Recomendação atingidos baixo iguacu

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM FRANCISCO BELTRÃO PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CAPANEMA RECOMENDAÇÃO CONJUNTA Nº 01/2014 O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO PARANÁ e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos seus membros ao final indicados, no uso de suas atribuições institucionais, que lhe são conferidas pela Constituição da República e pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei n. 8.625/93 – e pela Lei Complementar n. 75/93 – especialmente a norma do art. 6º, inciso XX, que autoriza “(...) expedir recomendações, visando a melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo para adoção das providências cabíveis”: CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127); 1

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM FRANCISCO BELTRÃOPROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CAPANEMA

RECOMENDAÇÃO CONJUNTA Nº 01/2014

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO PARANÁ e

o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio dos seus membros

ao final indicados, no uso de suas atribuições institucionais, que lhe são

conferidas pela Constituição da República e pela Lei Orgânica Nacional

do Ministério Público – Lei n. 8.625/93 – e pela Lei Complementar n.

75/93 – especialmente a norma do art. 6º, inciso XX, que autoriza “(...)

expedir recomendações, visando a melhoria dos serviços públicos e de

relevância pública, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens

cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo para adoção das

providências cabíveis”:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente,

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais do Ministério Público

zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de

relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,

promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, II);

bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III);

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CONSIDERANDO a atuação do Ministério Público brasileiro em prol do

respeito aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais de

populações atingidas por barragens, pela prevenção, interrupção e

reparação de violações a estes direitos, bem como pela garantia da

participação social nas decisões de políticas públicas que afetam estas

populações, com atenção aos grupos vulneráveis (crianças e

adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, entre outros);

CONSIDERANDO que está em fase de construção a Usina Hidrelétrica

de Baixo Iguaçu, cuja barragem está localizada no trecho do rio Iguaçu,

entre os municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques com o

reservatório indo até a UHE Usina Hidrelétrica Governador José Richa

(Salto Caxias), com capacidade instalada de 350,2 MW e potência capaz

de abastecer 1 milhão de pessoas;

CONSIDERANDO que o começo da operação comercial da usina está

previsto para 2016, bem como o investimento total estimado, da ordem

de R$ 1,6 bilhão, será feito pela concessionária Geração Céu Azul S.A.;

CONSIDERANDO que, além do volume de capital mobilizado,

expressivos e irreversíveis impactos socioambientais decorrem da

implantação de usinas hidrelétricas, tais como o deslocamento

compulsório de populações ribeirinhas, a perda de grandes extensões de

terras produtivas, a interrupção de atividades econômicas vigentes no

local, a supressão da vegetação nativa, a alteração em ecossistemas

diversos, além dos impactos sobre a saúde humana, a disseminação de

vetores transmissores de doenças e a deterioração da qualidade da

água1;

1 Proteção da biodiversidade e construção de barragens hidrelétricas, pág. 30-31 / coordenação Leonardo Pereira Rezende, Jorge Abdala Dergam dos Santos – São Paulo: Editora Fiuza, 2012.

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CONSIDERANDO que em tais empreendimentos é comum se

verificarem violações diretas ao direito à moradia adequada da

população atingida e aos demais direitos que o integram como o direito

ao meio ambiente, à saúde e à dignidade da pessoa humana;

CONSIDERANDO que, segundo Michael Cernea (principal sociólogo do

Banco Mundial), citado em relatório da Comissão Mundial de Barragens

(200, p. 103): “O deslocamento forçado desencadeia um processo que

provoca a exclusão física de determinados grupos de pessoas de um

território geográfico e sua exclusão econômica e social de um conjunto

de redes sociais em operação. Portanto, pessoas atingidas enfrentam

uma variedade de riscos de empobrecimento, que incluem a condição

de sem terra, sem teto, desempregado, marginalizado, além de

insegurança alimentar, aumento de morbidez, perda de recursos

comuns e desarticulação comunitária, que resultam na perda de

elasticidade sociocultural”;2

CONSIDERANDO que, segundo Oliver e Smith, a natureza involuntária

da migração envolve a perda quase total de controle do migrante sobre

a própria vida, e, de modo geral, os processos de reassentamento

fornecem informação insuficiente para permitir que a população afetada

reassuma controle satisfatório e compreensão da ameaça ou reais

mudanças das circunstâncias de suas vidas, de modo que, por ter a

compreensão e controle diminuídos, o processo é geralmente

caracterizado por conflito, tensão e, às vezes, resistência ativa3;

