RECAPITULAÇÃO LIBERDADE, AINDA QUE TARDIA O FIM DO ... · Paulo Victorino RECAPITULAÇÃO...

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Paulo Victorino RECAPITULAÇÃO LIBERDADE, AINDA QUE TARDIA O FIM DO ESTADO NOVO O ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra e o chefe da EMFA, general Góis Monteiro são duas personalidades opostas que se encaixam e se completam. Eurico Dutra, um militar de espinha dorsal inflexível, é visto quase sempre fardado. Assume suas posições sobre um determinado assunto e, a partir daí, não arreda pé. Certo ou errado, tem uma só palavra, por isso é confiável, mas o problema é que tem dificuldade em falar e expor suas ideias. Ao contrário, Góis Monteiro de boa aparência, se apresenta de preferência em trajes civis, geralmente um terno de linho amassado e um chapéu panamá que lhe completa o figurino. Sua grande força está na fluência verbal, uma fala amistosa e atraente, capaz de conquistar amigos e iludir com suas palavras a mais desconfiada das criaturas. Só que Góis é de uma personalidade escorregadia e titubeante, mais o perfil de um político do que de um militar. Pois são essas duas personalidades opostas, que já haviam trabalhado juntas para tornar possível o golpe do Estado Novo, que agora se completam outra vez, mas com objetivo oposto, qual seja, derrubar o regime que ajudaram a criar em 1937. Dutra por convicção, Góis por oportunismo. Fatores externos contribuíram para a formação de um consenso entre civis e militares sobre a necessidade da abertura política. O Brasil estivera em guerra contra o fascismo e o nazismo desde 1942 e, em agosto de 1944, a Força Expedicionária Brasileira partira para a Itália, a fim de defender, na Itália, as democracias confiscadas dos países do velho mundo pelas ditaduras nazi- fascistas.

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Paulo Victorino

RECAPITULAÇÃO

LIBERDADE, AINDA QUE TARDIA

O FIM DO ESTADO NOVO

O ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra e o chefe da EMFA,

general Góis Monteiro são duas personalidades opostas que se

encaixam e se completam. Eurico Dutra, um militar de espinha

dorsal inflexível, é visto quase sempre fardado. Assume suas

posições sobre um determinado assunto e, a partir daí, não arreda

pé. Certo ou errado, tem uma só palavra, por isso é confiável, mas

o problema é que tem dificuldade em falar e expor suas ideias. Ao

contrário, Góis Monteiro de boa aparência, se apresenta de

preferência em trajes civis, geralmente “um terno de linho

amassado e um chapéu panamá que lhe completa o figurino.” Sua

grande força está na fluência verbal, uma fala amistosa e atraente,

capaz de conquistar amigos e iludir com suas palavras a mais

desconfiada das criaturas. Só que Góis é de uma personalidade

escorregadia e titubeante, mais o perfil de um político do que de

um militar. Pois são essas duas personalidades opostas, que já

haviam trabalhado juntas para tornar possível o golpe do Estado

Novo, que agora se completam outra vez, mas com objetivo oposto,

qual seja, derrubar o regime que ajudaram a criar em 1937. Dutra

por convicção, Góis por oportunismo.

Fatores externos contribuíram para a formação de um consenso entre civis e

militares sobre a necessidade da abertura política. O Brasil estivera em guerra

contra o fascismo e o nazismo desde 1942 e, em agosto de 1944, a Força

Expedicionária Brasileira partira para a Itália, a fim de defender, na Itália, as

democracias confiscadas dos países do velho mundo pelas ditaduras nazi-

fascistas.

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Cemitério de Pistoia, na Itália, onde ficaram sepultados os corpos de

pracinhas brasileiros (450 soldados, 13 oficiais e 8 pilotos da aviação),

mortos na defesa da pátria. Os moradores do vilarejo o chamavam de

Cemitério Brasileiro de San Rocco (São Roque)

Lutando pela democracia, centenas de pracinhas morreram longe de sua

pátria e, os que voltaram, trouxeram dos campos de batalha sequelas, no corpo

ou na alma, que os acompanhariam pelo resto de suas vidas. Tudo para, de volta

ao Brasil, encontrar aqui, ainda em pleno funcionamento, uma ditadura igual

àquelas que foram combater lá fora.

O impacto provocado por essa disparidade, que foi grande entre os es-

pracinhas que tiraram a farda e voltaram à atividade civil, maior ainda o foi para

os oficiais, que permaneceram na caserna, vendo-se obrigados, muito a

contragosto, a dar uma retaguarda à ditadura do Estado Novo.

Assim, era natural que os militares, tal como os civis, se engajassem na luta

pela restauração das liberdades no país, dando ao Brasil condições de participar

da Conferência de Paz, de cabeça erguida, par a par com as demais

democracias ocidentais.

