Referenciação e Ensino

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos Leonor Werneck dos Santos (Org.) Faculdade de Letras Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Leonor Werneck dos Santos

(Org.)

Faculdade de Letras

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Leonor Werneck dos Santos (Org.)

Referenciação e Ensino: análise de livros

didáticos

Rio de Janeiro UFRJ 2013

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Copyright ©2013 da Organizadora Ficha catalográfica

R332 Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos /

Leonor Werneck dos Santos (Org.) - Livro eletrônico – Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2013.

382p.

ISBN: 978-85-8101-011-3 Livro eletrônico Modo de acesso: www.lenorwerneck.com ; www.lingnet.pro.br

1. Língua Portuguesa – Estudo e ensino. 2. Livros didáticos – Brasil. I. Título II. SANTOS, Leonor Werneck.

CDD 469.071

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Sumário

Apresentação

Leonor Werneck dos Santos 05 A referenciação e a construção de sentido do texto: um caminho a percorrer

Amanda Heiderich Marchon 07 A abordagem da referenciação em livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental

Fabiana Gonçalo

Manuela Colamarco 35 Um olhar sobre as estratégias de referenciação nos manuais didáticos do Ensino Médio

Fábio Gusmão da Silva 80 Processos referenciais: a construção de sentidos em turmas de EJA

Karine Oliveira Bastos 120

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Os processos de referenciação nos livros didáticos: análise de textos jornalísticos

Luana Machado 164 A construção de objetos de discurso pelo léxico: uma abordagem relevante ao ensino

Mário Acrisio Alves Junior 207 A abordagem (ou não) da referenciação em dois livros didáticos do Ensino Médio

Natália Rocha Oliveira Tomaz 246 A referenciação em duas coleções didáticas

Matheus Odorisi Marques 280 Propostas de atividades 323 Sobre os autores 378

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Apresentação

Profa.  Dra.  Leonor  Werneck  dos  Santos  (UFRJ)      

 Este  e-­‐book  é  composto  de  oito  artigos  elaborados  como  

trabalho   de   conclusão   do   curso   de   pós-­‐graduação   “Leitura,  

referenciação   e   argumentação   em   gêneros   textuais   jornalísticos”,  

oferecido  por  mim,  no  primeiro  semestre  de  2012,  na  Faculdade  

de   Letras   da   UFRJ.   O   objetivo   principal   desta   publicação   é  

divulgar   debates   teóricos   que   travamos   durante   o   curso   sobre  

referenciação,   argumentação   e   a   aplicação   desses   temas   ao  

ensino,  por  meio  da  análise  de  alguns   livros  didáticos  de  Ensino  

Fundamental   e   Médio,   especificamente   a   partir   de   textos  

midiáticos.  

Como   proposta   de   trabalho   final   para   o   curso,   cada   um  

dos   autores   dos   artigos   aqui   reunidos   se   debruçou   sobre   duas  

coleções   didáticas   de   Ensino   Fundamental,   Médio   ou   EJA,  

escolhidas  por  terem  sido  aprovadas  recentemente  no  Programa  

Nacional   de   Livro   Didático   (PNLD/2012).   A   análise   dos   livros  

abarcou  se  e  como  a  referenciação  (ou  os  processos  referenciais,  

ou   ainda   a   coesão   referencial)   era   abordada   teoricamente,   se  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

havia   atividades   sobre   referenciação   com   base   em   textos   da  

mídia,   se   o   Manual   do   Professor   tratava   do   tema   e   se   havia  

alguma   associação   entre   os   processos   referenciais   e   a  

argumentação.  Ao  final  de  cada  artigo,  um  dos  textos  midiáticos  

presentes  em  uma  das  coleções  foi  escolhido  para  elaboração  de  

novas  atividades,  incluindo  referenciação.  

Ao  final  deste  e-­‐book,  anexei  atividades  elaboradas  pelos  

alunos   do   curso   (autores   deste   e-­‐book)   e   discutidas   em   sala,   a  

partir   de   notícias   de   internet   sobre   a   tragédia   que   se   abateu  

sobre   a   Serra   Fluminense   em  2011,   após   dias   de   chuvas   fortes.  

Nosso   objetivo   é   mostrar   como   é   possível   elaborar   atividades  

mesclando   leitura,   análise   linguística   e   produção   textual,   tendo  

como  foco  a  referenciação.    

Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos

UFRJ – maio de 2013.

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A referenciação e a construção de sentido do texto: um caminho a

percorrer

MARCHON,  Amanda  Heiderich  (UFRJ)        1. INTRODUÇÃO

 

Há   muito   já   se   sabe   que   o   fracasso   escolar,   nas   séries  

iniciais   ou   mesmo   no   Ensino   Médio,   está   intimamente  

relacionado   à   questão   da   leitura   e   da   escrita   –   resultado   da  

enorme  dificuldade  que  a  escola  tem  de  estabelecer  novas  e  mais  

eficazes   metodologias   para   o   desenvolvimento,   por   parte   do  

aluno,   das   diversas   competências   linguísticas,   tributárias   do   ato  

de   ler-­‐escrever-­‐falar-­‐ouvir   e   da   aprendizagem   formal   desses  

processos.     Pesadelo   de   muitos   alunos   e   dor   de   cabeça   para  

tantos  professores,  a  deficiência  de  ler  um  texto  e  compreender  

sua   mensagem   tornou-­‐se   um   problema   constante   em   escolas  

públicas  e  particulares  em  todo  o  país.    

Segundo   os   Parâmetros   Curriculares   Nacionais   (2001,  

p.21),    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

O   domínio   da   língua   tem   estreita   relação   com   a  possibilidade  de  plena  participação   social,   pois   é  por   meio   dela   que   o   homem   se   comunica,   tem  acesso  à   informação,  expressa  e  defende  pontos  de   vista,   partilha   e   constrói   visões   de   mundo,  produz  conhecimento.    

 

Assim,  também  acreditamos  que  o  aluno  deva  entender  o  texto  

como   uma   forma   importante   de   comunicação.   Dessa   forma,  

muito  mais  que  mera  decodificação  de  signos  e  palavras,  o  atos  

de   ler   e   de   escrever   são   fundamentais   não   apenas   para   a  

formação   acadêmica   do   estudante,   mas   também   para   sua  

formação  cidadã.  

 

O   texto   não   representa   a   materialidade   do  cotexto,  nem  é  somente  o  conjunto  de  elementos  que   se   organizam   numa   superfície   material  suportada  pelo  discurso;  o  texto  é  uma  construção  que   cada   um   faz   a   partir   da   relação   que   se  estabelece  entre  enunciador,  sentido/referência  e  coenunciador,   num   dado   contexto   sociocultural.  (CAVALCANTE,  2011,  p.  17)    

  Todavia,   vimos   que   toda   a   proposta   dos   PCN   para   o  

ensino   de   Língua   Portuguesa   não   condiz,   na   íntegra,   com   a  

realidade   do   processo   ensino/aprendizagem.   Diversos   fatores  

podem   ser   apontados   para   tal   descompasso,   entre   eles   os  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

inúmeros  problemas  de  ordem  político-­‐econômica,  a  tripartição  e  

o  isolamento  entre  as  disciplinas  de  Língua  Portuguesa,  Redação  

e   Literatura,   a   não   utilização   do   texto   como  unidade   de   ensino  

etc.    

  Há  décadas,  vários  teóricos  se  debruçam  sobre  a  questão  

do   papel   e   da   importância   das   aulas   de   Língua   Portuguesa.  

Recentes   trabalhos   apontam   para   uma   reflexão   acerca   de  

algumas   perguntas   do   tipo:   ‘Por   que   /   para   que   ensinar   Língua  

Portuguesa?’;  ‘Para  quem?’;  ‘Como?’;  ‘Quais  tópicos  priorizar  em  

um   “aqui”   e   em   um   “agora”   determinados?’.  Há,   sem   dúvidas,  

respostas   satisfatórias   e   bem   argumentadas   para   todas   essas  

interrogações.  Travaglia  (2002,  p.17),  por  exemplo,  declara  que  o  

principal  objetivo  do  ensino  de  Língua  Portuguesa  é  desenvolver  

a   competência   comunicativa  dos   falantes   em  diversas   situações  

de  comunicação.  

Porém,   apesar   de   todo   o   caminho   aberto   por   tantos  

estudiosos  do  assunto  em   torno  da   língua  materna,   as  aulas  de  

Português  ainda  privilegiam  os  exercícios  de  metalinguagem,  nos  

quais  a  análise  sintática,  por  exemplo  (reduzida,  pois,  a  atividades  

de   classificação   e   de   nomenclatura),   parece   ser,   tanto   para  

alguns   discentes   quanto   para   tantos   outros   docentes,   o   ponto  

máximo  do  estudo  linguístico.  

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Não   questionamos,   no   entanto,   que   as   propostas   de  

metalinguagem   tenham   importância.   O   que   aventamos   é   outra  

percepção:   a   de   que   aquele   tipo   de   exercício   não   deveria  

representar  um  fim  em  si  mesmo.  

Geraldi  (1998,  p.  63-­‐64)  propõe  que:    

Todas  estas  considerações  mostram  a  necessidade  de   transformar   a   sala   de   aula   em   um   tempo   de  reflexão   sobre   o   já-­‐conhecido   para   aprender   o  desconhecido   e   produzir   o   novo.   É   por   isso   que  atividades   de   reflexão   sobre   a   linguagem  (atividades  epilinguísticas)   são  mais   fundamentais  do   que   a   aplicação   a   fenômenos   sequer  compreendidos  de  uma  metalinguagem  de  análise  construída   pela   reflexão   de   outros.   Aquele   que  aprendeu  a   refletir   sobre  a   linguagem  é   capaz  de  compreender  uma  gramática  –  que  nada  mais  é  do  que   o   resultado   de   uma   (longa)   reflexão   sobre   a  língua;   aquele   que   nunca   refletiu   sobre   a  linguagem   pode   decorar   uma   gramática,   mas  jamais  compreenderá  seu  sentido.  

 Portanto,  tomando  por  base  o  grande  desafio  imposto  ao  

professor  de  Língua  Portuguesa  de  qualquer  segmento  –  prover  

meios   para   que   os   alunos   pensem   e   usem,   adequada   e  

criticamente,   a   língua   materna   a   cada   situação   social–,  

analisaremos  se  as  coleções  Português  Linguagens  e  Projeto  Eco  

abordam  a   referenciação  associando-­‐a  à   construção  de   sentido.  

Além  disso,  proporemos  atividades  de  leitura  a  respeito  de  textos  

da  mídia.  

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2. REFERENCIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE

OBJETOS DE DISCURSO

 

A  linguagem  humana  tem  o  poder  não  só  de  criar  e  nomear  

o  mundo,  mas  também  de  possibilitar  a  interrelação  com  o  outro  e  

com  a  coletividade.  Nessa  perspectiva,  a  linguagem  verbal  é,  então,  

a  matéria  do  pensamento  e  o  veículo  de  comunicação  social.  

Segundo   Koch   (2007,   p.   7),   os   diferentes   modos   de  

considerar   a   linguagem   humana   têm   sofrido   transformações.  

Historicamente,  há  três  posicionamentos  em  relação  à  língua:  como  

representação   (“espelho”)   do   mundo   e   do   pensamento;   como  

estrutura,  instrumento  (“ferramenta”)  de  comunicação;  como  forma  

(“lugar”)  de  ação  e  interação.  

De   acordo   com   a   noção   da   língua   como   o   lugar   de  

interação   –   perspectiva   adotada   atualmente   pela   Linguística   de  

Texto,   base   teórica  deste   artigo  –,   os   sujeitos,   por  participarem  

ativamente  no   contexto  em  que  estão   inseridos,   são  atores  nas  

situações  comunicativas  que  buscam   influenciar  um  ao  outro.  A  

comunicação,  portanto,  decorre  da  indissociável  relação  entre  os  

interlocutores,   para  que   se  possa  depreender  das  palavras   seus  

sentidos   concretos.   É   na   interação   verbal   que   a   língua   se   faz  

significante  e  assume  as  marcas  do  sujeito.    

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Assim,   ao   conceber   a   comunicação   como   um   processo  

interativo,   muito   mais   amplo   do   que   a   mera   transmissão   de  

informações,  diversos  teóricos  refutam  “a  hipótese  de  um  poder  

referencial   da   linguagem,   que   seria   fundado   ou   legitimado   por  

uma   ligação   direta   e   verdadeira   entre   as   palavras   e   as   coisas”  

(MONDADA   e   DUBOIS,   2003,   p.   18-­‐19.   Com   essa   nova  

perspectiva,  o  termo  referência  foi  substituído  por  referenciação,  

como  explicam  Koch,  Morato  e  Bentes  (2005,  p.  8):  

 

Tal  mudança  de  perspectiva   [...]  é  assinalada  pela  substituição   do   termo   referência   por  referenciação,   visto   que   passam   a   ser   objeto   de  análise   as   atividades   de   linguagem   realizadas   por  sujeitos  históricos  e   sociais  em   interação,   sujeitos  que  constroem  mundos  textuais  cujos  objetos  não  espelham  fielmente  o  “mundo  real”,  mas  são,  isto  sim,   interativamente   e   discursivamente  constituídos   em   meio   a   práticas   sociais,   ou   seja,  são   objetos   de   discurso.   A   relação   língua-­‐mundo  passa   a   ser,   pois,   interpretada,   não   meramente  aferida   por   referentes   que   ou   representam   o  mundo  ou  “autorizam”  sua  representação.   (Grifos  das  autoras).    

 

  A  referenciação  é,  portanto,  uma  atividade  discursiva,  em  

que   o   sujeito   constrói   e   reconstrói   referentes   no   interior   do  

próprio  texto,   influenciado  pelo  contexto  de  comunicação  e  não  

apenas   por   meras   reproduções   pré-­‐existentes   da   realidade.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Dessa  forma,  esses  referentes  passam  a  ser  chamados  objetos  de  

discurso,   diante  das   razões   sociocognitivas  que  determinam  sua  

construção.   Sobre   essa   atividade,   Cavalcante   (2011,   p.   15-­‐16)  

destaca:    

   

O  ato  de  referir  é  sempre  uma  ação  conjunta.  Para  a   Linguística  do  Texto,  hoje,   fazemos   referência  a  algo   quando   nos   reportamos   a   pessoas,   animais,  objetos,   sentimentos,   ideias,   emoções,   qualquer  coisa,   enfim,   que   se   torne   essência,   que   se  substantive   quando   falamos  ou   escrevemos.   É   na  interação,  mediada  pelo  outro,  e  na  integração  de  nossas  práticas  de  linguagem  com  nossas  vivências  socioculturais   que   construímos   uma  representação   –   sempre   instável   –   dessas  entidades  a  que  se  denominam  referentes.    

 

Em   relação   a   essa   instabilidade   dos   referentes,   Koch  

(2006,   0.   80-­‐81)   concebe   que   “os   objetos   de   discurso   são  

dinâmicos,   ou   seja,   uma   vez   introduzidos,   podem   ser  

modificados,   desativados,   reativados,   transformados,  

recategorizados,   construindo-­‐se  ou   reconstruindo-­‐se,   assim,   seu  

sentido   no   curso   da   progressão   textual.”.   Nessa   construção   de  

sentido,   Koch   e   Elias   (2008,   p.125-­‐126)   destacam   as   seguintes  

estratégias   de   referenciação:   construção/ativação,  

reconstrução/reativação  e  desfocalização.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A   construção   consiste   na   introdução   de   um   objeto   de  

discurso  até  então  não  mencionado.  A  expressão  linguística  que  o  

representa  é  posta  em  foco,  ficando  esse  objeto  de  discurso  em  

evidência   no   texto.   A   introdução   pode   ser   não-­‐ancorada   –  

quando  um  objeto  de  discurso  totalmente  novo  é  introduzido  no  

texto   sem   qualquer   associação   com   elementos   presentes   na  

superfície  textual  ou  na  situação  de  comunicação  –  ou  ancorada  

–   quando   um  novo   objeto   de   discurso   é   ativado,   com  base   em  

algum  tipo  de  associação  semântica  com  elementos  presentes  no  

cotexto  ou  no  contexto  sociocognitivo,  como  ilustra  o  exemplo  a  

seguir  (cf.  KOCH  e  ELIAS,  2008,  p.127):    

 

   

De   acordo   com   as   autoras,   “no   último   quadrinho   da  

tirinha,   foi   introduzido   um   novo   referente   –   o   vinho   –   que  

associamos   aos   elementos   cotextuais   alcoólatra   e   vício   no  

primeiro  quadrinho  e  ao  contexto  sociocognitivo”  (ibid.).  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Para   que   o   texto   apresente   progressão,   além   da  

introdução   de   novos   referentes   textuais,   faz-­‐se   necessário   que  

outros  sejam  retomados  por  meio  de  uma  forma  referencial,  de  

modo  que  o  objeto  de  discurso  permaneça  em  foco,  criando-­‐se,  

assim,   as   cadeias   referenciais.   Esse   processo   de   manutenção  

implica   uma   recategorização   do   objeto   de   discurso   que,   como  

discutimos,   se   transforma,   assumindo,   pela   relação   com  

expressões   cotextuais,   outros   traços   semânticos.   Koch   e   Elias  

(2008,  p.  131)  para  exemplificarem,  destacam  o  trecho  a  seguir,  

em   que   a   retomada   referencial   é   feita   por   meio   da  

pronominalização:  os   termos  sublinhados,   “ela”  e  “o”   remetem,  

respectivamente,  a  Blanche  e  a  Heitor.    

 Em  uma  manhã  ensolarada,  Heitor  encontrou  uma  linda  cachorinha,  pequena  e   toda  branquinha,   e  deu  a   ela  o  nome  de  Blanche.   Todos  os  dias,   perto  da  hora  do  almoço,  Blanche   ficava   junto  ao  portão,  esperando  Heitor  chegar  da  escola.  Ela  dava  pulos  de  alegria  quando  o  via.    Fonte:  ROSA,  Nereide  S.  Santa  e  BONITO,  Angelo.  Crianças  famosas:  Vila-­‐Lobos.  São  Paulo:  Callis,  1994.  

 

Por  fim,  podemos  considerar  que,  quando  um  novo  objeto  

de  discurso  é   introduzido,  ele  passa  a  ocupar  a  posição   focal.  O  

objeto   retirado   de   foco,   contudo,   permanece   em   estado   de  

ativação   parcial,   disponível   para   a   utilização,   a   fim   de   dar  

continuidade  à  cadeia  referencial  anteriormente  criada.        

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Segundo   Cavalcante   (2010,   p.   53),   há   tipos   variados   de  

processos   referenciais   que   colaboram   para   a   construção   de  

sentido   dos   textos.   A   autora   considera   que   todo   processo  

referencial   é   viabilizado   por   um   dispositivo   remissivo,   uma  

propriedade   de   apontar   para   um   dado   objeto   reconhecível   a  

partir  de  pistas  muito  diversificadas.  Nessa  perspectiva,  propõe  a  

divisão  dos  processos  referenciais  em  duas  possibilidades:  

 

Se   as   entidades   são   introduzidas   no   texto   pela  primeira   vez,   isto   é,   se   elas   ainda   não   foram  citadas   antes   no   texto,   então   estamos   diante   de  ocorrências   de   introdução   referencial.   Se   os  referentes   já   foram  de  algum  modo  evocados  por  pistas   explícitas   no   cotexto,   então   estamos   em  presença  de  continuidades   referenciais,   isto  é,  de  anáforas.   (CAVALCANTE,   2010,   p.   54   –   grifos   da  autora)  

 

As   anáforas   diretas   retomam   referentes   previamente  

introduzidos   e,   assim,   estabelecem   uma   relação   de  

correferencialidade   entre   o   elemento   anafórico   e   o   seu  

antecedente.  As  anáforas  indiretas  caracterizam-­‐se  pela  ativação  

de  um  referente  textual  não  condicionado  morfossintaticamente  

por   um   sintagma   nominal   anterior.   Trata-­‐se,   pois,   de   uma  

estratégia   de   introdução   de   um   novo   objeto   de   discurso   que  

mantém   alguma   associação   cognitivo-­‐discursiva   com   elementos  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

nominais   presentes   no   cotexto,   como   a   tirinha   que   retrata   um  

bêbado  no  confessionário,  exemplo  reproduzido  anteriormente.  

  Cavalcante   (2010,   p.   71)   considera   a   anáfora  

encapsuladora   como   um   tipo   peculiar   de   anáfora   indireta,  

porque   não   retoma   nenhum   objeto   de   discurso   pontualmente,  

mas  se  prende  a  conteúdos  espalhados  no  texto.  

De   acordo   com  Koch   (2008,   p.105),   o   “encapsulamento”  

representa  uma  atividade  metadiscursiva  em  que   se   sumarizam  

partes  do  discurso,  seja  por  um  pronome  ou  por  uma  expressão  

nominal,  conforme  ilustram  Koch  e  Elias  (2008,  p.  138):    

 

PARECE  BRINCADEIRA,  MAS  É  CIÊNCIA    Um  homem  lagarto,  uma  mulher  que  morreu  três  vezes,  um  animal  que  come  a  si  mesmo.  Fenômenos  incríveis  revelados  através  de  uma  visão  científica  única.    

Discovery  Channel    

No   exemplo   apresentado,   a   expressão   nominal  

“fenômenos   incríveis”   encapsula   as   informações   “um   homem  

lagarto,   uma   mulher   que   morreu   três   vezes   e   um   animal   que  

come   a   si   mesmo”,   bem   como   denuncia   a   voz   do   enunciador  

diante  de  fatos  que  o  espantam.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Quando   a   forma   coesiva   que   encapsula   a   informação  

difusa   no   contexto   precedente   ou   subsequente   é   representada  

por   um   sintagma   nominal,   cria-­‐se   um   novo   objeto   de   discurso,  

processo  a  que  chamamos  de   rotulação.   “Em  outras  palavras,  o  

rótulo   vai   categorizar   o   segmento   resumido   de   uma   certa  

maneira,   de   acordo   com   a   avaliação   que   o   locutor   faz   do   seu  

conteúdo  ou  de  sua  enunciação.”  (KOCH,  2008,  p.105).  Portanto,  

toda   rotulação   é   um   encapsulamento,   mas   nem   todo  

encapsulamento  é  uma  rotulação.  

 

3. A REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS

   

Respaldados  nos  conceitos  teóricos  sobre  a  referenciação  

e  a  construção  de  objetos  de  discurso,  passamos  a  avaliar  como  

esse   tema   é   abordado   e   de   que   forma   é   trabalhado   nas  

atividades  de  leitura  e  de  produção  textuais  nas  duas  coleções  de  

livros  didáticos  analisadas.  Em  virtude  da   influência  que  os   textos  

midiáticos  exercem  sobre  a  sociedade,  procuramos  também  avaliar  

como   o   assunto   é   estudado   em   textos   da   mídia   nos   referidos  

manuais  didáticos.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  A   coleção   Português   Linguagens,   composta   por   um  

volume   para   cada   série   do   Ensino   Médio,   é   dividida   em   três  

partes   distintas:   Literatura;   Língua:   uso   e   reflexão;   Produção  

Textual.     Embora,   no   Manual   do   Professor,   os   autores   se  

proponham   a   percorrer   um   caminho   diferente   do   trilhado   pela  

gramática   tradicional   –   cujo   foco   recai   sobre   a   classificação  

metalinguística   e   a   imposição   de   usos   –,   não   encontramos,   ao  

longo  dos  volumes,  exercícios  que  contemplem  a  relação  entre  os  

conteúdos   gramaticais   e   as   questões   de   ordem   textual   e  

discursiva.  

Pelo   contrário,   a   revisão   dos   capítulos   sobre   classes   de  

palavras   confirmou   a   postura   normativa   que   caracteriza   os  

compêndios   didáticos:   os   livros   separam,   por   critérios  

morfossintáticos   e   semânticos,   as   classes   gramaticais,  

apresentando   uma   série   de   classificações   e   prescrições  

metalinguísticas,   numa   abordagem   totalmente   desarticulada   ao  

processo  de  referenciação.    

No   capítulo   5,   do   volume   1,   intitulado   Introdução   à  

Semântica,   observamos   que   são   descritas   as   relações   de  

sinonímia,   hiponímia   e   hiperonímia.   Contudo,   os   autores,   na  

explanação  teórica  e  nos  exercícios  não  associam  esses  conceitos  

à  manutenção  de  objetos  de  discurso,  tampouco  se  aventuram  a  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

falar   sobre   recategorização,  um  estudo  que  poderia   contemplar  

as  promessas  de  relacionar  o  conteúdo  e  as  questões  discursivo-­‐

textuais,   feitas  no  Manual  do  Professor.  As  atividades,  de  forma  

geral,   apresentam-­‐se   descontextualizadas,   com   o   simples  

objetivo  de   levar  os  alunos  a   reproduzirem  a  nomenclatura  dos  

conceitos   estudados,   como   mostra   o   exercício   reproduzido   a  

seguir:  

 

Leia  estes  grupos  de  palavras:  

• honestidade,  fidelidade,  preguiça,  sinceridade,       perseverança  • verde,  vermelho,  amargo,  alaranjado,  cor-­‐de-­‐   rosa  • colibri,  borboleta,  beija-­‐flor,  pardal,  canário    a) Em  cada  grupo  de  palavras,  existe  uma  que  não  pertence   ao   mesmo   campo   semântico   das   demais.  Indique-­‐a,    b) As   palavras   de   cada   grupo   que   pertencem   ao  mesmo  campo  semântico  podem  ser  hipônimos  de  um  hiperônimo.  Quais  são  esses  hiperônimos?        

(CEREJA  &  MAGALHÃES,  2010,  vol.  1,  p.  141)    

 

Embora,  a  cada  capítulo  do  estudo  gramatical,  os  autores  

apresentem   uma   seção   que   busca   associar   o   conteúdo   à  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

construção   de   sentido   do   texto,   os   exercícios   propostos   não  

contemplam,   de   forma   aprofundada,   a   função   referencial   das  

classes  de  palavras.  No  estudo  do  substantivo  e  do  adjetivo,  por  

exemplo,   não   se   faz   qualquer   menção   à   função   dos   sintagmas  

nominais   na   criação   de   cadeias   coesivas,   tampouco   à  

possibilidade  de  esses  elementos  contribuírem  para  a  criação  de  

objetos  de  discurso  e,  consequentemente,  para  a  argumentação.  

O  exercício  que  mais   se  aproxima  do  estudo   referencial,   sugere  

um   trabalho   com   anáfora   indireta,   tendo   por   base   o   poema  

Família,  de  Carlos  Drummond  de  Andrade.  

 

FAMÍLIA    

Três  meninos  e  duas  meninas,  sendo  uma  ainda  de  colo.  

A  cozinheira  preta,  a  copeira  mulata,  o  papagaio,  o  gato,  o  cachorro,  

as  galinhas  gordas  no  palmo  da  horta  e  a  mulher  que  trata  de  tudo.  

 A  espreguiçadeira,  a  cama,  a  gangorra,  

o  cigarro,  o  trabalho,  a  reza,  a  goiabada  na  sobremesa  de  domingo,  

o  palito  nos  dentes  contentes,  o  gramofone  rouco  toda  noite  e  a  mulher  que  trata  de  tudo.  

 O  agiota,  o  leiteiro,  o  turco,  o  médico  uma  vez  por  mês,  o  bilhete  todas  as  semana  

branco!  Mas  a  esperança  verde.  

Page 23: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A  mulher  que  trata  de  tudo  e  a  felicidade.  

 Na  primeira  estrofe,  entre  os  membros  da  família,  são  mencionados  a  mulher,  as  crianças,  os  empregados,  os  animais.  Só  não  é  mencionado  explicitamente  

o  homem,  que  também  deve  fazer  parte  da  família.    

a)  Levante  hipóteses:  Por  que,  provavelmente,  a  menção  ao  homem  não  foi        explicitada?    b)  Apesar  de  o  homem  não  ter  sido  mencionado  de  modo  explícito,  é  possível  metonimicamente  supor  sua  presença,  por  meio  de  alguns  nomes.  Levante  hipóteses:  que  substantivos  podem  estar  relacionados  ao  homem?    

(CEREJA  &  MAGALHÃES,  2010,  vol.  2,  p.  35)    

Apesar   dessa   iniciativa,   não   se   faz   qualquer   menção   à  

função   dos   sintagmas   nominais   na   criação   de   cadeias   coesivas,  

durante   o   estudo   do   substantivo   e   do   adjetivo,   tampouco   à  

possibilidade  de  esses  elementos  contribuírem  para  a  criação  de  

objetos  de  discurso  e,  consequentemente,  para  a  argumentação.    

Nesses  capítulos,  os  autores  poderiam  explorar  o  uso  dos  

substantivos   comuns   e   próprios   não   na   sua   potencialidade  

instituída   pela   tradição   gramatical,   que   os   vê   como   elementos  

lexicais   neutros   e   restritos   ao   seu   papel   nomeador,   mas   na  

possibilidade  de  gerarem  significações  além  do  que  está  expresso  

no   texto,   na   construção   de   objetos   discursivos.  O  mesmo  pode  

ser   dito   em   relação   à   adjetivação,   pois,   quando   os   adjetivos  

aparecem   no   discurso,   representam   o   interesse   do   enunciador  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

em  comunicar  uma  descrição  objetiva  ou  uma  apreciação  sobre  o  

referente,   constituindo-­‐se,   pois,   em   um   importante   recurso  

argumentativo.  

No  que  tange  aos  numerais  e  artigos,  importantes  classes  

de   palavras   para   o   processo   de   referenciação,   mais   uma   vez,  

constatamos   que   o   tratamento,   nesta   coleção,   é   restrito   à  

nomenclatura   gramatical.   Em   relação   aos   primeiros,   os   autores  

chegam   a   diferenciar   numeral   substantivo   de   numeral   adjetivo,  

porém   nada   abordam   sobre   a   relação   desse   tema   como   o  

processo   de   referenciação.   Quanto   aos   artigos,   até   verificamos  

que   alguns   exercícios   propõem   a   observação   dos   diferentes  

efeitos   de   sentido   obtidos   pela   utilização   ou   não   dos   artigos  

definidos   e   dos   artigos   indefinidos,   entretanto   a   potencialidade  

discursiva   desse   fenômeno   não   é   relacionada,   diretamente,   à  

criação   de   objetos   discursivos,   além  de,   em   geral,   as   frases   em  

estudo  aparecerem  sem  a  devida  contextualização.  

 

Nas  frases  a  seguir,  explique  a  diferença  de  sentido  conferida  a  elas   pela   presença   ou   pela   ausência   do   artigo   definido   nas  expressões  destacadas.    a)  Ela  pretende  ser  professora  um  dia.  Ela  pretende  ser  a  professora  um  dia.    b)  Pedro,  esta  é  minha  irmã.  Pedro,  está  é  a  minha  irmã.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 (CEREJA  &  MAGALHÃES,  2010,  vol.  2,  p.  74)  

 

 

  A   única   abordagem   que  mais   se   aproxima   do   estudo   da  

referenciação   foi   encontrada   na   apresentação   dos   pronomes  

demonstrativos.  Nessa  seção,  os  autores  abordam  a  possibilidade  

de   esses   pronomes   evidenciarem   as   relações   correferenciais  

projectivas  e   retrospectivas,  além  de  atuarem  na  desconstrução  

da   ambiguidade   referencial,   quando   dois   ou   mais   referentes  

podem  ser  reativados  no  contexto.      

                                                                     (CEREJA  &  MAGALHÃES,  2010,  vol.2,  p.100)  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Embora   os   capítulos   que   tratem   do   estudo   gramatical  

estejam  na  seção   intitulada  Língua:  uso  e   reflexão,  os  exercícios  

propostos,  em  sua  maioria,  são  pautados  em  curtas  histórias  em  

quadrinhos   ou   em   enunciados   descontextualizados   e   pouco  

refletem  sobre  a  atividade  linguística.  São  priorizados  os  aspectos  

prescritivos  e  descritivos  da  gramática,  o  que  vai  de  encontro  à  

afirmação  feita  no  Manual  do  Professor:      ...esta   obra   concentra   aspectos   que   pertencem  tanto   à   gramática   normativa   –   em   seus   aspectos  prescritivos   (normatização  a  partir  de  parâmetros  da   variedade   padrão:   ortografia,   flexões,  concordâncias,  etc.)  e  descritivos   (a  descrição  das  classes   e   categorias   -­‐   quanto   à   gramática   de   uso  (que  amplia  a  gramática  internalizada  do  falante)  e  ainda  à   gramática   reflexiva   (que  explora  aspectos  ligados   à   semântica   e   ao   discurso).   (Manual   do  Professor,  p.  20)    

   Assim,   encontramos   textos   midiáticos   apenas   na   parte   de  

Produção   Textual,   porém   as   atividades   se   voltam   para   a   estrutura  

dos   gêneros   em   foco   (notícia,   reportagem,   anúncio   publicitário,  

editorial,   entrevista   etc.)   além   de   algumas   questões   de  

compreensão   textual.   Nenhuma   alusão   é   feita   aos   processos  

referenciais  ou  à  construção  de  objetos  de  discurso.    

