Redefor-língua portuguesaLp003

94
1 Disciplina: Linguística Textual: Tipologias, Agrupamentos e Textualidade Introdução Panorama geral da disciplina ________________________________________________________________________________________ Alô, professor ou professora! Bem-vindo(a) à Disciplina LP003 - Linguística Textual: Tipologias, agrupamentos e textualidade! Nossa disciplina enfocará, da forma mais aplicada possível, o texto compreendido, em sentido amplo, como produto e como processo que envolve sempre relações complexas entre produtor, texto e interlocutor (leitor ou ouvinte). Sendo assim, nossos objetivos gerais ao longo da disciplina serão: a) Possibilitar uma melhor compreensão sobre a natureza dos textos; b) Apresentar algumas de suas principais funções; c) Analisar as principais formas de construção de sentidos nos/pelos textos; e d) Possibilitar a compreensão sobre como abordar duas unidades distintas: os textos e os gêneros textuais. Nossa disciplina está dividida em três grandes temas. São eles: 1) Texto, textualidade e atividades de textualização; 2) Tipo textual, gênero textual e sequências textuais: conceitos fundamentais; e 3) O que são agrupamentos de gêneros. Cada um dos temas acima é dividido em três tópicos, cujos conteúdos estão organizados de forma sequencial e inter-relacionada. No início de cada um dos três temas acima, você encontrará uma introdução chamada "Um início de conversa", na qual explicamos com mais detalhes o que será trabalhado nos tópicos de cada tema. Assim organizada, esperamos que a disciplina fique suficientemente bem estruturada para otimizar o seu trabalho! Vamos colocar a "mão na massa"? Clique aqui 1 para ver o vídeo da disciplina. 1 http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/73HNRGRD6GAN/

description

 

Transcript of Redefor-língua portuguesaLp003

Page 1: Redefor-língua portuguesaLp003

1

Disciplina:   Linguística   Textual:   Tipologias,  Agrupamentos  e  Textualidade

 Introdução

Panorama geral da disciplina ________________________________________________________________________________________   Alô, professor ou professora! Bem-vindo(a) à Disciplina LP003 - Linguística Textual: Tipologias, agrupamentos e textualidade!

Nossa disciplina enfocará, da forma mais aplicada possível, o texto compreendido, em sentido amplo, como produto e como processo que envolve sempre relações complexas entre produtor, texto e interlocutor (leitor ou ouvinte). Sendo assim, nossos objetivos gerais ao longo da disciplina serão: a) Possibilitar uma melhor compreensão sobre a natureza dos textos; b) Apresentar algumas de suas principais funções; c) Analisar as principais formas de construção de sentidos nos/pelos textos; e d) Possibilitar a compreensão sobre como abordar duas unidades distintas: os textos e os gêneros textuais.

Nossa disciplina está dividida em três grandes temas. São eles: 1) Texto, textualidade e atividades de textualização; 2) Tipo textual, gênero textual e sequências textuais: conceitos fundamentais; e 3) O que são agrupamentos de gêneros. Cada um dos temas acima é dividido em três tópicos, cujos conteúdos estão organizados de forma sequencial e inter-relacionada. No início de cada um dos três temas acima, você encontrará uma introdução chamada "Um início de conversa", na qual explicamos com mais detalhes o que será trabalhado nos tópicos de cada tema. Assim organizada, esperamos que a disciplina fique suficientemente bem estruturada para otimizar o seu trabalho! Vamos colocar a "mão na massa"? Clique aqui1 para ver o vídeo da disciplina.  

1 http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/73HNRGRD6GAN/

Page 2: Redefor-língua portuguesaLp003

2

 

Tema: 1. Texto, textualidade e atividades de textualização

Tópicos: Um início de conversa ________________________________________________________________________________________   No Tópico 1 deste Tema, trataremos com você, professor, e com você, professora, de algumas das principais características do objeto texto.

Vamos mostrar que uma importante e fundamental característica dos textos verbais é o fato de que eles não são delimitados por seu tamanho. Também vamos mostrar ao longo deste tópico que os textos desempenham funções específicas decorrentes da intencionalidade do autor e que, em geral, apresentam similaridades estruturais em função de resultarem de determinadas atividades de textualização. Por fim, vamos trabalhar com as relações intertextuais que podem ser estabelecidas entre os textos. No Tópico 2 deste Tema, vamos enfocar a natureza multissemiótica dos textos. Em outras palavras, trataremos da articulação dos textos verbais com outras

linguagens, tanto quando são publicados em papel como quando são publicados em ambientes digitais. Além disso, mostraremos que os textos verbais publicados em ambos os suportes - papel e ambiente digital - são delimitados/enquadrados por outros textos, links e/ou gêneros textuais. Finalmente, no Tópico 3 deste Tema, apresentaremos as formas de organização interna de dois textos (uma reportagem de divulgação científica e uma reportagem sobre um tema da política internacional). Apresentaremos, de maneira comparativa, as formas de divisão e organização temática e de progressão textual das duas reportagens. Nosso objetivo é o de mostrar que as diferenças entre elas resultam tanto do fato de que elas pressupõem diferentes especializações temáticas como também das atividades de textualização com as quais os sujeitos produtores dos textos se envolvem no interior de determinados domínios sociais de comunicação.  ________________________________________________________________________________________    

Page 3: Redefor-língua portuguesaLp003

3

Tema:  1.  Texto,  textualidade  e  atividades  de  textualização   Tópico 1: Discutindo a natureza do texto verbal Ponto de partida Neste Tópico 1, como vimos, trataremos de algumas das principais características do objeto texto. Vamos mostrar que uma importante e fundamental característica dos textos verbais é o fato de que eles não são delimitados por seu tamanho. Por isso, trabalharemos neste tópico com aforismos, que são textos bem curtos, mas que trazem todas as características essenciais de um texto:

a) funcionalidade (servem para algo); b) formatação estável (encontram-se organizados materialmente de uma certa forma); c) sentido global (constroem uma (ou mais) mensagem(ns)); e d) possibilidade de ser descontextualizado ou decomposto e recontextualizado ou recomposto em outro contexto, com outra função e construindo outro sentido global.

Vamos mostrar também que os textos resultam de atividades de textualização específicas. Neste tópico, trataremos de uma das muitas atividades de textualização: o estabelecimento de relações intertextuais. As relações intertextuais podem ser percebidas quando um texto se relaciona com outro texto de determinada forma, por exemplo, tematicamente. Neste sentido, vamos mostrar que um texto pode "dialogar" com outro texto e que isso depende da função que ele vai exercer e da intencionalidade de seu autor. Ao final, vamos mostrar também que textos resultam de atividades de retextualização específicas. As atividades de retextualização caracterizam-se por passarem um texto da fala para a escrita, ou vice-versa, ou seja, caracterizam-se por passar um texto de uma modalidade de língua para outra. E isso, apesar de ser um procedimento comum na produção textual, muitas vezes pode causar mal-entendidos e conflitos entre os envolvidos. ________________________________________________________________________________________    

Page 4: Redefor-língua portuguesaLp003

4

Mãos a obra ________________________________________________________________________________________    É preciso dizer que o professor de língua, quando trabalha em sala de aula com seus alunos, trabalha com textos concretos. Isso quer dizer que nós, professores de língua, trabalhamos com um tipo de unidade (diferente da frase, da oração, do período etc.) muito flexível, maleável, mas também totalizante, e que precisa ser compreendida dentro de uma situação muito concreta de interação2. Por isso, a definição de texto que adotamos é "texto é um lugar de interação entre os interlocutores" (KOCH, 2004). Mas, antes de iniciarmos nossa breve apresentação sobre como devemos compreender essa unidade, vamos acompanhar um vídeo. Vamos começar trabalhando o conceito de texto a partir de aforismos para mostrar que a noção de texto não está necessariamente ligada ao tamanho do texto. O que são aforismos? Os aforismos são enunciados/textos assertivos de caráter filosófico. Se esta é a característica (temática) mais geral dos aforismos, podemos dizer que a sua principal função é fazer o leitor refletir criticamente (e muitas vezes, de maneira sarcástica, humorística, irônica) sobre suas crenças e valores. Os aforismos possibilitariam, então, um rompimento do que Daniel Piza chama de "senso comum", ou seja, os aforismos quebrariam o conhecimento mais usual que todos temos sobre os fatos, as pessoas e as instituições. Para Karl Kraus, "o aforismo jamais se confunde com a verdade. Ou é uma meia verdade ou uma 'verdade e meia'". Uma segunda característica (temática) dos aforismos é o fato de que eles também podem encerrar uma moral. Aforismos famosos foram produzidos por grandes filósofos e/ou autores da literatura universal. Uma terceira característica (funcional) dos aforismos é a sua natureza argumentativa, já que servem para desafiar verdades estabelecidas por agentes sociais prestigiados. Eles se constituem em "armas" de luta contra os pensamentos mais estabilizados e arraigados que temos. Uma quarta característica (formal) é a sua concisão. Os aforismos são textos curtos, quase sempre formados de um ou apenas alguns enunciados. ________________________________________________________________________________________      

2 Fonte: www.independenciaoumorte.com.br/node/1584 , acesso em 15/10/2011.

Page 5: Redefor-língua portuguesaLp003

5

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________    "Conhece-te a ti mesmo."

A frase acima é um exemplo de aforismo. Ela figurava na entrada do templo de Delfos e foi tomada por Sócrates3 como inspiração para construir sua filosofia. Se, em um primeiro momento, essa frase possibilitou um tipo de trabalho filosófico absolutamente inédito na Antiguidade, na atualidade, pode ser considerada como fazendo parte de uma filosofia muito difundida e, portanto, estabilizada. Por isso, foi possível que Oscar Wilde4 produzisse o aforismo abaixo, colocando o seu aforismo em uma relação crítica com o aforismo socrático: "Para conhecermos, mesmo superficialmente, a nós mesmos, precisamos conhecer profundamente os outros."

Vemos como estes dois textos se relacionam entre si, por apresentarem duas ideias que dialogam tematicamente (intertextualidade temática5), mas que estão organizadas argumentativamente de maneira diferente. Para Sócrates, o mais importante era o homem conhecer a si mesmo; para Oscar Wilde, não se pode conhecer a si mesmo sem conhecer os outros. Para nós, o importante é tentar compreender em que medida os aforismos podem ser considerados textos. Como já dissemos antes, eles obedecem a determinadas estratégias de textualização; podem ser compostos por uma ou mais (poucas) frases. Além disso, esses enunciados apresentam uma característica importante: a tematização de determinado objeto, de maneira a instar o interlocutor a seguir conselhos. Em outras palavras, os aforismos funcionam como instruções concretas para o leitor sobre como ele deve compreender determinados aspectos do mundo ao seu redor. Por fim, os aforismos são belos exemplos de unidades de sentido. Exatamente por serem textos bem curtos, têm uma "mensagem" a passar para seus interlocutores, e essa "mensagem" tem por finalidade última fazer o leitor refletir, pensar, sair do senso comum.

________________________________________________________________________________________      

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crates 4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_Wilde 5 A intertextualidade temática diz respeito à relação entre textos que partilham os mesmos temas (KOCH, BENTES,

CAVALCANTE, 2007).

Page 6: Redefor-língua portuguesaLp003

6

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    Vejamos alguns outros aforismos de Oscar Wilde, autor que tematizava muito as mulheres:

"As mulheres são um sexo fascinante e cabeçudo. Toda mulher é rebelde; por via de regra insurge violentamente contra si mesma." "Como definir uma mulher perversa? Ora, aquela de que a gente nunca se cansa!" "Segundo um ditado de um francês espirituoso, as mulheres inspiram-nos o desejo de criarmos obras-primas, e nunca nos deixam realizá-las." Os aforismos, em geral, apresentam uma natureza argumentativa, já que explicitam um ponto de vista sobre o objeto tematizado. Como já dissemos anteriormente, esse ponto de vista é um tanto quanto inovador, polêmico, quebrando o nosso senso comum sobre o mundo.

Mas, voltando ao problema da forma composicional dos aforismos, vejamos mais um exemplo que mostra a sua natureza injuntiva6, falando diretamente com o interlocutor, instando-o a adotar um determinado tipo de atitude: "Sempre falem7 com uma mulher como se estivessem apaixonados, e com um homem como se estivessem enfadados; no fim da temporada vocês terão certamente criado a fama de possuidores do mais requintado tato social." (Oscar Wilde) Sendo assim, como dissemos anteriormente, embora sejam curtos - uma ou poucas frases -, os aforismos são textos, porque:

• Obedecem a determinadas estratégias de textualização, mais especificamente, a tematização de um determinado objeto de discurso; • Apresentam uma função geral, que é a de fazer os seus leitores refletirem criticamente sobre suas realidades sociais e subjetivas; • Estabelecem um certo tipo de interação entre locutor e interlocutor - o locutor busca levar seu interlocutor a um tipo de mudança de atitude (mais reflexiva, mais crítica) e o interlocutor procura nos conteúdos veiculados uma certa sabedoria; e • Podem ser retirados de seus contextos de produção para funcionar como epígrafes no interior de outros textos (pode-se, por exemplo, empregar um aforismo na abertura de um romance).

 

6 Dando conselhos ou instruções; orientando a ação. 7 sequência injuntiva

Page 7: Redefor-língua portuguesaLp003

7

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________    Sobre essa última característica dos aforismos, vejamos um verbete da Wikipedia8 sobre o seu uso, em uma série de desenho animado intitulada "As terríveis aventuras de Billy e Mandy9". Como diz o texto de apresentação da personagem Mandy, aforismos são usados como um dos textos que servem para iniciar o desenho animado. O interessante é que eles não aparecem escritos, mas são sempre ditos por Mandy, a menina que é a personagem principal, antes de o desenho animado começar. Parece que os aforismos, neste caso, funcionam como uma epígrafe de uma obra, uma fonte inspiradora, que leva o leitor a refletir sobre o que é dito e sobre que tipo de relação se estabelece entre aquele aforismo e a história que é mostrada em seguida. Mas o que queremos mostrar, com este exemplo, é que um texto sempre pode ser levado de um suporte10 para outro, exercendo as mesmas funções ou até mesmo funções diferentes. Outra coisa que acontece é que os textos podem ser descontextualizados/decompostos e suas partes podem se transformar em outros textos íntegros, ou seja, podem ser recontextualizados/recompostos em outro (con)texto. Isso é muito comum quando se trabalha com poesia, por exemplo. Muitos livros didáticos "recortam" fragmentos de poemas (geralmente longos) e os trabalham como uma unidade de sentido, pois, de fato, podemos ler suas partes como textos íntegros, que fazem sentido por si mesmos, sem recorrer ao resto do poema. Todo texto pode passar por esse processo de descontextualização/decomposição e recontextualização/recomposição e isso é uma das principais características dos textos. E são processos muito comuns, tanto nas práticas orais como nas práticas escritas de linguagem. É essa característica fundamental dos textos que está na base do estabelecimento de relações intertextuais (BENTES; KOCH; CAVANCANTE, 2007), ou ainda na base do que Adam (2008) chama de operações de segmentação e ligação.  

8 http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Grim_Adventures_of_Billy_and_Mandy#Aforismos 9 http://www.youtube.com/watch?v=Lr7AoE8qlSo 10 O suporte de um texto é definido como a materialidade que permite que ele seja interpretado. O papel é um suporte, o

muro que suporta um grafitte é outro suporte, e assim por diante.

Page 8: Redefor-língua portuguesaLp003

8

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________    Vejamos dois exemplos. Um dos procedimentos mais usados na composição de textos jornalísticos é o recurso à citação da fala de autoridades. Por exemplo, uma declaração de alguém pode se transformar em uma manchete de uma notícia11, tal como acontece no link. A declaração do Ministro da Justiça, que deve ter acontecido no contexto de uma entrevista, em que ele fala sobre várias providências que estão sendo tomadas para conter a onda de violência que se instalou no Rio de Janeiro, é retirada desse contexto (de entrevista concedida oralmente), deixando de ser apenas uma das falas feitas e passando a manchete de uma notícia publicada no site do Yahoo: "Ministro pede isolamento de chefes do tráfico". Se seguirmos lendo a notícia12 acima, vamos observar que, já no primeiro parágrafo, temos acesso ao que teria sido a fala original do Ministro: "Sou favorável ao isolamento total, neste momento, de todo preso que tiver envolvimento nos atos do Rio". Essa fala do Ministro, trazida para dentro da notícia jornalística, na forma de discurso direto, foi retextualizada para que pudesse se transformar na manchete "Ministro pede isolamento de chefes do tráfico". Isso ilustra uma outra característica dos textos: a possibilidade de eles serem retextualizados, desde que sinalizada sua autoria. A retextualização é a atividade de transformação de um texto, em uma modalidade (fala, no caso em questão), para outro texto em outra modalidade (escrita, no caso em questão). O que vale a pena ressaltar é que as atividades de retextualização, que estão na base da produção dos textos, envolvem vários processos. Vejamos um exemplo retirado da obra de L. A. Marcuschi (2001, p. 70-71), Da fala para a escrita: atividades de retextualização:

"Trata-se da reação de José Ruy Gandra (Folha de São Paulo, 30/10/1993), em relação à reclamação do músico Arnaldo Antunes (Folha de São Paulo, 23/10/1993), que lamentara as distorções ocorridas no texto que reproduzia uma entrevista para a Revista Playboy (nº. 219)".

   

11http://www.correiodopovo-al.com.br/v3/mundo/10241-Ministro-Justia-pede-isolamento-chefes-trfico.html 1212http://www.correiodopovo-al.com.br/v3/mundo/10241-Ministro-Justia-pede-isolamento-chefes-trfico.html

Page 9: Redefor-língua portuguesaLp003

9

Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________    Assim se expressa A. Antunes13 a certa altura de seu texto reclamatório:

Exemplo (1) Nunca me reconheci tão pouco em uma entrevista. Nunca abominei tanto um discurso colocado por terceiros em minha boca. Um pequeno e bom exemplo desse procedimento: o entrevistador me perguntou se eu já tivera relações homossexuais. A resposta foi um sucinto "não". Resposta publicada: "Nunca, nem mesmo em troca-troca quando eu era criança". Essa espécie de adorno às declarações, com fantasias e fetiches do entrevistador, se tornou um procedimento usual na edição da matéria de uma forma geral.

Em sua réplica, Ruy Gandra escreve o seguinte: Exemplo (2) A primeira passagem da entrevista mencionada por Arnaldo Antunes, logo no início de seu texto, foi a da homossexualidade. Ele diz: "O entrevistador me perguntou se eu já tivera relações homossexuais. A resposta foi um sucinto ‘não'. Resposta publicada: ‘Nunca, nem mesmo em troca-troca quando eu era criança'. (...) Arnaldo Antunes mente, como comprova a fita nº 4 da entrevista. "Você já teve transa homossexual?". Resposta: "Não, nunca." "Nem quando criança, troca-troca?". Resposta: "Não, nem criança". Com o aval da concordância expressa do entrevistado e em nome da concisão, as duas perguntas foram fundidas em uma só. Não há nisso nenhum mistério nem ato condenável. (grifo meu) Reconstruindo os procedimentos, de acordo com as informações de Ruy Gandra, teríamos o seguinte segmento da entrevista entre R (Ruy) e A (Antunes): R: Você já teve alguma transa homossexual? A: Não, nunca. R: Nem quando criança, troca-troca? A: Não, nem criança. Transformação publicada pelo jornalista. R: Você já teve uma transa homossexual? A: Não, nunca, nem mesmo em troca-troca, quando criança. (MARCUSCHI, 2001, p. 70-71)    

13 http://www.youtube.com/watch?v=N3CjOWNHOfw

Page 10: Redefor-língua portuguesaLp003

10

 Finalizando... ________________________________________________________________________________________   Até aqui, estivemos interessados em compreender as implicações da textualização ou do trabalho de produção textual. Vimos que este trabalho implica o reconhecimento de que:

• Um texto, para ser um texto, não depende de tamanho. Os exemplos dos aforismos e das perguntas orais feitas em uma entrevista apontam para o fato de que os textos podem ter tamanhos variados. Isso depende de como os produtores os delimitam para que possam exercer as funções que lhes são atribuídas. Mas é importante também dizer que aforismos e perguntas podem ultrapassar uma frase, mas não podem ser muito longos, senão, deixam de ser aforismos e perguntas.

• Os textos são objetos que podem ser recortados/decompostos e recontextualizados/recompostos em outros contextos, o que nos mostra, mais uma vez, que seus limites são extremamente flexíveis e maleáveis. Vimos o exemplo das perguntas e de respostas de uma entrevista que foram fundidas em um texto só, deixando de ser um par pergunta-resposta e passando a ser apenas a resposta atribuída pelo jornalista ao entrevistado.

• Os sentidos sociais dos textos são sempre elaborados pelos interlocutores em situações concretas de interação. Vimos, por exemplo, que os aforismos do século XIX sobre as mulheres podem ter os seus sentidos alterados se lidos agora, no século XXI. Vimos que os sentidos das respostas dadas em uma entrevista são diferentes para cada um dos participantes (jornalista e entrevistado).

• Os textos apresentam funções mais ou menos estáveis. Vimos por exemplo, que os aforismos estão sempre incitando seus leitores a ver o mundo com outros olhos, de forma mais crítica e menos conformista.

• Os processos de compreensão e de produção textual dependem da interpretação das relações que aquele texto específico mantém com outros textos (intertextualidade). Vimos, por exemplo, que o aforismo proposto por Sócrates é reinterpretado por Oscar Wilde, sendo que este último autor questiona os conteúdos estabelecidos no aforismo do primeiro. Esse seria um exemplo de intertextualidade temática por meio do estabelecimento de diferenças e não de semelhanças entre os textos.

Gramática de Jeronymo Soares Barbosa, 1807

 

   

Page 11: Redefor-língua portuguesaLp003

11

Tópico 2: Discutindo a natureza multissemiótica dos textos Ponto de partida ________________________________________________________________________________________   No Tópico 2 deste Tema, vamos trabalhar com uma outra característica dos textos: a sua natureza multissemiótica. Para isso, vamos procurar mostrar que os textos são sempre produzidos na relação com diferentes linguagens. Por exemplo, quando falamos, produzimos textos orais que são, por assim dizer, "emoldurados" pelos gestos que fazemos, pela nossa expressão facial, pelo direcionamento do olhar, pela postura corporal e assim por diante. Também quando entramos no processo de produção/composição de textos escritos mobilizamos outras linguagens para organizar nossos textos. Por exemplo, podemos trabalhar com diferentes tipos de letra (que se constituem em um sistema à parte), com o tamanho das letras, com a disposição de nosso texto no papel (ou na tela do computador), com as cores das letras e das páginas/telas de computador, com imagens estáticas (fotos, desenhos, ilustrações etc.) e, hoje em dia, em função do uso do computador, com imagens em movimento (por exemplo, os videos, os emoticons animados). Os textos escritos, dispostos em diferentes contextos/suportes (impresso ou digital), vão sempre nos mostrar a relação de grande proximidade, mas também de grande tensão (e até mesmo de disputa) entre o verbal e o não verbal. Nesse segundo tópico, lidaremos com dois exemplares de texto jornalístico, isto é, com duas reportagens, sobre dois temas diferenciados, em suas versões impressa e digital. Nossos objetivos são os de mostrar como essas duas reportagens, que pressupõem diferentes especializações temáticas e diferentes domínios sociais de comunicação14, compartilham entre si:

• a articulação de diversas estratégias de delimitação/enquadramento de textos verbais, em função do ambiente no qual eles se encontram; e

• uma natureza multissemiótica. _____________________________________________________________________________________    

14 Dolz e Schneuwly (2004[1996]) definem cinco domínio sociais de comunicação importantes de serem apreendidos na

escola: o da cultura literária ficcional, o da documentação e memorização das ações humanas, o da discussão de problemas sociais controversos, o da transmissão e construção de saberes e o das instruções e prescrições.

