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CENTRO DE LÍNGUA PORTUGUESA / INSTITUTO CAMÕES na Universidade de Hamburgo Panorama Os Primórdios O Difícil Desenvolvimento duma Indústria O Aparecimento do Cinema Sonoro Os Anos da Diversidade Os Anos da Crise O Cinema Novo Do 25 de Abril à Actualidade Os Primórdios Aponta-se normalmente a noite de 18 de Junho de 1896 como a da primeira sessão de cinema em território português. Não se tratava ainda da apresentação de películas portuguesas ou filmadas em Portugal: um projeccionista provavelmente chamado Edwin Rousby (de Roosby a Rosleg encontram-se diferentes versões do seu apelido) mostrou filmes de Edison e dos irmãos Lumière à plateia entusiasmada do Real Colyseo de Lisboa. Edwin Rousby era conhecido como o "electricista de Budapeste", tal não garantindo, porém, nem que fosse húngaro, já que era habitual associarem-se os ilusionistas àquela nacionalidade (e o cinema era visto afinal como pura magia), nem que fosse, de facto, electricista, porque era essa a designação normalmente dada aos que trabalhavam com as máquinas de "fotografia com vida". O que se sabe é que o

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CENTRO DE LÍNGUA PORTUGUESA / INSTITUTO CAMÕES

na Universidade de Hamburgo

Panorama

Os Primórdios

O Difícil Desenvolvimento duma Indústria

O Aparecimento do Cinema Sonoro

Os Anos da Diversidade

Os Anos da Crise

O Cinema Novo

Do 25 de Abril à Actualidade

Os Primórdios

Aponta-se normalmente a noite de 18 de Junho de 1896 como a da primeira sessão de

cinema em território português. Não se tratava ainda da apresentação de películas

portuguesas ou filmadas em Portugal: um projeccionista provavelmente chamado Edwin

Rousby (de Roosby a Rosleg encontram-se diferentes versões do seu apelido) mostrou

filmes de Edison e dos irmãos Lumière à plateia entusiasmada do Real Colyseo de

Lisboa.

Edwin Rousby era conhecido como o "electricista de Budapeste", tal não garantindo,

porém, nem que fosse húngaro, já que era habitual associarem-se os ilusionistas àquela

nacionalidade (e o cinema era visto afinal como pura magia), nem que fosse, de facto,

electricista, porque era essa a designação normalmente dada aos que trabalhavam com

as máquinas de "fotografia com vida". O que se sabe é que o êxito das primeiras sessões

o levou a repeti-las em vários pontos do país e a sentir a necessidade de integrar cenas

portuguesas nos seus programas. Da rodagem dessas imagens se viria a encarregar o

inglês Harry Short, que com a sua câmara realizaria os primeiros metros de película

filmados em Portugal. Pouco mais de três meses depois da primeira sessão pública de

cinema em Portugal era já possível ver filmes como A Boca do Inferno, A Praia de

Algés na Ocasião dos Banhos, O Mercado de Peixe na Ribeira Nova ou Uma Corrida

de Touros no Campo Pequeno.

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Não seria preciso esperar muito para que surgisse o trabalho

do primeiro operador de imagens português. Quando, em

Agosto de 1896, Rousby apresentou os seus programas no

Teatro-Circo Príncipe Real do Porto, um espectador

particularmente interessado repetiu a sua presença durante

várias noites. Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931) era

hortofloricultor, tinha como passatempo a fotografia, mas

descobria agora uma nova paixão, o cinema, de que havia de ser pioneiro em Portugal.

Decidiu ir a Paris comprar o equipamento necessário à realização de "fotografias com

vida", regressou com um quinetógrafo e com ele filmou imagens que viria a projectar

pela primeira vez a 12 de Novembro desse mesmo ano de 1896, na sala portuense onde

havia assistido às sessões do "electricista húngaro".

Os seus primeiros filmes combinavam o registo do quotidiano, que tinha caracterizado

os trabalhos de Harry Short, com influências das películas dos irmãos Lumière. O êxito

colhido, entre outros, por Saída do Pessoal Operário da Camisaria Confiança, O Vira,

Feira de Gado na Conijeira, No Jardim, Chegada do Comboio à Estação de São Bento

ou A Feira de São Bento entusiasma Paz dos Reis, que parte para o Brasil com o

objectivo de aí exibir os seus filmes e obter idêntico acolhimento.

A noite de estreia, a 14 de Janeiro de 1897, viria, contudo, a revelar-se frustrante, fosse

pelo facto de a curiosidade pela nova arte quase não se fazer notar no Brasil, fosse pelas

deficientes condições técnicas do Teatro Lucinda do Rio de Janeiro.

Aurélio Paz dos Reis regressa desanimado a Portugal e desiste da sua "aventura"

cinematográfica.

A verdade, porém, é que o interesse pelo cinema crescia em Portugal, o que levou o

exibidor Manuel Costa Veiga a fundar, em 1898, a primeira empresa exclusivamente

dedicada ao sector, a Portugal Filmes, sediada em Algés. O excelente relacionamento

que Costa Veiga mantinha com a família real permitiu-lhe registar em película a

presença do rei D. Carlos numa estância balnear, em Aspectos da Praia de Cascais, bem

como as suas deslocações oficiais e as visitas de estado que se efectuavam a Portugal.

As imagens da estada do imperador Guilherme II em território português foram, aliás,

um verdadeiro êxito comercial ao serem distribuídas e exibidas em diversos países

europeus.

A pouco e pouco o cinema vai deixando de ser considerado um fenómeno de circo, uma

arte de "ilusionistas", e começa a ver reconhecida a sua função social e sociológica. Tal

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é nítido, por exemplo, quando o rei D. Manuel II, que inesperadamente subira ao trono

na sequência do regicídio de 1908, consciente de que a sua imagem era pouco

conhecida junto da população, aceitou ser frequentemente filmado por Costa Veiga,

merecendo especial destaque as cenas rodadas durante as suas viagens oficiais à

Espanha e à França.

Esse aproveitamento do cinema como arma política é também notório no documentário

de Manuel Cardoso O Cacau Escravo e o Trabalho Indígena em São Tomé, por alguns

considerado o primeiro filme eminentemente colonial feito em todo o mundo. A

película, de 1909, tentava resgatar a imagem francamente negativa e nefasta que

holandeses e ingleses davam da exploração do cacau pelos portugueses em São Tomé e

Príncipe, ao acusarem-nos de usarem escravos nessa tarefa.

É ainda em 1909 que Manuel Cardoso e João Freire Correia (1861-1929) fundam a

Portugália Filmes, desenvolvendo um trabalho precioso no campo do documentarismo

ao filmarem acontecimentos tão diversos como o terramoto ocorrido em Benavente em

Abril desse ano e a proclamação da República, a 5 de Outubro de 1910.

Ainda que timidamente, o cinema português ensaia também alguns passos no campo da

ficção na primeira década do séc. XX. Em 1907 o actor Lino Ferreira (1884-1939) faz

integrar um pequeno filme, O Rapto de uma Actriz, na revista Ó da Guarda!, divertindo

o público com a ideia de que a primeira figura feminina do elenco era raptada pelo actor

principal, vindo depois ambos a ser apanhados por um polícia que, durante a

perseguição, evidenciava as mais atléticas proezas. Nem mesmo o facto de a actriz do

pequeno filme não ser realmente a mesma do elenco da revista, uma vez que desistiu de

participar no espectáculo uma semana antes da estreia, mas já depois de ter entrado no

filme, impediu o êxito desta experiência original, que combinava afinal teatro e cinema

muitas décadas antes de se apresentarem propostas "multimédia".

