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Percepções Docentes Sobre o Ensino Religioso na Escola Pública
Ana dos Anjos Santos Costa1
A análise da alteridade tem sido um tema mais frequentemente explorado nos
dias atuais. A pluralização de conceitos sobre culturas, sociedades e os discursos que
esta diversidade gera estão na pauta dos pesquisadores e dos leigos. Grande parte da
sociedade afirma ser favorável a esta multiplicidade em todos os aspectos. Nas escolas,
por exemplo, os professores visam construir com os alunos uma visão de mundo e de
sociedade mais liberal, multicultural e tolerante. Procura-se, quase sempre, o discurso
da compreensão para com o “outro”.
Mas, na prática, o que acontece? A resposta se constitui em várias atitudes
preconceituosas e intolerantes que se manifestam no cotidiano, como guerras,
separações, discussões e, nas escolas, o agora famoso bulling. O discurso dos indivíduos
muitas vezes não corresponde à sua prática. O pensar e o falar sobre o outro, muitas
vezes, é difícil e complexo; torna-se até doloroso emocionalmente.
Como veremos mais à frente, sempre temos que lidar com o diferente, com o
“outro”. Mas, como lidar com ele? Diante deste panorama, o presente trabalho se
propõe, em primeiro plano, a analisar como se dá essa aproximação com o diferente no
ambiente escolar em relação as religiosidades dos indivíduos, usando para tal
empreendimento experiências vividas em sala de aula além de analisarmos
questionários produzidos sobre o assunto e respondidos por professores de História. Em
segundo plano, pretendemos problematizar o papel da disciplina de História e de que
forma esta pode contribuir nesta questão.
Segundo Paulo Freire:
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos
com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-
1 Bachael e Licenciada em História pela UFRJ. Professora de História do Município de
Seropédica. Mestranda em Relações Étnico-raciais no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Rio de Janeiro, RJ, Br).
se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque
capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se
como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros.
É a ‘outredade’ do ‘não eu’ ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do
meu eu.2
A grande questão que nos interessa é justamente como o discente se assume
sem que para isso exclua o que é diferente. Como um aluno experimenta se auto
conhecer e se auto definir de forma positiva sem negar ou inferiorizar o outro?
Inicialmente discutiremos o conceito de laicidade. Esse debate se faz necessário
quando pensamos em como falar de religião em um Estado laico. A laicidade como
conceito carrega vários significados, sendo um princípio do Estado Moderno, no qual o
Brasil se inclui. Além disso, o conceito é entendido como uma “invenção francesa”, uma
construção histórica difundida em várias nações e que é debatido no campo educacional
na França e em outros países.
Nossa proposta de pesquisa visa problematizar um campo que já recebeu
atenção de pesquisadores: a relação entre a religiosidade e a laicidade inseridas no
ambiente escolar. Entretanto, nossa abordagem se destaca por fugir de uma perspectiva
que analisa principalmente as questões gerais do ambiente escolar. Antes,
evidenciamos que essas relações também podem ser analisadas pela perspectiva da
história antropológica, que estuda as questões de representação, da identidade e da
alteridade. Diante disso, nossa pretensão nessa pesquisa analisar de que forma o
ensino de História pode contribuir no aprendizado sobre si mesmo e o outro dos
discentes e também dos docentes.
Chegamos a essa problemática através de nossa própria experiência docente. Em
pouco tempo de trabalho, cerca de um ano e meio, vários fatos ocorreram que
chamaram nossa atenção para essa problemática. Em vários momentos, alunos
buscavam um confronto com seus colegas de classe, usando termos religiosos e dando-
2 FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª Ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1996, p.41.
os conotação pejorativa. Apesar de explicarmos exaustivamente os conceitos de
algumas religiões, os discentes insistiam em termos provenientes de alguma religião
para diminuírem seus colegas. O termo “macumba” foi muito usado pelos alunos.
Mesmo explicando que a palavra se refere a um instrumento musical usado em religiões
afro, eles insistiam no uso depreciativo. Os alunos que estavam sendo instigados,
acabavam se achando ofendidos.
