno nacional, quando a pirataria é encaixada em
determinado contexto adquire uma tessitura peculiar. Conforme
Silveira apud Montenegro (2009, p.09), os usos das técnicas
decorrem da “[...] dialética entre as necessidades próprias de
uma situação geográfica e as soluções disponíveis no mundo
nesse período [...]”
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O uso do território pelo circuito espacial produtivo dos CDs e
DVDs em União dos Palmares
Para realização da atividade de produção e distribuição
de CDs e DVDs em União dos Palmares são utilizados diversos
objetos técnicos de diferentes idades que, quando acionados,
adquirem formas bastante criativas. Para Montenegro,
“conforma-se assim, no período atual, um uso combinado das
técnicas do “futuro” e do “passado” pelos pobres” (2009, p.09).
Deveras, surgem maneiras singulares de organização que
emanam de uma racionalidade própria. Assim, tais objetos
ganham novas intencionalidades e temporalidades, incorporando
as racionalidades dos agentes da “pirataria”.
Com a visita de campo foi possível verificar que os
principais instrumentos utilizados na comercialização dos
produtos são: barraca, amplificadores e caixa de som. Os
vendedores móveis, por sua vez, comercializam seus produtos
de uma maneira bastante criativa: o próprio carro, feito
exclusivamente para a atividade, dispõe de caixa de som e
compartimentos na parte superior para armazenar os CDs e
DVDs.
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No que concerne aos principais locais de
comercialização, vê-se a relação que se estabelece com os
fluxos. O centro da cidade guarda um jogo de relações que se
mostram importantes à sobrevivência desses agentes,
principalmente nos dias em que ocorrem as feiras-livres, a saber,
segundas-feiras, quartas-feiras, sextas-feiras e sábados.
Igualmente, nesta localidade concentra-se um grande número de
consumidores. No Bairro dos Terrenos, que aparece como
segundo principal ponto de comercialização com 13,04%, a
feira-livre acontece aos domingos, quando está presente um
grande número de vendedores.
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Por conseguinte, compreende-se que a divisão de
trabalho dos CDs e DVDs penetra nos meandros das cidades a
partir das circunstâncias dos agentes envolvidos. Nesse sentido,a intensidade dos fluxos no centro da cidade e no Bairro dos
Terrenos é de relevância capital para a vendagem.
O baixo preço dos produtos comercializados permite que
a população local tenha fácil acesso a eles. Cada unidade custa,
em média, R$ 2,00, tanto de CDs como de DVDs. Não raro,com um pouco de pechincha é possível levar três unidades por
apenas R$ 5,00. Geralmente, o lucro obtido pelo vendedor por
cada unidade varia entre R$ 0,50 e R$ 1,50. Os que podem
auferir maior rendimento são aqueles que, além de vendedores,
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também são fabricantes. Não obstante, de modo geral, o
rendimento mensal conseguido pelos comerciantes é
relativamente baixo conforme apresentado no gráfico.
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Levando-se em consideração que o rendimento obtido
mediante a atividade para a porção mais densa, isto é, 69,57%,situa-se abaixo de um salário mínimo (R$ 510,00)10, pode-se
dizer que o adensamento desse fenômeno constitui uma resposta
ao desemprego estrutural, correspondendo a uma das várias
maneiras de resistências empreendidas em face dessa situação
geográfica. Mas, contraditoriamente, perpetua-se a pobreza, posto que, mesmo que esta não se defina somente pelo aspecto
quantitativo, seria ilusório pensar que esse salário aponta uma
saída para tal fenômeno. Na verdade, sustentamos que a entrada
das pessoas nessa divisão do trabalho constitui uma alternativa
de sobrevivência, substanciada num uso alternativo do
território, cujo lucro não é o objetivo principal.
A despeito dessa lógica/racionalidade própria que as
características supracitadas apontam, mormente quando
pensadas desde o arranjo do lugar, insiste-se, no contexto
brasileiro, em difundir ideias que servem como subsídios àcriminalização da “pirataria”, a começar pelo uso deste termo.
Essa psicoesfera responde aos interesses hegemônico-
10 O valor do salário mínimo é referente a fevereiro do ano corrente (2011),
quando os dados foram coletados in lócus.
