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    __________________________________________________________________________________________116Entretextos, Londrina, v.14, n.2, p. 116 - 139, jul./ dez. 2014

    O processo de recategorizao no gnero charge:um estudo luz da perspectiva sociocognitiva

    The process of recategorization in charge genre: a studyin

    the light of socio-cognitive perspective

    Jorgelene de Sousa Lima*

    RESUMO: Este trabalho se alia postura sociocognitiva assumida por grande partedos estudiosos filiados rea da Lingustica de Texto e objetiva investigar a construode sentido no gnero charge via processo de recategorizao, cuja configurao podeconjugar a linguagem verbal e a no verbal. Focalizamos a construo dos referentes,assumindo o fundamento de que estes nem sempre so homologados por expressesreferenciais explcitas na superfcie textual. Para a efetivao deste estudo, realizamospesquisa de natureza qualitativa e descritiva dos dados, a partir de um corpusconstitudo por charges, selecionadas de jornais de grande circulao de Teresina/PI eproduzidas no perodo de 2010 a 2012. Os fundamentos tericos deste estudo estoconcentrados em autores como: Koch e Cunha-Lima (2007), Mondada e Dubois(2003), Lima (2009) e Kress e Van Leeuwen (1996), dentre outros. Os resultadossugerem que as diversas semioses que envolvem a configurao das charges,funcionam de modo semelhante s expresses referenciais e que as funes darecategorizao dependem do propsito da charge, mas esto sempre licenciadaspelas metforas ou metonmias, evidenciando crticas, situaes ou exacerbarcaractersticas do referente. A recategorizao no corpus de investigao seapresentou sob trs planos: i) diretamente da prpria imagem, em ocorrncias nasquais as figuras formam um todo complexo para provocar a recategorizao; ii)acionada pela materialidade textual que compe o texto multimodal ancorando-se, noentanto, na imagem; iii) de forma indireta, exigindo mais esforo do interlocutor para asua reconstruo, ascendendo, respectivamente, o grau de implicitude dasrecategorizaes.

    PALAVRAS-CHAVE:Charge. Multimodalidade. Recategorizao.

    *

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    ABSTRACT: This work combines the socio-cognitive stance taken by most of themembers area of Text Linguistics and objective scholars investigate the construction ofmeaning in the genre charge via the recategorization process, whose configuration can

    combine verbal and non-verbal language. We focus on the construction of thereferents, assuming the ground that they are not always approved by referentialexpressions explicit in the textual surface. To realize this study, we conductedqualitative research and descriptive nature of the data, from a corpus consisting ofcartoons, selected major newspapers in Teresina/PI and produced in the period 2010-2012. The theoretical underpinnings of this study are focused on authors such as Kochand Cunha - Lima (2007), Mondada and Dubois (2003), Lima (2009) and Kress and

    Van Leeuwen (1996), among others. The results suggest that the various semiosisinvolving the setting of the cartoons, work in a similar way to the referring expressionsand functions that depend on the purpose of the re-categorization of charge, but arealways licensed by metaphor or metonymy, highlighting critical situations or exacerbate

    features referent. The recategorization in corpus research is presented in three levels:i) directly from the image itself, in instances in which the figures form a complex tocause recategorization; ii) triggered by textual materiality that composes multimodaltext anchoring himself in However, the image; iii) indirectly, requiring more effortinterlocutor for its reconstruction, amounting, respectively, the degree of implicitnessof recategorization.

    KEYWORDS: Charge. Multimodality. Recategorization.

    Introduo

    A recategorizao consiste em um dos tipos de referenciao, podendo

    ser sumariamente definida como uma estratgia em que os referentes ou

    objetos de discursos so remodulados, na atividade discursiva, atendendo aos

    propsitos dos interlocutores (APOTHLOZ, REICHLER-BGUELIN, 1995).

    Considerando que o processo de recategorizao perpassa os textos

    verbais e se concretiza tambm nos textos no verbais, entendemos ser

    necessria uma abordagem do referido processo em textos multimodais, osquais congregam tanto elementos verbais quanto imagticos. A

    multimodalidade um tema em ascenso no mbito da Lingustica Textual,

    cujas investigaes passaram a propor estudos de textos que acionam mais de

    uma linguagem, dentre os quais se incluem as charges, que integram o nosso

    corpusde investigao. Esse gnero, em geral, produz efeitos cmico e irnico

    ligados a fatos sociais, sendo muito utilizado pelos jornais por conjugarem

    elementos visuais ou verbo-visuais que atraem a ateno do leitor.

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    Ressaltamos que embora exista uma gama de trabalhos voltados ao

    processo de referenciao nos mais diversos gneros textuais (CAVALCANTE,

    2011; KOCH, 2002; LIMA, 2009; CUSTDIO FILHO, 2011), ainda so limitados

    aqueles que do relevncia recategorizao no que concerne construo de

    sentido nos textos multimodais.

    Acreditamos que, para uma abordagem de maior alcance da

    recategorizao, prioridade deste estudo, faz-se necessrio alargar as

    dimenses do estudo deste processo aos textos multimodais, a exemplo do

    gnero charge. Dessa forma, esperamos contribuir para a aplicao dos

    pressupostos da referenciao, particularmente do processo de

    recategorizao, ao estudo de textos multimodais.