Desejamos, nesse trabalho, verificar como o ensino de História é afetado pelas
concepções de religiosidade e laicidade que emergem no ambiente escolar. Além disso,
desejamos observar como diferentes versões para essas concepções aplicadas a espaços
públicos de laicidade favorecem ou não ao perpetuamento de concepções racistas e
preconceituosas.
Nesta direção, pretendemos analisar questionários respondidos por professores
de História com vistas a reconhecer suas concepções à luz da relação entre religião e
escola laica.
Nesta pesquisa procuraremos refletir sobre como o professor de História pode
enfrentar este contexto de preconceito e exclusão e como podemos lutar para
transformar positivamente a escola pública. Pretendemos, nesse projeto, refletir sobre
potenciais caminhos para que nós, professores de História, possamos interferir na nossa
realidade, trazendo à tona a diversidade cultural presente na sociedade, estimulando a
compreensão mútua entre todos os atores escolares, ensinando a respeitar o outro:
Em vez de preservar uma tradição monocultural, a escola está sendo
chamada a lidar com a pluralidade de culturas, reconhecer os diferentes
sujeitos socioculturais presentes em seu contexto, abrir espaços para a
manifestação e valorização das diferenças. É essa, a nosso ver, a questão hoje
posta. (...) abrir espaços para a diversidade, a diferença, e para o cruzamento
de culturas constitui o grande desafio que [a escola] está chamada a
enfrentar.3
3 MOREIRA, F. B. e CANDAU, V. M. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, 2003, p. 161.
Na tentativa de entender a concepção do indivíduo cristão sobre si mesmo e
sobre os outros, utilizaremos alguns autores dentre os quais se destaca Tomaz Tadeu, o
qual defende que a identificação de uma pessoa ou um grupo representaria uma
extensa cadeia de negações do que não são. Além disso, o autor afirma que identidade
e diferença estão em estreita relação de dependência, argumentando que uma não faz
sentido sem a outra.
Usaremos ainda o conceito, também retirado dos escritos de Tomaz Tadeu, de
que a identidade e a diferença são resultados de uma produção simbólica e discursiva.
Isso significa que estão sujeitas às relações de poder, as quais são impostas mas ao
mesmo tempo são disputadas. A diferenciação significa a classificação de grupos sociais,
e essa classificação e divisão implica em uma hierarquização.
A hierarquização das identidades e das diferenças pode ser feita através da
fixação de uma identidade como norma, como é o caso da identidade cristã ocidental
medieval que serve de parâmetro em relação aos usos e costumes de outras sociedades.
A classificação e a hierarquização favorecem que a identidade normativa seja vista como
natural e única, isenta de questionamentos.
Diante do exposto, entendemos o importante papel do ensino de História na
contemporaneidade. Na sala de aula, o professor de História pode desempenhar o papel
de mediador de conflitos relacionados as religiosidades dos alunos e também pode
contribuir para a reflexão sobre quem somos e como olhamos para os outros que estão
a nossa volta. Apesar da secularização e laicização que têm avançado sobre as
sociedades na atualidade, o que observamos é a permanência dos fenômenos religiosos.
Geertz aponta que:
...foi a atenção das ciências sociais que se desviou a outros campos, enquanto
estiveram dominadas por uma série de pressupostos evolutivos que
consideravam o compromisso com a religião uma força em declínio na
sociedade, um resíduo de tradições passadas inexoravelmente erodido pelos
quatro cavaleiros da modernidade: secularismo, nacionalismo,
racionalização e globalização.4
O autor Alberto da Silva Moreira observa que na contemporaneidade ocorre um
deslocamento da experiência religiosa. Par o autor a religião permanece “com suas
funções no nível micro-social, onde ela provê as pessoas com complexos de significados
e símbolos suficientes para que elas orientem suas vidas num mundo confundido pela
complexidade e a mudança”.5 Moreira também observa as mudanças pelas quais passa
a religião, seja como sistema organizado ou como prática cultural. O significado que
damos ao mundo passa a ser um campo de disputa entre os sistemas religiosos e os
outros concorrentes de sentido, como as ciências; e mesmo na explicação do além, com
a criação de um mercado mundial de bens religiosos possibilitado pela globalização e
pelo desenvolvimento dos meios de comunicação de massa a nível mundial.6 Essa
pluralização religiosa, que atesta sua persistência e força, nem sempre caminha no
sentido da tolerância e da compreensão, mas por vezes gera conflitos armados ou
contendas simbólica.
