RecuRsos MineRais - Arraes Editores · 2.2.1. A maldição dos recursos minerais no caso brasileiro...

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RECURSOS MINERAIS Como romper com essa maldição?

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RecuRsos MineRaisComo romper com essa maldição?

FERNANDA ALEN GONÇALVES DA SILVAMestre em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais Graduada em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro

Assessora de Planejamento da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, da carreira Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental

Belo Horizonte2017

341.344 Silva, Fernanda Alen Gonçalves da S586r Recursos minerais: como romper com essa maldição? / Fernanda 2017 Alen Gonçalves da Silva. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. 183 p. ISBN: 978-85-8238-338-4 ISBN: 978-85-8238-339-1 (E-book)

1. Maldição dos recursos naturais. 2. Mineração. 3. Globalização. 4. Política Tributária.

CDD(23.ed.)–338.2 CDDir – 341.344

Belo Horizonte2017

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Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

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V

Aos meus amados pais, Isabel e Magela, e ao Gabriel.

VI

O maior trem do mundo

O maior trem do mundo Leva minha terraPara a AlemanhaLeva minha terra

Para o Canadá Leva minha terra

Para o Japão

O maior trem do mundoPuxado por cinco locomotivas a óleo diesel

Engatadas geminadas desembestadas Leva meu tempo, minha infância, minha vida

Triturada em 163 vagões de minério e destruição

O maior trem do mundo Transporta a coisa mínima do mundo

Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo Vai serpenteando, vai sumindo

E um dia, eu sei não voltará Pois nem terra nem coração existem mais.

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, 1984)

VII

lista de tabelas

Tabela 1 Perda por isenção/ exportação (Valores constantes, em R$) .......... 68

Tabela 2 Arrecadação da CFEM em relação à receita corrente líquida no Estado de Minas Gerais (a preços correntes) ............................... 79

Tabela 3 Participação do estoque de trabalhadores da extrativa mineral no estoque total de trabalhadores de todos os setores econômicos .... 87

Tabela 4 Arrecadação da CFEM em relação à receita corrente líquida do Município de Mariana (a preços correntes)................................. 89

Tabela 5 Participação do estoque de trabalhadores da extrativa mineral no estoque total de trabalhadores de todos os setores econômicos no Município de Mariana ......................................................................... 91

VIII

suMáRio

PREFÁCIO ................................................................................................................. X

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... XII

CAPíTulO 1INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPíTulO 2RECURSOS NATURAIS: BENÇÃO OU MALDIÇÃO? ................................. 52.1. A teoria da “maldição dos recursos naturais” .............................................. 52.2. A “maldição dos recursos naturais” e a interferência do contexto da pós-modernidade, da globalização e da mundialização do capital .................. 14

2.2.1. A maldição dos recursos minerais no caso brasileiro e sua interface com a era globalizada ........................................................................ 17

2.3. A mineração como benção: “Mining is good” .............................................. 28

CAPíTulO 3DEBATE FILOSÓFICO EM TORNO DA DOTAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS E SUA RELAÇÃO COM A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ............ 313.1. Justiça distributiva: necessário alcance global............................................... 313.2. A justiça distributiva global aplicada aos recursos naturais: o dever negativo de justiça na exclusão não compensada dos países ricos em recursos naturais ........................................................................................................ 38

CAPíTulO 4A INTERFACE ENTRE A “MALDIÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS” E A ESTRUTURA TRIBUTÁRIA .......................................................................... 504.1. Afinal, para que serve a política tributária-fiscal? ........................................ 504.2. A configuração tributária nacional do setor mineral ................................. 58

4.2.1. Os royalties do minério: a CFEM ........................................................ 58

IX

4.2.2. Os incentivos tributários à exportação: Imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), Contribuições Sociais e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico ................................ 664.2.3. Aspecto fiscal da mineração: a aplicação das rendas minerais ........ 74

4.3. Estudo de caso: a exploração mineral em Minas Gerais e Mariana ......... 78

CAPíTulO 5ROMPER COM A MALDIÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS: UM CAMINHO A SER TRILHADO .................................................................. 935.1. A agenda positiva para o cenário interno ..................................................... 93

5.1.1. Propostas para a CFEM .......................................................................... 935.1.1.1. Direito comparado: a arquitetura dos royalties no cenário internacional........................................................................................................ 935.1.1.2. Alterações na regra matriz da CFEM tendo como pressupostos a experiência internacional e a era globalizada ............................................. 1045.1.1.3. Uma reinterpretação da CFEM e seu impacto na repartição da receita .............................................................................................................. 1135.1.2. Como reestruturar os incentivos à exportação? A questão do ICMS e Imposto de Exportação ...................................................................... 1215.1.2.1. Reestruturar o ICMS: fortalecer o federalismo cooperativo ........ 1215.1.2.2. A arquitetura do Imposto de Exportação: neutralizar a doença holandesa e incentivar a exportação de bens de maior valor agregado ..................................................................................................... 1225.1.3. Uma revisão da política fiscal do setor ............................................... 126