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A trilha aberta pelos

democratas

Já no início dos anos quarenta, Getúlio Vargas, com o apoio de seu ministro

das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, incentivara a criação da UNE - União

Nacional de Estudantes, na qual esperava introduzir pelegos, como o fizera

nos sindicatos, de maneira a controlar a atividade estudantil. O tiro saiu pela

culatra, pois a UNE, desde cedo, manifestou o espírito rebelde da juventude,

disposta sempre a reformar o mundo, aqui e agora, sem perda de tempo.

Com o afundamento dos primeiros navios mercantes brasileiros, feito por

submarinos alemães, em 1942, começaram a surgir manifestações pela entrada

do Brasil na guerra contra o nazi-fascismo, as quais desaguavam, quase sempre,

no protesto contra o fascismo de Getúlio Vargas.

Dentro desse contexto, no Rio de Janeiro, a UNE promoveu uma grande

passeata de estudantes, cuja guerra era o assunto menor. O tema que dominou

as manifestações foi o combate ao totalitarismo do Estado Novo no Brasil. O

chefe de Polícia, Filinto Müller tentou, sem sucesso, dissolver a passeata.

Fracassando em sua missão, foi afastado da Chefatura de Polícia.

Outros protestos semelhantes aconteceram por todo o país, pondo em xeque

a capacidade do governo em continuar contendo as manifestações de massa

contrárias à ditadura.

Manifesto dos Mineiros

Em 1943, surgiram pronunciamentos de vários setores da vida nacional. A

Ordem de Advogados do Brasil, por exemplo, protestou contra as

arbitrariedades que vinham sendo praticadas por alguns setores do governo.

No mesmo ano, foi lançado o Manifesto dos Mineiros, assinado sobretudo

por banqueiros de Minas Gerais, com data de 2 de novembro de 1943 (Dia de

Finados). Nesse documento, os signatários louvavam a coragem dos homens

que fizeram a revolução em 1930, mas lastimavam que muitos dos vícios da

República Velha (1889-1930) acabaram sendo incorporados à Segunda

República (1930-1945), com um governo personalista, cima para baixo,

impedindo a nação brasileira de participar na formação de seu próprio destino.

Em certo ponto, diz o documento:

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"Não foi esse o espírito de vida que aspiramos no passado e

não é o que almejamos no futuro. A prosperidade nos negócios, o

êxito nas atividades profissionais, a riqueza, o conforto, o gozo de

tranquilidade fácil todos os dias, mesmo que existissem, não

esgotariam as nossas aspirações, nem resumiriam a nossa

concepção do destino humano."

A distribuição do manifesto foi realizada em segredo, chegando a vários

setores de liderança da vida nacional, mas todo cuidado não impediu a reação

do governo central, punindo severamente os signatários.

O Banco Hipotecário, de que Pedro Aleixo e Afonso Pena eram diretores, foi

encampado pelo valor nominal das ações, com sérios prejuízos aos acionistas,

já que o valor patrimonial era bem mais elevado.

José de Magalhães Pinto teve de demitir-se do Banco da Lavoura, para evitar

que este sofresse o mesmo tipo de intervenção.

Virgílio de Melo Franco foi exonerado do Banco Alemão Transatlântico.

Adauto Lúcio Cardoso foi aposentado compulsoriamente no Lóide Brasileiro,

única empresa de navegação marítima nacional. E assim por diante.

Ironicamente, o maior divulgador do Manifesto foi o próprio governo federal,

pois se a censura, de um lado, tinha poder para vetar a publicação do

documento, de outro lado, não era possível evitar a notícia destes

acontecimentos, já que se tratava de atos de governo, publicados no Diário

Oficial, não podendo ser rotulados de subversivos.

O Manifesto dos Mineiros, pois, graças à reação do Estado Novo, ganhou

uma notoriedade bem maior que a prevista inicialmente. Custou muito aos

signatários, mas, depois da reação oficial, não era mais possível tapar o sol com

uma peneira, cuja malha se tornava cada vez mais ampla, deixando passar com

energia os raios prenunciadores de uma liberdade não muito distante.

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Vencida a força

da inércia

O ano de 1944 prossegue com contínua efervescência, mas a atenção maior

está voltada para a Força Expedicionária Brasileira, que parte para a Itália, a

partir de agosto, onde vai participar da guerra ao lado da 5ª Divisão americana.

Em 1945, o aparentemente indestrutível dique autoritário, obra da engenharia

do Estado Novo, começa a rachar, gerando por todos os lados a vazão

incontrolável da vontade das elites pelo retorno à democracia.

Dizemos das elites porque, excetuando-se ação da UNE, não há qualquer

movimentação popular pela queda de Getúlio e o retorno à normalidade, muito

ao contrário, o Estado Novo tinha pleno controle das atividades sindicais e do

operariado.

Em 27 de janeiro, publica-se a Declaração de Princípio dos Escritores;

depois, o Manifesto dos Jornalistas, em 10 de março; no dia seguinte, o

Manifesto dos Artistas Plásticos.

