Redes sociais, mulheres e corpo: um estudo da linguagem fitness na rede social Instagram

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    Redes sociais, mulheres e corpo: um

    estudo da linguagemfitnessna rede

    social Instagram1

    Helena JacobDoutora em Comunicao e Semitica pela Ponticia Universidade Catlica de So Paulo

    Vice-coordenadora do curso de Jornalismo e professora na Faculdade Csper Lbero

    E-mail: [email protected]

    N

    esta comunicao analisamos a linguagemitnessnas redes sociais

    e o quanto os textos da cultura estruturados nesta linguagem afe-

    tam as mulheres. Ao destacar a necessidade de alimentao e exer-

    ccios para a obteno do corpo ideal, essas linguagens, advindas do

    sistema cultural alimentao, acabam por impactar e oprimir mulheres, que se

    acham sempre desajustadas por causa dos seus corpos. Destacamos que a an-

    lise ser de vis plenamente comunicativo, tendo por base terica a semitica

    da cultura de Iuri Lotman e a questo sobre o biopoder advindo das polticas do

    corpo, tal como discutida por Michel Foucault.

    Palavras-chave:linguagem; redes sociais; semitica da cultura; biopoder.

    Revista Communicare Dossi Feminismo

    1.Instagram um aplicativo gratuito para smartphones para tirar fotos, escolher filtros e compartilhar o resultado nas redes sociais. Alm dos efeitos, possvel seguir outros usurios no prprio Instagram para visualizar, curtir e comentar nas imagens postadas. In: http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/07/o-que-e-instagram.html. Acesso em 15.03.2015.

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    Artigo 89

    Social media, women and body: a study of

    fitness language at InstagramIn this communication we analyze the fitness language in social networks and how the culture

    of structured texts in this language affect women . Stressing the need to diet and exercise to

    achieve the ideal body , these languages , arising from the cultural power system , eventually

    impact and oppress women , who are always defiled by their bodies . We emphasize that the

    analysis will be fully communicative bias , with the theoretical basis of Yuri Lotman semiotics

    of culture and the discussion of biopower that result from the bodys policies, as discussed by

    Michel Foucault.

    Keywords:language; social media; semiotics of culture; biopower.

    Social media, women and body: a study of

    fitnesslanguage at InstagramEn esta comunicacin se analiza el lenguaje de la aptitud en las redes sociales y cmo la cultura

    de textos estructurados en este idioma afecta a las mujeres . Haciendo hincapi en la necesidad

    de una dieta y ejercicio para lograr el cuerpo perfecto , idiomas , derivada del sistema de poder

    cultural , con el tiempo los golpes y oprimen a las mujeres, que siempre estn contaminadas

    por sus cuerpos. Hacemos hincapi en que el anlisis ser sesgo totalmente comunicativo, con

    las bases tericas de la semitica Yuri Lotman de la cultura y la discusin de biopoder que

    resultan de las polticas del cuerpo, como se comenta por Michel Foucault.

    Palabras-clave: lenguage; redes sociales; semiotica de la cultura; biopoder.

    Volume 14 N 1 1 Semestre de 2014

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    Instagram, justamente por haver um paralelo facilmente definido entre tais imagens

    e as capas de revistas de outrora, sempre tendo como ponto de partida o sistema

    cultural alimentao, de onde se originam as linguagens que comunicam usando a

    comida como mdia muitas vezes de si prpria.

    As linguagens da alimentao

    J pontuamos em trabalhos anteriores (Jacob, 2013) a existncia de duas lin-

    guagens bsicas no sistema cultural da alimentao: culinria e gastronomia. A culi-

    nria, relacionada arte de saber cozinhar e a gastronomia, ao prazer de degustar e

    cozinhar alimentos, sempre implicando na espetacularizao de tais atos, rotineiros

    ou no que sejam na prtica alimentar.

    A gastronomia tem obtido tamanho espao como linguagem do sistema cultu-

    ral da alimentao, que defendemos a existncia de uma gastronomdia, ou seja, quea gastronomia j opera hoje como uma mdia que independe do suporte comunica-

    cional utilizado (idem, 2013). A gastronomdia atua estabelecendo vnculos diretos

    com seus consumidores, sem pressupor um veculo ou canal de comunicao institu-

    cionalizado. Nessa linguagem, ainda em estudo, a comunicao se d diretamente por

    um dos textos da cultura advindos deste sistema: chefs de cozinha, pratos, receitas.