  Em   relação   à   segunda   coleção   analisada,   Projeto   Eco  

Língua   Portuguesa,   chamou-­‐nos   a   atenção,   a   superficialidade  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

com  que  o  conteúdo  gramatical  é  trabalhado  –  ao  contrário  das  

muitas  unidades  destinadas  à  Literatura.    

  No   que   tange   ao   estudo   das   classes   de   palavras,   por  

exemplo,  o  volume  2  apresenta  um  único  capítulo  que  descreve  

as  dez  classes,  sem  qualquer  sistematização  teórica.  Apesar  de  o  

capítulo   ser   intitulado   Classes   de   palavras   e   construção   de  

sentido   nos   textos,   os   exercícios   não   trabalham   essa   relação   e  

tampouco  fazem  alusão  ao  processo  de  referenciação.  

  Encontramos,   no   volume   3,   um   único   capítulo   –  

Progressão   textual   –,   que,   entretanto,   limita-­‐se   ao   estudo   da  

repetição  de  palavras  no  texto,  ora  como  recurso  de  construção,  

ora  como  defeito  textual,  como  ilustra  o  exercício  a  seguir,  numa  

atividade  com  tirinhas:  

 Qual  é  a  ideia/informação  repetida  por  três  vezes  na  tira?  

Explique  como  é  construída  a  progressão  textual  

(ALVES  &  MARTIN,  2010,  vol.  3,  p.  304)  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

    Como  sugestão  de  gabarito,  as  autoras  destacam  que  a  

progressão   textual   é   construída   no   plano   visual   e   não   no   texto  

escrito.  Isso  porque  a  mudança  de  sentimentos  dos  personagens  

é  percebida  em  sua  expressão  facial.  

  Em   relação   aos   textos   midiáticos,   quase   nada  

encontramos,   nesta   coleção:   nos   exercícios   gramaticais,   o   texto  

literário   é   priorizado;   na   parte   de   produção   textual,   apenas   os  

gêneros   notícia,   reportagem   e   artigo   de   opinião   são  

superficialmente  descritos,  embora,  no  Manual  do  Professor,  as  

autoras  garantam  que  

 O   texto   não   é   somente   ponto   de   partida   para   a  reflexão   sobre   a   língua   –   ele   é   igualmente   ponto  de  chegada.  Nesta  coleção,  a  prática  de  produção  textual   recebe   tratamento   organizado   e  estruturado,   fornecendo   ao   aluno   ferramentas  para   a   concepção   inicial   de   sua   produção,   o  planejamento   e   a   execução   textual.   (Manual   do  Professor,  p.  12)  

       

 

4. A RERENCIAÇÃO NOS TEXTOS DA

MÍDIA: PROPOSTAS DE ATIVIDADES

 

Diante   da   ausência   de   um   estudo   dirigido   sobre  

referenciação  e  construção  de  objetos  de  discurso,  com  base  em  um  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

editorial   apresentado   no   volume   2   da   coleção   de   Cereja   e  

Magalhães,   apresentaremos   algumas   propostas   de   atividades   que  

contemplam   esses   temas   tão   importantes   para   a   compreensão   e  

produção  textuais.    

 

                               PROPAGANDA  A  SER  LIMITADA    

É   grande  a   força  do   lobby  de   cervejarias,   TVs   e   agências   de  propaganda.   Mais   uma   vez,  conseguiu   evitar   que   a  publicidade   de   cervejas   fosse  equiparada  a  das  demais  bebidas  alcoólicas   e   proibida   das   6h   às  21h.    

O   projeto   de   lei   do  Executivo   restituindo   um   pouco  de  lógica  à  legislação  que  regula  a  propaganda   de   álcool   estava  pronto   para   ser   votado.  Mas   um  acordo   entre   parlamentares   e  governo  conseguiu  retirar  a  urgência  da  proposta,  que  agora  fica  sem  prazo  para  ir  ao  plenário.  A  julgar  pelos  precedentes,   isso  dificilmente  ocorrerá   antes   dos   Jogos  Olímpicos   de   Pequim,   em   agosto,   ou   quem  sabe  da  Copa  de  2014.    

Em  termos  de  saúde  publica  e  ciência,  não  há  justificativa  para  tratar   a   publicidade   de   bebidas   alcoólicas   de   qualquer   gradação   de  forma  diversa  da  do  tabaco,  que  é  vedada  quase  totalmente.    

O   álcool   é   uma   droga   psicoativa   com   elevado   potencial   para  provocar   dependência.   Estudo   da   Organização   Mundial   da   Saúde  atribui  ao  abuso  etílico  3,2  %  das  mortes  ocorridas  no  planeta  (cerca  de  1,8  milhão  de  óbitos  anuais).  Metade  delas  tem  como  causa  doenças,  e  a   outra   metade,   ferimentos.   No   Brasil,   dados   da   Secretaria   Nacional  

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Antidrogas   (2005)   apontam   que   12,3%   da   população   entre   12   e   65  anos  pode  ser  considerada  dependente.    

Não   se   trata   de   proibir   o   consumo   de   álcool,   mas   esses  números   deixam   claro,   por   outro   lado,   que   ninguém   deveria   ser  estimulado   a   beber.   A   propaganda   é   uma   atividade   legítima   para   a  esmagadora   maioria   dos   produtos   e   serviços   existentes.   O   caso   das  drogas   lícitas   é   uma   exceção.   A   Constituição   Federal,   em   seu   artigo  220,  prevê  restrições  a  esse  tipo  de  publicidade.    

Não   faz,   portanto,  sentido   a   campanha   que   a  Associação  Brasileira  de  Agencias  de   Publicidade  mantém   desde   o  final   de   abril,   afirmando   que   a  restrição   à   publicidade   de  cervejas   teria   o   mesmo   efeito  que   proibir   "a   fabricação   de  abridores  de  garrafa".    

Louvar   as   virtudes   reais  ou   imaginarias   de   abridores   de  garrafa  não  costuma  levar  jovens  a   consumir   quantidades  crescentes   de   drogas  psicotrópicas.   Já   a   propaganda  de  cerveja  o  faz.    

 Folha  de  São  Paulo,  11/05/2008  

 Ø Propostas  de  atividades  

   1)  Ao  longo  do  texto,  o  objeto  de  discurso  “cerveja”  é  retomado  por  diversas  expressões  nominais.      a)  Transcreva  duas  expressões  nominais.      

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

R.:  O  objeto  de  discurso  cerveja  é,  ao  longo  do  texto,  retomado  por  expressões  como  “drogas  lícitas”,  “álcool”,  “drogas  psicotrópicas”.    b)  De  que  forma  essas  expressões  nominais  que  retomam  o  objeto  de  discurso  “cerveja”  colaboram  para  o  projeto  argumentativo  do  texto?      R.:  Todas  as  expressões  nominais  que  retomam,  ao  longo  do  texto,  o  objeto  de  discurso   “cerveja”   reforçam   o   caráter   destrutivo   da   bebida.   O   próprio  substantivo  “droga”  tem  seu  sentido  negativamente  marcado.      2.  No  4º  parágrafo,  são  apresentadas  expressões  quantitativas  diferentes  para  se  referir  às  mortes  provocadas  pelo  consumo  de  álcool.    a)  Quais  são  essas  expressões.      R.:  As  expressões  são  3,2%  e  1,8  milhão.    b)  Em  que  contexto  essas  expressões  foram  empregadas?    R.:   Para   se   referir   às   mortes   provocadas   pelo   consumo   de   álcool,   o   texto  emprega  o  percentual  3,2%,  que,  inicialmente,  pode  parecer  pequeno.  Porém,  esse   valor   logo   é   especificado  pelo   alarmante   número   absoluto   1,8  milhões,  mostrando   que  muitas   pessoas   têm   suas   vidas   ceifadas   por   conta   do   abuso  etílico.    3.   A   progressão   textual   é   resultado   de   um   conjunto   de   procedimentos  linguísticos   por   meio   dos   quais   se   estabelecem,   entre   segmentos   do   texto,  relações  de  interdependência.  Sabendo  disso,  responda:    a)  Que  expressão,  empregada  no  5º  parágrafo,  retoma  o  conteúdo  do  4º?    R.:  A  expressão  “esses  números”,  empregada  no  5º  parágrafo  faz  referência  às  mortes   provocadas   pelo   consumo   de   álcool,   item   destacado   no   parágrafo  anterior.    b)  Por  que  tal  expressão  denuncia  a  opinião  do  enunciador  sobre  a  proibição  das  propagandas  de  cerveja?      

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

R.:   Como   é   elevado   número   de   mortes   relacionadas   à   bebida   alcoólica,   o  enunciador   sugere   que   esse   consumo   não   seja   estimulado   por   meio   das  propagandas,  que  deveriam,  então,  ser  proibidas.    4.   Considerando   as   estratégias   de   sedução   e   convencimento   empregadas  pelos   textos   publicitários,   no   penúltimo   parágrafo,   a   propaganda   da  Associação   Brasileira   de   Agências   Publicitárias   compara   dois   elementos   do  texto.    a)  O  que  está  sendo  comparado?    R.:   A   Associação   Brasileira   de   Agências   Publicitárias   compara   o   ato   de  restringir  as  propagandas  de  bebidas  alcoólicas  ao  ato  de  proibir  a  fabricação  de  abridores  de  garrafa.    a)  Explique  a  crítica  implícita  nesta  comparação.    R.:   Na   tentativa   de   justificar   que   as   propagandas   de   bebidas   alcoólicas   não  deveriam   ser   restringidas,   por   não   incitarem   diretamente   o   consumo   das  mesmas,  a  Associação  Brasileira  de  Agências  Publicitárias,  num  tom  irônico  e  exagerado,  sugere  que  a  fabricação  de  abridores  de  garrafas  também  deveria  ser  proibida,  uma  vez  que  seu  uso  está  relacionado  ao  consumo  etílico,  por  ser  o  instrumento  utilizado  para  abrir  o  recipiente  em  que  a  bebida  está  contida.      

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Guiados  pelos   postulados  da   atual   fase  da   Linguística   de  

Texto,   analisamos   como   a   referenciação   é   tratada   em   duas  

coleções   de   livros   didáticos   destinadas   ao   Ensino   Médio:  

Português  Linguagens  e  Projeto  Eco  –  Língua  Portuguesa.  Embora  

se   configure   como   importantes   estratégias   de   interpretação   e  

produção   textuais,   o   trabalho   com   a   construção   de   objetos   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

discurso   e   de   cadeias   referenciais   quase   não   aparece   nos  

manuais  escolares  em  tela.  

Como  proposta  didática,  ressaltamos  que  a  leitura  é  uma  

atividade   imprescindível   em   qualquer   área   do   conhecimento.  

Textos  de  natureza  diversa  exigem  diferentes  abordagens  para  se  

chegar   ao   seu   significado.   Todo   professor,   portanto,   deve   estar  

comprometido  com  a  formação  de  leitores  críticos  que  aprendam  

a  pensar   sobre  o  pensamento  dos  outros  e  cheguem  a  produzir  

seus  próprios  pensamentos.  Para  isso,  a  leitura  precisa  extrapolar  

as  linhas  do  texto,  as  páginas  dos  livros,  buscando  significados  em  

outros  textos,  outros  livros,  outras  vivências.    

De   acordo   com   os   Parâmetros   Curriculares   Nacionais   de  

Língua  Portuguesa  para  o  Ensino  Fundamental:    

 Formar   um   leitor   competente   supõe   formar  alguém   que   compreenda   o   que   lê;   que   possa  aprender   a   ler   também   o   que   não   está   escrito,  identificando  elementos  implícitos;  que  estabeleça  relações   entre   o   texto   que   lê   e   outros   textos   já  lidos;   que   saiba   que   vários   sentidos   podem   ser  atribuídos   a   um   texto;   que   consiga   justificar   e  validar   sua   leitura   a   partir   da   localização   de  elementos  discursivos.”  PCN  (1997,  p.  54)    

 

  Com   base   nesses   pressupostos   e   considerando   que   a  

leitura   e   a   escrita   sejam   atividades   de   interação   entre   sujeitos,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

acreditamos   que   o   estudo   sistemático   do   processo   de  

referenciação   nos   livros   didáticos   –   embora   seja   um   caminho  

ainda  a  percorrer  –  muito  possa   contribuir  para   se  alcançar  um  

dos   objetivos   principais   do   ensino   de   língua  materna,   previstos  

pelos   Parâmetros   Curriculares   Nacionais:   desenvolver   a  

competência   comunicativa   do   aluno,   integrando,   enfim,   texto   e  

gramática.    

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  BRASIL.   Secretaria   de   Educação   Fundamental.   Parâmetros  curriculares   nacionais:   língua   portuguesa.   3.   ed.   Brasília:  MEC/SEF,  2001.    CAVALCANTE,   M.;   PINHEIRO,   C.;   LINS,   M.   da   P.;   LIMA,   G.  Dimensões   textuais   nas   perspectivas   sociocognitiva   e  interacional.   In:   BENTES,  A.C.;   LEITE,  M.  Q.   (org.).   Linguística   de  texto   e   análise   da   conversação:   panorama   das   pesquisas   no  Brasil.  São  Paulo:  Cortez,  2010.  p.  225-­‐261.    GERALDI,   João   Wanderley.   Linguagem   e   ensino.   Exercícios   de  militância  e  divulgação.  Campinas-­‐SP:  ALB  &  Mercado  das  Letras.  1998.    KOCH,   Ingedore.  Desvendando  os  segredos  do  texto.    São  Paulo:  Cortez,  2002.  

 ______.  A  inter-­‐ação  pela  linguagem.  10.  ed.  São  Paulo:  Contexto,  2007.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 ______.   Como   se   constroem   e   reconstroem   os   objetos-­‐de-­‐discurso.   In:   Anais   do   XIII   Congresso   da   Associação   Latino-­‐Americana  de  Estudos  do  Discurso  (ALED),  2008.  p.  99-­‐114.    ______;   MORATO,   Edwiges   Maria;   BENTES,   Anna   Christina.  Referenciação  e  discurso.  São  Paulo:  Contexto,  2005.    ______;  ELIAS,  Vanda.  Ler  e   compreender:   os   sentidos  do   texto.  São  Paulo:  Contexto,  2008.    MONDADA,  Lorenza;  DUBOIS,  Daniele.  Construção  dos  objetos  de  discurso   e   categorização:   Uma   abordagem   dos   processos   de  referenciação.  In:  CAVALCANTE,  Mônica  Magalhães;  RODRIGUES,  Bernardete  Biasi;  CIULLA,  Alena.  (Org.).  Referenciação.  São  Paulo:  Contexto,  2003.  p.  17-­‐52.    TRAVAGLIA,   Luiz   Carlos.   Gramática   e   interação:   uma   proposta  para  o  ensino  de  gramática  no  1º  e  2º  graus.  8ª.  ed.  São  Paulo:  Cortez,  2002.        MANUAIS DIDÁTICOS  ALVES,   Hernandes   Roberta   e   MARTIN,   Lia   Vilma.   Língua  Portuguesa.  São  Paulo:  Editora  Positivo,  2009.    CEREJA,   William   Roberto   e   MAGALHÃES,   Thereza   Cochar.  Português  linguagens  (volumes  1,  2  e  3).  7ª  ed.  reformulada,  São  Paulo:  Editora  Moderna,  2009;  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A abordagem da referenciação em livros didáticos de Língua

Portuguesa do Ensino Fundamental

GONÇALO,  Fabiana  (UFRJ/  CNPq)  

COLAMARCO,  Manuela  (UFRJ/  CAPES)  

1. INTRODUÇÃO

    Este   artigo   tem   por   objetivo   reunir   as   contribuições   do  

processo  de  referenciação  para  um  trabalho  mais  produtivo  com  

o  texto  em  sala  de  aula  no  Ensino  Fundamental,  principalmente  

no   que   se   refere   às   atividades   de   leitura   e   interpretação.   Para  

isso,  nosso  objeto  de  análise  são  duas  coleções  de  livros  didáticos  

de   língua  portuguesa   (doravante,  LDP),  Viva  Português  e  Tudo  é  

Linguagem,   ambas   da   Editora   Ática,   aprovadas   pelo   PNLD-­‐EF-­‐

2011  e  que  estão  sendo  utilizadas  nas  redes  pública  e  privada  até  

2013.  Nessas  coleções,  nos  concentramos  nos  textos  midiáticos,  

verificando  se  eles  são  relacionados  a  atividades  de  referenciação  

e,  em  caso  positivo,   como  essas  atividades   são   realizadas.  Além  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

disso,  buscamos  observar   se  há  algum  tipo  de  atividade,  nesses  

LDP,   que   vise   associar   a   questão   da   referenciação   à  

intencionalidade  dos  autores  no  momento  da  produção  de  seus  

textos.    

    A   escolha   pelo   corpus   em   questão   deve-­‐se   a   sua  

relevância  no  cenário  atual  e  à  recorrência  dos  textos  midiáticos  

nos   LDP.   Além   disso,   sabe-­‐se   que,   no   que   concerne   a   alguns  

gêneros  textuais  do  grupo  dos  textos  jornalísticos  (reportagem  e  

notícia,  por  exemplo),  é  recorrente  a  fala  –  inclusive  nas  escolas  –  

de  que  esses  textos  caracterizam-­‐se  pela   imparcialidade  de  seus  

autores.  Como  não  acreditamos  na  neutralidade  de  um  discurso,  

ou  seja,  entendemos  que  todo  produtor  de  um  texto  atribui  uma  

intenção  ao  que  escreve/fala,  conforme  postulam  Beaugrande  e  

Dressler   (1981),   procuramos   verificar   se   os   LDP   buscam,   de  

alguma  maneira,   ao   tratar   da   referenciação,   abordar   a   questão  

da   intencionalidade,   também   nesses   textos   tão   historicamente  

marcados  por  uma  suposta  imparcialidade.  

  Para  desenvolver   este   trabalho,   adotamos   como   suporte  

teórico  estudos  sobre  a  referenciação,  com  base  na  Linguística  do  

Texto,  destacando  as  obras  de  Koch  (2004,  2006,  2008),  Koch  &  

Elias   (2006),   Marcuschi   (2008),   Cavalcante   et   alii   (2003),  

Cavalcante  (2011),  Mondada  (2001),  dentre  outros.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  De   acordo   com   a   Linguística   do   Texto   (doravante,   LT),  

partimos,   primordialmente,   da   defesa   de   que   a   referenciação   é  

uma   atividade   discursiva,   ou   seja,   de   que   o   texto   é   organizado  

para   ser   o   próprio   lugar   da   interação   de   sujeitos   sociais   que  

compartilham  todos  os  seus  conhecimentos  com  a  finalidade  de  

atingir   as   suas   propostas   de   sentido.   Diante   dessa   perspectiva  

sociointeracional,   os   objetos-­‐de-­‐discurso   são   construídos   e  

reconstruídos  pelos  enunciadores  por  meio  de  escolhas  dentre  as  

inúmeras   alternativas   que   a   língua   oferece   para   designar   um  

referente.  Sobre  essa  visão  do  texto,  Koch  (2008,  p.  188)  afirma:  

 

[o   texto   é]   um   construto   histórico   e   social,  extremamente   complexo   e   multifacetado,   cujos  segredos   é   preciso   desvendar   para   compreender  melhor  esse  “milagre”  que  se   repete  a  cada  nova  interlocução   –   a   interação   pela   linguagem,  linguagem   que,   como   dizia   Carlos   Franchi,   é  atividade  construtiva.  [grifos  da  autora]        

    Neste   artigo,   então,   será   abandonada   a   visão  

representacional   e   estática   da   tradição   escolar,   que   opta   pelo  

termo  “coesão   referencial”,   tendo  em  vista  que  a   referenciação  

vai   muito   além   dessa   posição,   tratando-­‐se   de   uma   operação  

colaborativa  entre  os  parceiros  da  interação,  fazendo  com  que  os  

referentes   sejam   construídos   no   e   pelo   discurso   e,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

consequentemente,   sejam   chamados   de   objetos-­‐de-­‐discurso.  

Esses  objetos  podem  ser  recategorizados  de  diversas  formas,  e  a  

escolha   de   cada   um   deles   é   carregada   de   valores   e  

posicionamentos  ideológicos.  Em  outras  palavras,  a  referenciação  

trabalha   com   a   intenção   do   produtor   do   texto,   pois   ele   opera  

sobre   o   material   linguístico   de   que   dispõe,   selecionando-­‐o   de  

acordo  com  a  melhor  adaptação  ao  seu  ponto  de  vista,  a  fim  de  

concretizar   sua  proposta  de   sentido.   Logo,   ele   rompe   com  uma  

possível   neutralidade  e  mostra  o   seu  posicionamento  diante  do  

que  é  dito.    

    Desse   modo,   ao   considerar   esse   processo   como   uma  

atividade   discursiva   de   (re)   construção   de   objetos-­‐de-­‐discurso,  

percebemos   que   ele   é   estrategicamente   intencional.   Nessa  

perspectiva,   é   possível   relacionar   a   referenciação   à   orientação  

argumentativa,  pois  sempre  que  enunciamos,  objetivamos  atuar  

sobre   os   parceiros   da   interação   e   obter   deles   determinadas  

reações  (KOCH,  2002),  impondo  ou  orientando  o  nosso  modo  de  

se   referir   como   o  mais   verdadeiro.   Segundo   Adam   (1992,  apud  

SANTOS,  2007),  o  enunciador  constrói  o  discurso  para  modificar  

representações,   crenças,   comportamentos   e   opiniões   do  

interlocutor.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Tendo   em   vista   a   dificuldade   que   cerca   o   trabalho   dos  

professores   com   o   texto   em   sala   de   aula,   acredita-­‐se   que   os  

mecanismos  referenciais  possam  servir  de  instrumento  para  que  

o  docente  oriente  melhor  seus  alunos.  Segundo  Travaglia  (2005),  

somente  através  do  texto,  o  professor  desenvolve  a  competência  

comunicativa   dos   alunos,   fazendo-­‐os   lidar   de  modo   eficaz   com  

sua  língua  materna  nas  mais  variadas  situações  de  comunicação.    

    Nossa  hipótese,  ao  pensar  este  trabalho,  era  a  de  que  as  

coleções   analisadas,  mesmo   que   se   caracterizem   por   serem   de  

qualidade,   abordariam   ainda   de   forma   precária   a   questão   da  

referenciação,   principalmente   em   sua   relação   com   a  

intencionalidade.   Sabemos   que,   na   academia,   esse   tema   é  

bastante  estudado  e  sua  relevância  é  inquestionável.  No  entanto,  

ainda  há  muito  que  fazer  para  levá-­‐lo  até  a  sala  de  aula.    

    Por   último,   ao   final   da   análise,   com   vias   a   auxiliar  

professores   que   se   interessem   pelo   tema   em   questão,  

elaboraremos   atividades   de   compreensão   relacionadas   à  

referenciação   com   base   em   um   texto   extraído   de   um   dos   LDP  

analisados.  

 

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

2. ABORDAGEM TEÓRICA

2.1.1 A Linguística do Texto

 

  Na   década   de   60,   na   Europa,   houve   o   surgimento   da  

Linguística   do   Texto,   que   estabeleceu   o   texto   como   a   principal  

fonte   de   investigação   dos   fatos   linguísticos,   no   lugar   do   então  

estudo   da   palavra   isolada   e   da   frase   descontextualizada.   Até   a  

primeira  metade  da  década  de  70,  a  preocupação  básica  era  em  

relação  aos  mecanismos  interfrásticos,  ou  seja,  componentes  do  

sistema   gramatical,   como   correferência,   pronominalização,  

artigo,  ordem  das  palavras,  dentre  outros  usos  que  garantiam  o  

estatuto  de   texto,   sendo  este  visto  como  um  produto.  O  objeto  

de   estudo   principal   era,   então,   a   coesão,   o   que   fez   com   que  

surgissem  diversas  gramáticas  do   texto.  Nesse  período,  ainda,  a  

coesão  era  confundida  com  a  coerência  que,  por  sua  vez,  era  tida  

apenas  como  uma  propriedade  ou  característica  do  texto.    

    A   partir   da   segunda   metade   da   década   de   70,   houve   a  

adoção   da   perspectiva   pragmática   (“virada   pragmática”),  

defendendo  o  texto  como  a  unidade  básica  de  interação  humana,  

considerado  no  processo  mesmo  de  sua  constituição,  e  não  mais  

um   produto   acabado   e,   por   isso,   os   elementos   que   revelam   as  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

intenções   dos   falantes   deveriam   ser   levados   em   conta.   Na  

década   de   80,   o   texto   passou   a   ser   visto   como   o   resultado   de  

processos   mentais   (“virada   cognitivista”),   com   o   postulado   de  

que   se   deviam   levar   em   conta   os   saberes   armazenados   na  

memória   que   os   parceiros   da   comunicação   possuem   para  

explicar   as   operações   responsáveis   pela   forma   como   os   textos  

são  criados  e  utilizados.  A  LT  foi,  então,  buscar  explicações  para  

as   inferências,   através   da   memória,   da   atenção,   das  

representações  mentais  etc.  

   Além   disso,   a   partir   de   1980,   rediscute-­‐se   a   dicotomia  

entre  texto  e  discurso,  para  se  assumir  uma  perspectiva  textual-­‐

discursiva,  uma  vez  que  o  texto  não  deve  ser  visto  simplesmente  

como  uma  superfície  material  que  conduz  ao  discurso,  mas  como  

indissociável   dele   e   definido   pelo   uso   (cf.   KOCH,   2002,   2004;  

MARCUSCHI,  2008;  CIULLA  E  SILVA,  2008).  Adam  (2008)  também  

postula   que   texto   e   discurso   devem   ser   pensados   de   forma  

contextualizada   e   articulada   e,   por   isso,   ele   considera   a   LT   um  

subdomínio   da   área   mais   ampla   da   análise   das   práticas  

discursivas.  

  Porém,   a   concepção   atual   da   LT   foi   estabelecida   na  

década   de   90   (“virada   discursiva”),   baseando-­‐se   na   perspectiva  

de   Bakhtin   (GOMES-­‐SANTOS   et   alii,   2010).   O   texto   começou   a  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

receber   um   tratamento   de   ordem   sociocognitiva-­‐interacional,  

pois   não   podia   ser   entendido   apenas   como   resultado   de  

processos   cognitivos.   Passou-­‐se,   então,   a   questionar   a   divisão  

entre   exterioridade   e   interioridade,   postulada   pelas   ciências  

cognitivas   clássicas,   no   que   concerne   à   separação   que   opera  

entre  fenômenos  mentais  e  sociais.    

    Fundamenta-­‐se   a   ideia   de   que   tais   operações   não  

ocorrem  apenas  na  mente  do   indivíduo,  mas  são  o  resultado  da  

interação   de   várias   ações   conjuntas   praticadas   por   ele   (KOCH,  

2004,   p.   29/   30),   não   sendo   somente   resultado   de   processos  

cognitivos,  mas  interacionais.  Dessa  forma,  a  partir  da  concepção  

de  base  sociocognitiva-­‐interacional,  o  texto  passa  a  ser  entendido  

como   “lugar   de   interação   entre   atores   sociais   e   de   construção  

interacional  de   sentidos”   (KOCH,  2004,   introdução).   Isso   implica  

dizer  que  texto  e  contexto  estão  intimamente  ligados.  

    Dentro  dessa  perspectiva,  a  LT  trouxe  uma  mudança  para  

o  estudo  do  texto,  estabelecendo  que  o  leitor  deve  ser  capaz  não  

só   de   entender   as  mensagens   veiculadas   pelos   diversos   textos,  

como   precisa,   ainda,   identificar   as   intenções   comunicativas   de  

seus   autores,   trazendo   à   tona   conhecimentos   armazenados   em  

sua  memória,  reconhecendo  os  diversos  tipos  e  gêneros  textuais  

e   as   diferentes   estratégias   de   referenciação   e   sequenciação  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

(KOCH,   2004).   Modificando   toda   uma   tradição   de   estudo   do  

texto,   a   LT   desconstrói   a   relação   de   hierarquia   autor-­‐leitor,   em  

que   o   segundo   deve   apenas   coletar   informações   isoladas   que  

estariam  “prontas”  para  ele  dentro  de  um  “produto  acabado”.    

    Assim,  passa-­‐se  a  entender  o   texto   como  o   resultado  da  

interação  de  elementos  sociais,  cognitivos  e   linguísticos,  e  a  sua  

compreensão   mobiliza   recursos   cognitivos   e   pragmáticos.   Indo  

ainda   um   pouco   mais   além,   Cavalcante   et   alii   (2010,   p.   228)  

postulam  que:  

 

[...]   o   texto   é   a   unidade   funcional   que   não  somente   permite   a   interação,   como   também  viabiliza  diversas  formas  de  representar  o  mundo,  de  transformá-­‐lo  e  de,  a  um  só  tempo,  reconstruir-­‐se   a   partir   dessa   dinâmica   emergência   dos  sentidos,   que   envolve   toda   espécie   de  heterogeneidades   enunciativas,   dentre   elas   as  relações  intertextuais  e  interdiscursivas.      

 Para   a   LT,   os   interlocutores   são   compreendidos   como  

sujeitos   que,   dialogicamente,   nele   se   constroem   e   por   ele   são  

construídos  (KOCH,  2008).  Desse  modo,  um  texto  seria  originado  

por   uma   multiplicidade   de   operações   cognitivas   interligadas   e  

sua  produção  de  sentidos   se   realizaria  com  base  nos  elementos  

linguísticos   presentes   na   sua   superfície   e   na   sua   forma   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

organização.  No  entanto,  a  percepção  desses  sentidos  requer  não  

apenas   a   mobilização   de   um   vasto   conjunto   de   saberes,   como  

também  a  sua  reconstrução  no  momento  da  interação  verbal.  À  

LT  caberia,  então,  desenvolver  estratégias  de  descrição  e  análise  

textuais  capazes  de  dar  conta  desses  processos.    

Uma   vez   apresentada,   em   termos   gerais,   a   teoria   que  

determinará   a   forma   pela   qual   o   corpus   desta   pesquisa   será  

analisado,   expomos,   a   seguir,   os   conceitos   que   mais  

particularmente   interessarão   a   este   trabalho:   intencionalidade,  

escolhas  lexicais  e  referenciação.  

 

2.2 A relação entre a intencionalidade, as escolhas lexicais e a construção dos sentidos

 

O   texto,   isto   é,   o   discurso   produzido   pelo   sujeito   ao  

significar  o  mundo  de  acordo  com  o  lugar  social  e  ideológico  que  

ocupa,   é   definido   por   Orlandi   (2007,   p.   77)   como   uma   “[...]  

unidade   de   significação   cuja   relação   com   as   condições   de  

produção  é  constitutiva”.  O  texto  é  visto,  portanto,  não  como  um  

emaranhado  de  frases  soltas  ou  como  uma  composição  apartada  

do  mundo,  mas   sim   como   algo   cujo   sentido   torna-­‐se   inteligível  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

apenas   na   esfera   da   enunciação,   ou   seja,   do   contexto   social,  

ideológico,   político   em   que   fora   produzido.   Consoante   Fiorin  

(1996,   p.   30),   “o   discurso   não   é   uma   grande   frase   nem   um  

aglomerado  de  frases,  mas  um  todo  de  significação”.  

O   sentido   do   discurso   é   dotado   de   um   caráter   dialógico  

(MUSSALIM,  2001).  Isso  implica  dizer  que  o  significado  do  que  se  

diz  se  constrói  no  âmbito  do  interdiscurso,  isto  é,  no  diálogo  com  

outros   discursos.   Nada   do   que   se   enuncia   é   completamente  

original.   Tudo   o   que   se   diz   é   cortado   por   inúmeros   outros  

discursos  que  entram  na   formação  do  que  o  próprio  sujeito  é  e  

pensa.  Assim,  ao  significar  o  mundo  em  seu  discurso,  o  indivíduo  

encontra-­‐se  influenciado  por  inúmeros  outros  dizeres.  