A imprensa oposicionista, ainda sob o regime de censura, não mais se cala e

passa a noticiar os fatos, comentando-os com inusitada ousadia.

A polícia, encarregada de conter esses abusos, evita agir contra todos os

jornais de oposição, para não provocar uma repercussão maior, principalmente

junto às embaixadas estrangeiras sediadas no Rio de Janeiro, que

acompanhavam com atenção a evolução dos acontecimentos, de tudo

informando aos seus respectivos governos.

Entre março e abril, a UNE, juntando-se a dezenas de outras entidades

estudantis, promove a Semana Pró-Anistia e realiza um grande comício no Rio

de Janeiro.

A força da inércia estava vencida e a campanha pela redemocratização

caminhava com motivação própria, à revelia do Estado Novo e de suas leis de

arrocho.

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A entrevista de José Américo

Foi ainda pelo mês de março de 1945 que o jornalista Carlos Lacerda

procurou José Américo, convencendo-o a dar uma entrevista para o Diário

Carioca, na qual aquele político, líder de proa na revolução de 1930, contesta a

legitimidade do Novo Regime. O jornal não a publicou de imediato, achando não

ser aquele o momento oportuno.

José Américo procurou, então, outros órgãos de imprensa, propondo uma

divulgação simultânea, o que dificultaria uma eventual punição. O assunto

transpirou e a ideia teve de ser arquivada, para a satisfação do chefe de Polícia,

Benjamim Vargas, que acreditava ter dominado a insubordinação apenas com o

ar de sua presença.

Ledo engano. Apenas vinham sendo tomadas medidas de precaução para

garantirem-se contra qualquer represália. Como a importação de papel dependia

de autorização do governo, tratou-se de criar um estoque, o suficiente para poder

enfrentar os dias de retranca que, por certo, viriam.

Então, um dia, inesperadamente, foi o Correio da Manhã, e não o Diário

Carioca, que apareceu nas bancas trazendo a controvertida entrevista de José

Américo. A edição esgotou-se antes que pudesse ser apreendida pela polícia. E,

sinal dos tempos, não houve repressão ostensiva ao jornal.

Os movimentos

conspiratórios

Nesse meio tempo, três movimentos conspiratórios se desenvolviam, cada

um com motivação diferente, mas todos caminhando irreversivelmente para a

mudança do regime.

O primeiro tinha como moto o próprio presidente Getúlio Vargas, cercado por

alguns amigos que lhe eram realmente fiéis.

Lembremos que outros amigos, outrora íntimos do ditador, como Osvaldo

Aranha e Virgílio de Melo Franco já haviam bandeado para a oposição. Até o

jurista Francisco Pinto, autor da Constituição do Estado Novo, ora vigente,

havia abandonado o chefe.

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Mas Getúlio ainda contava, por exemplo, com o interventor de Minas Gerais,

Otávio Mangabeira, com o interventor de Pernambuco, Agamenon Magalhães e

com alguns militares da alta oficialidade.

Uniu-se também aos pelegos sindicais e conseguiu que fossem realizadas

manifestações de rua pela nova constituição, usando o slogan Constituinte com

Getúlio. Era mais do mesmo, ou o continuismo no governo.

No extremo oposto, se achavam os que se opunham a Getúlio pelas mais

diversas razões: antifascistas, socialistas, comunistas não ligados a Prestes, ou

líderes que, por qualquer outra razão, desejavam ver Getúlio fora do poder.

Estes pediam a imediata renúncia do ditador, exigindo a entrega do poder,

sem demora, ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Estavam reunidos em

uma frente partidária ampla, a União Democrática Nacional (UDN) e usavam

como mote a frase Constituinte com o STF.

A terceira corrente era formada pela alta oficialidade das Forças Armadas e

tinha como mentores nada menos que o ministro da Guerra, general Eurico

Gaspar Dutra, e seu fiel escudeiro, Pedro Aurélio de Góis Monteiro.

Góis, a pretexto de solidarizar-se com o ministro demissionário Osvaldo

Aranha, renunciou igualmente a uma função oficial no Uruguai e voltou ao Rio

de Janeiro, a tempo de ser recebido com tapete vermelho, banda de música e a

presença dos mais altos oficiais das Forças Armadas, entre eles, o próprio

ministro da Guerra.

Simbiose entre

Dutra e Góis

Quem quer que se ponha a estudar a história da Segunda República (1930-

1945), ficará impressionado com a perfeita simbiose entre Eurico Gaspar Dutra

e Góis Monteiro. São dois temperamentos e personalidades totalmente distintos,

mas que se somam e se completam, formando uma unidade monolítica.