    Mas, num sistema de retroalimentao espetacular (Debord, 1997), a gastro-

    nomdia existe apenas no cenrio comunicacional contemporneo, no qual a gastro-

    nomia tem obtido enorme espao miditico nas ltimas duas dcadas, assim como a

    alimentao, o que levou Lipovetsky a pontuar a existncia do Homo gastronomicus:

    Os guias de cozinha e os livros de receitas que detalham os prazeresgastronmicos invadem as prateleiras das livrarias. Jamais a gastronomia,os chefs, os grandes restaurantes, os bons vinhos foram to comentados,auscultados, postos em cena pelas mdias. Ao mesmo tempo, o mercado (vinho,caf, ch, queijos, po, gua...) evoluiu para nveis de qualidade superior: se osvinhos rotineiros declinam, os de qualidade progridem. Em toda parte, a ofertadiversifica-se em sintonia com uma demanda maior de sabores variados, defrescor, de naturalidade (LIPOVTESKY, 2008, p. 235)

    No cenrio da gastro-anomia, observamos uma intensa preocupao com a

    alimentao e, dela decorrente, uma obsesso com a alimentao correta e saudvel,

    que faz bem para o corpo onde se insere a linguagem fitness, como pretendemos

    mostrar. Nesta interpretao precisamos pontuar que a mente da cultura, ou seja, o

    funcionamento da cultura como um organismo, capaz de se organizar em processos

    cognitivos (Lotman, 1999), torna-se a grande responsvel pela criao dos smbolos

    que representam a alimentao na mdia, tanto enquanto linguagem gastronmica

    quanto como gastronomdia e como fitness.

    Considerando-se que a mente da cultura organiza tais processos cognitivos,

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    devemos ressaltar que as operaes comunicativas geradoras dessas linguagens e

    acreditamos tambm geradoras da linguagem fitness operam na ambincia bios-

    miditica, o quarto bios ressaltado por Muniz Sodr (2006), uma espcie de quarto

    mbito existencial que vai alm da prpria vida, mas opera como vida e atua na esfe-

    ra dos negcios e numa pretensa virtualidade, onde a experincia humana definidacomo relao de extenso da informao e no qual o meio configura-se como parte

    inescapvel da relao mdia/sujeito que se torna visceral:

    Do ponto de vista epistmico, a ambincia biosmiditica deve acelerar aimploso daquele pensamento que nos conduz s heranas que se consolidaramatravs de vises dicotmicas entre a natureza e a cultura, como mecanismo decontrole e sobrevivncia de uma sociedade disciplinar (CIMINO, 2010, p. 129)

    Apesar de a linguagemfitnessapontar para esta separao, precisamos colocar

    veementemente que esta situao no existe. Mesmo que os adeptos desta lingua-gem digam acreditar que aquilo que importa o valor nutricional do alimento, de

    ponto de vista comunicativo e cultural, usar uma linguagem e as estratgias comu-

    nicativas dela derivadas significa pertencimento a um determinado sistema de valo-

    res e crenas. No caso, acreditar na diettica da alimentao estar imerso em um

    determinado padro cultural, que despreza, em geral, o valor cultural do alimento e

    apenas coloca em discusso aspectos nutritivos e corporais.

    Observamos ainda mais do que uma valorizao do poder nutritivo dos ali-

    mentos ou do bem-estar que eles possam trazer, um enorme destaque, at mesmo

    obsessivo, na conquista do corpo ideal, magro e sem gordura. Nas imagens parti-lhadas no Instagram destacam-se os corpos perfeitos, as fotos de antes e depois das

    donas dos perfis (antes gordas, agora magras e dentro do padro), as hashtags de in-

    centivo e as palavras de cunho religioso que impelem os seguidores daquele estilo de

    vida a continuar como j dito, f, fora e foco so as mais comuns de tais hashtags.

    Certamente nessa linguagem volta-se ao estado do alimento como remdio,

    comum na comunicao da alimentao na sociedade Ocidental at o sculo XVIII,

    quando se deu a valorizao da linguagem gastronmica. E constri-se tambm

    uma sociedade de controle, de origem biopoltica (Foucault, 2004), que transforma

    a rede social num autntico panptico, onde todos so observados por todos e todos

    se controlam (Foucault, 1979). Se Foucault colocou nas suas pesquisas a questo

    da Modernidade, hoje adentramos talvez o territrio da ps-ps Modernidade, no

    qual o alimento serve de texto de controle e que controla a todos.

    A diettica e ofitness

    Alimentao e sade esto intimamente relacionadas e a indstria da alimen-

    tao, uma das mais poderosas do mundo, sabe bem disso. Tanto que usa bene-

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    fcios sade e o termo alimentos funcionais (aqueles que funcionam bem para

    o organismo) como armas de marketing para vender e criar marcas que possam

    dominar o mercado. Propor que ele apresente vitaminas ou funes a mais alm

    da nutrio pode ser uma inverdade biolgica, mas uma tima arma de marketing.

