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Dias 8 e 9 de novembro de 2007 Instituto de Engenharia

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EXPEDIENTEPresidente Edemar de Souza Amorim Vice-presidente de Administrao e Finanas Camil Eid Vice-presidente de Atividades Tcnicas Paulo Ferreira Vice-presidente de Relaes Externas Ozires Silva Vice-presidente de Assuntos Internos e Associativos Dario Rais Lopes Vice-presidente de Administrao da Sede de Campo Permnio Alves Maia de Amorim Neto Diretores:4

ENTIDADES APOIADORASDiretor Financeiro Odcio Braga de Louredo Filho Diretor de Educao Marco Antonio Domingues Diretor de Relaes Externas Francisco Armando Noschang Christovam Diretor de Relaes Internacionais Miracyr Assis Marcato Redao Assessoria de Comunicao do Instituto de Engenharia e Carlos Mello Reviso Isabel Dianin e Carlos Mello Projeto Grfico Via Papel Estdio Fotos do Seminrio Ricardo Reis Fotos da capa PhotoDisc, Shutterstock, arquivo Revista Engenharia, divulgao Embraer e Petrobras.5

Diretora Secretria Miriana Pereira Marques Diretor Secretrio Substituto Marcos Moliterno

Instituto de Engenharia

Av. Dr. Dante Pazzanese, 120 - Vila Mariana 04012-180 - So Paulo/SP + 55 11 3466-9200 [email protected] iengenharia.org.br

NDICE

NDICE DE PARTICIPANTESAMORIM, Antonio Carlos Pasquale de Souza AMORIM, Edemar de Souza BANCOVSKY, Paulo 29, 81 2, 49, 50, 61, 73, 81, 88 21, 40, 78 68 64, 72 19, 27 66, 71, 76 40, 45, 49, 50 37, 38, 45, 48, 51, 52, 55, 56 73, 89 30, 53, 55, 74 47 82 23, 27, 31, 71, 72 54 76, 86, 89 29, 37, 54, 84, 86, 88 42, 44, 74 16, 24, 28, 29, 44, 53, 56, 66, 73, 82 14, 28 38, 40, 47, 53 19, 30, 35, 37, 38, 48, 57 44 87 70 22, 38, 62, 72 25, 45 35, 37, 38, 48, 51 63, 76 55, 56, 75, 82,86 26, 27, 28, 39, 43 20, 25, 26, 31 22, 37, 65, 777

ndice de Participantes Apresentao Momento de unio (Abertura do Evento Edemar de Souza Amorim) O papel do engenheiro na construo de um projeto para o Brasil (Palestra Inaugural Marcos Tlio de Melo) Abordagem temtica 1 Primeira parte Os desafios na formao e no exerccio da engenharia Segunda parte Debates Abordagem temtica 2 O papel dos representantes da engenharia Encerramento

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BERNASCONI, Jos Roberto BRAGUIM, Jos Roberto BRANDO, Ftima CARDOSO, Jos Roberto CARVALHO, Flvio de Azevedo CHRISTOVAM, Francisco Armando Noschang CHVOJKA JR., Vladimir CIMINO, Remo

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COSTA, Srgio Rogerio Cesario CUNHA, Jos Tadeu DOMINGUES, Marco Antnio ESCUDEIRO, Camila FIGUEIREDO, Joo Ernesto HELENE, Paulo HERV NETO, Egydio MEHL, Luiz Cludio MELO, Marcos Tlio de MERIGHI, Joo Virglio MOREIRA, Heli Jos Fernandes NAKAO, Osvaldo NUNES, Renato Luiz Martins PESSA NETO, Djalma Pinto QUITES, Newton RIBEIRO, Jorge Guaracy SAYO, Alberto SILVA, Jos Tadeu da TAVARES, Marita Aras de Souza TONINI, Adriana Maria TORRE JR., Walter TRINDADE, Mrcio Damazio

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APRESENTAOpresente publicao um desdobramento do seminrio Reconstruindo a Engenharia Brasileira, realizado nos dias 8 e 9 de novembro de 2007, no Instituto de Engenharia. Ela tem como objetivo tornar pblico o contedo de um evento que produziu uma das mais expressivas e profcuas discusses ocorridas no pas sobre os destinos da engenharia nacional. Na ocasio, os debates foram sustentados por um precioso conjunto de idias e diagnsticos que gravitaram em torno de temas como a qualidade da formao e a representao dos engenheiros. Ambas so questes-chave para o fortalecimento dos profissionais desse setor e suscitam muitas dvidas. Como estruturar os cursos universitrios? Como qualificar melhor o profissional e mant-lo atualizado ao longo de sua carreira? Como unir a categoria para torn-la mais forte e atuante? A necessidade de respostas para essas interrogaes torna-se cada vez mais premente. Durante dcadas, o Brasil amargou uma severa estagnao econmica, registrando taxas pfias de crescimento. Esse cenrio conduziu o pas a uma espcie de ocaso tcnicocientfico. Mas esse quadro est em franca transformao. Em que pesem as crises internacionais, um momento raro de desenvolvimento agita a economia nacional. Paralelamente, no mundo, a tecnologia evolui em ritmo impressionante. Mais do que nunca a inovao um fator decisivo para a competitividade de uma nao. Sob todos os aspectos, h muito a ser construdo. , portanto, imprescindvel a participao de tcnicos de uma maneira geral e de engenheiros em particular neste momento da vida nacional. Esses profissionais esto, inquestionavelmente, entre os protagonistas desse novo contexto global. Mas marcar presena na sociedade no uma tarefa simples. Hoje, a representao dos profissionais de engenharia Edemar de Souza Amorim difusa e, por isso mesmo, frgil. Enfrentamos ainda entraves crnicos na formao dos estudantes. E esse no um problema apenas das faculdades. Ao contrrio, resultado de uma sucesso de erros e vazios acumulados desde os nveis mais bsicos da educao. preciso tambm enfrentar o desinteresse por questes tcnicas existente entre os jovens. Deveramos ter atualmente 20% dos estudantes em reas tcnicas. Temos somente 8%. As pginas seguintes demonstram, no entanto, que existem sadas para esses impasses. Mas a condio bsica para encontr-las manter a discusso ativa, sustentar o debate e executar as melhores propostas formuladas. O que no podemos fazer manter nossas idias restritas a um pequeno crculo de pessoas. Da, reafirme-se, a oportunidade desta publicao. Alm de ser distribuda em faculdades e em entidades de engenharia e de engenheiros, ela estar disponvel para todos os interessados. Pode, assim, fazer reverberar em outros setores nosso interesse inequvoco pelo desenvolvimento da profisso e do pas.

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PRIMEIRO DIA DO DEBATE

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EDEMAR DE SOUZA AMORIM

Presidente do Instituto de Engenharia Primeiro diatros, num esforo nunca antes necessrio no Brasil. Teremos de lutar contra a mediocridade da maioria dos cursos de engenharia, contra a banalizao da contratao de servios e projetos, para o estabelecimento de critrios de qualidade e intensificao da fiscalizao. Enfim, chegada a hora de repensar o papel de instituies como a nossa, passando de representante de categoria articuladora de debates, de depsito de informaes construtora de conhecimento, de entidade isolada lder do movimento de criao de um Pas melhor. Posteriormente, em um artigo para a Revista Empreiteiro, publicado em agosto, fiz uma analogia dos erros do passado, citando o Imprio Romano, com suas obras magnficas, em p at hoje, nas quais foi usada uma tecnologia da argamassa que manteve estas construes maravilhosas, pontos tursticos tanto na frica como na Europa. Logo depois da queda de Roma, com as invases brbaras, perdeu-se essa tecnologia. As obras dessa poca desapareceram, no deixaram vestgios. Um perodo sumiu na histria. Sobre essa tecnologia, que tnhamos e se perdeu, trao a seguinte analogia: A engenharia brasileira, hoje corre o mesmo risco, pois, com o passar dos anos, a ltima gerao de grandes engenheiros, responsveis pelas grandes obras do milagre brasileiro, est encolhendo num processo natural de envelhecimento e aposentadoria sem que haja no horizonte a esperana de reposio desses profissionais. Com o Brasil paralisado h 20 anos, toda uma gerao de novos engenheiros formou-se para atuar na administrao de empresas, no mercado financeiro ou para virar suco em empreendimentos prprios. Hoje, patente a juniorizao dos canteiros de obras e escritrios de projetos, com a dispensa de profissionais com mais de 50 anos de idade por questes de controle de custos. O maior desafio da engenharia brasileira ser reverter esse quadro dramtico, aproveitando a disposio governamental de realizar os necessrios investimentos em infra-estrutura represados h 20 anos, lutando para reinserir no mercado de trabalho os engenheiros experientes, desenvolvendo metodologias de atualizao em novas tecnologias para os mais velhos e de capacitao tcnica para os mais jovens. Pois a preservao e aquisio de conhecimento tcnico so imperativas para o pas. Mais tarde, no editorial de nosso jornal, em setembro: Vivemos um problema conjuntural, perdemos uma gerao de engenheiros para o mercado financeiro, graas aos 25 anos de crise e falta de investimentos do governo, e estamos perdendo outra para a aposentadoria. Mas nada poderia ser pior do que perder uma terceira gerao pela m formao universitria. claro que existem no Brasil grandes universidades, com cursos de excelncia comprovada, mas graas poltica de reconhecimento de cursos do Ministrio da Educao e a inrcia de Conselhos e Associaes, cursos de engenharia com menos de quatro mil horas de aulas esto se tornando mais comuns do que a prudncia e as boas prticas recomendam. No se pode ignorar, tambm, a enormidade de especializaes reconhecidas pelos CREAs. As matrias tornaram-se cursos completos para cobrir nichos de mercado. O Brasil, nas ltimas dcadas, perdeu muitas oportunidades de desenvolvimento por falta de coragem ou viso de seus lderes. Assistiu passivo ao despertar de naes que investiram na formao de seus cidados, enquanto modelos e investimentos passados eram abandonados por divergncia poltica. Hoje, com a velocidade propiciada pela tecnologia, as mudanas acontecem quase instantaneamente. Corremos o srio risco de perder mais esta chance, por falta de profissionais qualificados, passando de produtor de conhecimento e tecnologia a mero importador de servios tcnicos. A engenharia preciso intervir no processo de formavirou sinnimo de o dos engenheiros, desemprego. A procura criando, como faz a OAB, um processo de por cursos diminuiu, as classificao e seleo escolas fecharam suas dos cursos e dos profissionais formados. turmas, uma gerao Usando as leis de merde profissionais cado para impedir a deixou de ser formada proliferao de escolas e faculdades inferiores, e nenhuma voz foi promovendo aquelas forte o suficiente com grau de excelncia reconhecido. para mostrar isso preciso conssociedade. cientizar empresas e contratantes que o custo de um mau engenheiro no se resume ao montante pago em salrios ou por servios realizados. Um mau projeto pode custar vidas, requer manuteno ou readequao, comprometendo todo o investimento realizado. preciso retardar a aposentadoria de engenheiros experientes e impedir a juniorizao dos departamentos e empresas de engenharia por questes de custos. Exigindo tambm a atualizao contnua por meio de cursos, estgios, visitas tcnicas, intercmbios etc. preciso incentivar o compartilhamento do conhecimento tcnico entre profissionais e empresas, criando uma malha que facilite a pesquisa, o desenvolvimento e distribuio do conhecimento da universidade para os profissionais e dos canteiros de obras, escritrios de projeto e fbricas para estudantes e professores. As universidades, transformadas em mquinas de produo de diplomas, sem qualquer comprometimento com a formao dos jovens, vm criando especializaes mercadologicamente segmentadas, sem sequer transmitir os conhecimentos bsicos que sustentam os cursos criados. Os critrios fundamentais para a formao de um engenheiro, como grade curricular, carga horria, contedo programtico, so manipulados pelas instituies com o objetivo nico de lotar as salas de aula. O governo, novamente, faz vista grossa, autorizando cursos por critrios, no mnimo, incompreensveis. Coloco esses pontos para introduzir o tema hoje. uma mesa aberta para manifestaes. Acredito que o que est acontecendo extremamente grave. Fiz questo de reler esses textos, amplamente divulgados pelo pas, para que ns lembrssemos desse posicionamento.