    Sendo assim, ratificamos que este trabalho objetiva investigar a

    construo de sentidos de textos multimodais via processo de recategorizao,

    especificamente no gnero charge, considerando as peculiaridades desse

    gnero, cuja configurao hbrida de linguagem (verbal e no verbal) ou

    apenas imagtico produz um diferencial no que diz respeito explicitude dos

    referentes, nem sempre homologados por meio de uma expresso referencial.Tal fato repercute tambm no processo de recategorizao, cujos limites

    extrapolam a linguagem verbal, como investigamos neste estudo, a partir de

    um corpusconstitudo por charges que versam sobre temas polticos e sociais,

    selecionadas de jornais de grande circulao de Teresina/PI e produzidas no

    perodo de 2010 a 2012.

    Um novo olhar sobre a recategorizao

    O sociocognitivismo desponta num segundo momento da evoluo das

    Cincias Cognitivas, em que esta passa a assumir uma viso de cognio

    corporificada. Seguindo esse pensamento, os sociocognitivistas consideram que

    as mentes individuais no aprendem uma computao abstrata, mas esto

    aprendendo a compreender um processo historicamente situado, compreendido

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    e transformado pelo indivduo ao longo das suas histrias de vida (KOCH;

    CUNHA-LIMA, 2007, p. 279).

    Isso porque, segundo Koch (2004), o sociocognitivismo aponta que oslimites entre conhecimentos lingusticos e de mundo em geral no esto

    facilmente delimitados, j que os textos no so totalmente explcitos, uma vez

    que no mostram tudo o que se encontra neles, nem tampouco tudo o que

    preciso saber para compreend-los. Tal processo de compreenso se constri

    aos poucos, com a participao dos interactantes, com o emprego de

    conhecimentos prvios e de estratgias interpretativas que vo sendo

    construdas durante a interao entre os sujeitos. nessa perspectiva de

    cognio como fenmeno situado e social que o sociognitivismo alou seus

    fundamentos, servindo como parmetro aos pressupostos da recategorizao,

    objeto desta investigao.

    Considerando que a referenciao a abordagem na qual toma lugar a

    recategorizao, torna-se imprescindvel destacar os aspectos que serviram de

    base para que a referenciao assumisse o seu atual estatuto na agenda das

    investigaes lingusticas. Destacamos que os pressupostos da referenciao

    so delineados considerando especialmente a proposta de Mondada e Dubois

    (2003), por entendermos que esta d conta de explicar o referido processo em

    sua plenitude.

    Segundo Mondada e Dubois (2003), h muito tempo a busca pelo saber

    de como a lngua refere o mundo tem sido investigada por diferentes

    estudiosos, mas as respostas, embora distintas, tm caminhado para a mesma

    direo que pressupe uma relao de correspondncia entre as palavras e as

    coisas. As autoras esclarecem que esta proposta apresentada por meio de

    metforas do espelho e do reflexo e, mais recentemente, do mapeamento, as

    quais se referem a uma concepo especular do saber e do discurso,

    considerada como uma re-presentao adequada da realidade (MONDADA;

    DUBOIS, 2003, p. 18), sustentando-se na hiptese de um poder referencial da

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    linguagem que fundado ou legitimado por uma ligao direta (e verdadeira)

    entre as palavras e as coisas.

    Questionando tal viso, as autoras entendem que ao invs de se apoiar

    na concepo de uma segmentao a priorido discurso em nomes e do mundo

    em entidades objetivas e, posteriormente, questionar a relao de

    correspondncia entre uma e outra mais produtivo questionar os prprios

    processos de discretizao (MONDADA; DUBOIS, 2003).

    neste enfoque que se observa uma noo de referncia distinta

    daquela tradicional, a qual revela uma relao de correspondncia entre as

    palavras e as coisas. Pelo contrrio, o processo de referenciao uma

    construo que depende de muitos fatores e, por isso, apresenta instabilidade.

    Isso porque a referenciao implica uma viso dinmica de referenciar

    os objetos de discurso, considerando no apenas o sujeito encarnado, mas

    aquele que atua nas relaes discursivas, um sujeito sociocognitivo frente a

    uma relao indireta entre os discursos e o mundo, que participa da construo

    do mundo no cumprimento de suas atividades sociais e o estabiliza por meio de

    categorias manifestadas no discurso, que discretizam a lngua e o mundo edo sentido a eles, constituindo individualmente e socialmente as entidades

    (MONDADA; DUBOIS, 2003, p. 20). Desse modo, a mudana e a instabilidade,

    segundo as autoras, fazem parte, essencialmente do discurso e da cognio,

    no podendo, assim, serem vistas como excees ou problemas de linguagem.

    sob este enfoque que os estudos sobre recategorizao foram

    delineados, considerando-se a instabilidade na relao das coisas com o mundo

    e a atuao dos sujeitos sobre este, mas, inicialmente, a partir de uma linha deabordagem ligada a funes e propsitos comunicativos, considerando-se a

    recategorizao lexical, que se volta de modo mais especfico aos aspectos

    discursivos de realizao do fenmeno.