Em 1908 foi realizada a primeira fita de acção em todo o mundo, The Great Train

Robbery, cuja personagem principal era o lendário Jesse James. O êxito em Portugal foi

significativo e fez gerar a ideia de se criar algo idêntico com base numa figura mítica

portuguesa, a do "temível" bandido Diogo Alves. O projecto acabou por não se

concretizar devido a problemas financeiros e a desentendimentos com uma actriz, mas

em 1910 João Tavares (1883-1971), que havia sido contactado para integrar o elenco

original, decide realizar o filme, que, embora pecando por excesso de teatralidade,

estreia com estrondoso êxito em Abril de 1911 e faz o que é para a época uma brilhante

carreira comercial.

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Ainda em 1910 o actor Carlos Santos (1871-1949) realiza Rainha depois de Morta, o

primeiro filme histórico português, baseado na lendária história de amor entre D. Pedro

I e D. Inês de Castro. O êxito comercial e sobretudo artístico foi também significativo,

mas avizinhar-se-iam tempos difíceis para o cinema nacional.

O primeiro lustro da república portuguesa foi uma época tão rica em mudanças nas

estruturas sociais como difícil a nível das finanças, o que se repercutiu inevitavelmente

na actividade cinematográfica. Ainda que o número de cinemas tivesse aumentado e

tivessem surgido cada vez mais revistas da especialidade, as produções nacionais

raramente iam além de documentários paisagísticos.

A segunda metade da década de 10 traria, porém, alterações de relevo. Em 1916

Portugal entra na Primeira Guerra Mundial ao lado dos Aliados e um ano depois são

criados os Serviços Cinematográficos do Exército, cujo objectivo era realizar

documentários sobre a participação portuguesa no conflito. Além do inegável interesse

histórico do trabalho a que se dedicaram, há que ter em conta que a necessidade de

apresentar imagens do conflito com certa regularidade fez com que as condições

técnicas se desenvolvessem.

O Difícil Desenvolvimento duma Industria

Em tempo de guerra, as farsas constituem o principal género cinematográfico da

incipiente área da ficção. Em 1917, Ernesto de Albuquerque (1883-1940) realiza com

eficácia, mas sem grandes rasgos de originalidade, Pratas Conquistador, que Emídio

Ribeiro Pratas protagoniza numa clara imitação de Charlie Chaplin e que obtém grande

êxito. Um ano antes, porém, Albuquerque havia trilhado um caminho diferente ao

adaptar ao cinema a banda desenhada Quim e Manecas, da autoria do desenhador e

caricaturista Stuart Carvalhais (1887-1961), que, aliás, também participara como actor,

assim se tornando cada vez mais nítido o interesse que jovens ligados a novos

movimentos artísticos nutriam pelo cinema. Entre eles, merecem destaque, até pelo

contributo que viriam a dar no futuro à cinematografia portuguesa, António Ferro

(1895-1956), José Leitão de Barros (1896-1967) e José de Almada Negreiros (1893-

1970).

Leitão de Barros, jornalista e professor de Desenho e Matemática, realiza em 1918 Mal

de Espanha e Malmequer, revelando grandes preocupações estéticas e utilizando pela

primeira vez em Portugal a técnica da pintagem, que consistia em pintarem-se alguns

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metros de película de determinadas cores, com o objectivo de assim se transmitirem os

sentimentos das personagens ou de, pura e simplesmente, se marcar a distinção entre a

noite e o dia. Leitão de Barros projecta um terceiro filme, O Homem dos Olhos Tortos,

que não chega a concretizar, uma vez que as estruturas de produção em Lisboa estão

ainda longe de proporcionar continuidade de trabalho na área do cinema.

A situação é, todavia, bem diferente na cidade do Porto, onde o ano de 1917 marcou o

renascimento duma empresa cinematográfica que havia começado a sua actividade de

forma periclitante cinco anos antes: a Invicta Filme passará agora da produção de

pequenos filmes documentais e humorísticos, como Frei Bonifácio, à posse do mais

completo estúdio de cinema da Península Ibérica. Se é um facto que a empresa

portuense irá, a nível técnico, depender do trabalho de estrangeiros, particularmente

franceses, é também verdade que os temas são nacionais, radicando mesmo na literatura

portuguesa do séc. XIX. A transição da década de 10 para a de 20 far-se-á notar pela

adaptação dos romances A Rosa do Adro, de Manuel Maria Rodrigues (1847-1899), Os

Fidalgos da Casa Mourisca, de Júlio Dinis (1839-1871), Amor de Perdição, de Camilo

Castelo Branco (1825-1890), e O Primo Basílio, de Eça de Queiroz (1845-1900). Os

resultados destas películas assinadas pelo francês Georges Pallu dividirão um pouco a

crítica, que nem sempre consegue fugir à tentação de comparar a produção nacional

com cinematografias mais desenvolvidas.

A década de 20 traz um outro género de filmes, de carácter melodramático, em que a

descrição de ambientes (essencialmente rurais) é mais relevante do que o próprio

argumento. O italiano Rino Lupo assinará duas obras que conhecerão êxito

internacional (particularmente na França e na Itália) e indiferença aquém-fronteiras:

Mulheres da Beira, de 1921, e Os Lobos, de 1923. O primeiro é ainda feito para a

Invicta Filme, que vem a cessar a sua actividade em 1924; o segundo traz dificuldades

económicas à Ibéria Filme, já que que Rino Lupo acaba por filmar mais do que o

inicialmente previsto, valorizando o improviso em detrimento da planificação

inicialmente delineada. Mesmo em termos da interpretação, Lupo prefere actores

amadores a profissionais de teatro, que, na sua opinião, revelam pouca naturalidade

quando actuam em cinema.

A escassez do mercado nacional, os condicionalismos decorrentes da prática de

distribuição, em que os filmes estrangeiros ocupavam o primeiro lugar, e o excessivo

custo de algumas produções levaram a que o chamado "ciclo do Porto" chegasse ao fim

e o cinema português se aproximasse duma nova fase de quase estagnação. O próprio

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Rino Lupo virá a assinar filmes de um tal convencionalismo que dificilmente se

pensaria terem sido realizados por quem havia trazido uma linguagem tão moderna à

cinematografia nacional.

A 28 de Maio de 1926 tem lugar um golpe militar que acabará por constituir o início de

um período de ditadura a que só um outro golpe porá fim, em 1974. Uma das armas do

novo regime será a censura, que, nos primeiros anos, afectará especialmente a imprensa.

Ao falar-se da imprensa portuguesa dos anos 20 e 30 há forçosamente que referir-se o

nome de Reinaldo Ferreira (1897-1937), jornalista de investigação muito associado a

ambientes de certa marginalidade. Embora já tivesse tentado o cinema anteriormente,

nomeadamente na Espanha, é em 1927 que, com quatro filmes, traz um sopro de

originalidade ao cinema português. Rito ou Rita?, Vigário Foot-Ball Club, Hipnotismo

ao Domicílio e, sobretudo, O Táxi 9297 (sobre um caso de assassinato que o próprio

Repórter X, nome por que Reinaldo Ferreira era conhecido, tinha investigado) eram

extremamente modernos para a época, neles perpassando um atmosfera de "filme

negro" ainda desconhecida na Europa.

