recensão Prof Tavares, BE 23- Leonor Albuqerque
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Mestrado em Bibliotecas Escolares e Literacias do Sec.XXI
Teoria Social e Educação
Recensão
Teresa Vasconcelos (2009).
A Educação de Infância no
Cruzamento de Fronteiras
Docentes: Professor Doutor Manuel Tavares
Mestranda: Maria Leonor de Figueiredo Salazar e Albuquerque
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Abril 2010
Maria Leonor F.S. Albuquerque
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Teresa Vasconcelos (2009). A Educação de Infância no Cruzamento de
Fronteiras.
Lisboa: texto Editora, 80 pp.
“Em qualquer parte buscamos um rasto ardente, pela menor fenda pode olhar-
se a fronteira”. E é assim, com uma citação de José Tolentino de Mendonça,
que a autora inicia o seu discurso, utilizando-a para uma introdução ao título
escolhido para a sua obra: a educação das crianças dos 0 aos 6 anos no
cruzamento de fronteiras.
Com prefácio de Rui Canário, esta obra revela-se como um importante
contributo, uma mais-valia para quem deseje reflectir acerca da EI em Portugal,
sendo a versão escrita da autora para as provas académicas de “agregação”
(2008) na Universidade de Lisboa. A autora vai articulando no seu discurso
escrito, simultaneamente, a sua dimensão profissional, pessoal e científica
tendo tido, e ainda tendo, um protagonismo particular na Educação de Infância,
apresentando-nos simultaneamente uma “análise retrospectiva e diacrónica do
modo como evoluiu” a Educação de Infância nas últimas décadas (p.5).
A autora faz uma breve introdução situando-nos na temática e fazendo uma
breve síntese da sua obra, para seguidamente, no capítulo 2, sob o título O
campo da Educação de Infância dividida em quatro subcapítulos, nos
descrever a educação de infância no nosso país, no qual a autora afirma não
ser possível apresentar a evolução da história da infância em Portugal sem
abordar a história da infância, da família, das mulheres, da escolarização, da
formação de professores e da própria evolução sociopolítica em que esta se
insere. Apresenta, assim, neste capítulo, uma resenha histórica dessa
evolução, constatando-se que a educação de infância segue no nosso país o
rumo que os outros países europeus seguiram, mas com um significativo
atraso. Por conseguinte, apresenta-nos retrospectivamente aquilo que foi a
educação de infância a partir do final da Monarquia (1834-1909) até aos dias
de hoje, revisitando a importância que tiveram em 1997 a Lei-Quadro de
Educação Pré-escolar, pois é com esta lei que a EI se assume como a primeira
etapa da educação básica, estreitamente ligada ao 1º ciclo e assente no
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pressuposto de que se realiza num contexto de aprendizagem ao longo da
vida, e também as Orientações Curriculares para a Educação de Infância,
orientações que vêm conferir uma visibilidade à Educação Pré-escolar, há
muito desejada pelos Educadores de Infância, e fornecer também um
referencial teórico comum aos educadores, para um desempenho de qualidade
das suas funções. Com estes dois documentos, importantíssimos na história da
educação de infância, é reforçada a ideia de que um investimento na EPE é
factor de sucesso educativo e prevenção de exclusão social.
É-nos apresentado o conceito de “Educação de Infância entre fronteiras” (p.18)
no sentido de que esta, para se revestir de qualidade e intencionalidade
pedagógica, se deve desenvolver articulada como 1º CEB, com as equipas de
ensino integrado, com a educação de adultos e a educação de mulheres, assim
como de estratégias para o envolvimento das famílias, do 1º ciclo e de outros
serviços com quem ela se articula, defendendo-se a construção de centros
comunitários com valências diversificadas em zonas rurais ou localidades
pequenas, podendo integrar desde o Pré-escolar à 3ª idade. Apresenta-se-nos,
assim, a Educação de Infância, como uma necessidade, não apenas social,
mas também cultural, na medida em que esta veicula consigo empowerment a
pais e a profissionais, num “cruzamento de fronteiras” com todos estes
universos.
Corremos hoje o perigo de a educação de infância perder a sua especificidade.
Contudo, existindo profundas diferenças organizacionais, curriculares e
profissionais entre este grau de ensino e o 1º ciclo, já o relatório da OCDE
(2006) nos alertou para o perigo de uma escolarização precoce das crianças
(p.19) desta faixa etária, recomendando os países a manterem uma educação
de infância assente no jogo, no lúdico e na expressão livre da criança.