5.2. A insuficiência da agenda nacional: as necessárias providências da comunidade internacional para vivermos num mundo (globalizado) civilizado............................................................................................. 138

5.2.1. O desenho de uma solução tributária global: debate em torno do Dividendo sobre os Recursos Globais (Thomas Pogge) ........................ 1405.2.1.1. Críticas à proposta de Thomas Pogge: debate em torno do DRG.. 1475.2.2. Governança global: padrões contábeis internacionais e iniciativas internacionais para transparência ................................................ 152

CAPíTulO 6CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 160

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 162

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PReFácio

Quem nasce em Minas Gerais não é minense, tampouco minas-geraense, como seria o gentílico usual; é mineiro, termo que remete ao intenso labor das minas que – outrora com ouro e diamantes, hoje com minerais diversos – for-jaram a sociedade encrustada entre os pólos econômicos do Rio de Janeiro e de São Paulo e a capital federal.

Esse simples fato já denota o porquê da escolha do tema da obra, fruto de dissertação de mestrado defendida com distinção no curso de pós-graduação stricto sensu da tradicional Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Ge-rais, a Vetusta Casa de Afonso Pena. Mineira de Belo Horizonte, Fernanda Alen Gonçalves da Silva é, ademais, estudiosa dos impactos da atividade mineral na vida dos seus conterrâneos. Ciente da relevância do setor para o desenvolvimento do Estado e, ao mesmo tempo, ciosa para que algo além da mineração possa advir dos vultosos investimentos realizados para a extração das riquezas do subsolo, a autora discorre sobre as vicissitudes da produção mineral em sua terra natal.

Desbrava, além das origens da intitulada “maldição dos recursos mine-rais”, filosofias e questionamentos sobre as (in)justiças que decorrem da posi-ção de abundância de recursos naturais, não se conformando com o discurso pronto, muitas vezes adotado, de que é sina dos países que dependem do setor primário da economia conviver com o subdesenvolvimento.

É a partir desse ponto que, com redação elegante e incisiva, Fernanda aborda como a tributação pode exercer papel decisivo para o desenvolvimento econômico-social nas áreas ricas em recursos naturais. Vislumbrando o sistema tributário como fator de justiça distributiva e indutor de comportamentos, a autora demonstra os caminhos para que a tributação, desde que bem elaborada e arquitetada com a finalidade de gerar desenvolvimento econômico sustentá-vel para a nação, possa assumir papel de destaque no combate à desigualdade que, desde sua fundação, grassa no Estado brasileiro.

Valendo-se de estudos econômicos e de sua ampla experiência com o tema, fruto de intenso trabalho na Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, Fer-nanda lança novas e instigantes luzes sobre a relação Estado-empresa-contri-buinte no que pertine à atividade mineral.

XI

A obra faz pensar e repensar, desnudando realidades e não se furtando a apontar soluções, sempre que cabíveis. O trabalho é sério, bem articulado e merecedor de atenção. Fernanda inova e, com isso, nos faz refletir. Melhor atri-buto para um trabalho acadêmico não há. Foi, para mim, uma honra orientá-la em seu curso de Mestrado na UFMG e o é, agora, prefaciar este livro. O objeti-vo da autora é um Brasil melhor. Esta, a sua relevante contribuição. Boa leitura.

ANDRÉ MENDES MOREIRAProfessor Adjunto de Direito Tributário da UFMG

Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP

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aPResentação

O honroso convite para fazer a apresentação da Mestra Fernanda Alen Gon-çalves da Silva, em sua obra intitulada “Romper com a maldição dos recursos mi-nerais: um caminho a ser trilhado”, foi motivo de grande alegria para mim. Trata-se de um trabalho primoroso que resultou em uma exitosa dissertação apresentada na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2017, por meio da qual a autora logrou, com todos os méritos, o título de Mestre em Direito.

Já faz alguns anos que acompanhamos a trajetória acadêmica da talento-sa autora. Na Fundação João Pinheiro do Estado de Minas Gerais, Fernanda Alen se graduou em Administração Pública e, posteriormente, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluiu seu Cur-so de Direito. Em ambas as oportunidades, tivemos a honra de acompanhar seu desenvolvimento e testemunhar sua dedicação e brilho. Posteriormente, na Pós-Graduação da UFMG, em seu Mestrado em Direito (ocasião em que fui componente da banca examinadora), a autora deixou provas inequívocas de sua capacidade (o que pode ser atestado com a leitura da presente obra).