Ainda em 1927 surge uma lei que aparentemente visava proteger a cinematografia

nacional, mas acabaria por ser-lhe prejudicial. Determinava-se que todas as sessões

públicas de cinema teriam de, obrigatoriamente, incluir a exibição duma película de

produção nacional com um mínimo de 100 metros. Isso fez com que se produzisse um

número considerável de curtas metragens, muitas das quais sem qualquer valor artístico,

que serviam de complemento à apresentação de filmes estrangeiros, sem que nem as

empresas de produção nem de distribuição tivessem grandes custos ou dificuldades em

cumprir a nova lei. Dessas curtas metragens, nascidas fundamentalmente para

corresponder à determinação governamental, é justo salientar-se Alfama, Velha Lisboa,

de João de Almeida e Sá, em que é recusado o plano meramente paisagístico (ou

turístico) e se dá a conhecer a efectiva vivência do bairro.

Os trabalhos de maior fôlego do final dos anos 20 têm a assinatura de Leitão de Barros,

que, após um "interregno cinematográfico" durante o qual se dedicou ao teatro,

reaparece com três brilhantes realizações que, pode dizer-se, fecham com chave de ouro

o período do cinema mudo português.

Nazaré, Praia de Pescadores, de 1927, combina de forma admirável o espaço

geográfico com os sentimentos e as emoções da comunidade de pescadores. Leitão de

Barros joga brilhantemente com as possibilidades do preto e branco, associando a

claridade às casas, à areia da praia e ao céu e o negro ao vestuário e às redes.

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Dois anos depois Barros "regressa" a Lisboa e, com humor e grande sentido estético,

filma pequenos episódios que retratam o quotidiano da cidade. Lisboa, Crónica

Anedótica recorre a nomes conhecidos do teatro português, em especial do teatro de

revista, género muito popular caracterizado pela crítica social e política que, embora

também fosse feito na província a nível amador, sempre ficou muito identificado com

Lisboa.

Já para Maria do Mar, realizado um

ano mais tarde, Leitão de Barros

optou essencialmente por actores

amadores e habitantes da Nazaré, a

fim de conferir a maior autenticidade

possível a um filme que combina a

ficção com o documentarismo e que é

para muitos a melhor obra do período

do cinema mudo português. Muito influenciado pelo cinema soviético, Leitão de Barros

usa grandes planos e "desenha" as personagens com um sentido estético e uma

sensualidade raros no cinema português e até mesmo internacional daquela época. A

vanguarda intelectual deixa-se conquistar e é cada vez maior o seu apoio à arte

cinematográfica, salientando-se os artigos que a revista literária Presença publica, em

especial os assinados pelo escritor José Régio (1901-1969).

O Aparecimento do Cinema Sonoro

Os anos 30 trazem a Portugal a novidade do cinema sonoro. No início da década actores

e técnicos portugueses deslocavam-se com regularidade a Paris para fazerem versões

portuguesas dos grandes êxitos americanos. A qualidade ficava obviamente aquém da

dos originais, mas a contrapartida financeira não era de desprezar, já que essas versões

não se limitavam à exibição no território nacional mas também no Brasil, onde o cinema

português gozava (e continuaria a gozar durante mais cerca de vinte anos) de grande

aceitação popular.

Naturalmente que o espírito criativo dos cineastas portugueses não se satisfazia com o

"aportuguesamento" de obras estrangeiras, pelo que não tardou o momento de se

realizar o primeiro filme sonoro português. E queria-se uma fita bem portuguesa, com o

que pudesse designar-se por "um tema bem português". Leitão de Barros mantém-se na

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primeira linha do cinema nacional e propõe-se levar ao grande écran uma peça de Júlio

Dantas, datada de 1901, que narrava a história de amor (muito possivelmente verídica)

entre um nobre, o Marquês de Marialva, e uma meretriz, de seu nome Maria Severa

Onofriana (1820-1846), que se tornaria figura lendária por ter levado o fado, forma

musical associada às classes mais baixas e mesmo à marginalidade, aos salões da

nobreza. Como nenhum estúdio português possuía as condições técnicas necessárias à

rodagem de filmes sonoros, A Severa tem as cenas de exteriores filmadas em Portugal e

as de interiores em Paris, sendo totalmente sonorizado na capital francesa. O êxito de

público e de crítica foi indescritível, fazendo nascer o desejo da criação de instalações

adequadas à rodagem de filmes sonoros em território nacional.

Na verdade, não era possível para os

outros cineastas seguir o exemplo de

Leitão de Barros e procurar fora de

Portugal o apetrechamento técnico

requerido para a realização de

películas com som. Continuam, por

isso, a realizar-se filmes mudos, em

geral com pouca originalidade e

reduzida aceitação popular e crítica. Um excepção, a nível artístico, viria, porém, a ser

uma curta metragem documental de 18 minutos, exibida como complemento de A

Severa, no V Congresso Internacional da Crítica, realizado em Lisboa em 1931: Douro,

Faina Fluvial. O seu autor estreava-se na realização, mas havia já tido contacto com o

meio cinematográfico ao participar como actor num filme da fase final (e menos

interessante) da actividade de Rino Lupo em Portugal: Fátima Milagrosa (1928). Vinha

do Porto e chamava-se Manoel de Oliveira. Com o seu documentário sobre a actividade

do trabalhador ribeirinho, Oliveira viria a conhecer algo que caracterizaria a quase

totalidade da sua longa carreira cinematográfica (ao realizar filmes em pleno século

XXI, Oliveira, que nasceu em 1908, tornar-se-ia um caso único de longevidade artística

em todo o mundo): dificuldades de aceitação entre os portugueses e grande

reconhecimento junto da crítica internacional. Vários participantes estrangeiros no

referido Congresso da Crítica assinalaram as virtudes dum documentário em que o labor

do Homem acompanhava o ritmo das máquinas, com uma força visual invulgar. Só três

anos depois Douro, Faina Fluvial teria exibição pública, com partitura musical da

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autoria de Luís de Freitas Branco (1890-1955), um dos mais prestigiados compositores

portugueses de sempre.