Com o Brasil paralisado h 20 anos, toda uma gerao de engenheiros formou-se para atuar na administrao de empresas, no mercado financeiro ou para virar suco em empreendimentos prprios.

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Acredito que esta seja a primeira vez que um evento desta envergadura realizado no pas. Conseguimos reunir as mais importantes entidades dos engenheiros do Brasil, provenientes de sete estados e do Distrito Federal. Juntos, representamos 73% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Desde que assumimos a direo do Instituto de Engenharia temos nos pautado pela unio da classe. Um dos nossos objetivos somar esforos e levantar pautas para a discusso dos problemas atuais, principalmente em torno da forma como a engenharia vista atualmente, se a profisso est ou no sendo respeitada. Este evento tem um formato diferente do usual. Criamos uma mesa redonda de debates e a palavra estar aberta a todos os presentes. Em vez de preparar um discurso de abertura, vou ler manifestaes feitas no nosso discurso de posse ou registradas na revista Engenharia, no jornal do Instituto de Engenharia ou em algum veculo de comunicao que tenha publicado minhas entrevistas. Todas as manifestaes esto interligadas. H dois focos centrais: um a formao do engenheiro, o exerccio profissional e as dificuldades presentes nessas duas frentes. O outro foco est associado representao da engenharia. Em particular, ao trip formado pelos conselhos, sindicatos e associaes. Na Revista Engenharia, de maio, o editorial registrou: Engenharia virou sinnimo de desemprego. A procura por cursos diminuiu, escolas fecharam suas turmas, uma gerao de profissionais deixou de ser formada e nenhuma voz foi forte o suficiente para mostrar isso sociedade. Hoje, luz trazida por acidentes com vtimas, debate-se a qualidade da engenharia nacional. Promotores de justia apresentam-se para apurar as responsabilidades, enquanto os enge-

Momento de unio

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nheiros, nicos com competncia para tal, se calam. necessria e urgente a mobilizao das academias, associaes, clubes, grupos, institutos e sociedades de engenharia espalhados pelo Brasil. Uma mobilizao em torno de idias, propostas, projetos, no de nomes ou atributos de um lder carismtico. Um movimento inovador e diferente como os tempos em que vivemos. Com capacidade para se manter no longo prazo, independente dos homens que o criaram, permitindo que a tocha possa ser passada de mo em mo, ao longo de vrios mandatos, presidentes, superintendentes ou representantes. Felizmente temos a rara oportunidade de fazer histria. Em maro, foi dado um importante passo na direo da unidade do discurso e lanada a pedra fundamental do movimento de mobilizao. Pela primeira vez no Brasil, algumas das mais importantes e representativas associaes de engenharia organizaram, em conjunto, o debate Momento Atual da Engenharia, mostrando que inevitvel esta mudana. Realizamos, em 7 de maro, o debate O Momento Atual da Engenharia Brasileira, numa reunio de 27 entidades. Posteriormente, em 10 de abril, no meu discurso de posse, eu havia frisado: A dura verdade no haver profissionais capacitados para gerenciar os projetos pretendidos. Chegamos absurda situao na qual um engenheiro tem mais perspectivas de trabalho nas mesas de operaes de um grande banco, do que nos canteiros de obras, escritrios de projetos ou fbricas espalhadas pelo pas. Temos a grata tarefa de reerguer a engenharia brasileira, trabalhando em conjunto com associaes, clubes de engenharia, federaes, grupos, institutos e sindicatos, entre ou-

discurso 1

MARCOS TLIO DE MELO

Presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA)rodo de um ms, no mximo um ano, e tinha de ser refeito permanentemente, por causa de um processo inflacionrio extremamente perverso. Nesse sentido, perdemos tambm a cultura tcnica e talvez essa tenha sido a nossa grande perda. Acompanhamos, nos ltimos anos, o fim das estruturas de planejamento, controle e fiscalizao nos nveis federal, estadual e municipal. A inexistncia dessa estrutura gerou a crise que estamos vivenciando hoje, em que, nos acidentes que acontecem, observamos claramente a falta de controle e fiscalizao tcnica, em praticamente todos eles. Por todos esses motivos, essa reflexo me parece importante. Mas temos outras situaes e desafios a enfrentar como o presidente Edemar de Souza Amorim colocou. Na formao profissional, existem as questes qualitativa e quantitativa. A crise da falta de profissionais resultando at da importao deles d-se pela quantidade de profissionais formados, apesar de termos vivenciado um momento, at ento, onde o desemprego na rea de engenharia era muito grande, no s para profissionais, mas de servios para nossas empresas de engenharia. Neste ponto, quero focar, at estrategicamente, na necessidade de pensar num projeto especfico para a consultoria brasileira. Ela foi a mais penalizada. E a engenharia onde est contida? Nas solues de projetos vindos por meio das nossas consultorias. preciso questionar tambm o que fizemos com os nossos laboratrios, tanto os das universidades como os privados? Praticamente, desmontamos a estrutura da rede laboratorial brasileira. H dois dias, em um seminrio na CNI, eu afirmei que o nosso grande desafio recuperar a rede laboratorial pblica e privada do pas, para poder, inclusive, qualificar a prtica do exerccio profissional, como acontece na medicina. Temos que pensar sobre isso como um todo. Tanto para poder qualificar a formao, como para ter a qualificao no exerccio profissional. preciso ficar claro que a qualidade da formao na engenharia resultado da crise na educao como um todo, particularmente no primeiro e segundo graus, em que a qualidade da formao do jovem brasileiro est sendo considerada uma das piores da Amrica do Sul. uma crise brutal, principalmente na formao em matrias como matemtica, fsica e qumica, que forma a base das nossas profisses. Ento, no adiante voltarmos apenas os olhos para o problema da qualidade nas universidades. Temos de observar a qualidade do ensino no segundo grau. Ela pssima. Sem atuarmos nesse ponto, no teremos o ingresso nas universidades de estudantes com a capacidade que ns precisamos para a formao em engenharia. Outro ponto que precisamos observar a necessidade de alinhar as aes das nossas organizaes profissionais, empresariais, educacionais e do governo. Em um passado recente, fruto da disputa por um mercado restrito, tivemos opes diferenciadas, vises diferenciadas e, muitas vezes, colocamos problemas em ns mesmos, sem perceber, inclusive, que ns precisvamos alinhar todas essas vises numa mesma direo para oferecer uma soluo eficaz para a sociedade. E a ns buscamos dentro do sistema profissional, trazer um projeto que chamamos, construir um pacto profissional e construir um pacto das profisses com a sociedade. este o desafio nosso no momento. Mobilizamos 25 mil profissionais este ano, em todos os 27 estados, para realizar esse debate, mas o resultado foi muito aqum do esperado, porque acabamos tentando entender como era o passado, mas no conseguimos projetar o futuro O nosso grande e alinhar nossas videsafio recuperar ses. Respeitar as divergncias de vises a rede laboratorial natural e reflete uma pblica e privada prtica democrtido pas, para ca, mas vamos parar um pouco de colocar poder qualificar a as responsabilidades prtica do exerccio uns nos outros. Temos de encontrar uma diprofissional, reo comum e agir como acontece na nessa trajetria. Esse o grande desafio medicina. para a nossa categoria e organizaes profissionais. Se no alinharmos nossas aes e, quando comecei minha fala, mencionei a importncia de se perceber que as crises na engenharia so as crises da economia e de um pas , se ns no percebermos isso com clareza, ofereceremos solues apenas pontuais. Nesse ponto, gostaria de reforar a necessidade de todos ns (as organizaes profissionais, o sistema profissional, o sistema empresarial e as academias) de ajudar a sociedade a construir um projeto que d sustentabilidade ao desenvolvimento brasileiro. De nada adianta termos um pico de crescimento, no qual as empresas investem, a sociedade se mobiliza e, depois, o que acontece? Uma grande quebradeira que reconduz situao anterior. Precisamos ter um projeto de curto, mdio e longo prazos para o pas. E as nossas profisses tm uma qualificao extremamente importante para ajudar a sociedade a construir essa alternativa com a sustentabilidade que desejamos ambiental e social. Ns estamos fartos de saber que no adianta ter desenvolvimento, como se pregou na dcada de 70, sem que haja distribuio de riqueza, porque no teremos consumidores. O crescimento da economia na histria recente do pas resultado de uma pequenssima distribuio de renda, feita por meio de medidas compensatrias. Elas no vo nos levar longe e precisam ser substitudas por polticas permanentes para um processo de distribuio da riqueza. Esses so os desafios que eu gostaria de colocar inicialmente para a reflexo de todos. E sou extremamente otimista. Estamos vivendo uma poca de grandes e bons problemas.

Nos ltimos 30 anos, o pas foi marcado pela falta de viso estratgica e de planejamento institucional como um todo. Houve uma opo por um processo de desenvolvimento focado na especulao financeira e no no setor produtivo.

