Redefor-língua portuguesa-Lp006

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1 Disciplina: Linguagem Oral: Gêneros e Variedades Tópicos: Um início de conversa Introdução ________________________________________________________________________________________ Alô, professor ou professora! Bemvindo(a) à Disciplina LP006 Linguagem Oral: Gêneros e Variedades! Esta disciplina enfocará, da forma mais aplicada possível, as características dos textos e dos gêneros orais, em contextos e comunidades diversificados que usam diferentes variedades do Português do Brasil. Será dada atenção à natureza multissemiótica das práticas orais, às estratégias de construção do texto falado, a uma proposta de continuum de gêneros orais, às marcas da oralidade na escrita e às diferentes organizações da materialidade textual nos interior de diferentes gêneros orais (Tema 1). No campo aplicado ao ensinoaprendizagem de Língua Portuguesa, abordaremos a importância de se trabalhar com os gêneros orais formais e públicos na Educação Básica e detalharemos a abordagem de alguns deles, relevantes tanto nas práticas escolares como na vida pública, tais como a exposição oral e o debate. (Tema 2). Finalmente, enfocaremos os diferentes modos de fala do Brasil, do ponto de vista dos "sotaques", das variedades regionais e sociais (Tema 3). Esperamos que nossa disciplina possa lhe ser útil em sala de aula e que o estudo dos temas lhe seja agradável. Bons estudos! Para ver o vídeo de introdução a esta disciplina, clique aqui 1 . 1 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/6X4SK822KO7M/, acesso em 25/03/2011.

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Disciplina:   Linguagem   Oral:   Gêneros   e  Variedades    

Tópicos:  Um  início  de  conversa      

Introdução  ________________________________________________________________________________________    Alô,  professor  ou  professora!    Bem-­‐vindo(a)  à  Disciplina  LP006  -­‐  Linguagem  Oral:  Gêneros  e  Variedades!      Esta  disciplina  enfocará,  da  forma  mais  aplicada  possível,  as  características  dos  textos  e  dos  gêneros  orais,  em  contextos  e  comunidades  diversificados  que  usam  diferentes  variedades  do  Português  do  Brasil.      

Será  dada  atenção  à  natureza  multissemiótica  das  práticas  orais,  às  estratégias  de  construção  do  texto  falado,  a  uma  proposta  de  continuum  de  gêneros  orais,  às  marcas  da  oralidade  na  escrita  e  às  diferentes  organizações  da  materialidade  textual  nos  interior  de  diferentes  gêneros  orais  (Tema  1).      No  campo  aplicado  ao  ensino-­‐aprendizagem  de  Língua  Portuguesa,  abordaremos  a   importância   de   se   trabalhar   com   os   gêneros   orais   formais   e   públicos   na  Educação  Básica  e  detalharemos  a  abordagem  de  alguns  deles,  relevantes  tanto  nas   práticas   escolares   como   na   vida   pública,   tais   como   a   exposição   oral   e   o  debate.  (Tema  2).  

 Finalmente,   enfocaremos   os  diferentes  modos   de   fala   do   Brasil,   do   ponto   de   vista   dos   "sotaques",   das  variedades  regionais  e  sociais  (Tema  3).      Esperamos   que   nossa   disciplina   possa   lhe   ser   útil   em   sala   de   aula   e   que   o   estudo   dos   temas   lhe   seja  agradável.    Bons  estudos!      Para  ver  o  vídeo  de  introdução  a  esta  disciplina,  clique  aqui1.    

   

1 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/6X4SK822KO7M/, acesso em 25/03/2011.

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1.   O   trabalho   com   gêneros   orais:  pressupostos  teóricos    

Tópico  1  -­‐  O  continuum  oral-­‐escrito    

Ponto  de  Partida  ________________________________________________________________________________________  Muitos  professores  de  Língua  Portuguesa  reconhecem  a   importância  do  trabalho  com  a  oralidade  em  sala  de  aula.  No  entanto,  a  grande  maioria  tem  muitas  dúvidas  sobre  como  fazer  este  trabalho  sem  estabelecer  um  "conflito  de  interesses"  entre  práticas  orais  e  práticas  escritas.    

 Em   geral,   quem   reconhece   esse   "conflito   de   interesses"   possui   uma   visão   de   que  oralidade   e   escrita   são   desligadas   e   muito   diferentes   entre   si.   Mas   oralidade   e  escrita,  nas  mais  diversas  práticas  de   linguagem,  encontram-­‐se   inextrincavelmente  conectadas  e  dependem  uma  da  outra  para  a  realização  de  textos  e  de  discursos.    Nosso   objetivo   ao   longo   da   disciplina   será   o   de   tentar   construir,   junto   com   você,  professor,  com  você,  professora,  um  conhecimento  básico  sobre  três  pontos:      

 a)  No   Tema  1,   vamos  discutir   alguns  princípios   teórico-­‐metodológicos  que  devem  reger  o   trabalho  com  a  oralidade  na  escola,  com  base  nos  documentos  oficiais  da  Secretaria  de  Educação  do  Estado  de  São  Paulo  e  com  base  nos  PCNs;      b)   No   Tema   2,   vamos   discutir   sobre   as   principais   características   e   funções   de   alguns   gêneros   orais  importantes  de  serem  trabalhados  na  escola,  mais  especificamente,  a  exposição  oral  e  o  debate;    c)   No   Tema   3,   vamos   discutir   sobre   a   importância   de   se   trabalhar   com   alguns   aspectos   das   variedades  linguísticas  na  escola,  mais  especificamente,  com  as  variedades  regionais  e  com  as  variedades  sociais    ________________________________________________________________________________________  

 

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Mãos  à  Obra  ________________________________________________________________________________________    Para   isso,   vamos   precisar   de   sua   atenção   em   relação   aos   exemplos   abaixo   e   também   em   relação   aos  seguintes  pressupostos:   (i)  o  de  que  não  há  apenas  uma   linguagem  oral,  mas  várias;   (ii)  o  de  que  não  há  apenas  uma  linguagem  escrita,  mas  várias;  (iii)  o  de  que  oralidade  e  escrita  não  são  opostas  entre  si,  mas  se  mesclam  e  se  complementam,  nas  mais  diversas  práticas  de  linguagem.    Agora,   gostaríamos   que   você   assistisse   ao   vídeo   abaixo,   prestando   atenção   nas   diferentes   oralidades:   no  texto  oral  da  apresentadora,  no  texto  oral  do  entrevistador,  no  texto  oral  do  entrevistado.  Essa  matéria  da  TV   Cultura   com   a   qual   vamos   trabalhar   está   centrada   em   uma   entrevista   com   o   escritor   moçambicano  Ungulani  Ba  Ka  Khosa,  que  fala  de  sua  obra,  de  seus  temas  e  interesses.      

2    Agora,  veja  a  transcrição3  do  trecho  inicial  da  entrevista.    ________________________________________________________________________________________  

 

2 Fonte: http://www.youtube.com/radarcultura, acesso em 10/03/2011. 3Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_g

eneros_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Antes  de  começarmos  a   falar   sobre  os   três   textos  produzidos  pelos  diferentes  agentes  que  participam  do  vídeo,  precisamos  falar  sobre  algumas  características  dos  textos  orais.      

4    Em  geral,  pode-­‐se  dizer  que  os  textos  orais  são  relativamente  não  planejáveis  de  antemão.  Isso  acontece  em  função  de  apresentarem  uma  natureza  altamente  interacional.  Além  disso,  ao  contrário  dos  textos  escritos,  para  os  quais  o  produtor  tem  maior  tempo  de  planejamento,  podendo  fazer  rascunhos,  proceder  a  revisões  e   correções,   a   grande   maioria   da   produção   oral   é   caracterizada   por   ser   planejada   e   verbalizada  simultaneamente,   justamente   porque   essa   produção   emerge   no   próprio   momento   da   interação.   Sendo  assim,  os  textos  orais  apresentam  descontinuidades  frequentes,  que  podem  ser  observadas  no  fluxo  da  fala  (KOCH,  1997).  Mas  isso  não  significa  que  a  maioria  de  nossa  produção  oral  pode  ser  considerada  como  "errada"  ou  "feia".  Ao  contrário,  a  produção  oral  caracteriza-­‐se  exatamente  por  ser  assim  mesmo,  sem  nenhum  demérito  nisso.      Na   verdade,   todas   as   estratégias   de   construção   dos   textos   falados   contribuem   para   a   sua   existência:   a  hesitação5,   por   exemplo,   tem   a   função   cognitiva   de   ganhar   tempo   para   o   planejamento/verbalização   do  texto;  a   inserção6  tem  a  função  cognitiva  de  facilitar  a  compreensão  dos  parceiros;  a  reformulação7  tem  a  função   de   reforçar   a   argumentação,   a   repetição,   que   como   recurso   coesivo,   serve   para   a   manutenção  temática  e  como  recurso  retórico,  serve  para  "martelar"  na  mente  do  interlocutor  uma  dada  informação  ou  um  dado  argumento  para  persuadi-­‐lo  de  sua  tese  (KOCH,  1997).      

 

4 Fonte: RedeFor 5 A hesitação é uma importante estratégia de processamento do texto oral porque tem a função de ganhar maior tempo

para o planejamento e também de desacelerar o ritmo da fala. Em geral, a hesitação seria considerada como algo "negativo", mas os estudos sobre a oralidade mostram que ela é uma estratégia fundamental para que o texto possa progredir e ir se construindo enquanto é produzido. Ela se manifesta por meio de pausas, preenchidas ou não, alongamentos de vogais, consoantes ou sílabas iniciais ou finais, repetição de palavras de pequeno porte, truncamentos oracionais etc.

6 A inserção se caracteriza pelo fato de o locutor suspender temporariamente o tópico em andamento para introduzir trechos com o intuito de (i) introduzir explicações ou justificativas, (ii) fazer alusão a um conhecimento prévio que pode ajudar na compreensão do assunto em pauta, (iii) apresentar ilustrações ou exemplificações. A inserção também pode ter a função interacional de despertar ou manter o interesse do interlocutor por meio de comentários jocosos ou por meio de avaliações, ressalvas, atenuações, dentre outras.

7 A reformulação pode ser retórica, quando ocorre por meio de paráfrases ou de repetições de trechos anteriormente verbalizados, ou pode ser saneadora, quando ocorre por meio de correções ou reparos, mas também podem ocorrer por meio de paráfrases ou repetições. Essas últimas, as reformulações saneadoras, em geral ocorrem em função de alguma solicitação de esclarecimento por parte do interlocutor (KOCH, 1997).

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Analisemos   agora,   com   um   pouco   mais   de   atenção,   o   texto   oral   da   jornalista8   que   apresenta   a  matéria/entrevista:    

• Seu   texto   não   é   produzido   nas   mesmas   condições   em   que   produzimos   nossos   textos   orais  cotidianos,   que   são   planejados   e   verbalizados   ao   mesmo   tempo,   ou   seja,   que   apresentam   um  processamento   on   line.   Em   outras   palavras,   o   texto   oral   da   jornalista   apresenta   um   grau  diferenciado   de   planejamento   já   que   sua   fala   apresenta   poucas   pausas.   A   verbalização   do   texto  previamente   planejado   necessariamente   passa   por   um   processo   de   pré-­‐formatação   (que   tanto  pode   ser   oral   como   escrita)   para   que   ele,   enfim,   seja   enunciado   no   contexto   de   gravação   do  programa.  É  neste  sentido  que   falamos  que  a  oralidade9  é  uma  prática   social  que  está   imbricada  com  a  escrita10.  O  texto  oral  produzido  pela  jornalista  é  um  exemplo  extremo  disto.  É  um  texto  de  natureza  descritiva,   já   que   se   concentra   em  apresentar/tematizar   um  determinado   referente,   no  caso,   o   escritor  moçambicano   Ungulani   Ba   Ka   Khosa,   representante   da   literatura  moçambicana,  que  está  no  Brasil  para  um  encontro  em  São  Paulo.  

• Apesar   de   se  mostrar   um   texto   bastante   fluente,   ele   apresenta   as   estratégias   características   da  produção  de  textos  orais:  a  jornalista  faz  algumas  pausas  e  apresenta  uma  certa  entonação11,  que  não  está  marcada  na  transcrição,  mas  que  pode  ser  percebida  quando  ela  fala  os  enunciados  que  compõem  o  texto.  

• Uma  outra   característica   do   texto  oral   produzido  pela   jornalista   é   o   fato  de  que  ele   se   encontra  "emoldurado"  por  outras  linguagens,  tais  como  o  olhar  (direto,  que  não  se  desvia  da  câmera)    e  a  expressão   facial  da  apresentadora.  Essas  outras   linguagens  corporais   são  ainda  "trabalhadas"  por  uma  outra  linguagem,  que  é  a  do  enquadramento  da  câmera  que  a  filma.  

• Por   isso,   quando   falamos   de   "oralidade",   estamos   falando   de   todo   um   conjunto   de   informações  para  além  dos  conteúdos  que  se  está  querendo  transmitir.  A  apresentação  que  a  jornalista  faz  da  entrevista   que   vai   ao   ar   mostra   um   tipo   de   competência   comunicativa:   falar   para   o   "grande  público"  sem  titubear  e  passando  confiança  sobre  o  que  diz.  

• Além  disso,  por  meio  de  sua  fala  e  de  sua  performance,  ficamos  sabendo  que  a  jornalista  é  de  um  certo   lugar  do  Brasil   (São  Paulo)  e  que   trabalha  em  uma  certa  emissora.  Assim,  quando   falamos,  fornecemos   informações   sobre   a   nossa   identidade   social   e   também   sobre   as   nossas   diversas  competências  em  nos  comunicarmos  com  pessoas/  públicos  diferentes  em  situações  distintas.  

 

 

  8Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_g

eneros_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011. 9 "Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas para

caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante. As limitações e os alcances de cada uma estão dados pelo potencial do meio básico de sua realização. Som de um lado e grafia de outro..." (MARCUSCHI, 2001, p. 17).

10 "A escrita (enquanto manifestação formal do letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na escola. Daí também seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável." (MARCUSCHI, 2001, p. 18)

11 Variação na altura da voz, durante a fala. Os filmes de ficção científica apresentam robôs que falam numa altura invariável, sem elevações ou quedas. O efeito esperado é o de uma fala não-humana, porque os seres humanos saudáveis não falam nunca daquele jeito. Ao contrário, a altura de nossa voz sobe e desce de maneira estruturada em cada enunciado, e o padrão que resulta disso é o padrão entoacional de cada enunciado." (TRASK, 2004, p. 91)

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Já  o   texto  oral   do  entrevistador12   é   constituído  de  um  único  enunciado  estruturado   como  uma  pergunta.  Mas   o   modo   como   essa   pergunta   (que   provavelmente   consta   de   um   roteiro   de   perguntas   previamente  elaborado  e  provavelmente  escrito  por  Allan  da  Rosa)  é  enunciada  traz  marcas  do  meio  –  sonoro  –  por  meio  do  qual  é  produzida.  Uma  marca  importante  são  as  pausas.  Outra  marca  importante  da  natureza  oral  desse  texto  é  o  uso  do  pronome  adjetivo  “contigo”,  que  revela  uma  interação  explícita  e  dialogal  entre  um  "eu"  e  um  "tu",  entre  o  entrevistador  e  o  entrevistado.    Uma  outra  marca  é  o  uso  do  marcador  conversacional  “e”,  que  não  desempenha  aqui  uma  função  coesiva,  mas  apenas  auxilia  no  processo  de  produção  do  texto  oral.        O   texto  oral  do  entrevistado13  é  estruturado  por  meio  de   sequências  descritivas,   já  que  coloca  em   foco  a  "preocupação  literária"  do  escritor,  a  de  inserir  elementos  da  cultura  africana  em  suas  obras.          Ungulani:   do   primeiro   livro   ...   até   este   ...   há   sempre   um  elemento   ....   da   cultura   africana   ..   que   de   certo  modo   a  primeira   república   tentou   obliterar   ...   ((corte   de   edição))  então   a   minha   preocupação   literária   ...   foi   no   sentido  sempre   de   buscar   esses   elementos   ...     trazer   esses  elementos  digamos  para  ...  para  ...  primeiro  pra  pra  língua  portuguesa   que   é   a   língua   veicular   nossa   que   é   a   lingua  oficial  ...e...  e  segundo  fazer  com  que  muitos  elementos  da  nossa  tradição   ...  provérbios   ...  os  contos  tradicionais  que  ....  não  estão  grafados  porque  num  ...  a  nossa  escrita  ....  a  nossa   língua  ainda  não   tem  uma  escrita  e:::   sedimentada  ...  é  este  ....  é  neste  campo  onde  eu  me  (    )  de  certo  modo      Ele  é  um  texto  muito  diferente  do  texto  da  jornalista  que  apresenta  a  matéria,  já  que  apresenta  vários  tipos  de  hesitações14,  que  se  manifestam  por  meio  de  pausas  não  preenchidas,  alongamento  de  vogal,  repetições  de  palavras  e  de  sintagmas  etc.  Sendo  assim,  o  texto  do  escritor  é  um  bom  exemplo  de  um  texto  "que  se  faz  em  se  fazendo".      

 

12Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_

generos_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011. 13Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_

generos_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 10/03/2011 14 A hesitação é, como vimos, uma estratégia de processamento do texto oral que tem, dentre outras, a função de

desacelerar o ritmo da fala. Em geral, a hesitação seria considerada como algo "negativo", mas os estudos sobre a oralidade mostram que ela é uma estratégia importante para que o texto possa progredir e ir se construindo enquanto é produzido.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    No   entanto,   o   texto   oral   do   entrevistado,   o   escritor   Ungulani   Ba   Ka   Khosa,   compartilha   algumas  características  com  os  outros   textos  orais  produzidos  pelos  dois  outros  atores   sociais  que  participam  com  ele   dessa   interação:   o   texto   oral   do   escritor   também   é   "emoldurado"   por   outras   linguagens   (gestos,  expressão   facial,   e   postura   corporal).   Essas   outras   linguagens   corporais   que   "emolduram"   a   fala   do  entrevistado  também  são  "trabalhadas"  pelos  diferentes  enquadramentos  da  câmera  que  o  filma.  Em  outras  palavras,  a  oralidade  não  se  reduz  à  fala:  ela  é  instrinsecamente  multissemiótica.      Por   fim,  o   texto  oral  do  entrevistado   também  revela   sua   identidade  social,     já  que,  ao   falar,  ele   revela  de  onde  é  (de  um  dos  países  africanos  que  foram  antigas  colônias  portuguesas)  e  o  que  faz  (é  escritor).        Essa  breve  apresentação  dos  textos  orais  que  constituem  o  gênero  entrevista  televisiva  mostra  dois  tipos  de  práticas  orais  que  se  diferenciam  pelos  graus  de  planejamento  e  de  pré-­‐formatação  a  que  estão  submetidas,  mas   que   compartilham   outras   estratégias   de   produção   de   textos   orais.     Neste   sentido,   corroboramos   a  afirmação  de  Marcuschi   (2001,  p.  42):   "fala  e  escrita  apresentam  um  continuum  de  variações".  Em  outras  palavras,   não   se   pode   conceber   que   oralidade   e   escrita   sejam  blocos  monolíticos.   Cada   uma  delas   vai   se  mostrar  altamente  variável,  tanto  em  relação  aos  gêneros  mais  ou  menos  tipicos  de  cada  modalidade,  como  em  relação  aos  processos/estratégias  de  produção  e  de  formatação  mobilizados.      É  exatamente  porque  não  se  concebe  que  oralidade  e  escrita  sejam  opostas  que  Marcuschi  (2001)  propõe  a  noção  de  continuum  oral-­‐escrito  que  organiza  os  gêneros  de  acordo  com  o  modo  de  produção  (se  falado  ou  escrito)   e   de   acordo   com   critérios   outros   tais   como   a   distinção   entre   certos   aspectos   tipológicos   (textos  instrucionais,   exposições   acadêmicas)   e   discursivos   (comunicação   pública   &   privada,   diferentes   gêneros  textuais).     Clique aqui15 para ver o diagrama do continuum oral-escrito proposto por Marcuschi (2001).  

 

15 Continuum oral-escrito (MARCUSCHI, 2001)

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________    Voltando à nossa entrevista, vamos localizá-la no continuum proposto por Marcuschi, no segundo campo mais próximo da fala, sendo também considerada uma comunicação pública. É importante perceber que Marcuschi se refere ao gênero entrevista como pertencendo a uma "constelação", o que reforça a sua postulação de que há vários formatos para esse gênero, que é um dos gêneros orais formais públicos16 que devem ser destacados numa proposta de ensino do oral em sala de aula de língua materna. A entrevista

televisiva, no continuum oral-escrito proposto por Marcuschi, encontra-se correlacionada a outros tipos de entrevista (de rádio, pessoal) e também a gêneros outros, tais como inquéritos, debates e discussões no rádio e na TV. O que aproxima e o que distancia a entrevista de outros gêneros nesse continuum? Para Marcuschi, os gêneros, sendo um exemplo a entrevista, são mais bem compreendidos se forem observados no interior de um continuum oral-escrito porque, por exemplo:

a) as semelhanças e diferenças entre diversos tipos de entrevista e entre as entrevistas e outros gêneros não se dão de forma estanque ou dicotômica. São semelhanças e diferenças contínuas e graduais; b) as entrevistas, assim como muitos outros gêneros, apresentam-se em contrapartes (oral, escrita ou híbrida); em outras palavras, há entrevistas, como a que vimos neste tópico, que são orais; há entrevistas que são produzidas oralmente e depois transcritas e publicadas (como a de Arnaldo Antunes, discutida na disciplina LP003) e há entrevistas que são produzidas por escrito e divulgadas por escrito (é o caso de quando o jornalista manda perguntas escritas para o seu entrevistado e este responde também por escrito); c) as entrevistas, assim como todos os gêneros, apresentam uma natureza multissemiótica, ou seja, resultam do uso de várias linguagens ou semioses simultaneamente; d) as entrevistas, orais ou escritas, são ordenadas em sua formulação e encontram-se submetidas a normas llnguistícas muito próximas entre si. Para Marcuschi (2001, p. 45), "não há qualquer diferença linguística notável que perpasse o contínuo de toda a produção falada ou escrita, caracterizando as duas modalidades, pois as características de cada uma delas não são nem categóricas nem exclusivas".  

 

16 Os gêneros orais formais públicos são aqueles que são produzidos em situações e/ou contextos razoavelmente formais

em que os interlocutores desempenham papéis previamente definidos. Por exemplo, na situação de debate, temos o público/platéia & convidados & moderador de debate; na entrevista, temos entrevistador & entrevistado & público/leitor); além disso, os gêneros orais formais públicos apresentam uma natureza altamente pré-formatada ou pré-planejada e sua textualidade apresenta marcas desse planejamento prévio.

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Finalizando  ________________________________________________________________________________________    Para  finalizar,  é  importante  que  tenhamos  em  mente  as  seguintes  distinções  de  Marcuschi  (2001,  p.  25-­‐26):      a)   "a  oralidade   seria   uma  prática   social   interativa   para   fins   comunicativos   que   se   apresenta   sob   variadas  formas  ou  gêneros  textuais  fundados  na  realidade  sonora;  ela  vai  desde  uma  realização  mais  informal  à  mais  formal  nos  mais  variados  contextos  de  uso  (...)".      b)   "o   letramento,   por   sua   vez,   envolve   as  mais  diversas  práticas  de  escrita   (nas   suas   variadas   formas)  na  sociedade  e  pode  ir  desde  a  apropriação  mínima  da  escrita,  como  o  indivíduo  que  é  analfabeto,  mas  letrado,  na   medida   em   que   identifica   o   valor   do   dinheiro,   identifica   o   ônibus   que   deve   tomar,   consegue   fazer  cálculos  complexos,  sabe  distinguir  as  mercadorias  pelas  marcas  etc.,  mas  não  escreve  cartas  nem  lê  jornal  regularmente,   até   uma   apropriação   profunda,   como   no   caso   do   indivíduo   que   desenvolve   tratados   de  Filosofia  e  Matemática  ou  escreve  romances.  Letrado  é  o   indivíduo  que  participa  de  forma  significativa  de  eventos  de  letramento  e  não  apenas  aquele  que  faz  uso  formal  da  escrita."      c)  "a  fala  seria  uma  forma  de  produção  textual-­‐discursiva  para  fins  comunicativos  na  modalidade  oral  (situa-­‐se  no  plano  da  oralidade,  portanto),  sem  a  necessidade  de  uma  tecnologia  além  do  aparato  disponível  pelo  próprio  ser  humano.  Caracteriza-­‐se  pelo  uso  da  língua  na  sua  forma  de  sons  sistematicamente  articulados  e  significativos,   bem  como  os   aspectos  prosódicos,   envolvendo  ainda  uma   série  de   recursos   expressivos  de  outra  ordem,  tais  como  a  gestualidade,  os  movimentos  do  corpo,  a  mímica."      d)   "a   escrita   seria   um   modo   de   produção   textual-­‐discursiva   para   fins   comunicativos   com   certas  especificidades  materiais  e  se  caracterizaria  por  sua  constituição  gráfica,  embora  envolva  recursos  de  ordem  pictórica   e   outros   (situa-­‐se   no   plano   dos   letramentos).   Pode   manifestar-­‐se,   do   ponto   de   vista   de   sua  tecnologia,   por   unidades   alfabéticas   (escrita   alfabética),   ideogramas   (escrita   ideográfica)   ou   unidades  iconográficas,   sendo  que,  no  geral  não   temos  uma  dessas  escritas  puras.   Trata-­‐se  de  uma  modalidade  de  uso  da  língua  complementar  à  fala".    Assim,  pode-­‐se  dizer  que  a  principal  distinção  entre  fala  e  escrita  é  o  fato  de  que  cada  uma  é  um  modo  de  representarmos   a   língua,   ou   seja,   são  os   aspectos   sonoro  e   gráfico  que   contam  de  modo  essencial   nesse  caso.      

 

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Atividade  autocorrigível  1  ________________________________________________________________________________________    Marque  a  alternativa  incorreta:    a)17   Textos   falados   apresentam   distintos   graus   de   planejamento.   Portanto,   não   podemos   dizer   que   todo  texto  produzido  por  meio  sonoro  é  processado  online.  b)18  A  entrevista  televisiva  é  um  gênero  oral  que  pode  ser  concretizado  por  meio  de  vários  textos.    c)19  Fala  e  escrita  são  dois  modos  distintos  de  se  representar  a  língua.    d)20  As  hesitações,   as   reformulações  e  as   inserções  presentes  no  curso  da  produção  de  gêneros  orais   são  recursos  que  devem  ser  corrigidos  e  substituídos  por  outros.  e)21   A   proposta   de   considerar   os   gêneros   textuais   em   um   continuum   oral-­‐escrito   é   uma   maneira   de  passarmos  a  ver  as  relações  oral-­‐escrito  de  outra  forma,  considerando  que  uma  é  complementar  à  outra  e  que  ambas  encontram-­‐se  sempre  imbricadas  nas  práticas  de  linguagem  da  maioria  das  sociedades.    

 

17Correta 18Correta 19Correta 20Incorreta porque a hesitação, a reformulação e a inserção são estratégias de produção do texto oral e vão ser mais ou

menos presentes a depender do grau de planejamento do texto e da situação comunicativa na qual ele é produzido. Como são constitutivos da fala, devemos compreender quando ocorrem e não corrigi-los simplesmente. A proposta é de levar o aluno a dominar os diferentes modos de se produzir um texto oral, considerando principalmente os objetivos, o público e a situação comunicativa.

21Correta

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Tópico  2  -­‐  Atividades  de  retextualização  

 Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    Falamos  de  forma  bem  geral,  no  Tópico  1,  sobre  o  continuum  oral-­‐escrito.  Para  isso,  analisamos  brevemente  alguns   textos    orais.   Nossa   observação   mais   detalhada   desses   textos   permitiu   que   pudéssemos   ter   uma  visão  não  dicotômica  das  relações  oral-­‐escrito  e  uma  visão  mais    detalhada  sobre  a  natureza  do  texto  oral.      O  que  significa  ter  "uma  visão  não  dicotômica  das  relações    oral-­‐escrito"?    

• Significa   compreender   que   os   textos   e   gêneros   produzidos   na  modalidade  oral  vão  resultar  de  um  conjunto  de  estratégias  que  viabilizam   a   sua   produção.   Essas   estratégias   (tais   como   a  hesitação,   a   reformulação,   a   repetição   e   a   inserção)   também  podem   estar   presentes   na   escrita,   mas   de   outra   forma.   Essas  estratégias   não   são   "defeitos"   ou   "erros",   mas   ações   que  caracterizam  a  fala  e  a  oralidade.  

• Significa  dizer  que  nós  não  podemos  olhar  a  oralidade  de  forma  a   enxergar   nela   apenas   "incompletude",   "incorreção"   e  "imperfeição"   e   na   escrita   apenas   "completude,   "corretude"   e  "maior  perfeição".  

• Significa   olhar   a   oralidade   não   como   se   ela   ela   estivesse   em  oposição  à  escrita,  mas  ambas  como  modalidades  linguísticas  complementares  uma  à  outra.  

• Significa   olhar   a   oralidade   (e   os   gêneros   e   textos   orais   produzidos   nesse   campo)   como   tão  importante  quanto  a  escrita  e,  ainda  mais,  como  não  necessariamente  subordinada  a  ela.    

• Significa   construir   caminhos   que   nos   levem   a   eleger   alguns   gêneros   orais   formais   públicos,   tais  como  a  exposição  oral,  o  debate  e  a  entrevista,  como  legítimos  objetos  de  ensino-­‐aprendizagem  e  que  são  muito  importantes,  na  escola  e  fora  dela.  

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________   Como  vimos,  oralidade  e  escrita  são  práticas  sociais  que  se  diferenciam  basicamente  em  função  do  meio  em  que   são   produzidas   -­‐   sonoro   ou   gráfico,   respectivamente.   Os    textos   e   gêneros   produzidos   pelos   meios  característicos   de   cada   uma   delas   serão   semelhantes   e   diferentes   em   função   de  muitos   fatores,   como   é  possível  ver  neste  outro  quadro    elaborado  por  Marcuschi  (2001)22  sobre  a  distribuição  dos  diversos  gêneros  em  um  continuum  oral-­‐escrito.      Como  podemos  ver  no  quadro  de  Marcuschi,  o  autor  prioriza  pelo  menos  dois  fatores  para  que  possamos  pensar  sobre  as  relações  de  continuidade  entre  as  modalidades  oral  e  escrita  da  língua  nos  textos  e  gêneros:  o  meio  sonoro  ou  gráfico  em  que  o  texto  oral  ou  escrito  se  materializa  e  a  modalidade  oral  ou  escrita  em  que   se  deu   sua  concepção  original.   Segundo  o   autor,   isso  é  que   faz   a  diferença,   por   exemplo,   entre  dois  gêneros  orais  que  se  materializam  em  meio  sonoro  como  a  conversa  e  a  notícia  televisiva:  uma  é  concebida  ou  produzida   já   inicialmente  na  modalidade  oral   (a  conversa  cotidiana23)  e  a  outra  -­‐  a  notícia  televisiva24   -­‐  passou   antes   por   vários   gêneros   escritos   e   textualizações   (a   pauta,   a   notícia   redigida,   a   transcrição   no  teleprompter).  Coisa  similar  acontece  com  os  gêneros  escritos  entrevista  impressa25,  que  foi  antes  realizada  oralmente   com   o   entrevistado,   e   artigo   científico26,   cuja   base,   produção   e   circulação   é,   desde   sempre,  escrita.   Esses   são   os   gêneros   que   o   autor   considera   prototípicos   das  modalidades   oral   e   escrita   nos   dois  extremos   do   continuum,  pois   neles   as   relações   entre   as  modalidades   se   dão   de  maneira   bastante   nítida.  Além  deles,  ao  longo  do  continuum,  há  uma  profusão  de  gêneros27  que  apresentam  a  mais  variada  relação  entre  oralidade  e  escrita.      Por   isso,  é   importante  que  agora  observemos  como  ocorre  o  que  Marcuschi   (2001)  denomina  "atividades  de  retextualização".      É   importante   estudar   as   atividades   de   retextualização   porque   fazemos   isto   todos   os   dias   e   a   todo   o  momento.   Por   exemplo,     toda   a   vez   que   simplesmente   repetimos   ou   relatamos   o   que   alguém   disse,   até  mesmo  quando  tentamos    reproduzir  fielmente  a  fala  de  outrem,  estamos  retextualizando,  transformando,  modificando   e   recriando   uma   fala   em   outra.   Também   é   importante   compreender   as   retextualizações,  porque   todos   nós   (alunos   e   professores)   devemos   desenvolver   um   tipo   de   conhecimento  mais   reflexivo  sobre  as  diferenças  e  semelhanças  entre  o  oral  e  o  escrito  e  sobre  os  procedimentos  de  retextualização,  de  forma  a  melhor  dominar  os  gêneros  mais  característicos  de  uma  ou  de  outra  modalidade  da  língua.    

22Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_or

al_generos_variedades/LP_T1_TP2_P2.JPG, acesso em 26/02/2011. 23 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=gaiTqFiK5_E, acesso em 26/02/2011. 24 Fonte: http://g1.globo.com/jornal-nacional/videos/t/edicoes/v/v/1850146, acesso em 13/02/2012. 25 Fonte: http://veja.abril.com.br/211009/mundo-140-caracteres-p-19.shtml, acesso em 26/02/2011. 26 Fonte: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007001200026, acesso em 26/02/2011. 27 MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. São Paulo: Editora Cortez, 2001. p. 41.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________   No   entanto,   antes   de   começarmos   a   analisar   as   operações   que   estão   na   base   das   retextualizações   que  fazemos,   é   importante   falar   da   atividade   de   transcrição.   Tanto   neste   tópico,   como   no   tópico   anterior,  estamos  lidando  com  transcrições.  E  o  que  é  transcrever?      Para  Marcuschi  (2001),  a  transcrição  é  uma  passagem  de  um  código  para  outro.      