  Entendemos   que   a   linguagem   é   caracterizada   por   uma  

orientação  argumentativa,  sendo  encarada  como  forma  de  ação,  

isto  é,  levar  o  outro  a  fazer  X.  Por  trás  de  qualquer  discurso,  há  a  

intenção  de  se  transmitir  ideologia(s),  na  acepção  mais  ampla  do  

termo,  uma  vez  que  tudo  que  diz  respeito  à  linguagem  tem  uma  

subjetividade   inerente,   pois   todos   nós   somos   sujeitos   que   têm  

intenções   e   objetivos   delimitados   e   que   buscamos   convencer   o  

outro  das  nossas   ideias  e   fazer   com  que  ele   chegue  às  mesmas  

conclusões  que  nós.  Logo,  se  o  sujeito  sempre  age  para  ser  aceito  

de  modo  que  suas  opiniões  sejam  mais  bem  recebidas  do  que  as  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

dos   outros,   a   neutralidade   é   um   mito,   haja   vista   que   até   o  

discurso   que   se   declara   “neutro”   tem   a   intenção   de   ser   o  mais  

objetivo  possível,  conforme  evidencia  Koch  (2011,  p.  17).  

A   LT   estabelece   que,   além   de   entender   as   mensagens  

veiculadas   pelos   vários   textos,   o   leitor   precisa   conseguir  

identificar   as   intenções   comunicativas   de   seus   autores.   De   que  

modo   se   chega,   então,   a   essas   intenções   ou  mesmo   –   por   que  

não  dizer  –  a  essas  ideologias?  Certamente,  por  meio  do  material  

linguístico  presente  no  texto.  Conforme  assevera  Sarfati  (2010,  p.  

28),   “todo   material   linguístico,   constituído,   principalmente,   de  

elementos  e  de  microssistemas  lexicais,  organiza  a  expressão  da  

subjetividade  linguística”.  

Desse  modo,  de  forma  mais  específica,  podemos  entender  

que   “pela   escolha   vocabular,   o   autor   de   um   texto   busca  

expressar  seu  ponto  de  vista  em  relação  ao  mundo  que  o  cerca,  

emitindo   juízo   de   valor”   (PAULIUKONIS,   2005,   p.   126).   Isso  

porque,  ao  fazer  a  escolha  por  determinado  item  lexical,  o  autor,  

necessariamente,  deixa  de  escolher  outros  que  poderiam  ocupar  

aquela  mesma  posição.  Assim,  quando  se  usa,  por  exemplo,  um  

termo   pejorativo   como   “pivete”   (ao   se   referir   a   um  menino   de  

rua),  opta-­‐se  por  um  vocábulo  específico  dentro  de  um  grupo  de  

outras   palavras   que   são,   consequentemente,   silenciadas  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

(“menino   de   rua”,   “menor   abandonado”,   entre   outros),   o   que  

provoca   efeitos   de   sentido   diferentes,   condicionados   pela  

intenção  de  quem  enuncia.  

Concordamos,  então,  com  Marcuschi  quando  ele  afirma:    

 

Com   uma   visão   de   língua   como   atividade   sócio-­‐interativa   [...]   e   uma   hipótese   sócio-­‐cognitiva,  tentamos   superar   a   noção   meramente  representacionalista   e   referencialista   da   língua,  para   privilegiar   as   relações   intersubjetivas  instauradas   pelos   interlocutores   mediante   os  recursos  linguísticos.  (MARCUSCHI,  2004,  p.  273)  

   

2.3 O processo de Referenciação  

Dentro   das   abordagens   da   LT,   a   referenciação   destaca-­‐se  

como   importante   estratégia   para   introduzir   novas   entidades   ou  

referentes   no   texto   (KOCH   e   ELIAS,   2006)   e   constitui   um  

elemento  basilar,  uma  vez  que  a  ela  são  atribuídas  as  funções  de  

imprimir  sentido  ao  texto  e  de  contribuir  para  sua  progressão.    

Ressalta-­‐se  que  o  processo  de   referenciação   também  está  

relacionado   à   ideia   de   escolha   vocabular,   tratada   na   seção  

anterior   deste   artigo,   uma   vez   que,   ao   selecionar   um   referente  

lexical   (um   substantivo   isolado   ou   um   substantivo   determinado  

por   adjetivo(s)   dentro   de   uma   expressão   nominal)   para   ocupar  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

determinada  posição  no  texto,  o  autor  deixa  de  escolher  outros  

referentes   também   possíveis   naquele   contexto   e   é   isso   que,  

como  vimos,  manifesta  sua  intenção.    

  A  presença  do  enunciador  no  discurso  ocorre,  justamente,  

por  meio  dessas  escolhas   referenciais  que  ele   faz,   isto  é,   ele   se  

revela   no   texto   pela   referenciação,   marcando   o   seu   ponto   de  

vista.   Mesmo   quando   se   esforça   para   ser   isento   de  

posicionamento,   toma   um   determinado   partido.   Conforme  

Rabatel   (2005,  p.121),   “o  modo  de  apresentação  dos   referentes  

comporta  saberes  e  marcas  de  um  modo  de  falar,  perceber  e/ou  

pensar  que  aponta  para  determinado  enunciador”.    

  A  nomeação  de  um  referente  envolve  uma  reflexão  sobre  

o   próprio   dizer,   o   que   faz   com   que   a   seleção   referencial   mais  

apropriada   se   dê   com   base   no   receptor,   nos   propósitos  

comunicativos,  no  contexto,  no  gênero  textual  em  questão  etc.  O  

produtor   textual   pode   ter   a   intenção   de   criticar   algo,   de  

ressignificar   um   termo   em   evidência,   de   causar   humor,   dentre  

outras   opções,   fazendo   com  que  haja   uma   grande   instabilidade  

nessa  nomeação  dos  referentes.  

    Durante   muito   tempo,   a   questão   da   referência   foi  

entendida   e   estudada   como   uma   forma   de   representação   do  

“mundo   real”   no   co-­‐texto.  As   formas   linguísticas   utilizadas  para  

Page 50: Referenciação e Ensino

   

49

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

retomar   ou   antecipar   algo,   na   superfície   textual,   deveriam   ser  

selecionadas   de   acordo   com   critérios   de   correspondência   e  

veracidade   em   relação   ao   mundo   exterior   que,   por   sua   vez,  

estava  pronto  para  ser  espelhado  (cf.  CAVALCANTE  et  alii.,  2010).    

    É   nessa   perspectiva   de   reflexo   da   realidade   que   está   a  

noção   tradicional   de   coesão   referencial,   que   concebe   a  

linguagem   como   transparente   e   considera   os   referentes   como  

objetos   do   mundo,   excluindo   o   contexto   e   a   construção   de  

efeitos   de   sentido.   Em   outras   palavras,   a   noção   de   “fazer  

referência  a  algo”  dizia  respeito  a  algo  estritamente  linguístico:  a  

relação   entre   palavras   isoladas   e   referentes   do   mundo   real  

prontos  para  serem  etiquetados  e  manipulados  de  modo  rígido.    

    Posteriormente,   alguns   estudiosos,   como   Mondada,  

Apothéloz   &   Reicher-­‐Béguelin   e   Koch,   voltaram-­‐se   para   a  

necessidade   de   considerar   uma   perspectiva   sociocognitiva   e  

interacionista  no  que  diz   respeito  à   referência,  entendendo  que  

referentes   são   construtos   culturais   presentes   na   cena   de  

enunciação,   que   podem   ser   transformados   dentro   da   situação  

comunicativa.   De   acordo   com   essa   concepção,   as   formas  

linguísticas   selecionadas   devem   ser   avaliadas   segundo   a  

adequação  aos  propósitos  e  às  ações  em  curso  dos  enunciadores,  

que  compartilham  a  mesma  sociedade,  isto  é,  trata  a  língua  como  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

uma   negociação   entre   indivíduos   e   exclui   uma   possibilidade   de  

mundo  excessivamente  estabelecido  e  delimitado,   “pronto  para  

receber  uma  etiqueta  lexical  incontestável  e  válida  para  todos  os  

sujeitos”  (CORTEZ,  2003,  p.  24).  

Por  conta  disso,  os  referentes  são  considerados  objetos  de  

discurso  e  não  apenas  objetos  do  mundo  (MONDADA  e  DUBOIS,  

1995);  são  “representações  semióticas  instáveis  (constantemente  

reformuláveis)   e   não   entidades   da   realidade   preexistentes   à  

interação”  (CAVALCANTE  et  alii,  2010,  p.  233).  Eles  são  dinâmicos  

e,   assim,   uma   vez   introduzidos,   podem   ser   modificados,  

desativados,   reativados,   transformados   ou   recategorizados.   Por  

esta   via,   constroem-­‐se  ou   reconstroem-­‐se  os   sentidos  do   texto.  

Isso   faz,  então,   com  que  entendamos  a   referenciação  como  um  

“processo   em   permanente   reelaboração,   que,   embora   opere  

cognitivamente,  é   indiciado  por  pistas   linguísticas  e   completado  

por  inferências  várias”  (CAVALCANTE  et  alii,  2010,  p.  234).    

Os   processos   referenciais   se   dividem   em   duas  

possibilidades:   (i)   introdução   referencial,   quando   entidades   são  

introduzidas   no   texto   pela   primeira   vez;   e   (ii)     anáforas,   que  

supõem   “uma   retomada   ou   continuidade   referencial   de   uma  

entidade   qualquer   já   introduzida   no   texto,   não   importa   de   que  

maneira”   (CAVALCANTE   et   alii,   2010,   p.   237).   É   importante  

Page 52: Referenciação e Ensino

   

51

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ressaltar   que,   para   que   haja   uma   anáfora,   é   necessário   que   as  

expressões   referenciais   anafóricas   estejam   ancoradas   em   pistas  

do   cotexto,   que   podem   apontar   para   trás   (remissões  

retrospectivas),  ou  para  frente  (remissões  catafóricas).    

A   progressão   referencial   pode   se   efetivar   através   das  

estratégias  de  correferencialidade,  quando  um  objeto  de  discurso  

é   completamente   recuperado   pelo   termo   anafórico   ou   “pela  

menção  de  expressões  que,  embora  não  representem  o  mesmo  

referente  citado,  estão  de  algum  modo   ligadas  a  outras  âncoras  

linguísticas   do   cotexto   e   operam   uma   espécie   de   referência  

indireta,  que  nem  por  isso  deixa  de  ser  anafórica”  (CAVALCANTE,  

2011,  p.  36).    Assim,   a   anáfora   direta   distingue-­‐se   da   anáfora   indireta  

pelo   fato  de  que,  na  primeira,  há  a  retomada  do  mesmo  objeto  

de  discurso  (recategorizado  ou  não)  e,  na  segunda,  não  acontece  

essa  retomada.  Ou  seja,  é  a  presença  ou  a  ausência  da  estratégia  

de  correferencialidade  que  vai  determinar  um  ou  outro  processo,  

respectivamente  (CAVALCANTE  et  alii,  2010)1.    

1   Ressaltamos   que   decidimos   por   adotar,   neste   trabalho,   a   visão  mais   atual  sobre  a  distinção  entre  anáforas  diretas  e  anáforas  indiretas  (CAVALCANTE  et  alii.,  2010;  CAVALCANTE,  2011).    

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52

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Como   síntese   do   que   foi   dito,   faremos   uso   do   quadro   de  

Cavalcante   (2011,   p.   38),   em   relação   aos   processos   referenciais  

atrelados  à  menção:  

 

Processos  referenciais  atrelados  à  menção  

Introdução  

Referencial  

Anáfora  (continuidade  referencial)  

 

  Anáforas  

Diretas  (Correferenciais)  

     Anáforas  indiretas    

     (Não  correferenciais)  

 

Finalmente,   a   manutenção   dos   objetos   de   discurso   pode  

realizar-­‐se  através  de   recursos  de  ordem  gramatical   (pronomes,  

elipses,  numerais,   advérbios   locativos,   etc.)  ou  de  ordem   lexical  

(reiteração   de   itens   lexicais,   sinônimos,   hiperônimos,   nomes  

genéricos,   expressões   nominais,   etc.),   que   evidenciam   as  

escolhas  do  sujeito-­‐enunciador  no  seu  querer-­‐dizer.    

 

 

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

      O   corpus   sob   análise   constitui-­‐se   de   textos   do   ramo  

midiático,   pertencentes   aos   gêneros   notícia,   artigo   de   opinião,  

editorial   e   reportagem.   Esses   textos   encontram-­‐se   em   duas  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

coleções,   da   Editora   Ática,   de   livros   didáticos   para   o   Ensino  

Fundamental  (sexto  a  nono  anos),  aprovadas  pelo  PNLD-­‐EF-­‐2011:  

a   coleção   Viva   Português,   escrita   por   Elizabeth   Campos,   Paula  

Cardoso   e   Sílvia   de   Andrade,   e   a   coleção   Tudo   é   Linguagem,  

escrita  por  Ana  Borgatto,  Terezinha  Bertin  e  Vera  Marchezi.   Em  

ambas  as  coleções,  avaliamos  também  o  livro  do  professor.  Dessa  

forma,  temos  um  total  de  oito  livros  e,  nesses  livros,  70  textos  e  

387   exercícios   foram   analisados.   É   importante   destacar   que  

apenas  contabilizamos  os  textos  a  partir  dos  quais  foram  criados  

exercícios  de  análise  linguística  e/ou  textual.  Ou  seja,  textos  que  

serviram  unicamente  para  exemplificar  determinado  conceito  ou  

como   ilustração   não   foram   contabilizados   neste   trabalho,   uma  

vez   que   nosso   objetivo   era   justamente   analisar   os   exercícios  

propostos  pelos  LDP.  

    A  partir  do  levantamento  desse  corpus,  buscamos  verificar  

se  o  tema  referenciação  é  abordado  em  atividades  relacionadas  a  

esses   textos   e,   em   caso   positivo,   como   essa   abordagem   é  

realizada   pelos   livros   didáticos.   A   nossa   escolha   pelo   que   seria  

um   exercício   de   referenciação   deu-­‐se   com   base   na   proposta  

teórica   adotada   nessa   pesquisa   e   apresentada   no   item   anterior  

deste  artigo  e  não  conforme  o  que  é  apresentado  pelos  LDP.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Neste  trabalho  há,  desse  modo,  o  desenvolvimento  de  duas  

etapas,   a   saber:   (i)   uma   análise   quantitativa   para   mostrar   as  

ocorrências   das   atividades   com   referenciação   em   relação   ao  

número   total   de   exercícios   dos   textos;   e   (ii)   uma   análise  

qualitativa,   de   cunho   analítico-­‐descritivo,   buscando   observar   a  

qualidade   das   atividades   encontradas,   no   que   tange   à  

contribuição  para  uma  leitura  mais  produtiva  por  parte  do  aluno,  

principalmente   em   relação   às   escolhas   lexicais   reveladoras   de  

intencionalidade  do  autor  do  texto.    

 

4. RESULTADOS

4.1.1 Coleção Viva Português    Na   coleção  de   LDP  Viva   Português,   no   livro   do   sexto   ano,  

encontramos   três   reportagens.   Em   uma   delas,   “Festas   e  

brincadeiras  no  Xingu”,  da  Folha  de  S.  Paulo,   sobre  curiosidades  

indígenas,  o  livro  propõe  uma  atividade  mencionando  o  processo  

de  referenciação  ao  tratar  rapidamente  o  estudo  dos  sinônimos.  

Porém,   induz   o   aluno   a   pensar   que   a   repetição   de   palavras   é  

obrigatoriamente  ruim  e  que,  por   isso,  devemos  usar  sinônimos  

Page 56: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

para   evitá-­‐la,   como   pode   ser   visto   no   exercício   em   questão,  

extraído  do  LDP:  

   

Para  garantir  a  relação  entre  as  partes  de  um  texto,  é  comum  o  autor  retomar  informações  já  dadas.  Nessas  retomadas,  os  substantivos  são  muito  úteis,  pois  podemos   trocar  um  substantivo  por  outro  de   sentido  parecido   (sinônimo)  e,  assim,  evitar  a  repetição  de  palavras.  Exercite  esse  recurso  reescrevendo  os  trechos  abaixo  no  caderno.  Substitua  os  termos   destacados   por   outros   de   significado   semelhante   evitando   repetir  palavras  já  empregadas.  a) “Entre  as  crianças  camaiurás  são  muito  comuns  as  brincadeiras:  além  de  

imitar   a   dança   e   o   canto   dos   adultos,   as   crianças   do   sexo   masculino  brincam   de   bicicleta   e   de   atirar   flechas.   As   crianças   do   sexo   feminino  contaram  que  gostam  de  brincar  de  catiguá  (boneca)  e  mostraram  como  fazem   uma   boneca   com   flores   do   pequizeiro   enfiadas   num   graveto”   .  (Adaptado  de  Folha  de  S.  Paulo,  19/7/2003)  R:  os  meninos,  as  meninas.  

b) “Depois   de   flechar   a   boneca   e   de   dançar   em   grupo,   cada   índio   de   uma  aldeia  tenta  acertar  sua  flecha  num  adversário  da  outra  aldeia”.  (Idem)  R:  tribo/  povoação.  

 

    Além   disso,   essa   atividade   se   mostra   mecânica   para   o  

aluno  e  em  nada  contribui  para  a  leitura  do  gênero  em  questão,  

podendo  ser   feita  com  qualquer  outro   texto,  de  qualquer  outro  

gênero,   pois   não   gera   a   reflexão   por   parte   do   estudante.   As  

outras   duas   reportagens   encontradas   não  mencionam   aspectos  

referenciais   em   suas   questões   de   interpretação   e,   além   disso,  

neste   livro,   não   há   nenhuma   ocorrência   dos   outros   gêneros  

midiáticos  pesquisados  (editorial,  notícia  e  artigo  de  opinião).  

Page 57: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

    No  livro  do  sétimo  ano,  há  um  total  de  seis  reportagens  e  

quatro   notícias,   porém   não   há   ocorrência   de   atividades   com   a  

referenciação   envolvendo   esses   textos.   Também   não  

encontramos   editoriais   nem  artigos   de  opinião.   Por   sua   vez,   no  

livro  do  oitavo  ano,  dentre  os  quatro  gêneros  aqui  analisados,  há  

apenas  uma  notícia,  que  também  não  traz  menção  às  estratégias  

referenciais  em  seus  exercícios.    

    Por   fim,   no   livro  do  nono  ano,   há   seis   reportagens,   uma  

notícia,  seis  artigos  de  opinião  e  nenhum  editorial.  Em  relação  a  

um  desses  artigos  (“A  epidemia  da  beleza”,  da  Folha  de  S.  Paulo),  

há   uma   atividade   que   busca   fazer   com   que   o   aluno   saiba  

identificar  expressões  nominais  que  recuperem  um  referente  no  

texto   (no   caso,   “crianças   e   adolescentes”).   Novamente,   o  

exercício   é   automático,   como   pode   se   observar   abaixo,  

restringindo-­‐se  a  um  trabalho  de  localização  para  o  aluno,  em  vez  

de  enfatizar  a  diferença  entre  usar  “crianças  e  adolescentes”  e  os  

outros  referentes  sugeridos  pelo  gabarito.  

 

Os   seis   primeiros   parágrafos   apresentam   as   informações   que   motivaram   a  

composição  do  artigo.    

O  primeiro  parágrafo  apresenta  as  pessoas  de  quem  se  fala  no  texto:  crianças  e   adolescentes.   Observe   que   o   artigo   tratará   desse   grupo   e,   para   confirmar  essa   informação,   basta   buscar   nos   cinco   parágrafos   seguintes   as   outras  expressões  usadas  para  referir-­‐se  a  ele.  Identifique-­‐as.    

Page 58: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

R:  jovens  brasileiros,  parte  expressiva  de  uma  geração,  atual  geração.    

 

  Na   tabela   abaixo,   esses   resultados   podem   ser   observados   de  

forma  mais  clara:    

 

GÊNERO  TEXTUAL  Total  de  textos  

Total  de  exercícios  

Total  de  exercícios  sobre  referenciação  

Artigo  de  opinião     06   21   1  

Editorial   -­‐   -­‐   -­‐  

Notícia   06   12   0  

Reportagem   15   80   1  

TOTAL   27   113   2    

Tabela   1:   análise   quantitativa   dos   exercícios   de   análise   dos   textos  midiáticos  na  coleção  Viva  Português.  

   

4.2 Coleção Tudo é Linguagem

Na   segunda   coleção   analisada,   Tudo   é   linguagem,   a  

quantidade   de   exercícios   sobre   referenciação   foi   mais  

significativa.   Ao  mesmo   tempo,   porém,   essa   coleção   apresenta  

um  número  bem  maior  de  textos  para  análise  e  de  exercícios.  Na  

tabela  a  seguir,  esses  números  ficam  mais  evidentes:    

 

GÊNERO  TEXTUAL   Total  de  textos  

Total  de  exercícios  

Total  de  exercícios  sobre  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

referenciação  

Artigo  de  opinião     11   88   2  

Editorial   02   25   0  

Notícia   17   71   1  

Reportagem   13   90   4  

TOTAL   43   274   7  

 Tabela   2:   análise   quantitativa   dos   exercícios   de   análise   dos   textos  midiáticos  na  coleção  Tudo  é  linguagem.    

Artigos   de   opinião,   notícias   e   reportagens   aparecem   nos  

quatro   livros   da   coleção;   o   editorial   só   é   encontrado   no   do   9º  

ano.    

No   livro  do  6º  ano,  a  partir  de  uma  reportagem  da  revista  

Quatro   Rodas,   “Parque   Nacional   Marinho   de   Abrolhos   –  

Caravelas”,   o   aluno   é   convidado   a   perceber   que   a   expansão   de  

um   sintagma   nominal   por  meio   da   utilização   de   adjetivos   pode  

determinar   a   intenção   do   autor   do   texto.   Temos,   assim,   um  

exercício   de   construção   do   referente   associado   à  

intencionalidade:  

 

Se   você   fosse   convidado  para  produzir   um   folheto  que   tivesse  o  objetivo  de  

encantar   turistas   e   convencê-­‐los   a   visitar   Abrolhos,   as   qualidades   do   lugar  

poderiam  ser  ampliadas  por  meio  de  mais  adjetivos  e  locuções  adjetivas.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Por  exemplo,   a   expressão:   “...   área   cheia  de   recifes  de   coral...”   poderia   ficar  

assim:  ...  área  cheia  de  deslumbrantes  e  coloridos  recifes  de  coral...  ou  então  ...  

área  cheia  de  recifes  de  coral  de  cores  intensas...  

No   trecho   a   seguir,   estão   presentes   substantivos   que   nomeiam   os   pontos  

principais   de   Abrolhos.   Cabe   a   você   ampliar   as   frases,   enriquecendo-­‐as   com  

adjetivos  e   locuções  adjetivas  para  encantar  o   leitor  e  convencê-­‐lo  a  visitar  o  

local:  

Conheça  Abrolhos,  um  parque  nacional  marinho,  onde  há  ilhas,  fauna  marinha  

e  aves.  Há  ainda  passeios  em  águas  claras.  

 

O  exercício  em  questão,  no  entanto,  apresenta  problemas.  

Primeiro,  ao  mostrar  para  o  aluno  que  os  adjetivos  modificam  o  

referente   e,   por   isso,   manifestam   uma   intencionalidade,   os  

autores  sugerem  que  se  mude  o  gênero  textual:  não  se  trata  mais  

de   uma   reportagem,   mas   sim   de   “um   folheto   que   tivesse   o  

objetivo   de   encantar   turistas”.   Ou   seja,   reafirma-­‐se,  

indiretamente,   a   falsa   ideia   de   que   uma   reportagem   não  

manifesta   a   intencionalidade   de   seu   autor.   Além   disso,   a   frase  

que  deverá  ser  modificada  pelos  alunos  é  uma  frase  solta,  criada  

unicamente  para  o  exercício.  Desse  modo,  o  texto  base  é  deixado  

de  lado  na  continuidade  do  exercício.  

No   segundo   livro   da   coleção,   do   7º   ano,   ao   abordar   o  

conceito   de   “sujeito   oculto”,   pede-­‐se   que   o   aluno   perceba   que  

esse   tipo   de   sujeito   evita   repetições   excessivas   no   texto.   No  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

mesmo  capítulo,  em  outro  exercício,  o  autor  aborda  novamente  

a  questão  da  repetição  a  partir  da  reportagem  da  Revista   Isto  é,  

intitulada  “Sapo-­‐boi”:  

 

No   trecho   sobre   o   sapo-­‐boi,   as   repetições   foram   evitadas   por  meio   de   três  

recursos:  

• Sujeito  oculto;  • Expressão  sinônima  ou  equivalente;  • Pronome.  Transcreva:  

a) As  expressões  sinônimas  ou  equivalentes  que  substituem  “sapo-­‐boi”;  R:  “esse  réptil”;  “o  bicho”.  

b) O  pronome  utilizado  para  evitar  a  repetição.  R:  “ele”.  

 

Da   mesma   forma   que   observamos   na   coleção   Viva  

Português,  essa  atividade  mostra-­‐se  mecânica  para  o  aluno  e  não  

contribui  para  a   leitura  do  gênero  em  questão,  pois  poderia  ser  

feita   com   qualquer   outro   texto,   de   qualquer   outro   gênero.   Da  

mesma   forma,   reforça-­‐se   a   ideia   de   que   as   repetições   em   um  

texto  não  são  legítimas  e  devem  ser  evitadas.    

O   livro   do   8º   ano   traz   apenas   um   exercício   de  

referenciação:  após  a  leitura  do  artigo  de  opinião  “Insegurança”,  

publicado   na   Publifolha,   pede-­‐se   que   o   aluno   identifique   a  

expressão  que,  na   continuidade  do   texto,   pode   ser   considerada  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

equivalente   à   palavra   que   dá   título   ao   texto,   “insegurança”.  

Desse  modo,  o  aluno  deve  perceber  que  o  referente  “segurança  

perdida”   retoma   o   objeto   de   discurso   “insegurança”.   Temos,  

mais  uma  vez,  um  exercício  mecânico  sobre  um  texto  que   trata  

do   tema   da   adolescência   de   maneira   crítica.   Ao   retomar  

“insegurança”  por  “segurança  perdida”,  evidenciando,  ainda,  que  

essa   “segurança   perdida”   relaciona-­‐se   ao   adolescente,   o   autor  

evidencia  uma  clara  oposição  entre  a  criança  e  o  adolescente.  Se  

a  segurança  deste  foi  perdida,  significa  que,  no  passado,  em  sua  

época   de   criança,   ele   a   tinha.   Quantas   discussões,   então,  

poderiam  surgir  a  partir  dessa  constatação,  que  tem  como  base  a  

retomada  de  um  referente?  

Por  último,  o   livro  do  9º  ano  apresenta,  no  capítulo  sobre  

editorial,  uma  longa  discussão  sobre  os  “mecanismos  de  coesão”,  

termo   introduzido  no   livro  do  8º  ano,  a  partir  da  análise  de  um  

texto   narrativo.   No   entanto,   nessas   duas   situações,   a   coleção  

entende  por  “mecanismos  de  coesão”  o  uso  de  conectivos,  o  que  

não   nos   interessa   nesse   trabalho,   pois   não   se   configura   como  

estratégia   de   referenciação.   Algumas   páginas   mais   à   frente,   o  

livro  do  9º  ano  faz  menção  ao  uso  de  pronomes  como  estratégia  

de   coesão   textual,   utilizando,   desse  modo,   novamente   o   termo  

“coesão”.   Aqui,   no   entanto,   os   textos   analisados   são   crônicas,  

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62

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

tirinhas,   letras   de   música   e   poemas,   ou   seja,   gêneros   não  

midiáticos   e   que,   portanto,   não   são   objeto   de   análise   desta  

pesquisa.    

Neste  mesmo   livro,   a   partir   do   texto   “A  mãe   de   todas   as  

guerras”,   reportagem  publicada  na   revista  Superinteressante,  os  

autores   propõem   o   seguinte   exercício,   que   se   encontra   no  

capítulo  sobre  a  coerência  textual:  

 

No   texto,   o   autor,   depois   de   informar   o   que   é   o   “engenho   conhecido   como  trebuchet”,   retoma   essa   expressão   por   meio   de   outros   termos,   que  acrescentam   características   à   sua   descrição   da   máquina:   “o   monstro”   e   “o  colosso”.  O   emprego   dos   termos  monstro   e   colosso   é   coerente   com   a   opinião   que   o  autor  expressou  no  olho  da  reportagem:  “...  as  máquinas  –  e  não  o  homem  –  é  que   decidiam   as   batalhas”.   Que   relação   existe   entre   esses   termos   e   a  afirmação  do  seu  autor?  Sugestão   de   resposta:   pelo   emprego   dos   termos   “monstro”   e   “colosso”,   o  autor   enfatiza   o   poder   da   máquina,   reforçando   sua   opinião   de   que   o   que  decide  as  batalhas  são  as  máquinas  e  não  a  força  humana.      

 

Conforme   percebemos,   trata-­‐se   de   um   exercício   que  

associa  referenciação  e  intencionalidade  (ou  argumentatividade),  

na  análise  de  uma   reportagem,  mostrando,   assim,  que   também  

nesse  gênero  o  jornalista  manifesta,  no  texto,  sua  posição.  Além  

disso,   por   esse   exercício   estar   situado   no   capítulo   referente   à  

coerência   textual,   entende-­‐se   que   coesão   e   coerência   não   são  

categorias  distintas,  mas  uma  está  intrinsecamente  relacionada  à  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

outra.   Seria   interessante   que   o   exercício   explicitasse   essa   ideia,  

uma   vez   que   ele   é   direcionado   a   alunos   do   9º   ano   que   já   têm  

maturidade  para  compreender  essa  relação.  

4.3 Aprofundando um pouco mais a análise  

Ao observarmos as duas coleções em conjunto, chegamos,

então, ao seguinte resultado para a quantidade – e porcentagem –

de exercícios sobre referenciação a partir de textos midiáticos nas

duas coleções analisadas:

COLEÇÃO  Total  de  exercícios  

Total  de  exercícios  sobre  referenciação  

Percentual  de  exercícios  sobre  referenciação  

Viva  Português   113   2   1,8%  

Tudo  é  Linguagem     274   7   2,6%  

TOTAL   387   9   2,3%  

Tabela  3:   análise  quantitativa  dos  exercícios  de   referenciação  a  partir  de  textos  midiáticos  nas  coleções  Viva  Português  e  Tudo  é  linguagem.  

Confirmando  nossa  hipótese,  percebe-­‐se  que  a  quantidade  

de  exercícios  sobre  referenciação  ainda  é  bem  pequena  nos  LDP,  

correspondendo   a   apenas   2,3%   do   total   de   exercícios   dos   oito  

livros  das  duas  coleções  analisadas.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Olhando   mais   detidamente   para   cada   um   dos   nove  

exercícios   encontrados   nas   coleções   Viva   Português   e   Tudo   é  

linguagem,   podemos   dividi-­‐los   em   categorias:   (i)   exercícios   que  

visam  à  eliminação  da  repetição  no  texto,  seja  solicitando  que  o  

aluno   reescreva   um   trecho   eliminando   as   repetições,   seja  

pedindo  que  o  aluno  identifique  a  estratégia  ou  o  termo  utilizado  

para   evitar   uma   repetição;   (ii)   exercícios   que   relacionam  

referenciação   e   intencionalidade   (cf.   exercícios   transcritos   e  

comentados  na  seção  anterior);  e  (iii)  exercícios  que  pedem  que  

o  aluno  identifique  o  referente  que  foi  retomado  ou  que  retoma  

determinada   expressão.   Na   tabela   a   seguir,   observamos,   em  

números,  como  ocorre  a  divisão  dos  exercícios  nas  coleções  Viva  

Português  e  Tudo  é  linguagem:  

 

 

 

 

 

Tipo  de  Exercício  Coleção    

Viva  Português  Coleção    

Tudo  é  linguagem  TOTAL  

Eliminação  da  repetição  em  um  texto  

1   4  5  

Referenciação  e   0   2   2  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

intencionalidade  

Recuperação  do  referente    

1   1   2  

Tabela   4:   tipos   de   exercício   de   referenciação   nas   coleções   Viva  Português  e  Tudo  é  linguagem.  