    Diferentemente dessa postura, Lima (2009) observa a recategorizao

    de modo mais amplo, reconhecendo que o termo recategorizao lexical por

    si s reducionista, uma vez que aciona apenas a dimenso textual do

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    fenmeno. Sobre a participao de outros elementos nesse processo, a autora

    segue esclarecendo que:

    O processo de recategorizao no necessariamente homologadopor uma relao explcita entre um item lexical e uma expressorecategorizadora na superfcie textual, estando a sua (re)construo,em maior ou menor grau, sempre condicionada pela ativao deelementos inferidos do plano contextual (LIMA, 2009, p. 40).

    A investigao de Apothloz e Reichler-Bguelin (1995) propiciou o

    surgimento das primeiras definies de recategorizao a partir do conceito

    redimensionado de anfora, no qual assumiram que as expresses anafricas

    no tm somente valor referencial, reconhecendo seu uso tanto para remeter

    para um objeto de discurso quanto para modific-lo.

    Marcuschi e Koch (2002) ampliam os limites do conceito inicial de

    recategorizao proposto por Apothloz e Reichler-Begulin (1995), destacando

    que este processo se baseia em um tipo de remisso a um aspecto co(n)textual

    antecedente que pode ser tanto um item lexical como uma ideia ou um

    contexto que acionado como espao de informao mental para ainferenciao.

    Assim, Marcuschi e Koch (2002) reconhecem que a recategorizao um

    processo muito complexo e vai alm dos aspectos co(n)textuais do discurso,

    abrindo espao para outros autores, tais como Cavalcante (2005) e Lima

    (2009), ampliarem o conceito de recategorizao, ao qual aliamos nossa

    proposta de investigao, admitindo que os aspectos cognitivos permeiam este

    processo, conforme j apontavam Marcuschi e Koch (2002).Cabe ressaltar que motivamos nosso estudo a partir da perspectiva

    adotada por Lima (2009), j que tambm consideramos que o processo de

    recategorizao pode ser acionado por elementos que no se encontram

    explcitos no texto, configurando-se atravs de pistas que evocam a

    participao do interlocutor na construo de novos atributos ao objeto

    discursivo, s quais esto atreladas, dentre outros elementos, seu

    conhecimento de mundo.

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    Nessa tica, para Lima (2009), evidente o aspecto cognitivo-discursivo

    da recategorizao, motivo que a leva a entender que necessrio um

    redimensionamento do fenmeno no que se refere sua concepo inicial

    proposta por Apothloz e Reichler-Bguelin (1995). A autora coloca que esse

    pressuposto tem os seguintes desdobramentos:

    i) a recategorizao nem sempre pode ser reconstruda diretamenteno nvel textual-discursivo, no se configurando apenas pela remissoou retomada de itens lexicais; ii) em se admitindo (i), arecategorizao deve, em alguns casos, ser (re)construda pelaevocao de elementos radicados num nvel cognitivo, mas sempresinalizados por pistas lingusticas, para evitar-se extrapolaes

    interpretativas; iii) em decorrncia de (ii), a recategorizao pode terdiferentes graus de explicitude e implicar, necessariamente, processosinferenciais (LIMA, 2009, p. 57).

    a partir dessa abordagem cognitivo-discursiva da recategorizao que

    sustentaremos nossa investigao sobre as charges, por compreendermos que

    a recategorizao nesses textos comporta tanto elementos do plano textual

    (imagens, cores etc.) como do plano cognitivo (conhecimento cultural, por

    exemplo), que aliados atuam nas escolhas de atributos pelo interlocutor.

    A multimodalidade no gnero charge

    As charges, segundo Cavalcanti (2008), so gneros advindos do

    processo de valorizao da imagem articulada linguagem verbal com o

    objetivo de ampliar as vendagens dos jornais, os quais recorreram s

    estratgias que as imagens desencadeavam, bem como seus efeitos,

    desenvolveram-se como forma humorada e irnica de fazer as crticas, em

    geral, de cunho poltico.

    Com o advento da tecnologia, novos domnios comunicacionais foram se

    estabelecendo e novas esferas de comunicao foram criadas, possibilitando o

    aparecimento de novos tipos de enunciados estveis, conforme anunciou

    Bakhtin (2003), isto , novos gneros textuais, os quais foram sendo criados

    conforme as necessidades comunicacionais. Foi nessa perspectiva de evoluo

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    comunicativa que as charges surgiram, do mesmo modo que muitos outros

    gneros, tambm advindos das modificaes scio-histrico-culturais as quais

    as sociedades esto predispostas.Sobre este gnero, Flres apresenta o seguinte conceito:

    A charge um texto usualmente publicado em jornais sendo via deregra constituda por quadro nico. A ilustrao mostra ospormenores caracterizadores de personagens, situaes, ambientes,objetos. Os comentrios relativos situao representada aparecempor escrito. Escrita/ ilustrao integram-se de tal modo que por vezesfica difcil, seno impossvel ler uma charge e compreend-la, semconsiderar os dois cdigos complementarmente, associando-os

    considerao do interdiscurso que se faz presente como memria,dando uma orientao ao sentido num contexto dado - aquele e nooutro qualquer (FLRES, 2002, p. 14).