Quando   transcrevermos,   passamos   as   palavras   pronunciadas   para   uma   formatação   escrita,   num  sistema  gráfico  que  segue,  na  maioria  dos  casos,  a  grafia  padrão.  [...]  A  transcrição  representa  uma  passagem,   uma   transcodificação   (do   sonoro   para   o   grafemático),   que   já   é   uma   primeira  transformação,  mas  não  é  ainda  uma  retextualização.  (MARCUSCHI,  2001,  p.  51)  

 Transcrição   é,   por   exemplo,   o   que   fizemos   com   trechos   da   entrevista   com   o   escritor   moçambicano,  trabalhada  no   Tópico   anterior.  Quando   transcrevemos,   fazemos  uma  espécie   de   "neutralização"  do   texto  oral  produzido,  porque  nunca  vamos  poder  reproduzir  todos  os  aspectos  extralinguísticos28  que  envolvem  a  produção  personalizada  de  um  texto  oral.        Por  isso  dissemos  anteriormente  que,  quando  falamos,  damos  outras  informações  para  além  dos  conteúdos  transmitidos.   Deixamos   transparecer   a   nossa   identidade   social,   que   não   pode   ser   neutralizada,   mesmo  quando  gravada.  Nossa  identidade  social  marca  as  nossas  produções  textuais  orais.  Vejamos  alguns  vídeos  em   que   você   pode   observar   a   identidade   social   de   quem   fala,   sua   performance   oral   (o   que   envolve   a  possibilidade   de   se   observar,   ao   mesmo   tempo,   texto,   expressões   faciais   e   da   gestualidade).   Clique   nas  imagens  abaixo,  para  assistir  aos  vídeos29.      

               

 

   

28 Como os gestos, a postura corporal, as vestimentas, as expressões faciais e as entonações ou a prosódia. 29Fonte:http://www.youtube.com/radarcultura#p/a/7F035B2CD749087D/2/2m9oabQ-ugw,;

http://www.youtube.com/radarcultura#p/a/7F035B2CD749087D/1/4FGqUII_ , acesso em 26/02/2011

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    De  forma  a  passar  um  texto  oral  para  a  escrita  em  um  processo  de  retextualização,  algumas  atividades  que  vão  além  da  mera  transcrição  são  necessárias.  Vejamos  os  textos  abaixo,  retirados  de  Marcuschi  (2001,  p.  78):      TEXTO:  eh...  eu  vou  falar  sobre  a  minha  família...  sobre  os  meus  pais  ...  o  que  eu   acho   deles   ...   como   eles  me   tratam...   bem   ...   eu   tenho   uma   família   ...  pequena   ...   ela   é   composta   pelo  meu   pai   ...   pela  minha  mãe   ...   pelo  meu  irmão  ...  eu  tenho  um  irmão  pequeno  de  ...dez  anos  ...  eh  o  meu  irmão  não  influencia   em   nada   ...   a   minha   mãe   é   uma   pessoa   superlegal   ...   sabe?  (Narrativa  oral  de  uma  jovem  de  17  anos;  MARCUSCHI,  2001,  p.  78)      RETEXTUALIZAÇÃO  1-­‐  DA  FALA  PARA  A  ESCRITA:    Bem,  eu  tenho  uma  família  pequena  -­‐  meu  pai,  minha  mãe  e  meu  irmão.  Tenho  um  irmão  pequeno  de  dez  anos  que  não  influencia  em  nada.  Minha  mãe  é  uma  pessoa  super  legal.  (Retextualização  escrita  feita  por  um  aluno  de  Letras  do  4o.período  da  UFPE  a  partir  da  narrativa  oral  da  jovem  de  17  anos).  (MARCUSCHI,  2001,  p.  78)    RETEXTUALIZAÇÃO  2  -­‐  DA  FALA  PARA  A  ESCRITA:    Bem,  eu  vou  falar  sobre  a  minha  família,  sobre  os  meus  pais,  o  que  acho  deles  e  como  eles  me  tratam.  A  minha  família  é  pequena,  composta  pelo  meu  pai,  minha  mãe   e   um   irmão   pequeno   de   dez   anos   que   não   influencia   em   nada.   Minha   mãe   é   superlegal.  (Retextualização  escrita  feita  por  uma  aluna  de  Letras  do  4o.  período  da  UFPE  a  partir  da  narrativa  oral  da  jovem  de  17  anos).  (MARCUSCHI,  2001,  p.  78)      Há,   em  primeiro   lugar,  as   atividades   de   idealização   do   texto   falado,   que   envolvem   fundamentalmente   a  eliminação  e/ou  regularização  de  certos   fenômenos,  a  partir  da  ótica  da  escrita.  No  exemplo  em  questão,  sobre   a   narrativa   oral   da   jovem   de   17   anos,   foram   operadas   eliminações   de   quase   todas   as   marcas  estritamente   interacionais,   no   caso,   hesitações   (dois   "eh",   pausas   não   preenchidas)   e   um   marcador  conversacional  ("sabe?").      

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    No   entanto,   ambos   os   sujeitos   responsáveis   por   cada   uma   das   retextualizações  mantiveram   o  marcador  conversacional  "Bem"  no  início  do  texto:  "Bem,  eu  tenho  uma  família  pequena  -­‐  meu  pai,  minha  mãe  e  meu  irmão"  (Retextualização  1);  "Bem,  eu  vou  falar  sobre  a  minha  família,  sobre  os  meus  pais,  o  que  acho  deles  e  como  eles  me  tratam"  (Retextualização  2).  Isso  mostra  que  a  escrita  pode  trazer  uma  série  de  elementos  da  oralidade,  sem  que  isso  seja  visto  como  um  problema  em  determinadas  situações  e  contextos  de  produção  escrita.      Um   segundo   tipo   de   atividade   necessária   na   passagem   da   fala   para   a   escrita   são   as   atividades   de  transformação  operadas  sobre  o  texto  oral.  Na  primeira  retextualização,  observamos  que  o  aluno  de  Letras  decide  eliminar  todo  um  trecho  introdutório  em  que  a  jovem  diz  o  que  vai  fazer  ("vou  falar  sobre  a  minha  família...").  Apesar  de  manter  o  marcador   conversacional   "bem"   iniciando  o   seu   texto,  ele  elimina   todo  o  resto  e  já  começa  o  texto  com  a  tematização  direta  da  família  ("eu  tenho  uma  família  pequena")  e  não  com  a  tematização  do  próprio  dizer  ("vou  falar  sobre  minha  família").      Na  segunda  retextualização,  observamos  que  a  aluna  mantém  os  conteúdos,  mas  introduz  a  paragrafação  e  uma  reordenação:  no   texto  oral  ocorria  a  coordenação  de  enunciados   ("eu   tenho  uma   família..pequena...  ela  é  composta  pelo  meu  pai...  pela  minha  mãe  ...  pelo  meu  irmão  ...  eu  tenho  um  irmão  pequeno  de  ...  dez  anos")   e   no   texto   escrito   alguns   enunciados/sintagmas   ("eu   tenho   um   irmão";   "o   meu   irmão")   são  eliminados  e,  concomitantemente,  constrói-­‐se  uma  expressão  referencial  complexa  ("um  irmão  pequeno  de  dez  anos  que  não  influencia  em  nada").      É   importante  ter  uma   idéia  sobre  que  tipos  de  atividades  são  necessárias  para  a  passagem  do  oral  para  o  escrito,  porque  tanto  as  atividades  de  idealização  como  as  atividades  de  transformação  do  texto  falado  que  constituem  a  retextualização  propriamente  dita,  apesar  de  revelarem  ajustes  e,  muitas  vezes,  reordenações  mais   amplas,   não   devem   afetar   os   conteúdos   fundamentais   do   texto-­‐base.   No   entanto,   sabemos   que   as  modificações   operadas   transformam   um   texto   em   outro   texto.   No   caso   em   questão,   segundo  Marcuschi  (2001),  parece  que  o  que  se  pretendeu  foi  tornar  o  texto  mais  "disciplinado",  com  uma  aparência  mínima  de  escrita  e  sem  maiores  ligações  com  o  seu  contexto  oral  de  produção.  Também  é  importante  se  ter  uma  idéia  mais   clara   sobre   a   retextualização   porque   ter   consciência   das   atividades   envolvidas   nesse   processo   é   de  muita  utilidade  quando  se  quer,  por  exemplo,  passar  de  uma  modalidade  a  outra,  como  na  passagem  para  a  escrita  de  uma  entrevista  oral  (exemplo  explorado  por  Marcuschi),  ou  como  nas  anotações  de  aula  que  os  alunos  fazem.      

 

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    

Na   direção   contrária   (da   escrita   para   a   fala),   na   exposição   oral   ou   no  comentário  radiofônico,  por  exemplo,  temos  que  ler,  compreender  o  que  lemos  e  ainda  verbalizar  este  conhecimento  oralmente.  Para  isso,  vamos  precisar   tomar   decisões   sobre   os   cortes   que   iremos   empreender   no  material   falado   ou   escrito   e   as   reordenações   que   teremos   que   fazer.  Sendo  assim,  as  atividades  de  idealização  e  de  transformação  vão  estar  presentes   na   retextualização   da   escrita   para   a   fala   também.   É   o   que  vamos  começar  a  ver  a  seguir.  Vamos  ler  abaixo  dois  trechos  de  um  texto  de  um  mesmo  autor,  o  cineasta  e  jornalista  Arnaldo  Jabor.    Texto   escrito:   "Eu   não   queria   ver   o   filme   'Segredo   de   Brokeback  

Mountain'.  Não  queria.  Ver   filme  de  viados,   eu?   (Escrevo  viado  porque,   como  disse  Millôr,  quem  escreve  'veado'  é  viado).  Muito  bem,  eu  resistia  à  idéia  mais  ou  menos  como  o  Larry  David  (o  roteirista  de  'Seinfeld')  disse   num   artigo   engraçadíssimo,   que   tinha   medo   de   virar   gay   se   ficasse   emocionado".   (Arnaldo   Jabor.  "Brokeback  Mountain  é  um  filme  sobre  heróis  machos",  texto  publicado  em  07/03/2006,  no  Jornal  O  Globo.  Leia  o  texto  completo  clicando  aqui30.  Role  a  página  um  pouco  para  chegar  à  reprodução  da  crônica.).    Texto  falado:  "Amigos  ouvintes...eu  não  queria  ver  esse  filme  que  tá  passando  aí  ...  O  Segredo  de  Brokeback  Mountain  sobre  os  dois  cowboys  que  ficam  amantes  um  do  outro...  eu  não  queria  ...  ver  filme  de  viado...  eu?  aliás  ...  a  palavra  correta  é  viado  porque  gay  é  palavra  americana...  (Comentário  de  Arnaldo  Jabor  sobre  o  filme   "O   Segredo   de   Brokeback   Mountain",   falado   em   06/03/2006,   na   Rádio   CBN.   Ouça   o   comentário  completo,  clicando  aqui31).    O  trabalho  de  Leite  (2006),  que  discute  justamente  o  tema  da  oralidade  em  diferentes  discursos,  analisando  integralmente  os  dois  textos  produzidos  por  Arnaldo  Jabor  -­‐  o  escrito,  publicado  em  07/03/2006,  e  o  oral,  performado  em  06/03/2006  -­‐  tem  como  hipótese  que  o  texto  original  é  o  escrito,  a  partir  do  qual,  Jabor  faz  adaptações  para  poder  apresentá-­‐lo  oralmente.    

30 Fonte: http://komentarista.blogspot.com/2006/03/uma-ltima-sobre-brokeback-mountain.html, acesso em 10/03/2011. 31 Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2006/03/06/NAO-QUERIA-TER-VISTO-MAS-

BROKEBACK-MOUNTAIN-SE-IMPOE.htm, acesso em 26/02/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________  A  autora  apresenta  a  seguinte  pergunta:  Será  que  a  mudança  de  meio  de  comunicação  (de  jornal  impresso  para   o   rádio)   e   de   modalidade   (do   escrito   para   o   oral)   transforma   a   mensagem,   ou   seria   apenas   uma  mensagem  em  duas  mídias  diferentes?  Ela  conclui  que  os  textos  são  dois  textos  diferentes  entre  si,  porque  apresentam  uma  orientação  argumentativa  bastante  diversa.      Para  a  autora,  uma  das  razões  para  que  os  dois  textos  sejam  considerados  dois  exemplares  diferentes  de  um  mesmo   gênero   (crônica   ou   comentário)   é   o   tempo.   No   rádio,   o   tempo   é   o   fator   limitador.   No   jornal  impresso,  o  espaço  é  o  fator   limitador.  O  texto  oral  de  Jabor  tem  696  palavras  e  o  texto  escrito  apresenta  1001  palavras.  Para  a  autora,  há  uma  maior  exigência  de  "factualidade"  no  texto  oral  transmitido  pelo  rádio  e,  por  isso,  acontecem  os  cortes  efetuados  e  a  inserção  de  trechos  novos.  (LEITE,  2006,  p.  101)      Pelo   que   já   foi   possível   observar   no   primeiro   parágrafo   de   ambos   os   textos,   ocorrem   modificações   de  natureza  muito  profunda.  A  nosso  ver,  o  texto  escrito  serve  como  uma  espécie  de  guia  para  a  elaboração  do  texto   oral.   E   é   exatamente   porque   o   texto   escrito   é   apenas   este   "guia",   ou   seja,   é   exatamente   porque   é  importante   manter   algumas   informações,   mas   não   todas,   que   os   textos   são   tão   diferentes.   Para   nós,   é  importante  perceber  que  as  atividades  de  transformação  do  texto  escrito  mantém  a   informação  de  que  o  jornalista  não  queria  ver  o  filme.  Mas  são  duas  as  formas  de  informar  essa  posição  (eu  não  queria  ver  o  filme  "O  Segredo  de  Brokeback  Mountain")  de  Arnaldo  Jabor  aos  leitores:    Texto  escrito:  "Eu  não  queria  ver  o  filme  'Segredo  de  Brokeback  Mountain'.  Não  queria.  Ver  filme  de  viado,  eu?"  Texto  falado:  "Amigos  ouvintes  ...  eu  não  queria  ver  esse  filme  que  tá  passando  aí..    o  Segredo  de  Brokeback  Mountain  sobre  os  dois  cowboys    que  ficaram  amantes  um  do  outro  ...  eu  não  queria...  ver  filme  de  viado...  eu?  "    Fundamentalmente,  o  que  acontece  é  que  no  texto  escrito,  o  referente  é  enunciado  assim:      

"o  filme  'Segredo  de  Brokeback  Mountain'".    Já  no  texto  oral,  ocorre  uma  uma  expansão  do  referente  do  texto  escrito:      

"esse  filme  que  tá  passando  aí  O  Segredo  de  Brokeback  Mountain  sobre  dois  cowboys  que  ficaram  amantes  um  do  outro"  

 

 

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  6  ________________________________________________________________________________________    Por  que  esta  expansão  acontece?  Arnaldo   Jabor   antecipa   informações   sobre  o   referente   (é  um   filme  que  está   em   cartaz)   e   também   já   dá   uma   orientação   argumentativa32   para   a   interpretação   do   referente   (um  filme   sobre  dois   cowboys   que   ficam  amantes  um  do  outro),   por  meio  da  escolha  principalmente  do   item  lexical   sublinhado   a   seguir,   "ver   filme   de   viado...   eu?",   que   vem   depois   da   introdução   exapandida   do  referente.   Essa   orientação   argumentativa   está   presente   no   texto   escrito   apenas   pela   enunciação   da  pergunta   "Ver   filme   de   viado,   eu?"   No   texto   oral,   a   pergunta   permanece,   mas   antes   dela   já   vem   a  apreciação/avaliação   de   Arnaldo   Jabor   sobre   o   tema:   "dois   cowboys   que   ficam   amantes   um   do   outro".  Assim,  podemos  dizer  que,  no  momento  da  oralização  do  texto  escrito,  houve  uma  reformulação  do  modo  como  Arnaldo  Jabor  introduz  o  referente  textual,  ou  seja,  houve  uma  modificação  no  modo  de  apresentação  do  objeto  sobre  o  qual  ele  vai  falar.      Além  disso,  a  expansão  do  referente  justifica-­‐se  pela  pressuposição  de  Arnaldo  Jabor  de  que  seus  ouvintes  poderiam  não  compartilhar  o  mesmo  conhecimento  de  mundo:  o  de  que  estava  em  cartaz  um  filme  sobre  o  romance  entre  dois  homens.  Mais  especificamente,  uma  história  de  amor  entre  dois  cowboys.  Esse  trecho  serve   para   se   ter   uma   ideia   da   diferença   fundamental   entre   os   dois   textos:   o   escrito,   apresenta   uma  argumentação   ambígua,   ao  mesmo   tempo   favorável   e   contrária   à   homossexualidade;   o   oral,   tendo   sido  submetido  a  uma  série  de  cortes  de  alguns  argumentos,   também  apresenta  uma  argumentação  ambígua,  mas  menos  enfática  nessa  ambiguidade.  Daí  a  razão  de  defendermos  que  os  textos  apresentam  diferenças  sutis,  constituindo-­‐se  em  dois  textos  diferentes,  apesar  de  um  (o  escrito)  guiar  a  produção  do  outro  (o  oral)  e  apesar  de  manterem  as  principais  informações  nas  duas  versões.      Veja   este   outro   trecho   da   crônica   impressa:   "O   viado   sempre   encarnou   a   ambiguidade   de   nossos  sentimentos.  Claro  que,  hoje,  os  civilizados  todos  dizem  que  'tudo  bem',  que  são  contra  a  homofobia  e  todo  o  bullshit  costumeiro."      e   compare   com   o   trecho   correspondente   do   comentário   radiofônico:   "O   viado   sempre   encarnou   a  ambiguidade  dos  nossos  sentimentos  sexuais...  é  claro  que,  hoje,  os  civilizados  todos  dizem  que  'tudo  bem,  somos   contra   a   homofobia...   somos   a   favor   da   liberdade   dos   homossexuais'...   tudo  muito   politicamente  correto".      Reflita:   Em   sua   opinião,   qual   dos   dois   trechos   deixa  mais   clara   a   orientação   avaliativa   de   Jabor   sobre   a  questão  da  homossexualidade?  Por  meio  de  que  recursos?      ________________________________________________________________________________________  

32 A orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado pode ser percebida pelo modo como os recursos

linguísticos (por exemplo, encadeamento de enunciados por meio de operadores argumentativos - “ainda”, “já”, “aliás”, “além do mais etc -, seleção lexical - cowboys & homens, viado & gay etc.) são mobilizados, levando o interlocutor a adotar uma determinada posição em relação ao que é dito em detrimento de outra.

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Finalizando  ________________________________________________________________________________________    Ao  longo  deste  Tópico  vimos  que:    

a)  oralidade  e  escrita  são  práticas  sociais  que  se  diferenciam  basicamente  pelo  modo  de  produção:  a  primeira  é  produzida  pelo  meio  sonoro  e  a  segunda  é  produzida  pelo  meio  gráfico;    b)   oralidade   e   escrita   são   práticas   sociais   que   não   estão   em  oposição,  mas   são   complementares  entre  si;    c)  oralidade  e  escrita  variam  (não  são  as  mesmas);  por  exemplo,  nossos  textos  orais  cotidianos  são  planejados  e  verbalizados  ao  mesmo  tempo,  ou  seja,  apresentam  um  processamento  on  line;  já  os  textos  orais  produzidos  por  certos  jornalistas,  por  atores,  por  "experts"  e  por  certos  politicos,  por  exemplo,   podem   apresentar   um   grau   de   planejamento   diferenciado,   sendo,   muitas   vezes,  submetidos   a   alguma   pré-­‐formatação   que,   por   sua   vez,   pode   estar   relacionada   a   práticas   de  escrita;        d)  os   textos  e  gêneros  produzidos  na  modalidade  oral  da   linguagem  resultam  de  um  conjunto  de  estratégias   (tais  como  a  hesitação,  a  reformulação,  a  repetição  e  a   inserção)  que  viabilizam  a  sua  produção;    e)  as  atividades  de  retextualização  (da  fala  para  a  escrita  e  da  escrita  para  a  fala)  estão  presentes  em   nosso   cotidiano;   no   entanto,   dependendo   dos   gêneros   a   serem   produzidos,   essas   atividades  demandam  um  maior  grau  de  consciência  em  relação  às  operações  que  estão  na  sua  base;    g)   as   atividades   de   retextualização   pressupõem   duas   outras   operações:   a   idealização   e   a  transformação.   Essas   operações/atividades,   apesar   de   revelarem   ajustes   e,   muitas   vezes,  reordenações   mais   amplas,   não   devem   afetar   os   conteúdos   fundamentais   do   texto-­‐base;   no  entanto,  os  sentidos  dos  textos  vão  sempre,  em  alguma  medida,  ser  modificados  na  passagem  de  um  texto  a  outro  texto.    h)   quando   falamos,   fornecemos   informações   sobre  a  nossa   identidade   social   e   também  sobre  as  nossas   diversas   competências   em   nos   comunicarmos   com   pessoas/públicos   diferentes   em  situações  distintas.  

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Atividade  autocorrigível  2  ________________________________________________________________________________________    Atribua  falso  ou  verdadeiro  para  as  alternativas  abaixo  e,  em  seguida,  pouse  o  cursor  sobre  o  marcador  da  alternativa  (letra),  para  conferir  sua  resposta:        a)33   Oralidade   e   escrita   são   práticas   sociais   que   se   diferenciam   basicamente   pelo   modo   de   produção:   a  primeira  é  produzida  pelo  meio  sonoro  e  a  segunda  é  produzida  pelo  meio  gráfico.      b)34  Oralidade  e  escrita  são  práticas  sociais  que  não  estão  em  oposição,  mas  são  complementares  entre  si.    c)35  Os  textos  orais  cotidianos  que  produzimos  não  são  planejados  e  verbalizados  ao  mesmo  tempo;  são  sim  pré-­‐formatados,   assim   como   os   textos   orais   produzidos   por   certos   profissionais   como   jornalistas,   atores,  "experts",  políticos  etc.  d)36  As  atividades  de  retextualização  (da  fala  para  a  escrita  e  da  escrita  para  a  fala)  não  estão  presentes  em  nosso  cotidiano  e  somente  podem  ser  realizadas  em  situações  especiais.  e)37  A  escrita  não  pode  ser  trabalhada  para  incorporar  marcas  da  oralidade.  f)38  Os  materiais   impressos  pensados  para   serem   lidos  podem  apresentar   índices  de  oralidade  em   função  dos  propósitos  comunicativos  a  que  estão  submetidos.      ________________________________________________________________________________________  

33 Verdadeiro 34 Verdadeiro 35 Falso 36 Falso 37 Falso 38 Verdadeiro

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Tópico   3   -­‐   A   presença   da   oralidade   na  escrita    Ponto  de  Partida  ________________________________________________________________________________________    Como   vimos   nos   tópicos   anteriores,   oralidade   e   escrita   são  práticas   de   linguagem   que   ocorrem   em   um   contínuo,   uma  interpenetrando  a  outra.  Sendo  assim,  não  precisamos  ter  a  visão   dicotômica   de   que   essas   duas   práticas   são  completamente   diferentes   entre   si.   Neste   Tópico   3,   vamos  ver   que   toda   escrita   apresenta   o   que   Paul   Zumthor39,  historiador  e  filósofo,    estudioso  das  relações  entre  oralidade  e  escrita,  denomina  "índice  de  voz".  Ou  seja,  para  este  autor,  toda  a  escrita  encontra-­‐se  "marcada"  pela  oralidade.  É  uma  visão  que  está  em  consonância  com  a  concepção   linguistica  de   que   fala   e   escrita   estão   conjugadas   nas   práticas   de  oralidade  e  de  letramento40.      Nosso   interesse   aqui,   com   base   no   estudo   de   Hilgert   (2009),   é   mostrar   alguns   outros   recursos   menos  evidentes   que  mostram   como   gêneros/textos   classicamente   concebidos   no  meio   gráfico   não   escapam  da  influência  da  oralidade  em  função  de  vários  motivos.  Pedimos,  então,  que  você  leia  o  trecho  abaixo,  retirado  da   revista   Ciência   Hoje   para   Crianças   59   e   reflita   sobre   quais   são   os   principais   recursos   que   indicam   a  presença  da  oralidade  nesse  texto:      

Como  tudo  começou  Conheça  a  teoria  do  Big  Bang,  que  explica  a  origem  dos  planetas,  do  Sol  e  das  estrelas!        Você  já  deve  ter  olhado  para  o  céu  e  perguntado:  de  onde  vem  os  planetas,  o  Sol  e  as  estrelas?  Ou  olhado   para   a   Terra   e   perguntado   de   onde   vieram   as   rochas,   os   animais,   as   plantas   e   os   seres  humanos.  Para  os  cientistas,  tudo  o  que  existe  no  universo  veio  de  uma  bolha  que,  há  cerca  de  10  ou   20   bilhoes   de   anos,   surgiu   em   um   tipo   de   "sopa"   quentíssima   e   começou   a   crescer,   dando  origem  a  toda  matéria  que  conhecemos.  (Trecho  retirado  de  HILGERT,  2009,  p.  226).  

 

39 Fonte: http://editora.cosacnaify.com.br/Autor/479/Paul-Zumthor.aspx, acesso em 23/02/2012. 40 Todos já conhecemos as explicações sobre como o discurso direto, por exemplo, é um modo de representar a fala dentro

da escrita. Ou mesmo aquelas explicações sobre como a pontuação não se reduz a uma forma de marcar pausas, que são estratégias de produção do texto oral, como pudemos analisar no Tópico 1.

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Mãos  à  obra  Se  observarmos  com  cuidado,  o  primeiro  parágrafo  do   texto  da   revista  começa  com   um   enunciado   que   se   dirige   diretamente   ao   leitor   por   meio   do   uso   do  pronome  de   segunda  pessoa  do  discurso,  o   "você".  Esse   recurso  marca  o   texto  jornalístico,   já   que  dirigir-­‐se  diretamente   ao   interlocutor   na  modalidade  escrita  constrói  um  efeito  de  proximidade  entre  o  produtor  do  texto  e  o  leitor,  como  se  o   primeiro   estivesse   "falando"   com  o   segundo.   Em   outras   palavras,  mesmo   no  texto  concebido  no  meio  gráfico  temos  a  sensação  de  que  estamos   interagindo  com  o  produtor  do  texto  como  o  fazemos  na  interação  face-­‐a-­‐face.  O  recurso  de  se   dirigir   ao   leitor   por   meio   do   uso   de   vocativos,   de   verbos   conjugados   na  segunda  pessoa  e  de  sequências  textuais  injuntivas  (que  fornecem  instruções)  é  muito   utilizado   por   escritores   literários.   Machado   de   Assis41   é   o   mais   famoso  usuário  desse  recurso.  Muitas  vezes,  ao  longo  de  seus  textos,  o  escritor  dirige-­‐se  ao  leitor,  juntando-­‐se  a  ele  e/ou  interpelando-­‐o  a  tomar  determinada  atitude:    

 "Deixemos  Rubião  na  sala  de  Botafogo,  batendo  com  as  borlas  do  chambre  nos  joelhos,  e  cuidando  na   bela   Sofia.   Vem   comigo,   leitor;   vamos   vê-­‐lo,   meses   antes,   à   cabeceira   do   Quincas   Borba."  (Fonte:    http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm07.pdf,  p.  3)      "D.  Sancha,  peço-­‐lhe  que  não  leia  este  livro;  ou,  se  o  houver  lido  até  aqui,  abandone  o  resto.  Basta  fechá-­‐lo;  melhor  será  queimá-­‐lo,  para  lhe  não  dar  tentação  e  abri-­‐lo  outra  vez.  Se  apesar  do  aviso,  quiser   ir   até   o   fim,   a   culpa   é   sua;   não   respondo   pelo   mal   que   receber."   (Fonte:  http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm08.pdf,  p.115)      "Cuidado,  caro  leitor,  vamos  entrar  na  alcova  de  uma  donzela.  A  esta  notícia  o  leitor  estremece  e  hesita.(...)  Descanse,  leitor,  não  verá  neste  episódio  fantástico  nada  do  que  se  não  pode  ver  à  luz  pública.  (....)    Tranqüilize-­‐se,  dê-­‐me  o  seu  braço,  e  atravessemos,  pé  ante  pé,  a  soleira  da  alcova  da  donzela   Cecília."   (Fonte:   http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn012.pdf,   p.  1)    

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41 Fonte: http://machado.mec.gov.br/, acesso em 23/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Um  outro  recurso  presente  no  texto  da  Revista  Ciência  Hoje  para  Crianças  é  o  uso  de  uma  expressão  que  estabelece   uma   explicação   mais   acessível   às   crianças   sobre   o   ambiente   em   que   surgiu   o   sistema   solar:    surgiu   em   um   tipo   de   "sopa"   quentíssima.   O   uso   do   termo   "sopa"   -­‐  marcado  por  aspas  -­‐  constrói  um  efeito  de  informalidade  para  o  texto,  já  que  a  expressão  não  é  um  termo  técnico.  A  palavra  "sopa"  funciona,  então,   como   um   índice   de   incorporação   da   linguagem   coloquial  /informal   característica   das   práticas   orais;   o   seu   uso   está  intrinsecamente   relacionado   à   própria   função   do   texto,   que   é   a   de  divulgar   um   conhecimento   produzido   no   interior   uma   comunidade  interna  específica  (cientistas)  para  uma  comunidade  externa  ampla  (no  caso,  crianças).  Vejamos  como  o  recurso  a  palavras  não  técnicas  (quase  sempre  marcadas  por  aspas)  acontece    em  um  outro   texto  da  mesma  revista:      

                       "Durante   algumas   horas,   a   Lua   passará   pela   enorme   sombra   que   a   terra   faz   no   espaço.   Se  estivéssemos  na  Lua,  veríamos  a  Terra  "tapando"  o  Sol  durante  o  Eclipse."        

 Outros  índices  da  oralidade  presentes  no  texto  de  divulgação  científica  publicado  pela  Revista  Ciência  Hoje  para  Crianças  são:  o  uso  de  expressões  típicas  da  oralidade  ("pronto!";),  de  frases  interrogativas    (perguntas  retóricas)  e  de  frases  exclamativas.  Esses  recursos  são  de  fato  estruturadores  do  texto  excrito  para  crianças,  o  que  acaba  por  conferir  a  ele  um  estilo  muito  peculiar,  marcado  pela  coloquialidade  e  pela  iteratividade:      

                       

"Quando   uma   pessoa   está   dirigindo   um   carro   e   quer   indicar   que   vai   entrar   à   direita,   ela   liga   o  pisca-­‐pisca  para  a  direita  e  pronto!  Quem  está  na  rua,  pedestre  ou  automóvel,  sabe  o  que  significa  aquele  sinal."  (Trecho  retirado  de  HILGERT,  2009,  p.  227)          "Você   já   reparou  naquele  bichinho  que  vive  piscando  à  noite?  Você  sabe  porque  os  vaga-­‐lumes  piscam?"  (Trecho  retirado  de  HILGERT,  2009,  p.  226)      "  O  eclipse  será  visível  aqui  no  Brasil  a  partir  das  17:50.  Escolha  um  lugar  em  que  seja  possível  ver  o  horizonte  e  curta  o  espetáculo!"  (Trecho  retirado  de  HILGERT,  2009,  p.  227-­‐8)          

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________  

Com base no estudo de Silva (2009), faremos algumas observações sobre como o trabalho com a oralidade em textos escritos literários é um trabalho que vai muito além do uso de travessões e de aspas. Vejamos o exemplo abaixo:

"À noite, Zeca se sentou na mesa da cozinha e refez as contas. Gás, oitenta e sete e oitenta. Telefone, cinquenta e quatro. Luz, cento e setenta e cinco. Mais isto e mais aquilo. Sempre tinha algo a mais. E se diminuíssemos a carne? Cancelássemos a tv a cabo? Ver meu marido nesse perrengue da porra, recalculando nossas despesas, cortando centavos, acabava comigo." (Trecho do conto "Depilação holandesa" retirado do livro de autoria de Patrícia Melo: Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)

O   trecho   acima   revela   a   opção   da   autora   por   não   marcar   os   possíveis   diálogos,   "falas   internas"   e/ou  monólogos   das   personagens   com   travessões.   A   escritora   prefere   usar   apenas   certos   sinais   de   pontuação  (ponto,  ponto  e  vírgula  e  ponto  de  interrogação)  para  marcar  tanto  o  procedimento  de  fazer  as  contas  como  as  perguntas  que  não  se  sabe,  pelo  tipo  de  marcação  feita,  se  foram  feitas  pelo  marido  ou  pela  mulher  -­‐  a  narradora.   No   entanto,   há   escritores,   como   Luiz   Vilela,   que   são   muito   detalhistas   na   reprodução   das  interações  entre  os  personagens,  assinalando  todo  o  tipo  de  ação  típica  da  interação  face-­‐a-­‐face,  tais  como  a  ocorrência  de  turnos  nucleares42  e  de  turnos  inseridos43,  a  emergência  de  estruturação  sintática  típica  da  fala  e  a  descrição  dos  cortes/interrupções.  Vejamos  um  exemplo  de  um  trecho  de  um  conto  de  Luiz  Vilela44  em  que,  no  diálogo,  aparecem  estruturas  sintáticas  típicas  da  fala45:    

"Claro",  diz  Maca,  "claro  que  não  depende  só  dele;  mas  os  outros  é  mais  fácil  ainda".    "Os  outros?"    "O  Souza,  o  Aderbal,  O  Nenzinho..."    "  Você  acha  que  eles...."    "O  Souza,  por  exemplo:  o  Souza,  eu  dou  uma   leitoa  para  ele;  o  Natal  vem  aí,  quem  resiste  a  uma   leitoinha  nessa  época?      Nós  rimos.    "Já  o  Aderbal...  O  Aderbal  eu  posso  dar  um  peru."    (Trecho  do  conto  "  Más  notícias",  de  Luiz  Vilela,  retirado  de  SILVA,  2009,  p.  169)    

Clique  aqui46  para  ver  um  trecho  de  outro  conto  de  Luis  Vilela  que  exemplifica  o  trabalho  que  o  autor   faz  com  os  turnos  nucleares  (TN)  e  turnos  inseridos  (TI),  assinalados  ao  final  de  cada  turno.      