Page 12: Redefor-língua portuguesaLp003

12

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________    

Para a nossa discussão sobre a conceituação de texto, é importante afirmar, para além de sua maleabilidade e flexibilidade, a natureza intrinsecamente multissemiótica dos textos. Assim, para nós, todo texto é basicamente uma manifestação multissemiótica. O que isso significa? Significa assumir que toda atividade de produção textual resulta da articulação e da manipulação de recursos semióticos variados (imagens estáticas, imagens em movimento, escrita, fala, música etc.) para significar, criar sentidos, comunicar algo. Um poema concreto15, o título da capa de um CD musical16, um página de texto científico17, uma manchete de jornal18, um título de capa de revista19, são textos que, muitas vezes, resultam da manipulação das outras linguagens e dos signos linguísticos, de forma a provocar determinados efeitos no leitor. Por exemplo, a capa da revista do jornal francês Le Monde, ao lado, tem como título "Brasil, um gigante se impõe". Queremos destacar aqui o jogo com as cores da bandeira nacional (fundo verde e detalhes em azul, amarelo e branco), mas, principalmente, a manipulação semiótica dos signos linguísticos, considerando o tamanho, o tipo e as cores das fontes. Essa manipulação dos recursos semióticos (dos mencionados acima e dos que não foram mencionados) encontra-se a serviço do propósito comunicativo - projeto de dizer do produtor. Além disso, essa manipulação, ao causar impactos sensoriais no momento de sua recepção, estabelece, no caso da capa de revista, uma relação de reforço aos conteúdos temáticos colocados em cena - o fato de que o Brasil é um país grande que se impõe perante o mundo. ________________________________________________________________________________________    

15 http://saladadarc.blogspot.com/2011/02/blog-post.html 16 http://www.submarino.com.br/menu/547/CDs 17 http://antoniosgouveia.blogspot.com/2010/10/o-que-e-um-texto-cientifico.html 18 http://blogln.ning.com/profiles/blogs/manchetes-inusitadas 19 http://a-do-ro.blogspot.com/2009/10/capas-de-revista.html

Page 13: Redefor-língua portuguesaLp003

13

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________    Sendo assim, neste segundo tópico, vamos continuar a discutir a natureza do texto, sempre compreendo todo e qualquer texto como resultado de (inter)ações humanas delimitadas por uma série de fatores. Agora, pediria que você lesse a reportagem "Por que não vivemos para sempre", por Thomas Kirkwood, publicado na Revista Scientific American - Brasil, outubro de 2010, p. 30-37. O texto é composto por 9 páginas corridas na Internet. Clique aqui para lê-lo20. Role a página e clique nos números de páginas ao pé do texto para lê-lo por completo. Em seguida, reflita a respeito das questões abaixo e anote suas reflexões: 1.Em quanto tempo você fez a primeira leitura do texto? 2.Como você descreveria o seu processo de leitura, considerando que o texto tem um suporte digital? 3.Descreva de que natureza são as principais dificuldades encontradas na leitura. Elas se devem a questões:

• materiais - o suporte digital dificulta mais a leitura do que o suporte em papel? • formais - número de páginas, tamanho da letra, tipo de fonte, paragrafação etc.? • de conteúdo - vocabulário, articulação textual, progressão temática etc.? • de construção do ponto de vista - há ou não uma orientação argumentativa clara? • de intencionalidade - os propósitos comunicativos estão claros?

 

20 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html

Page 14: Redefor-língua portuguesaLp003

14

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    A natureza multissemiótica dos textos está profundamente relacionada, como vimos, à possibilidade de articulação e de manipulação dos recursos semióticos para a elaboração dos sentidos. Clique aqui21, para ver um texto, cujos sentidos derivam dos impactos causados pela manipulação dos recursos multissemióticos linguísticos, visuais e discursivos. Gostaria que você, agora, voltasse à pagina inicial da reportagem "Por que não vivemos para sempre?22". Vamos pensar sobre as diferenças entre ler uma página de uma revista impressa e ler uma página na Internet. "Por que não vivemos para sempre?" é uma reportagem com a qual vamos lidar ao longo deste Tópico/Tema. Ela foi produzida com o objetivo de divulgar determinados conhecimentos científicos. Ao lado, você pode ver a imagem da primeira página da reportagem impressa. Tendo a oportunidade de ler a reportagem impressa23 produzida para o suporte papel, você poderá perceber, com mais concretude, como a mudança de suporte - do papel para o digital - também propicia uma mudança nas relações entre o texto verbal e as outras semioses. Agora, vamos fazer algumas considerações sobre a leitura da reportagem impressa:

• Apesar de todo texto impresso apresentar uma natureza multissemiótica (em função da manipulação das fontes, da organização visual dos conteúdos, da diagramação e design da página etc., o que nos leva a percebê-lo e compreendê-lo de forma não linear), ele nos leva a uma quase total concentração sobre sua "unidade" material, o que, portanto, nos dá a impressão de há limites mais bem definidos entre o verbal e as outras linguagens.

• A contraparte impressa da reportagem que estamos lendo na Internet é radicalmente diferente. Ela nos faz focalizar as relações entre texto verbal e as outras semioses de maneira muito seletiva, já que o trabalho com essas outras semioses que compõem a reportagem (imagens pictóricas trabalhadas graficamente, infográficos, gráficos, tabelas etc.) está completamente voltado para relações de complementariedade/reforço dos temas propostos pelo texto verbal. Assim, o texto é percebido como uma "unidade".

 ________________________________________________________________________________________  

 

21 http://blerght.wordpress.com/2008/08/20/infinito/ 22 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html 23https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/SCI.

pdf

Page 15: Redefor-língua portuguesaLp003

15

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________   Se olharmos com mais atenção para o ambiente digital no qual está inserida a reportagem da Scientific American "Por que não vivemos para sempre24?", veremos que exibe recursos de enquadramento do texto da reportagem a certos limites espaciais da página. Assim, o texto está dentro de um quadro25 que tem os seus limites mais gerais definidos nos seguintes termos:

26

________________________________________________________________________________________    

24 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html 25 No ambiente digital, esse "quadro" que percebemos visualmente é denominado "página" da internet, e pode ser

considerado um hipertexto que possibilita justamente o tipo de configuração que descrevemos brevemente aqui. A nosso ver, a inserção de textos produzidos na lógica do impresso e inseridos em uma página da internet (o que Braga e Ricarte (2005) denominam retextualização) nos coloca inúmeras questões sobre a relação entre texto e hipertexto que têm sido consideradas por muitos autores, tais como Marcuschi (1999, 2005), Braga (2003, 2004), Koch (2005), Gomes (2010).

26 Acima: o enquadramento do texto no ambiente da Revista é mais forte. Encontra-se estruturado pelo que podemos chamar de três grandes linhas de uma tabela: na primeira linha, mais estreita, uma série de ícones anunciam a Revista e outras Revistas a ela relacionadas; na segunda linha, mais larga, temos, à esquerda, a capa da revista, mais para o centro, temos o nome da Revista, e, mais para a direita, um "chamado" para que assinemos a Revista; na terceira linha, mais estreita, outro conjunto de ícones, que se referem aos grandes gêneros que constituem a Revista (podcasts, blogs, reportagens e artigos) e a recursos de divulgação de notícias (o RSS) e de busca de informações;

À direita: uma coluna constituída por anúncios publicitários;

Abaixo, temos quatro linhas de uma tabela: na primeira linha, uma breve apresentação do autor do texto; na segunda linha, temos uma chamada para a leitura de outras reportagens da Scientific American disponibilizadas em ordem cronológica inversa, da mais atual para a mais antiga; na terceira, temos uma linha constituída por ícones que remetem à loja virtual que está disponibilizando esta e outras Revistas; na quarta linha, um anúncio publicitário;

À esquerda, uma coluna constituída por uma lista de ícones verbais e não verbais que, uma vez clicados, abrem na sua tela conjuntos diferentes de informações sobre a Revista Scientific American; logo abaixo, uma enquete e um anúncio publicitário.

Page 16: Redefor-língua portuguesaLp003

16

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________   Podemos dizer que o enquadramento do texto visualizado por você na página anterior nos coloca justamente a questão dos limites do texto. No ambiente digital, esses outros textos e recursos semióticos, que nos fazem uma série de "chamamentos" e que estão "ao redor" do texto verbal, também podem ser considerados como recursos constitutivos do ambiente de recepção desse texto. O texto verbal da reportagem na Internet é ainda enquadrado, delimitado por outros textos, assim como ocorre na reportagem impressa. Esse outro nível de enquadramento é responsável pelo emolduramento das páginas da reportagem da Internet com outros quatro textos, semântica e discursivamente, relacionados a ela:

Dois textos na página 3: Dois textos na página 6:

27

28

29 30 (Pouse o mouse sobre as setas coloridas para visualizar as informações)

________________________________________________________________________________________  

 

27 a) um texto híbrido (gráfico), composto por linhas, pontos, palavras e números e que tem como principal função dar

visualidade ao conteúdo "aumento da média de expectativa de vida humana"; 28 a) um texto híbrido (outro gráfico), composto por linhas e pequenos textos dispostos, em sua maioria, nas bordas do

quadro; este texto tem também como principal função dar visualidade ao conteúdo - "a restrição calórica aumenta a expectativa de vida dos animais";

29 b) um texto verbal, composto fundamentalmente por recursos linguísticos; por sua vez, este texto escrito, posicionado abaixo do gráfico (legenda), apresenta uma estruturação textual interna - título e texto; o texto escrito procura dar uma interpretação para o gráfico, e o gráfico possibilita ao leitor o acesso a um tipo de codificação da informação diferente, por meio de uma linguagem visual.

30 b) um texto escrito (legenda), dividido em duas partes por subtítulos em letras maiúsculas; cada parte deste texto trata de um tópico diferente, conforme explicitam os dois títulos; c) no entanto, ambos funcionam de forma a resumir conteúdos articulados no interior do texto da reportagem.

Page 17: Redefor-língua portuguesaLp003

17

Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________    Agora, passaremos a analisar os múltiplos recursos semióticos e enquadramentos que constituem uma reportagem, que é construída a partir de uma especialidade temática diferente da reportagem anterior - o jornalismo político. Essa reportagem tem como função principal registrar um fato da política internacional: o crescimento da xenofobia na Europa. A reportagem intitulada "O conto da xenofobia31", publicada na Revista Carta Capital, de 29 de setembro de 2010, apresenta uma configuração bastante diferenciada da reportagem da Revista Scientific American. Um exemplo disso é o fato de a reportagem ser mais curta, podendo ser lida por meio da rolagem da barra lateral da página. Ou seja, o leitor não precisa ir passando as páginas, tal como acontece com a reportagem da outra revista. No entanto, os tipos de enquadramento, à época da primeira edição, eram os mesmos. Em um primeiro nível, temos o enquadramento mais geral da reportagem, feito por meio da disposição de colunas e linhas à esquerda, à direita, acima e abaixo do texto. Essas colunas e linhas trazem:  

32    

________________________________________________________________________________________  

 

31 http://www.cartacapital.com.br/blog/internacional/o-conto-da-xenofobia-2/ 32 Acima da reportagem: a) uma linha, branca e estreita, com um anúncio publicitário e a chamada para a assinatura da

Revista Carta Capital; b) em uma segunda linha, mais larga, temos, à esquerda, o nome da revista em letras maiores; no meio, ícones que dão informações sobre a organização da empresa e, mais à direita, um instrumento de busca de informações; e c) uma terceira linha, que apresenta um conjunto de itens que se refere às editorias da Revista (Política, Economia, Cultura, Internacional etc.). As colunas da esquerda e da direita são de cor preta e emolduram a página, procurando representá-la como se fosse um palco (ver as imagens de cortinas vermelhas sobrepostas à coluna de cor preta). No centro desse palco, a reportagem encontra-se disposta em um fundo branco. Em uma coluna interna, à direita, temos a capa (atual) da revista em tamanho bem maior do que encontramos no site da Revista Scientific American.

Page 18: Redefor-língua portuguesaLp003

18

Colocando os conhecimentos em jogo 6 ________________________________________________________________________________________    Mas, se prestarmos atenção, os enquadramentos das duas reportagens são um pouco diferentes. Primeira diferença: na Revista Carta Capital, quando a reportagem chega ao fim, há uma apresentação de apenas uma linha do jornalista-autor, enquanto na Revista Scientific American a apresentação do autor é maior. Segunda diferença: após a reportagem da Revista Carta Capital, abre-se espaço para dez comentários/repostas sobre o texto publicado, enquanto na Revista Scientific American não há espaço para comentários. Terceira diferença: a reportagem da Revista Carta Capital é bem mais curta e não traz subtítulos, como ocorre na reportagem da Revista Scientific American, mais longa e com quatro subtítulos. Quarta diferença: na reportagem da Revista Carta Capital, há apenas mais um único texto (legenda que se encontra no início e na coluna à esquerda do texto verbal), que a emoldura/enquadra e que está semântica e discursivamente a ela vinculado; no entanto, ele não se mantém no texto digital tal como é no texto impresso. A foto é a mesma usada no texto impresso, mas a legenda não se relaciona diretamente com a foto (compare as duas imagens ao lado); já na Revista Scientific American, são sete textos que emolduram a reportagem impressa e quatro textos que emolduram a reportagem na Internet e que são idênticos aos da reportagem impressa. O que podem nos dizer estas diferenças de formatação e de emolduração entre as duas reportagens? Podemos pensar que a diferença entre elas é menos em relação ao gênero (isto é, a qualidade sociocomunicativa dos dois textos, a saber, ambos são reportagens) e mais em relação às especialidades temáticas de cada uma dessas reportagens (jornalismo científico e jornalismo político); e também porque cada uma das reportagens é produzida no interior de dois diferentes domínios sociais de comunicação: o do discussão de um problema social controverso (reportagem da Carta Capital) e o de transmissão e construção de saberes (reportagem da Scientific American).

 ________________________________________________________________________________________  

 

Page 19: Redefor-língua portuguesaLp003

19

Finalizando ________________________________________________________________________________________   Neste tópico, discutimos a natureza multissemiótica dos textos. Pudemos ver que: a) os textos são compostos tanto por recursos verbais como por outros recursos semióticos; b) mesmo os textos escritos e impressos podem ser considerados multissemióticos, em função de resultarem do trabalho concomitante de manipulação de outras semioses, tais como o uso estratégico do tamanho da letra, do itálico, do negrito, do sublinhado, da paragrafação, da diagramação da página (sombreamento do fundo, uso de boxes etc.); c) observando os textos das reportagens e seus múltiplos enquadramentos, verificamos que a chamada "unidade" do texto é provisória e que ela deriva de: a) um conjunto de ações específicas do produtor, ações estas que criam esse efeito de unidade para o leitor; e b) um conjunto de práticas sedimentadas relativas a modos de ler, práticas estas que procuram justamente, a todo momento, checar e reforçar esta unidade textual. d) os textos que circulam na esfera digital - Internet - são considerados multissemióticos por excelência, porque são constitutivamente compostos por várias linguagens (fala, escrita, cores, imagens - em movimento ou não), delimitações gráficas, hipertextualidade33, convivendo, simultaneamente, com "chamados à ação" (links) direta ou não diretamente relacionados ao texto que se está lendo; e) os textos que circulam na esfera digital resultam de um conjunto de ações específicas que os colocam, de forma mais radical, em relação constante com outros textos (intertextualidade/hipertextualidade), e, muitas vezes, os outros textos funcionam como delimitações espaciais para um determinado texto verbal, tal como vimos acontecer mais radicalmente com a reportagem da Scientific American que começamos a trabalhar; f) a recepção dos textos que circulam na mídia digital difere da recepção dos que circulam na mídia impressa, principalmente no que diz respeito aos diferentes graus de dispersão, aos quais os leitores estão submetidos. Por exemplo, as duas reportagens com as quais você está em contato estão imersas em um mar de informações e "chamadas", que podem nos levar para longe do texto no qual estamos primeiramente interessados. Além disso, os textos verbais são lidos no interior de um mar de possibilidades de percepção, o que faz com que tenhamos que aprender a prestar atenção neles e, ao mesmo tempo, em tudo o que os rodeia; g) uma maneira de chamar a atenção para o texto impresso é trabalhá-lo na comparação com o texto digital; h) parece haver uma relação entre as especialidades temáticas, no interior das quais os textos são produzidos, e a exploração de sua natureza multissemiótica; no jornalismo de divulgação científica, há uma maior quantidade e variedade de enquadramentos do que no jornalismo político. ________________________________________________________________________________________  

 

33 A hipertextualidade pode ser definida como um fenômeno textual, não exclusivamente virtual, mas que ficou mais

conhecido pela presença de remissões, os chamados "links", no texto principal, remissões / links que remetem a outros textos, permitindo percursos diferentes de leitura e de construção de sentidos.

Page 20: Redefor-língua portuguesaLp003

20

Atividade autocorrigível 1 ________________________________________________________________________________________   Considerando a análise feita dos múltiplos enquadramentos da reportagem da Revista Scientific American ("Por que não vivemos para sempre?"), leia as alternativas abaixo e decida se são verdadeiras ou falsas. Cheque suas respostas, pousando o cursor sobre o número da alternativa. 1)34 O texto verbal da reportagem impressa é radicalmente diferente do texto da reportagem publicada na internet. 2)35 Há o mesmo número de textos "emoldurando" a reportagem impressa e a reportagem publicada na internet. 3)36 A leitura do texto da reportagem impressa se dá da mesma maneira que a leitura do texto da reportagem publicada na internet. 4)37 As reportagens apresentadas foram consideradas textos de natureza multisemiótica porque elas revelam uma articulação entre diferentes linguagens: imagens, gráficos, tabelas, tamanho e tipos de fontes tipográficas. ________________________________________________________________________________________  

34Falso. O texto verbal de ambas as versões (impressa e digital) é o mesmo. No entanto, dadas os arranjos

multissemióticos e de diagramação feitos em uma e outra versão, sentidos diferentes emergem na leitura. 35 Falso. As soluções de diagramação das páginas impressas e das digitais são bastante diferentes em uma e outra versão. 36 Falso também. Os protocolos ou manejos de leitura, na tela e no suporte papel, são também muito diferentes. 37 Verdadeiro.

Page 21: Redefor-língua portuguesaLp003

21

Tópico 3: Discutindo a construção dos sentidos dos textos  

Ponto de partida ________________________________________________________________________________________   No Tópico 1, estivemos interessados em deixar claro que os textos verbais resultam de estratégias específicas de textualização. Também falamos de como os textos verbais são maleáveis, dialogam entre si (intertextualidade) e são flexíveis e de como são passíveis de composição/contextualização e decomposição/descontextualização, para, então, serem recompostos/recontextualizados. No Tópico 2, estivemos interessados em focalizar, de uma forma muito geral, a natureza multissemiótica dos textos, ou seja, em mostrar como são compostos por diferentes linguagens (visual, gráfica, verbal etc.). Essas outras linguagens que participam da composição dos textos estão, muitas vezes, em relação de complementariedade e de reforço aos conteúdos veiculados pelos/nos textos. Agora, no Tópico 3, discutiremos como ocorrem as formas de organização textual interna dos textos e como elas contribuem de forma decisiva para a construção dos sentidos de cada um deles. Assim, vamos trabalhar com:

• Como será que o produtor do texto faz para dividir, organizar e fazer progredir os sentidos? • Que recursos ele usa?

Nosso objetivo, ao longo deste Tópico, será o de mostrar, de forma comparativa e parcial, que a organização textual das duas reportagens (a da revista Scientific American e a da Carta Capital) é bastante diferente. Observando essas diferenças, estaremos dando continuidade à discussão sobre a natureza dos textos e sobre as atividades de textualização nas quais os sujeitos se envolvem no interior de determinados domínios sociais de comunicação38, de forma a construir os sentidos dos textos.

Com isso, pretendemos reforçar a ideia que estamos defendendo desde o início da disciplina, ou seja, que os textos resultam de atividades específicas de textualização, relativas a determinados projetos de dizer, projetos estes que são engendrados no interior de determinados contextos sociais mais amplos e de determinados domínios sociais de comunicação. ________________________________________________________________________________________    

38 Como veremos mais adiante, Dolz e Schneuwly (2004[1996]) definem cinco diferentes domínios sociais de

comunicação que devem ser trabalhados ao longo das séries na escola: o da cultura literária ficcional, o da documentação e memorização das ações humanas, o da discussão de problemas sociais controversos, o da transmissão e construção de saberes e o das instruções e prescrições.

Page 22: Redefor-língua portuguesaLp003

22

Mãos à obra  De forma a darmos continuidade à nossa sempre contrastiva discussão sobre a análise de textos que pertencem a diferentes especialidades temáticas (jornalismo de divulgação científica e jornalismo político), pedimos a você que leia novamente a primeira39 e a segunda40 reportagens já trabalhadas, agora atentando para os seguintes aspectos específicos:

a) subdivisões explícitas; b) vocabulário especializado; c) presença de pequenos relatos; d) presença de descrições; e) presença de um ponto de vista sobre a questão tematizada.

Anote tudo o que puder do que lhe chamar mais a atenção em uma observação rápida sobre estes aspectos acima. É importante perceber as seguintes diferenças entre os textos "Por que não vivemos para sempre" e "O conto da xenofobia" :

a) os dois textos, ambos classificados como reportagens, foram produzidos em diferentes especialidades temáticas (jornalismo de divulgação científica e jornalismo político); b) os dois textos foram produzidos para diferentes leitores (leitores de uma das revistas mais importantes de divulgação científica, a Scientific American, e leitores de uma revista nacional de atualidades, a Carta Capital). c) os dois textos foram produzidos em diferentes domínios sociais de comunicação: o texto "Por que não vivemos para sempre?" foi produzido no domínio da transmissão e construção de saberes, sendo que a principal ação de linguagem desempenhada nesse domínio é a de expor um determinado conteúdo; já o texto "O conto da xenofobia" foi produzido no domínio da discussão de problemas sociais controversos, sendo que a principal ação de linguagem desempenhada nesse domínio é a de argumentar, ou seja, de defender um ponto de vista.