No ensino, e no aqui especificado ensino de História, consideramos ser relevante
o protagonismo do aluno durante a aula. A visão de mundo que o discente carrega com
ele não pode ser ignorada pelo professor, deve ser levada em consideração. Muitas
vezes essa percepção sobre o mundo passa por perspectivas religiosas, as quais tendem
a ser intolerantes com a diferença.
Entendemos também que uma grande questão a ser debatida no ensino de
História é centralidade e o privilégio que muitas vezes damos aos acontecimentos
europeus, o eurocentrismo. Segundo a professora Cinthia Monteiro de Araújo:
A predominância de uma perspectiva eurocêntrica de abordagem e
organização dos conteúdos na maior parte dos currículos praticados no
4 GEERTZ, C. O futuro das religiões. Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 14 de maio de 2006, p. 10.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1405200614.htm 5 MOREIRA, Alberto da Silva. O deslocamento do religioso na sociedade contemporânea. Artigo ainda
não publicado socializado no Colóquio Ressignificação do Religioso do Doutorado em Ciências da
Religião da Universidade Católica de Goiás, em setembro de, 2008 p. 22 6 Ibdem., p. 26-30.
ensino de História chama a atenção por se colocar diretamente em oposição
aos objetivos defendidos pelas proposições político-pedagógicas para essa
disciplina, sejam elas oficiais, as disputas entre os estudiosos do tema, ou
ainda aquelas que podem ser percebidas através das concepções docentes.7
Para a professora existe, apesar dos discursos contrários, uma prática do ensino
de História eurocêntrica, a qual desfavorece outros lugares e visões de mundo, deixando
o aprendizado menos rico e menos diversificado. Entendemos que essa perspectiva
eurocêntrica é sustentada por uma tradição disciplinar moderna no ensino de História.
E é essa perspectiva tradicional que desfavorece a construção de um ensino
multicultural, o qual pode conduzir às questões como respeito, tolerância,
conhecimento de identidades e alteridades.
Quando apontamos para o fato do ensino de História ser majoritariamente
eurocêntrico, relacionamos ao aspecto racista que possa aparecer nos discursos
contrários a inclusão de outros conteúdos. Nas aulas de história, uma sociedade
construída por agentes sociais brancos cristãos europeus. Aos negros, o que sobra é um
papel subalterno e sem interferência nos rumos da história:
A população negra, em geral, não foi apresentada nas escolas como sujeitos
de sua história, como homens e mulheres ativos na luta por liberdade ou por
melhores condições de vida para si e seus familiares.8
É nesse sentido que percebemos o ensino de História se entrelaçando com a
construção de identidade. Como um aluno negro, que vive na Baixada Fluminense, se
relaciona com os conhecimentos e fatos expostos em sala de aula sobre o feudalismo
francês do século VIII? Como esse mesmo aluno percebe a sua ligação com os reinos
africanos constituídos no mesmo período que o feudalismo europeu?
Chimamanda Adichie afirma que “ é impossível falar sobre história única sem
falar sobre poder, (...) Como são contadas, quem as conta, quanto e quantas histórias
7ARAÚJO, Cinthia Monteiro de. De onde se ensina a história? O pensamento decolonial no ensino de
história. Fóruns Contemporâneos de Ensino de História no Brasil on-line, 2013. p. 2. 8 PEREIRA, A. A. Por uma autêntica democracia racial! Os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de história. Revista História Hoje, v. 1, p. 111-128, 2012.
são contadas, tudo realmente depende de poder”.9 Nesse sentido estão atreladas as
relações de poder as construções de uma História racista, onde o que vem dos povos
africanos em geral é colocado como menor e inferior ao que vem da Europa.