42 O turno conversacional é uma unidade que diz respeito aos diferentes modos por meio dos quais os interlocutores

participam da construção do diálogo. Os turnos nucleares são aqueles que contribuem para o desenvolvimento da conversação em termos informacionais, ou seja, são os turnos de fala que apresentam conteúdo referencial. (FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p. 105-108)

43 Os turnos inseridos são aqueles em que os falantes fazem breves intervenções que mostram que ele está atento ao que o outro interlocutor está falando, ou está em concordância com o que está sendo dito, dentre outras funções. (FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p. 108)

44 Fonte: http://www.tirodeletra.com.br/biografia/LuizVilela.htm, acesso em 23/02/2012. 45 Podemos dizer que uma estrutura sintática bastante usada na fala é a de Tópico-Comentário, que se distingue da

estrutura canônica Sujeito-Predicado. Nas estruturas Tópico-Comentário, desloca-se para o início do enunciado o tipo de informação sobre o qual se quer chamar a atenção. Exemplos: "a bolsa, ela está em cima da mesa", "o Fernando, eu não te falei dele". Com vimos, é possível chamar a atenção tanto sobre o sujeito de uma sentença, como também sobre o objeto indireto. As gramáticas tradicionais analisam essa estrutura como anacoluto, como uma figura de linguagem, mas, na verdade, ela é uma estrutura sintática legítima tanto do português como de outras línguas.

46Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Preciso_contar_pra_voces.pdf, acesso em 23/02/2012.

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Colocando  o  conhecimento  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Revendo   as   observações   feitas   neste   tópico   sobre   os   índices   de   oralidade   presentes   nos   mais   variados  gêneros  e  textos  escritos,  com  base  nos  estudos  de  Barros  (2002),  é  possível  também  dizer  que:      a)  A  evocação  explícita  do  destinatário  em  certos  textos  escritos  pode  ter  o  objetivo  de  criar  o  que  Barros  (2002)   chama   de   "efeito   de   cumplicidade,   de   aproximação,   de   cooperação"   entre   os   interlocutores   -­‐   por  exemplo,  no  caso  dos  exemplos  de  Machado  de  Assis.    b)  Há  uma  série  de  recursos  presentes  principalmente  no  campo  da  publicidade  que  conseguem  fazer  com  que  gêneros  multissemióticos  impressos  -­‐  tais  como  outdoors  e  anúncios  publicitários  em  revistas  e  jornais  -­‐   "encarnem",   digamos   assim,   práticas   de   linguagem   do   campo   da   oralidade,   mais   especificamente,  aquelas   que   envolvem   a   conversação   cotidiana,   na   qual   predomina   uma   certa   simetria47   entre   os  interlocutores.      c)  Em  outras  palavras,  ao   ler   esse  material,  o  destinatário   tem  a  sensação  de  que  estão   falando   com  ele.  Clique   aqui48   para   ver   apenas   alguns   exemplos   de   trabalho   com   um   recurso   linguístico   (as   pessoas   do  discurso)  que  promovem  os  efeitos  de  identificação,  aproximação,  objetividade  e  simetria  quando  se  entra  em  contato  com  este  tipo  de  material  impresso.    É   neste   sentido   que   podemos   dizer:  mesmo   por   meio   do   impresso   e   da   escrita,   o   banco   (instituição    financeira)  parece  estar  falando  diretamente  com  você,  o  governo  (federal,  estadual  ou  municipal)  parece  estar   falando   com  você,  grandes   redes  de  supermercado,  de   lojas  etc.,   todos  querem  criar  este  efeito  de  que   não   há   distância   entre   essas   instituições   e   cada   indivíduo,   de   que   eles   são   seus   "camaradas",   seus  "amigos",   seus   "velhos   conhecidos".  No   entanto,   sabemos  que   as   relações   entre   os   clientes   e   os   bancos,  entre   os   consumidores   e   as   lojas,   entre   os   contribuintes   e   o   governo   são   assimétricas49   e   distantes,  justamente  o  contrário  do  efeito  que  se  cria  com  a  publicidade  e  propaganda.        

 

47 As relações sociais simétricas caraterizam-se por apresentar uma distribuição razovelmente igualitária de poder entre os

participantes. São exemplos de relações simétricas, as relações entre amigos, as relações entre pessoas que desempenham funções sociais parecidas, as relações entre colegas de trabalho.

48Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP_T1_TP3_P5.jpg, acesso em 23/02/2012.

49 As relações assimétricas se caracterizam pela distribuição não igualitária do poder nas relações sociais. São exemplos de relações assimétricas as relações ente pais e filhos, entre professor e alunos, entre o patrão e seus funcionários, entre chefe e subordinados, entre o estado e seus cidadãos, as relações entre prestadores de serviço e consumidores, entre as forças armadas de um país e a população. Em função disso, leis, estatutos

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Gostaríamos   ainda   de   comentar   o   trabalho   feito   por   muitos   escritores   sobre   o   léxico,   recurso   este   que  auxilia  na  criação  da  verosssimilhança,  fundamental  nos  textos   literários.  Por  exemplo,  o  uso  de  um  léxico  mais   presente   na   oralidade   do   que   na   escrita   pode   indicar   o   estado   de   ânimo   da   personagem,   como  acontece  no  exemplo  anteriormente  mencionado  da  escritora  Patrícia  Melo50:    

"Ver   meu   marido   nesse   perrengue   da   porra,   recalculando   nossas   despesas,   cortando   centavos,  acabava  comigo."  (Trecho  do  conto  "Depilação  holandesa",  retirado  do  livro  de  autoria  de  Patrícia  Melo,  Escrevendo  no  escuro.  São  Paulo:  Rocco,  2011,  p.  105)  

 Em  certas  situações  de  comunicação  relatadas  por  meio  das  narrativas  literárias,  a  língua  falada  "encenada"  é  um  dos  recursos  para  a   revelação  de  conflitos  de   todos  os   tipos.  Sendo  assim,  a  chamada  "presença  da  oralidade  na  escrita"  não  se  dá  apenas  para  construir  efeitos  de  aproximação  e  co-­‐operação  entre  produtor  e   destinatário   de   um   determinado   texto,  mas   se   dá   também  para   que   o   leitor   tenha   a   sensação   de   que  aquela   realidade   que   está   sendo   construída   é   de   fato   verossímel,   verdadeira   dentro   daquele   universo.  Romancistas  fazem  isso  magistralmente.  Vejamos  alguns  outros  exemplos:      

"(...)   Eu   estava   deitado   quando   tiniu   a   campainha   irritante   do   telefone.   Era   Luiza   dizendo  aborrecida,  aquele  advogado  de  nome  ridículo   anda   fazendo  perguntas   imbecis  a  meu   respeito,  coisas  da  minha  vida  particular,  quer  saber  se  minhas  empresas  dão   lucro,  se  as  herdei,   se  estou  seguindo  as  passadas  de  meu  pai,  até  o  meu  pai  o  cretino  quer  meter  nessa  história?  o  sujeito  é  um  idiota  (...)"    (Trecho  retirado  do  livro  de  autoria  de  Rubem  Fonseca,  E  do  meio  do  mundo  prostituto  só  amores  guardei  no  meu  charuto.  São  Paulo:  Companhia  das  Letras,  1997,  p.  78)  

 "Já  são  sete  horas  da  manhã  e  Carimbê  acorda  assustado  quando  ouve  algo:      -­‐  Essa  bosta  virou  hotel  de  cachorro  agora?      Vê  que  é  seu  cunhado  e  responde  envergonhado:    -­‐Oi,  é  que...  eu  cheguei  tarde  e  não  quis  incomodar,  sabe  né,  acordar  vocês  e...    -­‐  Tá  bom,  foi  bom  mesmo  não  me  acordar  porque  se  não  ia  ter,  mas  já  que  você  está  aqui,  daqui  a  pouco  vai  chegar  um  caminhão  de  pedra...  (...)"    (Trecho  retirado  do  livro  de  autoria  de  Ferréz,  Capão  Pecado.  São  Paulo:  Labortexto  Editorial,  2000,  p.  130)  

 

 

50 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Patr%C3%ADcia_Melo, acesso em 20/02/2012.

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Finalizando  ________________________________________________________________________________________    Por  fim,  gostaríamos  de  dar  alguns  exemplos  de  como  a  escrita  literária  já  está  fazendo  experimentação  com  uma  outra  escrita  que  está  literalmente  "colada"  nas  práticas  orais:  a  escrita  dos  meios  digitais.  No  caso  dos  trechos  abaixo,  a  escritora  Patrícia  Melo  marca  em  itálico  as  sms  trocadas  entre  a  protagonista  do  conto  e  narradora  em  1a.  pessoa  (Fernanda)  e  sua  amiga  (Dani):        "Dani  me  manda  sms  a   toda  hora,  onde  você  se  meteu?,  Estamos  fazendo  a  unha.  Pintei  as  unhas  de  azul  chocante.  Estamos  em  casa  nos   arrumando.   Estamos   saindo   para   almoçar   no   Demo."   E   nós  dois  rodando  pelo  bairro,  e  agora  o  cara  vem  me  dizer  que  tudo  o  que  tenho  que  fazer  é  concordar  com  ele.  (Trecho  do  conto  "Eu  te  amo",  retirado  do  livro  de  autoria  de  Patrícia  Melo,  Escrevendo  no  escuro51.  São  Paulo:  Rocco,  2011,  p.  65)      "Logo  que  cheguei  a   casa  dele,  onde  havia  pilhas  e  pilhas  de   livros  de  álgebra  e  um  monstro  da   raça  São  Bernardo,   hibernando   num   canto,   ele   me   perguntou,   depois   de   me   oferecer   vinho,   se   eu   era   mesmo  estudante  de  Psicologia.  Quer  fazer  o  teste  do  Freud?  Perguntei.  Ele  nem  riu.  Demo  bombando.  Todo  mundo  aqui.  Gabizinha,  Bel,  Lia,  Ka,  Dedé,  Sofi,  Nina,  Paulinha,  até  a  chata  da  Nat  está  aqui  com  a  prima  baranga  dela,  a  paulista  estressada  que  brigou  com  a  Gi  na  hora  de  dividir  o  táxi  hahaha."    (Trecho  do  conto  "Eu  te  amo",  retirado  do  livro  de  autoria  de  Patrícia  Melo,  Escrevendo  no  escuro.  São  Paulo:  Rocco,  2011,  p.  67)      Ainda   há   muitos   outros   recursos   usados   por   quem   escreve   para   "invocar"   a   oralidade   em   situações   de  comunicação  em  que  o  meio  gráfico  é  aquele    utilizado  para  o  estabelecimento  da  interação  entre  leitor  e  produtor,  entre  consumidor  e  prestador  de  serviço,  entre  o  governo  e  seus  cidadãos.      Vimos  aqui  apenas  alguns.  Vimos  também  que  não  há  uma  única  maneira  de  se  marcar  os  diálogos  entre  as  personagens.   Uma   boa   motivação   para   fazer   os   alunos   escreverem   seria   justamente   pedir   a   eles   que  pesquisassem  em   textos   literários   ou   em   textos   publicitários   as   formas   de   se   "manipular"   a   oralidade   na  escrita.   Uma   última   ideia:   pedir   que   eles   escrevam   diferentes   textos   procurando   trazer   a   oralidade   para  dentro  da  escrita.          

 

51Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/mundolivro/2011/10/29/patricia-melo-autografa-livro-de-contos/?topo=13,1,1,,,77,

acesso em 23/02/2012.

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Finalizando  o  tópico  ________________________________________________________________________________________    Ao  longo  deste  Tema  vimos  que:      a)   oralidade   e   escrita   são   práticas   sociais   que   se   diferenciam   basicamente   pelo   modo   de   produção:   a  primeira  é  produzida  pelo  meio  sonoro  e  a  segunda  é  produzida  pelo  meio  gráfico;    b)  oralidade  e  escrita  são  práticas  sociais  que  não  estão  em  oposição,  mas  são  complementares  entre  si;    c)   oralidade   e   escrita   variam   (não   são   as   mesmas);   por   exemplo,   nossos   textos   orais   cotidianos   são  planejados  e  verbalizados  ao  mesmo  tempo,  ou  seja,  apresentam  um  processamento  on   line;   já  os   textos  orais  produzidos  por  certos  jornalistas,  por  atores,  por  "experts"  e  por  certos  politicos,  por  exemplo,  podem  apresentar   um   grau   de   planejamento   diferenciado,   sendo,   muitas   vezes,   submetidos   a   alguma   pré-­‐formatação  que,  por  sua  vez,  pode  estar  relacionada  a  práticas  de  escrita;        d)  os  textos  e  gêneros  produzidos  na  modalidade  oral  da  linguagem  resultam  de  um  conjunto  de  estratégias  que  viabilizam  a  sua  produção;    e)   quando   falamos,   fornecemos   informações   sobre   a   nossa   identidade   social   e   também   sobre   as   nossas  diversas  competências  em  nos  comunicarmos  com  pessoas/públicos  diferentes  em  situações  distintas.      f)   quando   escrevemos,   também   podemos   trazer   a   oralidade   para   dentro   da   escrita   por   meio   de   vários  recursos:  pontuação,  manipulação  das  fontes  das  letras,  apelo  direto  ao  interlocutor  por  meio  do  trabalho  com  as  pessoas  do  discurso,  seleção  lexical.    g)  por  isso  é  possível  dizer  que  toda  escrita  apresenta  o  que  Paul  Zumthor  fala:  um  índice  de  vocalidade,  de  oralidade;    h)  nos  gêneros  concebidos  para  serem  impressos,  também  é  possível  ocorrer  a  elaboração  de   identidades  sociais  em  função  de  propósitos  comunicativos  específicos.  ________________________________________________________________________________________    

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Ampliando  o  conhecimento  1  ________________________________________________________________________________________    

Como   você   pode   notar,   professor(a),   nosso   Tema   1   foi   bastante   baseado   no  livro   de   Luiz   Antônio   Marcuschi   Da   fala   para   a   escrita:   Atividades   de  retextualização,  de  2001.  A  leitura  integral  do  livro  seria  indicada.          Apresentação:   Este   livro   de   Luiz   Antônio  Marcuschi,   pesquisador   e   professor  titular  de  Linguística  da  Universidade  Federal  de  Pernambuco,  apresenta  uma  visão  nova,   rigorosa  e   sistemática  das   relações   entre   fala   e   escrita   e   constrói  um   modelo   operacional   para   o   tratamento   das   estratégias   realizadas   na  passagem  do   texto   falado  para  o   texto  escrito.  O  princípio  geral   subjacente  à  obra  é  a  visão  não  dicotômica  das  relações  entre  a  oralidade  e  escrita.        

     

     

 Outra  indicação  interessante  é  o  material  elaborado  pelo  Centro  de  Estudos  em  Educação  e  Linguagem  -­‐  CEEL,  da  Universidade  Federal  de  Pernambuco  (UFPE),  voltado  para  as  práticas  dos  professores  e  editado  pela  Autêntica,  em  2005.  A  coletânea  foi  organizada  por  Luiz  Antônio  Marcuschi  e  Ângela  Paiva  Dionísio.    Apresentação:  A  distinção  entre   fala  e  escrita   vem  sendo   feita  na  maioria  das  vezes   de   uma   maneira   ingênua   e   numa   contraposição   simplista.   As  posições  continuam   preconceituosas   para   com   a   oralidade.   Por   isso,   julgamos  importante   explicitar   tanto   a   perspectiva   teórica   das   abordagens   como   as  noções  centrais  de  oralidade  e  letramento;  fala  e  escrita,   língua;  gênero,  texto,  multimodalidade,   interação,   diálogo   e   muitas   outras.   Tratamos   da   produção  textual  falada  e  escrita  e  observamos  o  funcionamento  da  língua  em  sociedade.          Você  pode  baixar  o  livro  na  íntegra  clicando  aqui.52  

     

52Fonte: http://www.ceelufpe.com.br/e-books/Fala_Escrita_Livro.pdf, acesso em 10/03/2011.

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Ampliando  o  conhecimento  2  ________________________________________________________________________________________  WEBGRAFIA      Alguns  TEXTOS  interessantes  podem  ser  obtidos  na  Internet,  tais  como:      

BOTELHO,  J.  M.  Entre  a  oralidade  e  a  escrita:  um  contínuo  tipológico.  Cadernos  do  CNLF,   Série   VIII,   nº   7,   s/p.   Disponível   em:  http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-­‐05.html,   acesso   em  26/02/2011.          GALVÃO,  A.  M.  O.;  BATISTA,  A.  A.  G.  Oralidade  e  escrita:  uma  revisão.  Cadernos  de  Pesquisa,   v.   36,   nº   128,   p.   403-­‐432,   maio/ago   2006.     Disponível   em:  http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a07,  acesso  em  26/02/2011.      

 Também  alguns  VÍDEOS  podem  interessar:      ENTRE  A  IMAGEM  E  A  PALAVRA  -­‐  COLEÇÃO  LUIZ  ANTONIO  MARCUSCHI    SINOPSE:   Trecho   do   vídeo   "Entre   a   imagem   e   a   palavra:   reflexões   sobre   fala,   escrita   e   ensino",   parte  integrante  da  Coleção  Luiz  Antonio  Marcuschi,  iniciativa  do  Programa  de  Pós-­‐Graduação  em  Letras  da  UFPE.  Direção/Edição:  Augusto  Noronha  e  Karla  Vidal.  Seleção  de  imagens:  Angela  Paiva  Dionisio.  Obras  Utilizadas:  Programa  Mídia  Café  -­‐  TV  UNISINOS  -­‐  São  Leopoldo/RS,  Fala  e  Escrita.  Realização:  Ministério  da  Educação  e  CEEL/UFPE;  Produção:  D7  Filmes;  Apoio:  UFPE  -­‐  Recife/PE,  III  SIGET  -­‐  Simpósio  Internacional  de  Estudos  de  Gêneros  Textuais.    Para  acessar,  clique  nas  imagens53:    

 

       

 

 

 

53 Parte 1. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew, acesso em 20/02/2012.

Parte 2. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=6y9xK-9bbcw, acesso em 20/02/2012.

Parte 3. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=UqSfGyR1ERA, acesso em 20/02/2012.

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Ampliando  o  conhecimento  3    Finalmente,  para  melhor  poder  acompanhar  a  comparação  entre  o  comentário  radiofônico  de  Arnaldo  Jabor  sobre  o  filme  "O  Segredo  de  Brokeback  Mountain"  e  a  correspondente  crônica  escrita  e  publicada  no  Jornal  O  Globo,   seria   interessante   assistir   ao   filme,   não   é?   Tenho   certeza   de   que   você   vai   gostar,   pela   delicada  abordagem  da  questão  que  o  filme  constrói.  Veja  alguns  dados  a  respeito:    

 

SINOPSE  Dois   caubóis   se   conhecem   no   interior   do   Wyoming,  onde   cuidam  de  um   rebanho  de  ovelhas.   Lá   surge  um  amor   mútuo   que   será   compartilhado   durante   os   20  anos   seguintes,   em   intervalos   irregulares,   mesmo  depois   de   casados,   cada   um   com   sua  mulher   e   filhos.  Indicado  a  oito  Oscar  2006.      FICHA  DO  FILME  Título  original:  Brokeback  Mountain  Diretor:  Ang  Lee  Elenco:   Heath   Ledger,   Jake   Gyllenhaal,   Michelle  Williams  Gênero:  Drama  Ano:  2005  Cor:  Colorido  Classificação:   Não   recomendado   para   menores   de   16  anos  País:  EUA    Para  ler  uma  RESENHA,  clique  aqui54.  Veja  o  TRAILER,  clicando  aqui55.  

 

54 Fonte: http://www.omelete.com.br/cinema/o-segredo-de-brokeback-mountain/, acesso em 10/03/2011. 55 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ysuEta5MolY, acesso em 10/03/2011.

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Referências  bibliográficas    ________________________________________________________________________________________    BARROS,  D.  L.  P.  Interação  em  anúncios  publicitários.  In:  D.  PRETI.  (Org.).  Interação  na  fala  e  na  escrita.  São  Paulo:  Associação  Editorial  Humanitas,  2002,  v.  05,  p.  17-­‐44.      FÄVERO,   L.   L.;   JUBRAN,  C.C.A.S.;  HILGERT,   J.G.   et   alli.   Interação  em  diferentes   contextos.   In:  A.C.  BENTES;  M.Q.  LEITE   (Orgs.)  Linguística  de   texto  e  análise  da  conversação:  panorama  das  pesquisas  no  Brasil.   São  Paulo:  Cortez  Editora,  2010,  p.  91-­‐158.      HILGERT,  J.  G.  A  oralidade  em  textos  de  divulgação  científica  para  crianças.  In:  D.  PRETI.  (Org.).  Oralidade  em  textos  escritos.  São  Paulo:  Associação  Editorial  Humanitas,  2009,  v.  10,  Pp.  217-­‐248.        KOCH,  I.  V.  O  texto  e  a  construção  dos  sentidos.  São  Paulo:  Contexto,  1997.      LEITE,   M.   Q.   Oralidade,   escrita,   gênero   e   mídia:   Entrelaçamentos.   In:   D.   PRETI.   (Org.).   Oralidade   em  diferentes  discursos.  São  Paulo:  Associação  Editorial  Humanitas,  2006,  v.  8,  Pp.  85-­‐110.      MARCUSCHI,  L.  A.    Da  fala  para  a  escrita:  Atividades  de  retextualização.  São  Paulo:  Editora  Cortez,  2001.  1ª.  ed.      SILVA,  L.  A.  Oralidade  em  contos  de  Luiz  Vilela.  In:  D.  PRETI.  (Org.).  Oralidade  em  textos  escritos.  São  Paulo:  Associação  Editorial  Humanitas,  2009,  v.  10,  p.  151-­‐187.      TRASK,  R.   L.  Dicionário  de   Linguagem  e   Linguística.  São  Paulo:  Contexto,   2004.   Tradução  e  adaptação  de  Rodolfo  Ilari.      ZUMTHOR,  P.  Introdução  à  poesia  oral.  Belo  Horizonte,  Minas  Gerais:  Editora  da  UFMG,  2010.          

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Tema:   2.   O   trabalho   com   gêneros   orais:  teoria  e  prática    

Tópico  1:  O  trabalho  com  gêneros  orais  formais  na  escola    

Um  início  de  conversa  ________________________________________________________________________________________    

Trabalhar  com  gêneros   textuais  na  escola  é  uma  das   tarefas  mais  exigidas  dos  professores  hoje.    Desde  que  os  Parâmetros  Curriculares  Nacionais  foram  publicados,  em  1997,  os  gêneros   textuais   transformaram-­‐se  em  um  dos  principais   objetos   escolares  no  ensino  de  Língua  Portuguesa      Como  já  vimos  na  disciplina  LP003,  os  gêneros  e  os  textos  que  são  exemplares  de   cada   gênero   são   entidades   de   natureza   flexível,   maleável,   mas   também  apresentam   uma   grande   estabilidade,   porque   servem   para   a   organização   dos  conhecimentos  e  para  a  regularização  das  diferentes  práticas  de  linguagem  das  diferentes  esferas  sociais  no  interior  das  quais  são  produzidos.      Por  isso,  neste  Tema  2,  vamos  dar  continuidade  a  algumas  das  discussões  feitas  na  disciplina  LP003,  mas  agora,  com  o  foco  na  compreensão  da  importância  do  trabalho  com  gêneros  orais.      Para  tanto,  vamos  trabalhar  com  dois  gêneros   importantes  dentro  e  fora  da  escola:  a  exposição  oral56  e  o  debate57.  Escolhemos  esses  dois  gêneros  porque:    

• eles  se  configuram  como  gêneros  orais  formais  públicos58;  • eles   dificilmente   podem   ser   aprendidos   e   exercitados,   em   suas   versões   mais   formais,   fora   da  

escola;  • eles  são  um  dos  mais  poderosos  instrumentos  de  inserção  social  e  de  exercício  da  cidadania.  

 Neste   Tema,   vamos   procurar   apresentar   alguns   procedimentos   importantes   que   podem   servir   de  instrumento  para  o  trabalho  com  os  gêneros  orais  formais  públicos  na  sala  de  aula:    a)   observação   dos   sujeitos   na   situação   imediata   de   produção   de   um   determinado   exemplar   do   gênero  estudado;  b)  reflexão  sobre  os  mais  importantes  elementos  do  exemplar  do  gênero  estudado.    ________________________________________________________________________________________    

56 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=hn4isQPqOvA, acesso em 08/03/2011. 57 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=GBe3BVxHh8E, acesso em 08/03/2011. 58Os gêneros orais formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e

implicam um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para dominá-los. São, em grande parte, pré-definidos, “pré-codificados” por convenções que os regulam e que definem o seu sentido institucional. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004[1998], p. 147)

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Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    Nosso  principal  ponto  de  partida  para  o  trabalho  com  gêneros  na  escola  é  o  seguinte  princípio,  elaborado  por  Schneuwly  e  Dolz  (2004[1997],  p.  69):      

Toda  introdução  de  um  gênero  na  escola  é  o  resultado  de  uma  decisão  didática  que  visa  a  objetivos  precisos  de  aprendizagem  que  são  sempre  de  dois  tipos:    -­‐  trata-­‐se  de  aprender  a  dominar  o  gênero  para  melhor  conhecê-­‐lo  ou  apreciá-­‐lo,  para  melhor   saber   compreendê-­‐lo,  para  melhor  produzi-­‐lo  na  escola  ou  fora  dela;    -­‐  e,  em  segundo  lugar,  de  desenvolver  capacidades  que  ultrapassam  o  gênero   e   que   são   transferíveis   para   outros   gêneros   próximos   ou  distantes.      

Ao  longo  deste  Tema,  como  vimos,  discutiremos  algumas  das  complexidades  que  envolvem  a  produção  de  dois   gêneros   orais   formais   públicos:   a   exposição   oral   e   o   debate.   No   entanto,   para   transformá-­‐los   em  objetos  de  ensino,  é  preciso  que  tenhamos  claro  que  devemos  trabalhar  com  eles  com  base  nas  seguintes  ações:    

• observação  do  exemplar  do  gênero  em  questão;  • sistematização  de  suas  principais  características;  • compreensão  dos   fatores  que  possibilitam   sua   compreensão   (intencionalidade59,   aceitabilidade60,  

situacionalidade61);    • conhecimentos  prévios  dos  alunos  sobre  o  gênero;    • produção  do  gênero  na  sala  de  aula.    

________________________________________________________________________________________  

59 A intencionalidade está relacionada ao fato de que, para que uma manifestação linguística qualquer seja considerada

como um texto, é necessário que haja uma intenção por parte do produtor de que ela apresente coesão e coerência. 60 A aceitabilidade é a contrapartida da intencionalidade, já que um texto somente poderá ser considerado como tal se para

os interlocutores ele tiver alguma utilidade ou relevância. 61 A situacionalidade está relacionada à inserção do texto numa determinada situação comunicativa. A situação

comunicativa interfere na maneira como o texto é constituído e o texto, por sua vez, também possibilita determinados impactos sobre a situação comunicativa mais imediata e mais ampla.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Em  geral,  quando  falamos  de  gêneros  orais  formais  públicos,  não  pensamos  em  um  tipo  de  fala  como  a  de  Daniel  Godri  a  que  você  acabou  de  assistir.      Pensamos   logo  que  uma  palestra  é  um  tipo  de   fala  pública  muito  formal.  No  entanto,  a  fala  de  Daniel  Godri,  presidente  do  Instituto  Brasileiro   de  Marketing,   formado   em   Administração   e   com   pós-­‐graduação  em  Metodologia  do  Ensino  Superior,  é  verdadeiramente  uma  palestra.      E  por  que  não  seria?  Por  que  estamos  trazendo  essa  palestra  para  começar   a   falar   sobre   o   trabalho   com   gêneros   orais   formais  públicos  na  aula  de  Língua  Portuguesa?      Em   primeiro   lugar,   porque,   apesar   de  Daniel   Godri  mobilizar   uma   série   de   recursos   de   forma   a   criar   um  ambiente  de  proximidade  entre  o  palestrante  e  a  plateia,  essa  fala  pode  ser  qualificada  como  uma  palestra,  isto  é,  a  fala  de  alguém  que  é  especialista  em  algo  e  que  vai  nos  transmitir  uma  série  de  informações  sobre  um  tema  que  não  dominamos  e  sobre  o  qual  desejamos  saber  mais.      Sendo  assim,  um  gênero  oral  formal  público  como  uma  palestra  pode  ser  produzido  sem  criar  um  efeito  de  afastamento   entre   orador   e   plateia/público.   Aliás,   é   exatamente   por   isso   que   alguns   palestrantes   fazem  muito  sucesso:  porque  conseguem  criar  um  ambiente  de  descontração  e,   com   isso,  produzem  um  grande  envolvimento   do   público,   de   forma   que   este   pode,   então,   ficar   completamente   concentrado   em   sua  performance.          

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    É  exatamente  esse  o  caso  de  palestras  como  de  Daniel  Godri62.  Ele  faz  com  que  nos  concentremos  em  sua  performance  por  muitas  razões.  Vamos  falar  de  algumas  delas.          

(Clique  aqui63  para  ver  a  transcrição  dos  minutos  iniciais  da  fala)    I.   Em  primeiro   lugar,   porque   ele   usa   a   seu   favor   (como  palestrante)   e   em   favor   dos   conteúdos   que   quer  passar,   toda   a   natureza   multissemiótica   da   fala.   Vamos   lembrar   o   que   isso   quer   dizer   neste   contexto  específico?  Quer  dizer  que  ele   trabalha,  manipula,  por  exemplo,   recursos  da  voz,  que  possibilitam  que  os  conteúdos  sejam  "emoldurados"  por  sentidos  sociais  específicos.  Assim,  enquanto  ele  fala,  ele  não  apenas  fala,   mas   trabalha,   modula   sua   voz   para   que   ela   deixe   transparecer   suas   emoções   (alegria,   tristeza,  empolgação   etc.)   em   relação   ao   que   está   dizendo.   Daniel   Godri   também  manipula   a   sua   prosódia64,   de  forma  a   falar  mais  devagar  ou  mais  rápido,  mais  alto  ou  mais  baixo,  quando   lhe   interessa,    e  ainda  dando  modulações  à  sua  voz  de  forma  a  enfatizar  os  momentos  de  transição  entre  as  diferentes  partes  do  texto.      II.   A   natureza   multissemiótica   da   fala   também   pode   ser   percebida   nessa   palestra   porque   o   palestrante,  enquanto   fala,   apresenta   variadas   expressões   faciais   e   uma   gestualidade   bastante   treinada   (ver,   por  exemplo,  os  momentos  em  que  ele  usa  o  ato  de  assoprar  o  balão  como  uma  forma  de  pontuar  partes  do  texto   e   também  de   enfatizar   determinados   conteúdos),   que   complementa   aquilo   que   está   sendo   falado.  Além  disso,   a  movimentação   corporal   do   palestrante   é   também  bastante   ensaiada   (ver,   por   exemplo,   os  momentos  em  que  ele  sobe  e  desce  uma  escada).      III.  Todas  essas  outras  linguagens  (qualidade  da  voz,  recursos  prosódicos  -­‐  velocidade  de  fala,  ritmo  de  fala,  entoação   -­‐,   gestualidade,   expressividade   facial   e   corporal),   combinadas   com   a   linguagem   verbal,   formam  esse  quadro  multissemiótico  da  palestra.  Ou  seja,  quando  falamos,  nos  damos  a  ver  aos  outros  e  não  apenas  nos  fazemos  ouvir.      IV.   O   recurso   discursivo  mais   importante   trabalhado   por   Daniel   é   a  metáfora   de   pessoas   "bola  murcha"  versus   pessoas   "bola   cheia".   Essa   comparação,  que  é   trabalhada  ao   longo  do   texto,  e  a   caracterização  de  cada   um   destes   "tipos"   por   meio   de   encenações   específicas   é   o   principal   recurso   discursivo   que   dá   a  estruturação  do  texto.  Essa  metáfora  é  presentificada  pelo  objeto  balão  que  fica  na  mão  do  orador  durante  sua  fala.    ________________________________________________________________________________________    

62 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Z9h0lRMlgAI, acesso em 08/03/2011. 63Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_

generos_variedades/Transcricao_daniel_godri_LP006.pdf, acesso em 08/03/2011. 64 "Variações em altura, volume, ritmo e tempo (velocidade de emissão) durante a fala. [...] Os fenômenos prosódicos são

notoriamente difíceis de estudar, mas progressos consideráveis foram feitos no estudo de pelo menos alguns deles. Ainda assim, alguns manuais elementares de fonética e fonologia só raramente discutem os traços prosódicos com algum grau de detalhe." (TRASK, 2004, p. 242) Na sala de aula, um importante trabalho com os recursos prosódicos envolveria o incentivo à auto-observação da velocidade de fala (fala rápida & fala ralentada & fala lenta) e das possibilidades de variação ou modulação da altura da voz nos diferentes contextos de produção de fala. Por exemplo, a velocidade de fala e as variações na altura da voz - entoação - no contexto de leitura de um texto podem e devem ser bem diferentes das de uma encenação/performance do mesmo texto.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3    

 V.  O  texto  oral  de  Daniel  Godri  é  também  muito  bem  organizado  e  é  construído  por  meio  de  alguns  recursos  que  facilitam  a  sua  memorização.  A  estrutura  composicional  do  texto  pode  ser  descrita  como  dividida  em  três  partes:        a)  de  como  se  pode  ser  um  "bola  cheia";    b)  de  como  se  pode  ser  um  "bola  murcha";  e      c)  de  como  é  difícil  se  manter  um  "bola  cheia"  sem  "estourar".            VI.  Os  recursos  textuais  mais  usados  por  Daniel  Godri  são  as  recorrências65  de  termos66,  de  estruturas67  e  de  conteúdos  e  as  sequências  dialogais68  que  envolvem  um  "você"  genérico  e  outras  personagens,  sendo  que  o  orador   coloca   em   cena   ou   apenas   um   deles   ou   os   dois   ao   mesmo   tempo   (ver,   por   exemplo,   o   diálogo  imaginário  deste  "você"  com  a  mãe,  o  diálogo  entre  um  "bola  cheia"  ("você")  e  um  "bola  murcha"  e  as  falas  de   diferentes   personagens   -­‐   o   chefe,   o   colega,   o   cliente,   a  mulher,   o   filho,   a   sogra   -­‐   dirigidas   ao   "você"  genérico).  Esse  "você"  genérico  é  também  um  recurso  textual  importante  porque  cada  um  dos  membros  da  plateia  pode  se  identificar  pessoalmente  com  ele  a  cada  vez  que  é  enunciado.      VII.  Por   fim,  a  encenação  dos  diálogos  confere  ao   texto  oral  um  "ar  de  conversa"  entre  o  palestrante  e  o  público  ("você").      