 

A   distribuição   desses   exercícios   pelas   duas   coleções   em  

conjunto  ocorre,  então,  da  seguinte  maneira:  

Gráfico  1:    percentual  dos   tipos  de  exercício  de  referenciação  a  partir  de   textos  midiáticos  das   coleções  Viva  Português   e  Tudo  é   linguagem  em  conjunto.  

Desse   modo,   a   partir   de   uma   análise   mais   detalhada,  

percebemos   que   78%   dos   exercícios   encontrados   que   tratam,  

indiretamente,   da   referenciação   correspondem   a   atividades  

sobre  a  eliminação  de  uma  repetição  ou  sobre  a  recuperação  de  

56%  22%  

22%  

Percentual  dos  Xpos  de  exercício  de  referenciação  nas  coleções  analisadas  

Eliminação  da  repetição  

Intencionalidade  

Recuperação  do  referente    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

um   referente,   exercícios   que,   da   forma   como   foram   propostos,  

mostraram-­‐se  sempre  muito  mecânicos,  não  exigindo  reflexão  do  

estudante.   Não   se   pede,   por   exemplo,   que   o   aluno   perceba   o  

efeito   de   sentido   que   uma   repetição   pode   dar   ao   texto.  

Repetições  podem   ser   legítimas   e   têm  um   importante  papel   na  

construção  do  sentido  do   texto.  Da  mesma   forma,  os  exercícios  

de  recuperação  de  um  referente  restringem-­‐se  a  um  trabalho  de  

localização  para  o  aluno,  que  não  é  levado  a  perceber  a  diferença  

entre   usar   um   ou   outro   referente   ou   ainda   que,   ao   escolher  

determinado  referente,  o  autor  opta  por  um  vocábulo  específico  

dentro   de   um   grupo   de   outras   palavras   também  possíveis   para  

aquele   contexto.   Essa   escolha,   claramente,   é   condicionada   pela  

sua  intenção  ao  produzir  aquele  texto.  

Além  disso,   conforme  exposto  na   seção  anterior,   dos  dois  

exercícios   que   associam,   indiretamente,   referenciação   e  

intencionalidade,  apenas  um  configura-­‐se  verdadeiramente  como  

um   exercício   de   análise   textual   voltado   para   formar   um   aluno  

capaz  de  ler  criticamente  um  texto.  O  exercício  do  livro  do  6º  ano  

da  coleção  Tudo  é  linguagem,  como  vimos,  acaba  por  desvincular  

o   exercício   sobre   a   intencionalidade  do   texto   que   estava   sendo  

analisado.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Desse   modo,   tanto   quantitativamente   quanto  

qualitativamente   a   abordagem  das   estratégias   de   referenciação  

pelos  LDP  ainda  deixa  muito  a  desejar,  principalmente  no  que  diz  

respeito   a   sua   relação   com   a   intencionalidade,   tema   tão  

importante   para   exercitar   a   reflexão   e   o   pensamento   crítico   do  

estudante.   Assim,   na   seção   que   se   segue,   propomos   algumas  

atividades   de   análise   textual   envolvendo   os   conceitos   de  

referenciação   e   intencionalidade,   a   título   de   exemplificação   do  

que  comentamos  até  aqui.    

 

5. PROPOSTA DE ATIVIDADES  

A  atividade  a   seguir   foi  proposta  com  base  em  trechos  de  

dois   editoriais   presentes   no   livro   do   9º   ano   da   coleção   Tudo   é  

linguagem,  ambos  retirados  do  jornal  Folha  de  São  Paulo.  Como  

nosso   intuito   era   mostrar   alguns   exemplos   de   exercícios   que  

podem  ser  propostos  sobre  referenciação  e,  também,  sobre  sua  

relação  com  a  intencionalidade,  transcrevemos,  aqui,  apenas  um  

pequeno   trecho   de   cada   editorial.   Os   textos   na   íntegra  

encontram-­‐se  no  Anexo.    

 

EDITORIAL  1  –  CONTRA  AS  ARMAS  (fragmento)  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

“O  veto  às  armas  pode  ser   interpretado  como  uma  limitação  ao  

direito  de  autodefesa,   o  qual,  mais  do  que  garantia   legal,   é  um  

instinto   biológico.   Está   entre   as   atribuições   do   Estado,   todavia,  

definir   regras   para   o   exercício   de   certas   atividades   e   fixar   os  

requisitos  para  a  concessão  de  licenças.  Ninguém  tem  seu  direito  

de  ir  e  vir  ameaçado  pelo  fato  de  não  poder  dirigir  um  carro  sem  

possuir   habilitação.   E   não   resta   dúvida   de   que   a   decisão,   entre  

nós,  está  sendo  tomada  por  caminhos  democráticos.”  

 

EDITORIAL  2  –  NÃO  BASTA  VETAR  ARMAS  (fragmento)  

“Ao  que   indicam  algumas  pesquisas,  o   referendo  sobre  a  venda  

de  armas  de   fogo,  previsto  para  outubro,   resultará  na  proibição  

desse  tipo  de  comércio.  A  restrição  –  alardeada  por  alguns  como  

uma  panaceia   contra   a   violência   –   precisa   ser   considerada   com  

cautela,  para  não  alimentar  mais  ilusões.  

  É   isto   que   indica   a   reportagem   publicada   segunda-­‐feira  

por  esta  Folha.  [...]”  

 

 

EXERCÍCIOS  

1) Os   editoriais   1   e   2   apresentam   opiniões   opostas   sobre   a  

proibição  do  comércio  de  armas  de  fogo  no  Brasil.  O  primeiro  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

é   a   favor   e   o   segundo,   contra.   Sendo   assim,   COMPARE   as  

expressões:   “veto   às   armas”   e   “proibição   desse   tipo   de  

comércio”.   De   que   modo   as   expressões   transcritas  

anteriormente   evidenciam   os   diferentes   pontos   de   vista   dos  

autores  dos  editoriais  1  e  2?  

R:  O   autor   que   é   a   favor   da   proibição,  mostra   que   as   “armas”  serão  vetadas.  Ou  seja,  algo  ruim,  que  é  responsável  pela  morte  de  muitas  pessoas  inocentes.  Já  o  autor  que  é  contra  a  proibição,  fala   que   “esse   tipo   de   comércio”   será   proibido,   ou   seja,   uma  expressão  bem  mais   leve  e  suave  do  que  “armas”.  “Esse  tipo  de  comércio”   sugere   que   se   trata   apenas   de   mais   um   tipo   de  comércio,  como  outro  qualquer.    2) Ainda   a   partir   das   expressões   “veto   às   armas”   e   “proibição  

desse  tipo  de  comércio”,  faça  o  que  se  pede.  

a) IDENTIFIQUE   as   expressões   que,   na   continuidade   dos  fragmentos,  retomam  “veto  às  armas”  e  “proibição  desse  tipo  de  comércio”,  respectivamente.  

R:  “Decisão”  e  “restrição”.      

b) Por   que   a   oposição   entre   as   duas   opiniões   é   reforçada  através  das  escolhas  lexicais  dos  autores  ao  se  referirem  a  esse   fato   pelas   expressões   transcritas   por   você   no   item  anterior?  

R:   “Decisão”   é   um   termo   mais   neutro   que   não   tem,  necessariamente,   uma   carga   semântica   negativa   ou   positiva.   Já  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

“restrição”  significa  “proibição”,  “falta”,  o  que  dá  a  ideia  de  algo  ruim.    3) O  autor  do  texto  2,  no  comentário  entre  os  travessões,  refere-­‐

se  à  “proibição  desse  tipo  de  comércio”  como  “uma  panaceia  

contra  a  violência”.    

a) PROCURE   no   dicionário   um   significado   para   “panaceia”,  adequado  ao  contexto.  

R:   O   aluno   deverá   escolher   a   opção   do   dicionário   que   define  panaceia   como   sendo   uma   espécie   de   remédio,   de   solução  milagrosa  para  todos  os  males.    

 

b) Que   posição   é   reforçada   por   meio   dessa   escolha   do  autor?  Justifique  sua  resposta.  

R:  Uma  solução  milagrosa  para  todos  os  males  não  é  algo  sério,  confiável.   Logo,   reafirma-­‐se   a   ideia   de   que   a   proibição   do  comércio  de  armas  não  resolverá,  verdadeiramente,  o  problema  na  violência  no  país.    

 4) No   texto   2,   o   pronome   “isto”   retoma   não   apenas   uma  

expressão,   mas   toda   uma   ideia   presente   no   parágrafo  

anterior.    

a) IDENTIFIQUE  a  ideia  que  é  retomada  por  este  pronome.    

R:  A  ideia  de  que  “o  referendo  sobre  a  venda  de  armas  de  fogo,  previsto   para   outubro,   resultará   na   proibição   desse   tipo   de  comércio”.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

b) Se   a   opinião   do   autor   do   texto   2     fosse   outra,   por   que  outra  expressão  ele  poderia  substituir  o  pronome  “isto”?  Você  poderá  reescrever  toda  a  frase  para  melhor  adequá-­‐la  à  expressão  escolhida.  

Sugestão   de   Resposta:   A   reportagem   publicada   segunda-­‐feira  por  esta  Folha  indica  esta  vitória.            

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Segundo  os  Parâmetros  Curriculares  Nacionais:    

 

Toda  educação  comprometida  com  o  exercício  da  cidadania  precisa  criar  condições  para  que  o  aluno  possa  desenvolver  sua  competência  discursiva.  [...]  A   área   Linguagens,   Códigos   e   suas   Tecnologias  objetiva   ampliar   a   competência   do   educando,  permitindo-­‐lhe,   entre   outros   aspectos:   analisar,  interpretar   e   aplicar   os   recursos   expressivos   das  linguagens  [...](BRASIL:  98-­‐99;  [grifos  nossos]).    

 

Além  disso,  postula-­‐se  que  o  ensino  de   língua  portuguesa,  

no   intuito   de   desenvolver   a   competência   discursiva   do   aluno,  

deve   se   pautar   em   três   grandes   pilares:   a   análise   linguística,   a  

prática  da  leitura  e  a  prática  da  produção  de  textos.    

Desse   modo,   justifica-­‐se,   mais   uma   vez,   a   relevância   do  

estudo  das  estratégias  de  referenciação  no  Ensino  Fundamental.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A   observação   dessas   estratégias   parte   da   análise   do   material  

linguístico  do  texto,  uma  vez  que  o  estudante  precisa   identificar  

os   referentes   introduzidos  e   retomados  nele,   compreendendo  a  

cadeia  referencial  formada  naquele  texto  a  ser  analisado.  A  partir  

da   observação   desses   referentes,   o   aluno   recupera   sentidos   do  

texto   e   compreende   a   sua   progressão.   Além   disso,   a   cadeia  

referencial   determina   a   orientação   argumentativa   proposta   no  

texto.   Percebendo   isso,   a   leitura   do   aluno   passa   a   um   estágio  

mais   reflexivo   e   crítico.   Por   fim,   ao   entender   que   as   escolhas  

lexicais   e   a   construção   dos   referentes   podem   marcar   uma  

intencionalidade,   sua   prática   de   produção   textual   também  

poderá  apresentar  mais  argumentatividade  e  coerência.  

Assim,  apesar  da   indiscutível   importância  da  referenciação  

para  o  ensino  de  língua  portuguesa  (cf.  SANTOS  E  TUPPER,  2011),  

ainda  há  pouco  material   sobre  o   tema  disponível  para  o  Ensino  

Fundamental.  Como  vimos  neste  trabalho,  mesmo  em  LDP  mais  

modernos  e  atualizados,  não  encontramos  de  forma  significativa  

exercícios   sobre  as   estratégias  de   referenciação,  principalmente  

em  sua  relação  com  a  intencionalidade.    

Reafirmamos   que   esses   conceitos,   embora   vastamente  

discutidos   no  meio   acadêmico,   ainda   estão  muito   timidamente  

presentes  na  educação  básica.  Faz-­‐se  urgente,  desse  modo,  levar  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

até  a  sala  de  aula  as  descobertas  do  meio  acadêmico  por  meio  de  

metodologias  e  materiais  didáticos  a  serem  desenvolvidos,  como  

os  exercícios  propostos  neste  artigo.    

  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ADAM,  J.  M.  A  Linguística  Textual.  São  Paulo:  Cortez,  2008.      BRASIL.   Secretaria   de   Educação   Fundamental.   Parâmetros  curriculares  nacionais:  língua  portuguesa.v.  2  Brasília,  DF.  1997.    CAVALCANTE,   M.;   et   alii.   (org.).   Referenciação.   São   Paulo:  Contexto,  2003.    ______   et   alii.   Dimensões   textuais   nas   perspectivas  sociocognitiva   e   interacional.   In:   BENTES,   A.   C.;   LEITE,   M.   Q.  (orgs.)   Linguística   de   texto   e   análise   da   conversação:   panorama  das  pesquisas  no  Brasil.  São  Paulo:  Cortez,  2010.  p.  225-­‐261.    ______.   Referenciação:   sobre   coisas   ditas   e   não   ditas.   Ceará:  Edições  UFC,  2011.      CIULLA   E   SILVA,   A.   Os   processos   de   referência   e   suas   funções  discursivas:   o   universo   literário   dos   contos.   205f.   Tese  (Doutorado   em   Linguística)   –   Universidade   Federal   do   Ceará,  Fortaleza,  2008.    CORTEZ,   S.   L.   Referenciação   e   construção   do   ponto   de   vista.  Dissertação   (Mestrado   em   Linguística)   –   Universidade   Estadual  de  Campinas,  Campinas,  2003.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 FIORIN,   J.   L.   As   astúcias   da   enunciação:   as   categorias   pessoa,  espaço  e  tempo.  São  Paulo:  Ática,  1996.    GOMES-­‐SANTOS,   S.N.   et   alii.   A   contribuição   da(s)   teoria(s)   do  texto   para   o   ensino.   In:   BENTES,   A.   C.;   LEITE,   M.   Q.   (orgs.).  Linguística   de   texto   e   análise   da   conversação:   panorama   das  pesquisas  no  Brasil.  São  Paulo:  Cortez,  2010.  p.  315-­‐353.    KOCH,   I.G.V.  Desvendando   os   segredos   do   texto.   São   Paulo:  Cortez,  2002.    ______.   Introdução   à   Linguística   Textual.   São   Paulo:   Martins  Fontes,  2004.    ______.  Desvendando   os   segredos   do   texto.   São   Paulo:   Cortez,  2006.      ______.  As  tramas  do  texto.  Rio  de  Janeiro:  Nova  Fronteira,  2008.      ______.  Argumentação  e   Linguagem.   13.   ed.   São  Paulo:   Cortez,  2011.  

______;  ELIAS,  V.  M.  Ler  e  compreender:  os  sentidos  do  texto.  São  Paulo:  Contexto,  2006.      MARCUSCHI,   L.   A.   O   léxico:   lista,   rede   ou   cognição   social?   In:  NEGRI,   L.;   FOLTRAN,  M.   J.;   OLIVEIRA,   R.   P.   de   (orgs.).   Sentido   e  significação   em   torno   da   obra   de   Rodolfo   Ilari.   São   Paulo:  Contexto,  2004.  p.  263  -­‐  298.    ______.  Produção  textual,  análise  de  gêneros  e  compreensão.  São  Paulo:  Parábola,  2008.  

Page 76: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 MONDADA,  L.  Gestion  Du  topic  e  organisation  de  la  conversation.  In  :  Cadernos  de  Estudos  Linguísticos,  2001,  v.41.  p.  7-­‐36.      ______.;   DUBOIS,   D.   Construction   des   objets   de   discours   et  categorization:  une  approche  des  processus  de  référenciacion.  In:  BERRENDONNER,   A.  ;   REICHLER-­‐BÉGUELIN,   M-­‐J.   (eds).   Du  syntagme   nominal   aux   objets-­‐de-­‐discours.   SN   complexes,  nominalization,   anaphors.  Neuchâtel:   Institut  de   Linguistique  de  l’Université  de  Neuchâtel,  1995.  p.  273-­‐302.    MUSSALIM,  F.  Análise  do  discurso.  In:  MUSSALIM,  F.;  BENTES,  A.  C.   Introdução   à   Linguística   2:   domínios   e   fronteiras.   São   Paulo:  Cortez,  2001.    ORLANDI,   E.   P.   As   formas   do   silêncio:   no   movimento   dos  sentidos.  6.  ed.  Campinas:  Editora  da  Unicamp,  2007.    PAULIUKONIS,  M.  A.  L.  Ensino  do  léxico:  seleção  e  adequação  ao  contexto.   In:  ______.;  GAVAZZI,  S.   (orgs.)  Da   língua  ao  discurso:  reflexões   para   o   ensino.   Rio   de   Janeiro:   Lucerna,   2005.   p.   103-­‐128.      RABATEL,   Alain.   La   part   de   l’énonciateur   dans   la   construction  interactionnelle  des  points  de  vue.  Marges  linguistiques  9,  2005,  p.  115-­‐136.      SANTOS,   M.   I.   dos.   A   organização   da   argumentação   sob   a  perspectiva  do  plano  composicional.  In:  CAVALCANTE,  M.;  et  alii.  Texto   e   discurso   sob   múltiplos   olhares:   gêneros   e   seqüências  textuais.  Rio  de  Janeiro:  Lucerna,  2007.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

SANTOS,   Leonor   Werneck   dos;   TUPPER,   Letícia.   Abordagem  textual   nos   livros   didáticos   de   ensino   médio:   referenciação,  gêneros   e   tipologias   textuais.   In:   Simpósio   Internacional   de  Gêneros   Textuais   (SIGET),   4,   Natal,   2011.  Anais...,   Natal:   UFRN,  2011.  1  CD-­‐ROM.    SARFATI,   G.   Princípios   da   análise   do   discurso.   São   Paulo:   Ática,  2010.    TRAVAGLIA,   L.   C.  Gramática   e   interação:   uma   proposta   para   o  ensino  de  gramática.  10.  ed.  São  Paulo:  Cortez,  2005.    

ANEXO Editorial  “Contra  as  armas”    

A   Câmara   dos   Deputados   deve   aprovar   em   breve   o  projeto  de  decreto  legislativo  que  define  a  pergunta  a  ser  feita  no  referendo   nacional   sobre   armas.   Se   não   houver   alterações,   os  eleitores   brasileiros   serão   convocados   em   algum   domingo   de  outubro  próximo  a  responder  à  pergunta:  "O  comércio  de  armas  de   fogo   e   munição   deve   ser   proibido   no   Brasil?".   Esta   Folha  defende  o  "sim".  

Fá-­‐lo   não   por   considerar   a   proscrição   total   o   mais  adequado   nem   por   julgar   que   a   medida,   se   aprovada   e  convertida  em   lei,   será   capaz  de   conter   as   ações   cada   vez  mais  ousadas   de   criminosos,  mas   porque,   diante   das   alternativas,   as  vantagens  da  proibição  parecem  superar  em  muito  os  problemas  por  ela  acarretados.  

Ao   longo   do   debate,   defendeu-­‐se   neste   espaço   a  proibição   do   porte,   restrições   à   venda   e   o   direito   do   cidadão  manter  arma  em  sua  residência.  Alertou-­‐se,  também,  para  o  risco  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

de   um  plebiscito   criar   falsas   ilusões   sobre   a   eficácia   da  medida  num  país  em  que  as  armas  em  mãos  de  civis,  cidadãos  de  bem  ou  marginais,   advêm,   em   larga   escala,   do   comércio   clandestino,  sobre   o   qual   o   veto   à   venda   regular   não   teria   efeito,   salvo,  possivelmente,  o  de  estimulá-­‐lo.  

Além   de   sua   dimensão   simbólica,   a   vantagem   da  proibição,  desde  que  aliada  a  ações  sistemáticas  para  reprimir  a  venda   ilegal,   está   na   possibilidade   de   reduzir   significativamente  um   tipo  muito   específico   de   homicídio   -­‐o  motivado   por   causas  fúteis-­‐,  bem  como  os  acidentes  com  armas  de  fogo.  Esse  ganho,  ao  que   indicam  as  estatísticas,  seria   importante.  Na  Grande  São  Paulo,   por   exemplo,   60%   dos   homicídios   são   cometidos   por  pessoas  sem  histórico  criminal  e  por  motivos  banais,  como  brigas  de   trânsito,   discussões   em   bares   e   outras   situações   em   que   o  destempero   e   os   efeitos   do   álcool   se   associam   à   existência   de  uma   arma   à   mão   para   produzir   uma   tragédia.  A   esse   respeito,   a   campanha   de   desarmamento,   que   recolheu  mais  de  300  mil  artefatos  principalmente  em  São  Paulo  e  no  Rio  de   Janeiro,   parece   já   estar   produzindo   resultados   auspiciosos.  Estudo   divulgado   nesta   semana   indica   que   internações  hospitalares  relacionadas  a  ferimentos  por  tiros  caíram  10,5%  em  SP  e  7%  no  RJ  desde  o  início  da  coleta.  

O   veto   às   armas   pode   ser   interpretado   como   uma  limitação   ao   direito   de   autodefesa,   o   qual,   mais   do   que   uma  garantia   legal,   é  um   instinto  biológico.   Está  entre  as  atribuições  do   Estado,   todavia,   definir   regras   para   o   exercício   de   certas  atividades   e   fixar   os   requisitos   para   a   concessão   de   licenças.  Ninguém  tem  seu  direito  de   ir  e  vir  ameaçado  pelo   fato  de  não  poder  dirigir  um  carro  sem  possuir  habilitação.  E  não  resta  dúvida  de   que   a   decisão,   entre   nós,   está   sendo   tomada   por   caminhos  democráticos.  Assim,   se   o   plebiscito   determinar   que   o   poder   público   deve  proibir   a   comercialização   e   circunscrever   o   porte   de   armas   a  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

militares,  policiais  e  algumas  outras  categorias,  não  se  deverá  ver  aí   um   atentado   aos   direitos   e   garantias   fundamentais,   mas  apenas   mais   uma   das   clássicas   regulamentações   da   vida   em  sociedade.  

Tal   decisão   não   vai,   como   já   se   disse,   impedir   que  traficantes   e   outros   representantes   do   crime   organizado  consigam  o  armamento  leve  ou  pesado  de  que  se  utilizam.  Para  isso  seriam  necessárias  outras  medidas,  que  o  poder  público  tem  falhado  em  adotar.  Diante  do  caminho  que  o  debate  seguiu,  não  resta  dúvida,  porém,  que  o  melhor  a  fazer  é  votar  pelo  "sim"  no  plebiscito,   na   convicção   de   que   a   restrição   às   armas,   sem   ferir  direitos  fundamentais,  venha  a  contribuir  para  preservar  vidas  e  tornar  melhor  a  sociedade  brasileira.    

(Folha  de  São  Paulo,  15  de  maio  de  2005,  p.  A2)    

 Editorial  “Não  basta  vetar  armas”    Ao  que  indicam  algumas  pesquisas,  o  referendo  sobre  a  venda  de  armas   de   fogo,   previsto   para   outubro,   resultará   na   proibição  desse   tipo  de  comércio.  A   restrição   -­‐alardeada  por  alguns  como  uma   panacéia   contra   a   violência-­‐   precisa   ser   considerada   com  cautela,  para  não  alimentar  mais  ilusões.  

É  isto  que  indica  reportagem  publicada  segunda-­‐feira  por  esta   Folha.   Segundo   especialistas   consultados,   a   proibição   do  comércio  terá  efeitos  limitados  sobre  a  violência.  Uma  vez  que  a  maior  parte  do  crime  emprega  armamento  ilegal  (segundo  dados  oficiais   apenas   7,5%   das   armas   existentes   no   Brasil   são  registradas),   o   veto   certamente   não   funcionará   para   refrear   a  ação   de   criminosos.  Mais   preocupante   ainda,   a  medida   poderá  ter  o  efeito  funesto  de  estimular  ainda  mais  o  contrabando,  caso  não   seja   acompanhada   de   ações   eficazes   contra   o   comércio  clandestino.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Se  bem  sucedida,  a  proibição  deverá  ser  eficaz  na  redução  dos  assassinatos  motivados  pelas  chamadas  "causas  fúteis",  além  dos   acidentes   com   armamento.   Estima-­‐se   que  mais   da  metade  dos  homicídios  no  país  seja  cometida  por  motivos  triviais,  como  discussões   no   trânsito,   desentendimentos   em   bares   e   outras  desavenças  cotidianas  -­‐sendo  a  maior  parte  deles   levada  a  cabo  com   armas   de   fogo   de   pequeno   porte.  Para  obter  resultados  mais  significativos  seria  necessário  integrar  o  veto  ao  comércio  de  armas  a  um  conjunto  de  políticas  públicas.  

Além  dos  sempre  lembrados  esforços  na  área  social,  com  ações   comunitárias   e   educativas,   é   indispensável   trabalhar   pelo  melhor   aparelhamento   e   integração   das   polícias.   É   igualmente  fundamental   enfrentar   a   terrível   mazela   que   é   a   impunidade.  Sem   uma   polícia   que   apure   com   eficiência   e   uma   Justiça   que  puna   com  mais   presteza,   os   progressos   nessa   área   continuarão  pequenos.  

 (Folha  de  São  Paulo,  27  de  julho  de  2005,  p.  A2)  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Um olhar sobre as estratégias de referenciação nos manuais didáticos do Ensino Médio

 SILVA,  Fábio  Gusmão  (UFRJ)  

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

As   competências   e   habilidades   elencadas   pelos  

Parâmetros  Curriculares  nacionais  para  o  Ensino  Médio  (PCNEM),  

no   que   tange   ao   Ensino   de   Língua   Portuguesa,   buscam  

desenvolver   no   aluno   seu   potencial   crítico,   sua   percepção   das  

múltiplas  possibilidades  de  expressão  linguística  e  sua  capacidade  

como   leitor   efetivo   dos   mais   diversos   gêneros   textuais  

representativos  da  nossa  cultura.    

Esses   documentos   explicitam   que   o   uso   da   língua,   em  

textos  orais  e  escritos,  deveria  ser  o  eixo  norteador  do  ensino  de  

língua  materna.   Levando  em   conta   esse  preceito,   um  programa  

sério   e   comprometido   com   o   desenvolvimento   das   habilidades  

linguísticas   do   aluno   somente   pode   ser   concebido   se   o   texto  

estiver  no  centro  de  qualquer  prática  de  ensino.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

De   acordo   com   Antunes   (2009,   p.   51),   é   fácil   encontrar  

razões   que   fundamentem   a   relevância   dessa   proposta,   já   que  

entender   o   fenômeno   da   linguagem   constitui   uma   tarefa   tanto  

mais   fecunda   quanto  mais   se   pode   compreender   os   diferentes  

processos   implicados   em   seu   funcionamento   concreto,   o   que  

leva,   necessariamente,   ao   domínio   do   texto,   em   seus  múltiplos  

desdobramentos   cognitivos,   linguísticos,   discursivos   e  

pragmáticos.   Para   essa   pesquisadora,   o   texto   envolve   uma   teia  

de   relações,   de   recursos,   de   estratégias,   de   operações,   de  

pressupostos,   que  promovem  a   sua   construção,   seus  modos   de  

sequenciação,   que   possibilitam   seu   desenvolvimento   temático,  

sua   relevância   informativo-­‐contextual,   sua   coesão   e   sua  

coerência.  

Nessa   mesma   concepção,   Jurado   e   Rojo   (2006,   p.   39),  

aludem  que  é  por  meio  do  contato  com  os  textos  que  o  aluno  é  

capaz   de   refletir   sobre   as   possibilidades   de   usos   da   língua,   ao  

analisar  os  elementos  que  determinam  esses  usos  e  as  formas  de  

dizer:   o   contexto,   os   interlocutores,   os   gêneros   discursivos,   os  

recursos  utilizados  pelos  interlocutores  para  dizer  o  dito  e  o  não-­‐

dito.  

Um   dos   recursos   mais   relevantes   para   a   produção   e   a  

compreensão   de   sentidos   em   qualquer   texto,   de   acordo   com  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Cavalcante  (2012,  p.  13),  é  o  processo  empregado  diariamente  na  

escrita,  na  fala  e  na  enunciação  digital,  mas  pouco  trabalhado  nas  

atividades   e   no   âmbito   escolar:   as   formas   de   nos   referirmos   a  

objetos,   pessoas,   sentimentos,   ações   ou   a   qualquer   entidade,  

caracterizadas  como  estratégias  de  referenciação.  

Esse   processo   textual-­‐discursivo   possibilita   a   amarração  

das  ideias  dentro  de  uma  unidade  de  sentido,  além  de  assegurar  

a  progressão   textual   e  de   colaborar  para  o  desenvolvimento  da  

argumentação   nos   textos.   Já   que   a   referenciação   é   pouco  

explorada  nas  atividades  escolares,  acreditamos  que  é  relevante  

verificar   de  que  maneira   as   reflexões   teóricas   referentes   a   essa  

temática   perpassam   pelos   manuais   didáticos   escritos  

recentemente,   bem   como   de   que   forma   os   autores   abordam  

conceitos   inerentes   a   esse   tópico   nos   livros   aprovados   pelo  

último  PNLD  2012   (Programa  Nacional  do  Livro  Didático)  para  o  

Ensino  Médio.  

Diante   disso,   o   presente   artigo   tem   como   propósito  

analisar,   em   duas   coleções   de   Língua   Portuguesa   para   Ensino  

Médio,   a   abordagem   da   referenciação   e   a   sua   relação   com   as  

atividades   de   leitura   e   de   produção   textual.   A   primeira   é   a  

coleção   Ser   protagonista,   organizada   por   Ricardo   Gonçalves  

Barreto,  das  Edições  SM,    e  a  segunda  é  o  Projeto  ECO,  elaborada    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

pelas   autoras  Roberta  Hernandes   e  Vima   Lia  Martin,   da   Editora  

Positivo.  

As   reflexões   inerentes   aos   pressupostos   teóricos   sobre  

referenciação   são   explanadas   pelo   viés   de   Koch   (2004,   2005   e  

2009),  Cavalcante  (2005,  2011  e  2012),  Marcuschi  e  Koch  (2002),  

Koch  e  Elias  (2006  e  2009)  e  Marcuschi  (2005).  Após  abordagem  

teórica,   será   exposta   a   análise   dos   dois   manuais   didáticos,  

levando   em   conta   o   tratamento   dado   à   referenciação   nas  

atividades   de   leitura   e   produção   textual.   Ao   final   deste   artigo,  

serão   propostas   algumas   atividades,   à   luz   da   teoria   exposta,  

tendo   como   base   um   texto  midiático   contemplado   por   um   dos  

materiais   didáticos   que   foram   analisados,   com   intuito   de   aludir  

de  que  forma  esse  tópico  pode  ser  explorado  pelo  professor  em  

sua  prática  docente.  

 

2. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS SOBRE

REFERENCIAÇÃO

 

O   que   se   sabe   hoje   sobre   referenciação   começou   na  

Suíça,   quando   Lorenza   Mondada,   em   1994,   propôs   “tratar   da  

descrição   de   processos   discursivos   que   se   verificam   na  

introdução   de   um  objeto,   nos   ajustes   que   ele   sofre   quando   vai  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

participando   da   configuração   complexa   de   um   texto   e   na  

passagem   de   um   objeto   a   outro.”   (CAVALCANTE,   2011,   p.   9)  

Dessa   forma,   falava-­‐se   não   de   referentes   como   entidades   da  

realidade  externa  do  mundo,  entretanto,  de  objetos  de  discurso,  

aqueles   que   emergem   da   elaboração   discursiva   de   um   saber  

compartilhado   e   que   intervêm  nas   formas   estruturantes   de   um  

texto  e,  ao  mesmo  tempo,  são  por  elas  condicionadas.  

Nesse  mesmo  período,  Apothéloz  também  aludia  sobre  os  

“objetos   de   discurso   como   constructos   culturais   cuja  

representação   na   memória   discursiva   dos   interlocutores   era  

alimentada   pela   própria   atividade   linguística.”   (Id.   Ibid.)   Desde  

então,  estudos  sobre  esses  fenômenos  linguísticos  que  envolvem  

esse   pressuposto   antropológico   do   referente   vêm   sendo  

analisados  nas  mais  diversas  pesquisas  no  âmbito  da  linguagem.  