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Dutra e Góis se conheciam desde a infância e mantinham uma amizade que

já durava mais de quarenta anos. Góis atingiu o generalato após a revolução de

1930, de que foi comandante na patente de tenente-coronel. Dutra tornou-se

general após a revolução de 1932 quando, à frente das tropas legalistas na divisa

Minas-São Paulo, impediu o avanço dos soldados constitucionalistas através de

Minas Gerais.

Quando Góis era ministro da Guerra, em 1935, Dutra comandava a aviação

militar. Góis renunciou, sendo substituído pelo general João Gomes Ribeiro

Filho. No mesmo instante, Dutra assume o comando da 1ª Região Militar, onde

combate a Intentona Comunista de 27 de novembro. Pouco depois é nomeado

Ministro da Guerra, em substituição a João Gomes.

Com Dutra no Ministério da Guerra, Góis Monteiro se reaproxima do governo.

Estava formada a dupla. Em 9 de agosto de 1945, Dutra, candidato às

prometidas mas não confirmadas eleições, deixou o ministério, assumindo em

seu lugar Góis Monteiro. Ambos continuavam agindo em pleno acordo.

Dutra era um militar de espinha dorsal inflexível. Andava quase sempre

fardado. Assumia suas posições sobre um determinado assunto e, a partir daí,

não arredava pé. Por fidelidade ao governo de Washington Luís, combateu a

Revolução de 1930. Por fidelidade ao governo Getúlio Vargas, combateu a

Revolução Constitucionalista de 1932 e, depois, com o mesmo espírito

movimentou suas tropas para liquidar a Intentona Comunista, em 1935.

Tinha uma só palavra, era confiável, mas o problema é que não conseguia

colocar suas ideias. Sentia enormes dificuldades para se expressar, gaguejava

quando precisava falar de improviso e, a duras penas, expunha seus

pensamentos nos despachos com o Presidente, ou no contato com seus

subordinados.

Góis era o avesso de tudo isso. Bem aparentado, andava quase sempre em

trajes civis, geralmente um terno de linho amassado e um chapéu panamá que

lhe completava o figurino, conforme a descrição de Alzira Vargas. Tinha plena

fluência verbal, uma fala amistosa e atraente, capaz de conquistar amigos e iludir

com suas palavras a mais desconfiada das criaturas.

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Mas a personalidade de Góis era titubeante e escorregadia. Nunca se sabia

o que de fato passava pela sua cabeça, nem os planos, por vezes diabólicos,

que se escondiam por trás de suas cativantes mensagens.

Eram, pois, duas metades que se completavam, formando um bloco sólido e

arrasador. Sozinhos, a ação era dificultada pelas limitações de cada um. Juntos,

todas os limites eram ampliados até o infinito.

Nesta conspiração, vamos encontrá-los, uma vez mais, juntos. Ambos

perseguiam um objetivo muito bem identificado, que era o da redemocratização

do país sem mais demora, com o fim da Era Vargas. Se possível, por bem. Se

necessário, pela força.

A Sociedade dos

Amigos da América

Mostrado o cenário e apresentados os principais personagens, vamos à peça,

desde o princípio.

Osvaldo Aranha, que era nosso embaixador nos Estados Unidos, retorna ao

Brasil e assume o Ministério das Relações Exteriores. Pela mesma época, Pedro

Aurélio de Góis Monteiro é nomeado representante do Brasil no Comité de

Emergência e Defesa Política da América, com sede no Uruguai.

No final de 1942, o general Manuel Rabelo (que foi interventor em São Paulo

no atribulado ano de 1932) fundou a Sociedade dos Amigos da América, a

qual pretendia exaltar vultos históricos que contribuíram para a independência

dos países latino-americanos, entre eles, o próprio Patriarca da Independência,

José Bonifácio.

Cumprindo determinações legais, foi obtida permissão do chefe de Polícia,

coronel Alcides Etchegoyen, para funcionamento. Rabelo tornou-se Presidente

da entidade, ficando o chanceler Osvaldo Aranha como vice. A iniciativa contou

com a simpatia, para não dizer apoio ostensivo de vários embaixadores, entre

eles, Jefferson Caffery, da Embaixada americana.

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Passado algum tempo, na Chefatura de Polícia, sai Etchegoyen e entra

Coriolano de Góis. Com este, em 11 de agosto de 1944, a sede da Sociedade

foi, inopinadamente, invadida e fechada, sem que houvesse um motivo sério

para isso.

Como seus participantes, desafiando a ordem policial, resolveram levar a

efeito um almoço no salão de festas do Automóvel Clube, a polícia agiu com

maior rigor, esvaziando o local e fechando também a Associação.

Osvaldo Aranha, que era vice-Presidente da entidade, demite-se do

Ministério de Relações Exteriores, rompendo com o governo.

Muito embora a Sociedade dos Amigos da América tenha recebido

autorização para reabrir, em 5 de abril de 1945, as relações entre Aranha e

Getúlio ficaram estremecidas por longos anos, privando o ditador de seu melhor

amigo e conselheiro, justamente quando mais precisava dele.