(Clique  aqui69  para  ver  a  transcrição  dos  minutos  iniciais  da  fala)        

65 Recurso textual importante para a estruturação dos textos que consiste no uso reiterado/repetido de termos, de estruturas

e de conteúdos. 66 Um exemplo de recorrência de termos presente no texto oral de Daniel Godri é o reiterado uso da expressão "mãe",

iniciando vários enunciados durante um certo trecho do texto. 67 No texto de Daniel Godri, alguns exemplo de recorrência de estruturas são o uso de "você começa a" (cinco vezes) e

também de "o bola murcha não quer que você ...., ele quer que você ..." (duas vezes). 68 Como vimos na disciplina LP003, sequências dialogais são aquelas nas quais "as enunciações encontram-se localizadas

em turnos de fala, que são naturalmente emparelhados sob a forma de intercâmbios bipartidos e ligados, entre si, por uma certa tematicidade. (PASSEGI et al., 2010, p. 294). No caso do texto de Daniel Godri, as sequências dialogais ocorrem quando ele encena esses turnos de fala, performatizando, por exemplo, um diálogo entre "você" e "sua mãe" ou ainda performatizando diálogos entre "você" e um "bola murcha".

69Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Transcricao_daniel_godri_LP006.pdf, acesso em 08/03/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4    

 Voltemos,  então,  a  Schneuwly  e  Dolz  (2004[1997],  p.  143):      A  ação  de  falar  realiza-­‐se  com  a  ajuda  de  um  gênero,  que  é  um  instrumento  para  agir  linguisticamente.  É  um  instrumento  semiótico,  constituído  por  signos  organizados  de  maneira  regular;  esse  instrumento  é  complexo  e  compreende  diferentes  níveis.  Eis  porque  o  chamamos  de  "megainstrumento",  para  dizer  que  se  trata  de  um  conjunto  articulado  de  instrumentos,  um  pouco  como  uma  fábrica.  Mas  fundamentalmente  se  trata  de  um  instrumento  que  permite  realizar  uma  ação  em  uma  situação  particular.  E  aprender  a  falar  é  apropriar-­‐se  dos  instrumentos  para  falar  em  situações  de  linguagem  diversas,  isto  é,  apropriar-­‐se  de  gêneros.    Considerando  a  definição  acima,  podemos  nos  perguntar:  qual  ação  Daniel  Godri   realizou  por  meio  desse  trecho   de   sua   palestra?   As   palestras   de   Daniel   Godri   e   esta   que   vimos   parece   que   pretendem  fundamentalmente   "motivar"   a   pessoa   que   a   ouve/vê.   Por   isso,   o   nome   de   suas   palestras:   "palestras  motivacionais".      É   em   função   desse   objetivo   principal   que   os   recursos   antes   descritos   são   mobilizados,   manipulados,  manejados  pelo  orador.   Sendo  assim,   suas  palestras  não  vão   implicar  em  explicações  mais   técnicas   sobre  um  dado  tema,  como  seria  o  caso  da  palestra  científica.  Seu  objetivo  maior  é  o  de  aproximar  e  envolver  seu  público  de  forma  a  revelar-­‐lhe  uma  "verdade"  e  de  forma  a  fazer  com  que  cada  um  dos  seus  interlocutores  acredite  na  sua  "mensagem":  a  de  que  se  deve  ser  um  "bola  cheia",  mas  sem  se  deixar  "estourar".      Sendo  assim,  um  gênero  oral  formal  público,  como  a  palestra,  pode  apresentar  muitos  formatos,  de  acordo  com  sua  esfera  de  circulação.  No  caso  estudado,  o  que  chama  a  atenção  são  os  recursos  que  possibilitam  a  aproximação   e   o   envolvimento   do   público   com   o   palestrante.   Chama   mais   atenção   ainda   a   linguagem  informal70   da   palestra   e  mobilização   de   uma  metáfora   popular71   como   principal   recurso   de   estruturação  textual-­‐discursiva.      No   entanto,   mesmo   não   sendo   uma   palestra   prototípica,   a   palestra   de   Daniel   Godri   nos   mostra   como  alguém  que   se  propõe  a   falar   em  público  por  meio  de  um  determinado  gênero   tem  a   sua  disposição  um  variado   conjunto   de   recursos   de   natureza   multissemiótica   que   possibilitam   aos   gêneros   orais   formais  públicos  exercerem  um  fascínio  muito  especial  em  relação  àqueles  aos  quais  são  dirigidos.          

70 No próximo tópico, nos concentraremos em observar a variação linguística que pode acontecer em função de vários

fatores e dimensões sociais. A informalidade na fala derivaria de uma conjugação de fatores tais como o tipo de relação entre os participantes da interação (próxima ou distante) e o status (alto ou baixo) de cada um. Assim, a linguagem informal emerge quando estamos "relaxados" ou "livres de pressões". Na linguagem informal, podemos, por exemplo, fazer uso de contrações ("cê"), de marcadores conversacionais ("né", "aí"), de gírias etc.

71 "Bola murcha" & "Bola cheia"

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   Finalizando...  ________________________________________________________________________________________    Ao  longo  desse  tópico,  aprendemos  que:      a)   Os   gêneros   orais   formais   públicos   apresentam   sempre   uma   natureza   multissemiótica   (texto   verbal,  prosódia,  modulação  da  voz,  gestualidade,  movimentação  corporal,  expressões  faciais  etc.);    b)   Os   gêneros   orais   formais   públicos   tais   como   a   palestra   apresentam   muitos   formatos,   ou   seja,   são  variáveis,  de  acordo  com  sua  esfera  de  circulação;    c)  Uma  palestra,  que  é  um  gênero  oral  formal  público,  pode  apresentar  uma  linguagem  informal;    d)  Uma  palestra  é  um  gênero  oral  formal  público  porque  é  previamente  planejada,  pensada,  sendo  que  cada  um  dos  recursos  que  a  compõem  e  que  parecem  ser  tão  naturais  e  espontâneos  resultam,  na  verdade,  de  um  trabalho  sobre  as  diferentes  linguagens  para  um  fim  específico;  e    e)   O   ensino   de   gêneros   orais   formais   públicos   pressupõe   que   os   observemos   e   que   procuremos  compreender  -­‐  para  podermos  ensinar  -­‐  como  sua  natureza  multissemiótica  contribui  para  a  construção  dos  sentidos,  e  por  meio  de  quais  recursos  e  formatações.      ________________________________________________________________________________________    

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Tópico  2:  Trabalhando  com  a  exposição  oral  Um  início  de  conversa  ________________________________________________________________________________________    

No  Tópico  anterior,  vimos  que  um  exemplo  clássico  de  exposição  oral,  como  a  palestra  motivacional   de  um  especialista   em  marketing   pessoal,   pode   ter  um   formato   pouco   canônico,   mas,   ainda   assim,   é   um   gênero   oral   formal  público  porque:    

• é  previamente  planejado  de  forma  a  conseguir  surtir  determinados  efeitos  em  seus  ouvintes;  e  

• é  produzida  por  alguém  considerado  um  especialista  em  um  campo  específico  do  conhecimento.    

 Neste   Tópico   2,   vamos   trabalhar   mais   especificamente   com   a   caracterização   da   exposição   oral   e   vamos  retomar  alguns  pressupostos  que  devem  ser  considerados  ao  se  trabalhar  com  a  linguagem  oral  na  sala  de  aula.      Para  tanto,  vamos  fazer  o  seguinte:      

• em   um   primeiro   momento,   vamos   trabalhar   com   a   comparação   entre   a   palestra   que   vimos   no  tópico  anterior  e  uma  coluna  radiofônica  de  Mauro  Halfeld,  especialista  em  Economia  que  tem  um  quadro  na  Rádio  CBN;  e  

• em  um  segundo  momento,   vamos   retomar  alguns  pressupostos   teóricos   sobre  o   trabalho   com  a  linguagem  oral  em  sala  de  aula,  mais  especificamente,  o  trabalho  com  a  exposição  oral.    

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Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    Vamos  ouvir  o  áudio  de  Mauro  Halfeld,  economista  que  tem  um  quadro  e/ou  coluna  radiofônico/a  na  Rádio  CBN,   na   parte   da   manhã,   no   qual   responde   a   perguntas   dos   ouvintes   sobre   questões   de   economia  doméstica.  Vamos  acompanhar  o  áudio72  com  a  transcrição73  e  vamos  tentar  refletir  a  partir  das  seguintes  perguntas:      

• Quais   as   principais   diferenças   entre   a   fala   de  Mauro  Halfeld  e  a  fala  de  Daniel  Godri?  

 • Avalie   essas   diferenças   considerando   os   seguintes  

aspectos:      

1. A  velocidade  da  fala  -­‐  Quem  fala  mais  pausadamente?  Por  quê?    2. A  altura  da  voz  -­‐  Quem  fala  mais  alto?  Por  quê?    3. O  vocabulário  -­‐  Quem  usa  vocabulário  técnico?  Por  quê?    4. Planejamento  do  texto:  Qual  texto  apresenta  uma  maior  grau  de  improvisação?  Por  quê?    

 

   

72Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/mauro-halfeld/2011/03/04/MUDEI-DE-CIDADE-E-VENDI-O-

APARTAMENTO-COMPRO-OUTRO-OU-INVISTO-E-VIVO-DE-ALUGUEL.htm, acesso em 08/03/2011. 73Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_

generos_variedades/TranscricaoHalfeld.pdf, acesso em 08/03/2011.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    O  que  aproxima  os  dois  gêneros  orais  formais  públicos  com  os  quais  tivemos  contato  até  agora,  a  palestra  e  o  quadro  e/ou  coluna  radiofônico/a  de  Mauro  Halfeld  na  Rádio  CBN?      Em   primeiro   lugar,   ambos   são   proferidos   por   especialistas.   Esta   é   uma  primeira  característica  das  exposições  orais:  o  produtor  é  um  especialista  que  fala,  em  geral,  porque  alguém  lhe  pede  uma  explicação  e/ou  instrução  sobre  um  dado  tema  e/ou  procedimento.      Em   segundo   lugar,   vejamos   o   que   dizem  Dolz   e   Schneuwly   (2004[1998],   p.  147)  sobre  os  gêneros  orais  formais  públicos:    

Os  gêneros  orais   formais  públicos   constituem  as   formas  de   linguagem  que  apresentam   restrições  impostas   do   exterior   e   implicam,   paradoxalmente,   um   controle   mais   consciente   e   voluntário   do  próprio   comportamento   para   dominá-­‐las.   São,   em   grande   parte,   pré-­‐definidos,   "pré-­‐codificados"  por  convenções  que  os  regulam  e  que  definem  o  seu  sentido  institucional.  Mesmo  que  se  inscrevam  numa   situação   de   imediatez,   já   que   muito   frequentemente   a   produção   oral   se   dá   em   face   dos  outros,   as   formas   institucionais   do   oral   implicam   modos   de   gestão   mediados,   que   são  essencialmente  individuais.  Exigem  antecipação  e  necessitam,  portanto,  preparação.  

 Podemos   agora   compreender   melhor   que   os   dois   gêneros   formais   públicos   aos   quais   tivemos   acesso,   a  palestra   de   Daniel   Godri   e   o   quadro   e/ou   coluna   radiofônico/a   de  Mauro  Halfeld   na   CBN,   possuem   uma  segunda  característica  em  comum:  são  previamente  planejados.      

   

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Então,   tanto   a   palestra   de   Daniel   Godri   como   a   coluna   radiofônica   de   Mauro   Halfeld   compartilham     as  seguintes  características:    a)  são  gêneros  orais  formais  públicos;    b)   são   formas   de   exposição   oral,   caracterizadas   por   serem   proferidas   por   um   especialista   sobre   um  determinado  tópico  de  interesse  do  público  a  quem  se  destina;  e    c)   são   textos   de   natureza   instrucional   (seja   isso,   faça   aquilo),   mas   que  mobilizam   variados   recursos   que  acabam  por  não  deixar  explícita  essa  natureza  instrucional.      No  entanto,  esses  dois  gêneros  se  diferenciam  em  função  de  alguns  aspectos  que  envolvem  a  situação  mais  imediata  de  produção:      a)  são  veiculados  por  diferentes  meios:  o  audiovisual  (no  caso  da  palestra)  e  o  sonoro  (no  caso  do  quadro  ou  da  coluna  radiofônico/a);    b)   discorrem   sobre   tópicos   distintos:  motivação   pessoal   (no   caso   da   palestra)   e   economia   doméstica   (no  caso  do  quadro  radiofônico);  e    c)   pressupõem  diferentes  públicos:   profissionais   em   formação   continuada,  no   caso  da  palestra,   e  público  adulto  que  quer  aconselhamento  sobre  temas  de  economia  doméstica,  no  caso  da  coluna  radiofônica.      ________________________________________________________________________________________    

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Essas   diferenças   possibilitam   um   grande   impacto   sobre   o   texto   oral   produzido.   Quais   são   alguns   dos  aspectos  desse  impacto?      a)   em   função   dos   diferentes   meios   de   veiculação   (audiovisual   ou   sonoro),   a   fala   de   cada   um   dos  especialistas  apresenta  características  bastante  distintas:  fica  mais  pausada,  menos  alta  e  mais  planejada  no  caso   do   quadro   radiofônico;   e  mais   rápida,  mais   alta   e   com  um   grau  maior   de   improvisação,   no   caso   da  palestra;   além   disso,   os  outros   recursos  multissemióticos   (gestualidade,  movimentação   e   expressividade  corporal   e   facial)   são   fundamentais   para   a   construção   dos   sentidos   na   palestra   mas   não   podem   ser  mobilizados  no  quadro  radiofônico,  materializado  em  ondas  sonoras.      b)  em   função  dos  diferentes   tópicos   sobre  os  quais  os  especialistas  discorrem,  o   léxico   se  apresenta  bem  diferente:   na   palestra,   não   há   a   presença   de   um   vocabulário   técnico;   bem   ao   contrário,   são  mobilizadas  metáforas   populares   e   um   conjunto   de   palavras   que   estão   presentes   na   fala   coloquial   e/ou   informal;   no  quadro  radiofônico,  um  vocabulário  mais  especializado  é  mobilizado.      c)   em   função   dos   diferentes   públicos,   os   recursos   textuais   são   diferenciados:   na   palestra,   predomina   a  exemplificação  por  meio  da  encenação  de  diálogos  porque  se  quer  envolver  e  motivar  o  público;  no  quadro  radiofônico,  em  função  da  necessidade  de  se  fazer  um  esclarecimento  para  uma  dúvida,  as  sequências  são  expositivas,  nas  quais  há  o  predomínio  das  explicações   (é  bom  comprar  uma  moradia  porque   é  o  melhor  investimento).      

 

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Considerando  que  o  planejamento  prévio  é  uma  das  características  fundamentais  dos  gêneros  orais  formais  públicos,   podemos   dizer   que   ambos   os   gêneros   analisados   envolvem   atividades   de   retextualização.   E,  provavelmente,  na  direção  da  escrita  para  a  fala,  mas  também  da  fala  para  a  fala.      Essa  questão  nos  leva  a  perguntar:      

•  O  quanto  a  fala  de  Mauro  Halfeld  é  apenas  uma  leitura  de  um  texto  escrito,  já  que  ninguém  o  está  vendo?  •  O  quanto  a  palestra  de  Daniel  Godri  foi  previamente  "ensaiada"?  Na  tentativa  de  responder  a  essas  questões,  vamos  pensar:      Quando  vamos  fazer  uma  fala  pública  (quando  somos  demandados  por  nossos  amigos,   por   exemplo,   a   fazer   um   pequeno   discurso   em   homenagem   a   um  aniversariante,  amigo  em  comum),  ensaiamos  antes  ou  não?  Escrevemos  algo  (um  roteiro  ou  mesmo  um  texto  inteiro)  antes  ou  não?  

 Provavelmente,   a   resposta   é   sim.   E   provavelmente   o   nosso   discurso   de   homenagem   será   uma  retextualização  tanto  do  "ensaio"  quanto  do  texto  ou  do  roteiro  (caso  tenhamos  feito  um).    Por  isso  é  que  dissemos,  no  Tema  1,  que  não  há  uma  relação  de  oposição  entre  as  duas  modalidades,  oral  e  escrita.  Mas  sim,  que  elas  são  complementares,  ou  seja,  elas  contribuem  de  forma  prática  para  a  produção  dos  textos  dos  gêneros.      

   

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Sendo  assim,  se  considerarmos  as  observações   iniciais  dos  gêneros  que  fizemos,  podemos   levantar  alguns  pressupostos   do   trabalho   com  a   oralidade   na   sala   de   aula,  mas,  mais   especialmente,   os   pressupostos   do  trabalho  com  os  gêneros  orais  formais  públicos:      

• Trabalhar  a  oralidade  não  apenas  como  um  meio  para  a  exploração  de  diversos  outros  objetos  de  ensino   -­‐   a   leitura,   a   produção   de   textos   escritos   e   o   tratamento   de   aspectos   gramaticais   -­‐,  mas  como  um  objeto  de  ensino  por   si  mesmo:  ensinar   a  performar  a   fala   formal  e  pública   (MENDES,  2005).    

• Trabalhar  a  oralidade  e,  principalmente,  os  gêneros  orais  formais  públicos,  como  formas  efetivas  de  comunicação  que  são,  ao  mesmo  tempo,  legítimos  objetos  de  ensino.    

• Considerar   a   oralidade   não   em   termos   de   diferenças   estanques   em   relação   à   escrita,   mas  trabalhando  suas  diferentes  funcionalidades  e  possibilidades  de  interrelação  entre  ambas.    

• Trabalhar  a  oralidade  (ou  os  textos  escritos  profundamente  influenciados  pela  oralidade)  não  como  um   lócus   privilegiado   para   uma   reflexão   sobre   possíveis   "erros"   ou   impropriedades,   passando  quase  que  imediatamente  à  correção  desses  mesmos  erros  ou   impropriedades.  É   importante  que  percebamos   que   a   correção   gramatical   é   usada   de   forma   estratégica   nos   gêneros   orais   formais  públicos.   O  melhor   exemplo   disso   é   a   fala   de   Daniel   Godri,   que   apresenta   uma   série   de   "erros"  gramaticais  que   jamais   seriam  corrigidos  por   seu  público,   já  que,   sem  esses   "erros",   sua   fala  não  seria  considerada  envolvente  e  o  efeito  de  proximidade  com  o  público  desapareceria.    

• Não  enfatizar  excessiva  e  predominantemente  o  trabalho  com  o  que  poderíamos  chamar  de  uma  "oralidade  higienizada  e  normalizada",  que  privilegia  o  exercício  de  práticas  orais  cultas  e  formais.  Se   entendemos   que   os   gêneros   orais   e   escritos   se   situam   em   um   continuum,   não   há   porque  trabalhar   apenas   com   as   pontas   desse   contínuo.   A   chamada   "oralidade   padrão"   é   produzida   em  contextos   muito   especiais   e   somente   podemos   chegar   a   ela   de   forma   gradual,   considerando   a  relação   de   aproximação,   contraste   e/ou   conflito   com   outras   práticas   orais,   mais   coloquiais   -­‐  privadas  ou  públicas  -­‐,  menos  formais  -­‐  privadas  ou  públicas  (BENTES,  2010;  2011).    

 

 

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________    

Uma   sugestão  de   trabalho   com  a   linguagem  oral   e   com  a  produção  gradual  e  contínua  de  exposições  orais  curtas,  dependeria  da  eleição  de  novos  objetos  de  ensino.  Por  exemplo,  o  estudo  de  Azanha  (2008),  intitulado   "Gêneros   televisivos   na   escola:   A   co-­‐construção   dos  sentidos  nas   interações  de  alunos  do  ensino  médio",  mostrou  que  a  exploração   dos   gêneros   midiáticos   como   notícias,   comentários   e  entrevistas  televisivas,  com  o  objetivo  principal  de  fazer  com  que  os  alunos   construam,   de   forma   colaborativa   e   conjunta,   os  conhecimentos   sobre   os   sentidos   veiculados   nesses   e   por   esses  gêneros,  contribui  para  que,  em  primeiro  lugar,  os  alunos  aprendam  a  ouvir   o   outro.   Trabalhar   com   o   campo   da   oralidade   pressupõe  necessariamente  a  contínua  "apuração  do  ouvido".  

 Além  disso,  o  referido  estudo  também  mostra  que,  quando  colocados  em  uma  situação  de  interação  mais  simétrica   (sem  a   intervenção,  mas   com  a   supervisão  do  professor)   e  no   contexto  de  um  grupo  menor  de  participantes  (de  quatro  a  seis  pessoas),  os  alunos  passam  a  ter  uma  postura  diferenciada:  envolvem-­‐se  com  a   atividade   de   linguagem   proposta,   elegem   o   outro   como   interlocutor   legítimo   (o   que   tem   um   impacto  imediato   na   maneira   como   formulam   e   reformulam   sua   produção   discursiva),   apresentam   uma   atitude  colaborativa   em   relação   ao   que   os   interlocutores   dizem   e   também   conseguem  discordar   e/ou   entrar   em  conflito  com  o(s)  outro(s)  de  forma  polida.    Sem   falar   que   os   alunos   passam   a,   de   fato,   exercitar   e   refletir   sobre   as   outras   linguagens   próprias   dessa  situação  comunicativa  específica  (direcionamento  do  olhar,  gestualidade  e  expressão  facial).    A   eleição  de  novos  objetos  de  ensino   -­‐   a   própria   aula,   os   gêneros  midiáticos   (radiofônicos,   televisivos  ou  cinematográficos)  e  digitais  (vídeos  e  áudios  da  Internet)  -­‐  é  de  importância  vital  para  que  o  trabalho  com  a  fala/oralidade  surta  os  efeitos  desejados  por  todos.      

   

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Finalizando...  ________________________________________________________________________________________    Vimos   até   aqui   que,   com  base   em  Dolz   e   Schneuwly   (2004[1998],   p.   146-­‐147)   e   em  Dolz,   Schneuwly,   De  Pietro  e  Zahnd  (2004[1998],  p.  185-­‐187),  podemos  dizer  que:      I.  A  noção  de  oral  formal  adotada  até  aqui  nada  tem  a  ver  com  prescrições  normativas  ("certo"  ou  "errado")  em  termos  de  pronúncia,  de  verbalização  de  palavras  ou  de  enunciados.  "As  características  do  oral  formal  decorrem  das  situações  e  das  convenções  ligadas  aos  gêneros."  (p.  146)      II.  Os  gêneros  orais  realizados  em  público  (conto  oral,  palestra,  debate,  quadros  (radiofônicos  ou  televisivos)  etc.)  são  diferentes  linguística  e  discursivamente  e  seus  graus  de  formalidade  dependem  do  lugar  social  de  comunicação   no   interior   dos   quais   os   gêneros   se   realizam   (rádio,   televisão,   igreja,   escola,   universidade,  administração  etc.).  (p.  146)      III.  Os  gêneros  orais  formais  públicos  devem  ser  trabalhados  na  sala  de  aula  de  Língua  Portuguesa,  porque  o  papel  da  escola  é  fazer  com  que  os  alunos  ultrapassem  as  formas  cotidianas  de  produção  oral,  levando-­‐os  a  confrontar  essas  suas  formas  cotidianas  de  produção  oral  com  outras  formas  mais  institucionais.  (p.  147)      IV.   Essas   formas   orais   mais   institucionais,   fortemente   definidas   e   reguladas   do   exterior,   dificilmente   são  aprendidas  sem  uma  intervenção  didática.  (p.  147)      V.  A  exposição  oral  pressupõe  um  especialista  que  vai  falar  para  um  público  que  espera  aprender  algo  com  ele.  (p.  186)      VI.  O  papel  do  expositor-­‐especialista  é  o  de  transmitir  um  conteúdo,  ou,  dito  de  outra  forma,  de  informar,  de   esclarecer,   modificar   os   conhecimentos   dos   ouvintes   nas   melhores   condições   possíveis,   procurando  diminuir  a  assimetria  de  conhecimentos  que  distingue  o  especialista  do  seu  público  (p.  186)      VII.  A  exposição  oral  é  altamente  planejada  (em  vários  níveis)  e  exige  que  o  especialista  organize  o  texto  de  forma  a  que  este  apresente  uma  progressão  temática  clara  e  coerente  em  função  da  conclusão  visada.  (p.  187)      

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Atividade  autocorrigível  3  ________________________________________________________________________________________    Leia  com  atenção  os  enunciados  abaixo:      I.   A   noção   de   oral   formal   proposta   pela   escola   genebrina   nada   tem   a   ver   com   prescrições   normativas  ("certo"  ou  "errado")  em  termos  de  pronúncia,  de  verbalização  de  palavras  ou  de  enunciados.    II.   Os   gêneros   orais   realizados   em   público   como   por   exemplo   o   conto   oral,   a   palestra,   o   debate   etc.   são  diferentes  linguística  e  discursivamente  e  apresentam  diferentes  graus  de  formalidade.    III.  O  objetivo  do  trabalho  com  os  gêneros  orais  formais  públicos  é  o  de  levar  os  alunos  a  confrontarem  suas  formas  cotidianas  de  produção  oral  com  outras  formas  mais  institucionais.    IV.  Os  gêneros  orais  formais  públicos  são  adquiridos  espontaneamente.    V.  A  exposição  oral  pode  ser  feita  por  qualquer  pessoa,  mesmo  que  não  esteja  preparada  para  desempenhar  tal  tarefa.          Agora  escolha  a  alternativa  correta  e  pouse  o  cursor  sobre  o  marcador  da  alternativa  escolhida  (letra)  para  conferir  suas  respostas:    a)74  Apenas  II,  III  e  V  estão  corretas;    b)75  Apenas  I,  III  e  V  estão  corretas.    c)76  Apenas  I,  III  e  IV  estão  corretas;    d)77  Apenas  I,  II,  III  e  IV  estão  corretas;    e)78  Apenas  I,  II  e  III  estão  corretas;      

74 Incorreta 75 Incorreta 76 Incorreta 77 Incorreta 78 Correta porque as alternativas IV e V são incorretas.

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Tópico  3:  Trabalhando  com  o  gênero  debate    Um  início  de  conversa  1  ________________________________________________________________________________________    Neste  Tópico,  iremos  abordar  um  outro  gênero  oral  formal  público,  constitutivo  das  práticas  de  linguagem  das  diferentes  mídias  (televisiva,  radiofônica,  digital  etc.)  e  também  constitutivo  das  práticas  de  linguagem  de  muitas  outras  instituições  (escola,  igreja,  câmara  de  deputados,  assembléia  sindical,  fórum  criminal  etc.):  o  debate.      

Como  vimos  até  aqui,  tanto  nas  disciplinas  anteriores  como  nesta  disciplina,  um  gênero  textual,  seja  ele  produzido  oralmente,  por  escrito   ou   por   uma   mescla   dessas   duas   (ou   de   outras)  modalidades,   seja   ele   veiculado   midiaticamente   ou   não,   pode  apresentar   formatos   bastante   distintos,   apesar   de   ser  reconhecido,   muitas   vezes   intuitivamente,   em   função   de   sua  nomeação,  de  sua  rotulação.      Vimos  que  um  gênero   textual  como  a  palestra  pode  apresentar  uma   linguagem   bem   descontraída   e   pode   estar   focada  principalmente   no   envolvimento   do   ouvinte   com  o   palestrante,  

de   forma   que   os   conteúdos   informacionais   novos   são   concisamente   apresentados,   como   foi   o   caso   da  palestra  de  Daniel  Godri  que  analisamos  no  Tópico  anterior.      Vimos   também   que,   tanto   na   palestra   de   Daniel   Godri   como   no   quadro   radiofônico   de   Mauro   Halfeld,  determinados   recursos   prosódicos   são   manipulados   pelos   especialistas   para   que   determinados   objetivos  sejam  atingidos  (envolver  o  ouvinte,  esclarecer  uma  questão).  Assim,  a  produção  desses  gêneros  não  pode  ser   desvinculada   do   domínio   desses   recursos   prosódicos   e   de   outros   recursos   semióticos   que   sejam  necessários.      Vamos   trabalhar   com   o   gênero   debate   e   observar   como   ele   é   produzido   em   uma   mídia:   a   televisiva.  Analisaremos  dois  exemplares  de  um  mesmo  programa,  observando  que  eles  se  diferenciam  um  do  outro  em  função  da  temática  e  observando  também  como  essas  diferenças  causam  impactos  sobre  a  linguagem  e  sobre  a  produção  textual  de  seus  participantes.      ___________________________________________________________________________________  

 

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Um  início  de  conversa  2  ________________________________________________________________________________________    Partiremos  da  proposta  de  Dolz,  Schneuwly  e  De  Pietro  (2004[1998])  para  o  trabalho  com  o  gênero  debate  público  na  sala  de  aula  de  língua  materna.  Os  autores  concebem  esse  gênero,  dentre  outros  aspectos,  como  a  explicitação  e  a  negociação  dos  motivos  de  cada  um  em  um  contexto  de  defesa  de  um  ponto  de  vista,  de  uma  escolha  ou  de  um  procedimento  de  descoberta.      Para  os  autores,  um  pressuposto  importante  em  relação  ao  trabalho  com  o  gênero  debate  é  o  fato  de  que  este   gênero,   além   de   ser   predominantemente   oral,   possibilita   aos   alunos   o   desenvolvimento   das  capacidades   (orais   ou   escritas)   envolvidas   na   defesa   de   um   ponto   de   vista,   de   uma   escolha   ou   de   um  procedimento  de  descoberta.  Algumas    dessas  capacidades  comunicativas  específicas  são:      a  gestão  da  palavra  entre  os  participantes;  a  escuta  do  outro;  a  retomada  do  discurso  do  outro  em  suas  próprias  intervenções  etc.      Sendo  assim,  os  autores  afirmam  que:      

o  debate  coloca  em  jogo  capacidades  fundamentais,  tanto  do  ponto  de  vista  linguístico  (técnicas  de  retomada   do   discurso   do   outro,  marcas   de   refutação   etc.),   cognitivo   (capacidade   crítica)   e   social  (escuta  e  respeito  pelo  outro),  como  do  ponto  de  vista  individual  (capacidade  de  se  situar,  de  tomar  posição,  de  construção  de  identidade).  (p.  214)  

 Os  autores   fazem  questão  de   ressaltar  que  a   sua  proposta  de   trabalho  com  o  gênero  debate  encontra-­‐se  fundamentada  em  numerosas  teorias  da  argumentação  (o  que  implica  uma  atenção  especial  em  relação  aos  diversos  tipos  de  argumento,  às  diversas  formas  de  refutação,  ao  papel  dos  conectivos  e  dos  marcadores  de  orientação   argumentativa),   mas   também   sobre   estudos   que   dão   importância   ao   papel   exercido   pelo  mediador  e  que  focam  a  construção  coletiva,  interativa  dos  sentidos.        ___________________________________________________________________________________  

 

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Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    Como  ponto  de  partida,  tomaremos  a  classificação  que  Dolz,  Schneuwly  e  De  Pietro  (2004[1998])  propõem,  com  base  em  vários  estudos   sobre  o  gênero  debate,   com  vistas  ao   trabalho  em  sala  de  aula.  Os   tipos  de  debates  elencados  pelos  autores  são:  o  debate  de  opinião  de  fundo  controverso,  o  debate  deliberativo  e  o  debate  para  a  resolução  de  problemas.    O  debate  de  opinião  de   fundo  controverso  diz   respeito  a  crenças  e  opiniões  não  visando  a  uma  decisão,  mas  a  uma  colocação  em  comum  das  diversas  posições,  com  a  finalidade  de  influenciar  a  posição  do  outro,  assim   como   de   precisar   ou   mesmo   modificar   a   sua   própria.   Nesse   sentido,   o   debate   representa   um  poderoso  meio   não   somente   de   compreender   um   assunto   controverso   por   suas   diferentes   facetas,   mas  também  de  forjar  uma  opinião  ou  de  transformá-­‐la.  (p.  215)    

   O  debate  deliberativo,  no  qual  a  argumentação  visa  a  uma  tomada  de  decisão,  é  necessário  cada  vez  que  há  escolhas  ou  interesses  opostos.  Nesse   caso,   o   debate   pode   propiciar   a   emergência   de   soluções  originais,  que   integram  posições  anteriormente  opostas.  Os  exemplos  podem   ser   os   seguintes:   "Aonde   ir   na   viagem   de   formatura"?   "Que  livros   ler   coletivamente?"   "Deve-­‐se   fazer   uma   festa   para   recolher  fundos  para  ajudar  na  construção  de  uma  escola  no  Haiti?"  (p.  215)      

 O  que  está  em  jogo  no  debate  para  a  resolução  de  problemas  é  a  busca  de  soluções,  a  partir  da  gestão  do  conjunto   de   saberes   distribuídos   (em   geral,   de   forma   parcial   e   assimétrica)   pelo   grupo   de   debatedores.  Exemplos  de  questões  que  possibilitam  esse  debate  em  sala  de  aula:   "Por  que  acontece  o  eclipse   lunar?"  "Uma  maçã  é  jogada  do  alto  do  mastro.  Ela  cai  perto  ou  longe  do  mastro?"  (p.  216)  ________________________________________________________________________________________    

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    Vejamos  agora  um  exemplo  de  debate  televisivo  sobre  o  tema  "Namorar  ou  ficar?  Qual  a  melhor  escolha?".  O  tema  é  refraseado  logo  no  início  pelo  apresentador:  "Namorar  é  melhor  do  que  ficar?".      