Em   toda   produção,   seja   escrita   ou   falada,   há   um  

pressuposto   de   que,   em   seu   desenvolvimento,   se   faça  

constantemente  referência  a  algo,  a  alguém,  a  fatos,  a  eventos  e  

a   sentimentos,   que   se   mantenham   em   foco   referentes  

introduzidos  por  meio  de  operação  de  retomada  e,  ainda,  que  se  

desfocalizem  referentes  introduzidos  anteriormente  e  os  deixem  

em   stand  by,   para  que  outros   referentes   sejam   introduzidos  no  

discurso.  Essas  estratégias,  por  meio  das  quais  são  construídos  os  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

objetos-­‐de-­‐discurso,  ou  referentes,  e  mantidos  ou  desfocalizados,  

na  produção  de  qualquer  texto,  são  chamadas  de  referenciação.  

Por  referenciação,  entendemos  o  nome  dado  às  diversas  

formas   de   introdução,   no   texto,   de   novas   entidades   ou  

referentes.  Quando  esses  referentes  são  retomados  mais  adiante  

ou  servem  de  base  para  a  introdução  de  novos  referentes,  temos  

o   que   se   denomina   progressão   referencial.   Koch   (2005,   p.   79)  

baseia-­‐se   na   suposição   de   que   a   referenciação   constitui   uma  

atividade   discursiva,   pressuposto   esse   que   implica   uma   visão  

não-­‐referencial   da   língua   e   da   linguagem.   Posição   também  

defendida  por  Mondada  &  Dubois  (1995,  citado  por  Koch,  2005,  

p.   79)   que   postulam   uma   instabilidade   das   relações   entre   as  

palavras  e  coisas:  

 

Assim,   não   se   entende   a   referência   no   sentido  mais   tradicionalmente   atribuído,   como   simples  representação   extensional   de   referentes   do  mundo   extramental:   a   realidade   é   construída,  mantida  e  alterada  não  somente  pela  forma  como  nomeamos   o   mundo,   mas,   acima   de   tudo,   pela  forma  como  interagimos  com  ele:  interpretamos  e  construímos   nossos  mundos   através   da   interação  com  o  entorno  físico,  social  e  cultural.  A  referência  passa   a   ser   considerada   como   resultado   da  operação   que   realizamos   quando,   para   designar,  representar  ou  sugerir  algo,  usamos  um  termo  ou  criamos   uma   situação   discursiva   referencial   com  essa   finalidade:   as   entidades   são   vistas   como  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

objetos-­‐de-­‐discurso   e   não   como   objetos-­‐do-­‐mundo.  (KOCH,  2005,  p.  79)  

 

Para   Apothéloz   (apud   Cavalcante,   2005,   p.   124),   o  

processo  de  referenciação  não  se  completa  no  simples  emprego  

de  expressões   referenciais,  mas   vai  muito   além  disso,   porque  o  

referente   é   concebido   a   partir   de   um   conjunto   de   ações,   pelo  

modo   com   que   os   co-­‐enunciadores   ajustam   suas   ações  

conversacionais   e   pela  maneira   da   construção   dos   sentidos   em  

cada  evento  comunicativo.  

Entendem  Mondada  e  Dubois   (apud   Koch,   2009,  p.   32)  

que   as   categorias   empregadas   para   a   descrição   do   mundo  

alteram-­‐se   tanto   diacrônica   quanto   sincronicamente,   seja   nos  

discursos  ordinários,  seja  nos  discursos  científicos,  elas  são  antes  

plurais   e   mutáveis   do   que   fixadas   normativa   e   historicamente.  

Essas   autoras,   segundo   Koch,   “salientam   que   é   necessário  

considerar  a  referência  aos  objetos  do  mundo  físico  e  natural  no  

seio   de   uma   concepção   geral   dos   processos   de   categorização  

discursiva  e  cognitiva,  assim  como  são  considerados  nas  práticas  

situadas  dos  sujeitos.”  (Id.  Ibid.)  

Assim,  a  língua  não  existe  fora  dos  sujeitos  sociais  que  a  

falam,   fora   dos   eventos   discursivos   nos   quais   esses   sujeitos  

intervêm  e   nos   quais  mobilizam   suas   percepções,   seus   saberes,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

seja  na  ordem  linguística  ou  na  ordem  sociocognitiva.    Enfim,  em  

seus  modelos  de  mundo,  que  não  são  estáticos,  (re)  constroem-­‐

se   tanto   sincrônica   como   diacronicamente,   dentro   das   diversas  

cenas  enunciativas,  de  modo  que,  assim  que   se  passa  da   língua  

para   o   discurso,   faz-­‐se   necessário   mobilizar   conhecimentos   –  

socialmente  compartilhados  e  discursivamente  (re)  construídos  –

,   bem   como   situar-­‐se   dentro   de   contingências   históricas,   para  

que  se  possa  proceder  aos  encadeamentos  discursivos.  

Marcuschi   e   Koch   (2002,   p.   38)   defendem   que   “a  

discursivização   ou   textualização   do   mundo   por   meio   da  

linguagem  não   consiste   em  um   simples  processo  de  elaboração  

de  informações,  mas  num  processo  de  (re)  construção  do  próprio  

real”,     pois,   sempre   que   utilizamos   uma   forma   simbólica,  

manipulamos   a   própria   percepção   da   realidade   de   maneira  

significativa.    A  proposta  de  substituir  a  noção  de  referência  pela  

noção   de   referenciação   emana   desse   conceito,   já   que   tanto   a  

referenciação   quanto   a   progressão   referencial   fazem   parte   da  

construção   e   reconstrução   de   objetos-­‐de-­‐discurso,   ou   seja,   os  

referentes   de   que   se   fala   não   espelham   diretamente   o  mundo  

real,  não  são  simples  rótulos  para  designar  as  coisas  do  mundo,  

uma   vez   que   são   construídos   e   reconstruídos   no   interior   do  

próprio  discurso,  de  acordo  com  a  percepção  de  mundo  de  cada  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

um,   das   crenças   e   das   atitudes,   além   dos   propósitos  

comunicativos.    

De   acordo   com   Koch   (2005,   p.   79),   a   referenciação  

constitui   uma   atividade   discursiva.  O   sujeito   opera,   por   ocasião  

da   interação   verbal,   sobre   o  material   linguístico   que   tem   à   sua  

disposição   e   procede   a   escolhas   significativas   para   representar  

estados   de   coisas,   de  modo   condizente   com   a   sua   proposta   de  

sentido.  As   formas  de   referenciação   são  escolhas  do   sujeito  em  

interação  com  outros  sujeitos,  em  função  de  um  querer-­‐dizer.    

Para  Koch  e  Elias  (2006,  p.  124),  não  devemos  confundir  

os   objetos-­‐de-­‐discurso   com   a   realidade   extralinguística,   já   que  

eles  a  reconstroem  no  próprio  processo  de  interação.  Ou  seja,  a  

realidade   é   construída,   mantida   e   alterada   pela   forma   como,  

sociocognitivamente,   interage-­‐se   com   ela:   interpreta-­‐se   e  

constroem-­‐se   mundos   por   meio   da   interação   com   o   entorno  

físico,  social  e  cultural  (KOCH,  2009).  

Na   constituição   da   memória   discursiva,   enquanto  

operações   básicas,   estão   envolvidas   as   seguintes   estratégias   de  

referenciação:  

 

a)   construção/ativação:   pela   qual   um   “objeto”  textual   até   então   não  mencionado   é   introduzido,  ativado   na   memória,   passando   a   preencher   um  nódulo   (“endereço”   cognitivo,   locação)   na   rede  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

conceptual   do   modelo   de   mundo   textual:   a  expressão  linguística  que  o  representa  é  posta  em  foco   na   memória   de   trabalho,   de   tal   forma   que  esse  “objeto”  fica  saliente  no  modelo.  b)   reconstrução/   reativação;   um   módulo   já  presente  na  memória  discursiva  é  reintroduzido  na  memória   operacional,   por   meio   de   uma   forma  referencial,   de   modo   que   o   objeto-­‐de-­‐discurso  permanece  saliente  (o  nódulo  continua  em  foco).  c)   desfocalização,   passando   a   ocupar   a   posição  focal.   O   objeto   retirado   de   foco,   contudo  permanece   em   ativação   parcial   (stand   by),  podendo   voltar   à   posição   focal   a   qualquer  momento;   ou   seja,   ele   continua   disponível   para  utilização  imediata  na  memória  dos  interlocutores.  (KOCH,  2009,  p.  33  e  34)    

 

Pela   repetição   constante   de   tais   estratégias,   estabiliza-­‐

se,   por   um   lado,   o   modelo   textual;   por   outro,   porém,   este  

modelo  é  continuamente  reelaborado  e  modificado  por  meio  de  

novas   referenciações.   Dessa   forma,   os   nódulos   (endereços  

cognitivos,   locação)   já   existentes   podem   ser   modificados   ou  

expandidos  a  todo  momento,  de  modo  que,  durante  o  processo  

de   compreensão,   desdobra-­‐se   uma   unidade   de   representação  

extremamente  complexa  pelas  sucessivas  e  interminentes  trocas  

de  novas  categorias  e/  ou  avaliações  acerca  do  referente  (KOCH,  

2009,  p.  34).  

Nessas   trocas   de   novas   categorias,   notamos   que   a  

construção  e  a  reconstrução  do  referente  não  intervêm  somente  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

de   um   saber   construído   linguisticamente   pelo   próprio   texto   e  

pelos  conteúdos  que  podem  ser  inferidos  a  partir  dos  elementos  

linguísticos  tomados  por  premissas,  devem-­‐se  levar  em  conta  não  

só  os   conhecimentos   lexicais,   os  pré-­‐requisitos  enciclopédicos  e  

culturais   e   os   lugares   comuns   argumentativos   de   uma  

determinada   sociedade,  mas  os   saberes,   as  opiniões  e  os   juízos  

compartilhados   no   momento   da   interação   entre   o   locutor   e   o  

público   com   quem   ele   dialoga   e   do   qual   espera   uma  

concordância.  Se  esse  leitor  se  enquadrar  na  imagem  construída  

pelo   produtor   do   texto,   essa   reação   será   de   consenso.   No  

entanto,   se   a   imagem   criada   pelo   produtor   do   texto   for  

equivocada,  essa  reação  poderá  ser  de  dissenso.  

No   modelo   textual,   os   referentes   podem   ser  

introduzidos   pela   ativação   ancorada   e   não   ancorada.   A  

introdução  será  não  ancorada  quando  um  objeto-­‐de-­‐discurso,  ou  

referente,   totalmente   novo   é   introduzido   no   texto   e   esse   é  

representado   por   uma   expressão   nominal   que   opera   uma  

primeira   categorização   do   referente.   Já   a   ativação   ancorada  

acontece  sempre  que  um  novo  objeto-­‐de-­‐discurso  é   introduzido  

no   texto,   levando   em   conta   algum   tipo   de   associação   com  

elementos   já   citados   e   presentes   no   cotexto   ou   no   contexto  

sociocognitivo  dos  interlocutores.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

De   acordo   com   Cavalcante   (2011,   p.   54),   os   processos  

referenciais   se  dividem  em  duas  possibilidades.   Se   as   entidades  

são  introduzidas  no  texto  pela  primeira  vez,  ou  seja,  se  não  foram  

ainda  citadas  antes  no  texto,  tem-­‐se  a  ocorrência  de   introdução  

referencial.   Entretanto,   se   os   referentes   já   foram   de   alguma  

forma  evocados  por  meio  de  pistas  explícitas  no  contexto,  tem-­‐se  

a  presença  de  continuidades  referenciais,  isto  é,  de  anáforas.  

Marcuschi  (2005,  p.  54  e  55)  elucida  que,  originalmente,  

o   termo   anáfora,   na   retórica   clássica,   designava   a   repetição   de  

uma   expressão   ou   de   um   sintagma   no   início   de   uma   frase.   Na  

acepção  técnica  de  hoje,  anáfora  anda  longe  da  noção  original  e  

o   termo   é   usado   para   designar   expressões   que,   no   texto,   se  

reportam   a   outras   expressões,   enunciados,   conteúdos   ou  

contextos   textuais   (retomando-­‐os   ou   não)   contribuindo   assim  

para  a  continuidade  tópica  e  referencial.  As  anáforas  diretas  (AD)  

retomam   referentes   previamente   introduzidos   e   assim  

estabelecem   uma   relação   de   correferência   entre   o   elemento  

anafórico  e  seu  antecedente.  

Mas,  além  delas,  há   também  as  anáforas   indiretas  e  as  

associativas.   As   anáforas   indiretas   (AI),   de   acordo   com   Koch   e  

Elias  (2006,  p.  128),  são  caracterizadas  pelo  fato  de  não  existir  no  

cotexto  um  antecedente  explícito.  As  anáforas   indiretas   (AI)  são  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

caracterizadas  “pela  menção  de  um  novo  referente  relacionado  a  

outro,   distinto,   e   já   citado   anteriormente,   ou   relacionado   a  

alguma   pista   formal   do   texto,   como   um   verbo,   por   exemplo”  

(CAVALCANTE,  2011,  p.  61).  

Segundo  Marcuschi  (2005,  p.  53),  a  anáfora  indireta  (AI)  

é   geralmente   constituída   por   expressões   nominais   definidas,  

indefinidas  e  pronomes  interpretados  referencialmente  sem  que  

lhes  corresponda  um  antecedente  (ou  subsequente)  explícito  no  

texto.   Para   esse   mesmo   autor,   trata-­‐se   de   uma   estratégia  

endofórica   de   ativação   de   referentes   novos   e   não   de   uma  

reativação   de   referentes   já   conhecidos,   o   que   constitui   um  

processo   de   referenciação   implícita.   De   uma   maneira   geral,   as  

(AI)   evidenciam   essencialmente   três   aspectos:   “primeiro,   a   não  

vinculação  da  anáfora  com  co-­‐referencialidade,   segundo,  a  não-­‐

vinculação   da   anáfora   com   a   noção   de   retomada;   terceiro,   a  

introdução  de  referente  novo.”  (id.,  p.  60  e  61)  

Esse  processo  de   referenciação  é   constituído   com  base  

em  elementos  mentais  e  é  muito  mais  comum  a  sua  produção  do  

que  se  pode  imaginar,  já  que  desempenham  um  papel  relevante  

tanto  na  progressão  quanto  na  coerência  do  texto.    

De  acordo  com  os  estudos  de  Koch   (2002  e  2004)  e  de  

Marcuschi   (2005),   respaldados   em   Schwarz   (citado   por   Koch   e  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Elias,   2009,   p.   136),   as   anáforas   indiretas   (AI)   podem   ser  

constituídas   com   base,   por   exemplo,   em   modelos   cognitivos,  

inferências   ancoradas   no   mundo   textual   ou   em   relações  

semânticas   inscritas   nos   sintagmas   nominais   definidos,  

particularmente  as  relações  meronímicas  (relações  parte-­‐todo).    

Conforme   Cavalcante   (2011,   p.   62),   alguns   estudiosos  

pleiteiam,  ainda,  uma  subdivisão  dentro  das  anáforas  indiretas:  

 

Os   estudos   convergem   para   duas   abordagens   do  fenômeno:   uma   estreita,   que   se   apoia   em  restrições   léxico-­‐estereotípicas;   outra   ampla,   que  diz  não  se  limitar  a  tais  restrições.  Esse  duplo  olhar  para  as  relações  anafóricas  indiretas  redundou  em  decisões   classificatórias   distintas.   Certos   autores  preferiram   restringir   o   fenômeno   às   ligações  fundadas,   em   princípio,   em   associações   que  seriam,   supostamente,   apenas   semântico-­‐lexicais,  deixando  à  margem  as  situações  que  requeressem  outros   tipos   de   inferência   –   é   o   caso   de   Kleiber  (2001).  Outros  autores,  como  Schwarz  (2000),  por  exemplo,   optaram   por   propor   duas   classes   de  referência  indireta:  -­‐       as   anáforas   associativas   –   seriam  “conceitualmente  baseadas”;  -­‐   as   anáforas   inferenciais   –   seriam  “inferencialmente  baseadas”;  englobariam  muitos  outros   casos   em   que   a   recuperação   do   referente  indireto   exigisse   percepções   da   situação  enunciativa,   informações   do   conhecimento  culturalmente   compartilhado,   dados   fornecidos  pelo   próprio   desenvolvimento   textual   e  argumentativo  etc.  (CAVALCANTE,  2011,  p.62)  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Entretanto,   outros   autores   como   Apothéloz   e   Reichler-­‐

Béguelin   (1999),   decidiram-­‐se   por   não   distinguir   as   anáforas  

indiretas,  aglutinando-­‐as   todas  num  único  conjunto  de  anáforas  

associativas,   alegando  que  não   importa   a   origem  da   âncora   em  

que  se  apoia  o  anafórico  indireto,  nem  importa  a  forma  como  ele  

se   manifesta,   uma   vez   que   o   importante   é   o   mecanismo  

inferencial  envolvido  no  processo.  

Para  Koch  e  Elias  (2006,  p.  128),  as  anáforas  associativas  

introduzem   um   referente   novo   no   texto   pela   exploração   de  

relações   meronímicas,   ou   seja,   toda   vez   em   que   um   dos  

elementos   da   relação   pode   ser   considerado,   de   alguma   forma,  

ingrediente  do  outro.  

Além  desses  objetos,  há  outros   casos  de   introdução  de  

novos   objetos-­‐de-­‐discurso,   que   podem   também   incluir   as  

chamadas  nominalizações  ou  rotulações,  quando  se  designa,  por  

meio  de  um  sintagma  nominal,  um  processo  ou  estado  expresso  

por   uma   proposição   ou   proposições   precedentes   ou  

subsequentes   no   texto.   Neste   caso,   entretanto,   o   processo   de  

inferência   é   diferente   daquele  mobilizado  no   caso   das   anáforas  

associativas  e   indiretas.  As  nominalizações  são  consideradas  por  

Francis  (apud  Koch,  2009,  p.  36)  como  rotulações  resultantes  de  

encapsulamentos   operados   sobre   predicações   antecedentes   ou  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

subsequentes,   ou   seja,   sobre   processos   de   seus   actantes,   os  

quais   passam  a   ser   representados   como  objetos-­‐acontecimento  

na  memória  discursiva  dos  interlocutores.    

Por  meio  da  estratégia  da  nominalização,  erigem-­‐se,  em  

objetos-­‐de-­‐discurso,   conjuntos   de   informações   expressas   no  

texto  precedente   –   informação-­‐suporte   –,   segundo  Apothéloz   e  

Chanet   (1997,   citado   por   Marcuschi   e   Koch,   2002,   p.   32),   que  

anteriormente  não  tinham  tal  estatuto.  

No  que  se  refere  às  nominalizações,  é  preciso  distinguir  

entre  a  operação  de  nominalização  propriamente  dita,  que  é  de  

natureza   anafórica,   e   a   expressão   utilizada   para   efetuar   tal  

operação.  Enquanto  operação,  a  nominalização  atribui  o  estatuto  

de   referente   ou   objeto-­‐de-­‐discurso   a   um   conjunto   de  

informações   que   anteriormente   não   possuíam   tal   estatuto,  

assinalando   simultaneamente   uma   mudança   de   nível   e   uma  

condensação   da   informação.   Do   ponto   de   vista   da   distância  

comunicativa,   essa   operação   retoma,   pressupondo   a   sua  

existência,   um   processo   que   foi   significado   predicativamente,  

que   acaba   de   ser   posto.   Como   forma   anafórica,   por   sua   vez,   a  

nominalização   é   uma   forma   linguística:   o   substantivo   –  

predicativo.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

As   formas   nominais   referenciais   respondem,  

simultaneamente,   pelos   dois   grandes   processos   de   construção  

textual:   retroação   e   prospecção.   Elas   desempenham   também  

funções  cognitivas  de  grande  importância  para  o  processamento  

textual.   Como   forma   de   remissão   a   elementos   citados  

anteriormente   no   texto,   ou   sugeridos   pelo   cotexto   precedente,  

elas  possibilitam  a  sua  (re)  ativação  na  memória  do  interlocutor:  

a   alocação   ou   focalização   na   memória   ativa   (ou   operacional)  

deste.    

Além   disso,   por   outro   lado,   ao   operarem   uma  

recategorização  ou  refocalização  do  referente  ou,  em  se  tratando  

de   nominalizações,   sumarizando   e   rotulando   as   informações-­‐

suporte,   elas   têm,   ao   mesmo   tempo,   função   predicativa.   Esse  

caso   é   chamado   de   formas   híbridas,   referenciadoras   e  

predicativas,   porque   veiculam   tanto   informações   dadas   quanto  

informações  inferíveis  e  novas.    

Marcuschi   e   Koch   (2002,   p.   31),   aludem   que   a  

referenciação   por   meio   de   expressões   nominais   definidas  

desempenha   papel   relevante   na   organização   textual   e,  

consequentemente,   na   construção   do   sentido.   Esses   elementos  

desempenham   um   aspecto   importantíssimo   no   processo   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

textualização  e  é  de  grande  relevância  para  a  coesão  e  coerência  

textual.    

Nesse   mesmo   trabalho   de  Marcuschi   e   Koch   (2002,   p.  

39),   é  mencionado  que  há  dois   tipos  dessas   formas,  designadas  

expressões  referenciais  definidas:  as  descrições  definidas,  que  há  

muito   tempo   vêm   sendo   objeto   de   estudo   da   lógica   e   da  

semântica;  e  as  formas  nominais  (nominalizações),  com  as  quais  

se   referencia,   por  meio   de   um   sintagma   nominal   (nem   sempre  

deverbal),  um  processo  anterior  expresso  por  uma  proposição.  As  

descrições   nominais   definidas   são   caracterizadas   pelo   fato   de  

operarem  uma   seleção   –   entre   as   diversas   propriedades   de  um  

referente   –   reais,   co(n)-­‐textualmente   determinadas   ou  

intencionalmente   atribuídas   pelo   locutor   em   dada   situação   de  

interação.  

Koch   (2005,  p.  87)  elucida  que  o  uso  de  uma  descrição  

nominal   implica   uma   escolha   dentre   as   propriedades   ou  

qualidades  capazes  de  caracterizar  o  referente.  Escolha  esta  que  

será   feita   em   cada   contexto   em   razão   do   projeto   comunicativo  

daquele  que  produziu  o  texto.  Essa  autora  ressalta  também  que,  

em   geral,   trata-­‐se   da   ativação   dos   conhecimentos   pressupostos  

como  partilhados  com  o(s)   interlocutor   (es),  ou  seja,  a  partir  de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

um  background    tido  por  comum,  de  características  ou  traços  do  

referente  que  o  locutor  procura  ressaltar  ou  enfatizar.  

A   escolha   de   determinada   descrição   definida   pode   ter  

função   avaliativa,   isto   é,   trazer   ao   leitor/ouvinte   informações  

relevantes  referentes  às  opiniões,  crenças  e  atitudes  do  produtor  

do  texto,  auxiliando-­‐o,  dessa  forma,  na  construção  do  sentido.  O  

locutor   utiliza   uma   descrição   definida   com   o   objetivo   de   dar   a  

conhecer   ao   interlocutor,   com   os   mais   variados   propósitos,  

propriedades   ou   fatos   relativos   ao   referente   que   acredita  

desconhecido   do   parceiro.     Em   geral,   o   emprego   dessas  

expressões   nominais   anafóricas   opera   a   recategorização   de  

objetos-­‐de-­‐discurso,   isto   é,   tais   objetos   serão   reconstruídos   de  

determinada  forma,  de  acordo  com  o  projeto  do  enunciador.  

Além  dessas  expressões  referenciais,  há  ainda  a  anáfora  

especificadora,  que  acontece  nos  contextos  em  que  é  necessário  

um   refinamento   da   categorização.   Essa   anáfora   é  

frequentemente   introduzida   por   um   artigo   indefinido.   Segundo  

Koch  (2009,  p.  39),  esse  fato  é  pouco  registrado  na  literatura  da  

linguística,   pois   esse   tipo   de   anáfora   permite   trazer,   de   forma  

compacta,   informações   novas   que   se   referem   ao   objeto   de  

discurso,  conforme  o  exemplo:  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Uma  catástrofe  ameaça  uma  das  últimas   colônias  de   gorilas   da   África.   Uma   epidemia   de   Ebola   já  matou   mais   de   300   desses   grandes   macacos   no  santuário  de  Lossi,  no  noroeste  do  Congo.  Trata-­‐se  de   uma   perda   devastadora,   pois   representa   o  desaparecimento   de   um   quarto   da   população   de  gorilas  da  reserva.  (grifo  nosso).  

 

Um   outro   aspecto   é   que,   de   acordo   com   essa   mesma  

autora,  em  certas  paráfrases  feitas  por  expressões  nominais,  elas  

funcionam   como   anáforas   definicionais   ou   didáticas,   e   essas  

expressões  propiciam  a  projeção  na  memória  de  um  novo  léxico.  

Ela  menciona  ainda  que  a  função  das  expressões  referenciais  não  

é  apenas  referir,  mas,  como  são  multifuncionais,  elas  contribuem  

para   elaborar   o   sentido,   indicando   pontos   de   vista,   assinalando  

direções   argumentativas,   sinalizando   dificuldades   de   acesso   ao  

referente   e   recategorizando   os   objetos   presentes   na   memória  

discursiva.  

Assim,  a  referenciação  no  discurso,  bem  como  as  demais  

atividades   de   produção   de   texto   de   sentido,   constitui   uma  

construção   de   cunho   sociocognitivo   e   interacional.   Nessa  

concepção   interacional   (dialógica)   da   língua,   os   sujeitos   são   os  

atores,  ou  melhor,  os  construtores  sociais  que  dialogicamente  se  

constroem  no   texto,  o  próprio   lugar  da   interação,  e  por  ele   são  

construídos.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Portanto,   todos   esses   referentes   aludidos   constituem  

objetos-­‐de-­‐discurso   que,   construídos   sociocognitivamente   no  

bojo  da  interação,  são  altamente  dinâmicos,  já  que  transformam  

e  reconstroem-­‐se  constantemente  no  curso  de  uma  interação.  

 

3. ANÁLISE DA ABORDAGEM DA

REFERENCIAÇÃO NOS MANUAIS DIDÁTICOS

 

A   análise,   feita   em   duas   coleções   de   Língua   Portuguesa,  

tem  como  respaldo  os  conceitos  teóricos  inerentes  às  estratégias  

de   referenciação.   Pretendemos   avaliar     de   que   forma   esse  

mecanismo   de   textualização   é   elucidado   nos   dois   manuais  

analisados   e   de   que   maneira   essa   temática   perpassa   pelas  

atividades   de   leitura   e   de   produção   textual,   contempladas   por  

duas   coleções   aprovadas   pelo   PNLD   2012   (Plano   Nacional   do  

Livro  Didático)  para  o  Ensino  Médio.  

A   primeira   coleção,   Ser   Protagonista,   composta   por   três  

volumes  –  cada  um  deles  destinados  a  uma  das  séries  do  Ensino  

Médio   –,   é   segmentada   em   três   partes   distintas:   Literatura,  

Linguagem   e   Produção   de   texto.   Nela,   não   existe   uma   parte  

específica   para   o   trabalho   com   a   leitura,   entretanto,   é   possível  

verificar   que   ao   longo  dos   três   anos   há   atividades   que   tem  por  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

objetivo   explorar   as   diferentes   estratégias,   como,   por   exemplo,  

compreensão  geral  do  texto,  produção  de  inferências,  bem  como  

localização  e  retomada  de  informações  nos  textos  abarcados  por  

esse  manual.    Com  relação  à  produção  escrita,  observamos  que  

são  elaboradas  atividades  com  base  no  trabalho  com  os  gêneros  

textuais,  enfatizando  sempre  a  prática  de  escrita  em  seu  universo  

de  uso  social  e  indicando  as  condições  ideais  da  produção.  

Nesse   material,   verificamos   que   são   incluídos   tópicos  

inerentes   às   estratégias   de   referenciação,   conforme   podemos  

observar   em   uma   das   passagens   retiradas   da   página   341   do  

primeiro   volume   da   coleção,   cujo   objetivo   é   explicitar   os  

mecanismos  de  articulação  empregados  no  texto:  

 

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Cabe   ressaltar   que   tanto   o   conceito   de   referenciação  

quanto   às   atividades   alusivas   a   essa   temática   são   especificadas  

no  material  escrito.  Além  disso,  é  possível  encontrar  na  coleção  

outros   fragmentos   que   mencionam   o   trabalho   com   a   coesão  

textual,   mais   especificamente   com   o   mecanismo   coesivo   de  

referenciação,   como   se   verifica   em   mais   um   fragmento   da  

coleção,  que  consta  na  página  296,  do  volume  1:  

 

   

Percebemos   que   há   uma   preocupação,   por   parte   dos  

autores,   em   aplicar   os   conceitos   relativos   às   estratégias   de  

referenciação  aos  exercícios  propostos  de   leitura  e  de  produção  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

textual  ao  longo  do  material  escrito,  com  intuito  de  que  os  alunos  

apreendam   tais   recursos   e   apliquem-­‐nos   no   momento   da  

elaboração  dos  diferentes  gêneros  textuais.    

Isso   fica   evidente   em   uma   das   propostas   de   produção  

textual   no   livro   do   primeiro   volume,   página   343,   em   que   os  

autores   mencionam:   “O   resumo   precisa   eliminar   repetições  

desnecessárias.   Para   isso,   pode   fazer   uso   da   referenciação.”  

Nessa  mesma   atividade,   há   outra   sinalização   para   o   aluno:   “Ao  

reescrever  o  seu  resumo,  observe  se  você  usou  adequadamente  

esse   recurso,   deixando   claros   os   referentes   antecipados   ou  

retomados  por  outras  palavras.”    

Além   de   abordar   a   estratégia   de   referenciação   nas  

diferentes  propostas  de  produção  textual,  os  autores  aludem  que  

há   imbricação   dos   mecanismos   de   referenciação   com   os  

diferentes  sentidos  produzidos  na  escolha  de  um  e  não  de  outro  

vocábulo   para   a   elaboração   de   um   texto.     No   momento   da  

apresentação  do    artigo,  é  descrito  que  o  falante  pode  se  referir  a  

um   elemento   presente     na   situação   de   enunciação   ou   ao  

conhecimento  partilhado  com  seu  interlocutor;  pode  retomar  ou  

antecipar   um   outro   elemento   do   texto   e   ainda   indicar   que   o  

substantivo   que   antecede   é   entendido   de   maneira   genérica,  

como  integrante  de  uma  categoria.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Na   abordagem   da   classe   de   palavras   relacionada   aos  

números,   os   autores   mencionam   que   os   numerais   colaboram  

para   a   clareza   e   coesão   do   texto,   antecipando   ou   retomando  

elementos   em   sequência   e   evitando   repetições   desnecessárias.  

Para   a   explanação   dos   pronomes,   é   aludido   que   as   palavras  

pertencentes   a   essa   classe   situam   as   pessoas   do   discurso,  

indicando   elementos   textuais   e   situacionais   e   que,   dentro   do  

texto,   atuam   como  mecanismos   coesivos   de   anáfora   (retomada  

de  um  referente)  e  catáfora  (antecipação  de  um  referente).    

Já   para   a   explicação   dos   verbos,   é   mencionado   que   a  

ancoragem   é   um   momento   importante   do   planejamento   da  

produção  textual,  em  que  o  produtor  do  texto  toma  consciência  

de  qual  é  o  seu  papel  em  relação  ao  que  enuncia  e  à  situação  de  

enunciação.  Por  fim,  na  explanação  dos  advérbios,  salientam  que,  

como   elementos   coesivos,   podem   fazer   referência   a   outro  

elemento   do   texto,   retomando-­‐o   ou   antecipando-­‐o   (coesão  

referencial).   Ainda,   eles   podem   assinalar   a   ordenação   da  

sequência   temporal,   permitindo   a   continuidade   das   ideias.  

Nesses   dois   casos,   os   advérbios   estabelecem   relações   entre   as  

partes  do  texto,  contribuindo  para  a  progressão  textual.  

Nessa   coleção,   encontra-­‐se   um   excelente   recurso   para  

desenvolver   trabalhos   relacionados   às   estratégias   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

referenciação,  bem  como  levar  o  aluno  a  refletir  sobre  o  uso  da  

língua,  a   importância  das  escolhas   linguísticas  para  a  elaboração  

de   um   texto,   além   dos   efeitos   de   sentido   que   produzirá   ao  

escolher  uma  e  não  outra   forma  para   referenciar  os  objetos  de  

seu   texto   na   interação   com   outros   sujeitos   nas   mais   variadas  

situações  discursivas  das  quais  participa.  

Já   com   relação   à   análise   da   coleção   Projeto   Eco,   não  

verificamos  a  mesma  abordagem  no  que   tange  à   referenciação.  