Problemas como a inexistência de supervisão pedagógica e de regulação da
qualidade dos estabelecimentos; educadores de infância que exercem as suas
funções em estruturas que não favorecem o trabalho de grupo; a organização
dos agrupamentos de escolas, na qual se verifica uma colonização para baixo
da educação pré-escolar e do 1º ciclo; o risco de os educadores de infância
verem alterado o seu papel enquanto gestores do currículo, face à excessiva
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regulamentação e ao mercado de materiais existentes, os quais são
frequentemente de baixa/má qualidade e centrados em aprendizagens
académicas tradicionais e ainda a necessidade de olhar a faixa etária dos zero
aos 3 anos, como uma idade que requer atenção educativa específica (já a
OCDE chamou a atenção para este facto), são outros dos problemas sobre os
quais se reflecte (p.20).
A nível internacional, deparamo-nos igualmente com algumas intenções no
campo da educação de infância, sendo convidados a reflectir sobre dez áreas
em que os países devem reorientar as suas políticas, segundo o Segundo
Relatório Comparativo da OCDE (2006), as quais demonstraram também o
quanto o campo da educação é complexo e multifacetado.
Neste ponto da obra, somos também levados a reflectir acerca das muitas
fragmentações (p.22) a que a educação de infância tem estado sujeita e, se a
primeira delas foi marcada pelo carácter assistencial e educativo, surgem
actualmente novos riscos de fragmentação, tais como os que agora surgem
entre a componente curricular e a componente de apoio à família ou
socioeducativo; a evidência de o currículo da educação de infância se estar a
fragmentar à semelhança do que já aconteceu ao 1º ciclo; ao facto de entre
educadores e animadores não se fazerem planificações conjuntas, salvo raras
excepções, embora estes profissionais se ocupem do mesmo grupo de
crianças; a aplicação de normativos e orientações que fazem esquecer a
especificidade da educação de infância e do 1º ciclo, nomeadamente quanto à
monodocência, ao envolvimento das famílias, à flexibilidade na forma de gerir o
currículo e planear a acção pedagógica e ainda a ausência de articulação entre
estes dois graus de ensino.
No capítulo terceiro, Fronteiras epistemológicas: educação de infância como
campo multi-disciplinar, a educação de infância é apresentada como um campo
multi-disciplinar e, nesse sentido, são-nos apresentadas as suas “fronteiras
epistemológias”, onde se cruzam uma variedade de saberes: a antropologia, a
história, o estudo da linguagem, a filosofia, a sociologia, a psicanálise, a
pediatria, a psicologia sócio-histórica e a pedagogia. É dada particular atenção
à sociologia da infância e à psicologia do desenvolvimento pelo surgimento de
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novos paradigmas e ao contributo recente das neurociências. No que se
relaciona com a sociologia da infância, assistimos à construção de um novo
paradigma, na medida em que é realizada uma nova abordagem dos mundos
sociais da infância.
A infância é agora entendida como uma construção social, uma variável da
análise social e as culturas e as relações sociais das crianças merecem ser
estudadas em si mesmas. Por outro lado, ao contrário daquilo em que outrora
se acreditara, as crianças são agora percepcionadas como indivíduos activos e
envolvidos nos processos da sua aprendizagem, e não seres passivos, e “o
envolvimento na construção de um novo paradigma de sociologia da infância é
também, à luz da dupla hermenêutica das ciências sociais, o envolvimento no
processo de reconstrução da infância na sociedade”(p.26). Quanto ao novo
paradigma, que agora surge na psicologia do desenvolvimento, pela mão da
autora fazemos uma incursão pelo trabalho de alguns autores, como Piaget e
Vygotsky, detendo-nos em Bruner, autor que afirma que a nova psicologia
(p.29) enfatiza três aspectos: a importância da cultura da cognição, da emoção
na cognição e das competências sociais na cognição. O desafio que agora se
apresenta à psicologia do desenvolvimento é o de encontrar formas de
abertura à discussão que se coloca sobre o modo como as crianças se
desenvolvem inseridas em contextos diversos, sob o ponto de vista geográfico
e cultural. No campo das neurociências, é reafirmada a importância de ser
prestada particular atenção à educação das crianças até aos 3 anos de idade,
na medida em que é até essa idade que são produzidas grande parte das
sinapses, mantendo-se a densidade neuronal até aos 10 anos e que, por isso,
a intervenção até esta idade é crucial e uma não atenção compromete o
processo de desenvolvimento do sistema nervoso central.