79    O  Programa  tem  por  objetivo   trazer   temas  que  possam  ser  debatidos  pelo  público   jovem  e  que  sejam  de  interesse  desse  público.    Agora,  vamos  refletir:      

• Qual  o  perfil  social  dos  debatedores  que  são  chamados  a  participar  desse  programa?    • Qual  o  perfil  social  do  moderador?    • Quais  são  as  razões  para  que  sejam  esses  os  perfis  sociais  para  a  composição  do  programa  e  para  

fazer  esse  debate?    • Como  o  programa  dá  voz  ao  público?    • Considere  os  três  tipos  de  debate  apontados  por  Dolz,  Schneuwly  e  De  Pietro  (2004[1998]).  Você  

classificaria  este  debate  do  Programa  "Fala  aí"  como  qual  dos  três  tipos?    ________________________________________________________________________________________    

79 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=hmnXxFvtxnQ, acesso em 08/03/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Você  deve  ter   respondido  que  se  trata  de  um  debate  de  opinião  de   fundo  controverso.  Pois  bem,  é  com  esse  tipo  de  debate  que  vamos  trabalhar,  pois  ele  garante  a  base  central  para  os  outros  tipos  de  debate.  De  forma  a  trabalhar  com  esse  primeiro  tipo  de  debate,  vamos  analisar,  de  forma  bem  geral,  o  formato  desse  gênero,   o   programa   de   debate   veiculado   pela   televisão.   Apesar   de   termos   visto   apenas   10   minutos   de  programa,  foi  possível  perceber  que  o  programa  se  estrutura,  em  sua  parte  inicial,  da  seguinte  forma:    

 (Clique  na  imagem80  para  ampliá-­‐la)  

 Em  primeiro   lugar,  é   importante  perceber  o  papel  do  animador/moderador.  É  dele  a   responsabilidade  de  receber   os   convidados   e   de   moderar   o   debate,   fazendo   perguntas   que   os   "desafiam"   a   emitirem   suas  opiniões  sobre  o  tema  em  pauta.  Além  disso,  ele  deve  também  controlar  o  tempo  de  fala  de  cada  um.  É  também  importante  considerar  que  o  meio  (a  televisão)  é  responsável  pela  rapidez  com  que  cada  parte  do  programa  é  executada.  Isso  é  importante  de  ser  ressaltado  porque  isso  implica  em  habilidades  especiais  por  parte   do   apresentador/moderador  André  Marinho,   por   parte   dos   convidados   e   por   parte   dos   jovens   que  participam  do  programa:  eles  precisam  falar  de  forma  bastante  fluente81,  rápida  mesmo,  sem  a  presença  de  muitas  pausas  (preenchidas  ou  não).      Outro  ponto  importante  de  ser  ressaltado  é  que  o  apresentador/moderador  André  Marinho  mobiliza  muitos  recursos   linguísticos   e   de   organização   textual82   de   forma   a   deixar   seu   texto   oral   com   uma   cara   menos  "formal",   assim   como   acontece   na   palestra   de   Daniel   Godri.   Mas,   como   já   dissemos,   os   gêneros   orais  públicos  formais  não  podem  ser  compreendidos  a  partir  de  uma  visão  normativa  (de  certo  ou  errado),  mas  sim   considerando   a   situação   comunicativa   implicada   e   as   convenções   genéricas   constitutivas   de   sua  produção  e  recepção.    ________________________________________________________________________________________  

80Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_or

al_generos_variedades/LP_D6_T2_I10_.jpg 81 Vamos nos lembrar do Tópico 1, onde analisamos a fala da apresentadora da entrevista em contraste com a fala do

entrevistado. Percebemos que o tipo de planejamento da fala da apresentadora (o que implica um treinamento profissional) foi o responsável pela diferença entre a fala dela e a do entrevistado, mesmo que ambas as falas apresentassem um grau maior de planejamento do que outras falas em contextos mais cotidianos e/ou informais.

82 No caso dos vários textos de apresentação e de saudação produzidos por André Marinho, podemos chamar a atenção para o uso de marcadores conversacionais ("bom", "olha", "então"), de gírias comuns, de recursos prosódicos (por exemplo, ênfase - maior altura da voz - em determinadas palavras) e semióticos (gestualidade, expressões faciais e corporais).

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Voltando  ao  vídeo  do  Programa  "Fala  Aí",  podemos  dizer  que  a  segunda  parte  do  programa  é  aquela  na  qual  o  público  e  os  participantes  são  convidados  a  emitirem  suas  opiniões  sobre  o  tema  em  questão.          

 (Clique  na  imagem83  para  ampliá-­‐la)  

 Sobre   essa   segunda   parte,   importa   dizer,   em   primeiro   lugar,   que   o   papel   do   apresentador/moderador  continua  sendo  de  fundamental  importância  para  a  introdução  e  para  a  condução  do  tópico.    a)   depois   da   abertura   dessa   segunda   parte   feita   por   Samiro,   um   jovem  de   22   anos,   André  Marinho   fala:  "beleza   maravilha   (   )   a   galera   tem   a   oportunidade   de   expressar   sua   opinião...   então   é   isso   aí   brother  também  concordo  acho  muito  interessante...",  retomando  a  fala  do  jovem  e  concordando  com  ela;    b)  em  seguida,  ao  fazer  a  pergunta  para  o  primeiro  convidado,  retoma  novamente  a  fala  do  jovem  Samiro,  fazendo  a  seguinte  paráfrase:  "tá  certo  que  o  namorar  ...  primeiro  você  começa  com  o  ficar...";    c)  ao  fazer  a  pergunta  para  a  terceira  convidada,  a  psicóloga  Miriam  Marsicky,  André  Marinho  fala  "exato",  concordando  com  a  fala  anterior  da  jovem  jornalista;  e  continua:  "doutora...  em  se  tratando  de  psicologia..  por  exemplo....  eu  falei/o  Nico  falou  ....  aquela  questão  de  de  repente  beijar  duas  ou  três  pessoas  na  mesma  noite  ...  em  se  tratando  de  psicologia  ...  o  que  isso  pode  influenciar  na  cabeça  da  juventude?";  aqui  podemos  observar   que,   para   fazer   a   pergunta   para   a   psicóloga,   o   apresentador/moderador   retoma   um   ponto  levantado84  por  ele  mesmo  e  respondido/comentado  por  Nico  Marcondes.    ________________________________________________________________________________________  

83Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_or

al_generos_variedades/LP_D6_T2_I11.JPG 84Sobre o comportamento dos jovens de beijar mais de uma pessoa na mesma noite.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Um  segundo  ponto  importante  de  ser  ressaltado  é  o  papel  dos  participantes   (jovens  e  convidados).  Ainda  sobre   esse   trecho   do   programa   "Fala   Aí",   é   possível   perceber   que   todos   os   convidados   explicitam   suas  opiniões  ao  longo  e  ao  final  de  seus  discursos.  Vejamos  um  resumo  das  opiniões  do  jovem  e  dos  convidados:    

 (Clique  na  imagem85  para  ampliá-­‐la)  

 Além   disso,   eles   também   entram   no   "clima"   de   debate   proporcionado   pelo  moderador,   respondendo   às  suas  "provocações":      Nico  Marcondes:   ....  principalmente  para  jovens  aí  a  partir  de  14  até  18  anos  ...  você  tá  num  momento  de  descoberta  da  vida  ...  e  eu  acho  que  beijar  é  muito  bom  muito  saudável...  então  eu  acho  que  ficar  limpo  ...  dar  beijinho  na  boca  ...  fazer  experimentos  ...  beijar  duas  ou  três  mulheres  ou  vice-­‐versa      André  Marinho:  não  na  mesma  noite  (risos)      Nico  Marcondes:   então   eu   acho   que   o   ficar   (interrupções   de   André)   eu   acho   saudável   (interrupções   do  André)  pois  é..  eu  acho  saudável  na  mesma  noite  ficar...  dar  um  beijinho  sem  compromisso...      ________________________________________________________________________________________  

85Fonte:/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP_D6

_T2_I12.JPG, acesso em 23/03/2012

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 Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Além  disso,  em  geral,  tanto  o  jovem  que  abre  a  segunda  parte  do  programa  como  os  convidados  procuram  fundamentar  suas  opiniões  por  meio  de  sequências  descritivas  ou  expositivas.  Vejamos  dois  exemplos:    Samiro:   ...   na  minha   opinião   ficar   é   o   que   há   porque   a   pessoa   não   pode  começar   a   namorar   sem   antes   ficar   com   ela   pra   poder   conhecer   e   tal  (sequência  expositiva)      Miriam  Marsicky:   ...   então   tem   o   ficar   o   transar   e   o   namorar...   então   eu  acho  que  o  ficar  hoje  para  o  jovem  é  um  conhecer  ...  tá..  se  conhecer  pra  ver  se  realmente  a  relação  vai  dar  certo  (sequência  descritiva)      Por   fim,   eles   também   procuram   marcar   suas   posições   pelo   uso   de  marcadores   de   refutação86   e/ou   de   concordância87.   Por   exemplo,   ao  responder   a   pergunta   de   André   Marinho   ("Você   também   pensa   assim  também,  Mayara?"),  a  locutora  de  rádio  Mayara  Gonçalves,  começa  sua  fala  assim:      Mayara  Gonçalves:  eu  penso  mais  ou  menos  assim  ...  eu  acho  que  o  que  ele  falou  é  muito  importante...    No  caso  do  início  da  fala  da  jornalista,  ela,  ao  mesmo  tempo  em  que  não  concorda  completamente  com  a  fala   do   outro   convidado   ("eu   penso  mais   ou  menos   assim"),   também   faz   um  movimento   de   valorização  dessa  mesma  fala  ("o  que  ele  falou  é  muito  importante").      Todos  os  exemplos  nos  mostram  que  o  debate  de  opinião  de  fundo  controverso  é,  de  fato,  um  locus  muito  importante  de  observação  de  como  os  sujeitos  negociam  e  coconstroem  os  sentidos,  de  forma  a  manter  ou  transformar   uma  opinião,   um  ponto   de   vista.  Os   procedimentos   exemplificados   são   fundamentais   para   a  caracterização  do  gênero,  como  já  vimos  no  contato  com  os  pressupostos  de  Dolz,  Schneuwly  e  De  Pietro  (2004[1998]).        ________________________________________________________________________________________  

86 A refutação de um argumento pode ser compreendida como a ação de negar (mesmo que parcialmente) ou não

concordar com o argumento exposto pelo outro interlocutor. Uma das marcas de refutação mais explícita é o uso do próprio "não" ou de "não... mas" antes da enunciação do argumento que vai se opor ao argumento apresentado.

87 Os marcadores de concordância estão relacionados à ação de concordar com um argumento exposto pelo outro interlocutor. Um dos marcadores de concordância mais usados é o "isso" ou o "isso mesmo".

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 Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________    Agora,  vamos  ver  mais  um  vídeo  do  mesmo  Programa,  sobre  outro  tema.  Interessa-­‐nos  neste  vídeo  analisar  como  a  natureza  polêmica  do   tema  modifica   a   interação  entre  o  moderador   e   os   convidados   e   entre  os  convidados.      

88    Uma   primeira   diferença   entre   este   programa   sobre   o   tema   "Maioridade   penal   aos   16   anos"   e   o   outro  programa  sobre  o  tema  "Ficar  ou  namorar?  Qual  a  melhor  escolha?"  é  o  tempo  de  apresentação  do  tema.  Neste  programa,  o  tema  é  apresentado  durante  quase  2  minutos,  enquanto  que  no  outro  programa,  o  tema  é  apresentado  em  aproximadamente  1  minuto.    Uma   segunda  diferença   reside  no  grau  de   informatividade  do   texto   inicial   do  apresentador.  No   seu   texto  oral,  André  Marinho  fornece  um  conjunto  de  informações  mais  detalhadas  sobre  o  tema,  diferentemente  do  que  acontece  no  outro  programa.  O  apresentador  faz  alusão  ao  um  dos  importantes  direitos  do  jovem  de  16  anos  no  Brasil,  o  direito  ao  voto,  contrapondo  esse  fato  ao  de  que  o  jovem  brasileiro  de  16  anos  não  pode  ter   carteira   de   habilitação.   Em   seguida,   apontando   um   aprofundamento   do   que   ele   julga   ser   uma  contradição  ("a  situação  fica  mais  complicada"),  o  moderador  levanta  o  problema  dos  crimes  cometidos  por  jovens  com  menos  de  18  anos.  A  partir  de  então,  começa  a  fornecer  um  conjunto  de  dados  sobre  como  são  as  leis  em  outros  países  no  que  diz  respeito  a  essa  matéria.  Os  dados  oferecidos  já  induzem  a  se  pensar  que  a  proposta  de  redução  da  maioridade  penal  é  um  erro.  ________________________________________________________________________________________  

88 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=GI4y2vbqsPU, acesso em 08/03/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  6  ________________________________________________________________________________________    É  justamente  contra  essa  orientação  argumentativa89  implementada  já  no  início  do  programa  que  o  primeiro  convidado,  o  advogado  Ari  Friendebach,  se  insurge,  criando  um  ambiente  de  posições  antagônicas  no  início  do  programa,  já  que  vai  discordar  explicitamente  não  das  informações  em  si,  mas  da  interpretação  dada  a  essas   informações.   Vejamos   o   trecho   no   qual   o   advogado   explicita   a   sua   crítica   ao   tipo   de   informação  fornecida  pelo  moderador  na  abertura  do  programa:    Ari  Friendebach:  ...  você  tem  alguns  dados  que  eu  achei  muito  interessante  mas  me  deixa  ...  meio  intrigado  ...  você  diz  de  que  em  sete  anos  de  endurecimento  de  leis  nos  estados  unidos  a  criminalidade  entre  jovens  aumentou  em  três  vezes   ...  é   ...  eu  acho  assim  que  esse  dado  ...   falta  um  pouco  de  melhor  análise  dele   ...  porque  assim  ...  a  única  leitura  que  eu  posso  fazer  disso  é...  então  quer  dizer  que  os  jovens  ficaram  bravos  porque  a  lei  ficou  mais  dura?  Interrompendo  o  advogado,  André  Marinho  se  posiciona:    André  Marinho:  é  porque  é  na  verdade  ele  se  aplica  na  cultura  ...  né  americana  estados  unidos  ...  e  talvez  ...  um  dentro  daquela  cultura  deles   isso  tenha  acontecido  ...  mas  não  significa  que  num  país  como  o  nosso  o  Brasil  isso  também...  por  causa  do  endurecimento...  isso  também  deva  acontecer....    Em  resposta  à  intervenção  de  André  Marinho,  o  advogado,  então,  aprofunda  sua  crítica:    Ari  Friendebach:  não  ...  e  é  exatamente  isso  o  que  eu  quero  dizer  ...  o  que  acontece  a  gente  fala  dados  de  vários  países  ...  e  cada  país  tem  uma  realidade  completamente  diferente...    André  Marinho:  uma  realidade...  cultura...  formação    Ari  Friendebach:  a  gente  não  pode  falar  da  cultura  japonesa  comparar  com  o  que  acontece  aqui  no  Brasil  ...    É   importante   perceber   que   o   tema,   os   dados   fornecidos   pelo   moderador   na   abertura   do   programa   e   a  posição  defendida  pelo  advogado  (uma  responsabilização  penal  dos  jovens  que  cometem  crimes  hediondos)  possibilitaram  a  polêmica90  desse  debate   inicial   entre  o  moderador  e  o   convidado,  mais  especialmente,   a  emergência  do  "ataque"  do  convidado  ao  direcionamento  argumentativo   implícito  do  moderador   sobre  o  tema  em  pauta,  ao  fornecer  os  dados91  que  forneceu.    ________________________________________________________________________________________  

89 Como vimos no Tema 1, a orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado pode ser percebida pelo

modo como os recursos linguísticos (por exemplo, encadeamento de enunciados por meio de operadores argumentativos e por meio da seleção lexical) são mobilizados peloprodutor do texto, levando o interlocutor a adotar uma determinada posição em relação ao que é dito em detrimento de outra.

90 É importante pensar que o debate se instaurou de forma mais polêmica (caracterizada pela defesa mais direta e acirrada de posições) e menos colaborativa (caracterizada pela não refutação direta da outra posição) também por um fator emocional: o defensor da responsabilização penal de jovens por crimes hediondos teve sua filha assassinada por um jovem menor de 18 anos que ficou impune. Esse perfil social de um dos convidados cria impactos não apenas sobre a forma como o tema é discutido, mas também na maneira como ele é recebido no programa pelo moderador, que o trata com maior formalidade e menos proximidade.

91 - na maioria dos países (55%) a maioridade é aos 18 anos; - o endurecimento das leis nos EUA apenas fez com que triplicasse o número de crimes cometidos por jovens; - na Europa, a Espanha voltou atrás na decisão de reduzir a maioridade penal e, na Alemanha, além de se ter retornado a maioridade para os 18 anos, está sendo criada uma justiça especializada em crimes cometidos por jovens entre 18 e 21 anos.

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 Finalizando  o  tópico  ________________________________________________________________________________________    Neste   tópico,   trabalhamos   com  o   gênero   oral   formal   público   "debate   de   fundo   controverso".   Para   tanto,  procuramos  analisar  mais  detidamente  dois  programas  televisivos  destinados  ao  público  jovem  que  têm  por  objetivo  principal  debater  temas  de  interesse  desse  público.      O  que  ficou  para  nós  desse  breve  estudo?      

1. O  debate  de   fundo   social   controverso  é  um  gênero  oral   formal  público  muito   importante  para   a  formação  da  cidadania;    

2. Fazer  com  que  o  aluno  se  interesse  por  esse  gênero  somente  pode  se  dar  por  meio  da  mediação  do  professor,  como  se  faz  com  outros  gêneros  (orais  ou  escritos);    

3. A  observação  das  competências  exibidas  pelo  moderador  e  pelos  participantes  de  um  debate  pode  ser   uma   das   maiores   motivações   para   que   os   alunos   se   interessem   por   esse   gênero,   seja   para  compreendê-­‐lo,   seja   para   (re)produzir   um   certo   tipo   de   participação     -­‐   como  moderador,   como  especialista,  como  um  dos  que  vai  defender  uma  determinada  posição;    

4. É   importante   perceber   que   em   um   debate,   qualquer   que   seja   ele,   o   tempo   é   um   fator   muito  importante.  As   posições   e   os   argumentos   precisam   ficar   explicitados   dentro   de  um  determinado  tempo  (geralmente  em  um  ou  dois  minutos)  e  todos  os  participantes  devem  ter  direitos  iguais  de  participação  em  relação  a  esse  aspecto;    

5. Desenvolver  a  competência  de  argumentar  em  um  período  muito  curto  de   tempo  é  um  trabalho  que  exige  muita  preparação  e  planejamento;    

6. Ensinar  o  debate  pressupõe  que  observemos  a  forma  como  os  argumentos  são  apresentados,  quais  argumentos  são  apresentados  e  quais  marcas  de  refutação  e  de  concordância  são  usadas;    

7. A   polêmica   é   uma     forma   de   se   estabelecer/construir   o   debate.   Vimos   que   um   participante-­‐especialista   iniciou   sua   fala   questionando   diretamente   os   dados   fornecidos   pelo   moderador   no  início   do   debate.   Não   se   pode   lidar   com   a   polêmica   de   forma   normativa   (reprovando-­‐a,   por  exemplo),   já  que  ela  é  constitutiva  do  debate.  O  mais   importante  é  observar  como  a  polêmica  se  instaura  e  como  os  participantes  lidam  com  enunciados  e  posturas  polêmicas.    

 

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Finalizando  o  Tema  ________________________________________________________________________________________    Os  pontos  mais  importantes  deste  Tema  2  estão  resumidos  abaixo:      

• Os  gêneros  orais  formais  públicos  apresentam  sempre  uma  natureza  multissemiótica  e  apresentam  muitos  formatos,  ou  seja,  são  variáveis.  

• Os   gêneros   orais   formais   públicos   devem   ser   trabalhados   na   sala   de   aula   de   Língua   Portuguesa  porque  se  faz  necessário  levar  os  alunos  a  ultrapassarem  as  formas  cotidianas  de  produção  oral  e  a  confrontarem  essas  formas  cotidianas  de  produção  oral  com  outras  formas  mais  institucionais.  

• A  exposição  oral  pressupõe  um  especialista  que  vai  falar  para  um  público  que  espera  aprender  algo  com   ele.   O   principal   objetivo   dessa   interação     é   modificar   os   conhecimentos   dos   ouvintes,  diminuindo  assim  a  assimetria  de  conhecimentos  que  distingue  o  especialista  do  seu  público.  

• A   noção   de   oral   formal   adotada   não   está   relacionada   com   "certo"   ou   "errado",   mas   decorre  fundamentalmente   das   situações,   das   convenções   ligadas   aos   gêneros   e   dos   propósitos  comunicativos  do  locutor.  

• O  debate  de   fundo   social   controverso  é  um  gênero  oral   formal  público  muito   importante  para   a  formação  da  cidadania  e  que  somente  pode  ser  objeto  de  reflexão  por  parte  dos  alunos  se  houver  a  mediação  do  professor.  

• Essa  mediação  consiste  em  levar  os  alunos  a  observarem  o  funcionamento  do  debate:  o  papel  de  cada   um  dos   participantes,   a   forma   e   o   conteúdo  da   argumentação   e   a   instauração   (ou   não)   da  polêmica.    

 

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Ampliando  o  conhecimento  1  ________________________________________________________________________________________    WEBGRAFIA      1.  Links  para  textos  sobre  debate  regrado  e  exposição  oral:      CRISTOVÃO,  V.  L.  L.;  DURÃO,  A.  B.  A.  B.;  NASCIMENTO,  E.  L.  Debate  em  sala  de  aula:  Práticas  de  linguagem  em  um  gênero  escolar92.  Anais  do  5º  Encontro  do  Celsul,  Curitiba-­‐PR,  2003.  P.  1436-­‐1441.  NASCIMENTO,   E.   L.   Gêneros   em   expressão   oral:   Elementos   para   uma   seqüência   didática   no   domínio   do  argumentar93.  Revista  SIGNUM:  Estud.  Ling.,  n.  8/1,  Londrina,  jun.  2005.  P.  131-­‐156.  TEIXEIRA,  A.  P.  T.;  BLASQUE,  R.  M.  G.;  SANTOS,  C.  D.  A  exposição  oral  na  sala  de  aula94.  GOULART,  C.  A  exposição  oral  em  seminário:  Um  gênero  escolar  muito  utilizado,  mas  pouco  sistematizado95.    2.  Links  para  textos  com  propostas  de  ensino  de  debate  regrado:      Aula   do   Portal   do   Professor   do   MEC   sobre   "O   debate   regrado   e   o   bullying"96,   de   autoria   de   Walleska  Bernardino  Silva.    Debatendo97.   Oficina   Pedagógica   -­‐   DE   S.J.Campos/SP,   de   autoria   de   Dorothy   Bluyus   Rodrigues   Matias   -­‐  PCOP/História.    Plano  de  aula  da  Nova  Escola  Online  sobre  "Redução  da  maioridade  penal  (de  18  para  16  anos)"98  (debate).      

92 Fonte: http://www.celsul.org.br/Encontros/05/pdf/199.pdf, acesso em 10/03/2011. 93 Fonte: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/viewFile/3641/2943, acesso em 10/03/2011. 94Fonte:http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:P7tG72h-DR0J:www.uel.br/eventos/sepech/arqtxt/resumos-

anais/AnaPTTeixeiraRobertaGBlasque.pdf+exposi%C3%A7%C3%A3o+oral&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESiHLFfk3rSv6y4UKq14SijXMcMoSkc0sBvaRY7lRjhaerYZkZaxeIMmuPLPTEEUK12VpF8pjXS9it-iGpHPmJVtmSsVaG8g-W9XteL-66VdZ_wpHJwzE_ugGURQljVBHVtYRqWf&sig=AHIEtbRp-e4dfayPK-JZN7-lmS8R2PWu5g, acesso em 10/03/2011.

95Fonte:http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:9ynx-BVZhF8J:www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_307.pdf+exposi%C3%A7%C3%A3o+oral&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESixv0lKc-Vo47JGBPvW0eT6lUtB77plAEmfWLV1ErwlviUTnWIazPknD4GZpVRyx8kN_7cqc7PSfGOxGnk-E4J01_upQAgkMSe6f3KOnOiWasxceIzZtYyYjuoTfBHeQY5eg_oa&sig=AHIEtbRzwfTTCaC55rdbNe6tAfv7jTOmNA, acesso em 10/03/2011.

96 Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=22729, acesso em 10/03/2011. 97 Fonte: http://sites.google.com/site/dorothybluyus/debatendo, acesso em 10/03/2011. 98Fonte:http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-praxis-

pedagogicas/BANCO%20DE%20SUGESTÕS%20DE%20PLANO%20DE%20AULAS/reducao%20da%20maioridade%20penal%20-%20de%2018%20para%2016%20anos.pdf, acesso em 10/03/2011.

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Ampliando  o  conhecimento  2  ________________________________________________________________________________________    FILMES  E  VIDEOS    

 

O  GRANDE  DESAFIO  Título  original:  The  Great  Debaters  Duração:  126  minutos  (2  horas  e  6  minutos)  Gênero:  Aventura  Direção:  Denzel  Washington  Ano:  2007  País  de  origem:  EUA    

 SINOPSE:   Acredite   no   poder   das   palavras.   Inspirado   em   uma   história   real,   o   filme   conta   a   jornada   do  brilhante,  mas   volátil,   professor  Melvin   Tolson   (Denzel  Washington)  que,   usando  de   seus  métodos  pouco  convencionais,   sua  visão  política   radical  e  o  poder  das  suas  palavras  para  motivar  um  grupo  de  alunos  do  Wiley  College,  do  Texas,  a  participar  de  um  campeonato  de  debates  na  Universidade  de  Harvard.      ELENCO:  Denzel  Washington  (Melvin  B.  Tolson)  Nate  Parker  (Henry  Lowe)  Jurnee  Smollett  (Samantha  Booke)  Denzel  Whitaker  (James  Farmer  Jr.)  Jermaine  Williams  (Hamilton  Burgess)  Forest  Whitaker  (Dr.  James  Farmer  Sr.)  Dentre  outros.    Para  ver  o  trailer,  clique  aqui99.  Leia  uma  resenha,  clicando  aqui100.      Além  disso,  você  pode  ver  alguns  vídeos  e  textos  de  opinião  sobre  os  temas  tratados  no  Programas  de  TV,  clicando  nos  links  abaixo:    Pé  na  Rua:  ficar  ou  namorar?101  i9  -­‐  Produções  -­‐  Fala  Aí102  (vários  programas  do  Fala  Aí  da  TV  da  Gente)    Debate  sobre  a  maioridade  penal  no  Rio  de  Janeiro103  Um  ombro  amigo  -­‐  Namorar  ou  ficar?104    

99 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Fd7-oKgiFmg, acesso em 10/03/2011. 100 Fonte: http://cinema.uol.com.br/resenha/o-grande-desafio-2007.jhtm, acesso em 10/03/2011. 101 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=1Ftv7nYyjDU&NR=1&feature=fvwp, acesso em 10/03/2011. 102 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=PaXxgAZViF0&NR=1, acesso em 10/03/2011. 103 Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/opiniao/tendencias-debates/debate-sobre-a-maioridade-penal-no-rio-de-janeiro/,

acesso em 10/03/2011. 104 Fonte: http://www.umombroamigo.com/2010/05/namorar-ou-ficar.html, acesso em 10/03/2011.

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 Referências  Bibliográficas  1  ________________________________________________________________________________________    AZANHA,   E.   F.  Gêneros   televisivos   na   escola:   A   co-­‐construção   dos   sentidos   nas   interações   de   alunos   do  Ensino  Médio.  Dissertação  de  Mestrado.  Universidade  Estadual  de  Campinas.  São  Paulo:  Unicamp/IEL,  2008.          BENTES,  A.  C.  Linguagem  oral  no  espaço  escolar:  Rediscutindo  o   lugar  das  práticas  e  dos  gêneros  orais  na  escola.   IN:  E.  RANGEL;  R.  ROJO  (Orgs.)  Explorando  o  ensino:  Língua  Portuguesa.    Brasília,  DF:  MEC,  Vol.  1,  2010.  P.  15-­‐35.            _____.    Oralidade,   política   e   direitos   humanos:   Por   uma  aula   de   Língua  Portuguesa   comprometida   com  o  diálogo  e  com  a  construção  da  cidadania.  IN:  V.  M.  S.  ELIAS  (Org.)  Oralidade,  leitura  e  escrita  no  ensino  de  Língua  Portuguesa.  São  Paulo:  Contexto,  2011.  P.  20-­‐35.          DOLZ,   J.;   SCHNEUWLY,   B.     Gêneros   e   progressão   em   expressão   oral   e   escrita   -­‐   Elementos   para   reflexões  sobre   uma   experiência   suíça   (francófona).   IN:   B.   SCHNEUWLY;   J.   DOLZ   e   colaboradores.  Gêneros   orais   e  escritos  na  escola.  Campinas,  SP:  Mercado  de  Letras,  2004[1998].  P.  41-­‐70.  Tradução  e  organização  de  R.  H.  R.  Rojo  e  G.  S.  Cordeiro.          DOLZ,   J.;   SCHNEUWLY,   B.;   DE   PIETRO,   J.-­‐F.;   ZAHND,   G.   A   exposição   oral.   IN:   B.   SCHNEUWLY;   J.   DOLZ   e  colaboradores.  Gêneros  orais  e  escritos  na  escola.  Campinas,  SP:  Mercado  de  Letras,  2004[1998].  P.  215-­‐246.  Tradução  e  organização  de  R.  H.  R.  Rojo  e  G.  S.  Cordeiro.            DOLZ,  J.;  SCHNEUWLY,  B.;  DE  PIETRO,  J.-­‐F.  Relato  da  elaboração  de  uma  seqüência:  O  debate  público.  IN:  B.  SCHNEUWLY;  J.  DOLZ  e  colaboradores.  Gêneros  orais  e  escritos  na  escola.  Campinas,  SP:  Mercado  de  Letras,  2004[1998].  P.  247-­‐278.  Tradução  e  organização  de  R.  H.  R.  Rojo  e  G.  S.  Cordeiro.      

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Referências  Bibliográficas  1  ________________________________________________________________________________________    MENDES,  A.  N.  N.  B.    A  linguagem  oral  nos  livros  didáticos  de  Língua  Portuguesa  do  Ensino  Fundamental  -­‐  3º   e   4º   ciclos:   Algumas   reflexões.  Tese   de  Doutorado.  Pontifícia  Universidade   Católica   de   São   Paulo.   São  Paulo:  PUC-­‐SP/LAEL,  2005.        PASSEGGI,  L.  et  al.  A  análise  textual  dos  discursos:  Para  uma  teoria  da  produção  co(n)textual  do  sentido.  In:  A.  C.  BENTES;  M.  Q.  LEITE  (Orgs.)  Linguística  textual  e  análise  da  conversação:  Panorama  das  pesquisas  no  Brasil.  São  Paulo:  Cortez  Editora,  2010.  P.  262-­‐315.        SCHNEUWLY,  B.;  DOLZ,   J.    Os  gêneros  escolares   -­‐  Das  práticas  de   linguagem  aos  objetos  de  ensino.   IN:  B.  SCHNEUWLY;  J.  DOLZ  e  colaboradores.  Gêneros  orais  e  escritos  na  escola.  Campinas,  SP:  Mercado  de  Letras,  2004[1997].  P.  71-­‐91.  Tradução  e  organização  de  R.  H.  R.  Rojo  e  G.  S.  Cordeiro.      TRASK,   R.   L.  Dicionário   de   linguagem   e   linguística.   São   Paulo:   Contexto,   2004.   Tradução   e   adaptação   de  Rodolfo  Ilari.  Revisão  Técnica  de  Ingedore  G.V.  Koch  e  Thais  Ch.  Silva.      

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 Tema:   3.  O   trabalho   com  as   variedades   do  Português  Tópico   1   -­‐Trabalhando   com   as   variedades   do   português:  Pressupostos  teóricos    

Um   início   de   conversa  1______________________________________________________________________________________

__  Neste   tópico   1   do   Tema   3,   vamos   trabalhar   com   uma   perspectiva   sociolinguística105,   para   tratar   dos   elementos  linguísticos  que  constituem  os   textos  e  os  gêneros.  O  que  é  uma  perspectiva   sociolinguística?  É  uma  perspectiva  que  tem,  como  principal  interesse,  a  explicação  sobre  porque  falamos  e/ou  escrevemos  de  formas  diferentes,  em  diferentes  contextos.  Os  pesquisadores  que  estudam  estas  relações  entre  língua  e  sociedade,  os  sociolinguistas,  também  buscam  entender  como  a   linguagem  é  usada  pelos   falantes,  de   forma  a  convencionar/marcar   significados   sociais.  Além  disso,  uma  perspectiva  sociolinguística  pressupõe  que  encaremos  o  fenômeno  linguístico  considerando  dois  princípios:    a)  Todas  as  línguas  mudam.    b)  Todas  as  línguas  variam.    Isso  significa  dizer  que  a  língua  de  hoje  está  em  processo  de  mudança  e  que  a  língua  de  ontem  apresentou  variação106.  Em   outras   palavras,   a   qualquer   momento   que   quisermos   partir   para   a   observação   do   fenômeno   linguístico,   vamos  encontrá-­‐lo  em  variação  e  sofrendo  mudanças  (ambos  processos  mais  ou  menos  perceptíveis).  Ao   longo  deste  tópico,  trabalharemos  com  estes  dois  princípios,  mostrando  como  eles  estão   intrinsecamente   relacionados.  Observemos,  por  exemplo,  o  texto  abaixo,  apontado  como  "a  mais  antiga  cantiga  de  amigo107  em  Língua  Portuguesa,  que  seria  de  autoria  de  D.  Sancho  I  de  Portugal108  e  teria  sido  escrita  em  1199,  numa  época  em  que  o  príncipe  residia  na  fortaleza  da  Guarda"  (ILARI,  1997,  p.  208):          

 

   Ay,  eu  coitada,  como  vivo  em  gram  cuydado  Por  meu  amigo  que  hei  alongado!  Muyto  me  tarda  O  meu  amigo  na  guarda!  Ay,  eu  coitada,  como  vivo  em  gram  desejo  Por  meu  amigo  que  tarda  e  non  vejo!  Muyto  me  tarda  O  meu  amigo  na  guarda.    

É  interessante  perceber  que,  apesar  de  este  texto  ser  escrito  em  Português  arcaico,  do  século  XII,  nós  o  compreendemos  em  seu  sentido  global:  o   lamento  de  uma  mulher  sobre  o   fato  de  estar  distante  de  seu  amado.  No  entanto,   também  percebemos  algumas  diferenças  radicais  na  grafia  de  certas  palavras:  "y"  no  lugar  de  "i";  "am"  ou  "on"  no  lugar  de  "ão".    ________________________________________________________________________________________    

105 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sociolingu%C3%ADstica, acesso em 08/04/2011. 106 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Varia%C3%A7%C3%A3o_(lingu%C3%ADstica), acesso em 08/04/2011. 107 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cantiga_de_Amigo, acesso em 08/04/2011. 108 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_I_de_Portugal, acesso em 08/04/2011.