Em 1932, começam a montar-se os

estúdios da Tóbis Portuguesa,

apetrechados em grande parte com

material vindo da Alemanha, da

empresa Tobis Klang Film. É neles, e

ainda antes de estarem concluídos,

que vai nascer o primeiro filme

sonoro inteiramente rodado em

Portugal. O seu realizador será um arquitecto de renome desde há muito conquistado

pela arte cinematográfica, mas que só agora alcançaria maior visibilidade nesse meio:

José Cottinelli Telmo (1897-1948). Na realização de A Canção de Lisboa participaram

nomes relevantes da cultura portuguesa, como o escritor José Gomes Ferreira (1900-

198), que colaborou na montagem, o pintor Carlos Botelho (1890-1982), assistente de

realização, e Almada Negreiros, que elaborou dois cartazes. Para o elenco foram

convidados alguns dos mais populares actores do teatro da época, nomes que se

tornariam míticos, como os de António Silva (1886-1971), Vasco Santana (1898-1958),

Beatriz Costa (1907-1996) e Teresa Gomes (1883-1962). Todos tinham experiência de

teatro de revista, o que significa que estavam habituados a cantar, a improvisar e a um

registo de humor popular que A Canção de Lisboa evidencia, com diálogos vivos e

repletos de duplo sentido, uma das técnicas do humor da revista à portuguesa. Tratando-

se de um filme musical, havia que escolher letristas e compositores com provas dadas

na criação de canções populares, pelo que se recorreu também a nomes ligados à música

de revistas e operetas: Raúl Ferrão (1890-1953) e Raúl Portela (1889-1942). A Canção

de Lisboa, descrevendo as aventuras e desventuras amorosas e académicas dum

estudante financeiramente dependente de duas tias ricas que o vêm visitar, consegue um

estrondoso êxito junto do público e da crítica, em Portugal e no Brasil (várias décadas

depois, teria excelente acolhimento em mostras de cinema português realizadas noutros

países). Se a isto juntarmos que, ainda em 1933, é publicado um decreto-lei que

determina que os importadores de filmes estrangeiros ficavam obrigados à aquisição de

filmes sonoros portugueses para exibição (se bem que nem todos os cinemas

dispusessem do material técnico necessário à apresentação de metragens sonoras), fácil

é concluir que se vivia um clima de certa euforia no meio cinematográfico.

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Tal como qualquer outra arte, o cinema reflecte o mundo que o rodeia. A Europa do

início dos anos 30 vai sentindo já algumas das transformações que o final da década

acentuará dramaticamente. A subida ao poder do Partido Nacional Socialista Alemão

leva alguns actores e técnicos alemães a deixar a Alemanha e recomeçar as suas vidas

noutros países. Alguns escolhem Portugal, que, com uma indústria cinematográfica

ainda relativamente incipiente quando comparada com as estruturas dos estúdios

germânicos, lhes permite, pelo menos, desenvolver uma actividade profissional dentro

da mesma área.

O primeiro filme resultante da colaboração entre alemães emigrados e portugueses foi

Gado Bravo (1934), realizado por António Lopes Ribeiro (1908-1995), um nome desde

há muito associado ao cinema nacional, particularmente através de artigos publicados

em jornais e revistas da especialidade. Os técnicos germânicos introduzem um maior

recurso a exteriores e uma claridade de imagem que o sol de Portugal acaba, por vezes,

por complicar ao tornar demasiado nítidas as sombras que certos adereços ou parte dos

cenários (por exemplo, chapéus ou ramos de árvores) provocam nos rostos dos actores.

Gado Bravo consegue obter o acolhimento do público e da crítica necessário à

permanência (e sobrevivência) desses profissionais alemães em Portugal, onde, aliás,

virão a integrar a ficha técnica da quase totalidade dos filmes rodados nesta década.

Os Anos da Diversidade

A pouco e pouco o cinema português ia-se caracterizando por uma certa regularidade de

produção e, embora não pudessem esperar-se lucros avultados, devido às

especificidades geográficas e, sobretudo, económicas do país, não pode esquecer-se que

os filmes portugueses gozavam de grande reputação num país com a dimensão do

Brasil, onde obtinham assinalável êxito comercial. Em 1936 deu-se até o caso curioso

de uma película comercialmente mal-sucedida em Portugal, ter sido financeiramente

resgatada graças ao êxito obtido nos cinemas brasileiros: Bocage, assinada por Leitão de

Barros, de que também havia sido feita uma versão espanhola que não entusiasmara os

espectadores do país vizinho. Note-se, de qualquer modo, que a Espanha está prestes a

viver um período de guerra civil, o que fará com que o governo português, desde 1932

dirigido, de forma autoritária, por António de Oliveira Salazar (1889-1970), insista na

mensagem de calma e segurança em território nacional. Ao completarem-se dez anos

sobre o golpe que deu origem ao chamado Estado Novo, António Ferro, entretanto

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empossado director do Secretariado de Propaganda Nacional, achou por bem produzir-

se um filme glorificando a acção governamental após o indiscutivelmente conturbado

período da Primeira República (1910-1926). O próprio António Ferro se encarregou

(sob o pseudónimo Jorge Afonso) de escrever o argumento conjuntamente com o

realizador do filme, António Lopes Ribeiro, assim nascendo A Revolução de Maio.

Atrasos nas filmagens acabaram por fazer com que a fita só fosse estreada em 1937, isto

é, um ano depois da efectiva comemoração duma década de Estado Novo. A reacção à

exibição da película foi apática, o que terá justificado a posterior ausência de longas

metragens do género.

A década de 30 foi, aliás, caracterizada pela produção de filmes de estilos diferentes,

embora em vários se pusesse a tónica na autenticidade da vida no campo por oposição à

"falsidade", à superficialidade do quotidiano da grande cidade. É essa apologia dos

valores mais simples, mais puros, que, de modo distinto, se encontra em duas películas

de referência desta fase ainda inicial do cinema sonoro português: Maria Papoila e A

Canção da Terra. O primeiro, realizado por Leitão de Barros, traz às telas uma brilhante

jovem actriz de teatro, Mirita Casimiro (1918-1970), no papel duma criada vinda da

província que, após várias confusões, vai ter de responder em tribunal por um delito que

não praticou. Inevitavelmente concluirá que a vida simples da sua aldeia era preferível

ao artificialismo das relações humanas no ambiente cosmopolita de Lisboa. Devido ao

êxito de A Canção de Lisboa, quase todos os filmes que se lhe seguiram apresentavam

canções que nem sempre, porém, vinham a propósito (contrariamente ao que sucedia no

filme de Cottinelli Telmo, em que eram mesmo parte integrante do argumento) e

acabavam por desequilibrar a estrutura narrativa. Poderia pensar-se que um filme com o

título A Canção da Terra seria essencialmente musical, o que constituiria uma

classificação pouco acertada para a fita que Jorge Brum do Canto (1910-1994) realizou

em 1937, na ilha de Porto Santo. É, na verdade, um dos filmes mais difíceis de definir

em termos de género em toda a cinematografia portuguesa — e um dos interessantes

também. Em 1928, profundamente influenciado por uma estética ligada ao bailado,

Brum do Canto havia realizado um pequeno filme de vanguarda, A Dança dos

Paroxismos, que lhe prenunciava uma carreira menos convencional do que, em certos

períodos, acabou por acontecer. A Canção da Terra não defraudou, de modo algum, as

expectativas. Tendo como ponto de partida uma aparentemente vulgar história de amor,

o filme põe a claro as difíceis condições de vida dos ilhéus, sujeitos a longos períodos

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de seca e eternamente condenados à emigração. As imagens têm uma força inusitada,

com cenas de grande intensidade dramática.

