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9º Seminário de Engenharia de Fundações Especiais e Geotecnia 3ª Feira da Indústria de Fundações e Geotecnia SEFE 9 – 4 a 6 de junho de 2019, São Paulo, Brasil ABEF 1 Recalque Admissível ou Fator de Segurança Frederico Fernando Falconi ZF & Engenheiros Associados S/S, São Paulo, Brasil, [email protected] Celso Nogueira Correa ZF & Engenheiros Associados S/S, São Paulo, Brasil, [email protected] Maíra da Silva Santos ZF & Engenheiros Associados S/S, São Paulo, Brasil, [email protected] RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados de duas provas de carga estáticas realizadas sobre perfis metálicos de seção decrescente com 48 e 60 m de profundidade na cidade de Santos - SP. O resultado da primeira prova de carga não obteve o fator de segurança 2 exigido pela norma. O perfil foi recravado e atingiu 60 m de profundidade. Nesta segunda prova de carga obteve-se fator de segurança superior a 2 em relação à carga de projeto/trabalho da estaca. Serão apresentadas as duas provas de carga e ao final as duas provas de carga superpostas, quando se poderá observar que não há diferença entre elas na carga de trabalho da estaca, ou seja, as curvas ficam muito próximas, com pouca diferença. O que se pretende discutir é a importância de se projetar no estado limite se serviço, quando são os recalques admissíveis os condicionantes de projeto, em vez de trabalhar no estado limite último e fator de segurança como preconizam as normas vigentes. PALAVRAS-CHAVE: Prova de Carga Estática, Estaca metálica de seção decrescente, estado limite último e estado limite de serviço, recalque admissível, fator de segurança. ABSTRACT: This paper presents the results of two static load tests in H-piles with 48 and 60 m depth in the city of Santos - SP. The results of the first test – 48 m long pile – did not reach the safety factor according to the Brazilian code. The second result, after re-driving the H-pile up to 60 m of depth, reached the safety factor: 2 times the admissible load of the pile. The load-settlement curves of both tests will be presented. Another graph will be presented, putting together the two curves, and it will be observed that there’s basically no difference between the curves until 1,5 times the admissible load of the piles. This paper wants to emphasize the importance of making a decision between pile design in terms of the safety factor given by the Brazilian codes, or in terms of the allowable settlement at the workload. This paper also shows that even though one of the piles didn’t reach the safety factor of 2, the behavior of the two piles is similar. KEYWORDS: Static Load Test, H-piles, Safety Factor of Piles, Allowable Settlements

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Recalque Admissível ou Fator de Segurança Frederico Fernando Falconi ZF & Engenheiros Associados S/S, São Paulo, Brasil, [email protected] Celso Nogueira Correa ZF & Engenheiros Associados S/S, São Paulo, Brasil, [email protected] Maíra da Silva Santos ZF & Engenheiros Associados S/S, São Paulo, Brasil, [email protected] RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados de duas provas de carga estáticas realizadas sobre perfis metálicos de seção decrescente com 48 e 60 m de profundidade na cidade de Santos - SP. O resultado da primeira prova de carga não obteve o fator de segurança 2 exigido pela norma. O perfil foi recravado e atingiu 60 m de profundidade. Nesta segunda prova de carga obteve-se fator de segurança superior a 2 em relação à carga de projeto/trabalho da estaca. Serão apresentadas as duas provas de carga e ao final as duas provas de carga superpostas, quando se poderá observar que não há diferença entre elas na carga de trabalho da estaca, ou seja, as curvas ficam muito próximas, com pouca diferença. O que se pretende discutir é a importância de se projetar no estado limite se serviço, quando são os recalques admissíveis os condicionantes de projeto, em vez de trabalhar no estado limite último e fator de segurança como preconizam as normas vigentes. PALAVRAS-CHAVE: Prova de Carga Estática, Estaca metálica de seção decrescente, estado limite último e estado limite de serviço, recalque admissível, fator de segurança. ABSTRACT: This paper presents the results of two static load tests in H-piles with 48 and 60 m depth in the city of Santos - SP. The results of the first test – 48 m long pile – did not reach the safety factor according to the Brazilian code. The second result, after re-driving the H-pile up to 60 m of depth, reached the safety factor: 2 times the admissible load of the pile. The load-settlement curves of both tests will be presented. Another graph will be presented, putting together the two curves, and it will be observed that there’s basically no difference between the curves until 1,5 times the admissible load of the piles. This paper wants to emphasize the importance of making a decision between pile design in terms of the safety factor given by the Brazilian codes, or in terms of the allowable settlement at the workload. This paper also shows that even though one of the piles didn’t reach the safety factor of 2, the behavior of the two piles is similar. KEYWORDS: Static Load Test, H-piles, Safety Factor of Piles, Allowable Settlements