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Um   início   de   conversa  2______________________________________________________________________________________

__  Há  mudanças  também  no  léxico109.  Certas  expressões  que  figuram  na  cantiga  ("hei  alongado",  "me  tarda")  não  são  mais  usadas  com  o  mesmo  sentido.  Hoje,  usaríamos  "está  distante",  "demora".    Mudaram  ainda  certas  estruturas  sintáticas110.  Na  expressão  "hei  alongado"  (algo  como  "tenho  distante")  o  verbo  haver  ("hei")  é  usado  como  auxiliar  de  tempo  do  particípio  "alongado"  e  esta  estrutura  sintática  não  ocorre  mais  no  Português  contemporâneo.   A   cantiga   de   amigo   aqui   analisada   é   um   dado   exemplar   para   analisarmos   a   chamada   variação  diacrônica,  ou  seja,  a  variação  linguística  que  se  dá  através  do  tempo.    Assim,  as  línguas  mudam111  bastante  através  dos  tempos.    Mas  também  variam112  bastante  em  um  mesmo  tempo  histórico.    Para  começarmos  nossa  conversa  sobre  esse  tema,  clique  nas  imagens  abaixo,  que  remetem  a  gravações  das  décadas  de  40  a  meados  dos  anos  60  do  século  XX:    

       

       

[vídeos]113   109 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Léxico, acesso em 08/04/2011. 110 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sintaxe, acesso em 08/04/2011. 111 Portanto, usamos o termo "mudança linguística" para nos referir às transformações das línguas ao longo do tempo

histórico. 112 Portanto, usamos o termo "variação linguística" para nos referir às diferentes formas que as línguas apresentam em um

dado tempo histórico. 113 Cena do programa de TV “Alô, Doçura, com John Herbert e Eva Wilma, 1954. Fonte:

http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/M891AO433Y4M/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=vEh7J7hQ4c4, acesso em 19/04/2011.

Anúncio do óleo Saúde, Cacilda Becker e Walmor Chagas, 1962. Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/WW1HAB8D8NUK/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YxQaN0FKA74, acesso em 19/04/2011.

Discurso de Getúlio Vargas, no Dia do Trabalho de 1951. Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/7U3XX2YKWS31/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=LQCV1iFegZg, acesso em 19/04/2011.

Discurso de Luís Carlos Prestes, em Comício do PCB em 1945. Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/B7HHXX3UYX8A/, acesso em 28/04/2011. Link original disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kUKJMdCdynA, acesso em 19/04/2011.

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Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    Agora, reflita

• Quais diferenças, em termos de linguagem, você pode notar entre os filmes de diferentes gêneros (discursos de palanque filmados, cena de série brasileira, anúncio comercial televisivo)?

• Considerando os gêneros observados, podemos fazer uma divisão entre aqueles mais formais e os mais informais?

• O que você considera que mais se modificou: a linguagem, os cenários (vestimentas, comportamentos etc.) ou ambos?

Retomando nossa conversa sobre as relações entre linguagem e sociedade, podemos dizer que a variação linguística é um fenômeno constitutivo de todas as línguas. Consiste no que Camacho (2001) denomina "caos organizado", a saber, a existência de formas linguísticas alternativas para se dizer a mesma coisa.

A variação pode se dar no nível lexical. Ilari e Basso (2006, p. 164-165) afirmam que a mesma realidade, conforme a região, pode ser expressa por palavras diferentes: lanternagem/funilaria; macaxeira/aipim/mandioca; negócio/venda; geleia de frutas/chimia. Ou, ainda, que duas variedades regionais têm palavras com a mesma forma, mas com sentidos diferentes: quitanda (em geral, mercearia, tenda; em Minas Gerais, conjunto de iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha); feira (em geral, reunião de vendedores; na região Norte, sacola em que se transportam gêneros). A variação pode ocorrer no nível fonético-fonológico114. Considerando as diferenças de fala entre sujeitos oriundos de diferentes grupos sociais, pode-se dizer que há variação, por exemplo, na pronúncia115 de "folha" que pode se pronunciada com "lhe" antes da vogal final; ou com "i" ("foia"); ou que há variação na pronúncia de "constância", que pode também ser pronunciada "constança", ocorrendo a monotongação do ditongo crescente em posição final "ia". A variação pode ocorrer no nível sintático. No português de Portugal, a condição é expressa pelo modo indicativo ("Se eu sabia, eu vinha"). No português do Brasil, esta construção é estigmatizada e a construção preferida é expressa pelo modo subjuntivo ("Se eu soubesse, eu viria"). ________________________________________________________________________________________  

 

114 "A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de

estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).

115 "A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    Essa  diversidade  de  formas,  no  entanto,  não  é  usada  aleatoriamente  pelos  falantes.  Os  usos  linguísticos  são  influenciados  por  fatores  sociais  específicos,  refletindo  a  influência  de  um  ou  mais  dos  componentes  abaixo:      Os  participantes:    Quem  está  falando?  -­‐  A  idade  da  pessoa  que  fala,  o  grupo  ou  classe  social  ao  qual  ela  pertence,  o  sexo  da  pessoa.    Com  quem  a  pessoa  está  falando?  -­‐  A  idade  da  pessoa  com  quem  se  fala,  o  grupo  ou  classe  social  ao  qual  ela  pertence,  o  sexo  da  pessoa.    O  contexto  social  da  interação:  Onde  e  em  que  época  eles  estão  falando?    O  tópico:  Sobre  o  que  se  está  falando?    A  função  ou  finalidade:  Por  que  ou  para  que  eles  estão  falando?      Nos   vídeos   a  que   você  acabou  de  assistir,   a   linguagem  dos  participantes  muda   justamente  em   função  da  conjunção  de  alguns  dos  fatores  acima.  Vejamos:    

Na  cena116  em  que  Eva  Wilma  e  John  Herbert  desempenham  o  papel  de  marido  e  mulher,  o  uso  da  expressão  "meu  bem"  como  forma  de  tratamento  (usada  tanto  por  ele  como  por  ela)  marca  justamente   o   tipo   de   relação   (conjugal)   que   mantêm   e   a  proximidade   entre   eles.   Outro   aspecto   importante   de   ser  ressaltado   é   a   entoação   de   Eva  Wilma   quando   fala   com   John  Herbert.   Perceba   a   forma   como   ela   implementa   um   ritmo  especial  à  sua  fala  no  trecho:    "ah  eu  vi  uma  coisa  TÃO  bonitinha  pra  homem  na   cidade  que  eu  não   resisti...   comprei   pra   você...    adivinhe  o  que  é?   ...  um  chaveirinho  na   forma  de  sapinho  meu  bem...   um   amor   meu   bem   ...   pra   você...".   Aqui   também  percebemos   o   uso   do   diminutivo,   que   pode   ser   considerado  

como   um   marcador   de   gênero   no   Português   brasileiro.   Todos   esses   recursos   conjugados   conferem   um  caráter  informal  e  próximo  às  falas  dos  participantes  dessa  interação.  ________________________________________________________________________________________  

 

116 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/M891AO433Y4M/, acesso em 28/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________  

• No   anúncio   comercial   televisivo117,   do   qual   participam  Cacilda   Becker   e  Walmor   Chagas,   são   justamente   as  funções   desempenhadas   por   Cacilda118   -­‐   de   mulher   explicando   para   o   marido   ("é   por   isso,   querido")   a  diferença  no  uso  de  dois  óleos  de  cozinha,  em  um  plano,  e  a  de  atriz  explicando  para  o  público  feminino  ("é  verdade,   amiga")   porque   deve   usar/comprar   um   determinado   produto,   em   outro   plano   -­‐   que   exercem  influência  sobre  a  sua  velocidade  de  fala  (pausada  ou  mais  rápida)  e  sobre  o  fato  de  o  texto  ser  estruturado  principalmente  por  meio  de  sequências  descritivas119  e  explicativas120.  

• Já  os  discursos  de  palanque121  de  Getúlio  Vargas122  e  de  Luís  Carlos  Prestes123  revelam  a  influência  do  contexto  social  na  produção  da  linguagem.  São  produções  primeiramente  escritas  e,  como  tal,  previamente  planejadas,  formatadas  na  variedade  padrão124  do  Português  brasileiro.    

• Uma  das  principais  características  da   fala  do  ex-­‐presidente  Getúlio  Vargas  é  a   forma  de   tratamento  de  seus  interlocutores.   Ele   se   dirige   a   seus   interlocutores   por  meio   da   segunda   pessoa   do   plural   ("vós",   "convosco,  "vosso").  Hoje  em  dia,  mesmo  em  discursos  formais,  a  segunda  pessoa  do  plural  não  é  mais  usada,  tendo  sido  substituída,   quase   que   categoricamente,   por   "vocês",   ou,   em   contextos   mais   formais,   por   "os(as)  senhores(as)".  Outra  característica  da  fala  do  ex-­‐presidente  é  a  pronúncia  do  /l/  pós-­‐vocálico;  normalmente,  nesses  contextos  de  palavras,  vocaliza-­‐se  o  /l/,  pronunciando-­‐se  /al/  como  /au/,  /il/  como  /iu/,  /el/  como  /éu/  e   /ol/   como  /ou/.  No  entanto,  Getúlio  Vargas  pronuncia  o  /l/   como  um  som  alveolar125,   como  nas  palavras  "BrasiL",  "voLtei",  "nacionaL",  "leaL",  "irresistíveL",  "iguaLdade  sociaL".  Essa  variação,  que  podemos  ver  e  ouvir  ao  termos  acesso  a  essa  gravação  de  um  discurso  de  palanque  de  mais  de  50  anos  atrás,  não  é  produtiva  hoje,  já   que   poucas   pessoas   pronunciam   o   /l/   dental.   No   entanto,   naquela   época,   essa   pronúncia   marcava   a  regionalidade  da  fala  da  pessoa,  sendo  característica  dos  falantes  do  Sul  do  País,  especialmente,  do  Rio  Grande  do   Sul,   terra   de   nascimento   do   ex-­‐presidente   Getúlio   Vargas.   (LEITE;   CALLOU,   2002).   Se   uma   pessoa   hoje  pronuncia  o   /l/  assim,  provavelmente   tem  uma   idade  mais  avançada  e  mora  no  extremo  Sul  do  Brasil.  Para  nós,   essa   pronúncia   alternativa   das   palavras   "Brasil",   "voltei",   "nacional",   "leal",   "iressistível",   "igualdade  social",  marca  um  tipo  de  pronúncia  distante  no  tempo  e  específica  de  determinada  região  do  País.  

________________________________________________________________________________________  

 

117 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/WW1HAB8D8NUK/, acesso em 28/04/2011. 118 Fonte:

http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=708&cd_item=20, acesso em 05/04/2011.

119 "esses óleos estão aquecendo há bastante tempo... aqui tem óleo comum ...aqui tem o tradicional Óleo Saúde...” 120 "... o Óleo Saúde não faz fumaça porque não tem impurezas para queimar... e é por isso... querido... que com o Óleo

Saúde a gente sente o gosto dos alimentos não do óleo... é verdade amigas... o teste da fumaça prova a superior qualidade do tradicional Óleo Saúde...”

121 Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/7U3XX2YKWS31/, acesso em 28/04/2011. 122 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Get%C3%BAlio_Vargas, acesso em 05/04/2011. 123 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Carlos_Prestes, acesso em 05/04/2011. 124 A variedade padrão é geralmente aquela associada aos gêneros escritos de prestígio (literários, jornalísticos, científicos

etc.) e que passou por processos mais sistemáticos e duradouros de regularização e codificação por meio da elaboração de gramáticas e de dicionários. É reconhecida como uma variedade de prestígio por uma comunidade e é usada para funções altas, tais como a escolarização e a elaboração de leis e de procedimentos administrativos. Pode-se dizer que apenas uma minoria de línguas do mundo possuem escrita e uma parcela menor ainda passou por processos de codificação e/ou regularização.

125 Som que é produzido com a ponta da língua tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________  

 O  trecho  do  discurso  de  Luís  Carlos  Prestes  também  reflete  o  contexto  sócio-­‐histórico126  mais  amplo,  principalmente  se  observarmos  o  uso  de  determinadas  expressões  referenciais:  

1. Relacionadas  ao  campo  da  política  da  época:  "trotskistas127",  "fascistas128",  "quinta-­‐colunistas"129,  "comunistas"130;  "Stalinistas"131.  

2. Relacionadas   ao   campo   de   estudos   das   Ciências   Sociais:   "realidade   econômica,  social  e  política",  "proletariado",  "trabalhadores  das  cidades  e  do  campo".  

 Retomando   a   nossa   discussão   sobre   a   variação   intrínseca   a   todo   fenômeno   linguístico,  podemos  dizer  que  as   línguas  variam  em   função  de   fatores  e  dimensões   sociais.  Os   fatores  sociais  são  os  que  apresentamos  anteriormente.  As  dimensões  sociais  envolvidas  na  variação  linguística  são  as  que  se  seguem:  

1. A  escala  de  distância  social132  definida  pelo  relacionamento  entre  os  participantes.  2. A  escala  de  status133  definida  pelo  relacionamento  entre  os  participantes.  3. Uma  escala  de  formalidade134  definida  pelo  cenário  e  pelo  tipo  de  interação.  4. Duas  escalas  funcionais135  relacionadas  ao  propósito  ou  ao  tópico  da  interação.  

 A  escolha  das  expressões  referenciais  elencadas  acima  revela  que  a  fala  de  Luís  Carlos  Prestes  é  influenciada  tanto  pela  dimensão   da   formalidade   quanto   pelo   status   social   de   quem   fala.   É   uma   fala   que   evoca   conhecimentos   do   campo  político   da   época   e   também   conhecimentos   científicos,   revelando   o   status   social   de   Prestes,   um   homem   estudado,  experiente  nas  questões  políticas,  que  desempenha  uma  função  alta  dentro  de  seu  Partido,  um  líder  político  nacional  (veja,  por  exemplo,  a  quantidade  de  pessoas  mobilizadas  para  escutar  o  seu  discurso).  Por  isso,  podemos  dizer  que  sua  fala   se   situa   na   parte   superior   da   escala   de   status,   revelando  que  o   "dono  da   voz"   pertence   a   um  grupo   social  mais  prestigiado  socialmente.  Em   função  do     contexto  em  que  é  enunciada,   sua   fala  é  marcada  pela   formalidade   também,  porque  exibe  determinadas   construções   sintáticas   (o  uso  do  presente  do   subjuntivo,   como  em   "organizemos,   pois,   o  nosso  povo";  "marchemos  ...";  o  uso  do  verbo  "haver"  como  auxiliar  na  construção  "é  o  que  nós,  comunistas,  havemos  de  fazer,  havemos  de  fazer  com  o  apoio  do  povo  e  particularmente  com  o  proletariado  de  São  Paulo",  que  só  aparecem  na  escrita  formal  ou  em  textos  oralizados  previamente  redigidos,  como  é  o  caso  dos  discursos  de  Prestes  e  de  Getúlio.  ________________________________________________________________________________________    

126 Fonte. http://educacao.uol.com.br/biografias/luis-carlos-prestes.jhtm, acesso em 05/04/2011. 127 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trotskismo, acesso em 19/04/2011. 128 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fascismo, acesso em 19/04/2011. 129 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Quinta_coluna, acesso em 19/04/2011. 130 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunismo, acesso em 19/04/2011. 131 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Stálin, acesso em 19/04/2011. 132Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral

_generos_variedades/LP_D6_T3_I35.jpg, acesso em 19/04/2011. 133Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral

_generos_variedades/LP_D6_T3_I36.jpg, acesso em 19/04/2011. 134Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral

_generos_variedades/LP_D6_T3_I37.jpg, acesso em 19/04/2011. 135Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral

_generos_variedades/LP_D6_T3_I38.jpg, acesso em 19/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    A  partir  de  agora,  procuraremos  exemplificar  como  a  manipulação  de  elementos  de  uma  das  variedades  não  padrão136   do   português   brasileiro,   no   interior   de   um   texto   (um   roteiro   de   cinema)   predominantemente  escrito  na  variedade  padrão,  somente  foi  bem-­‐sucedida  na  passagem  do  escrito  para  a  encenação,  porque  contou   com   o   conhecimento   prático   de   um   falante   dessa   variedade   não   padrão,   que   deu   assessoria   aos  roteiristas   e   diretores.   Para   tanto,   vamos   trabalhar   com   um   trecho   do   roteiro   do   filme   nacional   "O  Invasor"137,  de  autoria  de  Marçal  Aquino,  Renato  Ciasca  e  Beto  Brant,  de  forma  a  compará-­‐lo  com  o  trecho  da   transcrição   da   cena   do   filme,   feita   pela   pesquisadora   Alessandra   Brum   (2003),   em   sua   dissertação   de  mestrado  intitulada  O  processo  de  criação  artística  no  filme  "O  Invasor".      Segundo  a  pesquisadora,  o   filme  "O   Invasor"   foi   concebido  a  partir  de  uma  novela  que   ainda   estava   sendo   escrita   por   Marçal   Aquino138,   que   interrompeu   o   seu  processo  de  criação  literária  para  desenvolver  o  roteiro.  De  qualquer  forma,  antes  de  observarmos  o  trecho  em  que  ocorrem  transformações  na  linguagem,  na  passagem  do  roteiro  para  a  encenação  propriamente  dita,  é  necessário  que  tenhamos  acesso  a    algumas  informações  relevantes.      A  linguagem  desenvolvida  por  Marçal  Aquino  na  produção  desta  novela,  que  depois  se  transforma  em  roteiro  de  filme,  é  assim  caracterizada  em  entrevista  concedida  à  pesquisadora  Alessandra  Brum:      

"...  queria  pensar  um  pouco  essa  coisa  da  violência  urbana,  no  sentido  de  que  tinha  algumas  coisas  que  eu  estava  vendo  nas  ruas.  Eu  gosto  muito  da  rua,  a  minha  literatura  vem  da  rua,  a  mágica  vem  dali..."  (Marçal  Aquino,  em  entrevista  concedida  a  Alessandra  Brum,  2003,  p.  167).  

 

136 As variedades não-padrão em geral se caracterizam por serem faladas por pessoas das camadas populares e que

possuem pouca ou nenhuma escolarização. Fala-se de variedades não-padrão no plural, porque elas vão ser influenciadas por fatores tais como região geográfica, faixas etárias e níveis de escolarização. Mas existem traços comuns entre elas, tais como o fato de serem estigmatizadas, de veicularem conteúdos de tradição oral e de não serem submetidas a processos de regularização e oficialização.

137 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xkq6wsFFOK0, acesso em 05/04/2011. 138 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mar%C3%A7al_Aquino, acesso em 05/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Sobre  o  gênero   roteiro,  a  pesquisadora  Alessandra  Brum  afirma  que  Marçal  Aquino  o  concebe  como  "um  instrumento  para  a  realização  de  um  filme  que  garante,  de  maneira  organizacional,  a  estrutura  narrativa  que  o  material  deve  conter"  (BRUM,  2003,  p.  31).  Para  a  pesquisadora,  é  importante  percebermos  que  o  roteiro  é  um  dos  elementos  da  linguagem  cinematográfica,  já  que  "o  verdadeiro  roteiro  é  aquele  que  não  pretende,  por  si  só,  afetar  o  leitor  de  forma  completa  e  definitiva,  mas  que  foi  criado  tão  somente  com  o  objetivo  de  se  transformar  em  um  filme  e  só  a  partir  daí  adquirir  sua  forma  final"  (TARKOVSKI,  1998,  apud  BRUM,  2003,  p.  31).    Sobre   a   passagem   do   escrito   para   a   encenação,   foi  muito   importante   a   participação   do   rapper139  Mauro  Mateus  dos  Santos,  o  Sabotage140.  Como  o  filme  trata  das  relações  entre  centro  e  periferia  em  São  Paulo,  capital,   as   falas   de  Anísio,   o   assassino   contratado  por  dois   sócios   (Ivan  e  Gilberto),   para  matar   o   terceiro  membro   da   sociedade   (Estevão),   já   eram,   segundo   Brum   (2003),   uma   preocupação   dos   roteiristas   ao  escreverem  o   texto,   porque   eles   não   tinham   conhecimento   suficiente   do   universo   da   periferia   para   criar  verossimilhança  em  relação  à  linguagem  dessa  personagem.    

                             

   

 "...   no   caso  do  Anísio  a   coisa  era  grave  porque  eu   sabia  que  era  um   personagem   da   periferia,   vindo   da   periferia   que   vai   para   o  centro,   logo,   a   fala   dele   não   é   igual   a   dos   outros   caras,   ele   tem  gírias   que   estão   colocadas   no   roteiro   se   você   olhar,   de  maneira  tênue,  mas  está  lá  dita  a  intenção  do  que  ele  vai  dizer.  Quando  o  Beto   incorpora   ao   Invasor   o   Sabotage,   foi   uma   grande  oportunidade,  porque  o  Sabotage  é  o  homem  da  linguagem,  é  um  rapper,  é  um  cara  que  domina  essa  linguagem."      (Marçal  Aquino,  em  entrevista  a  Alessandra  Brum,  2003,  p.  181).    

 

139 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ikUnmoSxIHU, acesso em 05/04/2011. 140 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sabotage_%28cantor%29, acesso em 19/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________    Roteiro Cena: Interior de bar de periferia - Dia ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): E você, não fala nada? Ivan continua calado. Para quebrar o desconforto, Gilberto fala: GILBERTO (para Anísio): Você trabalha sozinho? ANÍSIO (para Gilberto): Eu e Deus Filme Cena: Interior de bar de periferia – Dia ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): e::: e aí... e o cara aí ... não fala nada? que que é? é cana? é ganso? qual que é? GILBERTO (para Anísio): ele é meu parceiro... meu sócio ... também tá pagando. ANÍSIO (para Ivan e Gilberto): eh:::... porque se não for... é o seguinte... ninguém sai daqui... Observando os trechos acima (para ver a redação completa da cena no roteiro, clique aqui141; para ver a cena inicial do filme, clique aqui142), podemos perceber que a situação comunicativa e a linguagem do roteiro foram transformadas na filmagem da cena, que retrata uma situação imediata de muita tensão: dois sócios vão a um bar de periferia para encontrar e contratar um assassino profissional, que será incumbido da missão de matar o terceiro membro da sociedade. Para que a cena tenha verossimilhança, a linguagem precisa evidenciar essa tensão. Mais do que isto, conhecendo um pouco mais a história, o diálogo em questão está exibindo tanto o desconforto de Ivan com o que está prestes a fazer (representado por sua mudez), como a desconfiança de Anísio (que faz as perguntas que faz e da forma que faz) de que alguma coisa ali estava errada. Interessa-nos olhar, com especial cuidado, a retextualização da primeira pergunta que Anísio faz, quando os sócios chegam ao bar. Ao ser formulada na cena, a pergunta é feita em uma situação diferente daquela do roteiro: nele, Anísio se dirige diretamente a Ivan ("E você, não fala nada?"), que continua calado; na encenação do filme, Anísio não se dirige diretamente a Ivan, mas sim faz a pergunta para Gilberto sobre Ivan: "e o cara aí...não fala nada?". Esta mudança ocorre porque a encenação toda mostra que quem está no comando da situação é Gilberto. Anísio fala com quem está no comando da situação que ali se instaura.  

141 AQUINO, M. O Invasor. São Paulo: Geração Editorial. 2002. p. 145-146. 142 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=73PFcyyDYDc, acesso em 21/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  6  ________________________________________________________________________________________    Ao   ser   encenada,   a   pergunta   de   Anísio   ("e   o   cara   aí...não   fala   nada?")   é   precedida   por   uma   pausa  preenchida  (e:::)  e  por  uma  saudação  informal  ("e  aí?"),  estratégias  típicas  de  uma  oralidade  informal143.      O   dado   apresentado,   o   qual   nos   faz   perceber   as   diferenças   entre   o   que  estava   escrito   no   roteiro   e   a   fala   realmente   encenada   no   filme,   é  interessante   porque   mostra   que   a   fala   do   personagem   precisa   "casar",  "combinar"  com  sua  identidade  social  -­‐  ele  é  um  fora-­‐da-­‐lei,  um  marginal  e,  nesta  condição,  precisa  ser  muito  precavido.  Daí  a  pergunta  sobre  a  atitude  de   silêncio   de   Ivan.   Logo   depois   da   pergunta   feita,   Anísio   enuncia   sua  desconfiança  de  que  Ivan  seja  um  policial,  alguém  trazido  por  Gilberto  para  testemunhar  a  contratação  de  um  assassinato.  E  faz   isso  por  meio  de  uma  série   de   perguntas,   sendo   as   duas   primeiras   sobre   a   identidade   social   de  Ivan  ("é  cana?  é  ganso?")  e  a  última  de  caráter  mais  geral  ("qual  que  é?"),  que   pode   ser   traduzida   por   "quem   é   ele,   afinal?"   e/ou   "o   que   está  acontecendo  aqui?".      Neste   tópico,   estivemos   interessados   em   entender   como   as   línguas   humanas   são   fenômenos   dinâmicos,  mutáveis  e   variáveis.   É  esse  pressuposto  que  nos  possibilita  dizer  que  a   fala  de  Anísio  não  pode   ser   vista  como  igual  às  falas  de  Gilberto  e  de  Ivan.  Eles  pertencem  a  universos  sociais  diferentes  e  hierarquicamente  opostos  -­‐  os  dois  (engenheiros  e  donos  de  uma  construtora)  estão  no  topo  da  escala  de  status  e  Anísio  está  na  base  dessa  escala.  Pertencem  a  classes  sociais   radicalmente  diferentes  e  suas  profissões  também  nada  têm  em  comum.  Neste  sentido,  a  fala  de  Anísio  traz  as  marcas  do  que  chamamos  de  variedades  não  padrão,  principalmente  no  nível   lexical.  Gilberto  é  tratado  de  "cara"  e  é  acusado  de  talvez  ser  um  "cana"  ou  ainda  um  "ganso".  Se  as  duas  primeiras  expressões  podem  ser  consideradas  como  gírias  comuns144,  podendo  ser  usadas  por  pessoas  de  diferentes  grupos   sociais  em  situações   informais,  a   terceira  é  um  pouco  diferente,  remetendo   ao   universo   da   periferia,   onde   os   delatores   (os   "gansos")   são   duramente   penalizados,  muitas  vezes,  com  a  morte.  "Ganso"  é,  pois,  uma  gíria  de  grupo145.      O  exemplo  de  retextualização  que  ocorre  na  passagem  do  texto  escrito  (roteiro)  para  o  texto  falado  (filme)  mostra  que  o  domínio  sistemático  de  variedades  muito  contrastantes  (variedade  padrão  &  variedades  não  padrão)   pelo   mesmo   sujeito   é   uma   tarefa   muito   difícil.   Por   isso,   os   roteiristas   e   diretores   do   filme  necessitaram  da  assessoria  de  um  falante  da  variedade  não  padrão  em  questão  (Sabotage),  para  conseguir  construir  a  identidade  linguística  de  Anísio,  o  matador  profissional.      

143 Neste contexto, a informalidade da linguagem é marcada pelo uso de gírias, marcadores conversacionais, hesitações,

repetições etc. No entanto, no contexto da cena, a informalidade da linguagem não está relacionada a uma situação de "relaxamento" entre os interlocutores; ao contrário, está servindo à afirmação de relações de poder entre o assassino e os empresários.

144 "A gíria comum é a vulgarização da gíria de grupo. Essa vulgarização ocorre quando a gíria quebra seu papel de isolamento e exclusão e invade a sociedade em geral, passando a ser usada por todos os seus segmentos”. (PATRIOTA, 2009, p. 39).

145 “A gíria de grupo são os vocábulos usados por setores da sociedade que conscientemente mantêm um aspecto de distanciamento em relação à sociedade em geral, seja pelo inusitado, seja pelos conflitos entre estes setores e a sociedade. A partir daí, seus usuários criam um mundo particular e esse isolamento é levado à linguagem por meio de vocábulos específicos, também de caráter isolado e fechado”. (PATRIOTA, 2009, pp.39-40)

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Finalizando...  ________________________________________________________________________________________    Sobre  este  Tópico  1,  podemos  dizer  que:      

1. Todas  as  línguas  do  mundo  apresentam  uma  natureza  dinâmica,  mutável,  variável.    2. A  variação  diacrônica  é  a  variação  linguística  que  se  dá  através  do  tempo  (mudança  linguística).    3. As  línguas  sofrem  influências  de  fatores,  tais  como:  quem  fala,  com  quem  fala,  o  contexto  em  que  

as  interações  ocorrem,  os  tópicos  sobre  os  quais  se  fala  e,  finalmente,  a  função  comunicativa  que  está  em  jogo  (variação  linguística).    

4. A   produção   de   linguagem   também   é   influenciada   por   dimensões   sociais,   tais   como   o   status   de  quem  fala,  a  distância  social  entre  os  participantes  e  o  grau  de  formalidade  da  situação.    

5. As  línguas  humanas  podem  ser  definidas  cada  uma  como  um  conjunto  de  variedades,  que  podem  ser  de  natureza  social,  geográfica,  temporal  e  estilística.    

6. A   variedade  padrão   é   uma  das   variedades   de   uma   língua   e   é   associada   à   escrita   e   a   práticas   de  linguagem   (orais   ou   escritas)   de   prestígio   social.   A   variedade   padrão   passa   por   processos   de  regularização  e  oficialização  e  serve  para  ser  usada  em  funções  altas,  tais  como  a  escolarização,  a  elaboração  de  leis  e  documentos  oficiais  e  a  administração  pública.    

7. As   variedades   não   padrão   são   aquelas   usadas   pelos   falantes   mais   pobres   e   marginalizados   da  sociedade.   Elas   também   apresentam   variações   geográficas   e   sociais.   É   por   meio   delas   que   são  veiculados   conteúdos  de   tradição  oral.  Não   sofrem  processos  de   regularização  e  de  oficialização.  São  associadas  à  práticas  de  linguagem  (orais  ou  escritas)  de  pouco  prestígio  social.    

8. A  variação  linguística  está  presente  nos  textos  (orais  e  escritos)  e  nos  gêneros  textuais.  

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Atividade  autocorrigível  4  ________________________________________________________________________________________    Escolha  a  única  alternativa  correta  e  depois  pouse  o  cursor  sobre  o  marcador  da  alternativa  escolhida  (letra)  para  conferir  sua  resposta:      a)146  Apenas  algumas  línguas  do  mundo  apresentam  uma  natureza  dinâmica,  mutável,  variável.    b)147  As   línguas  sofrem  influências  de  fatores  tais  como:  quem  fala,  com  quem  fala,  o  contexto  em  que  as  interações  ocorrem,  os  tópicos  sobre  os  quais  se  fala  e,  finalmente,  os  propósitos  comunicativos  que  estão  em  jogo.    c)148  As  línguas  humanas  podem  ser  definidas,  cada  uma,  como  um  conjunto  de  variedades,  variedades  estas  que  não  são  influenciadas  por  fatores  de  natureza  social,  geográfica,  temporal  e  estilística.    d)149   A   variação   diacrônica   é   a   variação   linguística   que   ocorre   em   função   do   fato   os   falantes   serem   de  origens  geográficas  distintas.    e)150  A  variação  diatópica  é  um  tipo  de  variação  linguística  que  se  dá  através  do  tempo.    

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146 Incorreta. Todas as línguas do mundo são dinâmicas, ou seja, variam e mudam. 147 Correta. Todos esses fatores exercem enorme influência sobre as línguas do mundo. 148 Incorreta. As variedades linguísticas, como vimos, são classificadas como sociais, geográficas, temporais e estilísticas. 149 Inocrreta. A variação diacrônica decorre do fato de que as línguas se modificam com o tempo. 150 Incorreta. A variação diatópica está relacionada ao fato de os falantes serem de origens geográficas distintas.

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Tópico  2  -­‐  Trabalhando  com  variedades  regionais  

 Um  início  de  conversa  ________________________________________________________________________________________    No   tópico   1,   fizemos   uma   breve   apresentação   de   como   uma   perspectiva   sociolinguística   possibilita   a  compreensão   de   alguns   aspectos   das   relações   entre   linguagem   e   sociedade.   Vimos   que   o   fenômeno  linguístico  e  as  práticas  de   linguagem  são  bastante  afetados  por   fatores  e  dimensões   sociais,   tais   como  a  identidade   social  do   falante,  o   tipo  de   interação  entre  o   falante  e   seu   interlocutor,  o   tópico  e  o   contexto  social  e  histórico  mais  amplo,  no  interior  do  qual  determinada  produção  de  linguagem  ocorre.      Vimos,   também,   que   os   fatores   que   estão   em   jogo,   quando   começamos   a   perceber   de   maneira   mais  reflexiva  os  diferentes  modos  de  fala,  nada  têm  a  ver  com  o  "certo"  e  o  "errado",  mas  com  o  fato  de  que  as  línguas  humanas  são  fenômenos  variáveis  e  que  essa  variação  pode  ser  explicada  e  descrita.        Neste   tópico   2,   primeiramente,   iremos   tratar   da   língua   portuguesa   no   mundo   e   das   diferenças   de  funcionamento  e  peso  social  do  português  nos  diversos  países  africanos,  em  países  da  Ásia  e  da  Oceania,  em  Portugal  e  no  Brasil.      Em   seguida,   trataremos   de   algumas   variedades   regionais   do   português   brasileiro.   Denomina-­‐se   variação  diatópica  o   fato  de  as  diferenças   linguísticas  entre  os   falantes  serem  atribuídas  a  suas  origens  geográficas  distintas.      

   

 

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Ponto   de   partida  1______________________________________________________________________________________

__  Sabemos  que  um  falante  do  português  de  Portugal  não  fala  como  um  falante  do  português  brasileiro.      Voltemos   a   observar,   mais   atentamente,   a   fala   do   escritor   moçambicano   Ungulani   Ba   Ka   Khosa,   na  entrevista  que  concedeu  para  a  TV  Cultura,  texto  brevemente  analisado  no  Tema  1.  Clique  aqui  para  ver  o  vídeo151  novamente.  Clique  aqui152  para  ver  a  transcrição  do  trecho  inicial  entrevista.      Vendo   e   ouvindo   novamente   o   vídeo,   com  mais   atenção,   vamos   começar   a   observar   algumas   diferenças  entre  a  maneira  de  se  pronunciar  as  palavras  no  português  de  Portugal  (PP)  e  no  português  do  Brasil  (PB).      