Define-se no capítulo quarto, O conceito de “fronteira” (p.33) sob o ponto de
vista da Geografia e da Física, da Antropologia Social e Cultural. A fronteira
pode ser definida como a linha que separa o todo e uma parte, é a relação que
se estabelece entre esse todo e essa parte, isto é, “os espaços de fronteira são
espaços entre, onde se pode negociar e ligar através da diferença e agir a
partir de semelhanças” (p.35). Apresenta-se ainda a perspectiva de Boaventura
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de Sousa Santos, (2000) como “uma perspectiva sociológica relevante”, sobre
a vida de fronteira e que o autor define como um “viver nas margens sem viver
uma vida marginal”(p.37). Aplicando este conceito de fronteira à educação de
infância, a autora explica-nos que é no cruzamento entre as diversas
disciplinas que se debruçam sobre a infância, que poderão emergir novos
caminhos para uma mais plena compreensão da mesma. Adianta ainda que
são às ciências tão diversas como a ética, a política, a filosofia e os estudos
feministas, que se poderá ir buscar pensamentos inovadores sobre o que se
poderá pretender no futuro com a educação de infância, sem esquecer ainda o
papel das novas tecnologias de informação e comunicação. Por conseguinte, a
educação de infância situa-se num cruzamento de fronteiras entre ciências
(p.38).
No capítulo quinto, Fronteiras e educação de infância, as crianças apresentam-
se como “Caminhadores” de perguntas para Bruner e para a moderna
pedagogia, na medida em que ao tomar-se a criança como sujeito de si própria,
e não como objecto de uma ou de outra ciência, ela é colocada num terreno de
interconexões e transitoriedades entre as diversas ciências (p.41). Preconiza-
se um olhar etnográfico sobre a, ou as, infância/s e, assim, o novo conceito de
infância prende-se com o de fronteira: “Educação de adultos - na fronteira com
a educação de infância” (p.42), porque não é possível separar a educação de
infância da educação de adultos, na medida em que há uma troca de saberes
entre estes dois mundos; “Educação de infância e as fronteiras do “local””
(p.44), porque se preconizam respostas conjuntas por parte dos profissionais
que se ocupam da criança, o que implica um esbater das fronteiras do saber e
das funções de cada um, impedindo que “as organizações e sistemas locais se
tornem sistemas fechados”; “Ultrapassar as fronteiras da exclusão” (p.47),
porque se aponta a necessidade de ter em conta não só a diversidade das
crianças, mas também dos pais, dos profissionais, a diversidade linguística,
cultural, socioeconómica, de raça, de género e sem esquecer as crianças que
necessitam de cuidados educativos específicos para que exista uma inclusão
real e verdadeira; “Educação de infância na fronteira com a escola básica”
(p49), porque já esta foi considerada no estudo da OCDE em 2006, como
crucial, na medida em que as transições podem causar perturbações a nível
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emocional e/ou social, assim como nas aprendizagens pelas descontinuidades,
se elas se verificarem. Que cada transição seja bem sucedida, é da máxima
importância para todos os níveis, nomeadamente, a nível cognitivo e ao nível
do bem-estar social e emocional da criança.
Quer a nível internacional quer a nível nacional, são vários os estudos que
demonstram existirem “descontinuidades nas atitudes e comportamentos das
crianças na transição entre a educação de infância e o 1º ciclo”(p.50). Somos
lembrados que as transições com sucesso podem considerar-se somente
aquelas que se fazem sem grandes problemas de adaptação da criança à
creche ou ao JI e a adaptação à escola do 1º ciclo sob o ponto de vista
emocional, social e intelectual, assim como a adaptação que fazem às
actividades de apoio á componente lectiva, as quais são complementares à
escola básica e ao pré-escolar. Até aos anos 80 pensava-se que os
indicadores de sucesso no 1º ciclo se prendiam com as aprendizagens formais,
mas, nos últimos 20 anos, estudos demonstraram que esses indicadores são
um vasto conjunto de competências, de onde se destaca a capacidade de
aprender a aprender, as competências sociais de cooperação (fazer amigos e
ser aceite pelo grupo), a auto-confiança, a capacidade de autocontrole
(domínio pessoal, concentração, gerir a frustração) e a resiliência (fazer face á
frustração ou à privação de forma dinâmica e positiva) (p51). Assim, é reiterado
o facto de que a transição entre estes 2 ciclos de ensino, pré-escolar e 1º ciclo,
é facilitada pelas linhas curriculares orientadoras, que não são muito díspares e
cuja organização em termos de conteúdos é muito semelhante. A metodologia
de projecto em sala de aula e os mesmos projectos poderiam assim potenciar
uma transição suave e sem grandes rupturas, supondo uma planificação
conjunta entre os docentes. A academização ou escolarização do pré-escolar é
outra das preocupações apontadas pela autora, tendo em conta as inúmeras
publicações, e nem sempre de qualidade, que proliferam no mercado após a
publicação das Orientações Curriculares para a Educação de Infância, as quais
não se articulam com o princípio de que a criança é agente do seu próprio
saber (p.52).