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O papel do engenheiro na construo de um projeto para o BrasilQuero parabenizar mais uma vez a organizao deste cesso de desenvolvimento brasileiro. Tivemos tambm o perevento, que ocorre num momento extremamente oportuodo do crculo militar. Foram trs perodos da histria brasileino. Ele d continuidade a diversas reflexes que vm sendo ra. Em todos, havia um projeto nacional de desenvolvimento feitas neste pas, por vrias organizaes profissionais e por muito claro, que resgatava o debate e o papel da engenharia rgos de governo. Temos muitos entraves no momento, mas nesse processo. acredito que so bons problemas. Todos ns fomos formados E o que aconteceu nos ltimos 30 anos? O pas foi marpara resolver essas dificuldades. Se no cado pela falta de viso estratgica e de existissem, certamente ficaramos frusplanejamento institucional como um trados. Inicialmente, temos de fazer uma Acompanhamos, todo. Houve uma opo por um processo reflexo para contextualizar o processo de desenvolvimento focado na especulanos ltimos anos, o como um todo, que culminou com a atuo financeira e no no setor produtivo. fim das estruturas de al necessidade da reconstruo da engeEssa a reflexo que temos de fazer, pois, nharia no Brasil. preciso perceber como, caso contrrio, concluiramos que somos planejamento, controle intimamente, a engenharia est ligada os nicos responsveis pela crise que se e fiscalizao nos nveis aos processos de crescimento e desenvolinstalou na engenharia brasileira. Na vervimento da nao. dade, a crise instalou-se como resultado federal, estadual e Na dcada de 30, passamos por dificulde uma opo por um modelo de desenmunicipal. dades semelhantes ao tentar reconstruir volvimento, no qual o foco na produo um projeto nacional, em um momento no era essencial. em que saamos de uma economia agrA partir da, nos ltimos 30 anos, deiria e passvamos para uma economia industrial. Essa muxamos de pensar estrategicamente no futuro. Perdermos a dana aconteceu com um planejamento muito interessante cultura do planejamento estratgico, principalmente a me competente. Depois disso, vivemos um perodo semelhante dio e longo prazos. Isso aconteceu porque vnhamos de um no incio da dcada de 50, quando se almejava acelerar o properodo em que o planejamento era realizado para um pe-

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ABORDAGEM TEMTICA 1militar que se seguiu e foram utilizados no processo de estatizao da economia. Hoje, um enigma se devemos seguir esse modelo. Mas naquele perodo, organizaes como BNH, BNDES, Petrobras, Vale do Rio Doce e outras tantas empresas sobre controle governamental Luiz Cludio Mehl foram ocupadas por Ns herdamos a engenheiros. Nessa pea, era evidente o incerteza e vivemos contnuo exerccio da a escassez. Esses fora que paralisava os espectadores. sero os desafios Enquanto isso, o permanentes, peas cenrio educacional modificava-se pela reconstantes no teatro forma universitria, do sculo que se conduzida pelo minisinicia tro Jarbas Passarinho, que desarticulava politicamente os movimentos estudantis. O desenvolvimento econmico acontecia com o sacrifcio das liberdades individuais. Nunca o dirigismo de Estado esteve to presente. A criatividade e a livre iniciativa dependiam de um movimento das autoridades de planto. Os tempos de fora caracterizam essa poca. Na dcada de 80, inaugurou-se outra pea teatral. Inicialmente, a ditadura comeou a definhar at se esgotar. Nas palavras do poeta, a liberdade abriu as asas sobre ns. O mundo estava mudando e teve como marco emblemtico dessa transformao a queda do muro de Berlim. Enquanto isso, tentvamos recuperar o tempo perdido pelas leis restritivas de mercado. Especialmente na rea de informaes, os computadores e informtica ainda engatinhavam no Brasil. O incio do processo democrtico com a anistia fez o debate de todas as questes invadirem as ruas. Todos queriam opinar e reivindicar direitos. Na opinio de Tancredo Neves, o povo estava embriagado de esperana. Nessa pea, a palavra era o instrumento de mudana. No incio dos anos 90, estreou uma nova pea: a constituio. Por meio dela, as leis representavam garantias de que nossos direitos estavam assegurados e todos os problemas da nao, equacionados. Dizia-se que bastavam as leis para alcanarmos a soluo para nossos problemas. Cedo descobrimos a importncia da economia para o atendimento dos nossos desejos e das nossas carncias. Depois de servirmos de experimento para alguns planos mgicos, alcanamos a estabilidade da moeda. O paraso estava ao alcance de todos com as medidas de natureza econmica. A partir de 2000, um novo espetculo era apresentado ao povo brasileiro. Enquanto o mundo construa novos muros e promovia outras guerras, consolidamos a democracia ao eleger um lder sindical para Presidncia da Repblica. O parto dessa democracia no tem sido fcil, pois h muitos valores a serem recuperados. O envolvimento de recursos pblicos com interesses particulares e a escolha de gestores pblicos despreparados e sem responsabilidades por seus atos tm dificultado a eficincia do sistema. Vamos buscar novos cenrios, novas peas. Ns somos todos filhos do sculo passado, de alguma forma sobrevivemos s mudanas nos transportes, nos meios de comunicao. Os avies e automveis encurtaram distncias, enquanto o rdio e a televiso nos transformaram em personagens e espectadores do teatro da vida em tempo real. A ousadia dos tcnicos produziu marcos de inovao tecnolgica. Nas ltimas dcadas, presenciamos a revoluo digital, a internet tem alterado valores e mtodos, e vivemos uma poca marcada pela incerteza. Incerteza de como empreender, definir e manter valores, estabelecer novos hbitos e costumes. Por qual caminho seguir? Essa uma pergunta recorrente. Vivemos a era da escassez no princpio de um novo sculo. Sculo que a inspirao para inmeros avanos tecnolgicos, mas que, infelizmente, tambm enfrenta as desvantagens da explorao desmedida. A diminuio da qualidade e quantidade de recursos renovveis, o crescimento desordenado e o acesso desigual a recursos causam o atual entrave ambiental. Fruto desta escassez so a diminuio da produtividade e a migrao da populao menos favorecida. Como resultado, assistimos ao enfraquecimento das naes, instabilidade institucional e aos conflitos tnicos e de pobreza. A gua e a terra demandam uma utilizao cada vez mais racional, os espaos para circulao de pessoas e veculos precisam ser repensados. A oferta de emprego para os excludos da tecnologia deve ser aumentada. Educao de qualidade, habitao e sade, precisam ser asseguradas a todos os cidados. S assim garantiremos a segurana pessoal. Por outro lado, a segurana familiar exigir a ampliao de mecanismos de proteo dos idosos sem prejuzo aos mais jovens. Ns herdamos a incerteza e vivemos a escassez. Esses sero os desafios permanentes, peas constantes no teatro do sculo que se inicia. A manchete do dia real e no pode ser substituda pelo silncio da omisso. A sociedade l fora est insegura e preciso apurar as causas com rapidez e cautela como garantia para que seja feita justia. So incontveis os diagnsticos, e a abordagem sobre eles tomaria todo nosso tempo. Por isso, nos propomos a reflexes sobre alguns acontecimentos destes tempos. O primeiro ponto: onde esto os engenheiros do Brasil? H alguns anos, uma revista de circulao nacional formulou essa pergunta e foi encontrar engenheiros e os nossos colegas arquitetos vendendo sanduches, chefiando a cozinha de restaurantes e outros tantos servindo o sistema financeiro. A formao tcnica aliada capacidade realizadora desse profissional tem recomendado a sua utilizao nos mais variados setores de atividade humana. Ocorre que o Brasil investiu anos e dcadas na sua formao. A engenhosidade de encontrar respostas, formular equaes, estabelecer prioridades, prospectar cenrios futuros, tem sido desperdiada em favor da habilidade de manipular nmeros. Devemos reformular os cursos de engenharia que estariam formando tcnicos em excesso, uma colocao que foi feita pelo

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Os desafios na formao e no exerccio da engenhariaCOMpOsiO da Mesa:Luiz CLuDiO MEhL presidente do instituto de Engenharia do Paran PAuLO BAnCOvsky presidente da Academia nacional de Engenharia FtiMA BrAnDO consultora de rh do Grupo Foco MArCO AntOniO DOMinGuEs diretor de Educao do instituto de EngenhariaDevo confessar que, nos ltimos dias, quando coletava elementos para esta exposio, consultei dados de outras organizaes de engenharia. Surpreendeu-me encontrar um trabalho coordenado pela Academia Nacional de Engenharia, em 2004, que reflete a realidade atual de uma forma concatenada, em unssono com todas as aspiraes da engenharia nacional. As colocaes contidas no trabalho, lamentavelmente, no foram levadas discusso nacional. Permaneceram ignoradas. Isso mostra que os temas em debate no so novos. Lamentavelmente, so antigos. Vamos fazer uma rpida explanao a respeito do teatro em que vivemos. Para isso, vamos comear pela dcada de 50. Naquele momento, a primeira pea apresentada foi dramtica. O ambiente estava tomado por campanhas como o Petrleo nosso e contra a corrupo do governo Vargas. Esse perodo, terminou com o suicdio do presidente. Foi sucedido pela proposta alegre e otimista de Juscelino Kubitscheck. Ele queria cortar o pas com estradas, iniciar um processo de desenvolvimento industrial, alavancado por um projeto energtico alis, cabe aos governantes de hoje analisar e aprender com as lies daquele tempo. Os engenheiros, naquela ocasio, eram os principais atores da pea, na qual foi iniciada a construo de cenrios para os transportes e para a energia, alm da nova capital para o pas. Esses cenrios continuaram presentes na pea

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Luiz Cludio Mehl, presidente do Instituto de Engenharia do Paran