________________________________________________________________________________________    

39 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html 40 http://www.cartacapital.com.br/blog/internacional/o-conto-da-xenofobia-2/

Page 23: Redefor-língua portuguesaLp003

23

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________   Comecemos a trabalhar com os sentidos produzidos na reportagem "Por que não vivemos para sempre?". Vamos trabalhar com sua introdução. Podemos dizer que, no início da primeira parte do texto, o autor apresenta mais explicitamente o seu ponto de vista sobre o tema: o de que devemos pensar sobre o fim de nossas vidas. Esse ponto de vista, apresentado nos dois parágrafos iniciais, é importante porque, segundo o autor, "é saudável para as pessoas" e porque pode ajudar a "definir corretamente os objetivos da política e das pesquisas médicas". Nos parágrafos seguintes dessa introdução, o autor busca apresentar como diferentes grupos têm lidado com o processo de envelhecimento e, por conseguinte, com a ideia da morte. É interessante perceber que o autor chama a atenção, ainda nessa primeira parte, para o fato de que os cientistas sabem muito pouco sobre essa questão e que eles não previram o aumento da expectativa de vida41. Mas quais são os grupos sociais que são apresentados/nomeados nesses parágrafos?

• "Nossos ancestrais" (os homens de ontem) • Os cientistas (os homens de hoje)

Em relação aos conteúdos que se seguem ainda nessa primeira parte, é possível afirmar que: a) o autor, em um certo momento, produz alguns relatos42 como forma de exemplificação de que nossos ancestrais lidavam melhor com a morte e de como até as crianças refletem sobre a morte; b) o autor, durante alguns parágrafos, descreve43 o que acontece com nosso corpo quando morremos; e c) o autor expõe a ideia44 de que o fato de sermos mortais não exclui a verdade de que nossa linhagem genética é "aparentemente" imortal, já que descende de "uma cadeia ininterrupta de divisões celulares iniciadas há quatro bilhões de anos, com as primeiras formas de vida celular neste planeta". ________________________________________________________________________________________    

41 http://www.youtube.com/watch?v=WwOZJULQMgY 42 1) "Costuma-se dizer que nossos ancestrais lidavam melhor com a morte, ao menos, porque a viam com muito mais

frequência. Há cem anos, a expectativa de vida no Ocidente era 25 anos mais curta que hoje, resultado de muitas crianças e jovens adultos morrerem prematuramente por várias causas. Um quarto das crianças morria de infecções antes do quinto aniversário; mulheres jovens sucumbiam às complicações do parto; e mesmo um jovem jardineiro, ferindo a mão em um espinho, poderia ser vítima de envenenamento". 2) "Há alguns anos, enquanto dirigia com minha família pela África, uma cabra pega sob as rodas do nosso veículo morreu na hora. Quando expliquei a minha filha de 6 anos o que acabara de acontecer, ela perguntou: 'A cabra era jovem ou velha?'. Fiquei curioso sobre a razão daquela dúvida. 'Se ela estava velha, não é triste, porque não teria mais muito tempo para viver, de qualquer jeito', foi a resposta."

43 "Para explorar o pensamento atual sobre o que controla o envelhecimento, vamos começar imaginando um corpo no final da vida. O último suspiro é dado, a morte chega e a vida acaba. Nesse momento, a maioria das células está viva. Sem saber o que acaba de acontecer, elas conduzem, tão bem quanto possível, os processos metabólicos que suportam a vida – usando o oxigênio e os nutrientes à sua volta para gerar a energia necessária à síntese de proteínas e outros componentes celulares e ao suporte a suas atividades (a principal atividade das células). Em pouco tempo, privadas de oxigênio, as células morrem e, com isso, algo imensamente antigo chega a seu fim silencioso."

44 "A morte é certa. Mas pelo menos algumas de nossas células têm uma propriedade espantosa: são dotadas de algo tão próximo da imortalidade quanto pode ser alcançado na Terra. Quando você morre, apenas um pequeno número de suas células continuará essa linhagem imortal rumo ao futuro – e só se você tiver filhos. Apenas uma célula do seu corpo escapa à extinção – um espermatozóide ou um óvulo – por filho. Os bebês nascem, crescem, amadurecem e se reproduzem, continuando o ciclo."

Page 24: Redefor-língua portuguesaLp003

24

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    Sobre a reportagem "Por que não vivemos para sempre?", não se pode esperar que possamos dar uma resposta simples à pergunta: "Do que fala este texto?". Ainda vamos continuar trabalhando com essa reportagem, de forma a dar conta dos múltiplos "sentidos globais" veiculados. Em função desse nosso contato inicial com o texto da reportagem de divulgação científica, já podemos perceber qual a principal diferença desta para a outra reportagem da Revista Carta Capital: a reportagem da Scientific American45 nos apresenta muitos conteúdos específicos que não são conhecidos por nós.

Em outras palavras, não partilhamos com o produtor do texto muitos dos conhecimentos de mundo que ele expõe. Assim sendo, o grau de informatividade dessa reportagem é elevado. Acabamos de ver como a reportagem da Revista Scientific American inicia o tratamento do tema da nossa mortalidade ("Por que não vivemos para sempre?"). Agora, devemos nos voltar para a forma como a outra matéria ("O conto da xenofobia"46) inicia o tratamento de um tema complexo, que é o crescimento da xenofobia na Europa.

________________________________________________________________________________________  

 

45 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html 46 http://www.cartacapital.com.br/blog/internacional/o-conto-da-xenofobia-2/

Page 25: Redefor-língua portuguesaLp003

25

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________    Antes de irmos para os conteúdos iniciais da matéria "O conto da xenofobia", convidamos você a assistir ao vídeo "Xenofobia hoje na Alemanha", veiculado em 08/11/2009. Clique aqui47 para ver o vídeo. As perguntas são: 1) É fácil captar o sentido global do vídeo (de 08/11/2009) sobre o tema da xenofobia hoje na Alemanha? 2) Qual a principal ideia (macroproposição) que este vídeo veicula? As respostas poderiam ser as seguintes: 1) Sim, é mais fácil captar o chamado "sentido global" do texto, principalmente, porque a fala dos dois entrevistados se concentra sobre um único ponto: a abrangência da xenofobia na Alemanha. Outra "facilidade" é que os textos são curtos e objetivos e estão organizados em uma linguagem bastante direta. 2) A principal ideia deste vídeo é que a xenofobia, apesar de ser um fenômeno bastante presente na Europa e em outros lugares, está sob controle e é um tipo de prática de menor abrangência e importância na sociedade alemã e na Europa como um todo. No entanto, o outdoor abaixo e a reportagem da Carta Capital com a qual estamos trabalhando entram em uma relação polêmica com esse vídeo que você acabou de ver, ou seja, exibem argumentos/fatos conflitantes com os argumentos/fatos defendidos/apresentados no vídeo.

Cartaz de campanha do PNR, Partido Nacional Renovador, partido político português nacionalista.

(Clique na imagem para ampliá-la)  ________________________________________________________________________________________  

 

47Fonte:

http://mais.b.uol.com.br/sys/search?num=12&start=1&lm=1&order=1&types=A&edFilter=&safeSearch=&viewHotContent=0&q=xenofobia+hoje+na+alemanha , acesso em 05/01/2011.

Page 26: Redefor-língua portuguesaLp003

26

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________   Que sentidos são veiculados no que chamamos de primeira parte da reportagem "O conto da xenofobia48"? É interessante perceber que o lead49 (lide) que vem logo abaixo do título da matéria, já nos dá uma grande "dica" sobre esses sentidos, já que se constitui em duas teses defendidas no texto: a primeira, de que o crescimento da direita xenófoba encontra-se baseado em preconceitos e suposições erradas; a segunda, de que os europeus vão ser os maiores prejudicados no futuro, em função de suas atitudes xenófobas atuais.

50 Podemos dizer que a primeira parte da reportagem já não está de acordo com a análise feita no vídeo que você acabou de ver. Por quê?

• Porque o autor afirma que houve crescimento significativo do racismo na Europa; • Porque esse crescimento se traduziu em uma representação parlamentar de direita, na Suécia, que

obteve um número de votos que colocou o partido xenófobo "democratas da Suécia" na posição de "fiel da balança", no parlamento sueco.

Como o autor do texto se refere a esse movimento social? a) como perigosa tendência; b) como direita populista baseada na intolerância aos migrantes; c) como partido xenófobo de direita; e d) como forças obscuras. Em função do que observamos até agora, podemos dizer que uma possível semelhança entre as duas reportagens deve-se à linguagem nelas presente. Em ambas, há a predominância de um conjunto de palavras característico de cada especialidade temática ("jargão"), no caso, o jornalismo de divulgação científica ("Por que não vivemos para sempre?") e o jornalismo político ("O conto da xenofobia").  

48 http://www.cartacapital.com.br/blog/internacional/o-conto-da-xenofobia-2/ 49 http://pt.wikipedia.org/wiki/Lead 5050 http://www.top30.com.br/news/nordestinos-sao-alvos-de-xenofobia-no-twitter ;

http://kioshi.blogspot.com/2010/11/xenofobia-no-twitter-contra-nordestinos.html ; http://www.imigrantesbrasil.com/2008/05/o-que-xenofobia.html ; http://tecnoblog.net/46510/bia-kunze-xenofobia-na-web-a-maldita-inclusao-digital/ ; http://cadaminuto.com.br/noticia/2010/11/01/apos-vitoria-de-dilma-nordestinos-sao-vitimas-de-xenofobia-no-twitter ; http://charges.uol.com.br/2009/02/17/xenofobia/ ; http://colunistas.yahoo.net/posts/6242.html .

Page 27: Redefor-língua portuguesaLp003

27

Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________    Agora, vamos ver como em cada um dos textos das reportagens, em suas versões impressa e digital, pode ser observado o uso que se faz de subtítulos. Na versão impressa da reportagem "O conto da xenofobia", as seis subdivisões existentes são feitas não pelo uso de subtítulos, mas por um recurso gráfico: a ênfase em letras, palavras ou enunciados por meio de negrito.

Início da primeira parte - A Início da segunda parte - Na Alemanha Início da terceira parte - Nos EUA, o movimento Início da quarta parte - Objetivamente, não Início da quinta parte - Na Alemanha Início da sexta parte - Isso inclui países

Na versão digital da reportagem "O conto da xenofobia", o recurso ao negrito, que serve para produzir alguma subdivisão no texto, desaparece. É importante que você preste atenção no recurso ao negrito porque ele é de fundamental importância na estrutração argumentativa do texto. Agora vamos pensar:

• Você acha que a leitura da reportagem na internet fica dificultada pelo não uso do recurso ao negrito para estabelecer subdivisões no texto?

• Você acha que o recurso ao negrito é um estilo desse autor ou uma maneira de marcar a paragrafação dos textos da Revista Carta Capital?

 ________________________________________________________________________________________  

 

Page 28: Redefor-língua portuguesaLp003

28

Colocando os conhecimentos em jogo 6 ________________________________________________________________________________________    Já a reportagem "Por que não vivemos para sempre?51" apresenta cinco partes internamente, quatro delas com subtítulos, mantidos tanto na matéria impressa como na publicada na Internet:

1. Uma introdução (da página 1 até a página 3, iniciando com o enunciado "SE VOCÊ PUDESSE PLANEJAR", em letras maiúsculas)

2. Por que envelhecemos assim (da página 4 até o meio da página 5) 3. Evolução por adaptação (do final da página 5 até a página 6) 4. Sobre ratos e homens (do início da página 7 até o penúltimo parágrafo da mesma página) 5. Sem respostas simples (do final da página 7 até a página 9)

Observando apenas o modo como a divisão interna do texto é feita, podemos dizer que: a) os conteúdos internos podem não ser textualizados de maneira completamente equilibrada:

• a parte 1 tem três páginas; • a parte 2 tem uma página e meia; • a parte 3 tem duas páginas; • a parte 4 tem um pouco mais de meia página; • a parte 5 têm duas páginas e um parágrafo; e

b) as partes internas de um texto podem não apresentar um subtítulo explícito (principalmente, as introduções e conclusões). Agora, vamos pensar: Por que será que não foi dado um subtítulo à introdução? Será que a Parte 2 ("Por que envelhecemos assim") funciona como uma resposta à pergunta final da introdução ("Por que a maioria das criaturas tem um corpo mortal?"), que é uma paráfrase da pergunta-título ("Por que não vivemos para sempre?")? Por que será que a Parte 4 foi destacada, apesar de ter apenas pouco mais de meia página?  ________________________________________________________________________________________  

 

51 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html

Page 29: Redefor-língua portuguesaLp003

29

Finalizando ________________________________________________________________________________________    Procurando fazer um apanhado geral do que foi visto nos três tópicos, podemos dizer que o conceito de texto adotado pressupõe que:

a) Um texto sempre apresenta uma natureza multissemiótica, porque resulta da articulação e manipulação de variados recursos semióticos para a obtenção de efeitos de sentido. b) Um texto é resultado de ações sociais específicas do produtor, ações estas que estabelecem os seus limites sempre provisórios. c) Se olharmos de longe, um texto é um todo; no entanto, se começarmos a olhar mais de perto, um texto é sempre composto por muitos outros textos. É neste jogo intertextual52 que se dá a produção textual. É por meio dele que conseguimos perceber a natureza dinâmica e processual dos textos.

d) Um texto resulta de complexas ações sociais inscritas em um domínio social de comunicação, sempre bastante heterogêneo e estratificado. As matérias lidas são reportagens, mas foram produzidas em diferentes domínios sociais de comunicação (o da transmissão e construção de saberes, no caso de "Por que não vivemos para sempre?" e o da discussão de problemas sociais controversos, no caso de "O conto da xenofobia"), apresentando diferentes especialidades temáticas (o jornalismo de divulgação científica e o jornalismo político) e diferentes graus de informatividade53. e) As diferentes reportagens trabalhadas neste tópico são construídas, cada uma, com o objetivo de reforçar a sua função maior: a de fazer uma exposição sobre um determinado assunto (no caso da reportagem "Por que não vivemos para sempre") e a de defender um determinado ponto de vista sobre um determinado fato (no caso da reportagem "O conto da xenofobia"). f) Por todas as razões elencadas acima, um texto é uma forma de interação entre um produtor e um interlocutor, ambos imersos em domínios sociais de comunicação que restringem, mas que também conferem uma natureza altamente dinâmica aos textos e aos seus contextos. ________________________________________________________________________________________    

52 A intertextualidade é o fenômeno pelo qual podemos perceber que a constituição dos textos se dá necessariamente por

meio do diálogo com outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, que são por ele retomados, ou aos quais alude ou aos quais se opõe.

53 O fator informatividade diz respeito ao grau de previsibilidade das informações que estaraõ presentes no texto; se essas são esperadas ou não, se são previsíveis ou não. (BENTES, 2001)

Page 30: Redefor-língua portuguesaLp003

30

Ampliando o conhecimento 1 ________________________________________________________________________________________    Para ampliar seu conhecimento sobre diferentes tópicos e conceitos abordados ou segeridos neste Tema 1, veja os seguintes links: Sobre hipertextualidade http://eadhipertextualidade.blogspot.com/, acesso em 28/12/2010. http://poscom.ufba.br/arquivos/POSCOM_dissertacao_MarceloFreire.pdf, acesso em 22/12/2010 http://www.ufpe.br/nehte/artigos/hipertexto.pdf, acesso em 28/12/2010. Sobre as relações entre linguagem oral e linguagem escrita http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2006/01/r12.htm, acesso em 22/12/2010 http://www.unincor.br/recorte/artigos/edicao9/9_artigo-sergio.html, acesso em 28/12/2010. Sobre a natureza multissemiótica dos textos e dos letramentos http://juditeferreirasouza.blogspot.com/2010/10/entrevista-com-roxane-rojo-referencia.html, acesso em 28/12/2010 http://www.leituracritica.com.br/apoioprof/resenhas/031_letramentosmultiplos.asp, acesso em 28/12/2010. Sobre aforismos http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?isbn=8528613542&sid=893365207121222654994345653, acesso em 22/12/2010. http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=5043672&sid=62497110312122498787207225&k5=19263D8D&uid=, acesso em 22/12/2010. Sobre como ensinar gêneros de divulgação científica LUPPI, S. A. O gênero divulgação científica para crianças: alternativas para o ensino. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/612-4.pdf?PHPSESSID=2009051808265233, acesso em 28/12/2010. NANTES, E. A. S.; GREGÓRIO, R. M. O gênero texto de divulgação cientifica: uma proposta de trabalho. Anais do 4º SIGET - Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/48.pdf, acesso em 28/12/2010. ________________________________________________________________________________________    

Page 31: Redefor-língua portuguesaLp003

31

Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________   Filmes que nos fazem pensar sobre o papel dos textos em nossas memórias e em nossas relações com os diferentes de nós

EFEITO BORBOLETA Duração:113 minutos (1 hora e 53 minutos) Direção: Eric Bress e J. Mackye Gruber; Ano:2004; País de origem: EUA Sinopse: Evan (Ashton Kutcher) é um jovem que finalmente deixou sua infância conturbada e amigos problemáticos para trás. O genial estudante de psicologia, chocado com a morte do grande amor de sua vida, a ex-namorada Kayleigh (Amy Smart), descobre como voltar sua consciência no tempo para seu corpo de garoto. Ele altera o passado e a salva, mas, em cada retorno, descobre um presente completamente diferente e assustador ao seu redor. Você pode ler uma resenha do filme, clicando aqui54. Clique aqui55 para ver o trailer.

CRASH NO LIMITE Duração: 100 min.; Diretor: Paul Haggis; Ano: 2004; País: EUA/ Alemanha Sinopse: O filme mostra o encontro de vários personagens totalmente diferentes nas ruas de Los Angeles: uma dona de casa e seu marido, promotor público, da alta sociedade; um lojista persa; um casal de detetives da polícia - ele afroamericano, ela latina -, que também são amantes; um diretor de televisão afro-americano e sua esposa; um mexicano especialista em chaves; dois ladrões de carros da periferia; um policial novato; e um casal coreano de meia-idade. Todos vivem em Los Angeles e cada um tem sua própria história. Nas próximas 36 horas, eles vão se encontrar. Você pode ler uma resenha do filme, clicando aqui56. Clique aqui57 para ver o trailer. ________________________________________________________________________________________  

 

54 http://blog.guedesav.blog.br/post/resenha-efeito-borboleta 55 http://www.youtube.com/watch?v=Kdk__G_ETek 56 http://www.resenhando.com/set/s11606.htm 57 http://www.youtube.com/watch?v=2EuPCwPGVQo

Page 32: Redefor-língua portuguesaLp003

32

Referências Bibliográficas ________________________________________________________________________________________    BRAGA, D. B. A natureza do hipertexto e as suas implicações para a liberdade do leitor e o controle do autor nas interações em ambiente hipermídia. Revista da Anpoll. N. 15. Belo Horizonte (MG), jul./dez.2003, Pp.65-85. _____. A comunicação interativa em ambiente hipermídia: as vantagens da hipermodalidade para a apreendizagem no meio digital. In: MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. São Paulo: Cortez Editora, 2009, p. 175-197. BENTES, A. C. Linguística Textual. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001, p. 245-287. KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez Editora, 2002. KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. KOCH, I. G. V.; BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: dialógos possíveis. São Paulo, Cortez Editora, 2007. KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. MARCUSCHI, L. A. Linearização, cognição e referência: o desafio do hipertexto. Linguas e instrumentos linguísticos. N. 3. Campinas (SP): Pontes, 1999, p. 21-45. _____. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. São Paulo: Cortez Editora, 2009.  

 

Page 33: Redefor-língua portuguesaLp003

33

Tema:   2.   Tipo   textual,   gênero   textual   e  sequências   textuais:   conceitos  fundamentais    Tópico: Um início de conversa ________________________________________________________________________________________   Neste Tema 2, vamos trabalhar, em um primeiro momento, com os conceitos de tipo textual, gênero textual e sequência textual. Trata-se de uma diferenciação teórica importante para todo(a) professor(a) de Língua Portuguesa. Como veremos, quando observada na prática, isto é, em textos concretos, essa diferenciação é um bom recurso que nos permite compreender a composição formal dos gêneros.

• Os tipos textuais são princípios organizadores das ações realizadas pela linguagem: narrar, expor, descrever, argumentar e instruir.

• Os gêneros são conjuntos de orientações para a produção e recepção dos textos, resultados de processos sociais e históricos de relativa estabilização dos sentidos e dos formatos.