Esse   material   é   composto   de   3   volumes,   cada   um   destinado   a  

uma  série  do  Ensino  Médio.  Cada  volume  é  constituído  por  três  

partes     (Literatura,   A   Língua   em   uso   e   Produção   de   texto),  

divididos  em  unidades.  

Os  textos  apresentados  nessa  coleção  estão  mais  voltados  

para   a   Literatura,   uma   vez   que   grande   parte   dos   conteúdos  

apresentados  na  coleção  é  destinada  ao  estudo  dessa  disciplina,  

o  que  torna  o  ensino  dos  elementos   linguísticos,  de   leitura  e  de  

produção  textual  desigual  se  comparado  à  Literatura.    O  trabalho  

com  a  produção  textual  e  com  as  questões  gramaticais  ganha  um  

espaço  pouco  significativo  se  comparado  aos  conteúdos  voltados  

para   o   aspecto   literário.   Assim,   os   tópicos   inerentes   à  

textualidade  e  às  questões  gramaticais  são  vistos  de  uma  forma  

bastante   superficial.   As   classes   de   palavras,   que   aparecem   no  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

volume   2,   são   apresentadas   de   uma   maneira   superficial,   não  

tecendo  nenhuma  relação  com  os  mecanismos  de  textualização.  

Na   coleção,   não   existe   qualquer   menção   quanto   aos  

elementos  de   referenciação,   apenas  no   volume  3,   destinado  ao  

terceiro   ano   do   Ensino   Médio,   há   uma   alusão   à   coesão   e   à  

coerência  textuais:    

 

Você  já  deve  ter  ouvido  afirmações  como  “Um  bom  texto  deve   ter   coesão  e  coerência”.  Na  prática,   isso  significa  que  deve  ocorrer  articulação  entre  as  estruturas  linguísticas  e  as  ideias  do  texto  deve   estar   conectadas   entre   si.   Um   dos   critérios  para  definir  que  se  está  diante  de  um  texto  e  não  de   um   amontoado   de   palavras   soltas   é   o   texto  apresentar   coesão.  Normalmente,   a   coesão   se  dá  pelo   uso   de   mecanismos   linguísticos   como   a  retomada   do   que   já   foi   escrito   e   a   utilização   de  uma   sequência   de   ideias   conectadas.   Assim,   a  coesão   pode   ser   definida   como   a   interligação  entre  as  diversas  palavras  que  compõem  o  texto  e  está  mais  relacionada  à  forma.  

Para   que   o   texto   apresente   também  coerência,  é  preciso  que  haja  produção  de  sentido  entre  as  ideias  do  texto.  Ou  seja,  não  basta  que  as  ideias   estejam   interligadas   gramaticalmente,   é  preciso   que   haja   conexão   de   sentido   entre   elas.  Assim,   a   coerência   está   mais   relacionada   ao  sentido  do  texto.  (p.  255-­‐256)  

 

Esses   dois   tópicos,   tão   importantes   para   a   produção   de  

qualquer   gênero   textual,   são   comentados   apenas   no   último  

Page 108: Referenciação e Ensino

   

107

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

volume   da   coleção,   entretanto   deveriam   nortear   todas   as  

atividades  voltadas  para  o  trabalho  com  a  textualização,  desde  a  

primeira  série  do  Ensino  Médio.  Um  outro  conteúdo,  progressão  

textual,  relacionado  aos  mecanismos  de  referenciação  é  elencado  

na  página   300  desse  mesmo  volume,  mas   apenas   citado,   não  é  

desenvolvido   nenhum   conceito   e   tampouco   há   atividades    

alusivas  a  essa   temática.   Logo,  poucas   informações  e  atividades  

referentes   às   estratégias   de   referenciação   podem   ser  

encontradas   nessa   coleção,   que   ainda   não   privilegia   uma  

abordagem  mais  atual  no  ensino  de   língua  materna,  bem  como  

não   contempla   a   referenciação,   fenômeno   textual-­‐discurso   tão  

importante  para  o  desenvolvimento  das  habilidades  de   leitura  e  

de   produção   textual   na   construção   do   sentido   dos   diferentes  

gêneros.  

 4. PROPOSTAS DE ATIVIDADES DE REFERENCIAÇÃO

Nesta   seção,   são   apresentadas   algumas   atividades  

relacionadas  às  estratégias  de  referenciação,  com  o  propósito  de  

mostrar   algumas   abordagens   dos   fenômenos   referenciais   que  

podem   ser   aplicados   na   prática   docente   no   ensino   de   leitura,  

compreensão   e   de   produção   textual.   O   texto   escolhido   para   a  

Page 109: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

elaboração   das   atividades   foi   retirado   do   primeiro   volume,  

página   259,   da   coleção   Ser   Protagonista,   uma   das   obras  

analisadas  neste  trabalho.  

 

Brasileira  descobre  “orfanato”  de  estrelas  Uma   astrônoma   brasileira   da   Nasa   anunciou   ontem   ter   encontrado  

um  conjunto  de  estrelas   "órfãs",  nascidas   fora  de  grandes  galáxias.  Duilia  de  

Mello,  cientista  do  Centro  Goddard  de  Voos  Espaciais,  da  agência  americana,  

descobriu  esses  pequenos  aglomerados  de  estrelas  jovens  na  forma  de  bolhas  

azuis  no  espaço  sideral.    

O  "orfanato"  estelar  foi  identificado  pela  brasileira  ao  cruzar  imagens  

do   satélite   Galex,   que   capta   luz   ultravioleta,   e   do   Observatório   Nacional   de  

Radioastronomia  dos  EUA,  que  "enxerga"  ondas  de  rádio.    

"Eu  tinha  visto  as  bolhas  azuis  com  o  Galex,  mas  com  as   imagens  de  

rádio  vi  que  havia  mais  alguma  coisa  ali",  disse  Mello.  A  região  era  uma  nuvem  

de   hidrogênio,   local   onde   normalmente   se   formariam   estrelas.   Mas   era  

rarefeita  demais  para  ser  um  berçário  viável.    

Astrônomos   russos   já   tinham  olhado  para  aquela  área  do  espaço  na  

década   de   1980,   mas   com   um   telescópio   menos   potente.   "Na   época,  

apareciam   umas   duas   ou   três   estrelas,   mas   com   o   [telescópio]   Hubble   nós  

pudemos   ver   que   são   2.000",   disse   Mello.   A   descoberta   foi   anunciada   no  

encontro  anual  da  AAS  (Sociedade  Astronômica  Americana),  no  Texas.    

O  Hubble  foi  crucial  para  a  descoberta  de  Mello,  detalhada  em  estudo  

a  ser  publicado  na  revista  "The  Astronomical  Journal".  Só  com  as   imagens  do  

telescópio   espacial   foi   possível   descobrir   as   idades   das   estrelas   vistas.   Como  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

elas  são  "jovens"  com  menos  de  30  milhões  de  anos  (daí  sua  coloração  azul),  

só  podem  ter  sido  produzidas  ali,  e  não  importadas  de  galáxias  próximas.    

Ao   lado   das   imagens   da   descoberta,   os   cientistas   também  

apresentaram  uma  proposta  de  explicação  para  o  fato  de  o  grupo  de  estrelas  

ter  nascido  "no  meio  do  nada".  Normalmente,  a   formação  estelar  ocorre  em  

zonas   de   alta   densidade   de   gases,   e   tais   regiões   só   existem   dentro   das  

galáxias.    

As   bolhas   azuis   encontradas   por   Mello   não   estão   em   uma   região  

como   essa,   mas   vivem   uma   condição   especial.   Elas   estão   no   meio   de   duas  

galáxias  próximas,  que  se  deslocam  e  interagem  entre  si  por  meio  da  força  da  

gravidade,  dando  origem  a  fenômenos  inusitados.    

Alguns   astrônomos   acreditam  que  as  duas   galáxias   (e  mais   uma  galáxia-­‐anã)  

passaram  "de  raspão"  uma  perto  da  outra  há  cerca  de  200  milhões  de  anos,  

num  evento  em  que  umas  "roubaram"  algumas  estrelas  da  borda  das  outras.    

A   quase-­‐colisão   também   criou   uma   zona   de   turbulência   na   área   de  

gás  rarefeito,  possibilitando  então  que  algumas  estrelas  nascessem  em  região  

menos   densa.   Na   fronteira   turbulenta,   a   matéria   conseguia   se   agregar   com  

mais  facilidade.    

Segundo  Mello,  a  existência  de  estrelas  desse  tipo  pode  explicar  por  

que   o  Universo   está   "poluído"   com   nuvens   de   elementos  mais   pesados   que  

hidrogênio   e   hélio   (e   que   fornecem   a   matéria-­‐prima   para   a   formação   de  

planetas).    

Esses   elementos   são   produzidos   nos   núcleos   de   estrelas   velhas   e  

expelidos  quando  elas  morrem.  A  morte  de  estrelas  dentro  de  galáxias,  porém,  

não  deixa  sujeira  espalhada,  pois  ela  é  contida  pela  gravidade  galáctica.    

GARCIA,  Rafael.  Folha  de  S.  Paulo,  9  jan.  2008.  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

1.  Identifique  no  fragmento  que  segue  todos  os  termos  que  

retomam  os  vocábulos  destacados:  

Uma  astrônoma  brasileira   da  Nasa   anunciou   ontem   ter   encontrado  

um  conjunto  de  estrelas  "órfãs",  nascidas  fora  de  grandes  galáxias.  Duilia  de  

Mello,  cientista  do  Centro  Goddard  de  Vôos  Espaciais,  da  agência  americana,  

descobriu  esses  pequenos  aglomerados  de  estrelas  jovens  na  forma  de  bolhas  

azuis  no  espaço  sideral.    

O  "orfanato"  estelar  foi  identificado  pela  brasileira  ao  cruzar  imagens  

do   satélite   Galex,   que   capta   luz   ultravioleta,   e   do  Observatório   Nacional   de  

Radioastronomia  dos  EUA,  que  "enxerga"  ondas  de  rádio.    

"Eu  tinha  visto  as  bolhas  azuis  com  o  Galex,  mas  com  as   imagens  de  

rádio  vi  que  havia  mais  alguma  coisa  ali",  disse  Mello.  A  região  era  uma  nuvem  

de   hidrogênio,   local   onde   normalmente   se   formariam   estrelas.   Mas   era  

rarefeita  demais  para  ser  um  berçário  viável.    

 

 

Astrônoma  brasileira:  Duilia  de  Mello,  brasileira,  Mello.  

Conjunto   de   estrelas   “órfãs”:   esses   pequenos   aglomerados   de  

estrelas   jovens   na   forma   de   bolhas   azuis,   orfanato   estrelar,   as  

bolhas  azuis.  

Salétile  Galex:  Galex  

 

Page 112: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

2.  Complete  os  espaços  que  seguem,  estabelecendo  

designações  alternativas  para  os  objetos  do  discurso  

sublinhados,  atendendo  ao  que  se  pede:  

 

a)  Uma  expressão  nominal  definida:  

 “Uma   astrônoma   brasileira   da   Nasa   anunciou   ontem   ter  

encontrado   um   conjunto   de   estrelas   "órfãs",   nascidas   fora   de  

grandes   galáxias.     A   cientista   descobriu   esses   pequenos  

aglomerados   de   estrelas   jovens   na   forma   de   bolhas   azuis   no  

espaço  sideral.”  

 

b)  Um  hiperônimo  

“Só  com  as  imagens  do  telescópio  espacial  foi  possível  descobrir  

as   idades   das   estrelas   vistas.   Como  os   astros   são   "jovens"   com  

menos  de  30  milhões  de  anos  (daí  sua  coloração  azul),  só  podem  

ter  sido  produzidas  ali,  e  não  importadas  de  galáxias  próximas.”  

 

3.  Assinale  a  proposição  em  que  o  antecedente  do  termo  

sublinhado  não  pode  ser  localizado  no  mesmo  segmento  do  

texto  que  está  entre  aspas:  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

a)   “Uma   astrônoma   brasileira   da   Nasa   anunciou   ontem   ter  

encontrado   um   conjunto   de   estrelas   "órfãs",   nascidas   fora   de  

grandes  galáxias.  Duilia  de  Mello,  cientista  do  Centro  Goddard  de  

Vôos  Espaciais,  da  agência  americana,  descobriu  esses  pequenos  

aglomerados   de   estrelas   jovens   na   forma   de   bolhas   azuis   no  

espaço  sideral.”  

b)   “Só   com   as   imagens   do   telescópio   espacial   foi   possível  

descobrir   as   idades   das   estrelas   vistas.   Como   elas   são   "jovens"  

com  menos   de   30  milhões   de   anos   (daí   sua   coloração   azul),   só  

podem   ter   sido   produzidas   ali,   e   não   importadas   de   galáxias  

próximas.”  

c)   “Normalmente,   a   formação   estelar   ocorre   em   zonas   de   alta  

densidade   de   gases,   e   tais   regiões   só   existem   dentro   das  

galáxias.”  

d)   “A   morte   de   estrelas   dentro   de   galáxias,   porém,   não   deixa  

sujeira  espalhada,  pois  ela  é  contida  pela  gravidade  galáctica.”  

e)   “Segundo   Mello,   a   existência   de   estrelas   desse   tipo   pode  

explicar   por   que   o   Universo   está   "poluído"   com   nuvens   de  

elementos  mais  pesados  que  hidrogênio  e  hélio  (e  que  fornecem  a  

matéria-­‐prima  para  a  formação  de  planetas).”    

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

4.   Assinale   a   alternativa   em   que   o   vocábulo   destacado   não  

retoma  outro(s)  elemento(s)  citado(s)  anteriormente.  

 

a)  “  O  ‘orfanato’  estelar  foi  identificado  pela  brasileira  ao  cruzar  

imagens  do  satélite  Galex,  que  capta  luz  ultravioleta,  e  do  

Observatório  Nacional  de  Radioastronomia  dos  EUA...”  

b)  “  ‘Eu  tinha  visto  as  bolhas  azuis  com  o  Galex,  mas  com  as  

imagens  de  rádio  vi  que  havia  mais  alguma  coisa  ali’,  disse  

Mello.”  

c)   “Elas   estão   no   meio   de   duas   galáxias   próximas,   que   se  

deslocam  e   interagem  entre   si   por  meio  da   força   da   gravidade,  

dando  origem  a  fenômenos  inusitados.”  

d)   “Alguns   astrônomos   acreditam   que   as   duas   galáxias   (e   mais  

uma   galáxia-­‐anã)   passaram   ‘de   raspão’   uma   perto   da   outra   há  

cerca   de   200   milhões   de   anos,   num   evento   em   que   umas  

‘roubaram’  algumas  estrelas  da  borda  das  outras.”  

e)   “Segundo   Mello,   a   existência   de   estrelas   desse   tipo   pode  

explicar   por   que   o   Universo   está   "poluído"   com   nuvens   de  

elementos  mais  pesados  que  hidrogênio  e  hélio  (e  que  fornecem  

a  matéria-­‐prima  para  a  formação  de  planetas).”    

 

Page 115: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

5.  Na  coesão  textual,  os  pronomes  são  empregados,  muitas  

vezes,  com  o  objetivo  de  ligar  o  que  está  sendo  dito  e  o  que  já  

foi  enunciado  anteriormente.  Assinale  a  alternativa  em  que  o  

pronome  não  estabelece  ligação  com  o  que  já  foi  mencionado  

anteriormente  nas  passagens  que  seguem.  

 

a)   “Uma   astrônoma   brasileira   da   Nasa   anunciou   ontem   ter  

encontrado   um   conjunto   de   estrelas   "órfãs",   nascidas   fora   de  

grandes  galáxias.  Duilia  de  Mello,  cientista  do  Centro  Goddard  de  

Voos  Espaciais,  da  agência  americana,  descobriu  esses  pequenos  

aglomerados   de   estrelas   jovens   na   forma   de   bolhas   azuis   no  

espaço  sideral.”  

b)  “Como  elas  são  ‘jovens’  com  menos  de  30  milhões  de  anos  (daí  

sua   coloração   azul),   só   podem   ter   sido   produzidas   ali,   e   não  

importadas  de  galáxias  próximas.”  

c)   “Elas   estão   no   meio   de   duas   galáxias   próximas,   que   se  

deslocam  e   interagem  entre   si   por  meio  da   força   da   gravidade,  

dando  origem  a  fenômenos  inusitados.”  

d)   “As   bolhas   azuis   encontradas   por   Mello   não   estão   em   uma  

região  como  essa,  mas  vivem  uma  condição  especial.  Elas  estão  

no  meio  de  duas  galáxias  próximas,  que  se  deslocam  e  interagem  

Page 116: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

entre   si   por   meio   da   força   da   gravidade,   dando   origem   a  

fenômenos  inusitados.”  

e)   “Esses   elementos   são   produzidos   nos   núcleos   de   estrelas  

velhas   e   expelidos   quando   elas   morrem.   A   morte   de   estrelas  

dentro  de  galáxias,  porém,  não  deixa  sujeira  espalhada,  pois  ela  é  

contida  pela  gravidade  galáctica.”  

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O   estudo   dos   processos   de   referenciação   constitui   uma  

temática  de  extrema   relevância  na   tessitura   textual.   Isso  ocorre  

não   somente   porque   eles   exercem   funções   textual-­‐discursivas  

que  servem  para  organizar,  construir  argumentações  e  introduzir  

referentes,   mas   também   porque   desempenham   funções  

discursivas   dos   processos   referenciais,   como   a   introdução   de  

novos   referentes   e   da   recategorização,   o   encapsulamento   de  

orações   inteiras   do   contexto,   a   organização   e   a   centração   das  

partes   do   texto,   a  marcação  da  heterogeneidade  enunciativa,   o  

convite   para   a   ativação   na   memória,   a   identificação   dos  

participantes  e,  ainda,  a  estratégia  argumentativa  de  colocar  em  

cena  várias  vozes  no  texto/  discurso  (CAVALCANTE,  2012,  p.  133  

e  134).  

Page 117: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Por   esse   motivo,   a   abordagem   desses   fenômenos  

referenciais  deve  ser  priorizada  no  ensino  de   língua  materna,   já  

que  esse   conteúdo  pode   ter   uma  aplicação  direta   ao  ensino  de  

compreensão   e   de   produção   textual   por   haver   uma   estreita  

relação  entre  a  referenciação  e  os  outros  recursos  de  organização  

da   textualidade   e   das   articulações   interdiscursivas   para   a  

configuração  geral  dos  sentidos.  

Mesmo  que  alguns  manuais  recomendados  pelo  catálogo  

do   PNLD   2012   (Programa   Nacional   do   Livro   Didático)   para   o  

Ensino  Médio  ainda  não  estão  em  consonância  com  as  recentes  

pesquisas   no   campo   da   linguística,   uma   vez   que   abordam   de  

forma   pouco   aprofundada   as   estratégias   de   referenciação,   ou  

ainda,  não  mencionam  nem  oportunizam  atividades   inerentes  a  

essa   temática,   conforme  se  verificou  na  coleção  Projeto  Eco,  há  

outros   manuais,   como   os   da   coleção   Ser   Protagonista,   que  

apresentam,   de   forma   consistente,   avanços   significativos   na  

explanação  dos  principais  tópicos  inerentes  à  referenciação.    

A   coleção   Ser   Protagonista   teceu   relações   importantes  

entre  as  classes  de  palavras  e  os  sentidos  produzidos  pela  escolha  

de   um   ou   de   outro   vocábulo   para   a   composição   dos   diversos  

textos   que   são   produzidos   tanto   no   âmbito   escolar   quanto   nos  

elaborados   nas   diferentes   situações   vivenciadas.   Além   disso,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

mostrou  conceitos  relevantes  para  definir  as  principais  formas  de  

referenciar  e   trouxe  propostas  de  atividades  que  contemplam  a  

aplicação   das   estratégias   de   referenciação,   tanto   na   leitura  

quanto   na   produção   textual,   tão   importantes   para   o  

desenvolvimento  da  coerência  e  da  argumentação  no  texto.  

Sabemos   que   os   materiais   didáticos   não   representam   o  

único   caminho   para   desenvolver   as   competências   e   as  

habilidades  que  devem  ser  trabalhadas  na  escola.  Entretanto,  no  

momento  em  que  o  professor  escolher  um  manual  didático  para  

auxiliar  a  sua  prática  docente,  ele  deve  estar  atento  à  abordagem  

dos   conteúdos,   bem   como   às   propostas   de   trabalho   para   o  

desenvolvimento   das   competências   linguísticas   do   seu   aluno,  

uma  vez  que  muitos  manuais  didáticos  distanciam-­‐se  dos  novos  

estudos  e  das  recentes  pesquisas  feitas  no  campo  da  Linguística  

de  Texto  e,  por  isso,  têm  um  longo  caminho  a  percorrer.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 ABAURRE,  M.  B.  M.;  RODRIGUES,  A.  C.  S.  Gramática  do  Português  Falado.   Volume   VIII:   Novos   estudos   descritivos.   Campinas,   SP:  Editora  da  Unicamp,  2002.    ANTUNES,  I.  Língua,  texto  e  ensino:  outra  escola  possível.  São  Paulo.  Parábola  editorial,  2009.  

Page 119: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 BRASIL.  PCN  +  Ensino  Médio.  Parte  II:  Linguagens,  códigos  e  suas  tecnologias  (PCNEM+).  Brasília,  Secretaria  de  Educação  Fundamental  MEC,  s.d.    ______.  Parâmetros  Curriculares  Nacionais  –  ensino  médio.  Parte  II:  Linguagens,  códigos  e  suas  tecnologias  (PCNEM).  Brasília,  Secretaria  de  Educação  Fundamental  MEC,  2000.    CAVALCANTE,  M.  Referenciação:  sobre  coisas  ditas  e  não  ditas.  Fortaleza:  Edições  UFC,  2011.    ______.    Os  sentidos  do  texto.  São  Paulo:  Contexto,  2012.    ______.  Leitura,  Referenciação  e  Coerência.  In:  ELIAS,  V.  M.  (orgs.)  Ensino  de  Língua  Portuguesa:  oralidade,  escrita  e  leitura.  São  Paulo:  Contexto,  2011.    JURADO,  S.;  ROJO,  R.  A  Leitura  no  Ensino  Médio:  O  que  dizem  os  documentos  oficiais  e  o  que  se  faz?  In:  BUZEN,  C.  &  MENDONÇA,  M.  (orgs.)  Português  no  Ensino  Médio  e  Formação  do  Professor.  São  Paulo:  Parábola,  2006.    ______.  Os  sentidos  do  texto.  São  Paulo:  Contexto,  2012.    ______.   Anáfora   e   dêixis:   quando   as   retas   se   encontram.   In:  KOCH,   I.   V;  MORATO,   E.  M;   BENTES,   A.C   (orgs)  Referenciação   e  discurso.  São  Paulo:  Contexto,  2005.  p.  125-­‐149.    KOCH,   I.V.   As   tramas   do   texto.   Rio   de   Janeiro:   Editora   Nova  Fronteira,  2009.    

Page 120: Referenciação e Ensino

   

119

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

______.   Desvendando   os   segredos   do   texto.   São   Paulo:   Cortez  Editora,  2005.    ______.   Introdução   à   linguística   textual.   São   Paulo:   Martins  Fontes,  2004.            ______;   ELIAS,   V.  M.   Ler   e   compreender:   os   sentidos   do   texto.    São  Paulo:  Contexto,  2006.    ______.   Ler   e   escrever:   estratégias   de   produção   textual.   São  Paulo:  Contexto,  2009.    MARCUSCHI,   Luiz   A.   Produção   textual,   análise   de   gêneros   e  compreensão.  São  Paulo:  Parábola  Editorial,  2008.    ______.   Anáfora   indireta:   o   barco   textual   e   suas   âncoras.   In:  KOCH,   I.   V;  MORATO,   E.  M;   BENTES,   A.C   (orgs)  Referenciação   e  discurso.  São  Paulo:  Contexto,  2005,  p.  53-­‐101.    _______  ;  KOCH,  I.  V.  Estratégias  de  referenciação  e  progressão  referencial  na  língua  falada.  In:  Gramática  do  Português  Falado.  Vol.  VIII:  Novos  estudos  descritivos.  Campinas,  SP:  UNICAMP,  2002.      MANUAIS DIDÁTICOS:  ALVES,  R.  H;  MARTIN,  V.  L.  Projeto  Eco  Língua  Portuguesa.  3  V.  Curitiba:  Positiva,  2010.    BARRETO,  R.  G  (org).  Ser  protagonista  -­‐  Português  1º  ano:  ensino  médio.  3  V.    São  Paulo:  Edições  SM,  2010.        

Page 121: Referenciação e Ensino

   

120

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Processos referenciais: a construção de sentidos em turmas

de EJA

BASTOS,  Karine  Oliveira  (UFRJ)  

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

  Não   há   dúvida   de   que   a   Linguística   de   Texto,   desde   seu  

surgimento,  sempre  teve  o  compromisso  de  por  o  texto  em  lugar  

de   destaque   no   ensino   de   língua   materna.   Não   por   acaso,   os  

primeiros   estudos   do   Brasil   voltados   para   a   leitura   e   para   a  

escrita,  muito  embora  ainda  privilegiassem  a  superfície  textual,  já  

lidavam   com   a   noção   de   “referência”   quando   tinham   como  

objeto  a  coesão  e,  a  seguir,  a  coerência.    

Essa  ponte  teoria-­‐prática  proposta  pelos  estudos  textuais,  

como   se   nota,   é   cara   para   quem   pretende   atrelar,   de   fato,  

pesquisa   a   ensino,   sobretudo   considerando   os   desafios   já  

enfrentados  em  relação  a  esse  aspecto  pelos  estudos  linguísticos  

de   uma   forma   geral.   Nesse   sentido,   assumindo   o   texto   como  

unidade   de   ensino,   é   preciso   compreender   que   a   forma   como  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

este   é   trabalhado   em   sala   de   aula   traduz   o   modo   como   é  

conceituado.   Uma   aula   de   coesão   que   se   proponha   apenas   a  

destacar   alguns   elementos   coesivos   que   retomam   outros  

anteriormente   expressos,   por   exemplo,   não   leva   em   conta   a  

concepção   sociocognitivo-­‐dialógica   da   língua,   tampouco  o   texto  

como  lugar  de  interação.  

  Se  o  trabalho  com  o  texto  é  considerado  central  em  sala  

de   aula,   cabe   refletir   como   essa   prática   precisa   ocorrer.   Os  

Parâmetros   Curriculares   Nacionais   (PCN),   implantados   em   1998  

pelo   MEC   –   cujas   propostas   trazem   reflexos   dos   princípios   da  

Linguística  Textual  –  defendem  a  perspectiva  “uso-­‐reflexão-­‐uso”  

para   o   ensino   da   língua   materna.   Propõe-­‐se,   desse   modo,   um  

trabalho  que  dê  foco  às  práticas  de  leitura,  produção  de  texto  e  

análise   linguística.   Em   outras   palavras,   é   preciso   valorizar   a  

abordagem  dos  diferentes  gêneros  na  escola,  isto  é,  dos  usos  da  

língua   em   situações   concretas,   de   modo   que   a   leitura   e   a  

produção  de  texto  não  sejam  somente  exercícios  constantes  em  

sala  de   aula,   senão  que  estejam  atrelados   à  prática  de   reflexão  

sobre  a   língua,  sobre  os  objetivos  do  texto,  sobre  os  papéis  dos  

interlocutores   e   sobre   todas   as   estratégias   utilizadas   tanto   na  

leitura  quanto  na  produção.  É  o  que  se  entende  –  e  se  defende  –  

por  ensino  produtivo,  nos  termos  de  Travaglia  (2006).  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  No   entanto,   longo   é   o   caminho   que   une   teorias   e  

orientações  à  prática  pedagógica,  principalmente  porque  ainda  é  

possível  observar  reflexos  de  um  ensino  prescritivo,  que  pouco  se  

compromete  com  o  uso  efetivo  da  língua  e,  de  modo  mais  grave,  

pouco  se   implica  em  termos  de  uma  postura  mais  crítica  diante  

das  diferentes  situações  sociais.  A  título  de  exemplo,  se  observa  o  

equívoco   no   tratamento   dado   nas   escolas   à   teoria   dos   gêneros  

textuais.   De   fato,   podemos   considerar   esta   teoria   um   avanço  

para   o   ensino   da   língua,   todavia   reduzir   esse   trabalho   à  

classificação   dos   gêneros   mais   se   aproxima   da   abordagem  

tradicional  da  gramática  –  tão  criticada  atualmente  –  do  que  de  

uma  proposta  de  ensino  realmente  produtivo.  

Essas   questões   são   observadas   tanto   no   discurso   do  

professor   em   sala   de   aula   quanto   nos   manuais   didáticos  

destinados   às   diferentes   séries   do   Ensino   Fundamental   e   do  

Ensino   Médio.   Na   Educação   de   Jovens   e   Adultos   (EJA),   por  

exemplo,  modalidade  carente  de  manuais  didáticos  e  de  políticas  

públicas   que   valorizem   as   especificidades   dos   estudantes,   esse  

quadro   se   torna   ainda   mais   preocupante.   Dessa   forma,   as  

reflexões   acerca   do   ensino   da   língua   materna   perpassam  

questões  ainda  mais  amplas  e,  justamente,  por  isso,  deveriam  se  

intensificar   para   além   do   âmbito   acadêmico,   porque   são  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

fundamentais   em   todo   campo   da   educação.   O   modo   como   o  

texto   está   inserido   em   sala   de   aula,   nesse   caso,   torna-­‐se  ponto  

central  na  reflexão  sobre  o  ensino,  não  somente  por  conta  da  sua  

importância   nesse   contexto,   mas   principalmente   porque   usá-­‐lo  

arbitrariamente  pode   trazer  mais  danos  do  que  proveitos  nesse  

processo.    

Assim,   a   fim   de   unir   pesquisa   a   ensino,   pretendemos,  

neste  artigo,  conduzir  esta  reflexão  a  partir  da  análise  de  manuais  

didáticos   destinados   a   séries   da   Educação  Básica,   de  modo  que  

seja   possível   discutir   sobre   como   a   referenciação,   importante  

fenômeno   textual-­‐discursivo,   é   abordada   nestes   manuais.  

Optamos   pela   análise   de   duas   coleções   de   livros   didáticos  

destinados   às   séries   finais   do   Ensino   Fundamental   da   Educação  

de   Jovens   e   Adultos,   quais   sejam:   Viver,   aprender,   de   Heloisa  

Ramos  et  alii,  e  Tempo  de  Aprender,  de  Cícero  de  Oliveira  et  alii.  

Ambas  as  coleções  são  organizadas  de  modo  multidisciplinar,  isto  

é,   abarcam,   em   todos   os   seus   volumes,   conteúdos   de   todas   as  

disciplinas   com   base   na   perspectiva   de   integração   do   currículo.  

Porém,  serão  analisadas  apenas  as  seções/unidades  destinadas  à  

Língua  Portuguesa.  

Cabe   ressaltar  que  a  opção  pelo  material  da  EJA  decorre  

da   escassez   de   materiais   produzidos   para   essa   modalidade   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ensino,   que,   dentre   tantos   desafios,   enfrenta   o   estigma   de  

educação   compensatória,   supletiva   e   emergencial.   É   possível  

supor,  nesse  caso,  que  este  estigma  se  reflete  no  próprio  ensino  

de  língua,  tornando  ainda  mais  necessária  a  discussão.    

 

2. REFERENCIAÇÃO: ALGUNS

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

 

  Levando  em   conta   a   importância   da   Linguística  de   Texto  

para  o   trabalho  com  o  texto  em  sala  de  aula,  é  possível  afirmar  

que   os   estudos   acerca   da   referenciação   contribuíram  

significativamente   nesse   processo,   sobretudo,   em   termos   de  

desenvolvimento   da   escrita   e   da   leitura.   Nesse   sentido,   cabe  

apresentar  os  pressupostos  teóricos  que  nortearam  a  análise  do  

tratamento  da  referenciação  nos  livros  didáticos.    

  Assim,  discutir  as  concepções  de  texto  assumidas  ao  longo  

do   tempo   torna-­‐se   tarefa   fundamental   para   compreender   os  

desafios   teórico-­‐metodológicos   enfrentados   pelo   ensino   da  

língua   e,   principalmente,   para   repensar   os   objetivos   deste  

trabalho  em  sala  de  aula.  Koch  (2002),  ao  relacionar  os  conceitos  

de   leitura,   sujeito,   língua   e   sentido,   distingue   algumas  

concepções  de  texto.    