     

 Uma  primeira  diferença   entre  o  PP  e  o  PB  possível  de   ser  observada  é  a  da  pronúncia  do   /l/.  Na   fala  do  escritor  moçambicano  (assim  como  na  fala  de  Getúlio  Vargas),  o  /l/  é  um  som  alveolar,  não  sendo  vocalizado  como  em  "oficiau",  que  é  o  que  ocorre  generalizadamente  no  PB.      Uma  segunda  diferença  é  a  realização  das  vogais.  Por  exemplo,  na  fala  de  Ungulani  Ba  Ka  Khosa,  o  /e/  inicial  átono   (como   em   "sedimentada")   é   pronunciado   como   /i/   ("sidimentado").   Também   ocorre   na   fala   do  escritor  moçambicano  o  fenômeno  da  redução  das  vogais  /a/  e  /e/.  Um  exemplo  deste  fenômeno  é  quando  o  escritor  fala  "que".  

________________________________________________________________________________________  

 

151 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 12/05/2011. 152Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/mod

ulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP006_POPUP-Transcricao_TM1_Tp1_P2_REV01.pdf, acesso em 12/05/2011.

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Ponto  de  partida  2  ________________________________________________________________________________________  Uma   terceira   diferença   entre   o   PB   e   o   PP   é   a   realização/pronúncia   do   /s/   antes   de   consoantes   surdas  ("posto")  ou  no  final  de  palavras.  No  PP,  ocorre  o  fenômeno  do  "chiamento",  ou  seja,  o  /s/  se  realiza  como  "ch".   Por   exemplo,   na   fala   do   escritor  moçambicano,   os   /s/   finais   pronunciados,   como,   por   exemplo,   em  "estes  elementos",  "os  contos",  "não  estão  apagados",  são  "chiados".  No  PB,  este  é  um  traço  de  diferença  regional  interna  ao  Brasil.  Variedades  regionais,  tais  como  a  carioca  e  as  variedades  faladas  em  estados  do  Norte,  do  Nordeste  e  do  Sul  (Santa  Catarina),  compartilham  o  traço  do  "chiamento"  do  /s/  final  ou  de  meio  de  sílaba.    Sendo   assim,   vimos   que   algumas   diferenças   linguísticas   se   devem   ao   fato   de   o   português   ser   falado   em  diferentes  lugares  do  mundo.  Essas  diferenças  acabam  sendo  reproduzidas  dentro  do  espaço  geográfico  do  Brasil   por   razões   históricas   e   sociais.   Pode-­‐se   dizer,   ainda,   que   em   países   africanos,   como   Angola,  Moçambique,  Guiné-­‐Bissau,  São  Tomé  e  Príncipe,  Cabo  Verde  e  em  países  da  Ásia  e  da  Oceania,  como  Goa  e  Timor  Leste,  em  que  o  português  também  é  falado,  a  situação  de  seu  uso  é  bem  diferente  daquela  no  Brasil  e  em  Portugal.  Se  aqui  e  em  Portugal  o  português  é  a  língua  nacional153  e  a  língua  materna  da  esmagadora  maioria  da  população,  nos  outros  países,  são  diferentes  as  funções  desempenhadas  pela  língua  portuguesa  em   relação   às   outras   línguas.   No   entanto,   nos   países   africanos   (Angola,  Moçambique,   Guiné-­‐Bissau,   São  Tomé  e  Príncipe,  Cabo  Verde),   no  Brasil,   em  Portugal   e  no  Timor   Leste,   a   língua  portuguesa154   é   a   língua  oficial155  de  todos.  A  este  respeito,  veja  informações  sobre  a  formação  da  CPLP156  (Comunidade  de  Países  de  Língua  Portuguesa).  ________________________________________________________________________________________  

 

153 "É a principal língua de um país. (...) É a língua usada por praticamente todo mundo para quase todos os fins. O status

de língua nacional pode ser sancionado em lei, como na França, ou não, como nos Estados Unidos da América, mas todo país, quer tenha ou não uma língua nacional, é obrigado a reconhecer uma ou mais línguas oficiais em que são processados os negócios oficiais. Esse é o status da língua portuguesa no Brasil, de acordo com a Constituição de 1988." (TRASK, 2004, p. 172)

154 Fonte: http://www.observatorio-lp.sapo.pt/pt, acesso em 19/04/2011. 155 Uma língua que pode ser usada para tratar de questões oficiais em determinado país. (...) Cada governo de cada estado

nacional determina uma ou mais línguas em que serão tratados os assuntos relativos ao envolvimento dos sujeitos com as autoridades do país (certidão de nascimento, carteiras de habilitação e passaportes, formulários oficiais, escrituras etc.) Mas em muitos países, como por exemplo, a Espanha e a Bélgica, a questão da escolha de uma ou mais línguas oficiais é uma questão de disputa política até hoje. (TRASK, 2004)

156 Fonte: http://www.cplp.org/, acesso em 19/04/2011.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    Nas   páginas   anteriores,   preocupamo-­‐nos   em   comentar   brevemente   o   fato   de   o   português   brasileiro,   em  função   de   sua   relação   histórica157   com   o   português   de   Portugal,   ter   desenvolvido   diferenças   linguísticas  exatamente   porque   é   falado   na   América   do   Sul   e   não   na   Europa.   Assim,   foi   possível   observar   algumas  diferenças  linguísticas  (no  nível  fonético-­‐fonológico158)  entre  os  "falares  de  lá"  e  os  "falares  de  cá".      Muitos   estudiosos   da   língua   (como   gramáticos,   filólogos   e   linguistas)   assumem  a   posição   de   que   há   uma  íntima  relação  entre  o  PP  e  PB.  Esta  relação  foi  estabelecida  devido  a  fatores  geopolíticos,  sociais  e  culturais.  Mas  tratar  duas  línguas  nacionais  como  variedades  de  uma  mesma  língua  (a  língua  portuguesa159)  é  e  será  sempre   uma   questão   polêmica.   No   entanto,   não   há   como   negar   as   mútuas   influências160   linguísticas   e  socioculturais  entre  Brasil  e  Portugal,  principalmente  hoje,  no  momento  em  que  o  Brasil  se  eleva  à  posição  de  nação  economicamente  poderosa  e  politicamente  ativa  na  comunidade  internacional.      

 A   partir   de   agora,   vamos   nos   ocupar   dos   "falares   de  cá",  ou  seja,  vamos  nos  debruçar  sobre  as  variedades  regionais  do  português  brasileiro.  Conhecer  um  pouco  dessas   variedades   é   sempre   conhecer   também   as  diferenças   culturais   e   sociais   que   estão   na   base   da  constituição   de   qualquer   sociedade,   muito   mais   a  brasileira,   que   tem   um   histórico   de   formação  multicultural  e  multilíngue.        É   importante   começarmos,   então,   com   uma  consideração:   o   português   brasileiro   não   conta   com  uma  pronúncia  padrão  definida.    

 ________________________________________________________________________________________  

157 Fonte: http://www.comciencia.br/reportagens/linguagem/ling03.htm, acesso em 19/04/2011. 158 "A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de

estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).

159 Fonte: http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_index.php, acesso em 19/04/2011. 160 A respeito dos dados estatísticos (que envolvem o número de falantes, as políticas internacionais de difusão da língua,

a produção editorial de uma forma geral - traduções, número de livros, tiragem de jornais - e a produção cultural - músicas, filmes, novelas etc.) sobre a posição do Português no mundo, mais especialmente do Português do Brasil, recomendo a leitura de Noll (2008).

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Colocando   os   conhecimentos   em   jogo  1______________________________________________________________________________________

__    Vamos  escutar,  com  bastante  atenção,  os  falares  dos  vídeos161  abaixo:      

   

 Agora,  vamos  refletir:      1)  A  fala  de  Pitty  revela  sua  origem  regional.  Quais  seriam  os  traços  que  você  elencaria  como  característicos  da  fala  de  uma  soteropolitana  (nascida  em  Salvador)?        2)   Quais   as   semelhanças   e/ou   diferenças   que   você   consegue   perceber   na   realização/pronúncia   dos  segmentos   /s/,   /t/,   /d/,   nas   falas   dos   entrevistados   Riane   Brandão,   Eli   Marques,   Abraão   e   Jean,   todos  cineastas  paraibanos  que   foram  entrevistados  e  que  estavam  concorrendo  ao  prêmio  "Andorinha  digital",  durante   o   4º   Cineport162,   Festival   de   Cinema   de   Países   de   Língua   Portuguesa,   realizado   em   João   Pessoa,  Paraíba,  em  2009?      

161Entrevista com Pitty. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=LRXPWym22GE, acesso em 19/04/2011. 4º

CINEPORT. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=fWJLefAGUYU&feature=player_embedded#at=49, acesso em 19/04/2011.

162 Fonte: http://www.festivalcineport.com/2009/default.asp, acesso em 19/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Podemos  dizer  que  a  fala  de  Pitty  apresenta  uma  das  principais  características  gerais  da  fala  nordestina:    

• a   pronúncia   aberta   do   /e/   em  posição   pré-­‐tônica,   como  em   "lÉvantado"   ou   "fÉlicidade",   "mÉnor  ideia",  "rÉservada",  "pÉsar".    

 Conforme  apontam  Leite  e  Callou  (2004),  em  sua  obra  Como  falam  os  brasileiros,  as  vogais  pré-­‐tônicas  têm  sido   consideradas   um   foco   de   diferenciação   não   só   entre   os   falares   brasileiros,   mas   também   entre   o  português  do  Brasil  e  o  português  de  Portugal.  Nesse  estudo,  as  autoras  mostram  que  as  vogais  pré-­‐tônicas  grafadas  "e"  e  "o"  estabelecem  uma  linha  divisória  entre  os  falares  do  Norte  e  do  Sul.  Os  falantes  da  região  Norte   e   Nordeste   optam   pela   realização   aberta   (como   em   "intÉresse",   ou   em   "cÓração"),   enquanto   os  falantes  da  região  Sul  e  Sudeste  preferem  a  realização  fechada  ("intÊresse",  "cÔração).            Outra  variação  na  pronúncia,  que  marca  diferenças  regionais,  é  a  realização  da  consoante  /s/.  Clique  aqui163  para  ver  o  mapa  da  distribuição  da  variação  do  /s/  no  Brasil.      Na   fala  de  Pitty  e  dos  cineastas  paraibanos  entrevistados,  por  exemplo,  o  /s/  é  predominantemente  não  chiado,  sendo  sibilante.  Ele  também  é  sibilante  na  fala  do  paulista  Abujamra,  o  entrevistador  do  programa  Provocações.   No   entanto,   sabemos   que,   no   Nordeste   (e   a   fala   de   alguns   cineastas   entrevistados   e   da  primeira   jornalista  mostra   isto),   o   /s/   em   contexto   pré-­‐consonantal   pode   ser   sibilado,   como   em   "busca",  "expectativa",  na  fala  de  Riane;  ou  pode  ser  chiado  (pronunciado  como  "ch"),  como  em  "liSta",  também  na  fala   de   Riane.   A   variação   livre   do   /s/   também  pode  ocorrer   em   final   de   sílaba   -­‐   na   fala   da   jornalista   que  apresenta  a  matéria,  ela  disse  "vêS",  mas  também  disse  "literários".  Ou  seja,  ocorre  uma  variação  livre  entre  o  /s/  chiado  e  o  /s/  sibilante  em  diferentes  contextos  (pré-­‐consonantal  ou  final  de  sílaba)  na  fala  de  baianos  (menos  do  sul),  sergipanos,  alagoanos,  pernambucanos,  paraibanos,  potiguares  (nascidos  no  Rio  Grande  do  Norte),  cearenses,  maranhenses  e  piauienses.      Já  o  /s/chiado  ocorre  de   forma  generalizada  e  predominante  em  Belém  e  em  Santarém  (PA),  em  Macapá  (AP),  em  Parintins  (AM)  e  na  Baixada  Cuiabana  (MT).  Já  em  Manaus,  capital  do  Amazonas,  volta  a  acontecer  a  variação  entre  o  /s/sibilante  e  o  /s/  chiado,  tal  como  ocorre  em  vários  estados  do  Nordeste.  O  chiamento  do   /s/   também   é   mais   ou   menos   generalizado   no   Rio   de   Janeiro,   na   cidade   de   Santos   (SP),   no   litoral  catarinense  e  também  (tendencialmente)  em  Recife  (NOLL,  2008).      

163 (NOLL, 2008. p. 65)

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    

A   pronúncia   do   /t/   e   do   /d/   é   também   um   divisor   de   águas  para   os   diferentes   falares/sotaques   brasileiros.   Mais  especificamente,   a   pronúncia   do   /t/   e   do   /d/   antes   de   /i/  encontra-­‐se   em   variação.   No   Brasil,   esses   dois   segmentos  sonoros  consonantais  podem  ser  realizados  de  duas  maneiras:    

• da   maneira   como   a   realizam   os   falantes   de   vários  estados   e   regiões   do  Nordeste   (inclusive   os   cineastas  paraibanos   entrevistados),   os   falantes   do   interior   de  São   Paulo   e   os   falantes   de   Santa   Catarina.   Todos  produzem     o   /t/   e   o   /d/   antes   de   /i/   sem   a   chamada  "palatalização".  Portanto,  o  /t/  de  palavras  como  "tia"  (/t/  em  início  de  palavra)  e  "prestigiado"  (/t/  depois  de  uma   consoante)   é   produzido   como   um   som  dental165  ou  alveolar166.  

• da  maneira  como  a  realizam  os  falantes  da  maior  parte  do   Brasil,   inclusive   Pitty,   pronunciando   o   /t/   e   o   /d/  palatalizados,   ou   seja,   como   sons   alveopalatais167,  como   em   "tchia"   ou   "djia".   A   transcrição   fonética168  aproximada  para  essa  pronúncia  é  [t∫ia]  ou  [dζia].    

 A   pronúncia   do   /r/   é   também   outro   traço   marcante   de  diferenciação   entre   os   falares   brasileiros.   Observemos   a  

variação   do   /r/   apenas   em   contexto   final   de   sílaba.   A   fala   de   Abujamra,   o   ator   que   entrevista   Pitty,   é  marcada  pela  realização  de  uma  vibrante  simples,  como  em  "lugaR",  "poR",  "tentaR".  Também  ocorre  em  posição   intervocálica   como   em   sua   pronúncia   de   "caRne".   Essa   realização   do   /r/   é   característica   de   São  Paulo  (capital)  e  da  região  Sul.  No  resto  do  Brasil,  há  a  predominância  do  fenômeno  da  velarização  avançada  do  /r/  em  muitos  territórios:  no  Norte,  no  Nordeste,  no  Rio  de  Janeiro,  em  grande  parte  de  Minas  Gerais  e  no   Espírito   Santo.   A   velarização   é   uma   espécie   de   "enfraquecimento"   do   /r/,   já   que   ele   deixa   de   ser  produzido   com   a   ponta   da   língua   tocando   a   parte   posterior   dos   dentes   incisivos   superiores   (o   /r/   de  Abujamra),   e   passa   a   ser   produzido   com   o   dorso   da   língua   tocando   o   palato  mole   (o   /r/   de   Pitty   e   dos  cineastas  paraibanos).  Outro  /r/  é  marca  de  diferença  regional  e  social:  o  /r/  caipira  (retroflexo),  realizado  por   falantes   do   interior   de   São   Paulo,   do   sul   de   Minas,   do   Sul   e   do   Centro-­‐Oeste;   a   pronúncia   deste  segmento  sonoro  é  bastante  estigmatizada  e  seus  falantes,  via  de  regra,  sofrem  muito  preconceito.      Temos,  então,  grosso  modo,  três  tipos  de  /r/:  o  vibrante  simples  (de  "coração");  o  velar  (de  "rio",  "rato");  o  "caipira"  ou  retroflexo,  realizado  principalmente  no  interior  do  Sudeste  e  do  Sul  do  País,  tanto  em  contexto  de  final  de  sílaba  como  em  contexto  pré-­‐consonantal.      

164 (NOLL, 2008. p. 68) 165 Som produzido com a ponta da língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores, ou com a ponta da língua contra

a parte posterior dos dentes incisivos superiores. 166 Som produzido com a parte da frente da língua em direção aos alvéolos dos dentes incisivos superiores. 167 Som produzido na região imediatamente anterior à região onde se articulam os sons palatais. 168 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabeto_fonético_internacional, acesso em 19/04/2011.

 

Clique  no  mapa  para  visualizar164          a  distribuição  da    pronúncia  de  /t/  e  /d/  no  Brasil    

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Trabalhar  com  a  variação  regional  em  sala  de  aula  pode  ser  uma  experiência  muito  significativa.  Pode  fazer  com  que  os  alunos  reconheçam,  de  forma  reflexiva  e  respeitosa,  os  diferentes  modos  de  fala.  O  modo  de  fala   de   alguém   representa   uma   das  mais   fortes  marcas   de   identidade   social   daquela   pessoa.   Quando   as  crianças  começam  o  seu  processo  de  aquisição  da  linguagem,  vão  adquirindo  os  traços  que  caracterizam  a  fala  de  seu  grupo  social  e  de  seu   lugar  de  origem.  É  possível  que  elas  variem  ou  mudem  a  pronúncia  dos  segmentos  sonoros,  mas  é  muito  comum  que  mantenham  os  traços  identitários  originais  que  permitem  que  seja   reconhecida  como  pertencendo  a  um  grupo  social  e  geográfico,  e  que  outros  sujeitos  de   fora  do  seu  grupo  também  a  reconheçam  como  tal.      O   importante  é  que  os  alunos  percebam  que  todas  as  variedades  têm  seu  valor  e  que  entre  os  diferentes  modos   de   fala   pode   não   haver   uma   hierarquia   preestabelecida.   Assim,   o   status   social   de  maior   prestígio  conferido  a  uma  determinada  pronúncia  é  sempre  provisório  e,  em  geral,  não  faz  sentido  para  quem  produz  uma  pronúncia  diferenciada  daquela  à  qual  se  atribui  maior  status  social.      Vejamos  os  áudios  e  vídeos  abaixo:    Áudio  da  Música  Vaca  Estrela  e  Boi  Fubá169    Vídeo  de  Almir  Sater  contando  um  causo170    Vídeo  Cordel  do  Fogo  Encantado  -­‐  Música  "Preta"  (Cantada  por  Lirinha)171  Vídeo  "Ai  Se  Sesse"  (Performance  de  Lirinha,  do  Cordel  do  Fogo  Encantado)172  Videorreportagem  de  Rappin  Hood  com  MV  Bill  (Rappers)173    De   forma   a   nos   sensibilizarmos  para   a   presença  do   fenômeno  da   variação   linguística   nos  mais   diferentes  contextos,   tipos  de   interação  e  gêneros,  gostaríamos  de  propor  o  seguinte  exercício,  que  deverá  ser   feito  com  base  na  leitura  das  páginas  anteriores:    

   

(Clique  na  imagem  para  ampliá-­‐la)174    

169 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ra4c-zdEsgM&feature=related, acesso em 19/04/2011. 170 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=RByO8cpoTeM&feature=related, acesso em 19/04/2011. 171 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=IxY2nvAvEYQ, acesso em 19/04/2011. 172 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ReVVuq0SnlY, acesso em 25/04/2011. 173 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ZbfWXxugj1s, acesso em 19/04/2011. 174Fonte:/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/_LP00

6_T3_TP2_P8_11.jpg, acesso em 19/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    A   observação   sistemática   da   ocorrência   do   /r/   nos   diferentes   dados   de   fala   nos   leva   a   refletir   sobre   os  seguintes  pontos:    

1.  Voltar  a  atenção  para  apenas  um  único  traço  linguístico,  que  funciona  como  um  "marcador"  de  identidade   linguística   regional,   nos   faz   perceber   a   variação   na   fala   de   cada   indivíduo;   em  outras  palavras,  passamos  a  perceber  que  a  fala  individual  (o  idioleto175)  também  está  sujeita  a  variação;  por   exemplo,   em   um   dos   vídeos   que   vimos,   Almir   Sater   não   fala   o  mesmo   /r/   ao   longo   de   sua  narrativa,   um   fenômeno   que   afeta  mais  marcadamente   os   falantes   do   estado   de   São   Paulo,   de  certas  regiões  de  Minas  Gerais,  do  Centro-­‐Oeste  e  do  Sul  do  Brasil.    2.  Voltar  a  atenção  para  apenas  um  ou  dois  traços  linguísticos,  que  funcionam  como  "marcadores"  de  identidade  linguística  regional,  nos  faz  perceber  que  é  possível  que  o  falante  controle  a  sua  fala,  exacerbando,  em  certos  contextos,  determinados  traços  e  deixando  à  sombra  esses  mesmos  traços  em  outro  contexto;  por  exemplo,  o  sotaque  de  Lirinha  (o  intérprete  e  compositor  do  grupo  Cordel  do  Fogo  Encantado)  pode  ser  percebido  no  seu  todo  (muitos  traços  o  caracterizam  e  não  apenas  a  palatalização   de   /t/   e   /d/),   quando   ele   declama   o   poema;   já   quando   ele   canta,   o   traço   mais  proeminente  é  apenas  um,  justamente  o  da  palatalização  de  /t/  e  /d/.  Este  fenômeno  é  definido  na  literatura  sociolinguística  como  estilização176.  3.  Voltar  a  atenção  para  um  único  traço  da  fala,  que  funciona  como  um  "marcador"  de  identidade  linguística  regional,  pode  nos  levar  à  conclusão  de  que  este  traço,  percebido  como  marcador  da  fala  de  um  grupo  social  e/ou  regional  específico,  na  verdade,  é  característico  do  chamado  vernáculo177,  a  fala  que  a  maioria  de  nós  produz  cotidianamente  quando  não  está  prestando  atenção  à  própria  fala;  no  caso  da  fala  vernacular  brasileira,  uma  de  suas  características  é  o  apagamento  do  /r/  em  final  de  palavra,  traço  este  bem  marcante  na  performance  da  música  Vaca  Estrela  e  Boi  Fubá,  mas  que  é  um  traço  da  fala  da  maioria  dos  brasileiros178  em  contextos  de  situação  informal.    4.   Voltar   a   atenção   para   um   ou   dois   traços   da   fala,   que   funcionam   como   "marcadores"   da  identidade   linguística   regional,   pode   nos   levar   a   perceber   que   isso,   de   forma   alguma,   impede   a  interação  entre  os  falantes  das  diferentes  variedades  linguísticas.  Apesar  de  Rappin  Hood  e  MV  Bill  exibirem  diferentes  falares,  isto  não  impede  que  eles  conversem,  interajam,  mesmo  percebendo  as  diferenças  linguísticas  existentes  entre  eles.  Essas  diferenças  estão  relacionadas  ao  fato  de  ambos  terem  nascido  e   vivido  durante  muito   tempo  em  diferentes   lugares   (Rio   e   São  Paulo),   apesar   de  pertencerem  a  universos  sociais  semelhantes  (a  periferia  das  grande  cidades).    

 

175 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Idioleto, acesso em 19/04/2011. 176 Vamos tratar deste fenômeno no próximo tópico. 177 O termo vernacular, como já dissemos anteriormente, geralmente refere-se à variedade mais coloquial do repertório

linguístico de um falante. Isto não significa que essa variedade é falada apenas em situações informais. Por exemplo, a fala de Daniel Godri é construída como predominantemente vernacular, mas é produzida em uma situação formal, na qual ele é o palestrante, um especialista que fala para um público atento e com o qual estabelece uma relação assimétrica.

178 Excetuando-se, é claro, os falantes de variedades regionais do Sul do Brasil que pronunciam o /r/ plenamente em final de sílaba.

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Finalizando  1  ________________________________________________________________________________________    Neste  tópico  2,  vimos  que:      

1.  A   variação   diatópica   é   um   tipo   de   variação   linguística   que   ocorre   porque   os   falantes   são   de  origens   geográficas   distintas.   Esse   tipo   de   variação   está   na   base   do   fato   de   línguas   nacionais  distintas,   como   o   português   de   Portugal   e   o   português   do   Brasil,   apresentarem   diferenças  linguísticas   importantes,  mesmo  que   seus   falantes   possam   se   compreender  mutuamente.   É   esse  tipo  de  variação  que  está  na  base  da  emergência  de  diferentes  "sotaques"  de  uma  mesma  língua.        2.   Um   dos   principais   traços   de   diferença   entre   as   variedades   regionais   é   o   da   pronúncia   ou  realização  dos  segmentos  sonoros  (sons),  estudados  pela  fonética  e  pela  fonologia.          3.  Um  traço  linguístico  marcador  de  diferenças  linguísticas  regionais  no  Brasil  é  a  pronúncia  aberta  de  vogais  pré-­‐tônicas  como  em:  "lÉvantado"  ou  "fÉlicidade",  "mÉnor   ideia",  "rÉservada",  "pÉsar".  Os   falantes   da   região   Norte   e   Nordeste   optam   pela   realização   aberta,   enquanto   os   falantes   da  região  Sul  e  Sudeste  optam  pela  realização  fechada  (CALLOU  e  LEITE,  2002).    4.   Uma   outra   variação   na   pronúncia   que   marca   diferenças   linguísticas   regionais   no   Brasil   é   a  realização  da  consoante  /s/.  O  /s/  não  chiado  é  realizado  por   falantes  do  sul  e  sudeste  do  Brasil  (Espírito  Santo,  São  Paulo,  Minas  Gerais,  Paraná,  Santa  Catarina,  Rio  Grande  do  Sul)  e  em  Goiás.  O  /s/   com   chiamento   mais   ou   menos   generalizado   é   realizado   por   falantes   do   litoral   de   Santa  Catarina,  cidades  de  Santos,  Rio  de  Janeiro,  Recife  (tendencialmente),  Baixada  Cuiabana  e  região  de  Belém  do  Pará,   com  continuação  na  área  do  Rio  Amazonas.  No  Nordeste,  de   forma  geral,  ocorre  uma  variação  livre  entre  o  /s/  chiado  e  o  /s/  não  chiado  em  posição  pré-­‐consonantal.  Em  posição  final,  o  /s/  não  chiado  é  o  mais  pronunciado  no  Nordeste  brasileiro  (NOLL,  2008).    

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Finalizando  2  ________________________________________________________________________________________    5.  Outro  traço  divisor  de  águas  dos  falares  brasileiros  é  a  realização  de  /t/  e  /d/  antes  de  /i/.  Nos  falares  de  várias   regiões   do   Nordeste   e   de   alguns   estados   do   Sul   e   do   Sudeste,   por   exemplo,   /t/   e   /d/   não   são  palatalizados.  Nas  demais  regiões,  o  /t/  e  o  /d/  antes  de  /i/  tendem  a  ser  palatalizados.    6.  Por  fim,  há  pelo  menos  três  diferentes  /r/:  o  vibrante  simples  (de  "coração");  o  velar  (de  "rio",  "rato");  o  "caipira"  ou  retroflexo,  realizado  principalmente  no  interior  do  Sudeste  e  do  Sul  do  País,  tanto  em  contexto  de  final  de  sílaba  como  em  contexto  pré-­‐consonantal.          7.  As  diferenças   linguísticas  que  podem  ser  percebidas  na  observação  das  diferentes  variedades   regionais  brasileiras   e   na   observação   do   PB,   em   comparação   com   o   PP,   não   parecem   impedir   definitivamente   a  comunicação  e  a   interação  entre  os   falantes,   já  que  estamos,   inevitavelmente,   imersos  nesse  contínuo  de  falares  ou  "sotaques".                

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Tópico  3  -­‐  O  trabalho  de  estilização  das  variedades  sociais  e  regionais    

Ponto   de  partida_____________________________________________________________________________

___________    Neste  último  tópico  do  Tema  3,  iremos  trabalhar  com  o  tema  da  estilização  das  variedades  linguísticas.    Vimos  que  as  línguas  são  fenômenos  variáveis,  dinâmicos,  mutáveis.  A  concepção  de  língua  que  adotamos  ao   longo   do  Tema   3,   é   a   de   língua   como   conjunto   de   variedades.  No   tópico   2,   fizemos   uma   abordagem  breve  do  fenômeno  da  variação  linguística,  enfocando  principalmente  a  questão  das  diferentes  pronúncias  dos  falantes,  o  chamado  sotaque.      Neste   último   tópico   3,   vamos   nos   dedicar   à   observação   de   como   os   falantes   manipulam   de   forma  consciente   e   deliberada   os   diversos   recursos   das   diferentes   variedades   linguísticas,   de   forma   a   obter  determinados  efeitos  (humorísticos,  poéticos,  retóricos,  interacionais  etc.)        Para  isso,  precisamos  saber:  o  que  é  estilização?      Antes  de  respondermos  a  esta  pergunta,  vamos  ver  e  ouvir  atentamente  os  vídeos  abaixo:      

   (Clique  nas  imagens  para  assistir  aos  vídeos)179  

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179 Vídeo Matuto no Cinema, de Jessier Quirino. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=wamnabxSnKM, acesso em

19/04/2011.

Vídeo da performance de Matuto no Cinema, por Jessier Quirino. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Vf03ZYyMrF0, acesso em 19/04/2011.

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Mãos   à  obra_________________________________________________________________________________

_______    A   estilização   das   variedades   linguísticas   é   um   recurso   fundamental   para   os   "poetas   populares",   como   se  autodenomina   Jessier   Quirino.   A   ação   de   estilizar   a   linguagem   está   relacionada   ao   fato   de   o   poeta   e/ou  artista   popular   poder   manipulá-­‐la   de   forma   propositalmente   indisciplinada   e   organizada,   como   nos   diz  Bakhtin  (1988).  

   

Ao   observamos   a   linguagem   do     matuto180,   personagem   criado   por  Jessier   Quirino,   tanto   em   sua   performance   ao   vivo   como   no   vídeo   de  animação,   vamos   logo   perceber   que   ele   mistura   traços   linguísticos   de  diferentes  variedades,  para  compor  a  fala  e  a  identidade  nordestinas  de  seu   personagem.   Suas   performances   têm   como   principal   objetivo   falar  de  diferentes  temas  de  forma  irreverente  e,  ao  mesmo  tempo,  poética.      

Vejamos  alguns  elementos  que  marcam  a  fala  do  personagem  como  uma  fala  "nordestina":  • Léxico:  "cabra",  "embira",  "cuscuz  com  leite";  • Pronúncia:  /t/  e  /d/  não  palatalizado;  vogais  pré-­‐tônicas  abertas;  variação  entre  /s/  chiado  e  o  /s/  

não  chiado;  pronúncia  do  /s/  final  como  /i/  como  em  "rapai";    • Metáforas:  "perigoso,  que  só  buxada  de  bode";  "invocado,  que  só  um  fiscal  de  gafieira".    

 Agora,  alguns  elementos  que  também  aparecem  na  fala  do  personagem,  mas  que  são  caracterizadores  de  variedades  vernaculares  ou  não  padrão  do  português  brasileiro:    

• desnasalização  da  desinência  de  3ª  pessoa  do  plural,  do  pretérito  perfeito  -­‐  passa  de  "amarraram"  para  "amarraro"';    

• queda  parcial  do  plural:  "estados  unido";  "dois  artista";    • o   alteamento   da   vogal   pré-­‐tônica   -­‐   passa   de   polícia   para   "puliça";   na   mesma   palavra,   a  

monotongação  do  ditongo  final  -­‐  passa  de  "polícia"  para  "puliça"        ________________________________________________________________________________________  

180 Fonte: http://charlezine.files.wordpress.com/2010/11/jessier-quirino.jpg?w=300, acesso em 19/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Vejamos  agora  o  trabalho  de  estilização  da  linguagem  feito  pelo  rapper  Criolo181.  Comparemos  duas  letras  do  rapper:  "Subirosdoistiozin"182  (clique  aqui183  para  ver  a  transcrição  da  letra)  e  "Não    existe  amor  em  SP"184  (clique  aqui185     para   ver   a   letra).  As  duas  músicas   fazem  parte  do  álbum  Nó  na  Orelha186,   disponível  para  download  na  Internet.      Vejamos  as  principais  características  textuais-­‐discursivas  da  letra  "Subirosdoistiozin":    a)  Do  ponto  de  vista  estrutural,  a   letra  não  é  uma  narrativa.  Ela  procura  reconstruir  cenas  do  cotidiano  da  periferia.   Por   exemplo,   nos   versos,   "má   quem   qué   pretá/   má   quem   qué   branca/   todo   azulê/requer   seu  rejuntin",  o  autor  tematiza  a  procura  por  drogas  na  favela,  por  meio  de  metáforas  (cada  freguês  escolhe  a  droga  que  lhe  apetece  ("todo  azulê/requer  seu  rejuntin")  e  por  meio  de  gírias.  Outras  cenas  são  descritas:  a  movimentação   de   pessoas   desocupadas   na   periferia   ("os   perreco   vem/os   perreco   vão"),   as   crianças   da  periferia  andando  armadas  com  metralhadoras  ("a  criança  daqui  tão  de  HK"),  os  saraus  que  acontecem  na  periferia   hoje   em   dia   ("leva   no   sarau/salva   essa   alma   aí"),   a   periferia   vigiada   pelo   tráfico   ("o   sol   tá   de  rachá/vários  de  campana/aqui  na  do  campin"),  uma  reunião  de  rappers/ativistas  em  uma  casa  ("só  função187  no  doze"),  o  sofrimento  escondido  de  um  menino  ("eu  cresci  no  mundão/onde  o  filho  chora/e  a  mãe  não  vê")  b)  Ainda  na  letra,  o  autor  revela  uma  parte  de  sua  visão  de  mundo.  Por  exemplo,  nos  versos  "Aqui  a  lei  do  cão/quem  sorri  puraqui/qué  vê  tu  caí",  fala-­‐se  de  um  tema  bastante  recorrente  em  muitos  raps:  o  de  que  não  se  pode  confiar  em  ninguém  nesses  ambientes.  Em  outros  versos,  fala  dos  que  prejudicam  a  periferia  ("E   covarde   são/quem   tem   tudo  de  bom/e   fornece  o  mal/pra  a   favela  morrê").  O   rapper   também  brinca:  quem  se  dá  bem  na  vida  acaba  virando/se  parecendo  um  "chinezim".  Ele  também  fala  metaforicamente  da  postura  diante  da  vida  daqueles  "que  acham  que  são  mas  nunca  vão  ser".      Sendo   assim,   essa   letra   não   nos   conta   uma   história,   mas   permite   que   adentremos   o   universo   social   da  periferia   visto   por   um   rapper.   As   características   textuais   e   discursivas   da   letra   e   o   trabalho   sobre   as  variedades   linguísticas   empreendido   permite   conferir   a   ela   um   estilo   bem   marcado.   Do   ponto   de   vista  linguístico,  esse  estilo  é  reforçado  pela  manipulação  dos  seguintes  recursos:  (i)  ausência  de  concordância  nominal  em  alguns  sintagmas  nominais;  (ii)  pronúncia  forte  do  "r"  vibrante  em  contextos  de   início  ("riquer",  "Rornet"  e  meio  de  palavra  ("arrastá"  "sorri",  "perreco");    (iii)   redução   de   palavras   -­‐   as   terminadas   em   inho   ("campinho>campim";   "chinesinho>chinesim")   e   outras  ("mas>má"  e  "licença>cença").      