• Os gêneros textuais mesclam em seu interior diferentes sequências textuais. Os textos concretos são exemplares de gêneros. Trabalharemos, neste Tópico 1, com a diferenciação entre os conceitos de tipo textual e gênero textual. No Tópico 2, procuraremos apresentar, por meio de exemplificações, o conceito de sequência textual. No Tópico 3, trabalharemos de forma mais detalhada o conceito de sequência textual. Este conceito também será muito útil para você, professora e professor, compreender ainda melhor os conceitos de tipo textual e de gênero textual. A(s) sequência(s) predominante(s) em um texto dão-lhe uma feição tipológica geral que, por sua vez, auxilia na caracterização do gênero. Vamos colocar a mão na massa? ________________________________________________________________________________________    

Page 34: Redefor-língua portuguesaLp003

34

Tópico  1  -­‐  Tipo  textual  e  gênero  textual:  que  conceitos  são  estes?   Ponto de partida ________________________________________________________________________________________  

Você, professor (a), já deve ter ouvido muito falar do conceito de gêneros textuais. E já deve ter lido algum texto que tematize esse conceito, já que ele é fundamental para todas as propostas curriculares de Língua Portuguesa, incluindo a do Estado de São Paulo. Os gêneros textuais/discursivos são compreendidos de várias formas por diferentes estudiosos e correntes teóricas. Neste Tópico 1, apresentaremos os conceitos de tipo textual e de gênero textual. Esses são conceitos ou critérios de classificação - como você pode ver na imagem ao lado - que vieram da botânica e da zoologia para classificar os seres vivos. Tipo está, na Linguística (Textual), para Classe/Ordem, e Gênero é comparado, como veremos, a famílias e gêneros. Estes dois conceitos são muito importantes porque eles nos orientam para a seleção de nossos objetos de ensino. E também porque eles nos permitem abordar os textos (que são como "espécies"), considerando o que o filósofo Mikhail Bakhtin chama de "um todo discursivo", já que, quando falamos ou escrevemos para outras pessoas e quando outras pessoas falam conosco ou escrevem para nós, o fazem exatamente por meio desses "todos discursivos", os gêneros textuais. Mas antes de apresentar esta diferença, procuraremos estabelecer uma diferença objetiva entre gênero textual e texto. Para os fins de nosso trabalho como professores de língua, vamos compreender os gêneros textuais como "convenções e ideais historicamente específicos, a partir dos quais os autores produzem discurso e as audiências os recebem" (HANKS, 2008[1987], p. 68). Sendo assim, o gênero remete à ideia de todo discursivo (BAKHTIN, 1992), a traços gerais, construídos historicamente, e que orientam os sujeitos na produção/recepção dos textos. O gênero condiciona a atividade

de textualização. O texto é o exemplar concreto do gênero, sendo construído por meio de ações de textualização específicas protagonizadas por um produtor que, em geral, tem uma certa intencionalidade ao produzir um determinado texto (oral ou escrito). Essas ações de textualização consistem, dentre outras ações, na mobilização de diferentes sequências textuais, de diferentes escolhas lexicais, de diferentes formas de progressão textual. (KOCH, 2002) ________________________________________________________________________________________  

Page 35: Redefor-língua portuguesaLp003

35

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________    Compreender que um determinado texto é um exemplar de um gênero nem sempre é fácil. Por exemplo, quando alguém nos conta uma piada e nós não a entendemos como tal significa que não conseguimos apreender as convenções a partir das quais aquele texto específico foi produzido, ou seja, não conseguimos atribuir o caráter genérico (de piada) que nosso interlocutor deu ao texto. Agora, vamos refletir: a) Sempre conseguimos ter essa visão genérica dos textos individuais que lemos? Quando é que não conseguimos atribuir um determinado sentido a um texto? b) E se não o conseguimos, porque isto acontece? Em que contextos? E quais são as consequências? c) Com quais gêneros você é bastante familiarizado(a)? Carta pessoal (sim ou não)? Notícia de jornal (sim ou não)? Postagem de blog (sim ou não)? Tweet (sim ou não)? Quadrinhos ou HQs (sim ou não)? Charge eletrônica (sim ou não)? Videoclipe (sim ou não)? Reportagem televisiva de divulgação científica (sim ou não)? Mangás (sim ou não)? d) De quais dos gêneros acima citados você considera que conhece as convenções que estão na base de sua produção e de recepção? e) De quais dos gêneros acima citados você considera que não conhece as convenções que estão na base de sua produção e de recepção? Uma das formulações mais conhecidas sobre o conceito de gênero é a do filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin, que define os gêneros do discurso como "tipos relativamente estáveis de enunciados" que emergem, que são produzidos e que circulam em uma determinada esfera ou campo de atividades humanas. A grande maioria dos autores, inclusive os anteriormente citados, partem dessa formulação quando discutem a problemática do gênero. Os gêneros, na verdade, são modelos gerais de produção e compreensão dos textos. Isso quer dizer que os gêneros passam por processos de estabilização (ou seja, são tão usados que os textos que a eles pertencem passam a ser produzidos de forma mais ou menos parecida, estável) e, por isso mesmo, transformam-se em "convenções" ou em "ideais" ou em "modelos". Essas convenções dos gêneros têm uma natureza contextual (quem produz, para quem produz, em que tipo de contexto/domínio social, com que função social), uma natureza discursiva (o que pode ser dito e o que não pode ser dito e a partir de qual lugar discursivo) e uma natureza textual58 (forma composicional e estilo). ________________________________________________________________________________________  

58 Ver, a esse respeito, os conteúdos da disciplina LP004.

Page 36: Redefor-língua portuguesaLp003

36

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________    Essas convenções são muitas vezes aprendidas pelos sujeitos de forma prática. No entanto, a escola, por meio do ensino de Língua Portuguesa, tem sido a grande responsável por fazer os sujeitos apreenderem essas convenções de maneira mais consciente, de forma mais reflexiva. Voltemos à formulação bakhtiniana: o princípio que afirma que os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados pressupõe que, ao mesmo tempo em que os gêneros são estáveis, eles não são totalmente estáveis, eles são apenas relativamente estáveis. O que significa isso? Significa ressaltar a natureza dinâmica dos gêneros, significa dizer que eles estão sempre sujeitos a modificações - maiores ou menores - no que diz respeito aos seus aspectos formais e aos seus contextos/esferas de circulação e de recepção. Retomemos os exemplos das reportagens "Por que não vivemos para sempre?"59 e "O conto da xenofobia"60, trabalhadas no Tema 1. Ambas são, do ponto de vista formal, caracterizadas por uma extensão relativamente longa. Se as compararmos com uma notícia, por exemplo, notaremos, sem sombra de dúvida, que podem alcançar mais de uma página - o que não é permitido à notícia. Essa extensão permite à reportagem uma exposição aprofundada do tema em questão. Esse é um aspecto formal que está vinculado à função social da reportagem: enquanto a notícia é um gênero textual que deve necessariamente veicular um conteúdo pela primeira vez, a reportagem pode retomar esse tema, analisá-lo em profundidade. Portanto, a extensão desse gênero textual é um traço de estabilização que nos permite distingui-lo de outro gênero. Mas, se compararmos as reportagens entre si, perceberemos a natureza dinâmica do gênero reportagem. Quanto à forma, podemos observar na reportagem "Por que não vivemos para sempre?" um alto emprego de estruturas sintáticas de natureza explicativa61 que o texto "O conto da xenofobia" não possui. Se você reler o texto "O conto da xenofobia", notará que não há essa necessidade de explicar, de "facilitar" o sentido de um termo técnico para o leitor. Eis a natureza "relativamente estável" e "dinâmica" dos gêneros textuais. O uso recorrente de um recurso linguístico num exemplar do gênero e não em outro pode promover uma diferenciação interna dos textos pertencentes ao gênero. Sendo assim, os dois textos que integram o gênero "reportagem", são exemplares de domínios distintos: reportagem de divulgação científica e reportagem política. Essa natureza dinâmica do gênero textual "reportagem", portanto, nos conduz a observar diferenças que estão relacionadas às especialidades temáticas e aos domínios discursivos (divulgação científica/política interncaional). ________________________________________________________________________________________    

59 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/por_que_nao_vivemos_para_sempre_.html 60 http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-conto-da-xenofobia-2 61 Como exemplo, observemos a frase: "os cientistas viram esse processo de suicídio celular, chamado apoptose, como

prova de que o envelhecimento obedece a um programa genético". A expressão em negrito é um aposto. Serve para ensinar ao leitor o nome técnico de um processo pelo qual algumas células passam, o "suicídio celular".

Page 37: Redefor-língua portuguesaLp003

37

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    No início desse Tópico 1, dissemos que iríamos apresentar dois conceitos: o de gênero textual e o de tipo textual. Pois bem, na verdade, esses dois conceitos não são tão dicotômicos assim, ou seja, não são independentes entre si. Ao contrário, segundo explica Marcuschi (2008), são complementares e integrados. Em geral, quando reconhecemos um gênero, também conseguimos atribuir a ele certas características tipológicas. Os tipos textuais mais conhecidos são três: a narração, a descrição e a dissertação. Esses tipos textuais foram criados para simplificar a complexidade dos gêneros textuais da "vida real" e, mais ainda, para fins de ensino escolar da escrita. No entanto, nós não compreendemos os tipos textuais dessa forma. Para fins de nosso trabalho, vamos considerar que os tipos textuais relacionados aos gêneros são cinco, ao invés do clássico número de três. São eles: 1) Narração 2) Argumentação 3) Exposição 4) Descrição 5) Injunção Além disso, vamos considerar que os tipos textuais se constituem como ações gerais que norteiam, formal e funcionalmente, a produção e a recepção dos gêneros. Essas ações textuais gerais são atualizadas por determinados recursos de organização textual, as sequências textuais. Falaremos delas logo adiante. ________________________________________________________________________________________    

Page 38: Redefor-língua portuguesaLp003

38

Colocando os conhecimentos em jogo 3  

Marcuschi (2008, p. 154) explica que tipo textual "designa uma espécie de construção teórica" que é "definida pela natureza linguística de sua composição". Em outras palavras: um texto, para configurar-se predominantemente por um tipo textual, depende do predomínio de uma dada sequência linguística em sua composição. Vejamos uma definição preliminar de sequência textual: sequência textual é um segmento, uma "porção" de um dado texto em que predomina uma qualidade de ação linguística. Uma sequência expositiva é, portanto, uma porção textual em que predomina um tipo de ação textual: a exposição de um conjunto de ideias. Vamos reforçar isso: o predomínio de determinadas sequências textuais num dado texto concreto é o que nos permite afirmar que "esse texto é (do tipo) argumentativo" ou "aquele texto é (do tipo) expositivo". Neste sentido, os tipos textuais podem ser bons critérios, tal como o propõem Dolz e Schneuwly (2004), para se agrupar os gêneros textuais. Determinados gêneros poderiam ser agrupados entre si porque sua textualidade se mostra organizada predominantemente por meio de ações específicas. Voltemos então à diferença entre tipo e gênero textual. Os tipos textuais não tendem a aumentar. São uma categoria de listagem limitada. Por exemplo, quando narramos, mobilizamos certos recursos linguísticos e textuais que são diferentes daqueles que usamos para explicar algo. Em geral, escolhemos ou narrar ou expor/explicar algo; ou ainda escolhemos descrever ou argumentar ou mesmo instruir alguém. A noção de tipo textual nos permite enfatizar as atividades de estabilização de uma determinada produção textual, ou seja, nos permite afirmar que ela pode se apresentar de maneira recorrente. Já os gêneros constituem, em princípio, uma listagem aberta justamente porque estão atrelados a uma infinita quantidade de práticas comunicativas. Um determinado gênero só pode ser uma convenção para os outros se ele for produzido e reconhecido como tal, de forma mais ou menos recorrente e com funções mais ou menos recorrentes. Sendo assim, voltamos a enfatizar a ideia de que a predominância de um tipo no interior de um dado gênero contribui para sua estabilização. Vejamos, a seguir, um exemplar do gênero "relato de experiência vivida". Dolz e Schneuwly (2004) explicam que um dos mais importantes domínios da comunicação humana é o domínio do registrar (manter vivas na memória) as ações humanas. Esse gênero serve justamente para isso: fazer com que nossas ações passadas sejam revividas/registradas pela linguagem.

     

Page 39: Redefor-língua portuguesaLp003

39

Colocando os conhecimentos em jogo 4  

Vejamos trechos do relato oral de experiência vivida, produzido por Gabriel, um estudante de Administração, bolsista, de classe média baixa, aluno de excelente desempenho acadêmico. Gabriel conta como foi sua experiência de trabalho no exterior por meio de um programa de intercâmbio internacional de estudantes (work experience) para uma pesquisadora, em uma situação de entrevista:

"[...] é, como o pessoal trabalha muito, é extremamente cansativo fisicamente, cansa muito. É muita pressão, especialmente para quem trabalha em hotel, você tem que fazer 17 quartos em 8 horas, você tem que fazer um quarto em 25 minutos do jeito que eles querem. E você tem que correr. É horrível, horrível. Eu valorizo muito mais algumas coisas porque, como é difícil, como é difícil o chão de fábrica." "[...] teve sim, os empregos que eu não teria, que não seria a minha escolha aqui no Brasil. Eu não trabalharia num restaurante fast-food, eu não trabalharia de camareira aqui (no Brasil). Já na empresa de pesquisa de mercado, talvez, porque é a minha área, mas eu não tenho certeza não. Eu não trabalharia aqui no Brasil porque é mal remunerado e trabalha muito, rala muito, ganha muito pouco, é extremamente cansativo. Eu acho que eu vi como é o dia a dia de quem trabalha muito, talvez esse tenha sido o meu maior aprendizado: ver o quanto o pessoal aqui no Brasil não ganha o quanto deveria. Não é justa a remuneração." (Retirado de: ROCHA-PINTO, 2008, p. 17-128, disponível em: http://200.169.97.104/seer/index.php/RBGN/article/viewFile/279/363, acesso em 19/12/2010)

Podemos dizer que esses trechos do relato de experiência de Gabriel se estruturam por meio de sequências explicativas (problema, questão + explicação para o problema, resposta para a questão + avaliação): a) o fato de que ele viveu experiências de trabalho difíceis (o problema, a questão), porque cansativas, estafantes, estressantes (explicação, resposta); ao final, ele as avalia (ratifica) como "horríveis, difíceis"; b) o fato de que ele, no Brasil, não trabalharia naqueles empregos (o problema, a questão), porque eles são mal remunerados e muito cansativos (a explicação, a resposta); ao final, ele volta a fazer uma avaliação, ratificando o que tinha dito anteriormente: não é justa a remuneração dos trabalhadores de "chão de fábrica" no Brasil.        

Page 40: Redefor-língua portuguesaLp003

40

Colocando os conhecimentos em jogo 5  

Como vimos, os trechos do relato de Gabriel exemplificam que mesmo o relato de experiência vivida sendo um gênero textual muito usado por nós, nos mais variados contextos, quando queremos representar de forma resumida uma experiência pessoal que tivemos no passado (próximo ou distante), ele pode não se encontrar estruturado tipologicamente de forma canônica, isso é, narrando experiências. Veja que esses trechos do relato de Gabriel de sua experiência de trabalho vivida no exterior estão repletos de avaliações e menos de descrições resumidas ou de narrações dos eventos passados. Podemos dizer que, nos trechos desse relato, ainda predomina a ação de registrar a experiência vivida por ele no passado (ação mais geral). No entanto, esses trechos estão organizados de forma a revelar e registrar mais como o produtor do texto se sentiu vivenciando aquelas experiências mais do que narrar o que de fato aconteceu. Esta maneira de textualizar o texto do gênero confere a esse texto um caráter bastante singular. Sendo assim, uma abordagem textual dos gêneros enfatiza a compreensão sobre qual é a ação textual mais geral que está sendo desempenhada quando eles são utilizados em uma determinada situação. No caso, o fato

de Gabriel estar produzindo seu relato de experiência vivida em um contexto de entrevista possibilita que apareçam com mais força as sequências explicativas mencionadas acima, já que o compromisso maior de Gabriel (naquela situação específica) era fazer com que sua interlocutora compartilhasse com ele os seus sentimentos e pontos de vista sobre o período em que esteve trabalhando no exterior. Por isso, o relato foi textualizado da forma que foi em determinados trechos. No próximo Tópico 2, trataremos do conceito de sequência textual de forma mais aprofundada, procurando apresentar as diferenças entre narrar e relatar e procurando mostrar como diferentes sequências textuais estão na base da produção de textos organizados por essas duas ações gerais, a de narrar e a de relatar.        

Page 41: Redefor-língua portuguesaLp003

41

Finalizando... ________________________________________________________________________________________    Até aqui, estivemos interessados em saber que:

• Os gêneros textuais são concebidos como tipos relativamente estáveis de enunciados que emergem, que são produzidos e que circulam em uma determinada esfera ou campo de atividades humanas.

• Os gêneros textuais são concebidos como modelos/convenções gerais de produção e compreensão dos textos. Apesar de resultarem de processos sociais e históricos de estabilização, os gêneros apresentam uma natureza dinâmica.

• O texto é um exemplar concreto do gênero, sendo construído por meio de ações de textualização específicas, protagonizadas por um produtor. Em geral, essa produção textual apresenta uma certa intencionalidade que se reflete no trabalho de textualização oral ou escrito.

• Os tipos textuais se constituem em ações gerais que norteiam, formal e funcionalmente, a produção e a recepção dos gêneros. Essas ações textuais gerais são atualizadas por determinados recursos de organização textual, as sequências textuais.

________________________________________________________________________________________    

Page 42: Redefor-língua portuguesaLp003

42

Atividade autocorrigível 2 ________________________________________________________________________________________   Clique aqui62 para ver alguns anúncios de uma série de propagandas da Campanha "Hollywood", da rede Hortifruti (role um pouco a tela e vá clicando nas miniaturas acima do anúncio para ver cada um). Sobre os anúncios do Hortifruti, podemos afirmar que:

I. Todos podem ser considerados como o mesmo gênero textual; II. Todos podem ser classificados como recorrendo aos mesmos recursos de organização textual; III. Todos podem ser considerados como recorrendo a diferentes recursos de organização textual; IV. Todos podem ser considerados como textos multissemióticos; V. Todos podem ser considerados como textos verbais.

Pouse o cursor sobre a alternativa correta:

a)63 I, II e V estão corretas. b)64 I, II e IV estão corretas. c)65 I, III, IV e V estão corretas. d)66 Todas estão corretas.

________________________________________________________________________________________    

62 http://www.hortifruti.com.br/campanhas/hollywood.html 63 A resposta (a) não está correta porque o item V é incorreto, já que os textos acima são de natureza multissemiótica e

não apenas verbal. 64 Você acertou! A alternativa correta é a (b). 65 A resposta (c) não está correta porque o item III é incorreto, já que a campanha publicitária apresenta sempre uma

mesma organização textual, utilizando versos de letra de canção como recurso para a organização textual. 66 A resposta (d) não está correta pelas mesmas justificativas anteriores (a) e (c).

Page 43: Redefor-língua portuguesaLp003

43

Tópico 2 - Sequência textual: uma primeira visada

Um início de conversa... ________________________________________________________________________________________   No que concerne ao ensino da Língua Portuguesa, então, o objetivo último é possibilitar a todos os alunos o Ao longo deste Tópico 2, buscaremos compreender inicialmente a heterogeneidade composicional dos textos, por meio da leitura de diferentes exemplos. Para isso, vamos apresentar o conceito de sequência textual e trabalharemos especificamente com dois tipos de sequência textual: as narrativas e as descritivas, em diferentes textos. Nossa abordagem será sempre comparativa. Observaremos os textos, comparando-os em termos de conteúdo, de formatação, de função e de objetivos. Veremos que os textos são muito heterogêneos na sua constituição, ou seja, podem ser compostos por diferentes tipos/sequências textuais (pedaços de narrativas, combinados com pedaços de relatos, combinados com pedaços de argumentações e assim por diante). Vamos aos textos?  

Page 44: Redefor-língua portuguesaLp003

44

Ponto de partida ________________________________________________________________________________________  

"Como terminar com sua namorada em 64 passos simples", Contos da Mera Existência67, adaptação. Assista ao vídeo "Como terminar com sua namorada em 64 passos simples68". Em seguida, revendo o vídeo, transcreva a primeira parte: "Fase 1 - a construção". Por fim, reflita:

• Como é composta a sequência dessa parte do texto? • Quais são as suas características linguísticas? • Como você nomearia esse tipo de texto?

 

67 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=LxvmMEttVTs, acesso em 09/12/2010 68 http://www.youtube.com/watch?v=LxvmMEttVTs

Page 45: Redefor-língua portuguesaLp003

45

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________   Agora, leia o texto abaixo: TERROR

Almocei, cheguei em casa, postei, senti sono, fui dormir. Acordei, chequei os e-mails, resolvi voltar à ação e procurei o bloco. Não estava na mesa, não estava no criado-mudo, não estava em cima da geladeira, nem no colchão, nem em cima da TV, nem do armário. Aquele espasmo cardíaco da perdição e do infarto se deu com o arregalar de olhos e o calor habitual. Minhas anotações com telefones, frases, o melhor bloco que já tive na vida, apesar da cor laranja. O maior terror depois de perder a carteira e o celular. Me vesti, fui até o lugar onde tinha almoçado, o restaurante do Extra. "Bloco? Cor abóbora?". Lá estava, numa gaveta, a minha vida guardada. (Fonte: http://www.insanus.org/hermano/archives/014523.html, acesso em 09/11/2010) Podemos dizer que temos acima um exemplo de um miniconto, exemplo de gênero textual muito em voga hoje em dia na Internet. Esse texto pode ser classificado como pertencente ao tipo textual narrativo. É um texto cuja qualidade de maior destaque é o fato de ser estruturado por meio do que se chama sequência textual narrativa. E o que é uma sequência narrativa? Ela se caracteriza, de forma bastante geral, por apresentar, pelo menos:

a) verbos no passado (pretérito perfeito, pretérito imperfeito); b) organização das ações em uma sequência temporal; c) personagens (em geral, agentes das ações que são apresentadas); d) uma ação complicadora (um problema a ser resolvido, a chamada criação da "intriga", com detalhamentos); e e) um cenário (mais ou menos explicitamente descrito ou apenas inferido). Compare essas características acima com as 18 frases que você transcreveu do vídeo "Como terminar com sua namorada em 64 passos simples". Quais as semelhanças e as diferenças? Vá anotando suas conclusões. ________________________________________________________________________________________  

 

Page 46: Redefor-língua portuguesaLp003

46

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________    Você deve ter notado que tanto a primeira parte da "receita" de "Como terminar com sua namorada em 64 passos simples" como o miniconto "Terror" são compostos por ações organizadas em uma sequência temporal, levadas a efeito por um agente que é uma personagem. Também têm em comum o fato de haver um problema a ser resolvido (uma "intriga"), seja ficar ou terminar com a namorada, seja encontrar o bloco de notas perdido. No caso do miniconto "Terror", conseguimos inferir que se passa em um apartamento ou casa, talvez um quarto (cenário), em que há computador, mesa, criado-mudo, geladeira, colchão, TV, armário. No caso do vídeo de animação, não se deu muita atenção ao cenário, embora, por vezes, os namorados estejam na sala vendo TV ou na cama. Tudo isso nos leva a concluir que ambos os textos podem ser vistos, de forma geral, como textos narrativos. No entanto, há uma grande diferença entre eles e você deve ter notado qual é. No vídeo, todos os verbos das frases de ação estão no imperativo ("arranje", "fiquem", "saibam", "pense", "assumam", "comece", "discutam", "não faça ideia", "perceba", "reclame", "terminem") e é isso que nos faz perceber esse texto como uma espécie de "receita" para terminar com a namorada. Isso é próprio de todos os textos que chamamos injuntivos, ou compostos por sequências injuntivas69 (instruções de uso, de montagem, didáticas, receitas, ordens, etc.). No caso do miniconto, os verbos estão de acordo com o regime de tempos verbais da sequência narrativa, ou seja, estão no passado (no pretérito perfeito ou pretérito imperfeito): "almocei", "cheguei", "postei", "senti", "fui dormir", "acordei", "resolvi", "procurei", "estava", "deu", "tive", "vesti", "fui". O miniconto "Terror" parece-se com muitos outros textos narrativos mais longos (contos, novelas, etc.), que compartilham com ele a característica de buscar a criação de uma ou mais "intriga(s)". Lemos, ouvimos ou vemos esses exemplos de textos narrativos para nosso puro deleite e entretenimento; também aprendemos e nos identificamos com as personagens e com os mundos neles criados. Isso é próprio da narração. Veja outros minicontos, clicando aqui70. Enquanto esse miniconto é um texto composto exclusivamente por sequências narrativas, o texto verbal do vídeo de animação mistura ou hibridiza dois tipos de sequências: a narrativa e a injuntiva, o que o torna um texto "mestiço", um texto híbrido do ponto de vista de sua composição/estruturação textual, e essa é a graça do vídeo de animação. ________________________________________________________________________________________    

69 Como veremos adiante, as sequências injuntivas são aquelas que se caracterizam por serem estruturadas por enunciados

no modo imperativo: “faça x”, “lembre y”, “troque a por b”. 70 http://www.miniminimos.blogspot.com/

Page 47: Redefor-língua portuguesaLp003

47

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    Agora, observemos um outro texto, um pouco diferente, mas que se relaciona de perto com o miniconto "Terror".

Sexta-­‐feira,  25  de  abril  de  2008  

=^..^=  Pompom  =^..^=    

Esse é o Pompom. Após quase 20 dias de cuidados intensos, finalmente esse gatinho felpudo brincou pela primeira vez!

O motivo de tanta apatia foi uma combinação de uma má alma que espancou o pobre - até o olho dele ficar ensangüentado - e uma anemia severa.

Quando trouxemos o Pompom para casa, minha mãe foi meio contra, pois achava que ele daria trabalho... Ledo engano! Não só Pompom ficou direitinho no meu quarto, como também foi um anjinho, respeitou todas

as regras da casa!

Hoje minha mãe tirou o Pompom do meu quarto e o deixou na sala. Está até agora com ele. Diogo já chegou, disse para eu buscar o gato, mas minha mãe está encantada: não larga o bichano nem por um jantar no

japonês. Também pudera! Pompom está um amor de gato! Agora que ficou um pouco brincalhão, já passou 5 minutos brincando com uma canetinha e está agora deitado numa caixa de papelão curtindo uma

brincadeira de Forte Apache. Essa é a vida gatuna que sempre quis...