DesafIos na formao e no exerccIo Da engenharIanosso presidente Marcos Tlio? Essa tese, meu caro Marcos, no resiste anlise mais superficial da realidade. Os nossos profissionais h muito tempo, tm sido submetidos a um processo de estagnao inaceitvel da economia. Ns necessitamos, na realidade, de aes para extrair a energia dos nossos rios, do soprar de nossos ventos, da prospeco do petrleo e do gs. O crescimento demogrfico e a distribuio desigual do espao tm demandado aes de ampliao nas redes de transporte, saneamento e dos instrumentos de comunicao. Apesar de tudo isso, h quem entenda a engenhosidade como dom natural do ser humano, acreditando ser prescindvel o trabalho do engenheiro. Assim, vemos desde profissionais liberais, atuando como engenheiros de finais de semana, construindo moradias. E as autoridades muitas vezes esto despreparadas para tomar decises que exigem a formao tcnica adequada. Enquanto isso, onde esto os nossos engenheiros? Certamente, no Japo, onde a carncia de tcnicos tem atrado engenheiros para pilotar um trator industrial. Ou esto no Iraque, enfrentando os riscos de uma guerra insana. Os engenheiros e arquitetos esto espalhados pelo mundo construindo estradas, projetando moradias e barragens, e expandindo fronteiras agrcolas. Enquanto isso, o pas carece de solues adequadas para os problemas complexos e solues simples para problemas banais. Identificar esse caminho tarefa de engenheiros. J tivemos a oportunidade de testar os mais diversos sistemas de governo, passando pela experincia dos choques mgicos, colecionando trapalhadas polticas e alimentando a circulao de moeda fcil na mo de poucos. Por que no redescobrir o trabalho neste pedao de mundo estagnado em que vivemos, substituindo a engenharia financeira pela engenharia de produo? O IEP prope a promoo do encontro de engenheiros e arquitetos nos canteiros de obras, nos chos de fbricas, no campo gerando emprego. A presena dos engenheiros no desenvolvimento dos ltimos 40 anos vai ser a pea que passaremos a descrever agora. Rapidamente, observamos que apesar de toda a dramaticidade h alguma coisa que faz o pas avanar. Ns comparamos o nmero de moradias existentes em 1960, que totalizavam 13.470.000 e, em 1990, com 35 milhes (veja grficos pgina 32). A taxa de analfabetismo caiu violentamente desde a dcada de 60. Esse no deixa de ser um pr-requisito para um processo de desenvolvimento. A renda per capta tambm tem melhor distribuio nos ltimos anos. A oferta de residncias com energia tambm aumentou, fruto de uma poltica energtica aplicada corretamente nos 40 anos que se passaram. A frota de veculos, quilmetros de estradas asfaltadas, observa-se um crescimento acentuado em todas as frentes. Pois bem, senhores, o que temos? Temos um problema de carncia por maior representatividade. As academias, por um lado representadas pelas universidades, desenvolvem o conhecimento. As associaes e institutos representam as categorias profissionais. O sistema Confea/Crea e os sindicatos constituem os rgos reguladores e fiscalizadores da atividade profissional. As instituies conectadas ao sistema e os sindicatos destacam-se pelo volume, arrecadao de recursos e pela dependncia de rgos governamentais, enquanto universidades e entidades associativas carecem de numerrio e dependem do resultado de servios e atividades prestados ao pblico. Para garantir e ampliar a representatividade, seria fundamental a unio e a reformulao das entidades em torno do interesse de categorias profissionais de Ftima Brando um projeto de nao. Trabalho com O desenvolvimento de servios, educao, muitas vagas de cultura e a prtica de engenharia. visvel atividades de responsabilidade social, de para todas as pessoas pesquisa tecnolgica, que atuam em RHs comunicao com a que o problema de sociedade, elemento extremamente imporformao geral, tante, sobre a imporno se restringe tncia das aes da engenharia e arquitetura engenharia. so iniciativas bsicas dessas entidades. Os recursos arrecadados deveriam garantir a promoo e a realizao de interesse pblico/privado. A resposta a esses desafios est no trabalho eficiente de profissionais de engenharia e arquitetura do nosso pas, como agentes do servio pblico e de atividades privadas. Nessa direo, buscaremos refletir sobre o seguinte aspecto: a soluo da eficcia profissional do engenheiro e do arquiteto deve girar em torno do poder, do lucro, do salrio, do conhecimento acadmico e elas todas dependem do entendimento do espao que ocupamos, de qual ambiente viemos, de onde estamos e para aonde vamos, so questes que exigem reflexo. Senhores, voltemos ao teatro, ao teatro do absurdo. No cenrio esto os transportes, parece-nos desnecessrio juntar mais crticas situao das estradas, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. Sabe-se que muitos dos problemas ocorridos tm origem no desprezo pelo planejamento, pelo desconhecimento da logstica, pela ignorncia dos procedimentos bsicos de recuperao e manuteno e ainda pela formulao e desenvolvimento de projetos incompletos, imprecisos e at de parmetros de carga de veculos incompatveis com a rodovia ou a ferrovia. A questo : como reduzir o limite da falncia do sistema de transporte assegurando o crescimento econmico? A pea da energia. de conhecimento nacional e internacional que o pas convive com um componente limitador no desenvolvimento industrial: a produo da energia. Lies recentes nos ensinaram a importncia de buscar solues prprias. Por imprevidncia geramos dependncia, que o diga o presidente Lula em sua prxima visita Bolvia. A questo : como agilizar aes que afastem a ameaa do caos energtico e permitam a retomada do crescimento? Na pea sobre o saneamento bsico, sem falar das implicaes para o meio ambiente, sabe-se dos nmeros e das conseqncias para a sade daqueles que convivem com o problema da deficincia nesse setor. A questo : como reduzir esse problema a uma proporo aceitvel tanto moral como socialmente? Sobre a gua e o meio ambiente. As nossas cidades assistem ao aumento de resduos de toda ordem, aliado ao despreparo para trat-los. As cidades pedem por maiores volumes de gua, cada vez mais escassa e ameaada pela poluio. A questo : como atacar este assunto, antecipando-se adoo em um futuro no distante de medidas restritivas de grave impacto ambiental? Sobre habitao. Esse tema tem sido to freqente na mdia que sua meno torna-se enfadonha. No entanto, essa a dura realidade de milhes de brasileiros. A questo : por quais mecanismos ser vivel retirar famlias de abrigos inadequados para uma condio que lhes confira dignidade? Sobre a educao. Segundo dados do CAPS, o Brasil forma atualmente 10 mil doutores. Destes, apenas 13% so de engenharia e cincia de computao. Nos pases que competem conosco, como a Coria, a China e a ndia, o ndice de engenheiros alcana 70% dos doutores. O Ministrio da Educao no pode fugir s suas obrigaes, estabelecendo polticas adequadas para o ensino bsico e superior, no delegando a possibilidade de reduo da grade curricular e estimulando cursos de complementao. So esses, senhores, alguns cenrios que devem ser reconstrudos para evitar o teatro do caos. Trabalho com muitas vagas de engenharia. visvel para todas as pessoas que atuam em RHs que o problema de formao geral, no se restringe engenharia. Mas, em relao engenharia, percebo uma dificuldade especfica. H alguns anos, era possvel fazer um curso tcnico. Ento, com 15 ou 16 anos, o estudante comeava a fazer um curso de edificaes, por exemplo, que correspondia ao segundo grau. Hoje, isso no acontece. A pessoa faz o segundo grau e depois entra na faculdade. Isso atrasa a formao e leva a uma certa imaturidade do profissional. Algumas pessoas so formadas sem a segurana que poderiam ter se tivessem tido uma formao anterior e a oportunidade de amadurecer. Elas poderiam ainda se perguntar: isso mesmo o que quero seguir, quero ser um engenheiro civil, um engenheiro mecnico? Mas, em geral, a formao dos estudantes no Brasil muito deficitria. Agora, em relao aos engenheiros que esto no mercado, acho que existem coisas que as universidades deveriam trabalhar. No conheo e no posso falar sobre a questo tcnica. Mas, quando procuramos um engenheiro snior e pleno, falta vivncia empresarial. O que se exige do engenheiro hoje no s o conhecimento tcnico. Ele tem de ter habilidades de relacionamento e de negociao. Mas o engenheiro geralmente tem uma formao mais rgida, mais direcionada. Acho que as universidades poderiam trabalhar a flexibilidade do profissional para atuar em outras reas. O engenheiro tem de ser um gestor no futuro e no um profissional voltado para questes tcnicas. isso o que concluo quando fao um processo seletivo: Este profissional bom, tem uma boa experincia, mas no tem muita habilidade de relacionamento, no tem muito envolvimento com o negcio, no tem habilidade de negociao. Esses so problemas que enfrentamos no diaa-dia. O que falta ao profissional essa habilidade de ter uma atuao mais generalista. A juniorizao, comentada pelo senhor Marcos Tlio, resultado da formao um pouco mais tardia, associada a uma preparao essencialmente tcnica e menos voltada para a gesto, para o relacionamento e para outras habilidades alm das tcnicas.

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Ftima Brando, consultora de RH do Grupo Foco

Os problemas so inmeros e vou comentar alguns deles neste primeiro momento. Entre 1965 e 1990, houve um incentivo governamental intenso pos-graduao. Pode-se dizer que na rea da engenharia, o regime militar fez deslanchar a pesquisa e a ps-graduao na UFRJ, na Unicamp, na USP e inmeros centros surgiram no Recife, na Paraba, em Campina Grande e em outros estados. Imaginava-se, naquela poca, que a ps-graduao puxaria e incentivaria a graduao. Posso assegurar que, pelo menos em alguns casos, isso no aconteceu. Dentro da estrutura da ps-graduao, em que preciso produzir artigos, ir a congressos e participar de conferncias, poucos se dedicavam graduao. Simultaneamente, no regime militar, foi feita uma reforma universitria, como foi apontada aqui, em que os catedrticos foram substitudos pelos departamentos. Havia uma sria de crticas maneira como os Heloi Jos catedrticos atuavam Fernandes Moreira e foram criados os departamentos. A engenharia exige Na minha conlaboratrios pesados, cepo, hoje, os departamentos dentro que necessitam das universidades de atualizao tm um papel semelhante ao que os cafreqente de tedrticos tinham no equipamentos. Isso passado. Se observarmos a estrutura das muito caro e s universidades nas pode ser bancado escolas de engenhapelas instituies ria, os departamentos consideram-se donos suportadas pelo dos seus cursos, o que poder pblico. impede que haja uma unificao na carrei-