    Assim, temos a comida boa e a comida ruim, tal qual definida por Montanari:

    A comida no boa ou ruim por s s: algum nos ensinou a reconhec-la comotal. O rgo do gosto no a lngua, mas o crebro, um rgo culturalmente(e, por isso, historicamente) determinado, por meio do qual se aprendeme transmitem critrios de valorao. Por isso esses critrios so variveis noespao e no tempo: o que em determinada poca julgado positivamente, emoutra pode mudar de carter; o que em um lugar considerado uma guloseima,em outro pode ser visto como repugnante. A definio de gosto faz parte do

    patrimnio cultural das sociedades humanas (MONTANARI, 2008, pag. 95)

    Mesmo considerando as ponderaes do autor, hoje podemos observar uma

    homogeneizao da construo dos textos derivadas da linguagem da comida e

    da cozinha: por um lado h a fora da culinria e da gastronomia como lingua-

    gens da alimentao que fazem parte da sobrevivncia humana, por outro lado,

    a fora industrial e financeira da indstria dos alimentos que, aliada s anomalias

    prprias desses sistemas, como alimentos altamente industrializados, vo gerando

    a necessidade de se criarem novas linguagens ou reestruturarem aquelas antigas.

    Assim, pode-se dizer que a linguagem fitness, que adentra o territrio daquilo que

    o socilogo francs Claude Fiscler chamou de gastro-anomia.Quando abordamos o termofitness, nos referimos a um determinado modo

    de comer e de cozinhar que visa o emagrecimento e/ou o ganho de massa mus-

    cular, especialmente entre os adeptos do fisiculturismo, comumente chamado de

    musculao. Tal linguagem, que existe desde que as dietas comearam a surgir

    ainda na Antiguidade Clssica (Foxcroft, 2013), foi denominada e potencializada

    graas s redes sociais de compartilhamento de informaes, especialmente o Ins-

    tagram, especializado em trocas de imagens. Nesta rede social adeptos do universo

    fitness postam fotos de suas comidas, dietas, rotinas de treinamento fsico e, claro,

    fotos de seus prprios corpos, mostrando os resultados daquilo que os usurios

    chamam de estilo de vida fitness.

    Nesse modo de viver, usa-se o alimento como construtor do corpo perfeito.

    Os alimentos so classificados nos seus elementos formadores: carne protena,

    batata carboidrato, verdura vitamina. H os carboidratos bons, aqueles integrais

    e os amados pelo fitness, como a batata-doce; e h os carboidratos ruins, como o

    acar refinado, demonizado por esse estilo de vida. Geralmente destaca-se no a

    preocupao com a sade daqueles que seguem esse modo de vida, mas sim com

    o efeito que tais alimentos provocam na esttica corporal. Assim alimentam-se

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    as obsesses com o corpo, especialmente entre as mulheres. A capa de revista

    hoje um perfil de Instagram, muitas vezes de um annimo ou de um famoso que

    construiu a fama no mundo da Internet e nas redes sociais, mais especificamente.

    Geralmente fama alimentada por uma cultura que se alimenta iconofagicamente

    (Baitello Jr., 2005) de imagens de mulheres com corpos especialmente modeladospara serem perfeitos. Neste caso por meio do uso de alimentos e ginstica.

    A obsesso pela magreza e a modelizao do corpo feminino

    Em uma sociedade com lipofobia contumaz (Fischler, 2001), estar um pouco

    acima do peso um dos maiores pecados de uma mulher e pode render inmeros

    dissabores. Um exemplo recente a matria do Portal R7 sobre a apresentadora e

    reprter do Globo Esporte, Fernanda Gentil, de 20 de janeiro de 2015:

    Fernanda foi questionada pela matria por ter revelado seu corpo na praia,

    mas no mostrar um corpo perfeito. Ela no era uma deusa grega, apenas uma

    mulher comum, com gordurinhas e celulite mas, ainda assim, magra. Diante

    da repercusso negativa da matria, escrita em tom raivoso e ofensivo, o portal

    retirou o material do ar, pediu desculpas reprter e seguiu a vida de sempre,

    3. In: http://www.buzzfeed.com/manuelabarem/r7-recebe-criticas-sobre-materia-ofensiva-ao-corpo-de-fernan. Acesso em15/03/2015.

    Figura 13 : Reproduo da reportagem sobre Fernanda Gentil Portal R7. In: www.r7.com.br. Acesso em20 de janeiro, 2015

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    trazendo outras matrias sobre celebridades e problemas com o peso, uma cons-

    tante nesse tipo de cobertura jornalstica, alimentando o j citado o culto ma-

    greza tpico da sociedade ocidental:

    La lipophobie moderne, la haine de la graisse, sexercent de manire beaucoupplus manifeste, profonde et contraignante encore sur les corps de la femmeque sur celui de lhomme. Un canon moderne simpose, qui repose tout entiersur un impratif central : la minceur. Ce canon est plus imprieux que jamais: vrai dire, il ne semble pas avoir eu de prcdent vritable. Il sagit trslittralement dun idal de beaut : il chappe en effet la ralit, il est devenu proprement parler impossible atteindre. Une infime minorit des femmessont biologiquement capables dincarner cet idal (FISCHLER, 2001 , p. 357)

    Dentro de um ambiente miditico no qual a comunicao constantemente

    transformada pelas tecnologias, precisamos ponderar que a alimentao vem so-frendo grandes alteraes e acaba se constituindo em mais uma fonte de cobran-

    a e de aprisionamento das mulheres em busca do corpo perfeito geralmente

    inacessvel grande maioria dessas pessoas, por questes corporais e genticas.