    Sendo a charge uma forma de registro crtico, sua recepo pelo leitor

    depende tambm da existncia de uma memria social acionada no momento

    da leitura, permitindo-lhe construir os possveis sentidos para o discurso os

    quais esta comporta. Cabe ressaltar, ainda, que as charges no so publicadas

    apenas em jornais impressos. Com o advento da tecnologia, esse gneropassou a ser publicado tambm no espao virtual, conforme observamos nesta

    investigao, na qual grande parte dos textos imagticos foi retirada de

    ambientes virtuais.

    Magalhes (2006, p. 65) atribui charge a funo de crtica aos fatos e

    personalidades do cenrio poltico, e [esta] o faz a partir de semioses prprias e

    interpeladas por condies de produo bastante particulares. Para Teixeira

    (2001), as charges so gneros consolidados na sociedade porque, alm demesclar imagens e textos verbais, geralmente privilegiam temas polmicos que

    expressam sua forma e contedo.

    As charges so textos multimodais e podem ser constitudas somente

    pela linguagem no verbal, mas tambm muito comum apresentarem este

    tipo de linguagem associada linguagem verbal. Uma particularidade das

    charges o fato de que estas, em geral, atraem o leitor por condensarem

    informaes a partir de uma leitura rpida. A compreenso de uma charge, no

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    entanto, vai depender de um conjunto de dados e fatos contemporneos ao

    momento estabelecido na relao discursiva entre o produtor e o interlocutor.

    Nas charges as imagens so fixas, colocadas de uma s vez para

    apreciao do interlocutor, o qual vai fazendo uma leitura da imagem de cima

    para baixo, de baixo para cima, pelos lados ou a partir do meio, conforme seja

    sua vontade, buscando compreender a imagem que se manifesta atravs de

    uma narrativa condensada, tendo em vista que sempre conta algo.

    nesse sentido que as charges so textos icnicos, de considervel grau

    de implicitude, nos quais se fazem presentes elementos espaciais e temporais

    anteriores que se congregam a outros de propriedades singulares, como as

    cores, que se constituem como uma das mais significativas qualidades

    empregadas nos textos visuais, alm do tom crtico implementado por meio da

    ironia ou do humor que podem trazer. Por isso, so reconhecidamente textos

    multimodais.

    Halliday (1985) foi o pioneiro nas investigaes de textos na perspectiva

    multimodal, servindo como parmetro para que linguistas como Kress e Van

    Leeuwen (1996) e Hodge e Kress (1988), dentre outros, passassem a sepreocupar com textos que extrapolassem os limites da linguagem verbal.

    No entanto, a maior parte das investigaes que busca dar conta destes

    textos tem foco distinto do que aqui proposto para este estudo, o da

    recategorizao. Contudo, ressaltamos que Bentes, Ramos e Alves Filho (2010)

    j chamam a ateno para o desafio de se trabalhar com os textos multimodais

    de forma mais sistemtica na Lingustica Textual, bem como preciso destacar

    a iniciativa de Ramos (2012) na proposio de estudos voltados para os textosmultimodais no mbito da Lingustica Textual.

    Para explicar a composio dos textos multimodais, Kress e Van

    Leeuwen (1996) criaram a Teoria da Multimodalidade, expondo que tais textos

    se apresentam compostos por mais de um cdigo semitico, cujas mudanas

    viabilizadas pelos prprios produtores da lngua envolvem os sistemas

    semiticos que compem a representao da realidade por meio de uma

    linguagem verbal e no verbal.

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    Nessa perspectiva, as palavras aliadas s imagens trazem significado

    cultural e, por serem variveis e mutveis, absorvem um modo plural de

    apresentao da realidade. No que se refere modalidade visual, as semiosesimagticas que envolvem a construo dos textos, tanto a produo como seu

    uso, apontam para o efeito da composio de sentidos em conjuno com a

    linguagem verbal, de modo que oferecem ferramentas ao leitor para o

    entendimento das leituras propostas pelo texto.

    As charges, assim como todos os gneros textuais, constituem

    formaes interativas, multimodalizadas e flexveis de organizao social e de

    produo de sentidos (MARCUSCHI, 2005, p. 19). Na perspectiva considerada

    para este estudo, que a sociocognitiva, tanto os elementos verbais quanto os

    no verbais devem ser apresentados como partes constituintes do texto,

    considerando-se qualquer foco de anlise, especialmente, o da recategorizao,

    j que todos os componentes verbais e imagticos devem ser incorporados na

    identificao de objetos recategorizados.

    Bentes, Ramos e Alves Filho (2010) expem um ponto que de grande

    relevncia na leitura de textos multimodais, observando aquilo que Ramos

    (2009) denominou determinante visual, equiparado ao objeto de discurso, na

    Lingustica de Texto, sendo que este seria compreendido como uma categoria

    referencial construda e reconstruda no processo de progresso do texto

    multimodal (BENTES; RAMOS; ALVES FILHO, 2010, p. 402).