Page 126: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Segundo   a   autora,   os   estudos   iniciais   assumiam   a   língua  

como   representação   do   pensamento   do   autor   e,   portanto,   o  

texto  como  produto  deste  pensamento,  de  modo  que  caberia  ao  

leitor  apenas  o  papel  passivo  de  captar  as  ideias  do  autor.  No  que  

se   refere   ao   ensino,   o   caráter   moralizante   predominava   nas  

escolas,  bem  como  na  sociedade  de  uma  forma  geral,  em  meados  

do   século   XX.   Basta   rever   o   conteúdo   ideológico   presente   nos  

textos,  que  enfatizava  o  amor  pátrio  e  uma  boa  conduta  cidadã.  

Em   seguida,  os  estudos  apontavam  para  uma  concepção  

de  língua  como  código,  ou  seja,  o  foco  antes  voltado  para  o  autor  

passa   a   se   voltar   para   o   texto   –   considerado   produto   da  

codificação   de   um   emissor   a   ser   decodificado   pelo   receptor.   A  

leitura,  com  base  nessa   linha  de  entendimento,  caracterizava-­‐se  

como  mera  prática  de  reconhecimento  das  informações  contidas  

no  texto.    

É  justamente  essa  concepção  que  ainda  se  vê  refletida  no  

ensino   da   língua.   Basta   observar   as   propostas   de   atividades   de  

leitura/interpretação   em   sala   de   aula:   muitos   exercícios   se  

destinam   somente   a   avaliar   a   capacidade   do   estudante   de  

localizar   informações   expressas   no   texto   –   atividades   muito  

pouco  comprometidas  com  a   formação  de  um   leitor  autônomo,  

crítico,   capaz   de   fazer   inferências,   criar   hipóteses   e   reformular  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ideias.  Não  é  à  toa  que,  ainda  hoje,  quando  um  professor  propõe  

questões   que   exijam   minimamente   a   realização   de   inferências  

por   parte   do   aluno,   encontra   pouco   retorno,   uma   vez   que   os  

estudantes  estão  acostumados  à  prática  de  buscar  no  texto  todas  

as   respostas.   Nesse   caso,   é   possível   compreender   por   que   a  

referenciação   também   recebe   no   ensino   uma   abordagem   que  

ainda   valoriza   a   superfície   textual   –   restringindo-­‐se   à   expressão  

dos   elementos   –   em   detrimento   a   uma   visão   mais   ampla   do  

texto,  que  a   trate  como  uma  atividade  discursiva  de  construção  

de  sentidos.    

Atualmente,   a   LT   defende   a   concepção   sociocognitivo-­‐

dialógica   da   língua,   que   leva   em   conta   a   interação   autor-­‐texto-­‐

leitor,  nos  termos  de  Koch  (2007).  Em  outras  palavras,  assume-­‐se  

o   texto   como   lugar   de   interação   e   de   constituição   dos   sujeitos  

enquanto   construtores   sociais.   A   leitura,   com   base   nessa  

perspectiva,   corresponde   a   uma   atividade   interativa   de  

construção   de   sentidos,   que   não   ocorre   somente   por  meio   dos  

elementos   explícitos   na   superfície   textual,   senão   por   meio   da  

ativação  de  um  conjunto  de   saberes  e  experiências  dos   sujeitos  

envolvidos.   Nesse   sentido,   um   ensino   comprometido   com   esta  

concepção  não  pode   ignorar  uma  gama  de   implícitos  oferecidos  

no  decorrer  da  leitura  com  os  quais  se  pode  trabalhar  em  sala  de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

aula.  Como  bem  defende  Pauliukonis  (2011,  p.  243),  “em  vez  de  

se  procurar  o  que  o  texto  diz,  procurar  analisar  como  o  texto  diz  

e   por   que   diz   o   que   diz   de   um   determinado   modo”.   É   um  

caminho  que  busca   fugir  da   imposição  dos   significados  únicos  e  

hegemônicos  do  texto  e  alcançar  um  ensino  produtivo  da  língua.  

Essa  concepção  de  língua,  texto  e   leitura  vai  ao  encontro  

do  que  se  entende  por  práticas  de  letramento.  Em  outros  termos,  

defende-­‐se   que   a   alfabetização   esteja   atrelada   às   práticas   de  

letramento,  uma  vez  que  ler  não  se  trata  apenas  de  uma  prática  

de   decodificação,   mas   de   uma   atividade   de   construção   de  

sentidos   necessariamente   relacionada   ao   contexto   sócio-­‐

histórico-­‐cultural   em  que  os   sujeitos   se   inserem.  Nesse   sentido,  

deve  ser  proposta  da  escola  tornar  esta  atividade  cada  vez  mais  

complexa,  de  modo  que  os  estudantes,  no  decorrer  do  processo  

de   ensino-­‐aprendizagem,   estejam   expostos   às   práticas   de  

letramento  escolar  e  social  e,  aos  poucos,  sejam  capazes  não  só  

de   localizar   informações   no   texto,   mas   também   de   fazer  

inferências,   formular   hipóteses,   avaliar   criticamente   e   alcançar  

sua  autonomia  leitora.  

  Podemos   dizer,   então,   que   a   perspectiva   da   interação  

social   também   norteou   os   estudos   ligados   à   referenciação,  

considerada   esta   um   processo,   uma   atividade   discursiva   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

construção   e   reconstrução   de   referentes   e,   portanto,   um  

fenômeno  de  grande  importância  para  a  produção/compreensão  

de  textos.    

Os   referentes,   por   sua   vez,   são   objetos   do   discurso   –  

representados  ou  não  por  expressões  referenciais  –  introduzidos  

e   ajustados   de   acordo   com   os   conhecimentos   compartilhados  

entre   os   sujeitos,   até   que   dão   lugar   a   outro   objeto.   Segundo  

Cavalcante  (2011,  p.15),    

 

são   entidades   que   construímos   mentalmente  quando   enunciamos   um   texto.   São   realidades  abstratas,   portanto   imateriais.   (...)   não   são  significados,   embora   não   seja   possível   falar   de  referência  sem  recorrer  aos  traços  de  significação,  que  nos  informam  do  que  estamos  tratando,  para  que  serve,  quando  empregamos.  (...)   também  são  formas,   embora,   em   geral,   realizem-­‐se   por  expressões  referenciais.  

 

Portanto,  o  ato  de   referir   está   condicionado  a  uma  ação  

conjunta   (CAVALCANTE,  2011)  e   traduz  o  próprio  entendimento  

de   leitura   como   interação   autor-­‐texto-­‐leitor.   Isso   significa   dizer  

que   somente   a   partir   desta   interação   a   coerência   do   texto   é  

construída.  Cabe  ao  professor  de  língua  materna,  portanto,  ficar  

bastante   atento   a   essa   questão,   de   modo   que   não   reduza   o  

processo  de  leitura  em  sala  de  aula  à  simples  captura  de  ideias  do  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

texto,  justamente  porque  os  sentidos  –  e  a  coerência  –  não  estão  

exatamente   apontados   ali.   Além   disso,   como   o   ato   de   referir  

exige   negociação   entre   interlocutores,   deve-­‐se   levar   em   conta  

principalmente  a  pluralidade  de  leituras  e  sentidos  (KOCH,  2007).  

  Ainda  no  âmbito  do  ensino,  o  estudo  sobre  referenciação  

torna-­‐se   ainda   mais   relevante   para   que   o   aluno   compreenda  

como   se   estrutura   o   texto.   Em   outras   palavras,   é   importante  

também  que   ele   perceba   o   papel   dos   referentes   na   construção  

de   tópicos   discursos   –   seja   quanto   à   sua   manutenção,   seja  

quanto  à  sua  progressão  –  de  modo  que  torne  disponível  para  o  

processo   de   leitura   e   de   escrita   toda   sorte   de   estratégias  

referenciais:   introdução   referencial,   anáforas,   encapsulamento,  

dêixis.   Assim,   compreendendo   a   interação   autor-­‐texto-­‐leitor  

quando  estuda  referenciação,  certamente  terá  mais  condições  de  

assumir   os   papéis   ora   de   autor,   ora   de   leitor,   consciente   dos  

exercícios  de  construção  de  objetos  do  discurso  e  de  construção  

de  sentidos.    

  Cavalcante   (2012,   p.   133),   ao   tratar   das   funções   textual-­‐

discursivas   das   expressões   referenciais,   defende   que   os  

processos  referenciais  

 

(...)   exercem   funções   textual-­‐discursivas   que  podem   servir   para   organizar,   argumentar,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

introduzir   referentes,   entre   outras   possibilidades.  Isso   não   quer   dizer   que   devemos   acreditar   que  existe   um   antecedente   ou   um   “gatilho”   explícito  que   ative   essas   formas   de   retomada,   mas   que   a  elaboração   global   do   texto   nos   fornece   pistas  sobre   o   que   põe   essas   estratégias   em  funcionamento.  

 

  Assim,   outra   questão   importante   de   ser   abordada   no  

ensino  de  língua  materna  é  a  relação  que  se  pode  conferir  entre  

o   processo   de   referenciação   e   a   intencionalidade   do   texto.  

Marquesi   (2007,   p.   217)   reassalta   que   “tratar   da   referenciação  

exige   que   se   pense   não   apenas   na   abordagem   linguística,   mas  

também  na  cognitiva,  estando  ambas  estreitamente   imbricadas,  

já   que   são   concernentes   às   práticas   e   aos   discursos”.   O   ato   de  

referir,   por   exemplo,   pode   estar   a   serviço   da   argumentação   e  

esta   correlação   torna-­‐se   fundamental   no   processo  

produção/compreensão  de  texto.  

  Como   se   nota,   a   referenciação   encontra-­‐se   no   seio   da  

discussão  da  Linguística    de  Texto  e,  nesse  sentido,  se  esta  linha  

teórica   tem  contribuído   significativamente  para  o  protagonismo  

do   texto   em   sala   de   aula,   certamente   os   estudos   referenciais,  

desenvolvidos  com  base  na  perspectiva   sociocognitiva-­‐dialógica,  

assumem   um   papel   ainda   mais   importante   nesse   processo,  

sobretudo  porque  estão  diretamente   implicados  nas  práticas  de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

produção/compreensão   de   texto.   Cabe,   portanto,   refletir   como  

acontece   esta   abordagem   nos   manuais   didáticos   destinados   à  

Educação  Básica.  

 

3. ANÁLISE DA REFERENCIAÇÃO NOS

LIVROS DIDÁTICOS DE EJA

 

  Como   foi   dito   anteriormente,   a   opção   pelos   manuais  

didáticos   destinados   à   Educação   de   Jovens   e   Adultos   decorre  

principalmente   da   escassez   de   materiais   produzidos   para   essa  

modalidade   de   ensino.   É   possível   conferir,   por   exemplo,   que   o  

Guia  dos  livros  didáticos  do  Programa  Nacional  do  Livro  Didático  

2011   da   EJA   apresenta   somente   duas   coleções   destinadas   às  

séries   finais  do  Ensino  Fundamental   –   justamente  as  que   foram  

selecionadas   para   esta   análise.   Cabe   ressaltar   que   o   número  

reduzido  de  obras  se  deve,  inclusive,  à  regulamentação  tardia  do  

PNLD   da   EJA:   a   Alfabetização   de   Jovens   e   Adultos   foi  

contemplada  em  2007  e,  somente  em  2010,  o  Programa  passou  a  

abarcar  todas  as  séries  do  Ensino  Fundamental.    

  O   Guia   reforça   a   ideia   de   que   é   preciso   valorizar   a  

diversidade  e  a  heterogeneidade  desse  público  de  estudantes.  No  

entanto,   essa   questão   é   colocada   como   um   desafio   a   ser  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

enfrentado   pelo   professor:   “(...)   o   educador   que   atua   na   EJA  

enfrenta   muitos   desafios   em   seu   cotidiano.   A   começar   pelo  

reconhecimento  dos  saberes  que  os  estudantes  jovens  e  adultos  

já   trazem   consigo   fruto   de   suas   experiências   de   vida”   (BRASIL,  

2011,  p.  19).  De  fato,  existe  heterogeneidade  em  turmas  de  EJA,  

no  entanto  é  preocupante  notar  que  as  demais  turmas  –  que  não  

fazem   parte   desta   modalidade   de   ensino   –   possam   ser  

consideradas   homogêneas   ou   turmas   que   não   trazem   consigo  

saberes   e   experiências   de   vida.   Esse   questionamento   torna-­‐se  

fundamental,   principalmente,   porque   os   reflexos   de   uma  

concepção   de   educação   como   esta   podem   ser   observados,   por  

exemplo,  no  ensino  de  língua  materna,  foco  da  análise  proposta  

por  este  artigo.  

Assim,   como   base   para   análise   dos   manuais   didáticos  

destinados  à  EJA,  cabe  refletir  sobre  a  própria  concepção  de  EJA  

que   se   pretende   defender   aqui.   Embora   esta   modalidade   de  

ensino   carregue   o   estigma   de   educação   supletiva,   emergencial,  

em   que   os   sujeitos   retornam   à   sala   de   aula   para   recuperar   um  

“tempo   perdido”,   é   preciso   considerar   que   estudantes   de   EJA  

fazem   parte   de   um   grupo   social   vulnerabilizado   pelo  

sucateamento   do   sistema   de   educação   pública   e,   portanto,   são  

estes  mesmos   sujeitos   que  devem   ser   capazes   de,  mais   do  que  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

resistir   a   um   cenário   que   lhes   seja   imposto,   transformar   sua  

própria  realidade  e  a  do  meio  em  que  estejam  inseridos.  Por  isso,  

é   urgente   o   reconhecimento   de   suas   potencialidades   como   ser  

cognitivo,  histórico  e  cultural,  capaz  de  promover  transformações  

da  estrutura  social.  

  Nesse   sentido,   cabe   ao   professor   assumir   os   materiais  

didáticos,   sobretudo,   os   destinados   a   este   público   como   uma  

possibilidade  discursiva  de  elaboração  de  sua  contrapalavra.  

 

O   material   didático   é   mais   uma   possibilidade   de  réplica  do  diálogo  que  nos  constitui,  devendo  estar  disposto  não   só   a   “ensinar”  ou   “explicar”   algo   ao  educando,   a   “guiar   corretamente”   os   passos   do  educador,  mas  permita  a  elaboração  de  críticas,  a  construção   de   enunciados,   a   alteração   de   suas  próprias   palavras,   assim   como   a   ressignificação  das  palavras  do  autor  (STAUFFER,  2007,  p.172).  

 

  Bagno   (2010,   p.   36),   por   sua   vez,   ao   defender   o   uso   do  

livro  didático  no  ensino  de  língua  materna,  pontua:  

 

Defendo   os   LD   porque,   num   país   onde   o  alfabetismo   pleno   é   uma   ave   rara,   essas   obras  constituem   um   dos   poucos   veículos   da   cultura  letrada   disponíveis   em  muitos   círculos   familiares.  Com   a   universalização   do   ensino,   com  praticamente   todas   as   crianças   frequentando   a  escola   e   com   os   programas   governamentais   de  distribuição   maciça   de   material   didático,   os   LD  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

passaram   a   habitar   lares   onde,   até   então,   quase  não   existia  material   impresso.   Diversas   pesquisas  que,   no   caso   específico   dos   livros   de   língua  portuguesa,   essas   obras   constituem   importantes  agentes   de   letramento   para   inúmeras   famílias   e  comunidades   que,   mesmo   com   um   domínio  rudimentar   da   leitura,   encontram   nos   LD   contos,  poesias,  histórias  em  quadrinhos,  letras  de  música,  notícias   de   jornal,   entrevistas,   receitas   culinárias,  curiosidades   científicas,   ilustrações,   caricaturas,  fotografias,   mapas,   anúncios   publicitários,  reproduções   de   quadros   famosos   e   de   outras  obras  de  arte  (...)  

 

  Nesse  contexto,  pretende-­‐se  iniciar  uma  análise  dos  livros  

didáticos   pautada   na   concepção   sociocognitiva-­‐dialógica   da  

língua,   que   esteja,   portanto,   atenta   à   necessidade   de   reflexão  

acerca  do  ensino  de  língua  materna.  

 

3.1. Coleção Viver, aprender

 

   Viver,  aprender  é  uma  das  coleções  aprovadas  pelo  PNLD  

de  EJA  2011  para  as  séries  finais  do  Ensino  Fundamental.    A  obra  

é   organizada   em   quatro   volumes   multi   e   interdisciplinares,   de  

modo   que   cada   um   se   estrutura   em   torno   de   um   tema   geral   a  

partir   do   qual   se   desenvolvem   os   conteúdos   dos   seguintes  

componentes   curriculares:   Língua   Portuguesa,   Língua   Inglesa,  

Arte   e   Literatura,   Matemática,   Ciências   Humanas:   História   e  

Page 136: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Geografia,  e  Ciências  Naturais.  Os   temais  gerais,  por  sua  vez,   se  

organizam   a   partir   da   seguinte   ordem:   Contextos   de   vida   e  

trabalho;   Por   uma   vida   melhor;   Mundo   em   construção;   e  

Identidades.  

  Em   todos   os   volumes,   na   parte   destinada   à   Língua  

Portuguesa,  há  uma  apresentação  inicial  da  proposta  de  trabalho  

nesta  área,  sendo  possível  conferir  as  concepções  de  língua,  texto  

e   leitura   defendidas.   No   primeiro   volume,   sob   o   título   “As  

palavras,   os   sentidos”,   o   texto   inicial   trata   da   “necessidade   de  

haver   alguém   para   testemunhar   as   coisas”   (p.   11)   e,   com   base  

nessa   reflexão,   defende:   “Toda   língua   é   composta   por   um  

conjunto   de   signos   linguísticos   convencionalmente   organizados,  

que   servem   à   interação   e   à   comunicação   entre   as   pessoas”   (p.  

11).  Assim,  reforça:  “o  que  define  um  texto  não  é  a  presença  ou  a  

ausência  de  palavras,  mas  o  sentido  ou  os  sentidos  que  o  autor  

pretendeu   alcançar   quando   o   criou,   uma   certa   unidade,   que   é  

perceptível   para   quem   o   lê,   ouve   e   vê”   (p.   12).   É   possível  

perceber   que,   ao  mesmo   tempo  em  que   se   defende  uma   visão  

sociointeracionista,   há   uma   distinção  marcada   entre   “leitura”   e  

“audição”  em  “lê”  e  “ouve”,  o  que   traduz  uma  discussão  pouco  

ampliada  sobre  o  que  vem  a  ser  leitura  de  um  texto.  No  entanto,  

em  seguida,  é  apresentado  um  olhar  mais  claro  para  a  questão:  

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136

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

“(...)   não   é   possível   ler   sem   interpretar.   A   interpretação   de   um  

texto   não   ocorre   depois,  mas   durante   a   leitura.   (...)   o   leitor   vai  

estabelecendo   relações   entre   as   ideias   apresentadas,   refletindo  

sobre   a   maneira   como   o   texto   foi   organizado,   inferindo   a  

intenção  do  autor  (...)”  (p.  12).    

No  terceiro  volume,  sob  o  título  “O  texto,  o  leitor”,  o  texto  

inicial   mantém   a   defesa   de   que   a   leitura   é   uma   atividade   de  

interação.   Assim,   adianta   para   o   estudante:   “Este   é   nosso  

objetivo:  que  você  se  envolva  com  a  palavra  e  adquira  confiança  

para  participar  ativa  e  essencialmente  da  construção  de  sentido  

de   diversos   tipos   de   texto”.   Nessa   linha   de   entendimento,  

acrescenta  que  “há  muitas  maneiras  de  interagir  ou  dialogar  com  

um  texto  e  (...)  por  esse  motivo  é  que  as   interpretações  variam.  

Um  texto  pode  ter  significados  diferentes,  pois  cada  leitor  o  lê  de  

um  jeito  diferente”  (p.  11).  Em  seguida,  conclui  que  “a  interação  

entre  leitor  e  autor  é  a  essência  do  ato  de  ler”  (p.  12).  

As   concepções   de   língua,   texto   e   leitura   apresentadas  

inicialmente   dão   conta   de   atender,   de   uma   forma   geral,   a   uma  

proposta  de  ensino  produtivo,  que  considere  a  perspectiva  “uso,  

reflexão,  uso”  colocada  pelos  PCN.  Cabe,  nesse  sentido,  conferir  

se   essas   concepções   vão   se   refletir,   de   fato,   nas   atividades  

propostas   no   decorrer   dos   volumes   da   coleção  Viver,   aprender.  

Page 138: Referenciação e Ensino

   

137

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Para  tanto,  o  foco  de  análise  passa  a  se  voltar  para  o  tratamento  

da  referenciação  nos  livros  didáticos.  

Já  no  primeiro   volume,  na  primeira   atividade  proposta  –  

intitulada   “diálogo   com   o   texto”   (p.   15)   –,   é   possível   observar  

como   a   forte   relação   entre   referenciação   e  

produção/compreensão  do  texto  é  bem  abordada.    

 

Ao  ver  o  abandono  da  velha  casa:  o  mato  

a  crescer  das  paredes  

Ao   ver   os   desenhos   de  mofo   espalhados  

nos  rebocos  carcomidos  

Ao   ver   o   mato   a   subir   no   fogão,   nos  

retratos,  

nos  armários  

E  até  na  bicicleta  do  menino  encostada  no  

batente  da  casa  

Ao  ver  o  musgo  e  os  limos  a  tomar  conta  

do  batente    

Ao  ver  o  abandono  tão  perto  de  mim  que  

dava  

até  para  lamber  

Pensei  em  puxar  o  alarme  

Mas  o  alarme  não  funcionou.  

A  nossa  velha  casa  ficou  para  os  morcegos  

e    

os  gafanhotos.  

E   os  melões-­‐de-­‐são-­‐caetano  que   subiram  

pelas  

Paredes  já  estão  dando  frutos  vermelhos.  

 BARROS,   Manoel   de.   Retrato   do   artista  

quando   coisa.   3.   ed.   Rio   de   Janeiro:  

Record,  2002.  P.  73  

Dentre  as  primeiras  questões  acerca  da  leitura  do  poema  

de   Manoel   de   Barros,   está   a   tarefa   de   resgatar   elementos   da  

paisagem   que   recuperem   o   sentido   de   “abandono”,   termo  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

mencionado   no   primeiro   verso   “Ao   ver   o   abandono   da   velha  

casa:  o  mato  a  crescer  das  paredes”.  Assim,  é  preciso  que  o  aluno  

identifique   ao   longo   do   poema   elementos   que   indiquem  

abandono,   tais   como:   “o   mato   a   crescer   das   paredes”   e   “os  

desenhos  de  mofo  espalhados  nos  rebocos  carcomidos”.  Nota-­‐se,  

nesse  caso,  que  a  estratégia  do  encapsulamento  é  explorada  sem  

que  se  exija  do  aluno  classificá-­‐la.    

Em  seguida,  há  uma  análise   longa  e  detalhada  de  todo  o  

poema,   que   ressalta,   dentre   vários   aspectos   da   leitura,   a  

importância   dos   processos   referenciais   para   a   construção   de  

sentidos,  como  se  comprova  no  trecho  destacado:    

 

Essa   relação   do   “eu”   do   poema   com   a   casa   fica  ainda   mais   evidente   no   final   do   texto:   a   “velha  casa”,   do   verso   1,   é   chamada   de   “nossa   velha  casa”,   no   verso   15.   Esse   “eu”,   então,   está  envolvido  com  o   lugar.  Repare  que  a  escolha  não  foi   “minha   casa”.   Ao   dizer   “nossa”,   o   “eu”   revela  uma   experiência   familiar   com   o   local.   (RAMOS,  Heloisa  et  alii,  2009,  v.  1,  p.  17)    

 

Em   outro   momento   do   primeiro   volume,   a   noção   de  

“referenciação”   retorna,   mas   ainda   sem   sistematização   do  

conteúdo.   Assim,   com   base   na   leitura   da   crônica   de   Moacyr  

Scliar,   intitulada   “Não   roubarás”   (p.   61),   a   primeira   questão  

propõe:  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

1) O  texto  tem  um  subtítulo:  

“Tinha  certeza  de  que,  se  entrasse  numa  igreja  para  roubar,  mais  

cedo  ou  mais  tarde  seria  castigado”  

Títulos   e   subtítulos   podem   dar   pistas   do   que   vai   acontecer   numa  

narrativa.  A  certeza  do  castigo  se  confirmou?  O  assaltante  foi  castigado?  

Como?  

 

O  objetivo   é   fazer   com  que  o   estudante  perceba  que  os  

sentidos   vão   sendo   construídos   ao   longo   da   leitura   e   que   as  

estratégias   de   referenciação   contribuem  para   tal.  Nesse   caso,   a  

leitura  do  título  e  do  subtítulo  da  crônica  permite  que  se  crie  uma  

série  de  expectativas  quanto  ao  desenrolar  da  história:  o   termo  

“roubar”,  por  exemplo,   sugere  a  existência  de  um  assaltante  na  

história,   assim   como   “castigo”   por   um   roubo   à   igreja   sugere  

“ação  divina”.  

Se,  no  primeiro  volume  da  coleção,  a  prática,  de   fato,  se  

coloca  como  reflexo  das  concepções  assumidas   inicialmente,  no  

segundo,  as  atividades  que  abarcam  os  estudos  referenciais  não  

revelam   o   mesmo,   principalmente   porque   a   sistematização   do  

conteúdo   e   os   exercícios   propostos   parecem   se   restringir   à  

superfície   textual.   Assim,   já   no   início   do   volume,   aborda-­‐se   o  

emprego   de   alguns   pronomes,   com   base   na   ideia   de   que   são  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

usados  para  “evitar  repetições  de  algumas  palavras,  ou  seja,  (...)  

substituem   substantivos   ou   expressões  mencionados   antes”   (p.  

14).  Essa  explicitação  tem  como  objetivo  principal  discutir  o  uso  

dos   pronomes   pessoais   retos   e   oblíquos,   relacionando   esta  

discussão   à   questão   da   variação   linguística,   quando   são  

mencionados   os   usos   na   “linguagem   informal”   e   na   “norma  

culta”.   Em   seguida,   são   propostos   alguns   exercícios   que   não  

apresentam  relação  com  texto  algum,  de  modo  que  as  frases  de  

cada   questão   foram   criadas   sem   relação   com   algum   tema  

norteador  que  seja.  Uma  atividade,  por  exemplo,  propõe  que  se  

reescrevam   frases,   substituindo   os   sintagmas   nominais   ou  

preposicionais  por  pronomes  pessoais  (p.  21):  

 

4.   Leia   as   frases   abaixo   e   reescreva-­‐as   substituindo   a   palavra   repetida,   que  

está  sublinhada,  por  um  dos  seguintes  pronomes:  ele  –  ela  –  o  –  a  –  lhe;  eles  –  

elas  –  os  –  as  –  lhes.  

a)  Minha  amiga  é  uma  pessoa  maravilhosa.  Minha  amiga  sabe  como  manter  as  

amizades.  

b)  O  rapaz  mudou-­‐se,  mas  o  carteiro  localizou  o  rapaz.  

c)  O  rapaz  mudou-­‐se,  por  isso  o  carteiro  não  conseguiu  localizar  o  rapaz.  

Outra  atividade  sugere  que  se  siga  um  modelo  (p.  26):  

7.  Leia  o  modelo  e,  a  seguir,  complete  as  frases.  

                     É  preciso  estudar  as  regras.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

                   É  preciso  estudá-­‐las.  

a) Eu  gostaria  de  admirar  o  país.  

Eu  gostaria  de  ___________________________________  

b) Não  consegui  ouvir  o  pedido.  

Não  consegui  ____________________________________  

c) Esqueci-­‐me  de  grifar  as  palavras.  

Esqueci-­‐me  de  ___________________________________  

 

O   terceiro   volume   da   coleção   se   inicia   com   a   mesma  

lógica  do  primeiro:  com  base  na  proposta  “diálogo  com  o  texto”,  

é  apresentada  uma  análise  do  conto  “Essas  meninas”,  de  Carlos  

Drummond  de  Andrade.  Antes  disso,  em  consonância  com  o  que  

se   entende   por   construção   de   sentidos,   algumas   questões   pré-­‐

textuais   sugerem   que   o   aluno   reflita,   dentre   outros   aspectos,  

sobre  o  título  e  discorra  sobre  suas  expectativas  para  o  decorrer  

da  leitura  (p.  14).    

 

Essas  meninas  

         As  alegres  meninas  que  passam  na  rua,  com  suas  pastas  escolares,  às  vezes  

com   seus   namorados.   As   alegres   meninas   que   estão   sempre   rindo,  

comentando   o   besouro   que   entrou   na   classe   e   pousou   no   vestido   da  

professora;  essas  meninas,  essas  coisas  sem  importância.  

         O  uniforme  as  despersonaliza,  mas  o  riso  de  cada  uma  as  diferencia.  Riem  

alto,  riem  musical,  riem  desafinado,  riem  sem  motivo;  riem.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

         Hoje  de  manhã  estavam  sérias,  era   como  se  nunca  mais  voltassem  a   rir  e  

falar   coisas   sem   importância.   Faltava   uma   delas.   O   jornal   dera   a   notícia   do  

crime.  O  corpo  da  menina  encontrado  naquelas  condições,  sem  lugar  ermo.  A  

selvageria  de  um  tempo  que  não  deixa  mais  rir.  

         As   alegres   meninas,   agora   sérias,   tornaram-­‐se   adultas   de   uma   hora   para  

outra,  essas  mulheres.  

 ANDRADE,  Carlos  Drummond  de.  Contos  plausíveis.    

Rio  de  Janeiro:  Record,  1998.  p.  172.  

 

Em   seguida,   a   própria   análise   do   texto   explora   a  

importância   dos   processos   referenciais   para   a   construção   de  

sentidos.   Só   é   possível   compreender,   por   exemplo,   a  

transformação  de  “essas  meninas”  –  título  do  texto  –  em  “essas  

mulheres”   –   expressão   que   fecha   o   texto   –   a   partir   das  

inferências   realizadas   quanto   à   “notícia   do   crime”.   Se   a  

abordagem   dessa   questão,   ao   contrário,   se   restringisse   à  

superfície   textual,   certamente   teria   comprometido   uma   leitura  

mais  ampla  do  conto.    

Em  outro  momento  da  análise,   a  dêixis   é  explorada   sem  

que  para  isso  seja  necessária  a  sua  classificação.  Há  uma  frase  do  

texto   que   faz   menção   ao   acontecimento   trágico:   “O   corpo   da  

menina   encontrado   naquelas   condições,   em   lugar   ermo”.   Na  

análise,   o   sintagma   “naquelas   condições”   é   destacado   a   fim   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

que   se   reflita   com   o   leitor   sobre   a   questão   do   conhecimento  

compartilhado:  

O  leitor  contemporâneo,  que  convive  diariamente  com  o   tipo  de  violência  urbana  a  que  Drummond  está   se   referindo,   sabe   perfeitamente   que  “naquelas  condições”  deve  significar  que  a  menina  havia  sofrido  violência  física,  podia  talvez  até  estar  nua.  (RAMOS,  Heloisa  et  alii,  2009,  v.3,  p.  15)  

 

A  riqueza  da  leitura,  muitas  das  vezes,  está  no  “não  dito”  

e,  se  a  referenciação  é  explorada  como  um  processo  a  serviço  da  

produção/compreensão   do   texto,   da   construção   de   sentidos,   é  

sinal  de  que  a  atividade  apresentada  nesta  coleção  cumpre  o  que  

se   defende   inicialmente   em   termos   de   um  ensino   produtivo   da  

língua,   sobretudo   porque   está   comprometida   com   a   formação  

crítica  do  leitor.  

Por   fim,   o   quarto   volume   da   coleção   busca   explorar   a  

produção   textual,   discutindo,   em   especial,   o   processo   de  

construção   do   texto   argumentativo.   Nessa   perspectiva,   o   texto  

inicial   –   intitulado   “Tecendo   o   texto”   –   retoma   o   conceito   de  

texto   apresentado   nos   volumes   anteriores   e   defende   a  

importância   de   sua   unidade,   isto   é,   a   necessidade   de  

entrelaçamento  dos  fios  do  “tecido”  para  formar  um  todo.  Assim,  

pontua:   “Deve   haver   afinidade   entre   as   várias   ideias   que  

compõem  o  texto,  e  elas  também  devem  estar  dispostas  em  uma  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ordem   lógica”   (p.   11).   E,   como   a   atenção   está   voltada   para   a  

escrita,   reforça:   “se   seguirmos   essas   orientações,   nosso   texto  

dará   ao   leitor   todas   as   possibilidades  de   ser   compreendido”   (p.  