Datilografado em carbono por Cacá às 21:23

(Fonte: http://relatopessoal.blogspot.com/2008/04/pompom.html, acesso em 10/11/2010) ________________________________________________________________________________________    

Page 48: Redefor-língua portuguesaLp003

48

Colocando os conhecimentos em jogo 3  

Esse texto, um pouco mais longo, é um exemplo de um texto que pode ser caracterizado como híbrido do ponto de vista de sua composição textual. Já vamos explicar isso. Mas mesmo sendo textualmente heterogêneo, ou seja, mesmo sendo composto por diferentes sequências textuais, ele pode ser considerado como um texto pertencente a um gênero: o relato de experiência pessoal. Por que o texto "Pompom" seria um relato e não um (mini)conto? Qual a diferença entre estes dois gêneros que apresentam sequências narrativas, enquadram-se no tipo narrativo, ainda assim são diferentes? O texto "Pompom" é um relato porque apresenta as seguintes características: a) encontra-se organizado de forma a conferir às ações e eventos uma ordenação temporal; nesse sentido, iguala-se ao miniconto; b) conta os fatos de uma perspectiva mais global, sem maiores detalhamentos; diferencia-se do miniconto por não trazer uma intriga, um suspense, uma complicação, ou seja, não apresenta uma estrutura geral para o texto pautada pela resolução de um problema (essa é uma característica central da narrativa); e c) apresenta uma função argumentativa forte: o relato sobre a adoção do gato. Na verdade, serve para exemplificar como pode ser bom ter um animal em casa (a mãe, que não queria, agora não desgruda do gato) e como cuidar de animais não dá tanto trabalho assim (Pompom respeitou todas as regras da casa).

       

Page 49: Redefor-língua portuguesaLp003

49

Colocando os conhecimentos em jogo 4  

 E por que devemos considerá-lo textualmente heterogêneo? O relato sobre o gato "Pompom" é heterogêneo do ponto de vista textual, pois apresenta: a) Sequências narrativas: "Quando trouxemos o Pompom para casa, minha mãe foi meio contra, pois achava que ele daria trabalho..."; "Hoje minha mãe tirou o Pompom do meu quarto e o deixou na sala. Está até agora com ele. Diogo já chegou, disse para eu buscar o gato, mas minha mãe está encantada: não larga o bichano nem por um jantar no japonês." b) Sequências destritivas: "Esse é o Pompom." "Pompom está um amor de gato!". As sequências descritivas têm por função tematizar um determinado objeto, colocando um foco sobre determinadas partes desse objeto ou sobre seu todo, ou colocando um foco sobre suas qualidades/características. c) Sequências argumentativas: "Ledo engano! Não só Pompom ficou direitinho no meu quarto, como também foi um anjinho, respeitou todas as regras da casa!". As sequências argumentativas são constituídas basicamente em "algo já dito" e consistem essencialmente na contraposição de enunciados. Agora, gostaríamos que você assistisse ao vídeo "Relato dos alunos de Pré-Iniciação Científica da USP"71 e refletisse:

• Por que o vídeo é nomeado "Relato dos alunos de Pré-Iniciação Científica da USP"? • Quais são as características linguísticas desses relatos? • Transcreva um trecho e compare com os textos lidos. O que eles têm em comum do ponto de vista da

forma? • Então, qual a diferença entre narrar e relatar?

       

71 http://www.youtube.com/watch?v=eljtaHiq10E

Page 50: Redefor-língua portuguesaLp003

50

Finalizando... ________________________________________________________________________________________    Até aqui, podemos depreender que: a) textos e gêneros são heterogêneos, o que significa dizer que são organizados internamente por meio de diferentes sequências textuais - um mesmo texto pode comportar sequências narrativas e argumentativas, por exemplo; b) alguns gêneros, porém, mesmo apresentando semelhanças em suas textualidades, revelam diferenças em sua estrutura que os tornam assaz diferentes entre si: é o caso da diferença entre narrar e relatar: narrar implica criar uma intriga e gerar uma mudança de estado; relatar é a representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo; c) textos e gêneros podem, por outro lado, ser "agrupados", ou seja, podemos perceber semelhanças, aproximações entre textualidades diferentes. Por exemplo, entre a textualidade de uma notícia e a de uma reportagem; entre a de um conto e uma crônica literária; entre a de um discurso político de tribuna e de um discurso político de palanque, há semelhanças; d) as semelhanças entre os gêneros podem ser explicadas pelo fato de que reconhecemos que eles são produzidos no interior de uma mesma esfera de atividades e que compartilham determinadas finalidades e formas. Uma reportagem e uma notícia são gêneros jornalísticos72 e têm por objetivo principal nos apresentar um fato considerado importante de ser noticiado por um meio de comunicação. Na notícia, esse fato é apresentado de uma forma direta e curta, ao passo que o mesmo fato é apresentado de forma mais detalhada e longa, quando é objeto de uma reportagem; e e) os gêneros textuais poderiam ser agrupados não apenas pelo fato de serem produzidos no interior de uma mesma esfera, mas também porque são organizados por meio de recursos textuais formais semelhantes. ________________________________________________________________________________________    

72 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo#O_texto_jornal.C3.ADstico

Page 51: Redefor-língua portuguesaLp003

51

Tópico   3   -­‐   Sequência   textual:   uma   visada  mais  aprofundada    

Ponto de partida ________________________________________________________________________________________   Neste terceiro Tópico, apresentaremos, de forma mais detalhada, o conceito de sequência textual73. Dissemos, no tópico anterior, que os textos são tipologicamente variados (heterogêneos). O que isso significa? Vamos reforçar essa noção: a maioria dos textos que lemos não são só do tipo narrativo ou dissertativo. A maioria dos textos que lemos resulta da combinação de diferentes tipos textuais (narração, descrição, argumentação, injunção, exposição) ou sequências textuais (trechos de narrativas, trechos de descrições ou argumentos, explicações, ordens ou instruções), para poderem se constituir como um todo textual; como algo que faz sentido, que diz algo para o interlocutor e que tem uma finalidade. Essa concepção de que os textos são heterogêneos é muito importante para tornar claro que o produtor de um texto, na hora de compor seu texto, pode lançar mão de muitos e variados recursos textuais para atingir seus objetivos. Essa ideia também é muito importante porque, quanto maior a variedade de recursos textuais presentes em um texto, mais ele se transforma em um objeto dinâmico, interessante e instigante para o leitor/interlocutor. No entanto, é preciso que tenhamos uma noção mais concreta de como as chamadas sequências textuais podem ser caracterizadas.

________________________________________________________________________________________  

 

73 http://www.letraviva.net/arquivos/Generos_textuias_definicoes_funcionalidade.pdf

Page 52: Redefor-língua portuguesaLp003

52

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________   Vamos esclarecer um ponto: as sequências são unidades textuais complexas, utilizadas para fins de reconhecimento e de estruturação da informação textual. Em outras palavras, as sequências textuais são responsáveis por "dar forma textual" a nosso conhecimento social e cultural. Esse conceito foi desenvolvido para explicar como os textos são estruturados.

Indaguemos então o seguinte: seria possível concebermos formas de agrupar/organizar os textos em "grandes eixos"? Vamos imaginar que sim. O texto sobre Pompom74 poderia ser classificado/agrupado como um exemplar de texto pertencente a um determinado gênero em que predomina a ação de relatar. Ou seja, esse texto participa do "eixo do relatar". O que isso quer dizer? Que nesse "eixo" estariam textos que documentariam ações humanas (ou de outros seres), representando pelo discurso experiências situadas no tempo. Podemos, então, pensar num "eixo do narrar", diferente do "eixo do relatar", a partir da diferença estabelecida no tópico anterior entre relato e narrativa. Voltemos então ao nosso texto sobre Pompom: ele registra/documenta ações por meio de vários tipos de

sequências que apresentam uma espécie de "final feliz": Pompom foi aceito para entrar para a família da autora do relato. Comecemos, então, pelas sequências descritivas. Podemos dizer que as sequências descritivas se caracterizam por não possuir uma ordem rígida dos enunciados que as compõem. Sua principal função é a de tematizar um determinado objeto, colocando um foco sobre determinadas partes desse objeto ou sobre seu todo, ou colocando um foco sobre suas qualidades/características. Além disso, o objeto é colocado em relação temporal ou espacial com outros objetos e pode ser, ainda, comparado a outros objetos. Uma primeira ação de textualização que faria com que esse texto pertencesse a esse "eixo do relatar" é a mobilização de sequências descritivas, já que parte dele tem a função de tematizar (falar sobre) Pompom e de representar as experiências de Cacá (e de outras pessoas) com Pompom. Sendo assim, é muito importante que se fale de Pompom, que ele seja apresentado de muitas maneiras ao leitor do texto. Sendo assim, Pompom é tematizado. O que significa tematizar algo? Significa, em um primeiro momento, nomear, referenciar75. Em um segundo momento, significa colocar um objeto em foco, falando sobre ele. Ao longo do texto, Pompom é tematizado de várias formas: ele é referenciado de várias formas76 e também a ele são atribuídas ações e estados ou qualidades.  

74 http://relatopessoal.blogspot.com/2008/04/pompom.html 75 A referenciação é uma atividade na qual tanto os produtores como destinatários dos textos estão envolvidos e é

fundamental para a construção dos sentidos do texto. "Denomina-se referenciação as diversas formas de introdução no texto de novas entidades ou referentes" (KOCH; ELIAS, 2006, p. 123). No Tema 3, veremos com mais vagar o problema da referenciação nos diferentes gêneros.

76 No texto sobre Pompom, ele é nomeado tanto por seu nome, como por meio de outros recursos: pronomes (explícitos ou elípticos) e expressões referenciais diversas: "esse gatinho felpudo", "o pobre", "o gato", "o bichano", "um amor de gato", que vão conferindo-lhe uma certa identidade e também vão mostrando o ponto de vista do produtor do texto sobre esse referente.

Page 53: Redefor-língua portuguesaLp003

53

Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    No texto, a tematização/qualificação de Pompom é feita por meio de uma sequência descritiva na qual se fala dele mais detalhadamente e se coloca em foco suas características e ações. Observemos o trecho abaixo:

"Agora que ficou um pouco brincalhão, já passou 5 minutos brincando com uma canetinha e está agora deitado numa caixa de papelão curtindo uma brincadeira de Forte Apache"

Pode-se dizer que Pompom está sendo caracterizado aqui. Fala-se sobre Pompom, situando-o em um determinado tempo ("agora") e em um determinado espaço ("uma caixa de papelão") e, ainda, descrevendo uma característica atual dele (ter ficado brincalhão). O uso do verbo "ficar" no pretérito perfeito pressupõe um estado anterior de Pompom, descrito em um parágrafo no início do texto (a apatia de Pompom). Além disso, também, Pompom é qualificado quando suas ações são descritas: ele está "brincando com uma canetinha" e "curtindo uma brincadeira de Forte Apache". A análise que fizemos mostra que o trecho acima é uma sequência descritiva típica, por situar o objeto tematizado no tempo e no espaço, por colocar em foco e descrever suas ações e por estabelecer uma comparação implícita entre o Pompom de hoje e o de ontem. Vejamos agora um outro texto77. Comecemos a observar esse texto pelo terceiro parágrafo. Como você pode ver, esse parágrafo é uma proposta de descrição de uma comunidade virtual criada. Observando mais detalhadamente a descrição proposta, vemos que ele pode ser considerado um texto que emerge de uma determinada esfera de atividades, a esfera digital, chamada de blogosfera78, e que é composto apenas por sequências descritivas.

"Comunidade mineira de usuários, desenvolvedores e entusiastas do Sistema Operacional GNU/Linux.

Temos a intenção de juntar grande parte dos usuários de Linux em Minas Gerais, para podermos debater e discutir sobre o sistema operacional, informática em geral e vários outros assuntos..." ________________________________________________________________________________________    

77

https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/pop_up_texto.jpg

78 http://pt.wikipedia.org/wiki/Blogosfera

Page 54: Redefor-língua portuguesaLp003

54

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    Diferentemente do relato sobre Pompom - que apresenta um número grande de sequências descritivas, mas não é apenas uma descrição -, o parágrafo apresentado anteriormente caracteriza-se, fundamentalmente, como sendo uma descrição. Como podemos saber que este parágrafo/texto é composto por sequências descritivas?

• Pelo que é referenciado; nomeado: "Comunidade mineira de usuários, desenvolvedores e entusiastas do Sistema Operacional GNU/Linux".

• Pelo que se diz sobre essa comunidade: A comunidade é qualificada, basicamente, por suas ações e objetivos: juntar os usuários do sistema e discutir sobre o sistema e sobre outros temas. O texto que estava no Blog "GNU/Linux-MG" é um bom exemplo de como um texto curto pode ser heterogêneo em termos da organização textual. Vamos pela ordem dos parágrafos. O primeiro parágrafo já apresenta uma grande heterogeneidade textual:

"Bom galera, ja criamos a comunidade do orkut, porem ela ainda nao tem uma descrição realmente bem feita, como eu nao escrevo assim taaaao bem, gostaria da ajuda de todos pra elaborar a descrição, acho que ela deve passar bem a nossa intenção ao criar a comunidade, em breve também tera que ser adicionado um moderador a comunidade, mas vamos ver a medida do tempo quem sera o melhor para isso, assim como os moderadores do forum..."

A primeira característica que podemos notar é que o texto acima se inicia com um típico marcador conversacional ("Bom") e, em seguida, utiliza um vocativo ("galera"), para, em seguida, produzir uma breve sequência narrativa "já criamos a comunidade do orkut". No entanto, é preciso lembrar que textos escritos com as formas próprias da oralidade, ou seja, estruturados em termos dialogais-conversacionais79 não se confundem com a oralidade. Eles continuam a ser textos escritos, mas com a predominância da função interacional sobre a função informativa/argumentativa. Em outras palavras, eles apresentam como função predominante estabelecer uma relação direta de diálogo com os interlocutores. ________________________________________________________________________________________  

 

79 Iremos definir sequências dialogais em seguida.

Page 55: Redefor-língua portuguesaLp003

55

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________   Em seguida, o texto passa a se estruturar de forma diferente, por meio de uma sequência tipicamente descritiva ("ela ainda não tem uma descrição realmente bem feita"), iniciada por um conectivo ("porém"), que marca uma relação adversativa entre o que foi dito antes e o que é dito depois. Logo depois, vemos que o autor faz uma solicitação explícita aos seus interlocutores: "gostaria da ajuda de todos pra elaborar a descrição", o que pode ser descrito como uma sequência dialogal. Podemos dizer, estão, que as sequências dialogais se caracterizam como enunciados/proposições que estabelecem um diálogo entre um locutor e seu interlocutor. No caso dos textos escritos, muitas vezes, apresentam-se sequências dialogais incompletas, nas quais surgem, apenas, por exemplo, perguntas ou pedidos, sem que necessariamente apareçam respostas e aberturas e/ou fechamentos às interações encenadas e representadas.

A heterogeneidade do texto não para por aí: em seguida, temos duas sequências injuntivas80 - "acho que ela deve passar bem a nossa intenção ao criar a comunidade" e "em breve também tera que ser adicionado um moderador a comunidade". Essas sequências, caracterizam-se por apresentar aos interlocutores duas "instruções" gerais: uma sobre a necessidade de se ressaltar, na descrição a ser feita, "a intenção" da comunidade; outra, a necessidade de adicionar um moderador à comunidade. Observe também o

uso de verbos auxiliares modais de necessidade ("terá") e de dever ("deve"), uso também característico da injunção. ________________________________________________________________________________________  

80 As sequências injuntivas são aquelas que buscam guiar a ação do interlocutor e se caracterizam por ser estruturadas por

enunciados no modo imperativo: "faça x", "lembre y", "troque a por b".

Page 56: Redefor-língua portuguesaLp003

56

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________   Ao fim desse parágrafo, o autor mobiliza novamente uma sequência dialogal, fazendo um comentário iniciado pela primeira pessoa do plural ("vamos ver"), recurso que marca o chamamento, por parte do autor, de seus interlocutores para o envolvimento com a tarefa, instaurando novamente a interação direta entre eles. O segundo parágrafo é composto por uma sequência descritiva ("pensei em mais ou menos isso"), e que tem, como principal função, colocar o parágrafo seguinte (referenciado por "isso") em foco. O terceiro parágrafo é, então, composto apenas pelas sequências descritivas já analisadas anteriormente. No quarto e último parágrafo, o autor retoma o uso da sequência dialogal, mas agora com um exemplo canônico desse tipo de sequência, uma pergunta direta para seus interlocutores: "Bom, sei la, acho que pode melhorar, alguem?", que pode ser retraduzida como "alguém poderia melhorar isso que fiz?". Para você refletir: 1)81 À que gênero pertence o texto que analisamos? 2) Os textos (exemplares de gêneros) são, então, heterogêneros do ponto de vista de sua estruturação? Ou seja, eles são organizados por uma ação geral mas compostos por diferentes sequências textuais?  ________________________________________________________________________________________  

81 A nosso ver, é um novo gênero textual que surgiu em ambiente digital, denominado "postagem" ou simplesmente post.

Mas a materialidade de seu texto é composta por uma série de sequências textuais (narrativa, dialogais, descritivas, injuntivas), ligadas a diferentes tipos de texto.

Page 57: Redefor-língua portuguesaLp003

57

Finalizando ________________________________________________________________________________________   Até aqui, aprendemos que: a) Um exemplar de texto (seja ele curto ou longo) pode ser, quase sempre, reconhecido como atualização de um determinado gênero textual - no caso de nossos exemplos deste Tópico, o post. b) Os gêneros são sempre heterogêneos do ponto de vista textual: seus textos são compostos por diferentes sequências textuais. c) As sequências textuais podem ser classificadas nos seguintes termos: sequências narrativas, sequências descritivas, sequências injuntivas, sequências dialogais, sequências argumentativas, sequências explicativas ou expositivas. Nessas duas últimas, vamos nos deter um pouco mais no Tema 3. d) Um texto pode ser relativamente mais fixo, ou seja, pode apresentar um tipo de sequência predominante; são esses os tipos de texto mais presentes em livros didáticos e são esses os tipos de texto que caracterizam muitos dos gêneros escolares, tais como a descrição, a dissertação e as narrativas de vários tipos solicitadas pelos professores. e) A manipulação da diversidade de sequências textuais está sempre vinculada ao projeto de dizer do produtor e à representação que ele faz dos seus interlocutores. Por isso, os textos podem ser considerados como lugares privilegiados de observação da interação entre produtor e leitor/ouvinte. No próximo Tema, vamos continuar analisando a maneira como os textos são compostos/estruturados e vamos mostrar que isto pode ser um dos critérios para que se façam os agrupamentos de gêneros, necessários para o trabalho em sala de aula.  ________________________________________________________________________________________  

Page 58: Redefor-língua portuguesaLp003

58

Atividade autocorrigível 3 ________________________________________________________________________________________   Dê uma olhada no blog "Poéticas em Português"82 e leia com atenção um trecho do poema de Cecília Meireles selecionado para compor o post da blogueira. Considerando o texto poético de Cecília Meireles, pode-se afirmar que: I. O poema é heterogêneo do ponto de vista das sequências textuais mobilizadas. II. O poema fala diretamente com o seu interlocutor durante todo o texto, com vistas a fazer um chamamento para certas ações; em função disso, o poema apresenta um forte caráter dialogal e injuntivo. III. Os versos se caracterizam pelo uso recorrente de verbos no modo imperativo. IV. Apesar de o poema se estruturar por meio de verbos no imperativo, ele não nos instrui sobre nada e nem nos fornece regras de como fazer algo. Não é o clássico discurso de "instrução", mas dele se aproxima, porque procura dizer ao interlocutor como ele deve se sentir e como ele deve compreender sua vida, nisto se aproximando de outros gêneros textuais da ordem do instruir ou do aconselhar. V. O poema apresenta sequências dialogais incompletas. Agora, leia atentamente as alternativas abaixo e depois pouse o cursor sobre a alternativa que julgar adequada: a)83 I, II, III e IV estão corretas b)84 I, II, III e V estão corretas c)85 II, III, IV e V estão corretas d)86 II, III e IV estão corretas e)87 Todas as alternativas estão corretas  ________________________________________________________________________________________  

82 http://www.avozdapoesia.com.br/ceciliameireles/poesia/cantico4.php83 Na verdade, todas as alternativas estão corretas. Logo, a melhor escolha é (e). 84 Na verdade, todas as alternativas estão corretas. Logo, a melhor escolha é (e). 85 Na verdade, todas as alternativas estão corretas. Logo, a melhor escolha é (e). 86 Na verdade, todas as alternativas estão corretas. Logo, a melhor escolha é (e). 87 Você acertou, pois todas as afirmações são corretas.

Page 59: Redefor-língua portuguesaLp003

59

Ampliando o conhecimento 1 ________________________________________________________________________________________   Para ampliar seus conhecimentos sobre os temas tratados, você pode:

Ler o livro organizado por Ângela Dionísio, Anna Rachel Machado e Auxiliadora Bezerra em 2002, em que se encontra o texto de leitura obrigatória deste tema: Gêneros Textuais & Ensino, publicado pela Editora Lucerna. Acessar na WEB os seguintes textos de interesse: DUTRA, V. L.; LISTO, G. Ensino de Língua Portuguesa na escola básica - gêneros e sequências textuais. Disponível em: http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_1/950-962.pdf, acesso em 11/12/2010.