Entendendo também que a religião cristã tem como berço de seu
desenvolvimento, o espaço que se dá a essa religiosidade em detrimento de outras
como as de matriz africana pode ser entendido como parte de um processo racista que
hierarquiza as relações dos homens com suas divindades, onde as religiões nascidas na
África são demonizadas e colocadas em última escala de purificação. Em seu texto
intitulado “A crítica da razão negra”, Achile Mbembe escreve que:
Na sua ávida necessidade de mitos destinados a fundamentar o seu poder, o
hemisfério ocidental considerava-se o centro do globo, o país natal da razão,
da vida universal e da verdade da Humanidade. Sendo o bairro mais civilizado
do mundo, só o Ocidente inventou um “direito das gentes”. Só ele conseguiu
edificar uma sociedade civil das nações comprometida com um espaço
público de reciprocidade do direito. Só ele deu origem a uma ideia de ser
humano com direitos civis e políticos (...).10
Mbembe expõe de forma direta o pensamento de superioridade que os
representantes das sociedades ocidentais compactuavam e que, em muitos momentos,
o ensino de História reproduz. Quanto ao que seria colonizado, Mbembe escreve:
O resto – figura, se o for dissemelhante, da diferença e do poder puro do
negativo(...). A África, de um modo geral, e o Negro, em particular, eram
apresentados como os símbolos acabados desta vida vegetal e limitada.(...)
fundamentalmente não figurável, o Negro, em particular, era o exemplo total
deste ser-outro, fortemente trabalhado pelo vazio, e cujo negativo acabava
por penetrar todos os momentos da existência – a morte do dia, a destruição
e o perigo, a inominável noite do mundo.11
9 Trecho retirado de sua palestra intitulada “Os perigos de uma história única” que pode ser assistida em
https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br. 10 MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa, 2014. Antígona. p. 27-28. 11 Ibdem., p. 28.
Para o historiador nascido nos Camarões, a África e o Negro passam a ser objetos
de discursos que, desde a época moderna, foram mergulhados numa crise de
representação. Para o autor:
Hoje, ainda, e quando se trata dessas duas marcas, a palavra não representa
necessariamente a coisa, o verdadeiro e o falso tornam-se inextricáveis, e a
significação do signo não é mais adequada à coisa significada. O signo não é
apenas substituído pela coisa. A palavra ou a imagem, muitas vezes, dizem
pouco acerca do mundo objetivo.12
Qual a representação que o ensino de História faz sobre a África e o Negro? Como
a cultura que possui heranças africanas é apresentada nas salas de aula? O debate
entorno da laicidade no ensino de História também passa por essas questões, já que
muitas vezes professores perpetuam os conceitos da modernidade ocidental como os
mais elevados e de maior valor histórico.
1.1 – O Questionário
O questionário pode ser definido como “um conjunto de perguntas sobre um
determinado tópico que não testa a habilidade do respondente, mas mede sua opinião,
seus interesses, aspectos de personalidade e informação biográfica” 13. A apresentação
do conjunto de perguntas ou premissas não define a qualidade do resultado. Isso
significa que o questionário pode ser administrado em interação pessoal, por meio de
telefone ou entrevista individual, como também pode ser autoaplicável, por envio pelos
correios ou internet ou em grupos. A aplicabilidade de questionários está implícita às
mais diversas áreas do conhecimento das ciências sociais.14
Partindo desses pressupostos, o questionário foi elaborado de forma a entender
a visão que os docentes possuem sobre a laicidade e sobre a religiosidade no ambiente
escolar. Foram então elaboradas vinte frases sobre o tema. Nossa tentativa foi de uma
12 MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa, 2014. Antígona. p. 30. 13 YAREMKO, R. K., HARARI H., HARISON, R.C. & LYNN, E. Handbook of research and
quantitative methods in psychology. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum; 1986. 14 GÜNTHER, Hartmut. Como elaborar um questionário. Instrumentos psicológicos: manual prático de
elaboração, p. 231-258, 1999.
aproximação com o cotidiano social e escolar, procurando questões que se inserissem
na realidade vivida pelos professores. As frases seguiram um padrão de múltipla escolha,
onde existiam quatro opções para marcação. Cada opção revelava o grau de aceitação
da ideia apresentada onde o número um representava a aceitação total da premissa e o
número quatro a discordância completa.
As vinte frases elaboradas para o questionário foram divididas em categorias. As
nove primeiras afirmações corroboram com o pensamento de que o público e o privado
podem se misturar e a laicidade não necessariamente é fundamental no espaço público.