Heloi Jos Fernandes Moreira, presidente do Clube de Engenharia, Rio de Janeiro

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DesafIos na formao e no exerccIo Da engenharIara. O departamento de mecnica entende que o curso de mecnica de competncia somente dele. Isso fragmenta as unidades, as escolas e, por sua vez, faz com que a viso do engenheiro formado seja estanque, restrita mecnica. Por outro lado, a maioria do professoWalter Torre Jr res da ps-graduao Temos scios dedica-se a consultorias e prestao de de Cingapura servios. Isso dificulta e eles ficaram a sua atuao dentro da prpria ps-graabsolutamente duao e faz com que decepcionados com o no se dedique graduao. uma forma que oferecamos para de compensao salapreparar os nossos rial, observada dentro das universidades. engenheiros. evidente que, sem investimento pblico, no h engenharia. E se, e aqui concordo plenamente com Marco Tlio, no houver um planejamento de desenvolvimento para este pas, com metas a serem atingidas em obras, no teremos alunos e candidatos interessados nos cursos. Discordo um pouco da senhora Ftima Brando, porque na dcada de 60 ou 70, a maioria dos alunos de engenharia no passou por um curso tcnico. A realidade era outra. Mas isso no faz com que o aluno, hoje, por ter cursado um curso tcnico, v optar pela engenharia. Pela necessidade de rendimento, muitas pessoas que passam pelo curso tcnico, e depois dele vo enveredar por um curso de graduao, o fazem numa instituio que facilite a sua vida profissional como tcnico. Por exemplo, a Petrobras que apresenta salrios excelentes para o nvel tcnico. O aluno, ao se formar como tcnico, presta o concurso para Petrobras e, depois, tem dificuldade de realizar o curso de engenharia. So detalhes que acabam compondo esse mosaico que observamos. Pergunto aos senhores: vamos a uma livraria hoje ver a quantidade de livros tcnicos existentes nas prateleiras? Eles no existem. No h autores nacionais. Na dcada de 70, eram poucos, mas existiam. Hoje, nem isso. Os estudantes fazem seus trabalhos dizendo que so da gerao do copia e cola. Pegam o material da internet, marcam, copiam, entram no arquivo e recolocam o texto ali. A engenharia est longe de ser isso. Ela exige laboratrios pesados, que necessitam de uma atualizao freqente de equipamentos, de instrumentao. Isso muito caro e s pode ser bancado pelas instituies suportadas pelo poder pblico. muito difcil para uma universidade privada (eu no estou aqui criticando nenhuma universidade privada) investir em laboratrios, mantendo-os atualizados. O poder pblico tem a obrigao de manter essas universidades pblicas e mant-las bem, por meio, principalmente, dos laboratrios e das bolsas que fixam o aluno dentro da universidade. S queria voltar questo dos departamentos. Quando eles foram criados, no havia comunicao entre os professores. Nas dcadas de 50 e 60, havia dificuldade at de se usar o telefone. A telefonia era um problema complicado. Hoje, com as facilidades das comunicaes, e com a maneira com que as reas da engenharia se entrelaam, no h necessidade mais desses departamentos. Isso, no meu entender, dificulta profundamente a formao de nossos alunos. Finalmente, pergunto: o que a Abenge est fazendo? Sou scio da Abenge e, assim, sinto-me vontade para fazer essa indagao. O que a Associao Brasileira de Ensino de Engenharia est fazendo? Anualmente, ela realiza o Cobenge. Tenho notado no Cobenge muitas aes didticas, ou artigos especializados, mas no vejo uma atuao com grande profundidade. por habitao. Ns abrimos uma empresa h pouco tempo e sua apresentao ao mercado vai ocorrer agora. Essa companhia, em um ms e meio, vendeu 26 mil casas. Temos demanda para outras 40 mil moradias. Como fazer isso no Brasil? Temos de, num momento Paulo Bancovsky de desespero, chamar todos os nossos engenheiros outra vez e tentar requalific-los. Em seis ou dez anos, essa demanda far com que a engenharia vire moda outra vez. Vamos rapidamente sair dos 13% para uns 50% ou 60%. Mas acredito que o nosso foco hoje como executar o que est para ser feito nos prximos 700 dias. Enfim, reconstruir a engenharia isso o que realmente precisamos. Temos uma sociedade com um grupo de Cingapura. Eles contam com uma estrutura ideal, com tudo o que se pode imaginar em termos de programao e planejamento. Ns os trouxemos como parceiros em reas como a tecnologia. Eles quiseram conhecer nossas universidades e ficaram absolutamente decepcionados com o que oferecamos para preparar nossos engenheiros. Como agravante, imaginem que vamos fazer no Brasil plataformas de petrleo. Para isso, precisaremos, em apenas seis meses, contratar aproximadamente 1.800 engenheiros. Existe a necessidade imediata de 600 profissionais. Falando em gs e leo, para se ter o direito de comear a fabricar uma plataforma, hoje o prazo necessrio est girando entre seis e sete anos. Vocs esto vendo o que est acontecendo com o petrleo. A demanda passou a ser pela procura do produto em guas profundas. Isso quer dizer que temos no Brasil um espao gigantesco para a rea de metalmecnica. Temos ainda uma rea habitacional imensurvel, no possvel nem imaginar o que ela ser no futuro. preciso lembrar que os juros eram de 15% e 16% e passaram para 9%. O financiamento, que era de 10%, passou a ser de 30%. Alm do mais, temos de lembrar que o Brasil um pas fantstico. Por mais importantes que sejam os mercados da China e da Rssia, o nico pas que aberto e transparente o Brasil. Isso traz confiana para o investidor. No mximo em julho, atingiremos os nveis de classificao para que os fundos possam investir no Brasil. Hoje, o que eles investem representa apenas entre 2% e 5%. Estaro liberados para investir quanto quiserem. Voltando comparao com outros pases, todos querem aproveitar o momento da China, mas no tm confiana num governo to fechado. Na ndia, existem 600 idiomas, 400 religies. Ou seja, o Brasil traz vantagens evidentes e ns temos de estar preparados. fundamental debater esse tema aqui e trazer a realidade de mercado para os Institutos de Engenharia, alm de cobrar o que vocs pensam a respeito disso. Gostaria de falar um pouco sobre a Vale do Rio Doce, que um grande orgulho nacional. A empresa estava numa cidade que tinha de 20 a 30 mil habitantes. Por causa de novas descobertas e do aumento da minerao, o municpio, em cinco anos, passou a ter 140 mil habitantes. Cada grande mina que a Vale abre ou descobre, cria outros 40 mil empregos. Ento, nessas regies, existe uma inflao. difcil entender, mas ocorre o seguinte: uma cidade tem entre 10 mil ou 15 mil empregos. De repente, 3 mil novos postos de trabalho so abertos. Esse volume adicional desestrutura tudo. Cria-se uma inflao, pois a casa em que o farmacutico morava, agora vai abrigar o engenheiro. O farmacutico tem de ir para a casa do padeiro. Isso gera aumentos de preos e uma certa favelizao. Se ele pagava 600 reais por ms passa a pagar 1.500 reais ou 2.000 reais de aluguel. No caso da Vale, vamos construir em trs anos em torno de 40 mil casas em uma dessas regies de minerao. Essas moradias tm uma prestao. Diferentemente do que ocorria com os planos habitacionais antigos, em que o financiamento era de dez anos e a casa precisava durar esse perodo de tempo, agora o financiamento de 30 anos. A qualidade da casa popular tem de melhorar. Hoje, a prestao de uma residncia desse tipo pode ser da ordem de 300 reais. S para entender a pirmide, antigamente, no se conseguia uma casa com prestaes inferiores a 800 reaos. Lembrando que a prestao deve ser de um tero do salrio, possvel ver o que mudou na pirmide de demanda. Agora, toda essa demanda tem de ser atendida por quem? Por engenheiros. Ento, o que vamos fazer? No tenho as respostas, mas precisamos imediatamente colocar as cabeas para pensar, tentar fazer com que os nossos engenheiros deixem de ser meros robs, porque esse um problema que veio com a informtica. A informtica um desastre para engenharia. Tirou a capacidade de pensar do engenheiro. E ns, neste momento, precisamos pensar, precisamos engenheirar muito.

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O Brasil a bola da vez. No podemos esquecer que o pas tem grande necessidade de infra-estrutura e precisa de servios. Como brasileiro, afirmo com orgulho: no existe um dia na minha empresa que no aparea um grupo estrangeiro interessado em fazer grandes investimentos. Preparamos at um levantamento neste semestre: atendemos 216 grupos querendo investir no Brasil somente neste ano. Quando falamos sobre o futuro, obrigatrio que lembremos dos engenheiros. Tudo que est por vir, tudo o que precisa ser construdo, s vai se tornar realidade por meio da engenharia. Na engenharia, e esse um dado interessante, temos somente 13% dos formados que esto fazendo algum tipo de curso tcnico. Isso um desvio fantstico, porque precisamos desses profissionais em tudo. A engenharia viveu um longo perodo em que perdeu seu glamour e os engenheiros que tnhamos deixaram de engenheirar. Ento, voltando ao mercado, temos essa grande demanda mundial. De repente, passamos tambm por uma fase de estabilizao surpreendente. Posteriormente, o grande processo, presente na mdia com grande freqncia, dos IPOs das construtoras residenciais. Vale abordar o significado desses IPOs, o que representa esse dinheiro nas mos dessas construtoras. Elas projetaram um VGV mdio de oito vezes. So 8.000% de crescimento nos prximos dois anos. Talvez, seja muito difcil conseguir isso, porque, quando aumentamos 20% ou 30% a demanda, o preo sobre 50% imediatamente. Mas temos que entender o que est por vir. H um problema pontual e imediato cuja soluo tem de ser dada nos prximos dois anos: qualificar a mo-de-obra formada e os nossos engenheiros. Alguma coisa deve ser feita para que no entremos no caos, para que realmente esse teatro do caos no prevalea, porque ele est prximo de se tornar realidade. importante observas alguns dados, como a demanda

Walter Torre Jr, presidente do Grupo WTorre Engenharia

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O que est acontecendo uma grande falta de planejamento, que o estatuto da cidade pretendia resolver. Encontrase disponvel no sistema financeiro nacional, no BNDES e na Caixa Econmica Federal, uma fbula de dinheiro para que sejam feitos os planos diretores da cidade. Ns participamos disso e abrimos, na Universidade Federal de Santa Catarina, a Rede Tecnologia Aeroespacial Catedrtica exatamente para criar os cadastros e a viso espacial das bacias e a integrao dos fenmenos, para saber como eles ocorrem. Maca um exemplo clssico. Temos duas Macas. A do petrleo e a que no do petrleo. A primeira opera com 17 mil estrangeiros indo e vindo a cada dia para atuar nas plataformas. Isso ao custo de trazer qualquer pessoa de qualquer parte do mundo e coloc-la na plataforma. Passados 15 dias, essa pessoa volta, por exemplo, para Austrlia. Por outro lado, existe uma populao miservel que se expande de forma astronmica, com previso de chegarmos a 500 mil habitantes em breve. O mesmo fenmeno acontece em Porto Real, em Resende. O

Paulo Bancovsky, presidente da Academia Nacional de Engenharia (ANE)

DesafIos na formao e no exerccIo Da engenharIaprefeito ficou alucinado quando instalaram uma fbrica de automveis na cidade, mas todos os problemas de infra-estrutura continuaram. Brilhantemente, o Mehl coloca essas vises absolutamente crticas de anlise profunda que ns ouvimos dele, do Tlio, do Edemar. Isso o retrato de uma situao intolervel sob o ponto de vista do engenheiro. Essa percepo que voc relatou faz parte de num processo cultural. Essa viso tem um aspecto muito mais poltico do que tcnico. O detentor do poder olha para o voto e para o day after do voto. Como vou ser reeleito? Obras de engenharia tm longa durao, maturao difcil e problemas de conservao. No do voto, do imagem, e essa imagem trabalhada com base na conseqncia, na mxima do eu preciso ser reeleito. Ento, acho que temos aqui, hoje, uma viso, um cenrio, um teatro absolutamente perfeito que mostra a identidade de pensamento de uma coletividade que est unida por uma formao homognea. A formao do construir, a formao do entender, do conceber solues e que est na contramo de muitas aes de governo. Ns temos que encontrar o denominador, para impor ao orador a soluo do engenheiro e no a soluo de outro cenrio que no vai levar a nada, apenas a desastres e desesperana. Cada vez que for colocada uma situao em que essa esperana denegrida, ns teremos um antagonista e no um otimista e ser um custo cada vez maior resgatar essa pessoa. Essa situao intolervel. 22 No Rio Grande do Sul, tivemos a oportunidade de realizar um evento semelhante a este, Ns o chamamos O momento da engenharia brasileira, uma viso gacha. L, chegamos a uma sria de concluses, mas no vou me ater a elas, porque o evento hoje outro. Eu ouvi seu comentrio, colega Walter, apontando para a existncia de uma demanda de cerca de 1.800 engenheiros para os prximos 700 dias. Vou me permitir observar que nossa entidade, que tem 77 anos, e a quarta do pas, tem a firme convico de que precisa ser oxigenada. Temos uma forte preocupao em trabalhar com o jovem engenheiro, arquiteto e profissional da rea tecnolgica. Criamos, no incio da nossa gesto, uma diretoria jovem e, quinzenalmente, os ouvimos para saber quais so suas ansiedades. O que percebemos? Em cada dez jovens engenheiros e arquitetos gachos, 9,9 no sabem o que uma entidade de classe e para que serve. A partir desse dado, formamos convnios com as sete principais universidades do Rio Grande do Sul e de um ano para c estamos presentes em todas as formaturas, entregando um kit de boas-vindas a esses jovens profissionais, explicando o que uma entidade, o que a Sociedade de Engenheiros do Rio Grande do Sul, quais so seus propsitos, que sejam bem-vindos, e que existe uma diretoria jovem de braos abertos esperando por todos eles. Isso foi feito h um e meio. Foi nossa primeira insero junto ao meio acadmico, mas evolumos. Achamos que deveramos ter uma estatstica, conhecer Mrcio Damazio melhor o mercado de Trindade trabalho para o jovem engenheiro e arquiA matria-prima teto. Na formatura que chega s de janeiro, estivemos em 24 modais de enuniversidades genharia e de arquida pior qualidade tetura e anexamos possvel. Como ao kit de boas-vindas uma questo. Pergunpodemos tamos aos jovens se sobrecarregar as estavam trabalhando, se no estavam trauniversidades com balhando na rea de a formao daquele engenharia ou se estavam desempregaque no tem o menor dos. Inclumos tampreparo para ser bm mais algumas questes a respeito engenheiro? de estgio. Para nossa

Newton Quites, presidente da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (SERGS)

Gostaria de dizer que o tema em destaque aqui ser bem ilustrado pelos meus companheiros da comisso de ensino, preocupados em como formar o engenheiro. Mas gostaria, de qualquer maneira, de desviar um pouco do tema da formao do engenheiro, para chamar a ateno para os problemas. Ns, como membros da classe de engenharia, temos um poder muito grande e deveramos usar essa energia para atender s necessidades de formao do engenheiro. No se faz uma boa construo sem uma fundao. Hoje, estamos perguntando qual a matria-prima que chega das universidades? Ela da pior qualidade possvel. Como podemos sobrecarregar as universidades com a formao daquele que no tem o menor preparo para ser engenheiro? Tnhamos de comear a brigar pela matria-prima que queremos receber. Esto sendo empurradas levas de pessoas mal preparadas para as escolas de engenharia. Qual o resultado disso? Maus engenheiros. Eu gostaria muito de saudar esta atitude que tomamos agora e deve ser um plenrio permanente. Se no encontrarmos solues em dois dias, encontraremos pelo menos os caminhos, que no podem ser interrompidos. Nossas entidades devem manter um intercmbio permanente, discutindo idias para que criemos um grande esforo para no envolver somente os engenheiros nos debates, mas o Brasil. Eu queria fazer apenas essa observao para no interromper a marcha dos trabalhos, mas reforar que temos de parar com o desperdcio de energia que existe no Brasil, quando cada um faz a mesma coisa isoladamente, enquanto podemos realmente nos unir, como aqui, e buscar solues que vo ampliar o cobertor curto que usamos.