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É avançada a forma inovadora de nos referirmos aos espaços da infância,
sendo proposta, a par com outros autores (Moss e Petrie ,2002), a designação
de “espaços das crianças” por oposição a “serviços para as crianças”, por
parecer que a primeira definição faz uma abordagem tecnocrática e centrada
no adulto, ao invés da segunda, segundo a qual se subentende que estes
espaços permitem que as pessoas, adultos e crianças, sejam menos
“governadas pelo poder, e mais por uma ética do cuidado e do encontro,
tornando-os pensadores críticos e fazendo-o em interacção com outros”
(p.p.53).
No sexto capítulo, Uma pedagogia de fronteira para a educação de infância, a
autora refere que a proposta à infância, aplicando o conceito de
“subjectividades de fronteiras” de Boaventura de Sousa Santos, será o de
“combinar a participação comunitária com a autoria” (p.55). Neste tipo de
pedagogia, a ética, a estética e o cuidar acontecem em simultâneo nas
interacções com as crianças e entre os adultos que delas cuidam, de forma a
sempre prevalecerem os princípios de equidade social. Preconiza, assim, uma
pedagogia de fronteira pela qual a noção do Outro, a diferença, a diversidade e
as possibilidades múltiplas surgem como provocações ao desenvolvimento e
na qual o educador não é neutro e nem a criança é um mero receptor de
saberes. Também neste sentido, nos “espaços policêntricos” (p.56) nos quais a
criança se move, esta não é vista como o centro de tudo, mas antes é
encarada como um sujeito de direitos e de deveres, numa relação dinâmica
com os outros, e, por isso mesmo, orientada para uma participação em
cidadania. Preconiza-se uma educação de infância que seja uma primeira
iniciação à vida democrática, na qual cada um e todos aqueles que trabalham
nestas instituições, promovam o respeito pelo outro e pelo meio ambiente que
todos partilhamos. E porque a educação de infância se desenvolve em
fronteiras de territórios, os educadores de infância são “contrabandistas”, pois
eles “são convidados a transcender fronteiras e a subverterem alguns limites
que lhe são impostos, no quadro de uma gestão escolar cada vez mais
burocratizada” (p.61), são criativos e criadores de uma nova cultura da/para a
infância. Contudo, não foram as grandes inovações feitas em zonas de
fronteira, em territórios ambivalentes, por educadores que ousaram ultrapassar
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os limites pré-estabelecidos e criando experimentações? Caso de Froebel,
Montessori, Décroly, João de Deus e Irene Lisboa entre outros? Como
surgiram no passado os Jardins-de-Infância? Por experimentação e rompendo
os limites do estabelecido, situando-se nas fronteiras (p.62).
E o que levam os “contrabandistas” como bagagem? Levam toda a
documentação pedagógica que promove um saber emancipatório (67),
segundo Boaventura Sousa Santos, na medida em que esta mostra a relação
íntima entre ética e política democrática, promove a avaliação, o
desenvolvimento profissional, a investigação e a prática democrática. Esta
documentação pedagógica torna o trabalho pedagógico transparente para o
exterior, para o Outro, permitindo que ele seja sujeito a interpretação, a crítica e
a avaliação, para que possa novamente ser posto em prática e reavaliado.
Destaque ainda neste capítulo para as famílias, a quem a criança pertence por
natureza e constitui a sua comunidade de afectos (p.66). Também elas são
“habitantes de fronteira” e devem ser parceiros efectivos do jardim-de-infância
e, principalmente, parceiros dos projectos que aí se desenvolvem com e para
os seus filhos.
No capítulo sétimo, Para uma educação de infância no cruzamento de
fronteiras, a autora revisita sumariamente cada capítulo da obra, reafirmando
que na nova pedagogia de fronteira (p.68), a criança é agente do seu próprio
saber, gestora do seu processo de aprendizagem, inserida em “espaços
policêntricos” e em grupos disciplinares que têm “fronteiras” com a educação
de infância.
A leitura desta obra revela-se, assim, essencial para quem tem interesse pela
Educação de Infância e/ou faz dela o seu ofício e o seu viver. Obra não muito
extensa, mas que, contudo, nos abre o horizonte para múltiplas perspectivas,
diversos olhares sobre os universos que se cruzam e entrecruzam com a
educação de infância: “A educação de infância no cruzamento de fronteiras”.
Maria Leonor F.S. Albuquerque