CONSIDERANDO que o Estado Brasileiro é signatário de diversas

declarações e tratados internacionais que reconhecem o direito à

2 Proteção da biodiversidade e construção de barragens hidrelétricas, pág. 103 / coordenação Leonardo Pereira Rezende, Jorge Abdala Dergam dos Santos – São Paulo: Editora Fiuza, 2012.3 Proteção da biodiversidade e construção de barragens hidrelétricas, pág. 83 / coordenação Leonardo Pereira Rezende, Jorge Abdala Dergam dos Santos – São Paulo: Editora Fiuza, 2012.

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moradia como um direito humano fundamental, destacando-se o Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966,

assinado pelo Brasil no dia 24 de abril de 1992, que gera para todos os

Estados-Parte de adotar medidas apropriadas para assegurar a

realização do direito à moradia adequada;

CONSIDERANDO que diversas atividades humanas, por serem

indispensáveis para a manutenção da sociedade, são autorizadas pelo

ordenamento jurídico, apesar de sua potencialidade de causar prejuízos

a terceiros, bem como os danos dela decorrentes são considerados

lícitos, de maneira que o conceito de dano vem se distanciado da noção

de antijuridicidade, impondo-se ao agente, que desenvolveu uma

conduta lícita ofensiva a interesses jurídicos dignos de tutela, a

obrigação de reparar os danos causados, sob pena de deixar as suas

vítimas irressarcidas;

CONSIDERANDO que, consoante o princípio da reparação integral,

qualquer lesão que afete o meio ambiente ou a coletividade deve ser

integralmente reparada, incluindo-se tanto os danos ambientais

patrimoniais quanto os danos ambientais morais ou extrapatrimoniais;

CONSIDERANDO que, na sua dimensão individual, a reparação do dano

ambiental pretende tutelar, de forma imediata, a lesão ao patrimônio e

demais valores das pessoas, e, apenas de modo mediato e incidental,

almeja proteger o meio ambiente em sua dimensão difusa, podendo ser

a lesão individual de cunho material, quando destrói ou altera bens ou

impõe perdas de caráter econômico às vítimas, ou de caráter moral,

quando afeta a afetividade ou outros valores relevantes para os seus

proprietários;

CONSIDERANDO que, em sua acepção difusa, o dano ambiental pode

ser compreendido como lesão ao meio ambiente, como bem de uso

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comum do povo, e, na violação do direito de toda a coletividade ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado constitucionalmente

como direito fundamental. O dano ambiental coletivo também pode ser

patrimonial, quando causa repercussão no mundo físico, afetando o

patrimônio ambiental ou extrapatrimonial, quando afeta valores

incorpóreos da coletividade4;

CONSIDERANDO que a reparação do dano moral ganhou um grande

incremento com a Constituição Federal de 1988, que previu nos incisos

V e X do art. 5º a possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente

moral, dispondo que:

“Art. 5º [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,

além da indenização por dano material, moral ou à imagem. [...] X - são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente

de sua violação.” (BRASIL, 1988).

CONSIDERANDO que, no direito brasileiro, existe fundamento legal

para o dano extrapatrimonial difuso ligado à personalidade, sendo o seu

objetivo a proteção de um interesse comum de todos, indivisíveis e

ligados por uma premissa de solidariedade;

CONSIDERANDO que a proteção da cultura configura um direito

fundamental tutelado constitucionalmente, notadamente pelo art. 216

da Constituição Federal de 1988, que dispõe que:

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores

de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de

expressão;

4 Proteção da biodiversidade e construção de barragens hidrelétricas, pág. 129 / coordenação Leonardo Pereira Rezende, Jorge Abdala Dergam dos Santos – São Paulo: Editora Fiuza, 2012.

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II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e

tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais

espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos

urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico.”