As comédias eram, no entanto, o género preferido do público, que já conhecia os actores

do teatro e, em muitos casos, se identificava com as personagens populares que

encarnavam no écran. Uma das comédias mais populares de sempre do cinema

português seria A Aldeia da Roupa Branca, de Chianca de Garcia (1898-1983), que já

havia filmado dois outros filmes sonoros, O Trevo de Quatro Folhas e A Rosa do Adro,

nova versão dum clássico da literatura popular. Rodado em 1938 na chamada "zona

saloia" (arredores de Lisboa), é a combinação feliz dum bom trabalho de planificação

(do escritor José Gomes Ferreira) e de montagem (do próprio Chianca de Garcia, com

alguma influência da cinematografia soviética), não esquecendo as excelentes

interpretações dum elenco encabeçado por Beatriz Costa, que, tal como Chianca de

Garcia, rumaria ao Brasil após este grande êxito. Êxito foi, na verdade, algo que não

faltou à actriz em terras brasileiras, donde só regressaria em finais dos anos 50; já

Chianca de Garcia, que lá permaneceu até ao fim da vida, se foi afastando a pouco e

pouco da actividade cinematográfica, enveredando pela crónica jornalística e assumindo

progressivamente uma postura de oposição ao sistema político português.

A propósito de política, é de referir a posição de aparente neutralidade que o governo

português assumiu durante a Segunda Guerra Mundial, permitindo inicialmente a

entrada de refugiados políticos no país, mas vendendo o tão necessário volfrâmio à

Alemanha nazi. Portugal foi um oásis de paz numa Europa cada vez mais mergulhada

no conflito. O próprio cinema do início dos anos 40 vive momentos de grande

criatividade e êxito, acentuando-se a diversidade de géneros que já se havia verificado

na década anterior.

Há, mais uma vez, que conceder lugar de destaque à comédia, já que nesta década se

produzirão alguns dos melhores trabalhos do género. António Lopes Ribeiro realiza em

1941 O Pai Tirano e o seu irmão Francisco Ribeiro (1911-1984), também actor, O Pátio

das Cantigas. Dois anos depois é a vez de Arthur Duarte (1895-1982), que havia

trabalhado nos estúdio germânicos da UFA, adaptar ao cinema a peça O Costa do

Castelo. É de referir que várias das comédias de êxito deste período eram, na verdade,

adaptações de obras teatrais, por assim dizer já testadas junto do público. Tal se passaria

também com outros dois "clássicos" da comédia portuguesa: A Vizinha do Lado,

realizado por Lopes Ribeiro em 1945, e O Leão da Estrela, que Arthur Duarte levou à

tela em 1947. É exactamente em 1947 que António Ferro irá definir as comédias

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populares como "o cancro do cinema português", expressão que desmente a ideia de que

o regime apoiaria este cinema popular. António Ferro, muito particularmente,

preconizava a existência de uma cinematografia que, de forma mais sóbria, valorizasse

os valores tidos como nacionais e reforçasse a identidade portuguesa. Dois filmes do

início da década de 40 lhe haviam particularmente agradado: Aniki-Bobó, a primeira

longa metragem de Manoel de Oliveira, e Ala Arriba, uma realização de Leitão de

Barros ambientada do seio da comunidade de pescadores da Póvoa do Varzim.

Aniki-Bobó, produzido por António Lopes Ribeiro, era a primeira longa metragem de

Manoel de Oliveira e trazia consigo a particularidade de ter como personagens e

intérpretes principais crianças da zona ribeirinha do Porto que, de certo modo, acabam

por viver o mundo dos adultos num "jogo" (o título é retirado duma cantilena que se

usava para distinguir quem ia ser polícia de quem ia ser ladrão nas brincadeiras de

criança) em que o medo é o principal adversário. O público não acorreu a ver este filme

diferente (para alguns um exemplo de cinema neo-realista avant la lettre) que,

curiosamente, obteria quase vinte anos depois o Diploma de Honra do II Encontro de

Cinema para a Juventude, realizado em Cannes, em 1961. Já Ala Arriba foi premiado

pouco depois de concluído, sendo a primeira fita portuguesa a obter um prémio

internacional, no caso a Taça Volpi da Bienal de Veneza de 1942. Mais duma década

depois de ter filmado os costumes e os dramas da Nazaré, Leitão de Barros volta ao

universo da vida piscatória, mas desta feita na Póvoa do Varzim, cenário duma história

de amor marcada pela rivalidade de castas diferentes.

Os anos 40, que, como já se afirmou, foram dos mais diversificados no que se refere ao

cinema português, testemunharão também o aparecimento duma série de filmes em que

se fazia a apologia dum estilo de vida simples, até mesmo da pobreza. Títulos como Um

Homem às Direitas, de Jorge Brum do Canto, Ave de Arribação e Serra Brava, ambos

de Armando Miranda, ou Três Dias sem Deus, este com a particularidade de ser a

primeira longa metragem assinada por realizadora, a também actriz Bárbara Virgínia,

reproduziam no écran, sem grande originalidade, um Portugal de brandos costumes,

onde as mudanças sentidas na Europa e no mundo em geral após a Segunda Grande

Guerra pouco ou nada se faziam sentir. A fragilidade dos argumentos permitia já

adivinhar tempos difíceis na captação de público; se, por um lado, a adaptação de êxitos

do teatro ou da literatura do séc. XIX (fazem-se versões sonoras de Amor de Perdição e

A Morgadinha dos Canaviais) assegurava o interesse do público, a verdade é que

escondia, por outro lado, alguma dificuldade na criação de enredos expressamente feitos

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para cinema. A noção de filmes de acção, por exemplo, resume-se à passagem a película

das aventuras do salteador José do Telhado (que já haviam, aliás, merecido uma

realização de Rino Lupo em 1929), em dois trabalhos escorreitos mas pouco inovadores

de Armando Miranda, e à rodagem de filmes ligados ao ambiente dos touros e das

touradas, como Um Homem do Ribatejo e Ribatejo, de Henrique Campos (1909-1983),

ou Sol e Toiros, do espanhol José Buchs. As co-produções com a Espanha são também

tentadas, mas da cerca duma dezena de filmes feitos neste sistema poucos foram além

da mediania: Leitão de Barros realiza com grande vigor e beleza estética Inês de Castro,

em 1945, e o realizador húngaro Ladislao Wajda, radicado na Península Ibérica, assina

dois anos depois Três Espelhos, magnificamente protagonizado por um dos mais

famosos actores portugueses de sempre, João Villaret (1913-1961).

Muito influenciado por António Ferro, Salazar vai

considerar de grande interesse nacional a produção

e realização de Camões, em 1946, de que se

encarregariam, respectivamente, António Lopes

Ribeiro e Leitão de Barros. O realizador era

conhecido pela grandiosidade que costumava

conferir aos seus projectos e o apoio governamental

recebido para a passagem ao écran da vida do autor

d'Os Lusíadas, fez com que o filme se viesse a

tornar um dos mais caros de sempre da história do

cinema português. Os elogios da crítica portuguesa

não encontraram eco internacional e a exibição de

Camões no primeiro festival de cinema de Cannes realizado após a Segunda Guerra

Mundial passou quase despercebida. Só o actor principal, António Vilar (1912-1995),

veio a obter alguma projecção, ao conseguir ser, a par de Vergílio Teixeira (o

protagonista das fitas sobre José do Telhado), um dos raros actores portugueses a lograr

participar em produções internacionais. Os espectadores portugueses não aderiram

também ao filme e deram a sua preferência a dois melodramas musicais protagonizados

por uma jovem cantora a viver uma fase de extraordinária popularidade: Amália

Rodrigues (1920-1999). Em 1947 estreia-se Capas Negras, quase integralmente rodado

em Coimbra por Armando de Miranda, um actor e realizador em constante actividade, e

um ano depois surge Fado — História duma Cantadeira, assinado por Perdigão

Queiroga (1916-1980). Ambos permanecem longos meses em cartaz, graças também à

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música inspirada de compositores como Frederico Valério (1913-1982), Frederico de

Freitas (1902-1980) ou Raúl Ferrão, mais uma vez nomes do teatro a trazer o seu

conhecimento a um cinema formal formalmente pouco inovador mas eficaz na captação

do interesse do público.