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1 Introdução Em uma obra da cidade de Santos foram utilizados perfis metálicos de seção decrescente para a fundação da torre principal do edifício, conforme projeto a seguir:

Figura 1. Projeto de fundações da obra em questão.

2 Características das estacas e resultados dos ensaios A previsão de projeto para o comprimento das estacas, de acordo com os cálculos pelos métodos Décourt-Quaresma e Falconi-Perez mostrados a seguir, era de 48 m a partir da cota do subsolo.

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Figura 2. Cálculo de capacidade de carga pelo método Falconi-Perez.

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Figura 3. Cálculo de capacidade de carga pelos métodos de Décourt-Quaresma, Aoki-Velloso e Pedro Paulo

Veloso, com ênfase para o método de Décourt-Quaresma. O martelo hidráulico utilizado na obra é da marca MAIT, modelo de 7 tf, com as seguintes características: altura máxima de 1200 mm; pressão máxima de 300 bar; energia máxima por golpe de 840 kNm; massa de 7000 kg (peso RAM); e peso total de 12.300 kg.

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O conjunto de vibração utilizado na obra é constituído de três partes: o martelo vibratório, uma Clamp (pinça) e um Power Pack. O martelo, da marca ICE e modelo 1100 hkV, tem as seguintes características: momento excêntrico de 0 a 17,4 kgm; força centrífuga máxima de 2400 rpm; amplitude máxima de 16,8 mm; line-pull máximo de 240 kN; pressão de operação de 350 bar; e peso total, incluindo a Clamp e a carenagem, de 3700 kg. A Clamp, modelo 130TU, pesa 620 kg. O Power Pack, da marca ICE e modelo 600, tem as seguintes características: motor CAT; potência de 548 HP; pressão de trabalho de 350 bar; e peso de 7600 kg. A estaca foi cravada com o martelo vibratório até atingir os 48 m pretendidos e calculados. Após a instalação dos demais perfis de reação montou-se a prova de carga estática e executou-se o ensaio com carregamento misto e com o seguinte resultado:

Figura 4. Curva carga-recalque da prova de carga estática na estaca de 48 m de comprimento.

O resultado não atendia as expectativas, tampouco o fator de segurança mínimo exigido por norma, e retomou-se a cravação das estacas. Foram levantados mais 12 m de perfil W 250 x 80 kg/m e a estaca ensaiada foi recravada até 60 m de profundidade. Novamente foi realizada prova de carga estática com o seguinte resultado, bastante superior ao inicial:

Figura 5. Curva carga-recalque da prova de carga estática na estaca de 60 m de comprimento.

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3 Análise

Colocando-se as curvas das duas provas de carga estáticas em um mesmo gráfico, pode-se observar a boa aderência entre as duas curvas. Observa-se que até a carga de 200 tf, aproximadamente, os recalques medidos são muito próximos, podendo-se concluir que as duas estacas teriam comportamento idêntico na carga de trabalho, ou seja, doze metros a mais de estaca com custo maior e prazo de obra dilatado não conduziram a maior segurança e menor risco. Fellenius (2016, 2017, 2018) afirma, entre tantas outras coisas, que o projeto de um estaqueamento deve ser baseado em recalques que é o principal aspecto de um projeto. A capacidade de carga de uma estaca é irrelevante frente ao recalque. Afirma também que a máxima carga que pode ser utilizada em uma estaca é a carga máxima obtida em uma prova carga. Os métodos de cálculo de capacidade de carga indicaram resultados superiores ao resultado alcançado, mostrando que os resultados de métodos semi-empíricos têm que ser observados sempre com reserva e com cuidado. No último Cobramseg, foi grande a variação de resultados apresentados no concurso de capacidade de carga de estaca escavada com fluido no campo de provas de Araquari – SC. É lógico imaginar que o comprimento correto está situado entre 48 e 60 m, possivelmente 54 m, porém não se poderia correr o risco de novo mau resultado e mais atraso na obra, daí a opção de se cravar mais, mas este não é o ponto deste artigo. .