Profissionalmente, da mesma forma, podemos atestar a qualidade de seu trabalho. A autora é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Estado de Minas Gerais e, atualmente, ocupa o cargo de Chefe da Assessoria de Planejamento e Gestão Estratégica da Advocacia-Geral do Estado. Com de-dicação exemplar, Fernanda Alen coordena o processo de modernização admi-nistrativa e, com firmeza, gerencia o processo de informatização do órgão. Na Advocacia-Geral do Estado, a autora acompanha, ainda, os estudos e pesquisas levados a cabo acerca da exploração minerária em Minas Gerais.

O interesse da autora pelo tema, vale notar, já vem do curso de Graduação em Direito, quando apresentou seu Trabalho de Conclusão de Curso de Gra-duação: “O conteúdo ético da exploração mineral no Estado de Minas Gerais”. Aliando as pesquisas de Mestrado à experiência prática, a autora desenvolveu seu trabalho de forma primorosa e profunda. O que resta evidenciado aqui é que a autora, além de ser dedicada estudiosa, faz do interesse público seu sacerdócio.

Como ressabido, em Minas Gerais, os problemas com a exploração mineral são antigos e, desde as origens do Estado, nunca receberam um olhar de alteri-

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dade. Se, no passado, quem lucrava era a Coroa portuguesa, que explorava os trabalhadores mineiros, no presente, empresas mineradoras exploram os recursos minerais, deixando suas marcas no meio ambiente e na comunidade local, sem que tal benefício seja distribuído para a sociedade. O que se pode registrar é mes-mo uma linha de continuidade no espírito explorador do “ciclo do ouro”.

A exploração dos recursos naturais tinha apenas um destino: o enrique-cimento de nações mais desenvolvidas. O cenário parece não haver mudado. Basta comparar a receita gerada para o Estado com os lucros desmedidos e com o faturamento das empresas de mineração, que, ainda, causam prejuízos sensí-veis para a coletividade (basta conferir os danos decorrentes do acidente com a barragem da Samarco).

Se antes pertenciam à Coroa portuguesa, hoje, os recursos minerais per-tencem ao povo brasileiro. Antes, os brasileiros exploravam jazidas e minas que pertenciam à Coroa portuguesa e se viam obrigados a pagar tributos ao rei, hoje, sociedades empresariais (algumas com parcela do capital estrangeiro) exploram os recursos minerais que pertencem ao povo brasileiro.

Sob o beneplácito de um Estado Federal inerte e absurdamente centralizador, os Estados-Membros mineradores não conseguem dar efetividade a seus programas sociais e garantir um “conteúdo ético” para a atividade mineral. Os royalties não são justos; os Estados não conseguem um fluxo tributário adequado, razoável e, sobretudo, justo, para fazer face às suas despesas em benefício da coletividade, nem para fazer frente aos prejuízos e danos causados pela exploração desmedida.

Os recursos minerais, fundamentais para a existência do homem moder-no, são recursos naturais não renováveis, que, em um futuro não muito distan-te, vão se exaurir. Como consabido, Minas Gerais responde por cerca de metade da produção brasileira de minério e, nem por isso, os benefícios para o Estado são significativos.

Se a exploração mineral é transitória, uma vez que os recursos minerários são esgotáveis, é preciso se ter em mente que, onde se exploram minas, o gado não pasta e a agricultura não prospera. Nessa direção, a possibilidade de exaus-tão das jazidas (ou sua inviabilidade econômica) indica um prejuízo para gera-ções futuras e aponta para um quadro dramático. Os danos que a exploração mineral gera para o meio ambiente e para a saúde das populações mineiras são significativos e impactantes. Basta sobrevoar as crateras lunares de Itabira; basta respirar o pó vermelho que fere os brônquios, nas proximidades de Belo Ho-rizonte; basta transitar pelas esburacadas estradas mineiras, que se encontram em lamentável estado de conservação devido ao excessivo peso dos caminhões transportadores de minério; basta visitar Bento Rodrigues e o Rio Doce para ter a certeza dos danos causados pela mineração ao Estado de Minas Gerais.

Em um Estado Democrático de Direito orientado para a persecução do bem comum, a exploração minerária só pode ser levada a cabo se cumprir

XIV

sua função social. Nesse compasso, deve ser colocado em relevo o interesse da coletividade e, em segundo plano, os interesses particularizados de lucro dos concessionários. Os riscos de esgotamento prematuro; degradação ambiental irreversível; dentre outros, são razões significativas que apontam para a necessi-dade de uma aguda fiscalização, intervenção e regulação pelo Estado, que deve, antes de tudo, se aparatar para cumprir adequadamente seu papel.