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dominantes, sendo o entendimento de sua difusão importante,
visto que ela influência na aceitação ou recusa das pessoas para
com o consumo dos discos. Neste sentido, o aspecto normativo
ganha destaque, pois muitas vezes é usado para reprimir
intensamente a expansão dessa divisão do trabalho.
Assim, buscou-se reconhecer como o poder público tem
agido em União dos Palmares no tocante a este aspecto, ou seja,
na repressão aos vendedores e produtores de discos. O gráfico a
seguir representa o resultado obtido.
Esta repressão citada por 52,17% dos entrevistados
refere-se, certamente, à batida policial que ocorreu no ano de
2009 pela Polícia Federal. Na ocasião, houve diversas
apreensões de discos, porém não se tem relatos de prisões. Este
foi o único momento de r epressão “legal” à atividade, não
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havendo, de lá para cá, nenhuma outra ocorrência. Verifica-se
que há certa legitimidade por parte da população local, adespeito da ilegalidade apontada na legislação vigente. Como na
atualidade inexistem locadoras ou outras fontes de divulgação
de discos em União dos Palmares, a não ser os “piratas”, estes
são, a bem dizer, o principal meio de circulação da produção
musical e audiovisual nesta cidade. Isso significa que, de certaforma, os grandes agentes da cultura nacional têm se
beneficiado dessa atividade no que tange à divulgação de suas
produções. Mas, concomitantemente, constata-se a divulgação
intensa, pelo mesmo meio, da produção musical de pequenas
bandas de alcance local e regional, sobretudo de Forró e Reggae.É o caso da Banda Show & Balanço, Roberto Rasta e inúmeros
Djs que organizam CDs e DVDs com Reggaes de diversos
cantores. É também nessa combinação de múltiplos interesses
que esse fenômeno deve ser interpretado.
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Essa psicoesfera11
de legitimidade pode ser apreendida
também no que diz respeito à relação do poder público local
com os comerciantes. Àqueles que comercializam a mercadoria
em barracas fixas nas feiras-livres, é cobrada uma taxa pela
prefeitura decorrente da utilização do local no valor de 1,00 R$.
Ou seja, a compra e a comercialização dos discos são encaradas,
até o momento, como algo normal, a despeito da forte
propagando no sentido contrário nos meios de comunicação de
massa. A porcentagem dos que pagam tal taxa está descrita no
gráfico que segue.
11 Esse termo foi cunhado por Milton Santos (2009) para referi-se aos
aspectos imateriais do território. Assim, a psicoesfera engloba o campo dosdesejos, ideias, leis, etc.
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Dentre os 56,52% que não pagam nenhuma taxa, boa
parte é composta pelos vendedores móveis que, por nãoutilizarem um ponto fixo com barraca, estão livres da taxa.
Ultimamente, o número destes tem aumentado, haja vista que,
com a mobilidade, alcança-se uma clientela maior. Desse modo,
surge a possibilidade de estarem presentes em vários pontos da
cidade, como em festas, bares, etc.A atividade de CDs e DVDs sobrevive, também, devido
à articulação com diversos territórios, daí porque se pode falar
de uma divisão territorial do trabalho específica que convida os
lugares a participarem, ao seu modo, desse circuito espacial
produtivo. O fato é que há uma complementaridade territorial naatividade da pirataria (fornecimento de equipamentos, CDs e
DVDs virgens ou já gravados). São três os principais locais
donde provém a mercadoria para os vendedores, tanto discos
virgens como CDs e DVDs já gravados prontos para a
comercialização.
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Além da própria cidade de União dos Palmares,
aparecem Maceió e algumas cidades do Estado de Pernambuco,
sobretudo Caruaru. Mas a parte mais densa provém de Maceió.
Além da maior proximidade de União dos Palmares com a
capital alagoana, em relação a outras cidades do Estado de
Pernambuco, aqui, mais uma vez, a referência aos aspectos
jurídico-normativos parece bastante elucidativa. O Estado de
Pernambucano tem, nos últimos anos, intensificado as ações de
combate à pirataria com a criação de uma delegacia especifica
para isto12.