Góis Monteiro de

volta ao Brasil

Góis Monteiro, já sabemos, estava em missão oficial no Uruguai. Ao ser

comunicado por Osvaldo Aranha sobre os últimos acontecimentos, demite-se e

volta ao Brasil, passando primeiro por São Paulo e seguindo depois ao Rio de

Janeiro, onde é recebido com uma pompa inusitada. É ele mesmo quem conta:

"Ao desembarcar na ‘gare’ Pedro II, tive a surpresa de uma

recepção festiva, fato raro no transcurso de minha vida. Todos os

generais de serviço no Rio de Janeiro, à frente do Ministério da

Guerra, estavam presentes, em uniforme militar, banda de música,

guarda de honra, etc. Não deixei de ficar sensibilizado, mas pude

logo compreender que ainda esperavam de mim alguma atuação

no cenário nacional."

A chegada de Góis ao Rio de Janeiro coincidiu com um almoço no Iate Clube

em homenagem ao ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, contando

com a presença maciça dos generais em atividade no Distrito Federal.

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A ele compareceu Góis Monteiro, como convidado especial. Quebrando o

protocolo, o ministro Eurico Gaspar Dutra foi saudado, não pelo chefe do EMFA,

mas pelo general Cristóvão Barcelos, o mesmo que, dez anos antes, havia sido

o pivô da querela em torno das eleições no Rio de Janeiro, quase provocando

uma guerra civil naquele Estado. A estranheza foi maior, porque o orador não só

era adversário do Presidente, como também do próprio Ministro, ao qual saudava

naquele momento.

Góis e Dutra juntos

outra vez

Em encontro informal, já que Góis Monteiro não exercia naquele momento

qualquer cargo de governo, o ministro da Guerra relata a ele a evolução dos

acontecimentos no Brasil e lhe pede que interceda junto a Vargas para a

convocação de uma Assembleia Constituinte.

Acentuou que, ao clamor da sociedade civil, se opunha a atitude do

Presidente, que caiu num mutismo total, deixando sua equipe desorientada, por

não saber quais eram suas reais intenções, se pretendia a abertura, em que grau

essa abertura se daria, se ele seria candidato a uma reeleição, ou se indicaria

outro pretendente. Essa falta de informações em nada ajudava uma transição

pacífica do regime.

Góis tinha mesmo um pretexto para aparecer no Palácio, pois pretendia

justificar seu pedido de demissão e abandono da missão no Uruguai. Esse era o

momento para levantar o assunto e manifestar seus pontos de vista.

Aliás, Getúlio apreciava a fluência e a clareza de raciocínio do general e não

se furtava à troca de ideias com ele, permitindo sempre uma conversa franca,

ainda que, ao final, Getúlio fizesse aquilo que tinha em mente, sem influências

externas.

A outra face da conspiração

Realmente, em audiência com Getúlio, dias após, Góis Monteiro comentou o

almoço do Iate Clube e transmitiu-lhe suas apreensões sobre o ânimo nos altos

escalões do Exército, aconselhando-o a se antecipar aos acontecimentos,

convocando uma Assembleia Nacional Constituinte.

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Nem era preciso o palpite de Góis. O Presidente, velha raposa política, já

sentira de há muito a mudança de ares e tinha dado mais um avanço em sua

estratégia para conservar-se no poder.

Com a saída de Francisco Campos do Ministério da Justiça, essa pasta foi

entregue interinamente ao ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes

Machado Filho, incumbido também de preparar um anteprojeto de Constituição.

Não que Getúlio pretendesse realmente convocar uma Assembleia

Constituinte, pelo contrário, seus planos contemplavam uma constituição

novamente outorgada por ele, como a de 1937, que mudasse o regime, mas

sem os inconvenientes de um parlamento a lhe obstar os passos e dificultar a

administração do país.

A escolha do ministro do Trabalho se fez sob medida e estava dentro do

figurino, pois era intenção do ditador fazer renascer os planos do integralista

Plínio Salgado, ora no exílio, o qual preconizava o país governado por um

homem forte, com o apoio de um Congresso eleito por sindicalistas e não por

um eleitorado de universo mais amplo. Aliás, Juan Domingo Peron acabara de

implantar algo semelhante na Argentina, com o mais absoluto sucesso.

Assim, colocando Marcondes Filho como interino no Ministério da Justiça, o

anteprojeto poderia ser desenvolvido sem despertar suspeitas, por se tratar de

assunto ligado a esta Pasta.

Paralelamente, ia tomando medidas de distensão política, para deixar patente

sua boa-fé no processo de redemocratização.

Os avanços registrados

Marcando intenção governamental de liberar o regime, em 15 de março de

1945, é criada uma comissão para elaborar a legislação eleitoral. No que tange

à anistia, Getúlio declarou que o assunto, por envolver vários problemas

correlatos, não seria objeto de estudo agora, ficando para o Congresso a ser

eleito oportunamente. Era uma tentativa de protelação.