MELO, W. Tipologia textual versus gênero textual. Disponível em: http://www.wellingtondemelo.com.br/site/2009/03/tipologia-textual-versus-genero-textual/, acesso em 11/12/2010. SILVA, S. R. Gênero textual e tipologia textual. Disponível em: http://www.algosobre.com.br/gramatica/genero-textual-e-tipologia-textual.html, acesso em 06/11/2011. ________________________________________________________________________________________    

Page 60: Redefor-língua portuguesaLp003

60

Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________   Você poderá também ver os seguintes filmes, bem interessantes, em que os relatos desempenham funções bem diversas em diferentes domínios comunicativos (jurídico, cotidiano):

A Confissão Título original: (L'Aveu) Lançamento: 1970 (França, Itália) Direção: Costa-Gavras Atores: Yves Montand, Simone Signoret, Gabriele Ferzetti, Michel Vitold. Duração: 132 min Gênero: Drama

Sinopse 1951, em um país comunista do Leste Europeu. Gerard (Yves Montand), o Vice-ministro de Relações Exteriores, é inexplicavelmente preso pelos superiores. Não lhe é contado por qual motivo foi detido, além disto é jogado numa cela onde não pode sentar e tem que ficar sempre andando. Paralelamente Lise (Simone Signoret), sua esposa, vê sua casa ser invadida por "agentes de segurança" que se comportam como nazistas. No outro dia, ao ir falar com o ministro, ouve a "versão oficial" na qual Gerard não está preso, mas isolado com outros camaradas para esclarecer alguns assuntos, já que precisam da sua ajuda em um assunto confidencial do Partido. Apesar da versão fantasiosa, ela não é informada do destino do marido nem que ele está sendo submetido a uma tortura psicológica. A Gerard é ordenado no interrogatório que confesse seus crimes, mas ele não tem a menor idéia do que está sendo acusado. Apesar de sempre ter se dedicado ao partido Gerard faz uma autocrítica, pois quer saber que erro pode ter cometido que o deixou nesta situação. [...] (http://www.adorocinema.com/filmes/confissao/, acesso em 06/11/2011) Para ver uma cena, clique aqui88. ________________________________________________________________________________________    

88 http://www.youtube.com/watch?v=1DABxFzggR4

Page 61: Redefor-língua portuguesaLp003

61

Ampliando o conhecimento 3 ________________________________________________________________________________________  

Tomates Verdes Fritos Título original: (Fried Green Tomatoes) Lançamento: 1991 (EUA, Inglaterra) Direção: Jon Avnet Atores: Mary Stuart Masterson, Mary-Louise Parker, Jessica Tandy, Cicely Tyson. Duração: 124 min Gênero: Drama

Sinopse: Evelyn Couch (Kathy Bates) é uma dona de casa emocionalmente reprimida, que habitualmente afoga suas mágoas comendo doces. Ed (Gailard Sartain), o marido dela, quase não nota a existência de Evelyn. Toda semana eles vão visitar uma tia em um hospital, mas a parente nunca permite que Evelyn entre no quarto. Uma semana, enquanto ela espera que Ed termine sua visita, Evelyn conhece Ninny Threadgoode (Jessica Tandy), uma debilitada mas gentil senhora de 83 anos, que ama contar histórias. Através das semanas ela faz relatos que estão centrados em uma parente, Idgie (Mary Stuart Masterson), que desde criança, em 1920, sempre foi muito amiga do irmão, Buddy (Chris O'Donnell). [...] (http://www.adorocinema.com/filmes/tomates-verdes-fritos/, acesso em 06/11/2011) Para ver o trailer, clique aqui89. Para ler uma resenha, clique aqui90. ________________________________________________________________________________________    

89 http://www.youtube.com/watch?v=epG1GuOGYws 90 http://50anosdefilmes.com.br/2010/tomates-verdes-fritos-fried-green-tomatoes/

Page 62: Redefor-língua portuguesaLp003

62

Referências bibliográficas ________________________________________________________________________________________   BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 277-326. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita - elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: ROJO, R. H. R.; CORDEIRO, G. S. (Orgs./Trads.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004[1996], p. 41-70. HANKS, W. Texto e textualidade. In: BENTES, A. C.; REZENDE, R. C.; MACHADO, M. A. R. (Orgs.) Língua como prática social: Das relações entre língua, cultura e sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin. São Paulo: Cortez Editora, 2008[1989], p. 118-168. KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez Editora, 2002. KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO; A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36. _____. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. ROCHA-PINTO, S. R. de. Work Experience: relatos de uma experiência de vida. RBGN Revista Brasileira de Gestão de Negócios, Vol. 10, No 27, 2008, p. 118-131. ________________________________________________________________________________________    

Page 63: Redefor-língua portuguesaLp003

63

Tema:   3.   O   que   são   agrupamentos   de  gêneros    Tópico: Um início de conversa ________________________________________________________________________________________   Neste Tema, vamos trabalhar com o conceito de agrupamentos de gêneros, aprofundando nossa reflexão sobre os agrupamentos do expor e do argumentar. Ao longo dos Temas anteriores, procuramos mostrar que os gêneros são produzidos em diferentes contextos sociais ou domínios sociais de comunicação e que esse pertencimento a diferentes domínios causa impactos em sua forma composicional. Por exemplo, vimos que cada gênero analisado (posts, reportagens jornalísticas, relatos de experiência pessoal, contos etc.) apresenta diferenças de textualização em função de os textos serem caracterizados por um determinado aspecto tipológico, que é o predominante

Aprendemos também que os aspectos tipológicos dos gêneros estão relacionados a ações gerais predominantes de textualização (narrar, relatar, argumentar, expor, descrever e regular ações alheias (injunção)). São essas ações que organizam os textos, exemplares do gênero. A abordagem da Linguística Textual privilegia a observação da ação mais geral que organiza um texto, relacionando essa ação mais geral predominante à formas de estruturação textual atualizadas por sequências textuais. Essas sequências textuais, por sua vez, caracterizam-se linguísticamente por certos traços que discutimos e exemplificamos ao longo do Tema 2. Neste último Tema, no Tópico 1, vamos enfocar a importância de se trabalhar com os agrupamentos de gêneros em sala de aula de Língua Portuguesa, apresentando com um pouco mais de vagar a teorização proposta pelos pesquisadores Dolz e Schneuwly, em 1996, e que, de certa forma, dá base à Proposta Curricular do Estado de São Paulo, no EFII.

Nos Tópicos 2 e 3, vamos voltar a trabalhar de forma comparativa com as duas reportagens já abordadas no Tema 1. Vamos mostrar que, apesar de pertencerem ao gênero "reportagem", elas vão apresentar diferentes textualidades e que isto ocorre em função de elas se inserirem em diferentes domínios sociais de comunicação, apresentando diferentes aspectos tipológicos predominantes. Veremos, então, que os critérios estabelecidos por Dolz e Schneuwly (2004[1996]) são realmente muito úteis para o trabalho com os gêneros e com os seus exemplares (os textos singulares) em sala de aula.  

Page 64: Redefor-língua portuguesaLp003

64

Tópico 1 - Organização composicional e agrupamentos de gêneros

Ponto de partida ________________________________________________________________________________________  Ao longo da disciplina, estivemos interessados em demonstrar que:

• os textos, exemplares dos gêneros textuais, são heterogêneos do ponto de vista de sua forma composicional, ou seja, são organizados de maneira a exibirem, na maioria das vezes, diferentes sequências textuais. Esse procedimento é encarado tanto pelo produtor como pelo interlocutor como um procedimento normal de formatação dos textos dos gêneros, já que está presente na grande maioria dos gêneros e textos que produzimos e/ou estão à nossa disposição.

Por que saber isso é importante?

• Porque a organização composicional dos textos é um importante instrumento de formatação do conhecimento e de reconhecimento da organização textual.

• Porque é desejável que todos os que se envolvem em práticas de letramento apresentem um alto grau

de reflexividade sobre as inúmeras possibilidades de combinações de proposições/enunciados, combinações que estão sempre a serviço da intencionalidade do produtor do texto.

Neste sentido, as sequências textuais não se constituem em fórmulas, mas em recursos formais que podem auxiliar durante os processos de compreensão e de produção de textos.  

Page 65: Redefor-língua portuguesaLp003

65

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________    Quando levamos em consideração a forma como um determinado texto (exemplar de um gênero) se estrutura, podemos ver que há uma relação de muita proximidade entre determinadas formatações e as funções desempenhadas pelos textos pertencentes ao gênero em questão. Vejamos o poema de Cecília Meireles91, abordado na Atividade Autocorrigível 3, no Tópico 2 do Tema 2.

Adormece o teu corpo com a música da vida Encanta-te. Esquece-te. Tem por volúpia a dispersão. Não queiras ser tu. Quere ser a alma infinita de tudo. Troca o teu curto sonho humano Pelo sonho imortal. O único. Vence a miséria de ter medo. Troca-te pelo Desconhecido. Não vês, então, que ele é maior? Não vês que ele não tem fim? Não vês que ele és tu mesmo? Tu que andas esquecido de ti?

Ele nos faz uma série de "chamamentos". Inicia-se com um primeiro chamamento: que adormeçamos com a música da vida. Em seguida, a poetisa continua a nos incitar a fazer outras coisas: que nos encantemos, que nos esqueçamos. Pode-se dizer que, grosso modo, este trecho do poema nos aconselha a ter atitudes diferentes neste mundo. Neste sentido, se não fosse um poema, ele pertenceria ao "agrupamento do instruir", já que alguém está na posição de autoridade de dar um conselho e/ou em uma posição de conhecimento para instruir o outro a fazer algo de determinado modo. São exemplos mais autênticos e menos híbridos de gêneros textuais que pertencem a esse agrupamento "instruir/prescrever ações" as receitas culinárias92 ou os textos que são usados para instruir as pessoas sobre como se joga um jogo93, por exemplo.  

91 http://www.avozdapoesia.com.br/ceciliameireles/poesia/cantico4.php92http://mais.uol.com.br/view/smem36ruw2ds/na-copa-e-na-cozinha-palmirinha-e-os-bolinhos-de-chuva-

0402183060DCB913A6?fullimage=1&types=A 93 http://www.youtube.com/watch?v=RscPDS_576U

Page 66: Redefor-língua portuguesaLp003

66

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________    Mas o trecho do poema de Cecília Meireles não pode ser simplesmente colocado ao lado de uma receita. Por que não? Porque, por um lado, os agrupamentos de gêneros não acontecem apenas em função de características formais dos textos que agrupam (por exemplo, verbos no imperativo) ou, por outro lado, dos aspectos tipológicos (instruir alguém para fazer algo, independentemente do que seja esse "algo") isoladamente. Embora o poema de Cecília Meireles pretenda instruir o seu leitor sobre como encarar a vida, o faz poeticamente e, neste sentido, está muito distante de uma receita de bolo: circula em outro domínio discursivo (o literário e não o cotidiano) e com outra função primordial (o do deleite pelo fazer artístico e não o da regulação das ações no mundo). Assim, os agrupamentos de gêneros são definidos por um conjunto de critérios e não apenas por critérios formais ou tipológicos isolados. O trecho do poema de Cecília Meireles pode ser colocado lado a lado, em função desses critérios formais (mas não apenas em função deles), de um trecho de "Procura da poesia, de Carlos Drummond de Andrade: Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

(Carlos Drummond de Andrade)

Adormece o teu corpo com a música da vida. Encanta-te. Esquece-te. Tem por volúpia a dispersão. Não queiras ser tu. Quere ser a alma infinita de tudo. Troca o teu curto sonho humano Pelo sonho imortal. O único. Vence a miséria de ter medo. Troca-te pelo Desconhecido. Não vês, então, que ele é maior? Não vês que ele não tem fim? Não vês que ele és tu mesmo? Tu que andas esquecido de ti?

(Cecília Meireles)

 

Page 67: Redefor-língua portuguesaLp003

67

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    

Em ambos os poemas, temos uma semelhança formal (o uso de verbos no modo imperativo), que pode servir para mostrar que, se pensássemos de forma parcial, estes dois trechos de poemas poderiam ser "agrupados" com base neste critério formal. Por outro lado, os dois poemas encontram-se organizados, de forma mais geral, pelo ação predominante de aconselhar um proceder, aproximando-se assim de uma função injuntiva. Finalmente, os dois (trechos de) poemas selecionados, na verdade, poderiam ser trabalhados a partir desse agrupamento formal (injuntivo: verbos no imperativo), que poderia envolver tantos outros poemas. Uma pesquisa rápida sobre poesia na internet, por exemplo, mostraria que muitos poetas se utilizam desse mesmo recurso de textualização para compor seus poemas ou trechos deles. Mas esta característica de estilo não constitui a principal característica dos poemas e do fazer poético, que se volta sobre a linguagem e sobre ela trabalha, versificando, metrificando, rimando, assonando, buscando um efeito estético da linguagem sobre o leitor.

Se olharmos, pois, de um outro ponto de vista - o do domínio de produção e de circulação desses textos (o literário) -, eles se afastam muito do agrupamento instruir/prescrever ações, justamente porque sua função principal na cultura é a fruição poética e não a instrução prática. E é justamente isso que faz com que leiamos o poema de maneira muito diferente da que lemos uma receita. Como você viu nas disciplinas anteriores, a leitura literária convoca capacidades específicas, de apreciação estética, que uma leitura com fins práticos não requer.

 ________________________________________________________________________________________    

Page 68: Redefor-língua portuguesaLp003

68

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________    Assim, pensando em uma abordagem dos gêneros textuais que os colocasse em grupos ou agrupamentos a partir de um conjunto mais amplo e combinado de critérios, é que os autores genebrinos Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, em 1996, respondendo a uma solicitação da Rede Pública Estadual (Cantonal) de Genebra, pensaram em uma proposta didática de agrupamento de gêneros94 que estruturasse seu tratamento em sala de aula, organizando uma progressão no ensino: uma base curricular para uma proposta de ensino de gêneros. A proposta dos autores baseia-se, principalmente, em três conjuntos de critérios combinados: "É preciso que os agrupamentos:

1. correspondam às grandes finalidades sociais legadas ao ensino, respondendo às necessidades de linguagem em expressão escrita e oral, em domínios essenciais da comunicação em nossa sociedade (inclusive a escola); 2. retomem, de modo flexível, certas distinções tipológicas que já figuram em numerosos manuais e guias curriculares; 3. sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem dominantes implicadas na mestria dos gêneros agrupados" (SCHNEUWLY, DOLZ et al., 2004 [1996], p. 58-59).

A rede pública genebrina pensou em alguns domínios de interação social privilegiados e necessários para o ensino de leitura e produção oral e escrita, como os domínios da:

• cultura literária ficcional - ligada ao tipo de texto/sequência narrativo(a) e convocando a capacidade de referenciar a ação através da criação da intriga (NARRAR)

• documentação e memorização das ações humanas - também ligado, como vimos, ao tipo de texto/sequência narrativo(a), mas convocando outras capacidades, como a de representar no texto experiências vividas situadas no tempo (RELATAR)

• discussão de problemas sociais controversos - ligado ao tipo de texto/sequência argumentativo(a) e que exige as capacidades de sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição (ARGUMENTAR)

• transmissão e construção de saberes - ligado ao tipo de texto/sequência expositivo(a)/explicativo(a) e que requer a apresentação textual de diferentes formas dos saberes (EXPOR)

• instrução e prescrição de acões - ligado aos tipos de texto/sequências descritivo(a)/injuntivo(a) e que visa à regulação mútua de comportamentos (DESCREVER AÇÕES/PRESCREVER)

________________________________________________________________________________________  

 

94https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/M2

_D3_Tm1_Tp3_P5_Quadro_Agrupamentos.pdf

Page 69: Redefor-língua portuguesaLp003

69

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________    Mas por que arranjar os gêneros em agrupamentos? Por que agrupá-los? Bem, trata-se de elaborar um modelo de ensino modular, aplicável a toda a seriação dos anos de ensino (veja um exemplo de proposta para os anos/série, referente ao agrupamento ARGUMENTAR, clicando aqui95) e de organizar a progressão no ensino, através dos diferentes ciclos do Ensino Fundamental. Segundo os autores,

se, para as atividades gramaticais, o professor dispõe de uma descrição precisa dos conteúdos que os alunos devem adquirir a cada série; para as atividades de expressão escrita e oral, onde os saberes a se construir são infinitamente mais complexos, ele tem tido de se contentar com indicações muito sumárias. Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um saber que a escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea (SCHNEUWLY; DOLZ et al., 2004 [1996], p. 50).

Na proposta, é fundamental ser possível definir, para cada agrupamento, algumas capacidades globais que se deve construir ao longo da escolaridade. O princípio sobre o qual a progressão está elaborada é muito simples: "trata-se de construir, com os alunos, em todos os graus de escolaridade, instrumentos, visando ao desenvolvimento das capacidades necessárias para dominar os gêneros agrupados" (p. 62). Há uma afinidade suficientemente grande entre os gêneros agrupados, para que transferências de saberes se operem facilmente de um a outro. E há também capacidades de compreensão/produção de linguagem que atravessam os diferentes agrupamentos. O mais importante nesta proposta é que se trabalhe com a progressão entre os gêneros nas séries/anos e com uma diversidade de gêneros em uma série/ano, pois é assim que as diferentes capacidades de leitura e produção oral e escrita em diferentes gêneros podem ser progressivamente construídas. Portanto, no currículo, todos os agrupamentos devem ser trabalhados, de maneira cada vez mais complexa, em todos os anos da escolaridade (progressão em espiral), através de um ou outro dos gêneros que os compõem, pois é assim que se garantirá tanto a diversidade de aprendizagens como a progressão. Na Proposta Curricular do Estado de São Paulo96 para EF, tanto o conceito de gêneros textuais como a ideia de agrupamentos são adotados. No entanto, diferentemente da proposta de diversidade e progressão dos autores, na PCESP propõe-se que se trabalhe principalmente um agrupamento específico em cada série/ano do EF-II (NARRAR, na 5a série; RELATAR, na 6a; PRESCREVER, na 7a; e ARGUMENTAR/EXPOR, na 8a), concentrando ações sobre certas capacidades e não outras. O que você acha disto? Prepare-se para escrever sobre este tema, no Tópico 3. ________________________________________________________________________________________  

 

95/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/M2_D3_Tm1_Tp3_P6_Agrupame

ntos_por_series.pdf 96https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/prop

osta_curricular_lingua_portuguesa.pdf

Page 70: Redefor-língua portuguesaLp003

70

Finalizando... ________________________________________________________________________________________    Sendo assim, queremos dizer que trabalhar com agrupamentos de gêneros significa:

• Buscar uma maneira de apresentar aos alunos um quadro mais geral, no interior dos quais os textos de diferentes gêneros são produzidos e no qual estão razoavelmente organizados;

• Mostrar semelhanças e diferenças entre os

gêneros;

• Mostrar também que as ações de textualização são muito regulares, ou seja, que produzir um texto é um trabalho sistemático (mas intuitivo) de combinações de diferentes sequências textuais que acabam por compor quadros mais gerais de recepção e de produção dos gêneros textuais; e

• Mostrar aos alunos que os textos que eles leem ou produzem são parecidos com outros; que

participam de uma cadeia textual ininterrupta de textos; enfim, são textos que mantêm entre si vários tipos de relações: temáticas, funcionais e formais.

________________________________________________________________________________________  

Page 71: Redefor-língua portuguesaLp003

71

Atividade Autocorrigível 4 ________________________________________________________________________________________    Sobre os gêneros relatório científico, biografia romanceada, regulamento, palestra, assembléia, podemos afirmar que:

I - podem ser classificados como apresentando aspectos tipológicos do âmbito do narrar, relatar, instruir, expor e argumentar, respectivamente. II - cada um deles pressupõe domínios sociais de comunicação específicos. III - cada um deles pressupõe determinadas capacidades de linguagem dominantes, a saber, de documentação das ações humanas, da criação de intrigas, de regulação mútua de comportamentos, de apresentação de saberes e de sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição, respectivamente. IV - podem também ser denominados como "tipos de texto" porque são relativamente homogêneos em termos de sequências textuais. V - cada um deles apresenta um conjunto de princípios organizadores de natureza linguística e textual que permite que possam ser agrupados com outros que, por sua vez, reconhecidamente apresentam aspectos tipológicos comuns e recorrentes.

Escolha a alternativa que lhe parece correta e pouse o cursor sobre a letra escolhida: a)97 I, II, III são verdadeiras. b)98 I, III e IV são verdadeiras. c)99 II, III, V são verdadeiras. d)100 II, III, IV e V são verdadeiras. e)101 I, IV e V são verdadeiras. ________________________________________________________________________________________  

97 Esta resposta é incorreta, pois, pela ordem, o relatório científico pertence ao agrupamento RELATAR, pois privilegia

aspectos tipológicos desse âmbito, e a biografia romanceada pertence ao agrupamento NARRAR, por privilegiar aspectos tipológicos desse âmbito, tais como a criação da intriga.

98 Esta resposta é incorreta, pois, pela ordem, o relatório científico pertence ao agrupamento RELATAR, pois privilegia aspectos tipológicos desse âmbito, e a biografia romanceada pertence ao agrupamento NARRAR, por privilegiar aspectos tipológicos desse âmbito, tais como a criação da intriga. Além disso, a afirmação IV também é incorreta, por confundir os conceitos de tipo/gênero/sequência textuais.

99 Esta é a resposta correta. Você acertou! 100 Esta resposta é incorreta, pois a afirmação IV confunde os conceitos de tipo/gênero/sequência textuais. 101 Esta resposta é incorreta, pois, pela ordem, o relatório científico pertence ao agrupamento RELATAR, pois privilegia

aspectos tipológicos desse âmbito, e a biografia romanceada pertence ao agrupamento NARRAR, por privilegiar aspectos tipológicos desse âmbito, tais como a criação da intriga. Além disso, a afirmação IV também é incorreta, por confundir os conceitos de tipo/gênero/sequência textuais.

Page 72: Redefor-língua portuguesaLp003

72

Tópico  2  -­‐  Trabalhando  com  o  agrupamento  de  gêneros  expositivos   Ponto de partida ________________________________________________________________________________________  

Para que possamos conduzir as reflexões sobre as propostas de trabalho com agrupamentos de gêneros, trazemos a definição de gênero textual elaborada por Marcuschi (2006, p. 27): Como se nota, a noção de gênero vem envolta num conjunto relativamente extenso de parâmetros para observação, tendo em vista a complexidade do fenômeno que envolve aspectos linguísticos, discursivos, sociointeracionais, pragmáticos, entre outros. Eles são fenômenos relativamente plásticos, com identidade social e organizacional bastante grande e são parte constitutiva da sociedade. Acham-se ligados às atividades humanas em todas as esferas e, em muitos casos, dão margem às marcas de autoria e estilo próprio em graus variáveis. A proposta de agrupamentos de gêneros, que vimos no Tópico 1, também pressupõe:

a) a compreensão de que todo gênero se realiza em textos concretos; b) o entendimento de que os gêneros não são modelos estanques nem estruturas rígidas, mas sim formas sociais e cognitivas de ação social; c) o entendimento de que os gêneros, mesmo sendo plásticos e flexíveis, apresentam uma forte identidade e que se equilibram entre as atividades históricas de padronização e de regularização e as possibilidades da criação de estilos e da ocorrência de variações/hibridações; e, com base nesses supostos, propõe d) a) o trabalho inter-relacionado e contrastivo com os aspectos tipológicos (narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações ou instruir/prescrever) ao longo de cada ano do EF I e II. s sambistas? _______________________________________________________________________________________  

Page 73: Redefor-língua portuguesaLp003

73

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________  Trabalhar com os agrupamentos de gêneros é necessário porque possibilita aos alunos desenvolverem capacidades específicas de atuação por meio da linguagem. Para exemplificar como fazê-lo, ao longo desta disciplina (mais especificamente no Tópico 3 do Tema 1 e neste Tópico) trabalhamos com o agrupamento do expor. Por exemplo, ao analisarmos a reportagem "Por que não vivemos para sempre?"102, estaremos possibilitando aos alunos que se apropriem de formas de expressão e de modos de produção e de recepção que são característicos de um determinado tipo de ação textual mais geral: a transmissão e construção dos saberes. Vejamos a importância de se trabalhar com o agrupamento expor:

1) Os alunos vão se deparar, ao longo das séries e nas várias disciplinas, com uma quantidade cada vez maior de novas informações científicas, com as quais vão ter que lidar de muitas formas: a) precisam, muitas vezes, memorizar essas informações, ou seja, precisam, muitas vezes tê-las "na ponta da língua"; b) precisam parafraseá-las103, ou seja, precisam reconstituí-las104 (oralmente ou por escrito) com "outras palavras". 2) Os alunos vão ter que lidar com recursos de vocabulário (na maioria das vezes, um vocabulário técnico ou especializado) e de composição textual (combinação de sequências de vários tipos, com um predomínio de sequências expositivas) com os quais não estão acostumados a lidar. 3) Os alunos podem reconhecer (e/ou recorrer a) várias formas de composição textual no curso da leitura ou da produção de um texto expositivo específico, sem esquecer a sua função primordial: a de transmitir e construir conhecimentos, saberes.