12 Existem vários relatos de apreensões policiais nas cidades de Pernambuco,
sobretudo em Caruaru. Um exemplo disto pode ser visto no site:http://ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/pernambuco/noticia/2010/03/17/combate-a-
pirataria-cinco-pessoas-presas-em-caruaru-216724.php. Na ocasião, houve apreensãode milhares de mídias, além do desmonte de uma fábrica e a detenção de cinco
pessoas. Outros relatos de apreensões podem ser consultados no site:
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Por sua vez, em Maceió, a prática não encontra tanta
repressão, pois no centro desta cidade encontra-se um grandenúmero de vendedores que expõem seus produtos abertamente
nas ruas e nas paredes das lojas. Destarte, a circulação da
mercadoria por esta via torna-se mais fácil.
Ainda no mesmo gráfico, nota-se que União dos
Palmares contribui com uma parcela considerável nofornecimento total dos produtos, ou seja, com mais de 30%,
ficando atrás, apenas, da capital alagoana. Isso indica que nessa
cidade há diversas pessoas envolvidas com o processo de
gravação das mídias, sobretudo nos anos mais recentes. Porém,
o contato com as mesmas torna-se difícil, pois predomina certoreceio em se identificarem enquanto tais por conta da
possibilidade de repressão.
As discussões, trazidas acima, permitem tecer algumas
considerações sobre a atividade de
produção/distribuição/consumo de discos na cidade de Uniãodos Palmares-AL, ao passo que apontam, também, muitos
http://www.maisab.com.br/noticias/nv/15715/COMERCIO+PIRATA+DE+CARUARU+NA+MIRA+DA+POLICIA.html
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aspectos que devem ser aprofundados futuramente, visando uma
melhor compreensão do uso do território Palmarino.
No caso da situação geográfica de União dos Palmares-
AL, verificou-se que muitas etapas do circuito espacial dos
discos são solicitadas como resistência à pobreza. Isso se
confirma pelo baixo rendimento auferido com a venda do
produto, bem como pelas características das pessoas que
responderam aos questionários aplicados.
Outro aspecto importante está relacionado à
permissividade por parte do poder municipal. Em Alagoas e,
particularmente, em União dos Palmares não há repressão
intensa à prática da pirataria. Assim, muitos usos do território
contrariam a regulação jurídico-normativa do mesmo, o que
chama atenção para a dialeticidade que prende o circuito
espacial dos discos às condições históricas do presente. No
entanto, ainda está por investigar como a composição técnica e
normativa desse território origina tais movimentos
contraditórios.
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Por fim, cabe assinalar que o uso das técnicas do período
pelos agentes do Circuito Inferior amplia a divisão social eterritorial do trabalho, servindo à criação de novas atividades
que, na situação geográfica da cidade de União dos Palmares,
aparecem como resistência à pobreza. Se no Circuito Superior
os sistemas técnicos atuais contribuem para o desemprego
estrutural, no Circuito Inferior eles autorizam a construção deuma resistência cotidiana que ensaia a cada dia um novo projeto
de sociedade.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
SOBRE OS AUTORES
REINALDO SOUSA
Graduado em Geografia pela Universidade
Federal de Sergipe. Mestre em Geografia
também pela Universidade Federal de
Sergipe. Professor Assistente da
Universidade Estadual de Alagoas onde exerce a função de
Diretor do Campus Universitário Zumbi dos Palmares. Nesta
unidade é coordenador do Curso de Pós Graduação Lato Sensu
em Geografia e do Programa de Graduação de Professores –
PGP. É coordenador do Núcleo de Estudos do Pensamento
Miltoniano – NEPEM, onde desenvolve estudos acerca dos
circuitos da economia urbana e cidadania na cidade de União
dos Palmares-AL.
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(RE) PENSANDO A GEOGRAFIAHistória, Objeto, Método e Práxis
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FERNANDO ANTONIO DA SILVA
Graduado em Geografia pela Universidade
Estadual de Alagoas – UNEAL. Integrante do
Núcleo de Estudos do Pensamento Miltoniano
– NEPEM. Atualmente desenvolve pesquisas
sobre o uso do território e o Circuito Inferior
da Economia Urbana em União dos Palmares, bem como sobre
o método geográfico na perspectiva miltoniana. É, também,
professor da rede particular de ensino de União dos Palmares.
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Reinaldo Sousa e Fernando Antonio da Silva
CONTATOS:
Reinaldo Sousa
Tel. (82) 8122-3780 / [email protected]
@reinaldounealhttp://nepemuneal.blogspot.com/
Fernando SilvaTel. (82) 9980-4952