Os Anos da Crise

Ao êxito de Capas Negras e de Fado e à crescente popularidade de Amália Rodrigues

no Brasil (havia registado lá os seus primeiros discos, em 1945) não ficou indiferente

Leitão de Barros, que pensou numa grandiosa co-produção luso-brasileira, tendo como

tema a vida do poeta Castro Alves, nomeadamente a sua acção na luta anti-esclavagista

e a sua paixão pela actriz portuguesa Eugénia de Câmara, papel a ser desempenhado por

Amália Rodrigues. A produção é extremamente dispendiosa e, para desagradável

surpresa, público e crítica "unem-se" no pouco apreço pelo filme. Em Vendaval

Maravilhoso Amália tem um bom trabalho de actriz, mas limita-se a cantar o tema do

genérico, o que defraudava as expectativas do público. A crítica apontava falhas

técnicas, hoje impossíveis de detectar já que só foi possível recuperar extractos da

película original, entretanto destruída num fogo ocorrido na empresa produtora

brasileira. Leitão de Barros não viria a rodar mais nenhuma longa metragem, dedicando-

se a pequenos filmes de encomenda e mesmo à publicidade, e as fitas portuguesas

deixaram de ser exibidas no Brasil (até então um bom mercado em termos comerciais).

A crise que já se pressentia agrava-se, fruto também da cada vez maior pressão da

censura, que nos anos 50 e 60 irá mutilar filmes, tornando-os por vezes irreconhecíveis

e, sobretudo, incompreensíveis.

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Os realizadores de prestígio foram-se afastando e

são assistentes de realização que, especialmente

na década de 50, vão assumir a rodagem de

filmes, nalguns casos de modo bastante

rudimentar, o que acentua a sua inferioridade

perante obras estrangeiras, ainda que estas

também sofressem não raras vezes os cortes da

Comissão de Censura. É de toda a justiça

salientar o nome de Manuel Guimarães (1915-

1975), que, com sensibilidade e bom gosto, assina Saltimbancos, sobre a fase de

decadência dum pequeno circo ambulante. Em 1951 parte do sector mais intelectual da

sociedade portuguesa vê no filme um caminho de dignidade a percorrer pelo cinema

nacional. O pintor Júlio Pomar faz alguns desenhos alusivos à obra e o escritor neo-

realista Alves Redol (1911-1969) fica tão bem impressionado que escreve o argumento

para a película que Manuel Guimarães dirige no ano seguinte, Nazaré. O filme sofre tal

número de cortes por parte dos censores que Manuel Guimarães tem as maiores

dificuldades em dar-lhe uma forma final. O resultado fica demasiado aquém das

expectativas e, embora nunca desistindo de fazer filmes com algum conteúdo, o

realizador fará, por questões de sobrevivência, algumas concessões a um cinema mais

convencional, na esperança de "chegar" ao público e poder com maior desafogo

financeiro rodar o que mais desejasse.

O que de mais positivo os anos 50 trouxeram ao cinema, já que os poucos filmes

realizados eram sobretudo melodramas pouco inspirados, por vezes acompanhados por

melodias não mais criativas, terá sido a proliferação de cineclubes, a abertura ao público

da Cinemateca Portuguesa, em 1958, e o regresso à actividade cinematográfica de

Manoel de Oliveira, que, depois duma estada na Alemanha para se inteirar dos aspectos

técnicos que rodeiam o uso da cor, apresenta em 1956 o documentário O Pintor e a

Cidade, sobre a obra do pintor António Cruz, e três anos depois a média metragem O

Pão, sobre o que podia designar-se de ciclo da semente, com passagem pela fecundação,

moagem e consumo do pão.

O estado mostrar-se-á especialmente interessado na criação duma estação de televisão,

que, muito mais eficazmente do que o cinema (que se cingia a documentários elogiosos

quanto às actividades do regime), lhe seria útil em termos propangandísticos. Há,

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contudo, que salientar que o Conselho do Cinema vai conceder a alguns jovens a

oportunidade de frequentarem cursos de cinema no estrangeiro; por outro lado, a própria

televisão proporcionará, nomeadamente no campo da reportagem, um contacto com

material técnico moderno.

Algumas revistas, lutando sem apoios oficiais, iam dando a conhecer as opinióes dum

conjunto de críticos mais rigorosos na apreciação do cinema português. E é,

evidentemente, também nos cineclubes que se vai "bebendo" uma certa cultura

cinematográfica e, através de ciclos e debates, se vai forjando uma maior consciência

crítica em relação às falhas do cinema nacional.

O Cinema Novo

Se há que apontar uma obra que reflicta o movimento e a atitude de reflexão sobre a

necessidade da existência dum tipo diferente de cinema, ela terá sido Dom Roberto, que

Ernesto de Sousa (1921-1988) rodou em 1962, com fundos da Cooperativa do

Espectador, nascida justamente no seio do movimento cineclubista e cuja venda de

acções permitiu a realização do filme. A película sobre a vida pouco mais que miserável

dum artista de rua está ainda presa a certos convencionalismos, a um neo-realismo

dependente de personagens-símbolos, mas há nela uma franqueza, uma sensibilidade

que a afasta do pobre panorama do cinema português da época. O mesmo se poderá,

aliás, dizer de Pássaros de Asas Cortadas, que Artur Ramos dirigiu um ano depois, a

partir dum argumento dum escritor pouco admirado pelo Poder, Luís Francisco Rebello,

e no qual se punha em foco, embora também algo convencionalmente, o conflito de

gerações.

1963, porém, tornar-se um ano de

referência para o cinema português

graças a Verdes Anos, o primeiro

resultado do investimento de António

Cunha Telles num novo (ou, pelo

menos, diferente) tipo de cinema.

Cunha Telles havia dirigido em 1961

o Estúdio Universitário de Cinema

Experimental da Mocidade Portuguesa, uma instituição que tudo levaria a crer iria

veicular as ideias sociais e artísticas próximas do regime, mas por onde, bem pelo

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contrário, passariam muitos jovens, futuros cineastas, partidários dum corte com o

cinema convencional. Ao criarem-se as Produções Cunha Telles, os novos cineastas

iam, primeiro, ter a oportunidade de trabalhar com técnicos franceses em obras rodadas

em Portugal e, depois, a possibilidade de realizarem os seus próprios filmes, com nítidas

influências da nouvelle vague francesa. Verdes Anos, de Paulo Rocha, traz às telas, mais

uma vez, o choque entre aldeia e cidade, só que desta vez sem réstia do melodrama

tradicional.

Segue-se um ano depois Belarmino, de Fernando Lopes, feito ao jeito de reportagem, de

forma absolutamente inovadora no panorama cinematográfico português, ao mostrar

uma Lisboa marginal a pretexto duma entrevista com uma das figuras populares da

boémia da cidade, o ex-pugilista Belarmino Fragoso.