    Desse modo, ratificamos nosso posicionamento terico reafirmando que

    entendemos a multimodalidade conforme a perspectiva defendida por Kress e

    Van Leeuwen (1996), tambm assumida por outros autores, os quais

    esclarecem que os textos multimodais so congregados por mais de um cdigo

    semitico, entendido como os elementos que podem atuar na composio de

    um texto: imagens, formas, letras, cores etc., envoltos por sistemas semiticos

    que ajudam a compor a representao da realidade por meio de uma

    linguagem verbal e no verbal, cujo aspecto cognitivo primordial na

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    apresentao dessa realidade e cuja exterioridade intermedeia a produo

    textual com o campo semntico-cognitivo.

    A recategorizao nas charges

    O corpus constitudo para esta investigao formado por charges

    produzidas por jornais de grande circulao em Teresina-PI. A seleo das

    charges constituintes do corpuscompreendeu o perodo entre os anos de 2010

    e 2012. Ressaltamos que, na seleo do corpus, foi dada prioridade a trs

    critrios: 1) charges que apresentaram somente metfora; 2) charges que

    apresentaram apenas metonmia; 3) charges que apresentaram os dois

    processos simultaneamente.

    A metodologia utilizada para a realizao desta pesquisa de natureza

    qualitativa com anlise descritiva dos dados. A pesquisa bibliogrfica foi

    realizada em livros e artigos que tratam do tema em destaque e que

    possibilitaram o devido embasamento terico que o trabalho requer.

    Anlises das charges com recategorizaes licenciadas por metforas

    e metonmias

    A charge a seguir faz meno s eleies para o pleito eleitoral de

    Teresina, em 2012, no qual no 1 turno das eleies concorrem sete

    candidatos, a saber, da esquerda para a direita: Joo Vicente Claudino,

    Wellington Dias, Daniel Solon, Maklandel, Firmino Filho, Elmano Frrer e Beto

    Rego.

    Charge 1: Corrida pela Prefeitura de Teresina

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    Fonte: Disponvel em (http://PortalAZ.com.br. Acesso em: 11.12.12)

    Os efeitos de sentido da charge 1 so produzidos a partir das caricaturas

    dos candidatos na disputa da corrida eleitoral, da imagem do smbolo da

    justia: uma mulher de olhos vendados, do pblico que observado ao fundo,

    da pista de corrida, da poeira produzida pelos ps dos candidatos em

    decorrncia da velocidade da corrida e dos dois elementos verbais que ajudam

    a compor o sentido do texto: Olimpadas de Teresina e o termo bang, o qual

    representa o tiro que sai da arma segurada pela juza. Estas expresses verbais

    reforam a ideia de corrida almejada pelo chargista, contribuindo para compor

    o sentido da charge. Alis, nesta charge, como veremos adiante, as

    recategorizaes metafricas que engatilham o seu efeito cmico-irnico so

    quase todas licenciadas pela metfora conceitual ELEIO UMA

    COMPETIO

    1

    .As cores da charge, que se apresenta em preto e branco, tambm

    ajudam na caracterizao das imagens, bem como a repassar a sensao de

    que a corrida pela prefeitura de Teresina algo equitativo, como se tudo

    estivesse no preto e no branco, ditado muito conhecido pela populao de

    1 No sendo nosso objetivo, neste estudo, fazer um aprofundamento da Teoria da MetforaConceitual, restringiremos essa abordagem identificao das metforas e metonmiasconceituais que licenciam as recategorizaes analisadas. Essas metforas e metonmias viro

    sempre escritas em letras no formato caixa alta, conforme conveno do referido modeloterico.

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    Teresina, e que remete sensao de justia, na qual todos so tratados de

    modo igualitrio. Ressaltamos que tais cores no consistem em uma

    caracterstica dos jornais de Teresina/PI, sendo assim, uma caracterstica

    particular desta charge.

    Baldry e Thibault (2006) esclarecem que as cores como os demais

    elementos semiticos que compem o texto multimodal no se encontram

    presentes no texto de modo aleatrio, mas se integram ao todo do texto, cuja

    leitura s permitida se no houver uma separao destes elementos, mesmo

    porque no h possibilidade de tal procedimento, j que o texto se efetiva se

    somente for reconhecido em sua totalidade.

    Ressaltamos que o efeito cmico da charge provocado, alm das

    caricaturas dos candidatos, por suas expresses faciais e corporais, realando-

    se suas vestimentas, de shorts e camisetas, apontando para uma competio, a

    qual se revela muito acirrada, uma vez que a poeira que sai dos ps dos

    candidatos demonstra o quanto estes esto em ritmo acelerado de disputa.

    Quanto ironia, demonstrada a partir da figura simblica da justia por meio

    de uma juza com olhos vendados que, de modo imparcial, aciona o incio dacompetio com um tiro.

    A charge em estudo tem como base processos metafricos diversos que

    sero delineados a seguir e que juntos licenciam as vrias recategorizaes

    presentes no texto, a partir da evocao do modelo cognitivo de pleito eleitoral.