________________________________________________________________________________________  

 

102https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/SC

I.pdf 103 http://pt.wikipedia.org/wiki/Par%C3%A1frase 104 A citação indireta, também denominada paráfrase, consiste na utilização de trechos de outros textos, conservando-se as

ideias do original, com palavras próprias, sem distorções ou ênfases impróprias e em substituição às transcrições. Fonte: http://www.bvs-sp.fsp.usp.br:8080/html/pt/paginas/guia/a_cap_03.htm, acesso em 16/01/2011.

Page 74: Redefor-língua portuguesaLp003

74

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________    Quais são as maiores dificuldades ao se lidar com gêneros textuais do agrupamento expor? 1) Como já dissemos anteriormente, a primeira grande dificuldade é o fato de não compartilharmos com o produtor os conhecimentos mínimos sobre o assunto. Mas essa é justamente a grande função desses gêneros: apresentar-nos conteúdos novos ou relativamente novos. Assim, a função primordial desses gêneros é, ao mesmo tempo, a maior dificuldade que eles nos impõem para que os dominemos. 2) O vocabulário mobilizado para a construção dos conhecimentos nestes gêneros que, em geral, é um vocabulário técnico ou especializado. 3) A multiplicidade de linguagens que compõe os gêneros do agrupamento expor. Um bom exemplo é a reportagem "Por que não vivemos para sempre?", em sua versão impressa multissemiótica (clique aqui para vê-la105). 4) A extensão dos textos. Em geral, os textos organizados com a função básica de expor ideias sobre temas específicos são um pouco mais extensos. No entanto, de forma a deixar os textos mais "leves", muitos recursos de textualização são mobilizados. Um exemplo disso é a presença de um relato na reportagem "Por que não vivemos para sempre?" sobre uma conversa que o autor teve com sua filha após experienciarem um evento significativo: o atropelamento de uma cabra pelo veículo em que estavam. 5) A multiplicidade de recursos de textualização. Os textos expositivos (sejam eles de divulgação científica, sejam eles artigos científicos) apresentam recursos de textualização variados porque sua função, que é a de nos apresentar novos conhecimentos, passa pela elaboração de várias explicações sobre o tema abordado. Por isso, as formas de referenciação e de sequenciação dos textos é variada. Veremos isso com mais detalhes a seguir.  ________________________________________________________________________________________  

 

105https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/SC

I.pdf

Page 75: Redefor-língua portuguesaLp003

75

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________    Vamos retomar, então, a reportagem "Por que não vivemos para sempre?" e examinar mais globalmente alguns aspectos da sua textualidade, de forma a exemplificar para você, professor (a), como é possível tratar um texto, ou vários textos ao mesmo tempo, exemplar(es) de um gênero textual do agrupamento expor, de forma a ir apreendendo seu(s) sentido(s) mais global(is) e de forma a perceber quais as principais semelhanças e diferenças em relação a outros textos e/ou gêneros textuais, deste e de outros agrupamentos. Uma primeira questão diz respeito ao vocabulário. Mais especificamente, diz respeito à maneira como o texto nomeia/referencia106 as entidades, eventos ou ações do mundo social. Ou seja, vamos observar mais de perto, como a reportagem "Por que não vivemos para sempre?" constrói seus principais referentes textuais107, os objetos sobre os quais vai falar. Em termos gerais, o que está em jogo neste texto é a nossa curiosidade em compreendermos "até onde a ciência pode ajudar os esforços para enganar a morte". É nesse contexto que o referente "a morte", presente indiretamente no título da reportagem "Por que não vivemos para sempre?" (ou seja, Por que morremos?), aparece pela primeira vez. Por isso, pode-se dizer que, ao longo da reportagem, um importante referente textual é a expressão "a morte", seu referente central. No entanto, no texto, várias outras expressões são mobilizadas e essas expressões não são sempre sinônimas da expressão "a morte", mas estabelecem algumas relações de sentido com esse referente textual. Assim, vejamos uma lista de expressões referenciais presentes na introdução do texto que se relacionam, direta ou indiretamente, com a expressão referencial "a morte" e que são muito importantes para a construção do sentido global da reportagem.

(Clique na imagem para ampliá-la) ________________________________________________________________________________________  

 

106 Como já dissemos anteriormente, as atividades de nomear ou referir dizem respeito às "diversas formas de introdução,

no texto, de novas entidades ou referentes. Quando tais referentes são retomados mais adiante ou servem de base para a introdução de novos referentes, tem-se o que se denomina de progressão referencial" (KOCH; ELIAS, 2006, p. 123).

107 "Os referentes textuais não espelham diretamente o mundo real, não são simples rótulos para designar as coisas do mundo. Eles são construídos e reconstruídos de acordo com nossa percepção do mundo social, de acordo com nossas crenças, atitudes e propósitos comunicativos." (KOCH; ELIAS, 2006, p. 123).

Page 76: Redefor-língua portuguesaLp003

76

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________  O conjunto de expressões referenciais e as relações que elas estabelecem entre si no interior do texto são fundamentais para que se entenda quais os saberes que estão em jogo. Podemos dizer que a mobilização do conjunto de expressões referenciais listado anteriormente constrói:

a) um saber sobre o próprio processo de periodização do curso da vida, ou seja, um saber sobre o processo que envolve o nascimento, a vida e a morte; é em função desse saber que o autor da reportagem mobiliza os referentes "o fim da vida", "a expectativa de vida no ocidente", "taxas de mortalidade", "a principal causa da morte", "o processo de envelhecimento108", "o envelhecimento109", "o pensamento atual sobre o que controla o envelhecimento110" e "o destino de nosso corpo mortal"; e b) um saber sobre um modelo científico/uma teoria que explique especificamente o processo de envelhecimento111; é em função desse saber que o autor da reportagem mobiliza os referentes "corpo mortal", "soma" e "teoria do soma".

Para começar a responder à pergunta-título da reportagem, vamos ter algumas explicações importantes já na introdução. Vamos parafaseá-las aqui de forma resumida:

1) Lidamos muito mal com a morte, porque vivemos mais, ou seja, porque a expectativa de vida/a longevidade humana aumentou muito há mais de um século. 2) Porque vivemos mais, a principal causa de morte hoje no mundo é o processo de envelhecimento.

Na mesma introdução desse texto, ocorre uma especificação do assunto, ou seja, passa-se a descrever112 o momento da morte de ser humano. Esse movimento de especificação/aprofundamento de um determinado aspecto do assunto que está sendo apresentado (aspectualização) é muito importante nos textos de caráter descritivo e expositivo, exatamente porque eles têm a importante função de nos apresentar um conhecimento que não dominamos, ou seja, eles têm a função de nos transmitir certos saberes. Um outro movimento de especificação que acontece ainda na introdução é a descrição113 de uma das propriedades das células que compõem o corpo humano, ao que o cientista denomina de "aparente imortalidade da linhagem celular a que pertencemos". Assim, o resto da reportagem vai estar às voltas com essa questão: se a linhagem celular que compõe o nosso corpo é "algo imensamente antigo", por que o nosso corpo é mortal? ________________________________________________________________________________________    

108 http://www.videolog.tv/video.php?id=476480 109 http://www.youtube.com/watch?v=MHgcQ76vRM8 110 http://video.google.com/videoplay?docid=6795697927445437059#docid=-7994302002953717677 111 http://www.youtube.com/watch?v=tqfU2ICb5XA 112 "Para explorar o pensamento atual sobre o que controla o envelhecimento, vamos começar imaginando um corpo no

final da vida. O último suspiro é dado, a morte chega e a vida acaba. Nesse momento, a maioria das células está viva. Sem saber o que acaba de acontecer, elas conduzem, tão bem quanto possível, os processos metabólicos que suportam a vida – usando o oxigênio e os nutrientes à sua volta para gerar a energia necessária à síntese de proteínas e outros componentes celulares e ao suporte a suas atividades (a principal atividade das células). Em pouco tempo, privadas de oxigênio, as células morrem e, com isso, algo imensamente antigo chega a seu fim silencioso. Cada célula do corpo que acaba de morrer poderia, se houvesse registros, traçar sua ancestralidade por uma cadeia ininterrupta de divisões celulares iniciada há 4 bilhões de anos com as primeiras formas de vida celular neste planeta".

113 “A morte é certa. Mas pelo menos algumas de nossas células têm uma propriedade espantosa: são dotadas de algo tão próximo da imortalidade quanto pode ser alcançado na Terra. Quando você morre, apenas um pequeno número de suas células continuará essa linhagem imortal rumo ao futuro – e só se você tiver filhos. Apenas uma célula do seu corpo escapa à extinção – um espermatozóide ou um óvulo – por filho. Os bebês nascem, crescem, amadurecem e se reproduzem, continuando o ciclo.”

Page 77: Redefor-língua portuguesaLp003

77

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________    É exatamente porque interessa ao cientista, nessa segunda parte114 do texto, continuar a explicação sobre o processo de envelhecimento de forma mais aprofundada, que o vocabulário vai mudar drasticamente. Se percorrermos essa parte do texto procurando localizar os principais referentes textuais, ou seja, as principais coisas, fatos ou eventos sobre os quais se fala, podemos ter a seguinte lista: 1.As células dos organismos complexos; 2.O DNA; 3.As proteínas; 4.Moléculas altamente reativas chamadas radicais livres; 5.O maquinário celular; 6.As células; 7.Uma única celula - o óvulo fertilizado;

8. Alguns organismos pluricelulares; 9. Outros tipos de células; 10. Células nervosas, musculares, hepáticas; 11. As células especializadas; 12. Outros organismos complexos; 13. Ameaças ambientais; 14. Custos energéticos de manutenção do corpo em boas condições de operação; 15. Ratos selvagens; 16. A manutenção do corpo.

Como dissemos anteriormente, o uso de um vocabulário mais técnico, mais especializado e que apresenta uma estruturação um pouco mais complexa (ver exemplos 4 e 14) se faz necessário, porque o cientista nos explica alguns aspectos do problema do envelhecimento e da chegada ao fim da vida, por meio da apresentação de alguns conceitos e dados científicos: a) As células que compõem o nosso organismo são danificadas o tempo todo, funcionando sob constante ameaça de quebra. b) Elas se mantêm vivas em razão de mecanismos altamente sofisticados de manutenção e reparos e em razão de se livrarem de erros mais sérios por meio de rodadas contínuas de competição. c) Um organismo complexo, como o humano, é formado por células especializadas (nervosas, musculares, hepáticas, entre outras) e não apenas por células germinativas, tais como outros organismos pluricelulares. É por isso que o corpo humano é mortal. d) O tempo de vida de um organismo complexo depende das ameaças ambientais e dos custos energéticos de manutenção do corpo em boas condições de operação. e) A manutenção desse organismo complexo que é o corpo humano é custosa e os recursos para essa manutenção são limitados.  ________________________________________________________________________________________  

 

114 "Por que envelhecemos assim"

Page 78: Redefor-língua portuguesaLp003

78

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________    

Gostaríamos de ressaltar, professor, professora, que nosso procedimento ao longo desse Tópico 2 tem sido o de tentar exemplificar uma forma de abordar textos expositivos como a reportagem "Por que não vivemos para sempre?" de forma gradual, recortando-a e voltando a recompor o texto, para que possamos ter uma visão de seu (s) sentido(s) global(is). Neste sentido, a gradualidade da abordagem invoca imediatamente a concepção de texto que apresentamos no início da Disciplina: a de que os textos são objetos complexos. Além disso, mostramos que um texto com função de divulgação científica, que é produzido e que circula em um determinado domínio social de comunicação - o da transmissão e construção de saberes - apresenta uma estruturação especial:

• texto mais longo; • texto com partes que tratam de assuntos

especializados; • texto estruturado por meio de vários tipos de

segmentos textuais - predominantemente relatos, descrições e exposições/explicações;

• texto que apresenta um vocabulário que reflete sua especialização temática.

O foco de nossa Disciplina é procurar dar visibilidade aos processos textuais que constituem os gêneros textuais. Vimos que o vocabulário, ou seja, que a eleição de determinados referentes textuais e as relações de sentido que eles ajudam a estabelecer, são de fundamental importância para a compreensão dos sentidos do texto no agrupamento expor.

O rápido mapeamento empreendido das expressões referenciais das duas primeiras partes do texto nos ajudou a perceber como o texto vai se modificando à medida que vai progredindo em seus temas (progressão temática). Além disso, também vimos que o procedimento de parafraseamento e de resumo das partes do texto, por meio de alguns enunciados/proposições, ajuda-nos a ir construindo os sentidos globais/locais de cada parte do texto.  ________________________________________________________________________________________  

 

Page 79: Redefor-língua portuguesaLp003

79

Finalizando... ________________________________________________________________________________________    Neste Tópico 2, aprendemos que: a) a descrição dos recursos de textualização de um determinado texto, exemplar do gênero reportagem de divulgação científica, produzido em um determinado domínio social (o da transmissão e construção de saberes) e para o desenvolvimento de uma determinada capacidade de linguagem (apresentação textual de diferentes formas de saberes) auxilia no desenvolvimento de capacidades específicas de textualização (uso de sequências textuais expositivas); b) a transmissão e construção dos saberes, ação fundamental do agrupamento do expor, é feita por meio de estratégias específicas de textualização, tais como a manipulação do vocabulário; c) o trabalho com o vocabulário dos textos expositivos deve ser centrado no entendimento de como vão sendo ativados/construídos os referentes textuais; d) as cadeias referenciais115 construídas em textos expositivos revelam um determinado tipo de conhecimento, o conhecimento científico sobre o tema em questão; e e) no caso da reportagem que estudamos, vimos que o conjunto de referentes textuais de uma parte do texto é muito diferente do conjunto de referentes textuais da parte seguinte, porque o objetivo fundamental do texto é ir apresentando, de forma cada vez mais específica e aprofundada, um tipo de visão sobre um determinado fenômeno: a visão de um cientista sobre o fenômeno do envelhecimento. ________________________________________________________________________________________  

 

115 Para o melhor entendimento das cadeias referenciais, citamos aqui Roncarati (2010, p. 23), que afirma, em primeiro

lugar, que "a construção das cadeias referenciais se processa em uma rede multidimensional de inter-relações semântico-discursivas, que envolve complexas relações entre linguagem, mundo e pensamento". Além disso, na mesma página, ao tratar da variabilidade das cadeias referenciais, a autora afirma:"um referente pode ter uma única menção e não ser mais retomado no fluxo textual; um referente pode ser retomado por alguns mecanismos como pronominalização, repetição, sinonímia ou elipse, configurando uma cadeia linear; um referente pode gerar outros referentes tematicamente associados a ele, conformando uma cadeia multilinear ou multirreferencial; um referente pode se juntar ou amalgamar com outros referentes gerando uma interseção referencial, um tipo particular de inclusão, uma cadeia híbrida."

Page 80: Redefor-língua portuguesaLp003

80

Atividade autocorrigível 5a ________________________________________________________________________________________   Na parte do texto lido intitulada "Evolução por adaptação", há um conjunto de referentes textuais (cadeias referenciais116) muito importante para a construção dos sentidos do texto. São alguns deles:

Pode-se resumir os conteúdos desta parte ("Evolução por adaptação") da seguinte forma:

• Para sobreviverem, as espécies que evoluem precisam se adaptar, priorizando o investimento em crescimento e reprodução ao invés de um investimento em construir um corpo que dure para sempre;

• O envelhecimento é provocado pelo acúmulo gradual, durante a vida, de diversas formas de danos celulares e moleculares não reparados;

• Pesquisadores descobriram que a mutação de determinados genes permitem um aumento de 40% no tempo de vida;

• O alongamento do tempo de vida requer uma mudança nos complexos processos responsáveis pela manutenção e reparos das células, ou seja, nos processos que protegem o corpo contra o acúmulo de danos;

• Experiências com ratos revelam que estes animais, quando submetidos a restrição calórica, liberam uma grande fração da energia ingerida para a manutenção celular, o que aumenta o seu tempo de vida.

________________________________________________________________________________________  

116 Para o melhor entendimento das cadeias referenciais, citamos aqui Roncarati (2010, p. 23), que afirma, em primeiro

lugar, que "a construção das cadeias referenciais se processa em uma rede multidimensional de inter-relações semântico-discursivas, que envolve complexas relações entre linguagem, mundo e pensamento". Além disso, na mesma página, ao tratar da variabilidade das cadeias referenciais, a autora afirma:"um referente pode ter uma única menção e não ser mais retomado no fluxo textual; um referente pode ser retomado por alguns mecanismos como pronominalização, repetição, sinonímia ou elipse, configurando uma cadeia linear; um referente pode gerar outros referentes tematicamente associados a ele, conformando uma cadeia multilinear ou multirreferencial; um referente pode se juntar ou amalgamar com outros referentes gerando uma interseção referencial, um tipo particular de inclusão, uma cadeia híbrida."

Page 81: Redefor-língua portuguesaLp003

81

Atividade autocorrigível 5b ________________________________________________________________________________________   Sobre estes enunciados, pode-se dizer que: a)117 Houve uma enorme modificação na progressão temática do texto, com um aumento de explicações científicas sobre o assunto abordado; b)118 As paráfrases que fizemos foram produzidas de forma a procurar repetir os mesmos termos do texto original; c)119 Houve um aumento significativo do número de referentes textuais de natureza técnica, o que dá visibilidade à principal função desse texto que é a de transmitir e/ou construir saberes; d)120 Houve também um incremento na complexidade do formato desses referentes, sendo que alguns deles são bastante longos e característicos do jornalismo de divulgação científica feito para adultos que possuam letramento acadêmico; este tipo de referente textual não é mobilizado/ativado em nossos discursos cotidianos. e)121 Todas as alternativas acima estão corretas.

________________________________________________________________________________________  

117 Correto 118 Correto 119 Correto 120 Correto 121 Correto

Page 82: Redefor-língua portuguesaLp003

82

Tópico  3  -­‐  Trabalhando  com  o  agrupamento  de  gêneros  argumentativos  

Ponto de partida ________________________________________________________________________________________   Neste último Tópico da disciplina, temos o objetivo de aprofundar o trabalho com o agrupamento de gêneros do eixo do argumentar. O domínio social de comunicação com que vamos lidar é o da discussão de temas sociais controversos. No caso dessa reportagem que vamos analisar mais detidamente - que foi apresentada no Tópico 2 do Tema 1 -, o tema social controverso é, como vimos, o da xenofobia. Vamos agora retomar alguns aspectos importantes de nosso trabalho com agrupamentos de gêneros: a) Um aspecto importante desse trabalho com os agrupamentos de gêneros são os critérios desenvolvidos pelos autores genebrinos. Um primeiro critério é o do contexto, ou seja, o do domínio social de comunicação no interior do qual os gêneros são produzidos e nos quais circulam. Vimos que a reportagem "Por que não vivemos para sempre?" foi produzida no interior do domínio social da transmissão e construção dos saberes. Se você voltar a olhar a tabela desenvolvida por Dolz e Schneuwly (2004[1996]) para os agrupamentos de gêneros, verá que há outros gêneros que também são produzidos no interior desse domínio social. O artigo científico é um desses gêneros. Outros gêneros que também são produzidos nesse domínio são aqueles nos quais se faz divulgação científica, tais como reportagens, artigos, verbetes e textos de livros didáticos. b) Um outro aspecto importante no trabalho com agrupamentos de gêneros: um mesmo gênero pode ser produzido e pode circular em dois domínios sociais de comunicação distintos: a reportagem "Por que não vivemos para sempre?" foi produzida e circula no interior do domínio social da transmissão e construção dos saberes, no qual a ação social mais importante é a de expor; já a reportagem "O conto da xenofobia" foi produzida e circula no interior do domínio social da discussão de temas sociais controversos, no qual a ação de textualização mais importante é a de argumentar. c) Um terceiro aspecto importante é o de que as ações mais gerais de textualização ou os tipos textuais (expor e argumentar, por exemplo) podem ser efetuadas por diversos recursos. Estamos estudando dois deles: 1) o vocabulário - a construção dos referentes textuais; 2) as sequências textuais. Esses dois recursos de textualização são fundamentais para que possamos ir construindo a forma composicional dos textos. ________________________________________________________________________________________    

Page 83: Redefor-língua portuguesaLp003

83

Mãos à obra ________________________________________________________________________________________    Ao longo dos Temas e Tópicos anteriores, apresentamos e trabalhamos com quatro sequências textuais: a narrativa, a descritiva, a expositiva e a dialogal. Vimos também que há diferenças entre duas ações ou dois tipos textuais: a ação de narrar (que resulta em narrativas) e a de relatar (que resulta em relatos). Vimos ainda que os textos em geral são compostos de uma combinação de sequências; sendo assim, um texto sempre traz em sua composição várias sequências. E que, para a estruturação de um texto, é muito importante o estabelecimento de referentes textuais, ou seja, a (re)construção das entidades, objetos e eventos sobre os quais se vai falar. Por fim, vimos que a construção dos referentes textuais difere muito de uma parte do texto para a outra, à medida que o texto vai progredindo.

Neste Tópico 3, vamos ver que, em função da temática, os referentes textuais da reportagem "O conto da xenofobia" são muito diferentes dos referentes textuais da reportagem "Por que não vivemos para sempre?". Mas vamos perceber que essa diferença se dá em função da "exibição", por assim dizer, do ponto de vista do autor sobre o tema explorado. A começar pelo título. Por que essa reportagem se intitula "O conto da xenofobia"? Vamos pensar um pouco sobre isso? O que significa aqui a palavra "conto", núcleo dessa expressão referencial? É importante saber isso porque tudo o que o texto vai dizer, vai afirmar, vai polemizar, gira em torno dessa expressão referencial de caráter metafórico. Há alguma relação entre a expressão "O conto da xenofobia" e a expressão "o conto do vigário"? Em que medida a expressão "o conto do vigário" relaciona-se com os conteúdos da reportagem? Daqui para a frente, vamos trabalhar com o agrupamento do argumentar, por meio do estudo de três questões: a) o estabelecimento de referentes textuais que explicitam uma determinada orientação argumentativa; b) a estruturação geral do texto argumentativo; e c) a natureza dos argumentos.

________________________________________________________________________________________  

 

Page 84: Redefor-língua portuguesaLp003

84

Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________  Vamos começar com o trabalho sobre os referentes textuais da reportagem "O conto da xenofobia". Sabemos que o principal tópico da reportagem é a questão da xenofobia em vários países do primeiro mundo. Para falar disso, o autor mobiliza um conjunto de referentes que dizem respeito à xenofobia em si. Podemos dizer que um dos principais referentes instaurados no primeiro parágrafo de texto e que vai ser depois como que "dissecado" ou "decomposto" é o seguinte: a intolerância aos migrantes122.

Como esse referente é recategorizado ao longo do texto? Por meio das seguintes expressões referenciais: a) a perseguição de Nicolas Sarkozy aos ciganos123 (na França); b) a perseguição a imigrantes sem documentos124 (nos EUA). Um outro conjunto de referentes instaurado para dar conta desse tema diz respeito à obras, pessoas e movimentos. Associados à idéia de intolerância, estão: a) "Um livro chamado A Alemanha destrói a si mesma125"; (lançado na Alemanha) b) "Mein Kampf" ("Minha Luta", o livro que Hitler escreveu antes da sua chegada ao poder) (na Alemanha); c) O diretor do Banco Central e político social democrata Thilo Sarrazin126 (cujo sobrenome, ironicamente, é cognato de "sarraceno')" d) "O Movimento Tea Party127" (nos EUA). e) "Grupos organizados para intimidar ciganos e africanos" (na Itália)128.