Cunha Telles concede no mesmo ano uma oportunidade a Manuel Guimarães para,

enfim, poder fazer um filme à medida dos seus desejos, o que consegue com grande

dignidade e saber profissional ao adaptar a peça de Bernardo Santareno (1924-1980) O

Crime de Aldeia Velha. A produção que se segue, em 1965, é assinada por António de

Macedo e baseada num romance de Fernando Namora (1919-1989), Domingo à Tarde,

permanecendo um pouco de mais tempo nos cartazes. Em termos comerciais este

"cinema novo" estava longe de atrair o chamado "grande público", que se voltava agora

para os filmes com vedetas da canção popularizadas pela televisão, que, sem grandes

rasgos interpretativos, protagonizavam enredos pouco elaborados, que não passavam de

pretexto para a apresentação duma série de canções que, salvo raras excepções, também

não viriam a enriquecer o panorama musical português. Essas fitas, idênticas, aliás, a

produções da mesma época de países como a Espanha, a Itália ou a Alemanha,

alcançavam, de facto, êxito considerável junto do público, o que pode ser ilustrado por

um episódio algo caricato ocorrido na sequência da estreia de Uma Hora de Amor

(1964), de que eram protagonistas António Calvário e Madalena Iglésias, dois cantores

que integrariam outros desses filmes durante quase uma década. Tantos foram os

admiradores que os quiseram ver na noite de estreia do filme que a Presidência da

República alertou os responsáveis do cinema Odeon, mítica sala de espectáculos onde,

por norma, se exibiam melodramas portugueses, espanhóis e mexicanos e onde se

apresentara Uma Hora de Amor, para o facto de nunca em Portugal deverem concentrar-

se mais pessoas, fosse para que evento fosse, em número superior ao verificado aquando

de qualquer presença pública do Chefe de Estado, na época o almirante Américo

Thomaz (1894-1987).

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Depois de As Ilhas Encantadas (1965), do luso-francês Carlos Vilardebó, com uma

excelente actuação de Amália Rodrigues (que, porém, não cantava...) e de Mudar de

Vida (1966), de Paulo Rocha, sobre a problemática do afastamento que a guerra colonial

(iniciada em 1961) e a emigração causavam, as Produções Cunha Telles assumiram a

situação de falência e o futuro dum cinema socialmente mais interveniente parecia

comprometido. Quando, em Abril de 1967, o Cineclube do Porto organiza a Semana do

Novo Cinema Português, os cineastas, reunidos em torno da figura de Manoel de

Oliveira (que em 1962 voltara à longa metragem com Acto da Primavera, a passagem

ao écran da representação popular dum Auto da Paixão, premiada com a Medalha de

Ouro do Festival de Cinema de Sienna, em Itália), decidem elaborar um relatório ("O

Ofício do Cinema em Portugal") em que apelam à Fundação Calouste Gulbenkian no

sentido de que se crie um Centro de Cinema que possa financiar as suas obras, as quais,

pelo carácter que revestem, muito dificilmente poderão captar público em número

suficiente para que os encargos financeiros necessários à sua feitura fiquem cobertos.

A reacção da Fundação não corresponderá totalmente a essa pretensão: será antes

criada, em 1970, um género de cooperativa de cineastas, o Centro Português de

Cinema , efectivamente subsidiada pela instituição e relativamente à qual o governo,

agora presidido por Marcello Caetano (1906-1980), não levantará grandes barreiras, por

um lado porque se vivem dias de maior abertura política, por outro porque a Fundação

Gulbenkian é suficientemente poderosa aos olhos do Estado.

O início da década de 70, em que já nem os melodramas musicais apelam ao público, é

marcado pela realização e exibição dos filmes produzidos pelo Centro Português de

Cinema, o primeiro dos quais será O Passado e o Presente, de Manoel de Oliveira, em

que surgem diálogos bastante inverosímeis, que uma interpretação afectada fará

corresponder ao mundo fútil, vazio, que envolve as personagens. As fitas que se lhe

seguem também não conseguirão interessar o público em geral, mas deixarão passar

uma nítida mensagem de desconforto em relação a uma sociedade desfasada em relação

ao resto da Europa, marcada por uma repressão, mais ou menos visível, para com

aqueles que manifestassem atitudes que fugissem ao "padrão oficial". Tal está presente,

por exemplo, em O Recado, de José Fonseca e Costa, ou Perdido por Cem, de António-

Pedro Vasconcellos, filmes que, assim como outros desta fase, são apresentados em

festivais de cinema internacionais. É curioso salientar que o "novo cinema" vai também

"conquistando" o regime, que, na atribuição dos prémios oficiais (da Secretaria de

Estado da Informação e Turismo), não consegue ignorar (porque tal se tornaria deveras

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escandaloso) produções em tudo afastadas dos parâmetros que mais agradariam ao

governo.

Entretanto, a lei nº 7/71 vai substituir as anteriores, trazendo consigo a criação dum

Instituto Português de Cinema que irá mesmo subsidiar filmes de cineastas nitidamente

de oposição ao regime. Note-se, porém, que a Censura se encarregava de eliminar tudo

o que fosse demasiado óbvio na crítica à situação vigente, o que fazia com que o enredo

das películas se tornasse pouco acessível. Por outro lado, as escassas possibilidades

financeiras ao dispor dos cineastas privavam-nos duma certa continuidade na sua

actividade cinematográfica e levavam-nos a tentar transmitir todas as suas ideias num só

filme, recorrendo a símbolos de nem sempre fácil descodificação, o que se tornava

pouco apelativo para o público em geral. As próprias propostas a nível meramente

estético, ainda que por vezes de alto nível, como em Uma Abelha na Chuva, uma feliz

adaptação ao cinema da obra homónima de Carlos Oliveira (1921-1981) levada a cabo

por Fernando Lopes, fugiam ao que os filmes norte-americanos, os mais vistos em

Portugal, quase sempre mostravam.

Do 25 de Abril à Actualidade

A Revolução de 25 de Abril de 1974 traz, em primeiro lugar, no que diz respeito ao

cinema, a abolição da censura. A par de inúmeros filmes estrangeiros anteriormente

impedidos de ser vistos em Portugal, estreiam-se algumas das últimas produções

nacionais proibidas pelos censores, como Sofia e a Educação Sexual, de Eduardo

Geada, O Mal-Amado, de Fernando Matos Silva, ou Índia, de António Faria. Uma

curiosidade ( e, sobretudo, uma premonição) marcaria Brandos Costumes, realizado em

1972 por Alberto Seixas Santos, professor de Cinema no Conservatório Nacional, em

que se faz traça um paralelismo entre a história duma família pequeno-burguesa e a

história de Portugal durante o regime do Estado Novo, sugerindo-se no final que as

Forças Armadas faziam uma revolução.