CONSIDERANDO que o direito à cultura está previsto no art. 215 da

Constituição Federal de 1988, da seguinte forma:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais

e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização

e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do

processo civilizatório nacional.

§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta

significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.”

CONSIDERANDO que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa

Humana (CDDPH), reunido em Campo Grande/MS, reconheceu a

existência de um padrão recorrente de graves violações aos direitos

humanos na construção de barragens, cujas conseqüências acabam por

acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações

de miséria e desestruturação social, familiar e individual, com

recorrentes violações aos direitos à informação, à participação, ao

trabalho, a um padrão digno de vida, à moradia adequada, à melhoria

contínua das condições de vida e à plena reparação das perdas;

CONSIDERANDO que, no Plano Ambiental Básico, diretriz de todo o

processo de construção do empreendimento em análise, consta que o

Programa de Remanejamento e Monitoramento da População Atingida

“tem por finalidade mitigar os impactos causados às

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comunidades que vivem nessas áreas afetadas e adjacentes, de

maneira que tenham a menor e, se possível, nenhuma perda

tanto cultural, social, quanto econômica”;

CONSIDERANDO que são objetivos específicos do Programa de

Remanejamento e Monitoramento da População Atingida “promover

avaliações socioeconômicas e patrimoniais”;

CONSIDERANDO que, de acordo com o Plano Ambiental Básico já

mencionado, será desenvolvida uma pesquisa imobiliária de preços, com

o acompanhamento da comissão de atingidos, com o objetivo de

estabelecer os valores unitários para terra nua, culturas, melhoramentos

de solo, benfeitorias, construções e instalações;

CONSIDERANDO que serão discutidos e acordados os critérios para

avaliação da viabilidade das propriedades, aproveitamento das áreas

remanescentes, necessidade de reassentamentos rurais coletivos e

outros;

CONSIDERANDO que o art. 5º, XXIV, da Constituição da República

estabelece que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação

por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante

justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos

nesta Constituição”;

CONSIDERANDO que a implantação de uma barragem implica, via de

regra, processo complexo de mudança social, que envolve

deslocamento compulsório de população e alterações na organização

cultural, social, econômica e territorial;

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CONSIDERANDO que, na identificação dos tipos de impactos em tais

empreendimentos, devem ser considerados, entre outros: a) o

deslocamento compulsório (de proprietários e não proprietários); b) a

perda da terra e outros bens; c) perda ou restrição de acesso a recursos

necessários à reprodução do modo de vida; d) perda ou redução de

fontes de ocupação, renda ou meios de sustento; e) ruptura de circuitos

econômicos;

CONSIDERANDO que devem ser consideradas como perdas as

alterações impostas a circuitos e redes de sociabilidade, sempre que

implicarem a ruptura de relações importantes para a reprodução social,

consideradas as dimensões culturais e a identidade dos grupos,

comunidades e famílias atingidas;

CONSIDERANDO que as perdas de natureza afetiva, simbólica e

cultural, imateriais e intangíveis, e por isso mesmo não passíveis de

quantificação, e, a fortiori, de monetarização, devem ser consideradas e

objeto de ampla e aberta discussão e negociação;

CONSIDERANDO que proprietários e não proprietários, pequenos

meeiros, parceiros, posseiros (de terras públicas ou privadas),

empregados, autônomos, trabalhadores informais, pequenos

empresários e outros poderão ser considerados atingidos, de modo que

a ausência de título legal de propriedade, de vínculo legal de emprego

ou de formalização da ocupação ou atividade não será tomada como

critério para excluir grupos, comunidades, famílias ou indivíduos do

adequado reconhecimento como atingido;

CONSIDERANDO que, uma vez imposta, voluntária ou

involuntariamente, perda ou prejuízo, entende-se por reparação toda e

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qualquer forma de satisfação dada ao prejudicado/atingido, podendo

ocorrer sob várias formas;

CONSIDERANDO reposição, restituição ou recomposição, quando o

bem ou infra-estrutura destruídos, ou ainda a situação social

prejudicada, são repostos ou reconstituídos;

CONSIDERANDO que indenização se dá quando a reparação assume a

forma monetária;