    Assim escolhemos o Instagram, rede social cuja principal troca comunica-

    tiva a das imagens. Partindo do pressuposto de que vivemos numa ambincia

    comunicativa biosmiditica (Sodr, 2002) e que no existem mais hoje as supos-

    tas fronteiras entre real e virtual apontadas por Levy (1996) na dcada passada,

    analisar mais um objeto de um fenmeno to recorrente no nosso ambiente con-

    temporneo miditico - o poder de influncia da comunicao digital mediandocomportamentos humanos na vida corporal se mostra como discusso perti-

    nente e urgente para os caminhos da comunicao.

    Seria o Facebook a velha ambincia das vilas, onde as pessoas se encontram

    para bater papo e bisbilhotar a vida alheia? Seria o Instagram o velho lbum de

    fotografias, mas agora configurado para a interatividade e o contato? Pensando

    do ponto de vista das estratgias sensveis de Sodr (2006), consideramos que

    a atribuio de mais uma linguagem alimentar a um estado comunicativo do

    universo feminino o nome fitness, que nomeia de roupas a modos de vida se

    configura em estratgia comunicativa de excluso e at mesmo de opresso, glo-

    rificando aqueles que dela fazem uso e excluindo os que no fazem.

    Nas dominncias culturais da linguagem (Jakobson, 2001) trabalhamos a

    ideia de que determinadas caractersticas atraem no discurso por se mostrarem

    mais presentes e fortes do que outras. Nesse caso, investigaremos aqui como a

    linguagem fitness se mostra atuante e at mesmo opressora para as mulheres

    na convergncia de assuntos de dietas, corpo ideal, ginstica e outros temas nas

    redes sociais particularizadas na comunicao imagtica via Instagram.

    A discusso sobre mulheres, boa forma e corpo perfeito tem como um de

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    seus principais nascedouros, dentre os veculos de comunicao da mdia tradi-

    cional, as revistas. Criadas inicialmente como objetos de diverso das mulheres

    e distrao entre uma tarefa feminina e outra, como cuidar da casa e dos filhos

    (Mira, 2001), as revistas passaram, especialmente a partir da dcada de 1970, a

    se dedicar tambm ao movimento de culto ao corpo em forma, que encontrougrande ressonncia nesse perodo histrico.

    Antes mesmo desse movimento que se intensificou da dcada de 1970 at

    hoje, as revistas sempre destacaram os corpos elegantes e magros das mulheres

    como aqueles que eram ideais. No faltam exemplos, como a modelo Twiggy e

    a magreza que estampava a maioria das revistas de moda e de beleza dos anos

    1960. Tal idealizao da imagem gera dvidas nas mulheres e uma necessida-

    de de seguir aquele ideal para ter felicidade, a mesma felicidade prometida por

    aquela figura famosa.

    Tal estratgia comunicativa no deixou de existir, apenas perdeu fora parao universo participativo e de compartilhamento da internet. Nele vimos surgir

    um espao mais imediato para o consumo do corpo. Muito alm da possibilidade

    de exibir seu corpo numa revista, uma estrela de TV ou do cinema usa hoje as re-

    des sociais para tal prosito, sem intermedirios. Ela pode mostrar sua ginstica

    e, principalmente os alimentos que come ou que diz comer.

    Afinal, adentramos aqui no territrio que constitui o cerne desta discusso:

    o corpo, assunto que vai muito alm de que a mquina humana seja um mero

    suporte que sustenta a vida. O corpo sustenta expresses simblicas em roupas,

    ornamentos, acessrios e, especialmente, na prpria forma que lhe natural enaquela que assume com o passar do anos. Gordo, magro, alto, baixo: nunca

    antes na histria do Ocidente o corpo humano foi to medido, fotografado e

    exposto quanto hoje. Fato que se deve facilidade contempornea de aquisio

    de tecnologias de exposio, como celulares com cmeras fotogrficas, presentes

    em todos os aparelhos mveis.

    As pessoas hoje gostam de expor corpos em todas as modalidades digitais

    possveis; faz parte das redes sociais, da tela dos celulares e dos computadores,

    das lembranas de festas de aniversrio, expor-se. Caracterstica que da comu-

    nicao contempornea, tal excesso expositivo coaduna-se com o apelido que

    Sibilia (2008) d ao mundo digital contemporneo: show do eu. Nesse show, o

    personagem tambm narrador, criando uma linguagem que deriva em narrati-

    vas especficas, de construo e de exposio autorrenovveis dessas narrativas:

    Os usos confessionais da internet parecem se enquadrar nessa definio: seriam,portanto, manifestaes renovadas dos velhos gneros autobiogrficos. O euque fala e se mostra incansavelmente na web costuma ser um ser trplice: aomesmo tempo autor, narrador e personagem. Alm disso, porm, no deixa deser uma ficao; pois, apesar de sua contundente autoevidncia, sempre frgil

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    o estatuto do eu. Embora se apresente como o mais insubstituvel dos seres e amais real, em aparncia, das realidades, o eu de cada um de ns uma entidadecomplexa e vacilante. Uma unidade ilusria construda na linguagem, a partirdo fluxo catico e mltiplo de cada experincia individual (Sibilia, 2008, p. 31)

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    4. In: http://www.buzzfeed.com/manuelabarem/r7-recebe-criticas-sobre-materia-ofensiva-ao-corpo-de-fernan. Acesso em15/03/2015.