Numa época marcada por filmes de carácter revolucionário ou até panfletário, por vezes

realizados em equipa e cujos títulos espelham o período em que foram rodados (As

Armas e o Povo, Adeus, Até ao meu Regresso, Deus, Pátria, Autoridade, O Funeral do

Patrão são apenas alguns exemplos de títulos), Manoel de Oliveira marca mais uma vez

a diferença ao apresentar a adaptação duma peça de José Régio, Benilde, ou a Virgem-

Mãe, cujo tema é a gravidez duma jovem do Alentejo, atribuída a uma interferência

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sobrenatural. O filme, com uma estética aparentemente mais teatral do que

cinematográfica, só não se torna o mais controverso de Manoel de Oliveira, porque, três

anos depois, em 1978, a RTP (Radio Televisão Portuguesa) exibe em episódios a

adaptação feita pelo já septuagenário cineasta do romance Amor de Perdição num

respeito absoluto pelo original e que, pelo peso literário, desagrada à maioria dos

telespectadores, habituada a um maior realismo e mesmo naturalismo nas produções de

ficção feitas para o pequeno écran. A polémica instala-se entre público e entre críticos,

uns defendendo a originalidade do projecto e acentuando que havia sido essencialmente

pensado em termos de cinema e outros sustentando que um filme nunca pode ter como

aparente personagem principal a voz dum

narrador. A verdade é que os novos filmes,

feitos já sem o espartilho da censura,

tinham cada vez menos espectadores.

Tornava-se evidente que a maioria dos

realizadores não saía dum estilo hermético

que lhes tinha ficado do tempo em que era

impossível usar uma linguagem verbal e

visual clara, despida de simbolismos.

O actor e realizador Artur Semedo (1925-2001) tenta, com algum êxito, o caminho da

comédia com O Rei das Berlengas (1978), uma visão irónica da relação entre Portugal e

a sua história, de que se salienta uma extraordinária interpretação dum dos maiores

actores portugueses do séc. XX, Mário Viegas (1948-1996). A recon- ciliação (embora

nunca defini- tiva) do público português com o seu cinema teria lugar no início dos anos

80, quando realizadores como José Fonseca e Costa (Kilas, o Mau da Fita), Lauro

António (Manhã Submersa), Luís Galvão Telles (A Vida é Bela?) ou António-Pedro

Vasconcellos (O Lugar do Morto) optam por, sem fazerem concessões em termos do

que consideram ser cinema de qualidade, procurar uma linguagem cinematográfica mais

próxima do público, em que o enredo seja compreendido sem dificuldades e as

interpretações se pautem por uma naturalidade que torne as personagens e as situações

credíveis. O Lugar do Morto, que o próprio realizador chegou a duvidar conseguir

concluir, tantas foram as dificuldades em termos de produção (que se prolongaria de

1981 a 1984), viria a tornar-se um dos maiores êxitos de sempre do cinema português,

combinando uma história algo policial e que reflectia o novo relacionamento entre as

pessoas no Portugal dos anos 80 com interpretações cuidadas de nomes vindos da

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televisão, como Ana Zanatti e o jornalista Pedro Oliveira,e doutros vindos do chamado

teatro comercial, numa perfeita sintonia de registos.

Manoel de Oliveira iniciará uma carreira de repercussão internacional, em grande parte

devido ao apoio a nível da produção e da promoção além-fronteiras de Paulo Branco,

hoje um nome de referência no cinema europeu. Com Francisca (1981) começará uma

colaboração com a escritora Agustina Bessa-Luís, que reforçará a tendência de ser visto

como um cineasta da palavra, embora seja visível a preocupação em escolher os

enquadramentos mais adequados e os planos mais susceptíveis de conferirem força às

palavras. Obras posteriores reservar-lhe-ão um crescente apreço internacional, reflectido

no interesse de empresas estrangeiras em co-produzir os seus trabalhos e na atribuição

de vários prémios em prestigiosos festivais, e uma consagração em termos nacionais,

resultante exactamente do êxito artístico alcançado noutros países. Os seus filmes não

lograrão, no entanto, atingir um vasto público em Portugal.

Pelo regime de co-produção optarão também, entre

outros, os já citados José Fonseca e Costa e

António-Pedro de Vasconcellos, cujos filmes se

integram no estilo do cinema europeu das últimas

décadas do séc. XX e reflectem também uma certa

"europeização" de Portugal após a adesão à então

Comunidade Económica Europeia em 1986. Por

esse caminho se prosseguiu na década de 90 e se

continua a seguir neste início de século, embora haja a salientar trabalhos que podem

definir-se como não-alinhados, em termos de correntes estetico-cinematográficas, de

nomes como João César Monteiro ou Pedro Costa, mais voltados para a abordagem

duma certa marginalidade socio-económica que permanece no país, pese embora esse

desejo de integração e afirmação europeia como sinónimos de bem-estar. Nessa linha se

poderá incluir também parte da obra de Teresa Villaverde, nomeadamente o aclamado

Os Mutantes (1998).

A década de 90 trouxe ainda a abertura da televisão a canais privados: a Sociedade

Independente de Comunicação — SIC e a Televisão Independente — TVI. A primeira

constitui um caso invulgar de conquista de audiências nos primeiros anos da sua

actividade e vai co-financiar, à semelhança, aliás, do que a RTP já fazia, filmes que,

mais tarde, exibirá, após a carreira comercial. O estilo desta estação televisão

caracteriza-se por uma promoção agressiva e eficaz dos seus programas, técnica que usa

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também para os filmes cuja produção apoia. Disso beneficiarão concretamente três fitas

do realizador Joaquim Leitão, que se contam entre as mais vistas de sempre do cinema

português: Adão e Eva (1995), Tentação (1997) e Inferno (1999). A primeira bate todos

os recordes de bilheteira e reúne dois actores portugueses com uma carreira

internacional de certa monta: Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida.

A produção regular de telefilmes ainda por parte da SIC tem permitido na transição do

séc. XX para o séc. XXI alguma prática a técnicos e actores, mas a estrutura demasiado

televisiva das produções impediu até ao momento que se concretizasse o desejo inicial

de poder apresentar algumas delas em salas de cinema. A excepção aparece muito

recentemente e acaba por ser uma produção encomendada não pela SIC mas pela RTP:

Esquece Tudo o Que Eu Te Disse (2002), do jovem realizador António Ferreira, embora

tendo "nascido" como telefilme, revelou uma qualidade cinematográfica tal que se

optou por fazê-lo passar primeiro nos cinema e só depois no pequeno écran, a que

inicialmente se dirigia.

O aparecimento contínuo de curtas metragens tem também constituído uma das

características do cinema português dos últimos o que significa algum apoio a jovens

realizadores recém-saídos da Escola Superior de Cinema, nos quais se deposita a

esperança de continuação e valorização da cinematografia nacional.

Autoria: Alcides Murtinheira

http://www1.uni-hamburg.de/clpic/tematicos/cinema/panorama.html

Realizadores Portugueses

Lauro António José Leitão de Barros João Botelho Augusto Cabrita Henrique Campos João Canijo Jorge Brum do Canto José Fonseca e Costa Pedro Costa Arthur Duarte Constantino Esteves Augusto Fraga Chianca de Garcia Fernando Garcia Eduardo Geada João Mário Grilo

Joaquim Leitão Fernando Lopes António de Macedo João César Monteiro José Nascimento Manoel de Oliveira Perdigão Queiroga António Reis António Lopes Ribeiro Luís Filipe Rocha Paulo Rocha Alberto Seixas Santos António da Cunha Telles António-Pedro Vasconcellos Leonel Vieira