CONSIDERANDO que compensação ocorre quando se oferece outro

bem ou outra situação que, embora não reponham o bem ou situação

perdidos, são considerados como satisfatórios em termos materiais ou

morais;

CONSIDERANDO que nas políticas voltadas para a mitigação e

reparação, material e moral, dos impactos fazem jus à reparação, seja

como reposição, indenização ou compensação, todos os atingidos –

comunidades, grupos sociais, famílias e indivíduos, de modo que o

empreendedor tem a responsabilidade repor, restituir, recompor,

indenizar e compensar danos causados a todos quantos forem atingidos

por seus empreendimentos, em todas as etapas, do planejamento à

operação;

CONSIDERANDO que as indenizações por propriedade, benfeitorias,

lucros cessantes, perda de emprego ou acesso a recursos necessários à

sobrevivência não encerram o processo de reparação, que deverão,

sempre, necessariamente, assegurar, a grupos sociais, comunidades,

famílias e indivíduos, meios de recomporem seus meios e modos de vida

e gozarem do direito à melhoria contínua das condições de vida;

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CONSIDERANDO a necessidade de identificar grupos vulneráveis –

mulheres chefes de família, crianças e adolescentes, idosos, portadores

de deficiências, doentes crônicos, etc -, bem como as perdas que lhes

serão impostas pela ruptura social e econômica decorrente do

empreendimento, de modo a promover políticas, planos e programas

específicos;

CONSIDERANDO as reconhecidas limitações de processos de mitigação

e reparação, as insuficiências de esforços de reposição, recomposição,

restituição, indenização e compensação, impõe-se a necessidade de

adoção de uma perspectiva integrada, através da adoção e

generalização de planos de recuperação e desenvolvimento econômico

e social da s populações atingidas;

CONSIDERANDO que experiências de reparação reconhecidamente

bem sucedidas, como Salto Caxias, que é citada na página 6 do Plano

Ambiental Básico da Usina do Baixo Iguaçu, reconheceram os direitos à

justa indenização e ao reassentamento;

CONSIDERANDO a necessidade de se respeitar o direito à justa

negociação e ao tratamento isonômico, conforme critérios transparentes

e coletivamente acordados;

CONSIDERANDO que em muitas situações o empreendedor se

prevalece do caráter privado e individualizado dos processos de

negociação e contratação da compra-e-venda para tratar de maneira

desigual a atingidos;

CONSIDERANDO que o Decreto nº 3.365/41 restringe a discussão

judicial ao valor da indenização, partindo do pressuposto de que todas

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as perdas decorrentes do deslocamento compulsório são indenizáveis

monetariamente e desconsiderando seus aspectos imateriais e

intangíveis, cuja valoração não se dá sob tal forma;

CONSIDERANDO que tais condutas pode propiciar violação de direitos

humanos, contribuindo para a deterioração das condições materiais e

imateriais de vida de grupos sociais, famílias e indivíduos atingidos;

CONSIDERANDO que, ao tomar como referência apenas o preço de

mercado, os processos expropriatórios infringem a norma constitucional

da justa e prévia indenização, uma vez que o preço de mercado não

necessariamente se coaduna com a noção de justiça social;

CONSIDERANDO que as indenizações pelo preço de mercado não

compensam os proprietários pelo fato de estarem sendo

compulsoriamente constrangidos a alienar sua propriedade, tratando-os

como se fossem livres vendedores;

CONSIDERANDO que mitigações e reparações, isto é, restituições,

indenizações e compensações, devem ser objeto de negociação coletiva,

envolvendo as representações organizadas das populações atingidas,

além de que as negociações individuais que se impuserem devem ser

conduzidas de forma aberta e transparente;

CONSIDERANDO que no caso de deslocamentos compulsórios, o

reassentamento coletivo, o mais próximo possível do assentamento

original, deve ser oferecido com opção preferencial, devendo os

atingidos ter assegurado seu direito de participarem, em qualquer

circunstância, da escolha da localização e do desenho do projeto do

reassentamento;

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CONSIDERANDO que, preservado o caráter individual do ato de compra

e venda, as regras, critérios e parâmetros de indenização e reparação

sejam objeto de negociação coletiva;