    Figura 24 : Foto da modelo Twiggy

    para editorial da revista Vogue nosem maro de 1968.

    Neste ambiente miditico fitness das redes

    sociais no emerge apenas a exposio natural,

    embora excessiva, das pessoas com relao aos

    seus corpos. Destaca-se a modelizao dos cor-

    pos, que se tornam mdias moldveis e mutan-

    tes a comunicarem pelo bem-estar, sucesso so-

    cial, autoaceitao/negao, sucesso, dinheiro,

    dentre uma infinidade de possibilidades.Na sociedade do hiperconsumo pontuada

    por Lipovetsky (2007), o corpo existe tambm

    para ser consumido e no apenas para ser agen-

    te mediador e transformador da comunicao.

    O consumo d-se em especial no caso do corpo

    feminino, desrespeitado histrica e politica-

    mente na imensa maioria das sociedades pa-

    triarcais que se constituram pelo mundo.

    No sistema cultural mundial, o corpo femi-nino um texto da cultura que deve ser adequa-

    do, lapidado, moldado. A mulher no pode mais

    envelhecer. Os 40 so os novos 30, diz um bor-

    do muito popular hoje. A mulher de 40 precisa

    aparentar ter 30 anos, ou at menos, de prefern-

    cia. No pode envelhecer e precisa, de qualquer

    modo, ser magra. E no ter celulite ou estrias,

    outros pesadelos estticos, como bem sintetiza a

    charge da ilustradora argentina Maitena.

    Nesse contexto de busca obsessiva por

    ideais muitas vezes inalcanveis, destacam-se as redes sociais. Nelas, especialmente

    com o uso das imagens de sucesso e incentivo do Instagram, as pessoas se expem,

    se comparam e, muitas vezes, disputam quem emagrece mais rpido. Ou no.

    Acreditamos que usando de estratgias biopolticas criam-se sistemas mo-

    delizantes de comunicao onde as mulheres so mais oprimidas do que ajuda-

    das por esse tipo de rede social. Consideramos aqui o conceito de Foucault (1988,

    p.151) que diz que as prticas disciplinares do exerccio do poder, estudadas por

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    ele, se baseavam no no corpo como mquina: no seu adestramento, na amplia-

    o de suas aptides, na extorso de suas foras, no crescimento paralelo de sua

    utilidade e docilidade, na sua integrao em sistemas de controle eficazes e eco-

    nmicos. Sobre esse corpo, o biopoder zela dos processos como nascimentos e

    mortalidades, da sade da populao gerenciando assim, a vida dos indivduoscomo um todo. Assim, a biopoltica surge no uso que se faz do biopoder, ou seja,

    gerenciando-se e modificando a vida de indivduos que no esto fisicamente

    relacionados, necessariamente.

    Assim, a linguagemfitnessutilizada no Instagram pode ser vista como uma

    estratgia comunicativa de origem biopoltica, pois visa gerenciar a vida de pes-

    soas comuns atradas por algumas personalidades e que se sentem obrigadas a

    seguir aquele modo de vida. Acreditamos que esse gerenciamento de corpos,

    citado por Foucault, esteja no cerne da questo sobre a opresso das mulheres

    pela linguagem fitness, to rica em imagens, dos perfis do Instagram. Usaremos,para exemplificar, cdigos comunicacionais e imagens dessa rede social, alm de

    citar exemplos das famosas blogueiras fitness as meninas da capa de revista

    de hoje - que influenciam milhes de pessoas nesses ambientes miditicos.

    Figura 3:Charge da ilustradora Maitena. In: https://naosouexposicao.wordpress.com/2013/02/19/existe-muita-coisa-melhor/. Acesso em 15 de maro, 2015.

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    Instagram, imagem e corpo perfeito: opresso

    comunicacional

    Lipovestsky e Serroy (2008, p. 46-47) defendem que vivemos no mais

    apenas uma nova era de economia do mercado que estimula excessivamente oconsumo, como pontuado constantemente por autores como Bauman (2007),

    Canclini (1999), Jenkins (2008) e o prprio Lipovetsky (2006); mas vivemos uma

    nova era de individualismo, que determina valores do consumo e das aspiraes

    e do estar no mundo do prprio indivduo:

    Em ruptura frontal com a ideologia das civilizaes anteriores, organizadasde maneira holista com o fundamento sagrado, o individualismo constitui umsistema de valores que pe o indivduo livre e igual como valor central da nossacultura, como fundamento da ordem social e poltica. Essa configurao de

    valores se afirma plenamente na histria a partir do sculo XVIII, tornando-se oprincpio primeiro da ordem pluralista e liberal. Com os modernos, consagram-se os princpios da liberdade individual e da igualdade de todos perante a lei:o individuo se firma como o referencial ltimo da ordem democrtica. Pelaprimeira vez na histria, as regras da vida social, a lei e o saber no so maisrecebidos de fora, da religio ou da tradio, mas construdos livremente peloshomens, nicos autores legtimos de seu modo de ser coletivo Lipovestsky eSerroy (2008, p. 46-47)

    Fischler (idem, p. 362-369) fala dos movimentos que levam a mulher a ser

    mais e mais obcecada com a magreza: a mulher como objeto de consumo e deuso da moda e a juvenilizao extrema, a mulher que no pode envelhecer. Nesse

    sentido o autor pondera que o corpo feminino seria sempre um objeto sem sujei-

    to, sem identidade, adequado ao consumo, colocando ainda uma outra oposio

    importante: a mulher perfeita versus a mulher me ou, como Fischler pondera,

    a mulher reprodutiva x mulher produtiva. Valoriza-se nessa imagem das redes

    sociais a mulher perfeita, a imagem almejada, nelas causa estranheza uma foto

    de uma mulher grvida logo aparecer o comentrio no parece voc!. nesse

    sentido que aparecem os discursos de celebridades que postam suas fotos nas

    redes sociais, magras, mesmo pouco tempo aps terem um beb.

    Curiosamente os perfis fitness do Instagram que fazem mais sucesso entre

    o pblico comum so aqueles de mulheres em boa situao de vida e que, se

    no so ricas, esto muito perto de tal estgio socioeconmico. Por no precisa-

    rem trabalhar em horrio comercial, nem perderem horas no transporte urbano

    brasileiro, a condio dessas mulheres em se constiturem como exemplos para

    milhes de seguidoras j cria uma imagem estranha e de pura mitologia para esse

    pblico. Devemos observar que, no geral, os parmetros que regem a obsesso pelo

    corpo perfeito tambm advm de mulheres nada comuns, como as modelos das ca-

  • 7/24/2019 Redes sociais, mulheres e corpo: um estudo da linguagem fitness na rede social Instagram

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    Revista Communicare Dossi Feminismo

    100 Redes sociais, mulheres e corpo: um estudo da linguagemitnessna rede social Instagram

    pas de revistas e nos comerciais de tev, aproximando tais estratgias comunicativas.

    Gabriela Pugliesi e Bella Falconi so os nomes mais famosos desse universo.

    Pugliesi tem mais de 1 milho de seguidores e Bella Falconi, brasileira que mora nos

    EUA e que apontada como musa inspiradora do movimento fitness nas redes so-

    ciais, tem mais de 1 milho e 300 mil seguidores. So nmeros realmente espantosose que crescem continuamente. Ambas transformaram os corpos delas graas ao bi-

    nmio alimentao regrada e exerccio fsico e mostram constantemente o resultado

    de tal processo, destacando sempre que a alimentao a pea-chave da transforma-

    o claro, uma alimentao que siga os preceitos fitness.

    O perfil de Bella Falconi o mais famoso; mineira, Falconi se mudou para

    os EUA no final da primeira dcada dos anos 2000 e l comeou a fazer gins-

    tica com frequncia. Ao perceber que s teria o corpo que almejava seguindo

    aquilo que os autodenominados Fitners chamam de comida limpa (#eatclean,

    a hashtag que denota esse tipo de alimento), criou uma conta no Instagram em2011 e l foi postando sua transformao. Virou a musa do abdomem trincado e

    do corpo sarado, definio que aparece em vrias matrias da mdia tradicional

    sobre a mineira, saiu do ban-

    co onde trabalhava e hoje ad-

    ministra a sua marca prpria

    de roupas, de alimentos e a

    fama nas mdias sociais.

    Atualmente grvida,

    Bella Falconi declarou no per-fil e em vrias entrevistas que

    pega leve nos treinos, rotina

    de exerccios ainda pesada para

    a maioria das mulheres. Suas

    fotos de comidas e de treinos

    - so sempre sucedidas por um

    breve texto do tipo testemonial

    (em ingls e em portugus),

    como podemos ver nafigura 3.

    Consideramos que tal

    frase, que parece apenas mo-

    tivacional, esconde um texto

    que diz claramente tenha

    bons hbitos; se voc no os

    tem, no reclame. A palavra

    escolha frequentemente

    usada nesses perfis fitners,

    Figura 3:Postagem do perfil bella.falconi de 12 de mar-o de 2014 no Instagram. Acesso via aplicativo de celular(iPhone).

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    Volume 14 N 1 1 Semestre de 2014

    Helena Jacob 101

    7. Autorretrato no qual oindivduo se fotografa emfrente a um espelho ou coma cmera a uma distnciado seu corpo. As selfiesso obrigatrias no mundodigital e muito usadas noturismo e na gastronomia,por exemplo.

    que no levam em conta distrbios emocionais, psicolgicos e at mesmo falta de

    condies financeiras que podem levar muitas mulheres a no conseguirem levar

    uma vida de hbitos saudveis. Pela fora do indivduo, na estratgia de comunica-

    o ali presente, parece que muito fcil e simples seguir, s no faz quem no quer.