    Assim, o referente eleio para Prefeito de Teresina recategorizado como

    Olimpadas de Teresina. Lembramos que tal referente no homologado

    textualmente, mas a sua (re) construo, no plano das estruturas e dofuncionamento cognitivo, possvel a partir das pistas verbais e imagticas da

    charge j apresentadas. Na base da referida recategorizao, temos a metfora

    conceitual ELEIO UMA COMPETIO, conforme j anunciado. Nesse

    mesmo enquadre, podemos dizer tambm da recategorizao do referente

    imagtico plateia de Olimpada como eleitores, assim como do referente

    imagtico candidatos como atletas. Nessa ltima recategorizao, notria

    a sua motivao pelo fato de que, em se metaforizando o pleito eleitoral como

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    uma competio, imprescindvel que os candidatos tenham um preparo fsico

    de atletas para cumprir os inmeros compromissos na corrida pela caa de

    eleitores.Alm dessas recategorizaes, outra que fundamental para a

    construo dos sentidos da charge a de trajetria da campanha eleitoral

    como pista de corrida, em cuja base, alm da metfora ELEIO UMA

    COMPETIO, est a metfora conceitual PROPSITOS SO METAS,

    compreendendo-se que os candidatos traam um plano de campanha cujo alvo

    a vitria nas eleies. A meta correr para alcanar esse alvo. fato tambm

    que aqui cabe a metfora POLTICA UM CAMINHO ESCORREGADIO, se

    levarmos em considerao que, numa corrida, os atletas precisam fazer um

    grande esforo para se manter no preo e no tropear ao longo do percurso.

    A charge permite observar que a pista de corrida recategorizada como o

    caminho percorrido pelos candidatos ao cargo de Prefeito tendo como base a

    metfora conceitual CANDIDATOS PERCORREM UM GRANDE CAMINHO PARA

    VENCER AS ELEIES. tambm bastante significativa a recategorizao do

    referente juza da competio como o smbolo da justia, configurado esse

    processo por meio da imagem caricatural desse smbolo. O fato de a largada da

    corrida ser dada com um tiro de revlver pode significar uma referncia s

    prticas provincianas ainda hoje utilizadas nas disputas eleitorais, numa espcie

    de vale tudo para ganhar, prticas essas que s vezes fogem ao alcance da

    justia.

    Podemos constatar que boa parte das recategorizaes descritas

    homologada no plano imagtico. Estas metforas licenciam as recategorizaes

    na charge, j que a construo de novos referentes permitida a partir destes

    j mencionados: olimpadas de Teresina, plateia, atletas, pista de corrida e

    juza, construdos atravs de todos os elementos semiticos j descritos que

    compem o texto.

    Essas recategorizaes ocorrem no plano da imagem, isto , as prprias

    figuras presentes no texto acionam as recategorizaes motivadas pelas

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    metforas conceituais descritas, o que facilita o processo de recategorizao em

    relao aos textos apenas verbais. No entanto, os elementos verbais

    observados na charge tambm so decisivos para que o leitor acione seus

    conhecimentos culturais, sociais e polticos e, assim, possa entender os sentidos

    do texto.

    Na anlise dessa primeira charge, observamos que a hiptese de que as

    recategorizaes metafricas engatilham o efeito cmico e irnico dos textos na

    construo do gnero charge confirmada, j que as recategorizaes de

    referentes homologados na superfcie textual ou reconstrudos no nvel das

    estruturas cognitivas so decisivos para composio dos efeitos de sentidos

    pretendidos pelo autor a compor o sentido do texto, a partir da comicidade e

    ironia construda em conjugao conjunto com o conhecimento de mundo dos

    interlocutores.

    Observamos, assim, que na anlise dessa primeira charge que a prpria

    imagem traz consigo elementos que permitem que a recategorizao ocorra no

    plano da figura, a partir da leitura no linear que se faz do texto, sendo

    permitida porque as figuras se apresentam num mesmo plano imagtico, ouseja, o leitor pode escolher por onde comear sua leitura, se de cima para

    baixo, de baixo para cima, pelas laterais, j que a imagem se apresenta como

    um todo de forma quase que instantnea, o que uma caracterstica das

    charges.

    Assim, ao olhar a charge, mesmo que no reconhea os polticos

    apontados pelas caricaturas, o leitor vai conseguir, por meio do plano

    imagtico, recategoriz-los como corredores, pois as metforas j mencionadaspermitem tal processo.

    Destacamos que a principal funo das recategorizaes que ocorrem

    nesta charge reafirmar a noo de competio no pleito eleitoral do 1 turno

    das eleies de Teresina, realando a preferncia de dois candidatos: Firmino

    Filho e lmano Ferrer, que na imagem se encontram mais frente que os

    demais.

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    A charge, a seguir, tematiza as temperaturas elevadas que afetam o

    estado do Piau, tendo em vista que grande parte dos municpios do estado

    apresenta temperaturas que podem chegar at 40 durante o chamado perododo br-o-br2, que compreende os meses de setembro, outubro, novembro e

    dezembro.

    Charge 2: Charge Piau 40

    Fonte: Disponvel em: http://portalaz.com.br. Acesso em: 15.08.2013

    Observemos que esta charge conjuga elementos verbais e no verbais,

    tendo em vista que alm da figura do ovo frito, da frigideira e dos traos que

    representam a fumaa, observamos a seguinte expresso nominal: Piau 40.

    As cores do ovo em branco e amarelo e a da frigideira em preto reforam o

    sentido que o chargista deseja alcanar, porque ajudam a construir a imagem

    mental de calor refletida na interpretao.