CONSIDERANDO que, em cada empreendimento, antes das

negociações individuais, sejam objeto de negociação coletiva e prévia

aprovação dos atingido s os critérios e parâmetros para identificar, bens

e benfeitorias passíveis de reparação, bem como os parâmetros para o

estabelecimento de valores indenizatórios e eventuais compensações;

RESOLVEM:

RECOMENDAR a Vossa Senhoria que atenda, integralmente, aos

objetivos estabelecidos no Plano Básico Ambiental, devendo,

particularmente:

a) mitigar os impactos causados às comunidades que vivem nessas

áreas afetadas pelo empreendimento, de maneira que tenham a menor

e, se possível, nenhuma perda tanto cultural, social, quanto econômica;

b) desenvolver pesquisa imobiliária de preços, com o acompanhamento

da comissão de atingidos, com o objetivo de estabelecer os valores

unitários para terra nua, culturas, melhoramentos de solo, benfeitorias,

construções e instalações;

c) discutir e acordar com a comissão dos atingidos os critérios para

avaliação da viabilidade das propriedades, aproveitamento das áreas

remanescentes, necessidade de reassentamentos rurais coletivos e

outros;

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d) considerar na definição de impactos a serem os seguintes pontos: I - o

deslocamento compulsório (de proprietários e não proprietários); II - a

perda da terra e outros bens; III - perda ou restrição de acesso a

recursos necessários à reprodução do modo de vida; IV - perda ou

redução de fontes de ocupação, renda ou meios de sustento; V - ruptura

de circuitos econômicos; VI - as perdas de natureza afetiva, simbólica e

cultural, imateriais e intangíveis;

e) admitir como eventuais atingidos proprietários e não proprietários,

pequenos meeiros, parceiros, posseiros (de terras públicas ou privadas),

empregados, autônomos, trabalhadores informais, pequenos

empresários e outros, de modo que a ausência de título legal de

propriedade, de vínculo legal de emprego ou de formalização da

ocupação ou atividade não será tomada como critério para excluir

grupos, comunidades, famílias ou indivíduos do adequado

reconhecimento como atingido, podendo ser aceitos todos os meios de

prova razoáveis e verossímeis;

f) identificar grupos vulneráveis – mulheres chefes de família, crianças e

adolescentes, idosos, portadores de deficiências, doentes crônicos, etc -,

bem como as perdas que lhes serão impostas pela ruptura social e

econômica decorrente do empreendimento, de modo a promover

políticas, planos e programas específicos;

g) considerar como referência a ser observada nas reparações –

indenizações e reassentamentos - do presente empreendimento a

experiência de reparação reconhecidamente bem sucedida de Salto

Caxias;

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h) respeitar o direito à justa negociação e ao tratamento isonômico,

conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;

i) fazer prevalecer o caráter coletivo dos processos de negociação e

contratação da compra-e-venda para tratar de maneira igual a atingidos;

j) velar pelo reassentamento coletivo, a se localizar o mais próximo

possível do assentamento original, a ser oferecido com opção

preferencial, devendo os atingidos ter assegurado seu direito de

participarem, em qualquer circunstância, da escolha da localização e do

desenho do projeto do reassentamento.

Oportuno frisar que as recomendações, ora exaradas, não impedem ou

prejudicam tratativas já realizadas entre a Comissão de Representantes

dos Atingidos e o empreendedor, reputando o Ministério Publico salutar

a continuidade das negociações coletivas entre as partes.

Por fim, REQUISITAM que, no prazo de 10 dias a contar do recebimento

desta Recomendação, Vossa Senhoria preste informações quanto à

ciência e cumprimento de seus termos.

Na certeza do pronto acatamento da presente recomendação, colhemos

o ensejo para render votos de elevada estima e distinta consideração.

Capanema, 07 de março de 2014.

Rafael Osvaldo Machado Moura Indira Bolsoni Pinheiro Promotor de Justiça Procuradora da República

Marcos Bittencourt Fowler Procurador de Justiça

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Coordenador em Matéria dos Direitos e Garantias Constitucionais

Silvia Skaetta Nunes Daniel Pedro Lourenço Promotora de Justiça Promotor de Justiça

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