 

181 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Criolo_(cantor), acesso em 21/02/2012. 182 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=IQXUlxsnQ9o, acesso em 21/02/2012. 183

https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Subirudoistiozin_Criolo.pdf

184 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=f35HluEYpDs, acesso em 21/02/2012. 185 Fonte: http://letras.terra.com.br/criolo-doido/1857556/, acesso em 21/02/2012. 186 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nó_na_Orelha, acesso em 20/02/2012. 187 Fonte: http://letras.terra.com.br/dexter/456319/, acesso em 20/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Podemos  considerar  que  Criolo,  como  os  outros  poetas  anteriormente  apresentados,  é  um  poeta  popular.  E  como   tal,   vai   fazer   uso   de   variados   recursos   na   elaboração   de   suas   poesias.   Vimos   que   a   letra  "Subirusdoistiozin"  é  bastante  trabalhada,  tanto  do  ponto  de  vista  da  forma  (recursos  linguísticos  e  textuais)  como  do  ponto  de  vista  dos  conteúdos,  com  o  objetivo  de  mostrar  a  linguagem  e  os  pontos  de  vista  (como  em   um   caleidoscópio)   de   parcelas   significativas   das   periferias   brasileiras.   No   entanto,   o   rapper   também  compõe  "Não  existe  amor  em  SP"188,  uma  letra  criada  por  outra  persona.  Nesta  letra,  os  versos  do  poeta  são  escritos   sem   as   principais   marcas   linguísticas   e   discursivas   presentes   em   "Subirosdoistiozin",   ou   seja,  recursos  linguísticos  socialmente  estigmatizados  e  fragmentação  dos  conteúdos.      Na  letra  de  "Não  existe  amor  em  SP",  o  tema  é  enunciado  no  título  e  explicado  (Por  que  não  existe  amor  em  SP?)  de  várias  maneiras  ao  longo  das  estrofes.  Além  disso,  a  variedade  linguística  mobilizada  é  a  culta,  com  todas  as  suas  marcas:  concordância  nominal  e  verbal  e  ausência  de  manipulação  da  pronúncia  das  palavras.  Na  letra  de  "Não  existe  amor  em  SP",  podemos  perceber  que:  a)  para  justificar  que  o  título  da  música,  a  cidade  de  São  Paulo  é  descrita.  A  descrição  da  cidade  é  feita  por  meio  de  metáforas:  SP  é  como  "um  labirinto  místico  onde  os  grafites  gritam";  SP  é  como  "um  buquê".  Em  seguida,  a  aproximação  entre  SP  e  um  buquê  é  feita  por  meio  de  outra  descrição:  "Buquê  são  flores  mortas  num  lindo  arranjo  feito  para  você";  b)  nesta  letra,  como  em  "Subirusdoistiozin",  há  a  descrição  de  uma  cena:  os  bares  cheios.  Mas,  segundo  o  poeta,  estão  "cheios  de  almas  tão  vazias".  No  entanto,  se  isso  guarda  alguma  semelhança  com  a  outra  letra  do  poeta,   esse  é  um   item  que   também  marca  a  diferença  entre  esta   letra  e   a  outra:   o  número  de   cenas  descritas/  encenadas  em  "Subirusdoistiozin"  é  muito  maior  do  que  aquele  em  "Não  existe  amor  em  SP";  c)  também  como  na  letra  "Subirusdoistiozin",  o  poeta  revela  o  seu  ponto  de  vista  sobre  a  cidade  por  meio  de  afirmações  genéricas:  um  lugar  onde  "a  ganância  vibra",  "a  vaidade  excita"  e  onde  "ninguém  vai  para  o  céu";  d)  por  fim,  como  na  letra  "Subirusdoistiozin",  o  poeta  revela  o  seu  ponto  de  vista  sobre  a  vida:  "Não  precisa  morrer  para  ver  Deus",  "Não  precisa  sofrer  para  saber  o  que  é  melhor  pra  você".          Assim,  podemos  dizer  que  cada  letra  de  música  constrói  um  estilo:  um  mais  popular  ("Subirusdoistiozin")  e  o  outro  mais  culto  ("Não  existe  amor  em  SP").    ________________________________________________________________________________________  

188 Fonte: http://letras.terra.com.br/criolo-doido/1857556/, acesso em 20/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    

Vejamos  mais  um  exemplo  de  estilização  de  variedades  linguísticas.  Vamos  ver  e  ouvir  atentamente  a  performance  de  Marco  Luque,  ator  paulistano  que  encarna  um  motoboy.      Quais   traços   das   variedades   linguísticas   do   português   brasileiro   estão   sendo  estilizados?  Podemos  dizer  que  a  identidade  social  em  jogo,  aqui,  para  a  qual  o  trabalho   de   estilização   da   linguagem  precisa   dar   corpo   é   a   do  motoboy191,   um  tipo   social   das   grandes   metrópoles   (como   diz   o   personagem),   que   exerce   a  profissão   de   entregador   veloz   de   objetos   e   documentos.   Por   se   deslocar   na  cidade,  o  motoboy  é  um  sujeito  que  transita  por  diferentes  redes  sociais,  vendo  e   sendo   visto,   observando   e   sendo   observado.   Os   traços   linguísticos   mais  marcados  na  linguagem  do  personagem  (um  motoboy  paulistano)  são  os  que  se  seguem:    a)  a  inserção  de  (i)  em  sílaba  tônica  em  palavras  como  "nós"  que  passa  a  "nó(i)s";    b)  a  queda  do  /r/  final  de  verbos  e  substantivos  ("aproveitá(r)",  "retrovisô(r)");    c)  a    assimilação  de  /nd/  em  /n/  em  palavras  como  "in(d)o"  e  "vin(d)o";    

d)   perda   do   -­‐s   (e   de   suas   variantes)   da   desinência   de   plural:   "nóis   prolifera",   "nóis   quér",   "nóis   viemo",  "(vo)cês  queria  etc.;  em  outras  palavras,  a  ausência  de  concordância.    A  estilização  desses  traços  específicos,  e  não  de  outros,  constrói  para  o  motoboy  a  identidade  linguística  de  falante   de   variedades   populares   ou   não   padrão,   em   especial   paulistanas,   dado   que   esses   traços   são  caracterizadores  dessas  variedades  (RIBEIRO,  2002;  CASTILHO,  1997;  NOLL,  2008;  ILARI;  BASSO,  2006).  Mas,  nesse  dado,  também  podemos  perceber  o   fenômeno  da  estilização   justamente  em  função  do  fato  de  que  alguns   dos   traços   acima  não   são   sistematicamente   utilizados,   tal   como  o   traço  da   não   concordância.  Um  exemplo  desse  uso  não  sistemático  (e,  portanto,  estilístico)  de  um  certo  recurso  linguístico  é  justamente  a  ocorrência  da   concordância  nos  enunciados   "eu  ouço   todas  as  minhas"  e   "as   avenidas   são  as   artérias".  A  respeito  da  variação  estilística  em  falantes  do  mesmo  grupo  social  (no  caso,  em  fala  de  rappers),  ver  Bentes  (2009).    Outro   traço   linguístico-­‐discursivo   marcador   dessa   identidade   social   são   as   metáforas   ou   "ditos".   Na  performance   de  Marco   Luque,   o   personagem   insta   a   plateia   a   "flexionar"   (estilização   do   verbo   "refletir")  sobre   dois   "dilemas":   "o   que   a   gente   não   pode   detê-­‐los...   junte-­‐se   a   eles"   e   "a   cidade   é   uma   ferida  incrustrada  na  crosta  terrestre",  trabalho  de  estilização  de  uma  enunciação  proverbial  e  de  uma  enunciação  metafórica  (NOGUEIRA,  2010).    ________________________________________________________________________________________  

189 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=RRsyD24HC74, acesso em 19/04/2011. 190Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/mod

ulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/Transcricao_de_performance_de_Marco_Luque.pdf, acesso em 19/04/2011.

191 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Motoboy, acesso em 19/04/2011.

 (Clique  aqui189  para  ver  a  performance    

e  aqui190  para  ler  a  transcrição)    

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________  Vejamos,   agora,   outros   exemplos   do   trabalho   de   estilização   da  linguagem   de   textos   jornalísticos   da   mídia  impressa.  Trabalharemos   com  duas  notícias   veiculadas  no  mesmo  dia:   uma   no   Jornal   Notícia   Já192   e   outra   no   Jornal   Correio  Popular193,  ambos  da  cidade  de  Campinas,  São  Paulo.          "GRANA   CURTA   NÃO   BRECA   MAIS   SONHO   DE   DAR   ROLÊ   LÁ  FORA"  (Manchete  da  primeira  página)    "Só   alegria.   Galera   que   ganha   de   3   a   10   salários  mínimos   virou   figurinha   fácil   nos   aeroportos   do   País;   a  chamada  classe  C  decola  pro  mundo  nem  que  for  pra  pagar  a  viagem  a  perder  de  vista."(Lide  da  matéria  que  remete  à  página  3  do  Jornal  Notícia  Já,  de  17  de  abril  de  2011)          "EMERGENTES   DA   CLASSE   C   JÁ   MIRAM   VIAGENS   INTERNACIONAIS"   (Uma   das   chamadas   da   primeira  página)    "Mais   da   metade   (52%)   dos   brasileiros   que   planejam   uma   viagem   ao   exterior   nos   próximos   12   meses  pertence  à  classe  C  -­‐  conhecida  como  a  nova  classe  média  brasileira.  São  pessoas  que  possuem  renda  entre  três  e  dez  salários  mínimos  e  já  fizeram  a  primeira  viagem  de  avião,  dentro  do  País.  Buenos  Aires,  Miami  e  Nova   York   são   os   destinos   mais   procurados   pelos   novos   turistas   internacionais."   (Lide   da   matéria   que  remete  à  página  B9  do  Jornal  Correio  Popular,  de  17  de  abril  de  2011)            É  possível  perceber  que  o   trabalho  de  estilização  da   linguagem  aqui   incide   sobre  o   léxico,  principalmente  sobre  os  referentes  (do  que  se  fala?)  textuais.  

(Clique na imagem194 para ampliá-la)

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192 Fonte: http://midiablog.wordpress.com/2007/03/28/novo-jornal-popular-em-campinas/, acesso em 19/04/2011. 193 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Correio_Popular, acesso em 19/04/2011. 194Fonte:/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/linguagem_oral_generos_variedades/LP_D6

_T3_I28.PNG, acesso em 19/04/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________    Vimos  que  a  observação  da  primeira  página  de  cada  um  dos  dois  jornais  nos  leva  a  perceber  uma  diferença  muito  grande  na  forma  de  se  nomear  o  principal  referente  textual,  no  caso,  a  Classe  C.      O  Jornal  Notícia  Já  prefere  categorizar  esse  grupo  por  meio  de  nomes  usados  em  situações  informais  de  fala,  tais  como  "galera"  e  "figurinha  carimbada".  São  dois  termos  que  podem  ser  considerados  gírias  comuns.  Já  o  Jornal   Correio   Popular   mobiliza   expressões   mais   genéricas   e   menos   marcadas,   tais   como   "pessoas"   e  "turistas   internacionais"   para   categorizar   o   mesmo   grupo.   Além   disso,   no   Correio   Popular,   a   "classe   C"  também   é   recategorizada   por   meio   de   um   vocábulo   mais   técnico,   originado   do   campo   dos   estudos  socioeconômicos:  "emergentes".        Ambos  os  jornais  referem-­‐se  ao  grupo  social  tematizado  como  "classe  C",  expressão  esta  acompanhada  ou  de  determinante  ("chamada",  no  Notícia  Já)  ou  de  modificador  ("conhecida  como  a  nova  classe  média",  no  Correio  Popular).      Se   a   forma   de   categorizar   o   grupo   tematizado   revela   uma   interlocução   específica   de   cada   jornal   com  diferentes  grupos  sociais,  a  forma  de  tematizar  a  questão  também  reforça  esta  interlocução  diferenciada.      No  Jornal  Notícia  Já,  o  foco  recai  sobre  o  fato  de  que,  mesmo  tendo  "grana  curta",  a  chamada  classe  C  pode  viajar   porque   tem   crédito.   Nas   palavras   do   Jornal,   essa   classe   "não   breca  mais   esse   sonho".   Novamente  aqui,  o  uso  de  um  vocábulo  de  natureza  gíria  (o  verbo  "brecar").  O  Jornal  Correio  Popular  tematiza  o  fato  de  que  os  emergentes  da  classe  C  "miram"  ("têm  por  objetivo")  as  viagens  internacionais,  numa  clara  diferença  de   ponto   de   vista:   para   o  Notícia   Já,   as   pessoas   da   classe   C   "sonham"   com   isso;   para   o   Jornal   Correio  Popular,  essa  classe  tem  objetivos  precisos  (verbo  "mirar")  e  calculados.    Por  fim,  a  recategorização  de  viagem  internacional  pela  expressão  "rolê  lá  fora",  feita  pelo  Notícia  Já,  revela  não   apenas   o   uso   de   uma   linguagem   mais   informal   e   considerada   "oral"   na   escrita   jornalística,   mas,  principalmente,  a  "naturalização"  de  um  fato:  viajar  para  o  exterior  passa  a  ser  algo  corriqueiro,  banal,  um  simples  "rolê"  para  esse  grupo  social.      ________________________________________________________________________________________  

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Finalizando   o  tópico_______________________________________________________________________________

_________    Neste  tópico  3,  tivemos  o  objetivo  de:    

1. Mostrar   que   estamos   imersos   em   um   mundo   discursivo   repleto   de   objetos   artístico-­‐culturais,  organizados  de   forma  a  estilizar   (manipular)  as  diferenças   linguísticas,   com   fins  de  entreter  e,  ao  mesmo  tempo,  de  afirmar  e  valorizar  identidades  sociais  (é  o  caso  das  performances  e  das  letras  de  canção   analisadas)   e   de   privilegiar   certos  modos   de   fala   na   configuração   de   práticas   de   escrita.  (Jornal  Notícia  Já).  

2. Evidenciar  que  a  manipulação  consciente  de  traços  das  variedades  linguísticas  é  um  procedimento  muito  usado  por   todos  aqueles  profissionais  da   linguagem   (poetas,   escritores,   atores,   jornalistas,  publicitários  etc.),  procedimento  este  que  fica  registrado  nos  produtos  culturais  e  é  reconhecido  e  compreendido  pelo  público  ou  pela  audiência.    

3. Compreender,  de  forma  mais  reflexiva,  as  atividades  de  estilização  empreendidas  pelos  diferentes  profissionais,  de  forma  a  valorizar  este  trabalho  e    aprofundar  o  nosso  olhar  em  relação  a  práticas  de   linguagem   que   parecem  muito   banais,  mas   que,   na   verdade,   resultam   de   intensa   e   contínua  elaboração  consciente  das  diferentes  variedades  linguísticas.  

4. Reforçar  a  ideia  da  íntima  relação  entre  língua  e  sociedade,  entre  língua  e  identidade  social,  entre  língua  e  poder.  

 Neste  tópico,  vimos  que:    

1. A  estilização  é  a  atividade  de  manipulação  dos  recursos  linguísticos  das  diferentes  variedades  e  dos  diferentes  modos  de  fala,  com  fins  específicos.    

2. As   atividades   de   estilização   podem   ter   o   objetivo   de   (re)afirmar   identidades   sociais   e/ou  distanciar-­‐se  delas,  já  que  um  dos  efeitos  da  estilização  é  transformar  a  linguagem  em  um  objeto  a  ser  observado,  ou   seja,   é  dar  um   foco  especial   sobre  a   linguagem,   fazendo   com  que   seu  público  e/ou  plateia  prestem  atenção  especial  a  ela.  

3. A   estilização   de   certos   traços   linguístico-­‐discursivos   está   inescapavelmente   relacionada   a   certos  tipos  de   interação  ou  a  certos  temas.  Certas  construções  metafóricas  ocorrem,  por  exemplo,  em  narrativas  populares  de  natureza  cômica,  humorística.    

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Finalizando   o  tópico_______________________________________________________________________________

_________    Neste  tópico  3,  tivemos  o  objetivo  de:    

5. Mostrar   que   estamos   imersos   em   um   mundo   discursivo   repleto   de   objetos   artístico-­‐culturais,  organizados  de   forma  a  estilizar   (manipular)  as  diferenças   linguísticas,   com   fins  de  entreter  e,  ao  mesmo  tempo,  de  afirmar  e  valorizar  identidades  sociais  (é  o  caso  das  performances  e  das  letras  de  canção   analisadas)   e   de   privilegiar   certos  modos   de   fala   na   configuração   de   práticas   de   escrita.  (Jornal  Notícia  Já).  

6. Evidenciar  que  a  manipulação  consciente  de  traços  das  variedades  linguísticas  é  um  procedimento  muito  usado  por   todos  aqueles  profissionais  da   linguagem   (poetas,   escritores,   atores,   jornalistas,  publicitários  etc.),  procedimento  este  que  fica  registrado  nos  produtos  culturais  e  é  reconhecido  e  compreendido  pelo  público  ou  pela  audiência.    

7. Compreender,  de  forma  mais  reflexiva,  as  atividades  de  estilização  empreendidas  pelos  diferentes  profissionais,  de  forma  a  valorizar  este  trabalho  e    aprofundar  o  nosso  olhar  em  relação  a  práticas  de   linguagem   que   parecem  muito   banais,  mas   que,   na   verdade,   resultam   de   intensa   e   contínua  elaboração  consciente  das  diferentes  variedades  linguísticas.  

8. Reforçar  a  ideia  da  íntima  relação  entre  língua  e  sociedade,  entre  língua  e  identidade  social,  entre  língua  e  poder.  

 Neste  tópico,  vimos  que:    

4. A  estilização  é  a  atividade  de  manipulação  dos  recursos  linguísticos  das  diferentes  variedades  e  dos  diferentes  modos  de  fala,  com  fins  específicos.    

5. As   atividades   de   estilização   podem   ter   o   objetivo   de   (re)afirmar   identidades   sociais   e/ou  distanciar-­‐se  delas,  já  que  um  dos  efeitos  da  estilização  é  transformar  a  linguagem  em  um  objeto  a  ser  observado,  ou   seja,   é  dar  um   foco  especial   sobre  a   linguagem,   fazendo   com  que   seu  público  e/ou  plateia  prestem  atenção  especial  a  ela.  

6. A   estilização   de   certos   traços   linguístico-­‐discursivos   está   inescapavelmente   relacionada   a   certos  tipos  de   interação  ou  a  certos  temas.  Certas  construções  metafóricas  ocorrem,  por  exemplo,  em  narrativas  populares  de  natureza  cômica,  humorística.    

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Finalizando  o  Tema  ________________________________________________________________________________________    Recapitulando  o  Tema  3,  temos  que:    

1. Todas  as  línguas  do  mundo  apresentam  uma  natureza  dinâmica,  mutável,  variável.    2. As  línguas  sofrem  influências  de  fatores  tais  como:  quem  fala,  com  quem  fala,  o  contexto  em  que  

as  interações  ocorrem,  os  tópicos  sobre  os  quais  se  fala  e,  finalmente,  os  propósitos  comunicativos  que  estão  em  jogo.    

3. A   produção   de   linguagem   também   é   influenciada   por  dimensões   sociais,   tais   como   o   status   de  quem  fala,  a  distância  social  entre  os  participantes  e  o  grau  de  formalidade  da  situação.    

4. As  línguas  humanas  podem  ser  definidas,  cada  uma,  como  um  conjunto  de  variedades,  que  podem  ser  de  natureza  social,  geográfica,  temporal  e  estilística.    

5. A  variação  diacrônica  é  a  variação  linguística  que  se  dá  através  do  tempo.    6. A  variação  diatópica  é  um  tipo  de  variação  linguística  que  ocorre  porque  os  falantes  são  de  origens  

geográficas  distintas.    7. Um  dos  principais  traços  de  diferença  entre  as  variedades  regionais  é  o  da  pronúncia  ou  realização  

dos  segmentos  sonoros  (sons),  estudados  pela  fonética  e  pela  fonologia.    8. A  variedade  padrão   é  uma  das   variedades  de  uma   língua  e  é   associada  à  escrita   e   a  práticas  de  

linguagem   (orais   ou   escritas)   de   prestígio   social.   Ela   passa   por   processos   de   regularização   e  oficialização  e  serve  para  ser  usada  em  funções  altas,   tais  como  a  escolarização,  a  elaboração  de  leis  e  documentos  oficiais  e  a  administração    pública.    

9. As   variedades   não   padrão   são   aquelas   usadas   pelos   falantes   mais   pobres   e   marginalizados   da  sociedade.   Elas   também   apresentam   variações   geográficas   e   sociais.   É   por   meio   delas   que   são  veiculados   conteúdos  de   tradição  oral.  Não   sofrem  processos  de   regularização  e  de  oficialização.  São  associadas  a  práticas  de  linguagem  (orais  ou  escritas)  de  pouco  prestígio  social.    

10. A  variação  linguística  está  presente  nos  textos  (orais  e  escritos)  e  nos  gêneros  textuais.  Na  fala  e  na  escrita   das   pessoas   e   nas   mais   diferentes   práticas   de   linguagem,   os   traços   linguísticos  diferenciadores  e/ou  marcadores  de  pertencimento  social  e/ou  regional  coocorrem,  ou  seja,  ambos  os   tipos  de   traços   formatam  a  produção  de   linguagem  simultaneamente.Todos  os  exemplos  aqui  trabalhados  são  exemplos  da  influência  simultânea  de  fatores  sociais  e  regionais  sobre  a  produção  de  linguagem.    

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Atividade   autocorrigível  5______________________________________________________________________________________

__    Leia  atentamente  os  enunciados  abaixo  e  atribua   falso  ou  verdadeiro  a  cada  um  deles   (confira  a   resposta  passando  o  cursor  do  mouse  sobre  o  número  das  alternativas):      1195.   A   estilização   é   a   atividade   de  manipulação   dos   recursos   linguísticos   das   diferentes   variedades   e   dos  diferentes   modos   de   fala,   com   o   único   objetivo   de   desconstruir   a   identidade   social   daquele   a   quem   se  atribui  a  fala  estilizada.      2196.  As   línguas  sofrem  influências  de  fatores  tais  como:  quem  fala,  com  quem  fala,  o  contexto  em  que  as  interações  ocorrem,  os  tópicos  sobre  os  quais  se  fala  e,  finalmente,  a  função  comunicativa  que  está  em  jogo.    3.197  A  variação  diatópica  é  a  variação  linguística  que  se  dá  através  do  tempo.    4198.  Em  geral,  apenas  um  traço  linguístico  é  estilizado  nas  produções  artístico-­‐culturais.      5199.  A  estilização  da  variedade  não  padrão  é  a  característica  principal  dos  dois  dados  analisados:  a  cena  do  filme  "O  Invasor"  e  a  performance  de  Marco  Luque.    6200.  Tanto  o  fenômeno  da  variação   linguística  como  as  atividades  de  estilização  das  diferentes  variedades  incidem  sobre  os  diferentes  níveis:  o  fonético-­‐fonológico,  o  lexical,  o  sintático  e  o  semântico.      7201.   A   variação   linguística   e   as   atividades   de   estilização   das   diferentes   variedades   ocorrem   na   fala   e   na  escrita.        ________________________________________________________________________________________  

Ampliando  o  conhecimento  1  

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     Os   diversos   textos   que   compõem   o   livro,   escritos   por   pesquisadores   altamente  gabaritados   em   suas   respectivas   áreas   de   especialização,   cobrem   as   diversas  ramificações   da   Linguística,   aqui   entendida   como   a   ciência   da   linguagem   verbal  humana,  desde  as  mais  tradicionais,  o  chamado  "núcleo  duro"  dessa  ciência,  do  qual  fazem   parte   a   fonologia,   a   morfologia   e   a   sintaxe   -­‐   até   as   que,   paulatinamente,  foram   sendo   incorporadas   -­‐   como   foi   o   caso,   entre   outras,   da   psicolinguística,   da  sociolinguística,   da   análise   do   discurso,   da   linguística   textual,   da   neurolinguística.  (Ingedore  Koch  -­‐  UNICAMP)          

195 Falso. As atividades de estilização podem ter os mais variados objetivos e não apenas o objetivo de desconstruir a

identidade social alheia. 196 Verdadeiro 197 Falso. É a variação diacrônica que ocorre através do tempo. 198 Falso. Como vimos, nas produções culturais, vários são os traços linguísticos manipulados para se atingir determinados

efeitos em relação ao público e/ou à audiência. 199 Verdadeiro. 200 Verdadeiro 201 Verdadeiro

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     O  português  do  Brasil  é  falado  por  mais  de  170  milhões  de  pessoas  em  um  imenso  território,  mas  muita  gente  teima  em  afirmar  que  ele  não  existe  ou,  pior,  não  deveria  existir.   Ilari   e   Basso,   seguindo   uma   tradição   iniciada   nos   anos   20   por   Mário   de  Andrade  e  Amadeu  Amaral,  oferecem-­‐nos,  em  O  português  da  gente,  um  estudo  da  língua  que  nós  falamos  e  que  pouco  a  pouco  vai  conquistando  seus  direitos.  Este  é  um   livro  para   ler,  estudar  e  discutir,  na  sala  de  aula  e   fora  dela.   (Mário  A.  Perini   -­‐  PUC-­‐Minas)          

     Nossa   tradição   educacional   sempre   negou   a   existência   de   uma   pluralidade   de  normas   linguísticas  dentro  do  universo  da   língua  portuguesa;  a  própria  escola  não  reconhece  que  a  norma  padrão  culta  é  apenas  uma  das  muitas  variedades  possíveis  no  uso  do  português  e  rejeita  de  forma  intolerante  qualquer  manifestação  linguística  diferente,  tratando,  muitas  vezes,  os  alunos  como  "deficientes  linguísticos".  Marcos  Bagno  argumenta  que  falar  diferente  não  é  falar  errado  e  o  que  pode  parecer  erro  no  português  não  padrão  tem  uma  explicação  lógica,  científica  (linguística,  histórica,  sociológica,   psicológica).   Para   explicar   esta   problemática,   o   autor   reúne   então   n'A  língua  de  Eulália  as  universitárias  Vera,  Sílvia  e  a  esperta  Emília,  que  vão  passar  as  férias  na  chácara  da  professora  Irene...    

     ________________________________________________________________________________________  

Ampliando  o  conhecimento  2  

________________________________________________________________________________________    Sinopse      Estevão,  Ivan  e  Gilberto  são  companheiros  desde  os  tempos  de  faculdade.  Além  disso,  são  sócios  em  uma  construtora  de  sucesso  há  mais  de  15  anos.  O   relacionamento   entre   eles   sempre   foi   muito   bom,   até   que   um  desentendimento  na  condução  dos  negócios  faz  com  que  eles  entrem  em  choque,   com   Estevão,   sócio   majoritário,   ameaçando   deixar   o   negócio.  Acuados,   Ivan  e  Gilberto  decidem,  então,   contratar  Anísio   (Paulo  Miklos),  um   matador   de   aluguel,   para   assassinar   Estevão   e   poderem,   assim,  conduzir  a  construtora  do  modo  como  bem  entendem.  Entretanto,  Anísio  tem  seus  próprios  planos  de  ascensão  social  e,  aos  poucos,  invade  cada  vez  mais  as  vidas  de  Ivan  e  Gilberto.          Clique  aqui202  para  ver  o  trailer.      

     Sinopse          Laranjinha  (Darlan  Cunha)  e  Acerola  (Douglas  Silva)  são  amigos,  que  cresceram  juntos   em  uma   favela   do  Rio   de   Janeiro   e   agora   estão   com  18   anos.   Acerola  

202 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xkq6wsFFOK0, acesso em 26/04/2011.

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tem   um   filho   de   dois   anos   para   cuidar,   mas   sente-­‐se   preso   pelo   casamento   e   lamenta   a   paternidade  precoce.  Já  Laranjinha  está  decidido  a  encontrar  seu  próprio  pai,  que  não  conhece.  Paralelamente,  o  morro  em   que   vivem   é   sacudido   pelo   mundo   do   tráfico,   já   que   Madrugadão   (Jonathan   Haagensen),   primo   de  Laranjinha,  perdeu  o  posto  de  dono  do  local  para  Nefasto  (Eduardo  BR).          Clique  aqui203  para  saber  mais  sobre  o  filme  e  ver  o  trailer.              ________________________________________________________________________________________  

Ampliando  o  conhecimento  3  

________________________________________________________________________________________    Webgrafia    Você  pode  navegar  e  obter  textos  sobre  os  temas  abordados,  acessando  os  seguintes  links:            Sociolinguística204  A  Sociolinguística  e  seu  papel  metodológico  no  ensino  da  linguagem  oral205  Sociolinguística  educacional:  Teoria  e  prática  nas  aulas  de  Língua  Portuguesa206  O  passado,  o  presente  e  o  futuro  da  Língua  Portuguesa207  Cineport  2009  -­‐  montagem  produção  e  programação208      ________________________________________________________________________________________  

Referências  Bibliográficas  1  ________________________________________________________________________________________    ALKMIM,   T.   Sociolinguística   -­‐   Parte   I.   IN:   F.   MUSSALIM,   A.   C.   BENTES   (Orgs.)   Introdução   à   Linguística:  Domínios  e  fronteiras.  São  Paulo:  Cortez  Editora,  2001.  P.  21-­‐47.        AQUINO,  M.  O  Invasor.  São  Paulo:  Geração  Editorial,  2002.          BAKHTIN,  M.  M.  Questões  de  literatura  e  de  estética.  São  Paulo:  Hucitec,  1988.      BENTES,  A.  C.  Contexto  e  multimodalidade  na  elaboração  de   raps  paulistas.   Investigações.  Vol.  21,  no.  2,  julho  /2008,  p.  199-­‐220.  Disponível  em:  http://www.revistainvestigacoes.com.br/volume-­‐21-­‐N2.htm,  acesso  em  21/02/2012.    

203 Fonte: http://www.cidadedoshomens.com.br/, acesso em 26/04/2011. 204 Fonte: http://ecs.futuro.usp.br/docs/Sociolinguistica.pdf, acesso em 19/04/2011. 205 Fonte: http://www.webartigos.com/articles/9229/1/A-Sociolinguistica-E-Seu-Papel-Metodologico-No-Ensino-Da-

Linguagem-Oral/pagina1.html, acesso em 19/04/2011. 206 Fonte: http://www.unigran.br/revistas/interletras/ed_anteriores/n10/edicao/vol10/artigos/14.pdf, acesso em 19/04/2011. 207 Fonte:

http://www.filologia.org.br/iijnlflp/textos/O_passado_o_presente_e_o%20futuro%20da%20l%C3%ADngua%20portuguesa%20-%20ANA%20CRISTINA.pdf, acesso em 19/04/2011.

208 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=vHTdoED-Epc, acesso em 19/04/2011.

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________.   "Tudo   que   é   sólido   desmancha   no   ar":   Sobre   o   problema   do   popular   na   linguagem.   Revista  Gragoatá   (UFF),   v.   27,   2009.   P.   12-­‐47.   Disponível   em:   http://www.uff.br/revistagragoata/,   acesso   em  21/02/2012.      BRUM,  A.    O  processo  de   criação  artística  no   filme  "O   Invasor".      Dissertação  de  Mestrado.  Universidade  Estadual  de  Campinas.  Campinas,  SP:  Instituto  de  Artes,  UNICAMP,  2003.      BAGNO,  M.  A  língua  de  Eulália:  Uma  novela  sociolinguística.  São  Paulo:  Contexto,  1997.                CASTILHO,  A.  de.  O  Português  do  Brasil.   IN:  R.   ILARI   (Org.).  Linguística  Histórica.   São  Paulo:  Editora  Ática,  1997.  P.  237-­‐272.        CAMACHO,   R.   Sociolinguística   -­‐   Parte   II.   IN:   F.  MUSSALIM,   A.   C.   BENTES   (Orgs.)   Introdução   à   Linguística:  Domínios  e  fronteiras.  São  Paulo:  Cortez  Editora,  2001.  P.  49-­‐75.      CAGLIARI,   L.C.;   MASSINI-­‐CAGLIARI,   G.   Fonética.   IN:   F.   MUSSALIM,   A.   C.   BENTES   (Orgs.)   Introdução   à  Linguística:  Domínios  e  fronteiras.  São  Paulo:  Cortez  Editora,  2001.  P.  105-­‐146.        

Referências   Bibliográficas  2______________________________________________________________________________________

__    CALLOU,  D.;  LEITE,  Y.  Como  falam  os  brasileiros.  Rio  de  Janeiro,  Jorge  Zahar  Editor,  2004.        HOLMES,  J.  An  introduction  to  sociolingusitics.  Harlow,  England:  Pearson  Education  Limited,  2001.          ILARI,   R.;   BASSO,   R.   O   português   da   gente:   A   língua   que   estudamos,   a   língua   que   falamos.   São   Paulo:  Contexto,  2006.      NOLL,  V.  O  português  brasileiro:  formação  e  contrastes.  Rio  de  Janeiro:  Editora  Globo,  2008.  Tradução  por  Mário  Eduardo  Viaro.      NOGUEIRA,   C.   M.   A.   Significados   sociais   da   variação   estilística   em   esquetes   de   rádio.   Dissertação   de  Mestrado.   Universidade   Estadual   de   Campinas.     Campinas,   SP:   Instituto   de   Estudos   da   Linguagem,  UNICAMP.  2010.      PATRIOTA,  L.  M.  A  gíria  comum  na  interação  em  sala  de  aula.  São  Paulo:  Cortez,  2009.      PRETI,  D.  A  gíria  como  um  elemento  da  interação  verbal  na  linguagem  urbana.  Revista  Palavra,  No.  08.  Rio  de  Janeiro:  Editora  Trarepa,  2002,  p.  86-­‐97.      RIBEIRO,   I.   Quais   as   faces   do   português   culto?   IN:   T.   M.   ALKMIM   (Org.)   Para   a   História   do   Português  Brasileiro.  Vol.  III.  Novos  estudos.  São  Paulo:  Humanitas/FFLCH/USP,  2002.  P.  359-­‐381.      ______________________________________________________________________________________