Já as nove questões em sequência seguem a linha de pensamento oposta, onde o ensino
público deve ter como uma característica a laicidade e o respeito às diferenças
religiosas. Na penúltima afirmativa é novamente colocada a ideia de que para se
respeitar a todos, a escola não deve abordar os assuntos religiosos. Por fim, a última
questão proposta é sobre a religiosidade do próprio docente.
Para o acesso dos professores ao questionário, foi utilizado o recurso digital. Por
entendermos que muitos dos docentes analisados não possuem muito tempo disponível
para encontros percebemos que a melhor forma de encaminhar nossa pesquisa seria o
envio do questionário pela internet. Tanto a elaboração quanto a distribuição do
questionário foram realizadas no aplicativo “Google Formulários”15. Neste aplicativo é
possível o envio do questionário tanto por correio eletrônico como por instrumentos
mais modernos como as plataformas do Facebook ou WhatsApp. Fica aqui registrado
que o número de docentes que utilizaram o e-mail para responder as questões foi muito
mais baixo do que o número dos que optaram pelos novos meios de comunicação. Mais
uma vez, isso evidencia a inclusão de novas tecnologias no nosso cotidiano e também
revela a instantaneidade na vida dos docentes.
O questionário foi enviado a todo o corpo docente de história da Escola
Municipal José Alexandre assim como a todos os professores de história que estavam
concluindo a Especialização em Ensino de História pela UFRJ. Foram enviados, no total,
15 https://www.google.com/intl/pt-BR/forms/about . Acessado em 20/03/2016.
vinte e um questionários. Dos dois grupos reunidos, obtivemos um total de doze
questionários preenchidos e enviados.
As respostas, em sua maioria, seguiram um padrão. Majoritariamente as
respostas foram a favor da laicidade e da tolerância religiosa dentro do ambiente
escolar. Porém, como é possível observar no anexo dois, alguns professores
responderam num viés mais religioso, demostrando uma heterogeneidade na formação
e nas percepções dos historiadores.
Seguindo a ideia de Bakhtin, o diálogo se constitui em todos os discursos e
enunciados. Sendo assim, as afirmações encaminhadas aos professores de História já
estavam sendo perpassadas por vários discursos e sua elaboração levava em conta o
discurso do “outro”, que estava ali presente. O dialogismo entendido por Bakhtin são as
relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados. 16
Nesse sentido, podemos entender que as respostas dos professores as
afirmativas do questionário também dialogaram com o mesmo. Isso significa que
enquanto as respostas eram assinaladas havia uma preocupação com o que se pensaria
do professor e qual a melhor resposta ele poderia dar para construir sua identidade
naquele momento. Ora, José Luiz Fiorin aponta que para Bakhtin o sujeito age em função
dos outros, ou seja, seu discurso está pautado no que está a sua volta, no seu contexto.
Pensando dessa maneira, podemos entender que não necessariamente a prática
pedagógica desses professores estará de acordo com as respostas dadas ao
questionário. O exterior, no caso as perguntas propostas pelo questionário, interferem
e perpassam na produção de sentidos e de subjetividade, ou seja, a eterna construção
do “eu”, da identidade, foi de alguma forma influenciada pela leitura e reflexão gerada
pela pesquisa.
É importante também destacar algumas características dos participantes da
pesquisa. Com relação aos professores que estavam se especializando pelo CESPEB, a
maioria era de docentes formados em instituições públicas. Além disso, estarem
16 FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. Ática, 2006.
cursando uma especialização focada no ensino de História é um fator importante na
construção da análise de perfil que podemos fazer.
Já os entrevistados que fazem parte do grupo de professores da escola da
Baixada Fluminense não são muito diferentes. Em sua totalidade, os que participaram
da pesquisa são professores recentemente ingressados no concurso do município em
questão. A grande maioria dos concursados tem o perfil de jovens formados em
universidades públicas, além disso, a quantidade de professores que participaram da
pesquisa e que são moradores do município é nula, todos são moradores da cidade do
Rio de Janeiro, diferindo apenas nos bairros em que residem.