    2No Piau, de modo mais especfico em Teresina, faz parte da cultura local denominar BR-O-BR o perodo mais quente do ano, que corresponde aos meses de setembro, outubro,

    novembroe dezembro.

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    No que se refere ao efeito cmico da charge, este produzido atravs da

    figura do ovo frito em formato do mapa do Piau, reforado pela imagem da

    gema que, por ser amarela, remete representao do sol, no centro da figura

    do ovo. Alm disso, a fumaa que exala do ovo expressa a ideia de alta

    temperatura, contribuindo para evidenciar o sentido do calor caracterstico do

    estado. A ironia tambm provocada pela figura do ovo fritando, reafirmando a

    sensao de calor que os piauienses sentem, como se estivessem sendo fritos,

    tal qual um ovo, reforada pela expresso nominal j destacada e presente na

    charge.

    A construo dos efeitos cmico e irnico da charge motivada,

    principalmente, pela recategorizao metafrica do referente estado do Piau

    como um ovo frito, mas preciso ver que tambm h um processo

    metonmico imbricado na construo da referida recategorizao, ou seja,

    temos, na charge, a figura do mapa do estado do Piau metonimicamente

    tomada por seus habitantes, o que permite a inferncia de que na poca mais

    quente do ano os habitantes desse estado tm a sensao de estar sendo

    fritados em decorrncia das fortes ondas de calor.Assim sendo, alm da metonmia conceitual j referida, podemos

    identificar na charge a presena da metfora conceitual QUENTE ACIMA,

    considerando a expresso verbal Piau 40 que se integra na construo da

    recategorizao metafrica de estado do Piau como um ovo frito,

    licenciando a metfora PIAU UM OVO FRITO, permitida diretamente pela

    imagem, a qual tambm pode ser dita como licenciada pela metfora conceitual

    LUGAR UM ALIMENTO QUENTE, bem adequada realidade piauiense.Nesta charge, as recategorizaes se aliam com a funo de exacerbar o

    forte calor presente no Piau, desencadeando a ironia e a comicidade do texto.

    A prxima charge faz uma crtica ao excesso de uso dos meios

    eletrnicos na sociedade atual, particularmente das redes sociais. Nela tambm

    podemos constatar uma estreita relao entre metforas e metonmias

    conceituais no licenciamento das recategorizaes que engatilham os seus

    efeitos de sentido.

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    Charge 3: O vcio das redes sociais

    Fonte: Disponvel em: http://portalaz.com.br. Acesso em: 21.03.13.

    A imagem da charge ora analisada composta somente por elementos

    no verbais, j que a letra f que nela aparece uma simbologia do

    Facebook3, rede social de grande popularidade entre os internautas.

    Lembramos que, para efeito deste estudo, o texto multimodal aquele formadopor imagens aliadas ou no ao texto verbal, cujos elementos semiticos so

    compostos por figuras, cores, formatos, letras, dentre outros.

    Alm do smbolo do Facebook, compem a charge as figuras de uma

    tablet e de um homem em posio de drogadio. As cores so outros

    elementos semiticos utilizados para compor o sentido que o chargista deseja

    produzir. Nesse caso, verificamos que somente a imagem do tablet colorida,

    evidenciando a inteno do produtor da charge em deixar claro o entendimentoem relao figura do aparelho eletrnico, o que poderia comprometer a

    compreenso da charge.

    3Consultando dados de simbologias do facebook na internet, constatamos que o smbolo representa

    este aplicativo e, por isso, no ser tomado neste estudo como uma letra, mas como j dissemos, um

    smbolo representativo do programa.

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    A construo de sentidos dessa charge, apesar da ausncia de elementos

    verbais, pode ser evocada a partir da figura do rapaz numa atitude prxima a

    de um usurio de drogas ilcitas, comportando-se como se estivesse cheirando

    uma droga, que representada pela figura do tablet. Assim, o modo como ele

    se apresenta, de olhos fechados, como se estivesse em outro mundo,

    semelhante ao comportamento dos usurios de drogas ilcitas, a exemplo da

    cocana, o que nos leva a compreender melhor a inteno do chargista.

    Assim, duas recategorizaes so imprescindveis para a construo de

    sentidos dessa charge: a de redes sociais como uma droga e a de usurios

    de redes sociais como viciados. Na base dessas recategorizaes, podemos

    identificar a metfora REDE SOCIAL UM VCIO. Contudo, para esse

    entendimento, preciso ver que o smbolo do Facebook integrante da charge

    tomado pelas redes sociais como um todo, ou seja, numa relao metonmica

    PARTE PELO TODO.