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Todavia, o Supremo Tribunal Federal, em 11 de abril de 1945, assegurou

aos exilados políticos o direito de retornarem ao país, abrindo uma brecha para

reivindicações em favor dos que se achavam encarcerados aqui dentro, também

por motivos políticos.

Assim, em 18 de abril de 1945, o Presidente assina o Decreto-lei 7.474, que

concede anistia aos presos políticos. Com esses dois acontecimentos, voltam à

atividade velhos adversários do Estado Novo, reforçando ainda mais a ideia da

convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Apenas causou estranheza o apoio que os comunistas de carteirinha,

comandados por Luís Carlos Prestes, emprestaram ao governo Vargas, após

serem libertados os seus líderes. Eram todos eles remanescentes da Intentona

de 1935, que pretendia derrubar Getúlio. e agora estavam ao seu lado, sob o

pretexto de defender a causa operária.

Nunca se soube ao certo, mas comentários surgiram sobre um acordo entre

Prestes e o Estado Novo, em que o líder comunista evitaria hostilizar o governo

e, em troca, este permitiria a legalização do partido para concorrer às eleições,

o que, de fato, acabou acontecendo.

Pressionado, Getúlio Vargas finalmente convoca eleições, fixando a data de

2 de dezembro de 1945 para a escolha do Presidente e Congressistas, bem

como o dia 6 de maio de 1946 para as eleições estaduais.

Não satisfez os anseios políticos e, assim, recuou uma vez mais,

transformando o dia 2 de dezembro em eleições gerais, para Presidente,

Congresso, Governadores e Assembleias Legislativas. Ficavam de fora apenas

os pleitos para prefeito e vereadores, que aconteceriam em 1947.

Por fim, para acalmar descontentes, traz Agamenon Magalhães para o Rio

de Janeiro, nomeando-o Ministro da Justiça, com o que Marcondes Filho passa

a cuidar apenas da pasta do Trabalho. Isso acaba com os atritos entre o Ministro

e a dupla Dutra-Góis Monteiro, facilitando assim a aproximação do governo com

os militares.

- 018 -

Tendo Agamenon à frente da Pasta, foi redigido o Ato Adicional nº 9 (em

realidade tratava-se uma emenda à Constituição mas as modificações eram

tantas que a imprensa denominou-a como Ato Adicional, ou Lei Constitucional,

e assim era ela referida no noticiário).

A volta dos partidos

políticos

Com a fixação da data para as eleições, a edição do Ato Adicional e a

publicação da legislação eleitoral, iniciou-se a formação dos partidos políticos,

que, por dispositivo da lei, precisavam ter âmbito nacional, sendo vedada a

formação de agremiações estaduais, como acontecia na Primeira República.

Assim, juntaram-se os remanescentes dos vários partidos republicanos

estaduais da República Velha, representando a mais genuína expressão

conservadora no país.

Com esses velhos caciques da Primeira República, fundou-se o PSD –

Partido Social Democrático. Era um bloco heterogêneo, em que as correntes

estaduais se mantinham vivas e atuantes e, por isso, tornou-se comum a

referência ao PSD gaúcho, ou PSD paulista, ou PSD mineiro, revelando as

tendências políticas de cada bloco. Getúlio foi eleito presidente de honra do PSD.

- 019 -

Como o PSD trazia de volta as oligarquias, sendo, pois, incompatível com as

massas populares das grandes cidades, tornava-se necessária outra

organização voltada para o trabalhismo, não um partido de trabalhadores, mas

um partido para trabalhadores, que pudesse atuar junto a eles e exercer-lhes

domínio. Surgiu, assim, o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, do qual o

ditador tornou-se, também, presidente de honra.

Por fim, os adversários de Vargas, de todas as tendências políticas e com as

mais variadas motivações, reuniram-se em torno de uma frente única, a UDN –

União Democrática Nacional.

A UDN saiu adiante de todos, lançando a candidatura do brigadeiro Eduardo

Gomes à presidência da República. O PSD e o PTB permaneceram em

compasso de espera, aguardando uma definição de Getúlio que, ao fim, optou

pelo nome de seu ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, enquanto

nos bastidores jogava sua última cartada para embaralhar o processo, como o

fizera em 1937.

De menor repercussão, o Partido Comunista Brasileiro, outra vez na

legalidade, lança o nome do engenheiro Yedo Fiuza, totalmente desconhecido

do grande público, não querendo jogar a sorte com seu maior trunfo, o legendário

Prestes. Surgiu também o Partido Agrário, com o nome de Rolim Teles, que

não disse a que veio.

A campanha eleitoral

- 020 -

Após longos anos, a população viu, novamente, a movimentação das ruas,

com passeatas e comícios políticos, aos quais o povo acorria com grande

entusiasmo, embora a presença curiosa a essas manifestações não

representasse necessariamente uma intenção de voto neste ou naquele

candidato.