Apenas uma afirmativa, dessa primeira parte, teve a concordância da maioria dos
professores e por isso achamos necessário analisarmos um pouco mais a fundo essa
questão. A frase de número seis dizia que “alunos e professores podem usar adereços
religiosos no ambiente escolar a exemplo do crucifixo ou de lenço na cabeça”. A questão
do limite entre o público e o privado novamente é levantada. Exemplos de países como
a França, que foi o berço das ideias laicas, defendem que no ambiente público não pode
existir nenhuma manifestação individual de religiosidade.17
Entendemos que cada cultura e cada país deve se organizar respeitando suas
particularidades. No caso brasileiro, o uso pessoal de adereços que contenham
simbologia religiosa em ambientes públicos como a escola, não contradizem a ideia da
laicidade. Para muitos aqui no Brasil é o Estado e suas instituições que devem ser laicas
e não devem possuir objetos religiosos, as pessoas que frequentam os espaços públicos
tem o direito de exercer sua liberdade e expressar suas ideias religiosas em seus corpos
ou vestimentas.
Já nas afirmativas que colocavam a laicidade como um princípio a ser seguido
dentro do espaço público, das oito frases, apenas uma teve a maioria dos professores
se posicionando contra a ideia proposta. As sete afirmativas aceitas pela maioria dos
17 Em 2004 os deputados franceses aprovaram no Parlamento a lei que proíbe o uso de "símbolos religiosos ostensivos", tais como o véu islâmico, a "kippa" judaica ou cruzes cristãs, nas escolas públicas. https://www.publico.pt/sociedade/noticia/franca-adopta-lei-que-proibe-simbolos-religiosos-ostensivos-nas-escolas-publicas-1185764 Visto em 22/02/2016.
pesquisados incluem as noções de tolerância, respeito e liberdade religiosa no ambiente
escolar. Além disso, é trabalhada a Lei 10.639, que foi criada com o objetivo de levar
para as salas de aula mais sobre a cultura afro-brasileira e africana. A grande maioria
dos entrevistados partilha da ideia de que é necessário um esforço por parte da escola
e dos professores em se trabalhar questões sobre história da África e história Afro-
brasileira.
As respostas dadas a afirmativa de número dez do questionário foi a que
se distanciou das outras respostas desse conjunto. Ela faz menção ao ensino religioso
dentro das escolas públicas afirmando ser inconstitucional tal atividade. Metade dos
professores se mostraram contrários a afirmativa. Aqui se colocam algumas dúvidas
sobre que tipo de ensino religioso os educadores tinham em suas mentes quando
questionados. Sabemos de instituições públicas, como o Governo do estado do Rio de
Janeiro, que oferece o ensino religioso em suas escolas, mas que o mesmo é separado
por crenças. Existe um amplo debate sobre essa questão já que em cada escola existe
apenas um professor de ensino religioso, o que caracterizaria a valorização de uma certa
religião em detrimento de outra.
1.2- Considerações Finais
Diante dos expostos neste trabalho percebemos que ainda existem algumas
lacunas na compreensão de sentido do conceito de laicidade. É de fundamental
importância o entendimento desse conceito pois a construção de uma escola pública
deve ter como pauta valores como tolerância, respeito ao diferente e entendimento de
que podemos e somos sempre influenciados por aqueles que são divergentes de nossas
identidades.
Nas questões de construções de identidades e o espaço escolar, inserimos no
debate deste trabalho o artigo de Jonathan Mollar sobre a construção das alteridades.
Segundo Mollar:
No campo educacional, mais especificamente, a escola é o lugar para o qual
convergem as tensões expostas pela sociedade, apresentando em sua
estrutura uma pluralidade que é sentida de modo amplificado, no contato
permanente e diário entre alunos e funcionários. Nesse sentido, na escola as
diferenças apresentam maior sensibilidade.18
A perspectiva do autor é de que a escola é um espaço não só do conteúdo
curricular. A escola é entendida como um espaço de aprendizado muito mais amplo, um
espaço onde a sociedade pode ser observada como em uma lupa, pois é na escola que
o contato com o diferente é diário e inevitável.
Jonathan Mollar mostra que a sociedade enxerga duas grandes funções
para a escola. A primeira seria a de transmitir o conhecimento produzido pela
humanidade e a segunda a de mediar os conflitos que possam surgir no seu dia-a-dia.