    Compreendemos que sejam as recategorizaes descritas as

    responsveis pela construo dos efeitos cmico e irnico da charge, que

    repercute um tema inescapvel sociedade contempornea, chamando ateno para o uso sem controle das redes sociais, considerando o seu grande

    poder de atrao pela diversidade de recursos que colocam disposio de

    seus usurios nas interaes virtuais. Assim, a figura do rapaz cheirando o

    Facebook num tablet no deixa de ser cmica, mas a ironia muito maior

    quando a charge retrata a crtica que se volta ao cenrio de o homem poder vir

    a se tornar um refm da prpria tecnologia por ele criada, cujo domnio sobre

    este semelhante ao domnio que as drogas exercem sobre que as utiliza.Ressaltamos que duas recategorizaes metafricas nesta charge

    ocorrem diretamente pela imagem, j que ao olhar a charge, prontamente

    realizamos as recategorizaes do usurio do face como usurio de drogas,

    alm da figura do tabletser tomada pelas drogas em geral, revelando o poder

    que as imagens tm de congregar a recategorizao num nico plano. No

    entanto, a recategorizao metonmica do tablet por outros componentes

    tecnolgicos, como celular, por exemplo, exige maior esforo mental para sua

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    realizao. Sendo assim, a imagem desta charge traz como principal funo

    recategorizadora criticar os usurios dos aparelhos tecnolgicos que se

    comportam como viciados de drogas.Nessa tica, a partir da anlise dessas charges que compem nosso

    corpus de investigao, cabe salientar por meio de um esquema, o grau de

    explicitude de como as recategorizaes ocorrem em textos multimodais. Desse

    modo, o esquema, a seguir, sintetiza os trs modos de processamento da

    recategorizao nas charges, identificados neste estudo:

    Quadro 1: Esquema do grau de explicitude das recategorizaes nas chargesFonte: Esquema produzido pela autora. (Nov./2013).

    Verificamos que o grau de explicitude da recategorizao vai variar

    conforme as imagens se apresentam congregadas a elementos verbais, cujo

    Maior grau de explicitude das

    recategorizaes

    Menor grau de explicitude dasrecategorizaes

    Explicitudeximplicitude

    Diretamente da imagem aliada linguagem verbal

    Somente no plano da imagem

    De forma indireta, pelas pistassugeridas pelo texto

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    grau maior nestes casos. No entanto, quando a recategorizao ocorre

    somente no plano da imagem, a explicitude embora se manifeste menor na

    escala em relao anterior. Mas, quando somente a imagem no suficiente

    para a recategorizao, o interlocutor faz uso das pistas sugeridas no texto para

    inferir as recategorizaes e, assim, process-las.

    Reafirmamos, portanto, a importncia do processo de recategorizao na

    construo dos sentidos de todas as charges, bem como da metfora e da

    metonmia conceituais no licenciamento desse processo, como vimos ao longo

    das anlises.

    Assim, as charges facilitam a recategorizao, pois trazem imagens

    expostas de forma simultnea, que ativam mais rapidamente a leitura, tendo

    em vista que os signos no verbais, nos textos multimodais apresentam-se

    congregados, num mesmo plano visual, o que no acontece com os signos

    verbais, que por no possurem imagens, apresentam o processo de

    recategorizao de modo mais dificultoso. As metforas servem de apoio para

    as recategorizaes, que a partir delas podem ser efetuadas pelo interlocutor.

    Consideraes finais

    Encontramos indcios de que a constituio semitica dos textos

    multimodais pode determinar a construo de imagens que exercem funes

    semelhantes s expresses referenciais, ou seja, as imagens podem substituir

    as expresses nominais na construo do processo de recategorizao.

    A recategorizao apenas por metonmia, diferentemente daquela por

    metfora, no apresentou nenhuma ocorrncia, a nosso ver, por conta de esta

    se encontrar sempre acoplada ao processo metafrico, cuja possibilidade no

    descartamos em um corpus maior. Desse modo, neste estudo, todas as

    metonmias se apoiaram no processo metafrico.

    Neste nterim, ressaltamos que a metfora mais facilmente

    interpretada do que a metonmia nos textos imagticos, como se o primeiro

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    processo se sobrepusesse em relao ao outro, servindo inclusive de apoio para

    o segundo.

    A recategorizao engatilha os efeitos cmico e irnico, quando estesexistem, na construo de sentidos das charges, no entanto, verificamos que

    nos textos multimodais como as charges, a ironia se volta mais para a crtica do

    que a comicidade, que nem sempre acontece nestes textos.

    A anlise do corpus apontou para o fato de que a recategorizao em

    textos multimodais pode ser efetuada sob trs planos: i) diretamente da prpria

    imagem, em ocorrncias nas quais as figuras formam um todo complexo para

    provocar a recategorizao; ii) de forma mais rara, a recategorizao pode ser

    acionada pela materialidade textual que compe o texto multimodal ancorando-

    se, no entanto, na imagem; iii) de forma indireta, quando a recategorizao s

    pode ser ativada no plano das estruturas e do funcionamento cognitivo, pois,

    sendo de ordem cognitiva, exige mais esforo do interlocutor para a sua

    reconstruo.

    Constatamos tambm que quando h elementos verbais, estes em geral

    no acionam diretamente o processo de recategorizao, mas este ficaria

    comprometido sem a presena desses elementos.

    Nos textos multimodais, como as charges, verificamos que as

    recategorizaes so facilitadas pelas imagens, porque a nosso ver, o texto se

    apresenta de modo instantneo, ativando uma leitura mais rpida, sendo

    diferente nos textos apenas verbais nos quais a recategorizao se realiza em

    um processo mais trabalhoso.

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