Quem tem maior facilidade de comunicação é o brigadeiro Eduardo Gomes,

o último representante da Revolta do Forte, em 1922. Dos quatro tenentes que

participaram da marcha dos Dezoito do Forte, Carpenter e Newton Prado

morreram naquele confronto; Siqueira Campos sobreviveu até 1930, quando

morreu, vitimado por um desastre aéreo.

Eduardo Gomes ressurge agora como um símbolo de união entre o eleitorado

de hoje e os movimentos tenentistas dos anos vinte.

A experiência veio mostrar que essa candidatura tinha livre acesso à classe

média, mas era enorme a sua dificuldade em repercutir nas camadas mais

humildes.

O trabalhismo voltava-se para Getúlio Vargas e, na sua ausência, para a

candidatura do general Eurico Gaspar Dutra. A população rural permanecia sob

a influência dos coronéis do sertão, que ressurgiam com o Partido Social

Democrático, voltado igualmente para o candidato oficial, Eurico Dutra.

Assim, pois, o espaço deixado à União Democrática Nacional e ao seu

candidato, Brigadeiro Eduardo Gomes, era muito pequeno.

A campanha eleitoral ficou polarizada entre as duas candidaturas militares e,

confrontando Eduardo Gomes com Eurico Gaspar Dutra, este último ganhava

terreno na disputa.

Ao lado dos dois, por fora da raia, corria o presidente Getúlio Vargas, tentando

uma última cartada para permanecer no poder. A sorte sempre estivera de seu

lado e, pensava ele, não o abandonaria desta vez.

- 021 -

O golpe que falhou

Em outubro de 1945, era ministro da Guerra Góis Monteiro, em substituição

a Eurico Gaspar Dutra, que se desincompatibilizou do cargo para assumir a

candidatura à presidência da República. Na Chefatura de Polícia, estava João

Alberto, revolucionário de 1930 e pivô da revolução de 1932.

Góis não confiava no ditador do Estado Novo e, por experiência, tinha

convicção de que, por trás da abertura política, se escondia uma conspiração

para garantir a permanência de Vargas no poder. A presença de João Alberto na

Chefatura de Polícia era uma garantia da ordem e os dois (Góis Monteiro e João

Alberto) tinham entre si um compromisso pessoal de trocar informações,

permitindo detectar qualquer tentativa de minar o caminho rumo às eleições.

No dia 29 de outubro de 1945, uma segunda-feira, logo pela manhã, João

Alberto telefona a Góis Monteiro e lhe pede que, de caminho ao Ministério, o

apanhe à porta de sua casa, pois necessita falar-lhe urgentemente.

No automóvel, João Alberto revela ao ministro que estava sendo substituído

na Chefatura de Polícia, pois o Presidente desejava nomeá-lo Prefeito do Distrito

Federal, em substituição a Henrique Dodsworth.

Tal substituição contrariava toda a lógica, pois João Alberto desempenhava

satisfatoriamente suas funções na polícia e Dodsworth vinha sendo um dos

melhores prefeitos que o Rio de Janeiro já teve, tanto que se achava no cargo

desde a implantação do Estado Novo. Era um nome que Getúlio buscara na

oposição e que merecia sua confiança.

A informação que se seguiu, completou o quebra-cabeças. Para o lugar de

João Alberto, na Chefatura de Polícia, estava sendo nomeado Benjamim

Vargas, o irmão do presidente da República.

Era o sinal esperado. Reforçando posições estratégicas, o Presidente se

preparava para um novo golpe de Estado, e Góis bem o sabia, partícipe que fora

do golpe de 1937.

- 022 -

Os acontecimentos

se precipitam

Ao chegar ao gabinete, lá pelas oito horas da manhã, o ministro da Guerra,

Góis Monteiro, pôs em marcha todo um plano de defesa já traçado e debatido

com os chefes de comando. Primeiro, preparou uma carta, demitindo-se do

cargo. Essa carta jamais foi entregue, mas era a primeira providência para

começar as articulações contra o governo, que não poderiam ser feitas ocupando

oficialmente o Ministério.

Em seguida, ordenou que fossem remetidos telegramas criptografados a

todos os comandantes de Regiões Militares, avisando-os de que deveriam pôr

em vigor a Diretiva nº 1 que era um plano, previamente traçado, para garantir a

ordem, quando esta fosse ameaçada pela subversão.

Ao comandante da 1ª Região Militar, sediada no Rio de Janeiro, as instruções

foram mais específicas. Deveria ele estabelecer regime de prontidão e, em

coordenação com as outras duas forças, a Marinha e a Aeronáutica, assumir o

controle da Polícia Militar, da Light (serviços de força e luz), dos Correios e

Telégrafos, das vias férreas e de todos os setores estratégicos à segurança.