Ele também coloca a relevância que tem se dado aos estudos sobre identidades e
alteridades no âmbito acadêmico voltado para a educação. E, assim como Hall, entende
que na contemporaneidade não há mais espaço para a construção de identidades nos
moldes tradicionais de caráter rígido e inegociável. Dentro da globalização, algumas
ideias têm chegado ao campo da educação como a interculturalidade, que seria a busca
pela construção da diversidade, a qual Tenta provocar uma leitura positiva do outro e
respeito à diferença.
Essas ideias de interculturalidade começaram a ser introduzidas, no
campo da educação brasileira, na década de 1950, ainda na época do governo de
Juscelino Kubitschek quando foi ampliado o olhar para uma educação que visava
trabalhar com as questões de identidade e alteridade. Molar também aborda a questão
da criação de novos valores éticos que tenham como base a noção de alteridade. A
educação intercultural seria um caminho para isso e ele cita Antonio Sidekum que diz:
“A globalização cria também uma nova consciência dos direitos as
diferenças. A filosofia intercultural é uma nova orientação no estudo da
filosofia e serve como resposta para os grandes desafios éticos na era da
globalização”19
18 MOLAR, Jonathan de Oliveira. Alteridade: uma noção em construção. Anais da V Semana de História.
História: Espaços Simbólicos.–Seminário de estudos étnico-raciais. Irati–PR. UNICENTRO–16 a, 2012.
p.2. 19 SIDEKUM, Antônio. Ética e alteridade: a subjetividade ferida. São Leopoldo: UNISINOS, 2002. p.
196.
Neste assunto concordamos plenamente com Mollar mas ressaltamos aqui a
importância de não enxergamos o professor como o grande redentor ou articulador de
todas as demandas da sociedade. Reafirmamos que existe sim uma larga distância entre
o que é aprendido nas licenciaturas com o cotidiano escolar ao qual o recém-formado é
lançado. São várias as pesquisas que apontam essa falha na educação superior. Porém,
são poucas as tentativas de se reorganizar as licenciaturas, deixando a cargo do jovem
docente em buscar o aprimoramento individual.
A escola deve então passar a mediar os conflitos entre as identidades e mediar
o significado das mesmas, uma vez que a escola assuma a noção de identidades plurais
e fluidas. Entendemos, assim como Mollar que a escola deve ser um espaço de
construção de identidades, sabendo que essas mesmas identidades não são fixas, são
antes moldáveis e sempre mutáveis e que a interação com o outro é o que faz a
construção da nossa própria identidade. A escola então passa a pretender alcançar o
aprofundamento da alteridade.
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Cinthia Monteiro de. De onde se ensina a história? O pensamento decolonial
no ensino de história. Fóruns Contemporâneos de Ensino de História no Brasil on-line,
2013.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. Ática, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª Ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GEERTZ, C. O futuro das religiões. Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 14 de maio de
2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1405200614.htm.
Acesso em 03/02/2016.
GÜNTHER, Hartmut. Como elaborar um questionário. Instrumentos psicológicos:
manual prático de elaboração, p. 231-258, 1999.
https://www.google.com/intl/pt-BR/forms/about . Acesso em: 20/03/2016.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa, 2014. Antígona.
MOLAR, Jonathan de Oliveira. Alteridade: uma noção em construção. Anais da V Semana
de História. História: Espaços Simbólicos.–Seminário de estudos étnico-raciais. Irati–PR.
UNICENTRO–16 a, 2012.
MOREIRA, Alberto da Silva. O deslocamento do religioso na sociedade contemporânea.
Artigo ainda não publicado socializado no Colóquio Ressignificação do Religioso do
Doutorado em Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás, em setembro de,
2008.
MOREIRA, F. B. e CANDAU, V. M. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos.
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, 2003.
PEREIRA, A. A. Por uma autêntica democracia racial! Os movimentos negros nas escolas
e nos currículos de história. Revista História Hoje, v. 1, p. 111-128, 2012.
SIDEKUM, Antônio. Ética e alteridade: a subjetividade ferida. São Leopoldo: UNISINOS,
2002.
YAREMKO, R. K., HARARI H., HARISON, R.C. & LYNN, E. Handbook of research and
quantitative methods in psychology. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum; 1986.