Mrcio Damazio Trindade, presidente da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME)

surpresa, e hoje esse dado estatstico, genuinamente gacho, genuinamente da nossa entidade, o nmero de janeiro deste ano foi o seguinte: de 640 jovens engenheiros e arquitetos, 400 e poucos responderam a pesquisa e 75% esto saindo das universidades sem Newton Quites emprego. Outros 15% Fizemos um esto trabalhando na rea da engenharia. O levantamento e restante trabalha em constatamos que, outras reas. E vejo o empresno Rio Grande do rio, o colega Walter Sul 75% dos jovens Torre, dizendo que precisa de 1.800 engeesto saindo das nheiros. Assim como a universidades empresa dele, existem outras. O cenrio que sem emprego. se discute nos prxiOutros 15% esto mos dois anos algo fantasmagrico e tem trabalhando na rea o jovem engenheiro da engenharia. O com dificuldade de restante trabalha em abertura de mercado. Gostaria de traoutras reas. zer essa informao para nossas reflexes, porque trabalhamos muito, Mehl, Edemar e Marcos Tlio, em dados consistentes, em dados reais.

Tenho trs questes, sendo duas delas feitas pela platia e uma enviada por e-mail. Gostaria de ler o e-mail e colocar a pergunta da platia para que os prprios proponentes pudessem coment-las. Mas quero tambm provocar os debatedores da mesa que, brilhantemente, expuseram a realidade enfrentada nesses ltimos anos. Acredito que ela tem como um dos maiores problemas a falta de troca de informaes. uma realidade dura. Leciono na universidade desde 1991 e tenho vivido a brilhante transformao da chegada desses alunos que vieram do primeiro e do segundo graus no qualificados. A maioria dos que esto aqui se formou num regime de peneira. Voc tinha uma grade, e o professor selecionava, enquanto pedra bruta, at que voc ficasse num ponto em que se podia dizer: este aqui pode passar, vai para o mercado. Hoje, dou aulas no Mackenzie e l ainda ns usamos a peneira. Na Poli, ainda se usa a mesma peneira. Mas a grande maioria das escolas foi criada para atender a uma demanda

Marco Antnio Domingues, diretor de Educao do Instituto de Engenharia

de mercado. No do mercado de engenheiros, mas do mercado de cursos de engenharia. Vejo uma diferena muito grande do papel da universidade em tratar o aluno como cliente, quando o aluno para universidade um produto que o mercado vai comprar. Eis o grande desafio: transformar novamente as universidades em centros de formao de produtos que o mercado vai comprar. As grandes instituies lutam para manter o regime de peneira, mas a maioria das escolas criadas nos ltimos anos e esse nmero cresceu assustadoramente transforma o aluno num cliente e o professor num empregado. Quer dizer, o professor, que era um formador, virou um empregado. Eu vi tambm o salrio desse professor cair brutalmente. Se voc no tem os melhores salrios, no tem a melhor equipe. Com isso, afastaram-se do mercado de trabalho de professores os melhores profissionais das escolas particulares. Ento, hoje, para vocs terem uma idia, um professor ganha por hora aula R$ 25,00. um absurdo e eu j ouvi falar de professores que se sujeitam a trabalhar por R$ 17,00. As melhores escolas pagam inicialmente R$ 50,00. Como possvel trazer um profissional qualificado, uma pessoa que tem de investir num mestrado ou num doutorado, para lecionar por R$ 25,00, numa instituio que quer formar um bom engenheiro? No mercado de engenharia, tambm sofremos da falta de incentivo financeiro. Se formamos nos ltimos cinco anos em torno de 20 mil a 30 mil engenheiros no pas, as estatsticas do CREA-SP indicam que temos uma populao flutuante de 170 mil inscritos, mais ou menos dez. Ou seja, se formamos 20 mil e tem uma populao flutuante de 170 mil, no entrou ningum no sistema a no ser para suprir aqueles que saram. O Newton mostrou que s 15% vo trabalhar com engenharia. Os outros 85% Marco Domingues no. No mercado de trabalho um consulNs precisamos tor na rea de engede engenheiros nharia, aquele que j no mercado, no est numa condio superior, consegue precisamos de vender a sua hora especialistas. Depois, por R$ 100,00 a R$ 250,00. um padro quando conseguir internacional de US$ a graa de ter um 100, mas ns estamos conseguindo vender bom emprego, o a um valor menor profissional vai fazer aqui. E as outras consultorias conseguem a especializao. vender a R$ 450,00. O

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DesafIos na formao e no exerccIo Da engenharIamercado est pagando mal, abaixo do preo internacional e estamos perdendo os melhores profissionais para o mundo globalizado. Aqueles que chegam ao mercado de trabalho no conseguem emprego. A justificativa que tenho escutado a seguinte: eles no tm capacidade para ser engenheiros. Voc ilude o aluno, dizendo que ele vai fazer uma faculdade e se tornar um engenheiro. Chega ao final do curso, recebe um registro no Conselho por uma obrigao legal. No existe nenhum tipo de prova que avalie o recm-formado, para saber se est apto a exercer a profisso. Quando comecei a dar aulas, eu no tinha mestrado nem especializao. No tinha nada. Hoje, tenho doutorado. Mas eu tinha experincia. Fui dar aula depois de sete anos de prtica. Chegava sala de aula e falava, no somente da teoria que havia aprendido e estava estudando, mas daquilo que eu havia vivenciado. Essa a grande contribuio do professor. isso que faz o aluno chegar ao mercado de trabalho dizendo que teve aula com fulano ou com beltrano. Eventualmente, aprendi a teoria, mas uma grande bagagem me foi passada por conviver com professores que sabiam quais eram os reais problemas da prtica da engenharia. Vimos a qualidade do ensino tambm ser colocada num nvel inferior. Tiramos da sala de aula, principalmente nas disciplinas profissionalizantes, grandes profissionais que se dispunham a lecionar at seis horas por semana, porque aquele no era o grande negcio da vida deles, o negcio deles era ganhar dinheiro engenheirando. Mas eles no tinham mestrado ou doutorado. Outra coisa que tenho percebido: no precisamos de especialistas. As universidades, disputando o mercado, acenam com o ttulo de engenheiro com mais dois ou trs nomes (a mecatrnica, a engenharia da computao, as telecomunicaes). O engenheiro civil o especialista em pontes, especialista em aeroportos, especialista em coisas que o mercado no precisa. O mercado precisa de engenheiro, tanto quanto ele precisa de um advogado e de um mdico. As escolas teimam em continuar na contramo, criando cursos cada vez mais especficos. Isso um absurdo. Eu, como vrios colegas da minha turma, vivi isso na pele. Formei-me em engenharia mecnica e fui trabalhar com engenharia civil. At pouco tempo, exercia ilegalmente a profisso. Fui fazer um mestrado em engenharia civil e hoje dou consultoria em planejamento de oramento de controle de obras civis, sendo engenheiro mecnico. Hoje, estou legal. Ns precisamos de engenheiros no mercado, no precisamos de especialistas. Depois, quando conseguir a graa de ter um bom emprego, o Luiz Cludio Mehl profissional vai fazer a especializao. Posteriormente, ele volta para a ps-graduao, para a especializao, e vai se formar naquilo que sua rea de atuao. A escola, por mais que queira, no ensina o que ele precisa saber para ser um especialista. Esse o grande desafio na formao do engenheiro. Quer Luiz Cladio Jr Walter TorreMehl dizer, fazer com que o mercado mostre para as escolas que elas esto na contramo e criar algum sistema no qual possamos diminuir o nmero de escolas. Os cursos so abertos no por outro motivo a no ser pegar o dinheiro do aluno. No porque se mediu a capacidade do estudante de ser ou no engenheiro. Eu conheo escolas que no tm limite de vagas. Voc se inscreve, passa por uma entrevista e faz o curso. Mais tarde, pelo menos 50% vem que precisam conhecer matemtica e fsica e caem fora. Eles no conseguem acompanhar o curso. Os outros vo, sofrivelmente, sendo passados. Uma das colocaes do Jorge Guaracy Ribeiro, da Associao Nacional dos Tecnlogos, que a realidade mudou e a engenharia ficou para trs, sem acompanhar a dinmica do modo de produo do sculo XXI. Realmente, mudou. Vivemos uma incorporao da melhoria da qualidade e da produtividade que vieram do Japo. As escolas no absorveram parte desse conhecimento, mas a competitividade, no que se refere qualidade, custo, flexibilidade e inovao, uma realidade de mercado. Hoje, voc faz de um jeito. Se no fizer melhor amanh, algum vai fazer. O resultado que voc est fora. Isso leva a uma necessidade de reciclagem profissional. Uma outra pergunta que ele faz sobre o fato de os engenheiros ocuparem postos, nos quais os tcnicos e tecnlogos poderiam estar atuando. Eu deixaria essa questo aberta para a mesa, para aquele que pudesse abordar este ponto sobre a atuao do engenheiro como tcnico ou tecnlogo. Estamos numa busca enlouquecida por engenheiros capazes. Fizemos um contrato com Portugal e eles esto nos mandando todos os profissionais que se dispem a trabalhar no Brasil. A formao dos portugueses fantstica e, naquele pas, a demanda por servios est diminuindo. Essa a nossa primeira linha de atuao, mas tambm temos captado engenheiros na Argentina. Eu queria chamar a ateno para o fato de que a engenharia, por causa da grande demanda, vai se tornar, outra vez, uma grande demandadora. Muitos cursos sero abertos como ocorreu no Direito. No teremos de diminuir os cursos. Ao contrrio, haver uma presso muito grande por novos cursos de engenharia. Temos que tomar um grande cuidado. Paralelamente, o Brasil est virando moda. Grandes grupos universitrios esto no pas comprando instituies nacionais. J existem trs grandes grupos desse tipo. Ns poderamos fazer um trabalho com esses reitores e mostrar a eles a nossa realidade. Na minha empresa, desenvolvemos um programa de talentos. Apresentamos isso nas universidades e realizamos um curso. Temos de copiar a medicina, por exemplo. Deveramos exigir que o estudante trabalhasse numa construtora, numa obra ou no segmento dele. Isso fundamental. Hoje, o que chega s empresas no um engenheiro ainda. Concordo plenamente com a idia da falta de necessidade de especializao. O que a engenharia sempre fez foi incutir bom senso e lgica. Por isso, o engenheiro acaba atuando em qualquer campo. Mas temos de traz-los de volta. Temos que coloc-lo no mercado. Impressiona o quanto o engenheiro est defasado. A engenharia mudou muito, mas o que vemos so as mesmas cabeas de 1960 ou 1970. Estou construindo um edifcio na Marginal de Pinheiros, em So Paulo. Na verdade, so trs edifcios. Um deles tem 14 mil metros. Comecei no ms passado, j tenho um cliente e vou entreg-lo em maio. Construir um edifcio em seis ou sete meses absolutamente possvel. Basta que se faa engenharia. Basta usar a tecnologia que est 100% disponvel. Hoje, com a internet, acessamos e conhecemos qualquer coisa. Antigamente, no podamos fazer isso. Mas nenhuma faculdade se modernizou no processo construtivo. Nenhuma faculdade abriu a cabea. Ns temos que fazer isso: temos de atualizar a turma. A velocidade da informao e da tecnologia na construo civil avana rapidamente, mas a garotada que sai da escola est muito fraca. Repito: muitas coisas vo mudar nos prximos dois Jorge Guaracy anos. Essas alteraes vo trazer aspectos Ribeiro positivos e negativos.