Pela manhã, Dutra foi chamado ao Ministério e, ciente das medidas tomadas,

colocou-se à disposição, dirigindo-se às unidades militares de São Cristóvão, em

companhia do general Canrobert Pereira da Costa, para ultimar outras

providências.

O segundo candidato à presidência, Brigadeiro Eduardo Gomes, também

foi chamado ao Ministério da Guerra, só podendo comparecer no período da

tarde, já que não tinha sido localizado antes. E é claro, interessava também a

ele cortar os passos de Getúlio, garantindo as eleições.

O desfecho

Foi à tarde que o clima se tornou mais tenso no Ministério, com a presença

de várias personalidades civis e militares, tentando colocar-se a par das

ocorrências para tomar uma posição.

- 023 -

Entre os visitantes, se achava Benjamim Vargas, a pretexto de comunicar ao

Ministro da Guerra, Góis Monteiro, que acabara de assumir a Chefatura de

Polícia, colocando-se à sua disposição.

Porém, ao tomar conhecimento dos fatos, retirou-se precipitadamente,

seguindo para o Palácio Guanabara, residência oficial do presidente da

República. E o fez bem a tempo, pois, logo em seguida, as tropas do Exército

começaram a fechar as ruas que davam acesso ao prédio.

Tentando retomar o controle da situação, o presidente Vargas, por intermédio

do general Firmino Freire, convida Dutra e Góis para uma conversa no palácio,

o primeiro às 19 horas e o segundo às 21 horas. Somente Dutra compareceu,

em companhia do general Osvaldo Cordeiro de Farias, que fora comandante

do 2º escalão da FEB na Segunda Guerra.

Cordeiro, agora chefe do Estado Maior das Forças Armadas, tinha a missão

de levar a Vargas a mensagem do general Góis Monteiro, pedindo ao Presidente

que tomasse a iniciativa de renunciar ao governo, em troca de garantias de vida

e segurança a ele e sua família. Exerceu sua tarefa no estrito cumprimento do

dever, pois era amigo do Presidente e, pessoalmente, estava solidário com ele.

À noite, a situação no Palácio Guanabara era caótica. Todas as

comunicações estavam cortadas, o edifício ficara sem luz e sem água e os

serviçais se retiravam em paz, enquanto os jardins à volta do prédio começavam

a ser ocupados pelas tropas.

Aproximadamente às nove horas da noite de 29 de outubro de 1945, o

presidente da República renuncia. Horas depois, o presidente do Supremo

Tribunal Federal, José Linhares, comparece ao Ministério da Guerra e é

investido, oficiosamente no cargo de presidente da República.

Às 14 horas do dia 30 de outubro de 1945, em cerimônia oficial, José

Linhares torna-se, em efetivo, Presidente do Brasil, com a incumbência de

garantir as eleições gerais, marcadas para o dia 2 de dezembro.

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Considerações

finais

Sobre o general Cordeiro de Farias, uma nota digna de registro. Após a

renúncia do Presidente, o general voltou à sede do Ministério da Guerra e atuou

incansavelmente na comunicação social, atendendo jornalistas e políticos, e

dando a cobertura de retaguarda, enquanto o Ministro da Guerra consolidava a

operação de rescaldo.

Amizades à parte, embora getulista e leal ao presidente deposto, Cordeiro

não se recusou ao cumprimento do dever. Registre-se, também, em favor do

general Góis Monteiro, que sua serenidade em face dos acontecimentos evitou

qualquer tipo de abusos, tão comuns nesses momentos de instabilidade.

Pessoalmente, e com sua autoridade, Góis deu ao ex-presidente todas as

garantias que Vargas sempre recusou aos seus adversários, vítimas de foram

de prisão, perda de direitos políticos e exílio.

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Neste momento, Getúlio Vargas apenas pediu um prazo de 48 horas para

retirar-se do palácio, o que lhe foi concedido. Ele e sua família saíram em paz e

segurança. Contrariando o desejo de muitos militares da linha dura, ninguém foi

exilado, nenhum mandato foi cassado e o próprio Getúlio candidatou-se às

eleições como senador e deputado, saindo vitorioso e permanecendo na vida

pública.

As eleições de 2 de dezembro de 1945 foram realizadas com plenas

garantias, não ocorrendo maiores incidentes que não ser aqueles comuns de

toda eleição. Após 15 anos ininterruptos de Getúlio no poder, termina a Segunda

República.

O presidente interino, José Linhares, exerceu, sem embaraço, o seu cargo,

com pleno controle do governo, que transferiu, no devido tempo, ao novo

Presidente, escolhido pelas urnas.

Em toda a História da República, desde sua proclamação, nenhuma

transição se fez com tamanha tranquilidade e segurança, contrariando boatos e

afastando todos temores de interferências indevidas na vontade da Nação. Dava

a impressão de que o Brasil havia, finalmente, alcançado sua maturidade

política. Mas o futuro se encarregaria de mostrar que não era bem assim.

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