Figura 6: curvas carga-recalque dos dois ensaios em um mesmo gráfico.

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Para análise do efeito de grupo, foi feita simulação por meio de elementos finitos de uma estaca isolada, com recalque obtido na prova de carga. Ajustados os parâmetros do solo, foi analisado um grupo com 5 estacas. O recalque do grupo de estacas foi superior ao da estaca isolada, na ordem de duas vezes. No entanto, Gusmão, A (2019) em Recife, PE e Correa, C. e Falconi, F. (2019) em Santos, SP mostraram que não se observa o efeito de grupo em estacas metálicas longas – talvez por trabalharem essencialmente por atrito – em observações feitas em provas de carga estáticas e em monitoramento de recalques em edifícios altos.

Figura 7: Simulações de recalque por elementos finitos de estaca isolada e grupo de estacas.

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4 Conclusão

A conclusão mais simples e direta é que, ao incentivar a execução de provas de carga estática, a norma de fundações de 2010 possibilitou ampliar o conhecimento e o comportamento dos elementos de fundação profunda. Anteriormente a 2010, poucas ou quase nenhuma prova de carga era executada, devido a alegadas dificuldades financeiras e executivas. Atualmente as provas de carga estática fazem parte da definição do projeto ou mesmo da confirmação das hipóteses durante ou depois da execução das fundações. A capacidade de carga da estaca ou o fator de segurança não pode e não deve ser o que define a segurança de fundação, como mostram as provas de carga apresentadas. Para a mesma carga, os recalques são os mesmos, independente do fator de segurança alcançado em cada ensaio. É dada muita ênfase à carga de ruptura, sendo que o comportamento das estruturas é dado por recalques e deformações. As estruturas de concreto armado vêm sendo dimensionadas considerando-se os deslocamentos e as deformações e a ABNT-NBR 6122/2010 prevê esta possibilidade, que ainda não vem sendo utilizada pelos especialistas em fundações. A resposta deveria ser se a estrutura projetada suporta os recalques e deformações previstas, ou ainda quais são os recalques admissíveis para aquela estrutura, em vez de que o fator de segurança é duas vezes a carga de trabalho da estaca. Como procurou mostrar o artigo, dimensionar o elemento de fundação baseado apenas em fator de segurança pode levar a conclusões, no mínimo, duvidosas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação Brasileira de Normas Técnicas (2010). NBR 6122. Projeto e execução de fundações. Rio de

Janeiro.

Associação Brasileira de Normas Técnicas (2006). NBR 12131. Estacas - Prova de carga estática: método de ensaio. Rio de Janeiro.

Correa, C e Falconi, F (2019) Coeficiente de Reação Vertical obtido em instrumentação, Seminário de Fundações Especiais SEFE 9 , São Paulo.

Décourt, L.; Quaresma, A. R. (1978) Capacidade de carga de estacas a partir de valores de SPT. In: Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações - COBRAMSEG. 1978. p. 45-53.

Falconi, F. F.; Perez, W. (2008) Prova de carga estática instrumentada em estaca metálica de seção decrescente com a profundidade na Baixada Santista - análise de desempenho e critérios de dimensionamento. In: Congresso Luso-Brasileiro de Geotecnia, 3, Coimbra, 2008. v. 4, p. 147-154.

Fellenius, B. H. (2018) Basics of foundation design—a textbook. chapter 8 Pile Buck International, Inc., Vero Beach, FL, Electronic Edition, www.Fellenius.net, 484 p.

Fellenius, B. H. (2017) Best practice for performing static loading tests. Examples of test results with relevance to design. 3rd Bolivian International Conference on Deep Foundations, Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, April 27-29, Vol. 1, pp. 63-73.

Fellenius, B. H. (2016) Fallacies in piled foundation design. Geotechnics for Sustainable Infrastructure Development – Geotec Hanoi 2016, edited by Phung Duc Long, Hanoi, November 23-25, pp. 41-46.

Gusmão, A (2019) Prática de Fundações e Contenções em Edifícios Altos – Conferência Técnica de Fundações CTF 2019, Vitória – ES.