Walter Torre Jr, presidente do Grupo WTorre Engenharia

O ponto negativo que todos vo querer fazer engenharia outra vez. Ns temos de coordenar essas faculdades. Mostrar a elas o que est acontecendo no mundo.

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Formei-me em 1971. Na minha poca como universitrio, a grande bandeira estudantil era contra um acordo. Havia o objetivo de multiplicar o nmero de tcnicos no Brasil, esquecendo o posicionamento do engenheiro. A bandeira estudantil era contrria a tal acordo. Hoje, estamos recriando um impasse antigo que, na minha viso, incuo. Precisamos de tcnicos e de engenheiros. O que no pode haver uma superposio de atribuies de um lado ou de outro. Gostaria de ouvir como o Walter Torre trata essa demanda por engenheiros. Ou ser que ns queremos s tecnlogos, s engenheiros ou s tcnicos? No isso, o pas precisa da conjugao de todos esses profissionais.

Luiz Cludio Mehl, Presidente do Instituto de Engenharia do Paran - IEP

Ainda acreditamos que ser bacharel ser da elite. Essa uma mentalidade de 50 anos atrs. A realidade mudou. E o que se observa em relao questo do engenheiro e do tecnlogo? Primeiramente, h a incompreenso do engenheiro em relao ao tecnlogo. Existe uma certa perplexidade diante de um profissional que teve um tempo de formao mais curto, mas, eventualmente, entende mais do que o engenheiro sobre um determinado assunto. Eu brincava no CREA-SP dizendo o seguinte: para fazer um engenheiro civil so necessrios uns dez tecnlogos nas suas vrias modalidades. Mas o tecnlogo, na sua modalidade, entende mais do que o engenheiro civil, pois estudou 2.400 horas sobre determinado assunto, enquanto o engenheiro teve de abraar vrios temas. Tem muito o que estudar na civil. Depois, faz um mestrado e um doutorado para chegar a um grau de especializao, por exemplo, em pontos. A voc pega um tecnlogo que se formou j especializado em pontes. Ele entende do assunto e, muitas vezes, o conhece com maior profundidade. A questo compreender essa diferena e no estabelecer uma disputa. O engenheiro tem de entender para que serve um tecnlogo e se apropriar do conhecimento desse profissional como uma ferramenta e no uma fonte de competio. O que se percebe no mercado de trabalho que o engenheiro mal preparado no encontra emprego. Ento, vai atuar como tecnlogo por R$ 1.500,00 por ms. Engenheiro, tecnlogo e tcnico formam uma hierarquia. Numa viso um tanto militar dessa diviso, o engenheiro o general, o tecnlogo o oficial de ligao e o tcnico o sargento ou mesmo o cabo. Mas essa viso precisa ser revista, j que vamos reconstruir a engenharia. preciso definir os papis, pois como vamos gastar o tempo e os recursos necessrios para formar um engenheiro, para depois usar esse profissional, que deveria pensar no aspecto macro, para coordenar uma equipe multidisciplinar com vrios tecnlogos, alm dos tcnicos? O engenheiro no deve estar no cho de fbrica. Isso desperdcio. Vamos formar um engenheiro, que levar dez anos para adquirir experincia. Isso complicado. O pas no tem tempo para isso; no tem dinheiro. Anos atrs isso era possvel, porque no havia tantos engenheiros. Os profissionais tinham de cobrar o escanteio e correr para fazer o gol. A formao era limitada e o nmero no atendia demanda. A pessoa tinha de ser polivalente, politcnica. Tinha de entender de vrios assuntos, desempenhar funes em vrias modalidades. Agora, percebe-se uma fragmentao da engenharia. Por que isso est acontecendo? Porque o mercado remunera melhor o tecnlogo. A escola de engenharia chega concluso de que melhor formar um engenheiro especializado. O ensino da engenharia caminha para formar o engenheiro-tecnlogo, porque ele pode ser empregado mais facilmente.

Jorge Guaracy Ribeiro, presidente da Associao Nacional dos Tecnlogos

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DesafIos na formao e no exerccIo Da engenharIaO que disfara e mascara essa situao: no se emprega o tecnlogo como tecnlogo, mas como analista, como assistente tcnico, mas no com o ttulo de tecnlogo. As pesquisas mostram que os tecnlogos que saem da FATEC esto empregados. Com o ttulo de tecnlogos? Muito poucos. Essa a questo que deixo para reflexo. Se mantivermos os paradigmas vigentes, vamos formar engenheiros, porque a engenharia dos engenheiros, e talvez todos vo definhar: a engenharia, o tecnlogo e o tcnico.

Voc tem razo, mas essa polmica vem de uma poca em que no existia emprego, no existia servio. Mas isso, agora, deixou de ser realidade. Daqui para frente faltaro profissionais em todas as reas. O Paulo recebeu a informao que, na Europa, existe uma demanda por 20 milhes de profissionais. isso o que vai acontecer no Brasil. Temos um pas para construir; Temos todas as PPPs (as Parcerias Pblico-Privadas). O que era obra pblica mudou. Agora, o investidor global tem a liberdade de desembarcar no pas e realizar o trabalho. Existir uma forte oferta de emprego. Esse um problema, voc tem razo, mas ele logo deixar de existir, pois vamos precisar de gente em qualquer uma das funes. Ns temos de preparar essas pessoas. 26

Walter Torre Jr, presidente do Grupo WTorre Engenharia

Sou professora de engenharia e, antes de fazer uma pergunta para o engenheiro Walter, gostaria de fazer algumas colocaes Adriana Maria a respeito do que foi Tonini dito na mesa. A Ftima Brando [especialista em RH] falou a respeito de cursos tcnicos. Eu fiz um curso de edificaes na Escola Tcnica Federal. Depois, estudei engenharia civil e no acredito que isso tenha mudado a minha formao. Na verdade, no mudou em nada. Escolhi engenharia civil, porque realmente conhecia edificaes. Mas no consegui um desempenho superior ao dos outros alunos por ter feito o curso tcnico. Acredito que, ser um tcnico, no uma condio para se formar um bom engenheiro.

Adriana Maria Tonini, membro da Comisso Tcnica de Ensino da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME)

O que quis dizer que hoje as pessoas chegam muito imaturas faculdade. Nos programas de estgio e trainee, eles continuam imaturos. Aqueles que tiveram a oportunidade de fazer um curso tcnico, ou Walter Torre Jr mesmo um estgio, esto mais preparados e mais seguros. Antigamente, talvez em funo do contexto social, econmico e poltico, isso no fizesse grande diferena. Hoje, no dia-a-dia, entrevistando as pessoas, percebo que quem chega ao mercado e teve a oportunidade de amadurecer um pouco num curso tcnico, torna-se um engenheiro mais bem preparado.

Ftima Brando, consultora de RH do Grupo Foco

O primeiro atrativo o dinheiro. Quando o mercado comear a subir o valor do salrio vai aumentar. Isso vai criar uma demanda. Hoje, por exemplo, para fazer grandes obras no interior, uma pessoa que se prope a trabalhar no meio do mato, est ganhando uma valorizao acima do mercado americano. Ento, rapidamente, quando isso se divulgar, o mercado comea a ser aquecer. No podemos esquecer isso. Tudo demanda. Passamos 15 anos ou 20 anos sem obras. Logo, no houve procura. Agora, ocorrer uma mudana muito forte, muito rpida e difcil de entender.

Walter Torre Jr, presidente do Grupo WTorre Engenharia

Mais a maturidade mais no sentido de que estamos criando uma sociedade em que a adolescncia dura at os 18 anos. Na nossa poca, terminava aos 14 anos. Recebo alunos de 18 anos, mas que parecem adolescentes de 13 anos em termos de maturidade.

Adriana Maria Tonini, membro da Comisso Tcnica de Ensino da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME)

Mas o problema o leque de opes de cursos que o pas oferece atualmente. Voc pega um menino de 18 anos e pergunta o que ele quer fazer. Prontamente, ele responde: comunicao social. A engenharia no desperta o interesse do jovem. Hoje, quem quer fazer engenharia, porque tem pais engenheiros, avs engenheiros. Tenho dois filhos. Um vai fazer mecnica, pois o pai engenheiro mecnico. O outro, civil, porque eu fiz civil.

Adriana Tonini, membro da Comisso Tcnica de Ensino da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME)

nesse sentido que estou falando. Li matrias que mostravam que a adolescncia em alguns casos vai at os 30 anos. Mora-se na casa dos pais at os 40 anos. O jovem mais imaturo de forma geral.

Ftima Brando, consultora de RH do Grupo Foco

Cursei engenharia civil na UFMG. Depois, fiz mestrado na rea de otimizao de espessura de lanamento de concretos de barragens. Realizei estgio em FURNAS e esperava ser convidada para exercer a profisso. Tive mais oportunidades na rea acadmica do que como engenheira. Assim que terminei o mestrado, recebi quatro propostas na rea acadmica, das quais escolhi duas em que estou at hoje. Isso me motivou a fazer doutorado na rea de formao de engenheiros e a me preocupar com a valorizao da engenharia e com a modernizao da profisso. Voc, Walter, falou uma coisa que concordo plenamente. Acho que a informtica um desastre para a engenharia. Nosso aluno no quer pensar. Quer tudo pronto. No calcula nada. Quer apertar uma tecla e achar a soluo. E isso no existe, principalmente quando se quer ser um bom engenheiro. Voc falou que, em cinco a dez anos, haver uma valorizao do engenheiro. Minha pergunta : como ter alunos que querem fazer engenharia?

Adriana Tonini, membro da Comisso Tcnica de Ensino da Sociedade Mineira de Engenheiros - SME

Marco Antnio Domingues O engenheiro formado tem de ser bem remunerado. Isso uma coisa que se observa globalmente. Ir para escola de engenharia tem um apelo financeiro. Mas o maior apelo ocorre na infncia, com o hbito de desmontar e montar, construir e resolver problemas.