Novamente, deparamo-nos com algumas expressões referenciais que demandam de nós um tipo específico de conhecimento de mundo: um conhecimento sobre as "tensões" sociais que existem hoje na Europa e nos EUA entre os "nativos" e os "estrangeiros". Para fazer mais sentido, a reportagem nos informa sobre o que diz o livro de Thilo Sarrazin, que teve uma grande recepção na Alemanha, e sobre o histórico das ações do Movimento Tea Party, nos EUA. No entanto, essa reportagem da Revista Carta Capital difere bastante da outra, a da Revista Scientific American do Brasil, já que apresenta, no seu lead, não o resumo da reportagem, mas uma conclusão129 sobre um fato130. ________________________________________________________________________________________  

 

122 http://www.youtube.com/watch?v=oFu_Tqubw9s 123http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1643938&seccao=Europa&utm_source=feedburner&utm_medi

um=feed&utm_campaign=Feed%3A+DN-Globo+%28DN+-+Globo%29&page=-1 124http://www.portalbrasil.net/index.php/colunas/imigracao/item/1698-imigrantes-ilegais-nos-estados-unidos-sem-

len%C3%A7o-e-ainda-sem-documentos 125 http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=441349 126 http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=441349 127 http://www.ecodebate.com.br/2010/03/18/tea-party-reanima-nacionalismo-xenofobo-nos-estados-unidos/ 128 http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5933649,00.html?maca=bra-cb_bra_thebobs_topstories-4956-js-cb 129 A propaganda direitista contra estrangeiros baseia-se em preconceitos e suposições erradas. A longo prazo, os maiores

prejudicados serão os europeus. 130 O crescimento da direita populista baseada na inteolerância aos migrantes.

Page 85: Redefor-língua portuguesaLp003

85

Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________   Continuando a observar os referentes instaurados (porque isto é fundamental para a sutentação de um determinado ponto de vista sobre um fato), é interessante perceber que esse movimento de especificação que ocorre dentro do texto em relação à expressão "a intolerância aos migrantes" deriva do fato de que o jornalista está preocupado em apresentar aos leitores a sua visão sobre o "crescimento da direita populista baseada na intolerância aos migrantes". Podemos ver que "o crescimento da direita" se baseia na "intolerância aos migrantes". Mas cada um desses dois referentes é recategorizado ao longo do texto de maneira diversa, com o objetivo de comprovar uma das conclusões (teses) do autor: a de que essa intolerância não vai beneficiar os europeus e americanos, mas ao contrário, vai prejudicá-los. Por isso, o título da reportagem é "O conto [do vigário] da xenofobia". Na página anterior, vimos como o referente "a intolerância aos migrantes" encontra-se relacionado a outros referentes, construindo-se assim uma "cadeia referencial"131 multilinear que diz respeito a ações, obras, pessoas e movimentos. No Tópico 3 do Tema 2, vimos como o referente "o crescimento da direita populista baseada na intolerância aos migrantes" é recategorizado132 e avaliado pelo autor. Agora, vamos ver como o jornalista se utiliza de nosso conhecimento de mundo para dar sequência ao texto, identificando especificamente quais são os espaços denominados "vários países do antigo Primeiro Mundo", que é uma outra expressão referencial fundamental para a organização argumentativa do texto. A progressão textual vai sendo marcada por uma série de advérbios de lugar, que são mobilizados justamente porque ele antecipou que o crescimento da direita populista está ocorrendo em vários países. Em quais países?

Na Suécia (segundo §) Na França (quarto §) Na Alemanha (terceiro §) Na Itália (dentro do quarto §) Nos EUA (quinto §)

________________________________________________________________________________________  

 

131 Para o melhor entendimento das cadeias referenciais, citamos aqui Roncarati (2010, p. 23), que afirma, em primeiro

lugar, que "a construção das cadeias referenciais se processa em uma rede multidimensional de inter-relações semântico-discursivas, que envolve complexas relações entre linguagem, mundo e pensamento". Além disso, na mesma página, ao tratar da variabilidade das cadeias referenciais, a autora afirma:"um referente pode ter uma única menção e não ser mais retomado no fluxo textual; um referente pode ser retomado por alguns mecanismos como pronominalização, repetição, sinonímia ou elipse, configurando uma cadeia linear; um referente pode gerar outros referentes tematicamente associados a ele, conformando uma cadeia multilinear ou multirreferencial; um referente pode se juntar ou amalgamar com outros referentes gerando uma interseção referencial, um tipo particular de inclusão, uma cadeia híbrida."

132 "Uma perigosa tendência", "forças obscuras".

Page 86: Redefor-língua portuguesaLp003

86

Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________   Como vimos, a forma como ativamos e reativamos os referentes textuais é muito importante para a discussão de um problema social controverso, no caso, o crescimento de posições políticas que se baseiam em práticas xenófobas em vários países do chamado primeiro mundo. Mais ainda: na reportagem em questão, a ativação dos referentes textuais resulta diretamente do tipo de argumentação que o autor do texto quer desenvolver, ao colocar em foco "o crescimento da direita populista em vários países do mundo". Mais um exemplo da importância do processo de ativação e reativação de referentes com fins argumentativos é o que o autor faz, em momentos distintos do texto, com Barack Obama133, Leonardo di Caprio134 e Mário Cuomo135. A ativação desses referentes e a consequente predicação sobre eles (todos filhos de imigrantes, conforme atestam seus sobrenomes etc.) mostra que eles jamais poderiam chegar a ser as personalidades de expressão e importância que são atualmente se as atitudes xenófobas tivessem predominado nos EUA. Assim, o crescimento da direita populista em vários países do mundo é o fato em foco. No entanto, para o autor, o que possibilita a emergência desse fato são preconceitos e suposições erradas. Uma dessas suposições ou premissas erradas, exemplificada pelo autor no terceiro parágrafo, pode ser resumida da seguinte forma: os alemães serão reduzidos à minoria em seu próprio país por conta do predomínio de turcos e árabes. É interessante percebermos que é no último parágrafo de seu texto que o autor vai produzir uma nova conclusão136, uma espécie de "previsão", não apenas contrariando a premissa de que os alemães vão ser minoria em seus país, mas também supondo que eles é que poderão se transformar em imigrantes em outros países, já que suas aposentadorias serão muito "magras" em função da dificuldade de equacionar o problema das aposentadorias na Alemanha e na União Européia como um todo. Vejamos os esquemas argumentativos do texto na próxima página. ________________________________________________________________________________________  

 

133 http://educacao.uol.com.br/biografias/barack-obama.jhtm 134 http://entretenimento.r7.com/cinema/noticias/confira-a-biografia-do-astro-leonardo-di-caprio-20091111.html 135 http://www.buscabiografias.com/bios/biografia/verDetalle/8829/Mario Cuomo 136 "O primeiro passo para compor um argumento é perguntar: O que você quer provar? Qual é a sua conclusão? Lembre-

se que a conclusão é a asserção para a qual você está apresentando razões. As asserções que lhe fornecem razões são chamadas premissas." (WESTON, 2009, p. 1)

Page 87: Redefor-língua portuguesaLp003

87

Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________  Para tornar as coisas mais fáceis, vejamos um modelo de diagrama sobre a estrutura da argumentação. Passeggi et al. (2010) adotam o diagrama da estrutura da argumentação137 proposto por Toulmin (1958):

Vejamos agora como a reportagem "O conto da xenofobia" se estrutura de maneira a exemplificar a forma da sequência argumentativa acima. Tese (Conclusão ou Asserção Conclusiva): A propaganda direitista contra estrangeiros baseia-se em preconceitos e suposições erradas. A longo prazo, os maiores prejudicados serão os próprios europeus. (lead da reportagem) Premissas (Dados/Fatos) que comprovam os preconceitos e suposições erradas: 1) Aumento da representação parlamentar da direita xenófoba em países de primeiro mundo (Suécia, Tea Party nos EUA); 2) Aumento de práticas de preconceito e perseguição contra migrantes (Alemanha, França, Itália, EUA); 3) Não crescimento da imigração ilegal ou legal de países periféricos para países centrais; 4) Aumento da migração entre países periféricos. Apoio (aos Dados ou Fatos) mencionados: porcentagens, estatísticas, números. Clique aqui138, para ver o diagrama desta estrutura argumentativa. ________________________________________________________________________________________  

 

137 "Há quem pense que argumentar é simplesmente expor seus preconceitos de forma diferente. Por isso, muita gente

acha que as argumentações são desagradáveis ou inúteis. Uma das acepções que os dicionários dão para o termo 'argumento' é 'disputa'. Neste sentido, às vezes dizemos que duas pessoas 'vivem argumentando': enfrentando-se em pugilato verbal. Isso é comum. Mas argumentar não é exatamente isso. [...] 'Argumentar' significa apresentar um conjunto de razões ou provas que fundamentam uma conclusão." (WESTON, 2009, p. XI)

138https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_02/linguistica_textual/lp_t3_top3_p6_PDF.pdf

Page 88: Redefor-língua portuguesaLp003

88

Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________  A forma composicional do texto da reportagem deriva de uma determinada intencionalidade do autor, que argumenta de forma clássica. Assim, podemos dizer que o texto da reportagem é um bom exemplo de como conferir a um texto um formato argumentativo. Para terminar a análise da reportagem, é importante ressaltar que os Dados/Fatos articulados pelo jornalista de forma a sustentar a sua posição (Tese), mobilizam, como vimos, informações numéricas (Apoios). Não podemos nos esquecer que uma das funções dos textos jornalísticos é a de possibilitar ao público acesso à informação. E uma maneira bastante convincente de apresentar uma informação é organizá-la em termos numéricos (porcentagens, estatísticas). Apresentar números e dados estatísticos é um recurso muito utilizado para fazer parecer indiscutível ou irrefutável uma opinião ou posição. Um dado apresentado é o de que "não houve um crescimento súbito da imigração ilegal". Para comprovar esse fato, muitos números são mobilizados:

• Nos EUA, o número de imigrantes ilegais caiu de 12 milhões em 2007 para 11 milhões, em 2009. • Na Espanha, a chegada de imigrantes clandestinos caiu de 32 mil em 2006 para 7 mil, em 2009. • Na Itália, a imigração clandestina caiu de 32 mil em 2008 para 7,3 mil, em 2009. • Na Alemanha, em 2009, entraram 30 mil e saíram 40 mil.

Um outro dado apresentado é a migração entre os países periféricos. Para tanto, os números mobilizados são os seguintes:

214 milhões de migrantes internacionais em 2010. Desses, apenas 37% migraram de países pobres para um país rico. 10% migraram de um país desenvolvido para outro. 50% de um país periférico para outro e 3% de um país central para um país periférico

________________________________________________________________________________________  

 

Page 89: Redefor-língua portuguesaLp003

89

Finalizando o Tópico ________________________________________________________________________________________    Ao longo desse Tópico 3, procuramos mostrar como um texto se revela predominantemente argumentativo. No caso da reportagem "O conto da xenofobia", ela já se apresenta com uma forte natureza argumentativa desde o título, que categoriza a xenofobia como uma falsidade, um engano, um engodo. Em seguida, a reportagem apresenta um lead com uma tese: a de que a propaganda direitista contra estrangeiros baseia-se em preconceitos e suposições erradas e, em função disso, os maiores prejudicados com as atitudes xenófobas serão os próprios europeus. A reportagem também é um excelente exemplo, de acordo com Weston (2009), de como argumentar é trabalhar fatos/dados de forma que eles sustentem a posição, o ponto de vista que se quer defender. Nesse texto, em que é sustentada a posição de que migrantes/estrangeiros não são a fonte dos problemas sociais dos países de primeiro mundo, foi possível descrever dois tipos de estratégias argumentativas: as cadeias referenciais construídas sempre a serviço do ponto de vista e do projeto de dizer do produtor do texto e o esquema argumentativo que dá forma de composição ao texto. A forma como os referentes textuais são construídos é fortemente argumentativa: seja pela escolha do núcleo da expressão título ("O conto da xenofobia"), seja pela escolha fortemente valorativa dos modificadores/qualificadores ("perigosa tendência", "forças obscuras", "demógrafos sensatos"). Vimos finalmente que os argumentos apoiados por números são também muito importantes para conferir um efeito de confiabilidade e credibilidade à posição defendida. Pois então: trabalhar com os textos pertencentes a agrupamentos de gêneros é fazer isso: descobrir quais recursos textuais e linguísticos podem fazer com que, ao compararmos os textos, estabeleçamos entre eles aproximações e distanciamentos. Por isso, é preciso dizer que ambas as reportagens - "Por que não vivemos para sempre?" e "O conto da xenofobia" -, que tentam apresentar uma determinada questão ou um determinado fato de forma mais detalhada e aprofundada para seus leitores, diferenciam-se bastante, porque, em uma, o que predomina é a ação de transmitir e construir saberes e, na outra, o que predomina é a ação de discutir um tema social controverso e formar opinião. Por isso, em uma, predominam sequências expositivas e descritivas e, na outra, predomina um esquema argumentativo. ________________________________________________________________________________________      

Page 90: Redefor-língua portuguesaLp003

90

Finalizando a disciplina ________________________________________________________________________________________    Caro professor, cara professora: Ao longo desta Disciplina tivemos o objetivo de construir com vocês um conhecimento mais reflexivo sobre a natureza dos textos e dos gêneros textuais. Sendo assim, esperamos que tenham ficado claros para vocês os seguintes conceitos: a) os textos e os gêneros são objetos extremamente maleáveis, flexíveis e também altamente heterogêneos; b) um mesmo gênero pode emergir em diferentes domínios sociais de comunicação (como no caso das duas reportagens estudadas); c) diferentes exemplares de textos pertencentes a um mesmo gênero (relato de experiência pessoal, por exemplo) podem se estruturar de maneira muito diversa, em função de suas temáticas e de seus domínios sociais de comunicação: o relato sobre Pompom X o relato de estudante trabalhando no exterior X os relatos de alunos de Iniciação Científica da USP; d) a produção textual resulta de ações de textualização específicas, tais como nomear/referenciar objetos, entidades, ações, fenômenos etc., organizadas em uma progressão específica; e) a produção textual resulta também de outras ações de textualização específicas, tais como a estruturação composicional por meio de sequências textuais; f) o trabalho com os agrupamentos de gêneros no ensino de Língua Portuguesa deve levar em conta os seguintes critérios: o dominio social de comunicação, os aspectos tipológicos e as capacidades de linguagem a serem desenvolvidas; g) o trabalho com os agrupamentos de gêneros no ensino de Língua Portuguesa necessariamente demanda um conhecimento mais aprofundado sobre a natureza e o funcionamento dos textos exemplares dos gêneros desses agrupamentos; h) o trabalho com agrupamentos de gêneros pressupõe o foco nas diferentes textualidades e nos sentidos que elas constroem;e, finalmente, i) a observação da natureza multissemiótica dos textos é fundamental para compreender os sentidos neles/por eles produzidos. ________________________________________________________________________________________      

Page 91: Redefor-língua portuguesaLp003

91

Ampliando o conhecimento 1 ________________________________________________________________________________________  Ao longo deste Tema 3, semeamos muitos links para você ampliar seus conhecimentos a respeito dos temas tratados nas reportagens estudadas: o crescimento da xenofobia nos países centrais e a questão do envelhecimento e da morte, até porque, o enriquecimento de repertório sobre as temáticas é fundamental tanto para a leitura como para a produção dos textos. Para ampliar seu conhecimento sobre os conceitos de texto, gênero textual, tipo textual, sequências textuais, progressão referencial, tal como aqui tratados, você pode recorrer aos seguintes livros: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. et al. Gêneros orais e escritos na escola139. Campinas: Mercado de Letras, 2004. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão140. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. (Em especial, sua Primeira Parte).

KOCH, E. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever - Estratégias de produção textual141. São Paulo: Contexto, 2009. (Em especial, os capítulos 6 e 7).

________________________________________________________________________________________    

139 Neste livro, os autores buscam responder a questões como: Por que se trabalhar com gêneros e não com tipos de

textos? Em que esses trabalhos e esses conceitos são diferentes? O que é gênero de texto? Como entender a noção? Que gêneros selecionar para ensino, e como organizá-los ao longo do currículo? Como pensar progressões curriculares? Deve-se trabalhar somente com os gêneros de circulação escolar? De circulação extraescolar? Ambos? Quais são os mais relevantes em cada caso? Vale a pena ler.

140 Neste livro, "as noções de língua, texto, gênero, compreensão e sentido, bem como o enfoque geral da abordagem, situam-se na perspectiva da visão sociointeracionista da língua. Esse tipo de visão recusa-se a considerar a língua como um sistema autônomo e como simples forma. Aqui, a linguagem é vista como um conjunto de atividades e uma forma de ação." (texto da orelha)

141 "Estabelecer uma ponte entre teorias sobre texto e escrita e práticas de ensino, com o diferencial de estudar a teoria com exemplos práticos de diversos meios de comunicação: essa é a proposta de Ingedore V. Koch - uma das maiores autoridades em Língua Portuguesa e Linguística do Brasil - e a professora Vanda Maria Elias em Ler e escrever. Atividade regida pelo princípio da interação, a escrita requer a mobilização de conhecimentos referentes à língua, a textos, a coisas do mundo e a situações de comunicação. Assim, com base em um conjunto de exemplos comentados - quadrinhos, propagandas, reportagens, crônicas, poemas, músicas e muitas produções de alunos de séries distintas - as autoras demonstram a aplicação dos conceitos teóricos abordados, favorecendo a sua compreensão e ressaltando sempre as peculiaridades de cada gênero textual." (texto da contracapa)

Page 92: Redefor-língua portuguesaLp003

92

Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________    TEXTOS DISPONÍVEIS NA WEB: AMARAL, H. Escolhendo gêneros textuais para ensinar na escola. Foco - IAS, Módulo Gêneros textuais - texto 1. Disponível em: http://acelera12cre.pbworks.com/w/page/1307174/FrontPage, acesso em 28/11/2011. ROJO, R. H. R. Elaborando uma progressão didática de gêneros - aspectos linguístico-enunciativos envolvidos no agrupamento de gêneros "relatar". Revista Intercâmbio, nº 8. São Paulo: PUC-SP. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/viewFile/4028/2675, acesso em 11/12/2010. SCHNEWLY, B.; DOLZ, J. M. Os gêneros escolares - Das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, nº 11, 1999. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n11/n11a02.pdf, acesso em 28/11/2011. ________________________________________________________________________________________  

Page 93: Redefor-língua portuguesaLp003

93

Ampliando o conhecimento 3 ________________________________________________________________________________________  Vale ver também alguns filmes sobre os temas que exploramos ao estudarmos nossas reportagens:

• Um belo e sensível filme sobre o tema do envelhecimento é: Ao Entardecer (Evening)

Lançamento: 2007 (Alemanha, EUA) Direção:Lajos Koltai Atores:Claire Danes, Toni Collette, Vanessa Redgrave, Patrick Wilson. Duração: 117 min Gênero: Drama Sinopse142: Ann Lord (Vanessa Redgrave) decide revelar às suas filhas Constance (Natasha Richardson) e Nina (Toni Collette) um segredo há muito guardado: que amou um homem chamado Harris (Patrick Burton) mais do que tudo em sua vida. Desnorteadas, as irmãs passam a analisar a vida da mãe e delas mesmas a fim de descobrir quem é Harris. Enquanto isso Ann relembra um final de semana ocorrido 50 anos antes, quando veio de Nova York para ser a madrinha de casamento de sua melhor amiga da escola, Lila (Mamie Gummer). Lá ela conhece Harris Arden, amigo íntimo da família de Lila, por quem Ann se apaixona.

Para ler uma resenha, clique aqui143. Você também pode ver o trailer, clicando aqui144.

• Sobre o tema da xenofobia, você pode ver: Liam

Lançamento: 2000 (Inglaterra) Direção:Stephen Frears Atores:Ian Hart, Claire Hackett, Anthony Borrows, David Hart. Duração: 90 min Gênero: Drama Sinopse145: Em plenos anos 30 vive na cidade de Liverpool o garoto Liam (Anthony Borrows), que tem apenas 7 anos de idade e está se preparando para sua primeira comunhão. Em meio a isto, Liam busca compreender o complexo mundo que o cerca, que está prestes a ser mudado por completo devido a um cataclismo econômico, político e social jamais visto.

Você também pode ver o trailer, clicando aqui146. ________________________________________________________________________________________  

142 http://www.adorocinema.com/filmes/ao-entardecer/trailers-e-imagens/ 143 http://www.confrariadecinema.com.br/filme.jsp?ok=1&id=1567&cidade=0 144 http://www.youtube.com/watch?v=l_mrZiFbglI 145 http://www.adorocinema.com/filmes/liam/ 146 http://www.imdb.com/video/screenplay/vi1217790233/

Page 94: Redefor-língua portuguesaLp003

94

Referências Bibliográficas ________________________________________________________________________________________    BENTES, A. C. Linguagem: práticas de leitura e escrita. Livro do Aluno. São Paulo: Ação Educativa/Global Editora, 2004. (Coleção Viver Aprender). _____. Linguagem: práticas de leitura e escrita. Livro do Professor. São Paulo: Ação Educativa/Global Editora, 2004. (Coleção Viver Aprender). _____. A abordagem do texto. In: LIMA-HERNANDEZ, M. C. (Org.) Gramaticalização em perspectiva: Cognição, textualidade e ensino. São Paulo: Paulistana, 2010. Pp. 139-156. BENTES, A. C.; REZENDE, R. C. Texto: conceitos, questões e fronteiras (con) textuais. In: SIGNORINI, I. (Org.) (Re)Discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.Pp. 19-46. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita - Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: ROJO, R. H. R.; CORDEIRO, G. S. (Orgs./Trads.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004[1996], p. 41-70. HANKS, W. Texto e textualidade. In: BENTES, A. C.; REZENDE, R. C.; MACHADO, M. A. R. (Orgs.) Língua como prática social: Das relações entre língua, cultura e sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin. São Paulo: Cortez Editora, 2008[1989], p. 118-168. KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez Editora, 2002. _____. Introdução à Lingüística Textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.) Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006, p. 23- 35. PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual do sentido. In: BENTES, A. C.; LEITE, M. Q. (Orgs.) Linguística textual e análise da conversação: Panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2010, p. 262-315. RIBEIRO, R. M. A construção da argumentação oral no ensino. São Paulo: Cortez Editora, 2009. ROJO, R. H. R. Gêneros do discurso/texto como objeto de ensino de línguas: Um retorno ao trivium? In: SIGNORINI, I. (Org.) (Re)Discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 73-108. RONCARATI, C. As cadeias do texto: Construindo sentidos. São Paulo: Parábola, 2010. SOUZA, L. V. de. As proezas das crianças em textos de opinião. São Paulo: Mercado de Letras, 2003. WESTON, A. A construção do argumento. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ______________________________________________________________________________________