    Na verdade trata-se de uma comunicao compartilhada que no pode alcanar atodos da mesma maneira; um modo de vida que, mesmo comunicado, parte de uma

    personalidade com imagem individualizada:

    Os novos canais inaugurados na internet tambm se colocam a servio dessemesmo fim: a construo da prpria imagem. Ao permitirem a qualquer umser visto, lido e ouvido por milhes de pessoas mesmo que no se tenha nadaespecifico a dizer -, tambm possibilitam o posicionamento da prpria marcacomo personalidade visvel. s vezes, porm, vislumbra-se certa fragilidadenessa auto exposio: uma falta de sentido que paira sobre experinciassubjetivas puramente alterdirigidas e assombra os personagens edificadosnesse movimento de exteriorizao da subjetividade. Essa carncia denota ocrescente valor atribudo ao mero ato de se exibir, de ser visvel mesmo que sejana fugacidade de um instante de luz cirtual, e mesmo que no se disponha denenhum sentido para apoiar e nutrir tal ambio (SIBILIA, 2008, p.242).

    No perfil de Falconi h

    muitas fotos de exerccios

    e, principalmente, muitas

    selfies7 com pouca roupa,

    mostrando o corpo perfeitoto almejado que a dona

    do perfil, Falconi, possui. A

    comida est presente o tem-

    po todo, no formato fitness:

    pouca gordura e carboidrato,

    muita protena. O perfil tam-

    bm mostra propagandas das

    marcas que a modelo patro-

    cina e at algumas fotos de

    gente normal, como uma es-

    capada comendo cheesecake

    e chocolate, por exemplo. As

    principais so da linha Fre-

    sh Meal Plan, que tambm

    parceria de Bella Falconi.

    No queremos colocar

    aqui que o perfil da modelo

    Figura 4:Postagem do perfil bella.falconi de 19 de mar-o de 2014 no Instagram. Acesso via aplicativo de celular(iPhone).

  • 7/24/2019 Redes sociais, mulheres e corpo: um estudo da linguagem fitness na rede social Instagram

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    Revista Communicare Dossi Feminismo

    102 Redes sociais, mulheres e corpo: um estudo da linguagemitnessna rede social Instagram

    8.vilamulher.com.br/bem-estar/nutricao/explicapugli-veja-a-opiniao-de-nutricionistas-e-do-conar-12118.html

    seja nocivo, mas que ele ali-

    menta a obsesso das mulhe-

    res, pois poucas conseguem

    seguir uma vida to regrada,

    por inmeros impedimentos.Atualmente grvida, ela faz

    campanha pela diminuio

    pela obsesso pelo corpo per-

    feito, mas, ao mesmo tempo,

    posta a cada dois dias, em

    mdia, uma foto sua de b-

    quini mostrando a barriga

    em pouco se assemelha

    grande maioria das mulheresque engravidam (figura 4).

    Gabriela Pugliesi (fi-

    gura 5) tem o perfil mais

    polmico, alvo de vrios

    questionamentos na inter-

    net sobre a exposio que ela

    faz de produtos comerciais

    sem lhes atribuir o rtulo

    de propaganda8 . O perfil noInstagram foi originado pelo

    blog Tips 4 Life, que Pugliesi teria iniciado em 2013, quando precisou emagrecer

    alguns quilos. Como o Instagram rapidamente se firmou como um meio de alta

    exposio do mundo fitness, fcil entender porque o perfil de Gabriela cresceu

    tanto e j passa de 1 milho de seguidores. Hoje todos os produtos miditicos da

    blogueira fitness, termo usado por esse grupo para se autodefinir, so gerenciados

    por uma empresa de comunicao.

    As postagens so dirias, de 3 a 5 posts por dia, em mdia. Neles Pugliesi

    sempre mostra refeies, produtos que prometem ajudar na conquista do corpo

    ideal, alm de exerccios com igual propsito e locais para se alimentar e ajudar a

    emagrecer e a comer de acordo com os ideais fitness. Em boa parte das postagens

    ,a dona do perfil exibe o corpo considerado perfeito: magro, sem gordura extra

    nenhuma, firme e bronzeado. O verdadeiro sonho de consumo de mulheres co-

    muns tudo que Gabriela Pugliesi no .

    Consideramos que tal exibio acaba por sugerir s seguidoras dos perfis

    de que elas s no conseguem ter o corpo dos sonhos porque no se esforam

    para isso. Tal condio acaba funcionando como mais um mecanismo opressor,

    Figura 5:Postagem do perfil gabrielapugliesi de 19 demaro de 2014 no Instagram. Acesso via aplicativo de ce-lular (iPhone).