Para cumprir suas atribuições de promoção do bem comum, é certo que o Estado deve contar com receitas compatíveis com a riqueza explorada (que per-tence ao povo brasileiro) e com elas dar cumprimento ao desiderato constitu-cional fulcral de propiciar uma vida digna para o cidadão. Em outras palavras, as receitas decorrentes da exploração minerária devem, na medida do possível, sem impactar a atividade econômica, serem suficientes para servir de contra-face ao cumprimento do papel solidário que cabe ao Estado Democrático de Direito, não podendo apenas servir de suporte para lucros desmedidos de con-cessionários. Apenas, assim, o Estado cumpre seu papel de promotor do bem comum e, principalmente, só assim, as mineradoras atendem sua função social.

A riqueza proporcionada pela exploração dos recursos minerais deve pro-piciar benefícios para a coletividade, que se traduz, no modelo de Estado Tri-butário Distribuidor brasileiro, na percepção de receitas originárias (royalties) e derivadas (tributos) justas. Da mesma forma, as receitas decorrentes da exploração dos recursos minerais devem ser suficientes para compensarem os prejuízos que decorrem da exploração dos minérios para o povo do Estado. Nesse sentido é que se pode falar de um “conteúdo ético”, ou seja, a concessão de licença para exploração de recursos minerais esgotáveis apenas se justifica na medida em que possa gerar benefícios para toda coletividade. Da mesma forma, não poderá o particular dispor dos recursos minerais da forma que bem entender, mas o “con-teúdo ético” requer a proteção de tais ativos, evitando sua exploração inadequada; o esgotamento prematuro; a degradação irreparável do meio ambiente, etc.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, originalmente, previa a incidência do ICMS sobre produtos não industrializados, semiela-borados e primários, entretanto, a Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de Setembro de 1996 (Lei Kandir) isentou os produtos destinados à exportação e, para minimizar os efeitos na receita dos Estados, estabeleceu compensações na forma de transferências de recursos financeiros por parte da União aos Estados e Municípios (o que não vem ocorrendo).

O ICMS incidente sobre minério de ferro exportado para o exterior foi desonerado pela Lei Kandir. Além de afastar as exportações de minério do pa-gamento do ICMS, a malfadada lei concedeu direito de crédito às mercadorias entradas no estabelecimento para integração ou consumo no processo de pro-dução das mercadorias industrializadas (inclusive semielaboradas) destinadas ao exterior, imunes, portanto, do pagamento do imposto.

XV

Se a receita da CFEM destinada aos Estados é baixíssima, o ICMS de-corrente da exploração de minérios não mereceu melhor sorte, em virtude da desoneração heterônoma levada a cabo pelo Governo Federal. Assim, apesar da exportação de minério de ferro responder por cerca de 45% do valor total exportado por Minas Gerais, a arrecadação do ICMS consolidada advinda da indústria extrativa representa apenas pouco mais de 3% do total acumulado de arrecadação do ICMS. Esse resultado decorre das desonerações impostas pela Lei Kandir, bem como do fato das mineradoras promoverem o beneficiamento do minério de ferro fora de Minas Gerais.

Apesar da economia mineira ser vocacionada à exploração de minérios, a participação do setor extrativo mineral no emprego total pouco representa (cerca de 1%). Nesse compasso, pode-se afirmar que, embora seja Minas Gerais um Estado produtor de minérios, sendo responsável por cerca da metade de tudo que se explora no Brasil, a atividade extrativa não se traduz em benefícios significativos para a economia mineira. Se o minério rende muito pouco de tributos e de CFEM aos Estados mineradores, a atividade de extração gera pou-quíssimos empregos, além de ferir o meio ambiente.

Foi atenta a tudo isso, com elevado espírito público, que a autora desen-volveu seu primoroso trabalho. Da leitura da obra pode-se perceber claramente que o povo mineiro vê suas riquezas exploradas e retiradas do subsolo; sofre com os impactos ambientais e com a poluição, ao passo que a exploração do minério de ferro gera pouquíssimos empregos, além de não proporcionar be-nefícios significativos a título de royalties ou tributos. Os Estados mineradores sofrem com o arcabouço legal arcaico e com a ausência de uma política pública que permita transformar a exploração dos recursos minerais em desenvolvi-mento econômico e social. O quadro é, de fato, estarrecedor!

O texto, de elevada qualidade científica, é digno da leitura obrigatória para todos os mineiros e por todos aqueles que se preocupam com as mais graves questões atuais que afligem os países mais pobres. Bibliografia imprescindível, não exige maiores esforços de seus leitores para que dela extraiam conclusões valiosas. O futuro evidenciará as qualidades da autora que podem, desde já, ser apuradas na leitura da presente obra.

ONOFRE ALVES BATISTA JÚNIORPós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Portugal. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Ciências Jurídi-co-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Portugal.Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais. Procurador do Estado de Minas GeraisProfessor Adjunto do Quadro Permanente da Graduação, Mestrado e Dou-torado em Direito da UFMG