O engenheiro formado, para trabalhar no mercado, tem de ser bem remunerado. Isso uma coisa que se observa globalmente. Ir para escola de engenharia tem um apelo financeiro. Mas o maior apelo ocorre na infncia, com o hbito de desmontar e montar, construir e resolver problemas. Com sete anos, eu desmontava minha bicicleta. Com cinco, tinha Legos. A formao de engenheiro era resultado da busca dos pais por uma formao para o filho, quer como engenheiro, advogado ou mdico. Eles davam os brinquedos apropriados dependendo da aptido da criana, consi-

Marco Antnio Domingues, diretor de Educao do Instituto de Engenharia

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DesafIos na formao e no exerccIo Da engenharIaderando se tinha habilidade manual ou raciocnio abstrato. A formao de engenheiros no Brasil depende do incentivo dos pais e da escola. isso o que ocorre em toda a sia atualmente. Os asiticos esto preocupados com a demanda por engenheiros e sabem que s vo conseguir formar um nmero muito grande de profissionais se comearem a investir na primeira hora em que a criana entra na escola. Uma forma de se fazer isso dar um brinquedinho para ela desenvolver esse lado. E voc pode observar: todo o engenheiro j montou e desmontou um carrinho. Mas, volto a observar, existe um problema da remunerao do professor no primeiro e no segundo graus.

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Eu acredito que, na realidade, o correto o aluno, no desmerecendo as outras profisses, fazer engenharia por cinco anos, num curso que realmente faa pensar, buscar o saber e no achar que est tudo pronto. Eu acho que temos uma deficincia de alunos realmente. Na instituio em que trabalho, que sria, temos 50 vagas de manh para engenharia. por que o curso no bom? No. Temos doutores, mestres no curso. O aluno no quer fazer engenharia. Na educao fsica, existem 200 mil candidatos por vaga. Tenho a preocupao de como levar o aluno a se interessar pela engenharia. Como trabalhar estas questes culturais, econmicas, polticas e sociais para chamar os alunos para um curso que, na dcada de 60, assim como o direito, representava um status? Fragmentar a engenharia, a questo da especializao, no leva a nada. A engenharia tinha que ser civil, mecnica, qumica e metalurgia. Essas so as grandes reas. Depois, parte-se para a especializao. No podemos tambm achar que a graduao terminar a engenharia. Voc est iniciando um vo para conquistar outros horizontes da sua profisso. Ento, temos de comear a ter esse tipo de preocupao. As entidades tm de estar preocupadas para buscar alunos que queiram fazer realmente engenharia e no somente ganhar dinheiro.

Adriana Tonini, membro da Comisso Tcnica de Ensino da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME)

Eu vou fazer o convite ao presidente do Confea, o doutor Marcos Tlio, e aproveitar a exposio dele para fazer trs perguntas que nos chegaram. A primeira colocao diz respeito resoluo 1010 do Confea, que preocupa muito os engenheiros civis. A segunda questo vem de Kleber Castilho, ex-presidente do CREA-SP. Ele quer saber se a nica soluo o exame da Ordem. Sim ou no? Antonio Amorim gostaria de fazer uma colocao sobre o selo de qualidade. H cerca de um ms, no Paran, numa palestra do presidente da Ordem dos Engenheiros de Portugal, Fernando Santos, fizemos essa mesma pergunta, pois, entre os portugueses, feito esse exame. Ele respondeu que, mais importante do que o teste, e essa tambm a nossa viso, o processo de certificao das universidades. Ela no obrigatria. A instituio que quiser ser certificada se submete Ordem dos Engenheiros de Portugal. Esse um processo que deveria ser alvo de uma anlise aprofundada no Brasil.

Luiz Cludio Mehl, presidente do Instituto de Engenharia do Paran

Eu quero trazer uma informao. Fizemos, recentemente, duas pesquisas ainda inditas e estamos terminando outras duas. Uma das que j conclumos foi realizada com a CNI junto a empresas. Foram pesquisadas 1.051 companhias que contratam profissionais de engenharia e outras 93 que no contratam esse tipo de profissional. O outro levantamento foi realizado junto aos profissionais dentro dos CREAs. No universo pesquisado, 67,1% dos profissionais esto empregados, 21,1% so profissionais liberais e tm atividades de engenharia como a principal remunerao, 9,5% so empresrios e apenas 0,6% do total, o equivalente a dois mil profissionais em 27 Estados, declararam que no auferem rendimentos com os servios de engenharia. A outra pesquisa que estamos iniciando tem como foco o estudante e o profissional recmformado e, provavelmente, deve refletir uma realidade um pouco diferente. Entre as empresas, como contratantes, h uma alta expectativa para os prximos dois anos, que refletem aquilo que o doutor Walter havia comentado. Mais de 65% das companhias declararam que vo aumentar em muito o nmero de engenheiros nesse perodo. As colocaes que esto sendo feitas aqui so fantsticas. interessante observar as diversas vises sobre os temas. Eu no notei contradies aqui. Foram expostas apenas vises diferentes sobre um problema. Elas nos indicam solues para o futuro. Concordo com o doutor Walter que nossa realidade essa. Sou extremamente otimista em relao ao que vai acontecer, apesar de termos um passado bastante complicado. Gostaria de trazer uma questo para a rea de ensino. O engenheiro precisa mudar sua cultura. No pode se considerar auto-suficiente em todos os segmentos de atuao. Temos de ter a inteligncia que a medicina tem ao buscar as diversas competncias para poder atingir o resultado que a sociedade espera em relao qualidade de nossos servios. Um engenheiro civil, por exemplo, contratado para realizar um determinado empreendimento. Em vez de utilizar as competncias, no s de tecnlogos ou de tcnicos, mas de outros profissionais, ele quer resolver tudo sozinho. Mas no faz um bom servio e isso rebaixa a atuao profissional. Outra questo a extrema especializao. Precisamos voltar a discutir a engenharia como profisso e tratar as especializaes como tais. A mecnica uma especializao, a eltrica outra e a civil tambm. Mas nossa profisso de engenheiro. Somos engenheiros. A medicina nos d um exemplo muito interessante nesse campo. Os Conselhos de Medicina no registram o mdico como cirurgio ou pePaulo Helene diatra. Os profissionais so registrados como

Marcos Tlio de Melo, presidente do Confea Conselho Federal de Engenharia , Arquitetura e Agronomia

mdicos. E quem trata de certificar a especializao uma sociedade civil. A, poderamos ter um outro papel, doutor Edemar, para as funes das nossas organizaes, entidaAntonio Carlos des, sociedades, clubes Amorim e institutos profissionais: como certificadores da qualificao da especializao perante a sociedade e da atualizao do conhecimento. O doutor Walter observou muito bem, quando disse que existe uma demanda por profissionais competentes. Ns precisamos ter a nossa competncia atualizada permanentemente. No bastam ttulos e a graduao profissional. Precisamos nos habilitar constantemente porque a tecnologia avana com extrema rapidez. A 1010 um salto fantstico, o nosso coordenador, o Marco, colocou muito bem. Muitas vezes, as pessoas demonstram medo em relao medida. Elas acreditam que a engenharia civil vai perder. Mas no vai. S h a possibilidade de ganho, quando agregamos a concepo de que ns somos engenheiros como um todo e ela s vai se tornar obrigatria daqui a cinco anos. Somente os meninos que entraram agora nos cursos, a partir de 1 de julho, tero obrigatoriedade de ter o registro pela 1010. Os outros vo optar por ele e tenho a certeza de que todos o faro. Isso porque s traz vantagens. Em todas as reunies que temos feito com instituies de ensino, coloca-se que o conselho profissional mais avanado sob este aspecto das novas diretrizes curriculares para garantir esse processo de agregao de novas atribuies profissionais. Sobre a questo de exame da Ordem. Sim ou no? Na minha opinio, no. No congresso que terminamos agora, essa proposta foi rejeitada, porque essa uma atribuio do sistema de formao profissional. Ns temos de ter algum nvel para aferir e garantir o registro. A, sim, vamos verificar como faremos isso. Pode ser por meio da certificao, seguindo o modelo de Portugal. E ter de ser opcional. No pode ser algo obrigatrio, pois essa uma funo do MEC. Garantir a qualidade da formao uma tarefa do MEC. No podemos duplicar as coisas pela incompetncia de outras reas. Temos de trabalhar com essa viso mais geral, como a questo da atribuio de cada um dos profissionais e das nossas organizaes. Aqui, Mehl, vou discordar de sua apresentao em apenas um ponto: que o sindicato no faz a fiscalizao do exerccio profissional. No se trata de uma funo do sindicato. Essa uma responsabilidade dos CREAs e do Confea. Os CREAs mais diretamente. O Confea regulamenta as diretrizes para a fiscalizao. A representao profissional feita por entidades de classe, institutos, clubes e associaes, que tm de exercer esse papel e realmente falar em nome da categoria. Na pesquisa que mencionei, 97,9% consideram que os CREAs e o Confea tm que fazer tudo: representar o engenheiro, defender o profissional. No gente. Nossa legislao completamente diferente da legislao da OAB. L, no existem essas

figuras das organizaes profissionais da sociedade civil, que so histricas dentro da nossa categoria. O CREA um rgo pblico. O Confea um rgo pblico. rgo pblico no representa uma categoria. Ele defende a sociedade. O nosso grande desafio recuperar a capacidade de organizao da categoria nas nossas entidades de classe. A histria do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro fantstica, assim como a do Instituto de Engenharia. Precisamos resgatar isso. Esse o nosso papel neste momento. Ns, como sistema profissional, tambm temos de apoiar as entidades de classe. Temos de apoiar essas organizaes no papel que delas. O papel de fiscalizao nosso, mas o papel de representao, mobilizao, construo das polticas pblicas em nome da engenharia das nossas entidades.

Muito obrigado, presidente Marcos Tlio. S gostaria de fazer uma observao em relao ao tema dos sindicatos. O comentrio na minha apresentao diz respeito ao seguinte: s duas entidades recebem recursos compulsoriamente. So os sindicatos e o Confea. As nossas entidades no recebem recursos. Elas tm de produzi-los.

Luiz Cludio Mehl, presidente do Instituto de Engenharia do Paran

Eu gostaria de retomar a idia sobre o credenciamento das escolas. Acho que o sistema portugus de avaliao dos engenheiros foi muito infeliz. Os sistemas ingls e americano so muito mais eficientes. Talvez, por causa da lngua, seja mais fcil obter informaes sobre o sistema portugus. Mas no h dvida que, na Escola Politcnica, onde leciono, existem alunos maravilhosos. Mas tambm temos pssimos alunos. Da mesma forma, a menos qualificada das escolas de engenharia do pas pode ter estudantes brilhantes. Eles podem ser poucos, mas existem. Jamais poderemos credenciar uma escola e, automaticamente, admitir que todos os profissionais ali formandos so bons. Enviaram um ofcio na poca dizendo claramente que no h sentido em duplicar atividades sob responsabilidade do MEC. o MEC que deve fazer o credenciamento e cuidar da qualidade do ensino. A qualidade do profissional do CREA e do Confea. Estou aqui na qualidade de engenheiro, mas faltaram obras e acabei indo trabalhar com marketing e vendas. Acredito que a soluo acaba sendo, em parte, o mercado. H 20 anos, uma revista comeou a publicar um ranking das dez melhores faculdades do pas em reas como engenharia, arquitetura, direito e medicina. Esse ranking virou um livro, que o mais consultado entre os alunos. Essa revista a Playboy que no entende nada de educao, mas se tornou uma referncia para o aluno escolher qual faculdade que cursar. Por qu isso aconteceu? Porque ela entende o mercado. A idia seria que as associaes dem, mesmo que extra-oficia