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    Helena Jacob 103

    que leva as mulheres a se sen-

    tirem sempre infelizes pelos

    corpos que tm, mesmo sem

    serem ricas, famosas e terem

    perfis que se transformam emmarcas a serem trabalhadas

    em comunicao e marketing

    como no caso dos exemplos

    das famosas blogueiras.

    A comida fitness,

    as estratgias do

    Instagram e os corpos

    das mulheres

    No artigo Com que

    corpo eu vou (2005, p.174),

    Maria Rita Kehl afirma que

    para ns, o corpo costuma

    ser a primeira condio de

    felicidade, pois a imagem

    que o individuo apresenta

    sociedade vai determinar afelicidade no por despertar

    Figura 6:Postagem do perfil gabrielapugliesi de 19 demaro de 2014 no Instagram. Acesso via aplicativo de ce-lular (iPhone).

    o desejo de algum, mas visa a construir autoestima e amor prprio. Ela diz ainda

    que a possibilidade de esculpir um corpo ideal, com a ajuda de tcnicos e qumicos

    do ramo, confunde-se com a construo de um destino, de um nome, de uma obra.

    Hoje as pessoas acham que podem traar seu destino, e dentre os itens do destino

    estaria o corpo, perfeitamente moldvel nessa perspectiva.

    Felicidade a moeda mais vendida no Instagram. Por trs de discursos moti-

    vacionais esconde-se uma realidade de eterna vigilncia e controle, onde quem se-

    gue monitora aqueles que segue e monitorado por quem seguido. Nessa estrutu-

    ra para vigiar e talvez at mesmo, punir a comunicao se mostra em estratgias

    recorrentes nessas redes sociais, que se constituem como marcas identitrias fortes

    da linguagem alimentar fitness:

    Uso de hashtags motivadoras: frases ou palavras curtas que visam re-

    lacionar as pessoas e marc-las a se tornarem visveis nas postagens dos

    outros. Como dito anteriormente, #Fora#F#Foco so das mais usadas

    no Instagram, fazendo uma juno entre o tem que ser forte e focada

    para aguentar e a f religiosa mesmo que voc no aguente, a f te salva.

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    Fotos de antes e depois:mostrar o antes e o depois da vida fitness

    fundamental para essa linguagem. Mostra como o biopoder agiu bem

    e todas as pessoas que se converteram a esse estilo de vida hoje so

    bem sucedidas.

    Fotos de biquni mostrando o corpo: imagens que devoram imagens,em que mulheres teriam como princpios inspirar suas seguidoras; na

    realidade, acaba se estabelecendo uma competio de quem est mais ou

    menos magra e musculosa.

    Fotos de comidas saudveis e uso de hashtags saudveis:#eat-

    clean uma verdadeira ordem para aos fitners ao consumir muita

    protena, verduras e legumes, nenhuma fruta (porque carboidrato),

    enfim, seguindo uma dieta que jamais poderia ser para um grupo intei-

    ro, esse pblico considera estar se alimentando de maneira limpa, sem

    industrializados e comidas no saudveis. Fotos de todas as refeies, mesmo que a comida no seja apeti-

    tosa:na comida fitness, no importa se a comida deve, para atingir es-

    tmagos, ser bonita e apetitosa, como diz a gastronomia; nessa lingua-

    gem a comida deve ser limpa e saudvel e todas as refeies precisam

    ser fotografas para que se mostre estar comendo do modo correto.

    Nessas estratgias da linguagem fitness, derivada do sistema cultural da

    alimentao, pois o alimento seu ator principal de constituio, destacamos o

    poder que elas podem ter de influenciar, sim, de modo positivo algumas pessoas

    mas que, no geral, as mulheres so impactadas negativamente.Nutricionistas srios aconselham sempre as pessoas a procurarem um ser-

    vio de orientao alimentar exclusivo, montado de acordo com as particulari-

    dades de cada corpo. Quando um perfil de Instagram posta fotos de seu processo

    de emagrecimento bem sucedido, naturalmente aquelas imagens iro impactar

    e contaminar um grande grupo de pessoas, os seguidores. Se esses seguidores

    fazem tudo que foi indicado e no conseguem o mesmo corpo algo invivel

    fisiologicamente vem a frustrao. Se sequer tentam, mas entram nessa rede

    social para se alimentar visualmente daquelas imagens, mais frustrao.

    Pontuamos que esta pesquisa est apenas no seu incio, mas que a lingua-

    gem fitness consegue atuar como uma ferramenta opressora como as to citadas

    capas de revistas. Mesmo que agora os modelos sejam de pessoas menos famosas

    e que, quando famosas, constituam suas carreiras nas prprias redes sociais, os

    mecanismos de construo de ideais inatingveis, to discutidos em outras m-

    dias, esto se reconfigurando nas redes sociais. Devemos observar com muita

    ateno como as mulheres so e sero atingidas por essa estratgia biopoltica,

    para que ela no se transforme realmente em uma estratgia to opressora quanto

    as capas de revistas femininas ou desfiles de moda so at a contemporaneidade.

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