11).  

Logo   em   seguida,   portanto,   “coesão   e   coerência”   se  

colocam   como   o   primeiro   ponto   de   discussão   do   volume,   uma  

vez   que   a   “unidade”   mencionada   no   texto   inicial   é   atribuída   a  

esses  dois  conceitos,  assim  definidos:  

 

A   coerência   tem   a   ver   com   o   sentido,   a   lógica  entre  as  ideias,  e  a  coesão  tem  a  ver  com  o  modo  como   as   partes   do   texto   estão   encadeadas.   Na  maioria  das  vezes,  a  coesão  conta  com  elementos  linguísticos.   Em   alguns   casos,   o   elemento  linguístico  responsável  pela  coesão  pode  interferir  na  coerência.  (RAMOS,  Heloisa  et  alii,  2009,  v.4,  p.  13)  

 

Desse  modo,  na  análise  inicial  do  texto  “Os  indesejáveis  

ratos”,  de  Francisco  Luiz,  é  possível  perceber  uma  atenção  dada  à  

interação  autor-­‐texto-­‐leitor,  uma  vez  que  se  coloca:  

         Você  compreendeu  tudo  o  que  o  autor  do  texto  apresentou  porque  acompanhou  o  encadeamento  das   ideias,   ou   seja,   você   se   beneficiou   da  estratégia  de  coesão  que  foi  usada  no  texto.  Outro  fator   que   contribuiu   para   sua   compreensão   foi   a  estratégia   de   coerência   que   o   autor   usou.   No  texto,  todas  as  ideias  estão  relacionadas  e  voltadas  a   um   objetivo,   que   é   o   de   mostrar   as   doenças  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

causadas   pelos   ratos.   (RAMOS,   Heloisa   et   alii,  2009,  v.4,  p.  14)  

 

No  entanto,  no  detalhamento  da  análise,  notamos  que  os  

exemplos   dados   para   reforçar   o   que   se   entende   por   coesão  

fragilizam   a   concepção   dialógica   antes   defendida,   porque  

propõem   um   olhar   restrito   à   superfície   textual.   Em   outros  

termos,  o  que  se  discute  a  respeito  de  coesão  está  ligado  apenas  

à   ideia   de   retomada   de   elementos   anteriormente   expressos   no  

texto.  Os  próprios  exemplos  destacados  pela  análise  comprovam  

isso:   “naquela   época”,   “essa   doença”,   “esses   animais”.   Embora  

seja  também  relevante  tratar  desses  exemplos  básicos,  a  análise  

fica   comprometida   porque   não   avança   na   discussão,   tampouco  

comenta  sobre  o  processo  de  construção  da  coerência,  defendida  

inicialmente.    

Em   seguida,   são   propostos   exercícios   que   seguem   a  

mesma  lógica  da  análise  (p.  22):  

 

a) Cada   expressão   sublinhada   no   texto   remete   o   leitor   a   algo   que   foi  

tratado  antes.  Escreva  que  ideias  são  retomadas  por:  

 

• isso  _______________________________________________  

• nesses  ambientes  _____________________________________  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

• esse  tipo  de  solo  ______________________________________  

• o  material  ___________________________________________  

 

 

Em   linhas  gerais,  é   importante  dizer  que  a  coleção  Viver,  

aprender,  no  que  se  refere  à  abordagem  acerca  da  referenciação,  

apresenta  algumas  análises  pertinentes,  reflexo  de  uma  proposta  

de   trabalho  comprometida  com  a   formação  crítica  do   leitor.  No  

entanto,   os   volumes   2   e   4,   em   especial,   acabam,   de   alguma  

forma,   contradizendo   a   concepção   defendida,   porque   propõem  

apenas   exercícios   que   se   restringem   ao   âmbito   da   superfície  

textual.   Em   última   instância,   percebemos   a   falta   de   unidade  

entre  todos  os  volumes,  de  modo  que  uns  se  relacionam  mais  do  

que  outros  à  concepção  sociointeracionista-­‐dialógica  da  língua.  

 

3.2. Coleção Tempo de aprender

 

Organizada   em   quatro   volumes   multidisciplinares,   esta  

coleção   abarca   sete   componentes   curriculares,   quais   sejam:  

Língua   Portuguesa,   Matemática,   História,   Geografia,   Ciências  

Naturais,   Língua   Inglesa   e   Artes.   Embora   se   proponha   um  

trabalho  pedagógico  disciplinar  –  ao  contrário  do  que  se  entende  

por  interdisciplinaridade  –,  há  uma  tentativa  de  articulação  entre  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

os   componentes,   de   modo   que   cada   volume   se   estrutura   em  

torno   de   dois   eixos   temáticos,   explorados   por   todas   as  

disciplinas:   “Identidade”,   e   “Cidadania   e   leitura”   no   primeiro  

volume;   “Meio   ambiente”,   e   “Saúde   e   qualidade   de   vida”   no  

segundo;   “Cidadania   e   cultura”   e   “cultura   de   paz”   no   terceiro;  

“Trabalho   e   consumo”   e   “Globalização   e   novas   tecnologias”   no  

quarto.    

  Ao   contrário   da   primeira   coleção   analisada,   Tempo   de  

aprender  não  propõe  uma  reflexão  mais  ampla  acerca  da  língua.  

Os   textos   apresentados   no   início   de   cada   unidade   ou   de   cada  

capítulo  se  restringem  a  discutir  –  muito  brevemente  –  os  temas  

que   serão   abordados,   resgatando   para   isso   algumas   prováveis  

memórias  de   jovens  e  adultos.  No  entanto,   falta  um  “conversa”  

mais   intensa   com   o   estudante   sobre   algumas   questões   que  

seriam   pertinentes   para   o   ensino   da   língua   materna,   que  

pudessem   trazer   reflexos   da   própria   concepção   defendida   de  

língua,  texto  e  leitura,  por  exemplo.  São  poucas  as  vezes  em  que  

essa   “conversa”   acontece   e,   em   geral,   quando   acontece,   não  

apresenta  grandes  desdobramentos,  como  o  caso  a  seguir  (p.  25):  

 

Ampliando  o  tema  

         Para  você,  a  língua  também  é  uma  forma  de  retratar  um  povo,  uma  cultura,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

uma  pessoa?  A  língua  que  falamos  também  constitui  nossa  identidade?  Leia  o  

texto  a  seguir...  

       A   língua  falada  representa,   igualmente,  uma  das  mais   imediatas  marcas  de  

identidade  social:  “A   fala   de   uma   pessoa   pode   indicar   seus   sentimentos,   o   tipo   de  personalidade  que  tem,  quem  é.  Alguns  modos  de  falar  são  indicadores  de  características  demográficas,  tais  como  idade,  sexo,  ocupação,  grau  e  tipo  de  educação,  nação  ou  região  de  origem”.  (Robinson,  1977:68)  

 Dino  Preti  (Org.).  Léxico  na  língua  oral  e  na  escrita.    

São  Paulo:  Humanitas/FFLCH/USP,  2003.  

   

É   possível   perceber   que   a   proposta   de   “ampliação   do  

tema”,   embora   abarque   uma   discussão   interessante,   se  

apresenta   de   forma   isolada,   refletindo   a   falta   de   uma   maior  

organicidade  das  discussões.  

  Focando  a  análise  para  o  tratamento  da  referenciação,  no  

primeiro  volume  da  coleção,  pouco   se  observa  a   respeito  desse  

tema.   A   título   de   exemplo,   a   proposta   de   atividade   a   seguir  

aborda  o  processo  referencial  de  encapsulamento  (p.  30):  

 

Atenção!  Compro  gavetas,    

compro  armários,  

cômodas  e  baús.  

 

Preciso   guardar   minha  

  Preciso  guardar  minhas  lembranças,  

As  viagens  que  não  fiz,  

Ciranda,  cirandinha  

E  o  gosto  de  aventura  

Que  havia  nas  manhãs.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

infância,  

Os  jogos  da  amarelinha,  

Os  segredos  que  contaram  

Lá  no  fundo  do  quintal.  

 

 

 

Preciso  guardar  meus  talismãs  

O  anel  que  me  deste  

O  amor  que  tu  me  tinhas  

E  as  histórias  que  eu  vivi.  

 Roseana  Murray.  Classificados  

poéticos.  São  Paulo:  Companhia  Editora  Nacional,  2004.  

 

1. Que  palavras   ou   expressões   ajudam  a   construir   o   ambiente  

da  infância  presente  no  texto?  Transcreva-­‐as.  

 

A  expressão   referencial   infância  é   retomada  ao   longo  do  

texto  pelos   referentes   jogos  de  amarelinha,  ciranda,  cirandinha,  

gosto  de  aventura,  entre  outros.  No  entanto,  o  tratamento  dado  

à  referenciação  se  esgota  nessa  questão,  ou  seja,  desperdiça  um  

desdobramento  maior,  que  pudesse  provocar/exigir  uma   leitura  

mais   crítica   por   parte   do   aluno,   mais   comprometida   com   a  

reflexão   acerca   da   língua   e   de   todas   as   estratégias   do   texto   e  

menos  preocupada  com  a  busca  de  respostas  no  poema.  

  No   segundo   volume   da   coleção,   há   outros   poucos  

exemplos  de  atividades  que  se  proponham  a  tratar  dos  processos  

de   referenciação.   Assim,   com   base   na   leitura   de   uma   notícia  

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publicada  na   internet,  há  questões  que   tratam  da   relação  entre  

título  e  subtítulo  do  texto  (p.  35),  assim  apresentados:  

 

Calada  mais  uma  voz  de  defesa  dos  povos  da  floresta  

Irmã  Dorothy  Stang  é  assassinada  a  sangue  frio  no  Pará  

 

  No   entanto,   as   questões,   como   se   notam   a   seguir,   não  

propõem   uma   discussão   mais   ampla   sobre   as   estratégias  

referenciais  utilizadas  no  texto  (p.  36).  

 

b) A  quem  se  refere  a  manchete?  

c) A  manchete  diz  o  que  significa  essa  pessoa  para  a  comunidade?  

d) Para   você,   o   que   quer   dizer   “uma   voz   de   defesa   dos   povos   da  

floresta”?  

   

Os   exercícios   poderiam   tratar   da   forte   relação   que   se  

pode   estabelecer   entre   referenciação   e   intencionalidade   do  

texto.   Apesar   de   o   gênero   ser   uma   notícia   e   ter   como   objetivo  

principal   informar,   há   um   posicionamento   assumido,   que   está  

refletido   nas   estratégias   de   referenciação   utilizadas.   Os   termos  

“calada”   e   “uma   voz   de   defesa”   dizem   muito   sobre   a  

argumentação   construída.   É   possível   observar   também   que   a  

expressão   referencial   “calada”,   presente   no   título,   é  

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recategorizada   por   outra   expressão   referencial   no   subtítulo:  

“assassinada”.   Tratar   dessas   questões,   sem   dúvida,   contribuiria  

para  a  formação  crítica  do  leitor,  proposta  que  deveria  ser  central  

no  ensino  da  língua  materna.  

No   último   volume   da   coleção,   os   poucos   exercícios  

encontrados  que  abordam  a  referenciação  se  restringem  a  tratar  

da  substituição  de  elementos  expressos  no  texto  por  pronomes.  

Assim,   no   estudo   dos   pronomes   demonstrativos,   se   observam  

questões  como  (p.  11):  

 

a) Na   frase  “–  Que  está   fazendo  esta  gente,   seu   José  Felismino?”,  a  

palavra  esta  se  refere  a  que  outra  palavra  do  texto?  

 

2.   Na   frase   “Aquilo   era   todos   os   dias,   fizessem   eles   muito   ou   fizessem  

pouco”,   a   palavra   aquilo   refere-­‐se   a   que   situação?   Explique   sua   resposta  

com  base  nas  informações  do  texto.  

 

  Quanto   à   sistematização   dos   conteúdos,   é   possível  

conferir   uma   abordagem   bastante   tradicional.   No   decorrer   da  

análise   dos   quatro   volumes,   vão   surgindo   quadros   que  

apresentam,  a   cada  momento,  uma  classe  de  palavra  diferente.  

Com  os  pronomes,  por  exemplo,  acontecem  deste  modo:  ora  se  

discutem  os  pessoais,  ora  os  possessivos,  ora  os  demonstrativos.  

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No  entanto,  em  nenhum  momento,  notamos  o  uso  do  pronome  

relacionado  às  estratégias  de  referenciação.    

  Em   linhas  gerais,  podemos  afirmar  que  a   coleção  Tempo  

de   aprender   não   parece   acompanhar   as   discussões   teóricas   a  

respeito  do  ensino  da  língua,  tampouco  dos  estudos  textuais.  No  

que  diz  respeito  aos  processos  referenciais,  esse  atraso  se  mostra  

ainda  maior.    

 

4. REFERENCIAÇÃO: ALGUMAS

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

 

Assumindo   o   texto   como   lugar   de   interação   e   de  

constituição   dos   sujeitos   como   construtores   sociais,   seguindo   a  

concepção   sociocognitivo-­‐dialógica   da   língua,   torna-­‐se  

fundamental   atrelar   pesquisa   a   ensino.   Em   outras   palavras,   é  

possível   perceber   o   quanto   o   ensino   de   língua  materna   precisa  

ainda  se  articular  com  os  estudos  textuais,  a  fim  de  promover,  de  

fato,   a   formação   de   leitores   críticos.   Nesse   sentido,   com   o  

objetivo  de  trazer  contribuições  para  o  trabalho  com  o  texto  em  

sala   de   aula,   propomos,   a   seguir,   algumas   atividades   que  

contemplem  o  estudo  dos  processos  referenciais.  

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Para  isso,  foram  selecionados  dois  textos  midiáticos  que  já  

estavam   inseridos   na   coleção   Tempo   de   aprender,   analisada  

neste  artigo.  Ambos  os  textos  fazem  parte  da  unidade  “Trabalho  

e  consumo”,  abarcada  no  volume  4.  Portanto,  vale   reforçar  que  

as  atividades  propostas   terão  os  estudantes  das   séries   finais  do  

Ensino  Fundamental  da  EJA  como  público  alvo.  

 

1ª  proposta  de  atividade:  

 

QUESTÃO  PRÉ-­‐TEXTUAL:  Observe   o   título   do   texto   que   você   irá  

ler  e,  com  base  no  seu  conhecimento  de  mundo,  explique  o  jogo  

de  sentidos  proposto.  

Sugestão   de   resposta:   Elizabeth   é   o   nome   da   rainha   da  

Inglaterra,  muito  conhecida  pelo  mundo  todo.  Portanto,  o  jogo  de  

sentidos  está  na  relação  entre  “Elizabeth”  e  “rainha”.  

 

ENTREVISTA  

Elizabeth,  rainha  do  campo  

Mulher   do   líder   João   Pedro   Teixeira,   das   Ligas   Camponesas   da  

Paraíba,   assassinado   por   latifundiários,   ela   esteve   com   Jango   e   continua  

acreditando  na  reforma  agrária.  Ela  é  que  se  pode  chamar  de  símbolo  da  resistência.  Por  tudo  o  que  passou  

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na  vida,  desde  que  fugiu  de  casa  aos  15  anos  para  se  casar  com  um  operário  semialfabetizado,  e  foi  desprezada  pela  família,  até  ter  de  sair  de  Sapé,  na  Paraíba,  fugindo  da  perseguição  da  ditadura  militar,  para  São  Gabriel,  no  Rio  Grande  do  Norte,  onde  viveu  na  clandestinidade,  com  um  nome  falso,  por  vários  anos.  [...]  

Passados   quarenta   anos   do   golpe   que   derrubou   João   Goulart,  

Elizabeth  Teixeira,  79  anos  completados  no  dia  13  de  fevereiro,   lembra  como  

se  fosse  hoje  tudo  o  que  passou.  E,  embora  conserve  a  calma  de  quem  muito  

viveu  e  aprendeu  com  a  vida,  não  foge  de  perguntas  e  se  inflama  quando  lhe  

perguntam   sobre   questões   políticas   antigas   ou   atuais,   principalmente   se   o  

assunto  é  a  reforma  agrária,  pela  qual  ela  aprendeu  a  lutar  com  o  pai  de  seus  

onze  filhos,  João  Pedro,  fundador  das  Ligas  Camponesas  na  Paraíba.  

Apesar   de   todo   sofrimento   que   passou,   além   do   assassinato   do  

marido   e   da   perda   de   três   filhos,   [...]   Elizabeth   não   guarda   mágoas   nem  

rancor,  embora  deixe  transparecer  uma  infinita  tristeza  no  olhar.  

 

Como   a   senhora   se   sente   sendo   homenageada   pelas   mulheres  

paraibanas  como  símbolo  de  luta  e  resistência?  

Eu  me  sinto  muito  feliz  pela  consideração  das  companheiras  à  minha  

pessoa.   Isso   é   uma   coisa,   minha   filha,   que   deixa   a   gente   emocionada.   As  

mulheres  se  lembrarem  de  mim,  na  idade  em  que  estou,  já  velha,  isso  é  muito  

gratificante.  Essas  mulheres  tão  valorosas,  que  lutam  no  dia-­‐a-­‐dia  para  ver  se  

melhoram  as  condições  do  nosso  povo.  

 

A  senhora  também  foi  homenageada  recentemente  no  Paraná,  pelo  

MST...  

Pois   é,   eu   estive   lá   e   fiquei   muito   comovida.   Tinha   muita   gente,  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

muitos   companheiros,   muitos   jovens.   Eles   queriam   saber   a   história   de   João  

Pedro,   como  tinha  sido  a   luta  dele  aqui  na  Paraíba.   Lembrei  muito  do  que  o  

João   Pedro   me   falava,   quando   chegava   naquelas   fazendas,   naqueles   sítios  

daquela  época,  e  via  crianças  morrendo  de  fome,  sem  direito  à  alfabetização,  

numa  situação  muito  difícil,  e  ele  sonhava  que  um  dia  tudo   isso   ia  melhorar,  

que   ia   ser   implantada   uma   reforma   agrária   para   que   o   homem   do   campo  

tivesse  condições  de  sobreviver  dignamente  com  suas  famílias.  E  até  hoje  isso  

não  se  concretizou.  [...]  Lourdinha  Dantas.  Revista  Caros  amigos.  nº  n19,  mar.  2004.  

 

1. Com  base  na  leitura  do  texto,  responda:  

a) Por  que  Elizabeth  é  designada  rainha  do  campo?  

Sugestão  de  resposta:  Elizabeth  é  designada  rainha  do  

campo,   principalmente,   porque   era   esposa   do   líder  

João   Pedro   Teixeira,   fundador   das   Ligas   Camponesas  

da  Paraíba.  

b) Destaque  do  texto  expressões  que  fazem  referência  à  

Elizabeth.  

Sugestão   de   resposta:   As   expressões   que   fazem  

referência  à  Elizabeth  são  “mulher  do  líder”  e  “símbolo  

da  resistência”.  

 

c) O   Movimento   dos   Trabalhadores   Rurais   Sem   Terra  

(MST),   muitas   vezes,   é   noticiado   na   mídia   com   uma  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

conotação   negativa.   É   o   caso   de   algumas  manchetes  

de  jornal  que  fazem  referência  ao  Movimento  usando  

termos   como   “invasores   de   terra”,   por   exemplo.   Ao  

contrário   disso,   é   possível   perceber   que   o   texto  

“Elizabeth,   rainha   do   campo”   assume   um  

posicionamento  favorável  ao  MST.  Explique  como  esse  

posicionamento   é   marcado   pelas   estratégias   de  

referenciação  observadas  no  texto.  

Sugestão   de   resposta:   Há   expressões   no   texto   que  

refletem   esse   posicionado   favorável   ao   MST:   “luta”,  

“resistência",  dentre  outras.  

 

2ª  proposta  de  atividade:  

 

Medida  afirmativa  

                     Há   uma   proposta   simplista   e,   ao   final   das   contas,   inadequada   de  

combater   a   desigualdade   no   acesso   ao   ensino   superior   no   Brasil:   o  

estabelecimento   de   cotas   em   universidades   públicas,   seja   para   negros,  

seja  para  alunos  do  ensino  médio  oriundos  de   escolas  públicas.   Estados  

como  a  Bahia  e  o  Rio  de  Janeiro  optaram  por  essa  via,  que,  além  de  dúbia  

na   origem   (como   selecionar   afrodescendentes   ou   como   garantir   que   o  

estudante   da   escola   pública   seja   necessariamente   carente?),   atenta  

contra  o  princípio  meritocrático  que  deve  prevalecer  quando  o  assunto  é  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ensino  superior.  

                   Felizmente,  na  esfera  federal  houve  resistência  à  ideia  das  cotas.  O  

atendimento   à   justa   demanda   pela   ruptura   da   segregação   social   no  

acesso   ao   ensino   superior,   nessa   instância,   começa   a   dar-­‐se   de   outra  

maneira.   Em   medida   provisória   editada   na   terça-­‐feira,   criou-­‐se   um  

programa   federal   para   transferir   recursos   a   iniciativas   –   seja   na   área  

pública,  seja  na  privada  –  como  a  instalação  de  cursos  pré-­‐vestibulares  ou  

a  concessão  de  bolsas  de  estudo  a  alunos  negros,  índios  e/ou  carentes.  

                   Não  se  trata,  portanto,  de  abrir  uma  porta  privilegiada  de  acesso  a  

vagas   universitárias.   Trata-­‐se   de   proporcionar   melhores   condições   de  

disputa   por   uma   vaga   a   alunos   de   estratos   sociais   historicamente  

marginalizados.   Trata-­‐se,   também,   de   ajudar   financeiramente   um   aluno  

pobre  que  já  tenha  conquistado  a  vaga,  dando-­‐lhe  um  incentivo  para  que  

faça  o  curso  até  o  fim.  

                   Evidentemente   esse   tipo   de   iniciativa,   embora   conceitualmente  

melhor  que  a  das  cotas,  também  é  um  paliativo.  A  solução  definitiva  virá  

somente   quando   o   Estado   brasileiro   puder   proporcionar   uma   educação  

básica   e   média   de   nível   equiparável   à   das   melhores   instituições  

particulares.   Massificar   o   ensino   de   qualidade   continua   a   ser   um   dos  

maiores  desafios  para  que  a  democracia  no  Brasil  se  enraíze  socialmente.  

Folha  de  S.  Paulo,  29  ago.  2002.  

 

 

1. O  editorial  Medida  afirmativa  discute  a  temática  das  cotas  

em  universidades  públicas.  Com  base  na  leitura:  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

a) Destaque   do   texto   algumas   expressões   que   fazem  

referência  ao  título  medida  afirmativa.  

Sugestão   de   resposta:   As   expressões   que   fazem  

referência  à  medida  afirmativa  são  “proposta  simplista  

e   (...)   inadequada”,   “estabelecimento   de   cotas   nas  

universidades  públicas”,  entre  outras.  

 

b) É   possível   perceber   que   o   texto   assume   um  

posicionamento   diante   da   temática   das   cotas   no  

acesso   ao   ensino   superior   público.   Diga   se   este  

posicionamento  é  contrário  ou  favorável  ao  sistema  de  

cotas,   fundamentando-­‐se   nas   estratégias   referenciais  

utilizadas  no  texto.  

Sugestão   de   resposta:   O   texto   apresenta   um  

posicionamento   contrário   ao   sistema   de   cotas   no  

acesso   a   universidades   públicas.   É   possível   perceber  

isso   por   meio   das   expressões   referenciais   utilizadas:  

“proposta  simplista  e   (...)   inadequada”,  “via   (...)  dúbia  

na  origem”,  “porta  privilegiada”,  entre  outras.    

 

  Certamente,   outras   questões   sobre   referenciação  

poderiam  ser  formuladas  com  base  nesses  textos.  No  entanto,  as  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

questões   apresentadas   foram   eleitas,   principalmente  

considerando   a   forte   relação   que   estabelecem   com   a  

interpretação  dos  textos,  de  modo  que  um  olhar  mais  crítico  por  

parte  do  estudante  é  exigido  no  decorrer  da  leitura.    

Assim,  as  questões  relativas  ao  texto  “Elizabeth,  rainha  do  

campo”  pretendem  que  o  aluno  recupere  o  conhecimento  de  que  

Elizabeth  é  nome  de  rainha  e  perceba,  ao  longo  da  leitura,  o  que  

vem  a  ser  a  “rainha  do  campo”.  Ao  mesmo  tempo,  é  importante  

ressaltar  que  a  seleção  deste  texto  do  livro  didático  considerou  o  

posicionamento   favorável   ao   MST,   discussão   bastante  

pertinente,  em  especial  em  turmas  de  EJA.    

O   mesmo   se   pode   dizer   a   respeito   do   tema   tratado   no  

editorial  –  sistema  de  cotas  em  universidades  públicas  –  uma  vez  

que  esse  debate  é  fundamental  para  a  formação  de  tal  público.  A  

argumentação   do   texto   –   contrária   ao   sistema   de   cotas   –   é  

construída   por   meio   de   expressões   que   fazem   referência   à  

medida   afirmativa   anunciada   no   título.   Assim,   uma   formação  

crítica   do   leitor   deve   estar   comprometida   não   somente   com   a  

identificação   dessas   marcas   linguísticas   no   texto,   senão   com   o  

posicionamento  crítico  dos  estudantes  leitores.  

     

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

  O   presente   artigo   propôs   discutir   a   abordagem   dos  

processos  referenciais  no  ensino  de   língua  materna.  Assim,  com  

base   na   concepção   sociocognitivo-­‐dialógica   da   língua,   que  

assume   o   texto   como   lugar   de   interação   e   de   constituição   dos  

sujeitos  enquanto  construtores  sociais,  buscamos  refletir  sobre  a  

importância  do   trabalho  com  o   texto  em  sala  de  aula,  de  modo  

que  também  faça  parte  dessa  reflexão  o  papel  do  ensino  quanto  

à  formação  crítica  de  leitores.  

  Nesse   sentido,   a   partir   da   análise   do   tratamento   dado   à  

referenciação   pelos   livros   didáticos,   pudemos   constatar   que  

ensino  e  pesquisa  ainda  precisam  dialogar.  Em  geral,  percebemos  

uma   abordagem   que   privilegia   a   superfície   textual,   isto   é,   que  

atrela  o  estudo  da   referenciação  aos  exercícios  de   retomada  de  

elementos   anteriormente   expressos   no   texto,   muitas   vezes  

ignorando   a   relevância   dos   processos   referenciais   para   a  

construção  de  sentidos.    

  Diante   dessa   questão,   é   preciso   admitir   que   alguns  

equívocos   percebidos   no   tratamento   dado   à   referenciação   nos  

livros   didáticos   refletem,   de   modo   mais   grave,   concepções   de  

língua,   texto   e   leitura   que   pouco   –   ou   nada   –   consideram   a  

interação   autor-­‐texto-­‐leitor.   Nesse   sentido,   torna-­‐se   ainda  mais  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

difícil   um   ensino   que   se   proponha   a   tratar   da   dinâmica   de  

construção   dos   objetos   do   discurso,   dos   efeitos   cognitivo-­‐

discursivos   da   referenciação   e   desta   como   um   fenômeno  

fundamental  no  processo  de  construção  de  sentidos.  

  Nesse   caso,   é   preciso   reforçar:   a   superficialidade   que   se  

critica   nos   exercícios   sobre   referenciação   propostos   nos   livros  

didáticos   é   a   mesma   que,   talvez,   permeie   a   relação   entre  

pesquisa  e  ensino.    

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

BAGNO,   M.   Gramática,   pra   que   te   quero?   Os   conhecimentos  linguísticos   nos   livros   didáticos   de   português.   Curitiba:   Aymará,  2010.    BRASIL.  Guia   de   livros   didáticos:   PNLD   2011:   EJA.  Ministério   da  Educação.  Brasília:  MEC;  SECAD,  2010.    BRASIL.   Parâmetros   Curriculares   Nacionais:   Língua   Portuguesa.  Brasília:  MEC/SEF,  1998.    CAVALCANTE,   Mônica.   Referenciação:   sobre   coisas   ditas   e   não  ditas.  Fortaleza:  EdUFC,  2011.    ______.  Os  sentidos  do  texto.  São  Paulo:  Contexto,  2012.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 ELIAS,   Vanda  M.   (org.)   Ensino   de   língua   portuguesa:   oralidade,  escrita,  leitura.  São  Paulo:  Contexto,  2011.    KOCH,  Ingedore;  ELIAS,  Vanda.  Ler  e  compreender:  os  sentidos  do  texto.  São  Paulo:  Contexto,  2007.    ______.  O  texto  e  a  construção  de  sentidos.  São  Paulo:  Contexto,  2002.    MARQUESI,   Sueli.   Referenciação   e   intencionalidade:  considerações   sobre   escrita   e   leitura.   In:   CARMELINO,   A.   C.;  PERNAMBUCO,  J.;  FERREIRA,  L.  A.  (org.).    Nos  caminhos  do  texto:  atos   de   leitura.   Col.   Mestrado   em   Linguística,   v.   2.   São   Paulo:  EdUnifran,  2007.  p.  215-­‐233.    PAULIUKONIS,   Maria   A.   Texto   e   Contexto.   In:   VEIRA,   S.   R.;  BRANDÃO,  S.  F.  (org.).  Ensino  de  gramática:  descrição  e  uso.  São  Paulo:  Contexto,  2011,  p.  239-­‐258.    STAUFFER,   Anakeila   de   B.   Concepções   de   Educação   e   Livro  Didático:  dialogando  sobre  suas  relações  na  formação  do  agente  comunitário   de   saúde.   In:   STAUFFER,   A.   B.;   MARTINS,   C.   M.  Educação  e  Saúde.  Rio  de  Janeiro:  EPSJV  /  Fiocruz,  2007,  p.  159-­‐191.    TRAVAGLIA,   L.   C.  Gramática   e   interação:   uma   proposta   para   o  ensino  de  gramática.  11.  ed.  São  Paulo:  Cortez.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

MANUAIS DIDÁTICOS  OLIVEIRA,   Cícero   de.   et   alii.   Tempo   de   Aprender.   Educação   de  Jovens   e   Adultos:   6º   ao   9º   ano   do   Ensino   Fundamental,   2.   ed.  IBEP.  São  Paulo:  2009.    RAMOS,   Heloisa   et   alii.   Viver,   aprender.   Educação   de   Jovens   e  Adultos:   segundo   segmento   do   ensino   fundamental.   São   Paulo:  Global:  Ação  Educativa,  2009.        

Page 165: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Os processos de referenciação nos livros didáticos: análise de textos

jornalísticos

MACHADO,  Luana  (UFRJ)    

 

 

1. INTRODUÇÃO       O  livro  didático  é  o  principal  mediador  dos  conhecimentos  

partilhados   entre   professores   e   alunos:   os   docentes   tomam-­‐no  

como  principal  norteador  na  busca  do  que  aplicar  durante  o  ano;  

os   discentes,   por   sua   vez,   concebem-­‐no   como   principal  

reservatório  de  saber.  Sendo  assim,  há  anos  a  elaboração  desse  

material   é   discutida,   com   vistas   ao   seu   aprimoramento,   não   só  

em   relação   ao   conteúdo,   mas   também   às   questões  

metodológicas  e  novas  demandas  educacionais.  

A   mais   recente   reformulação   foi   instaurada   pelos  

Parâmetros   Curriculares  Nacionais   (PCN),   na   década   de   90,   que  

trouxeram  orientações   inovadoras   para   os   docentes.   Em   Língua  

Portuguesa,   os   avanços   foram   de   grande   importância,   uma   vez  

que   a   língua   deveria   passar   a   ser   estudada   do   ponto   de   vista  

sociointeracional.  

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Nessa  perspectiva,   língua  é  um   sistema  de   signos  específico,   histórico   e   social,   que   possibilita   a  homens   e   mulheres   significar   o   mundo   e   a  sociedade.   Aprendê-­‐la   é   aprender   não   somente  palavras   e   saber   combiná-­‐las   em   expressões  complexas,  mas  apreender  pragmaticamente  seus  significados  culturais  e,   com  eles,  os  modos  pelos  quais   as   pessoas   entendem   e   interpretam   a  realidade  e  a  si  mesmas.  (PCN,  1998,  p.20)  

 

Dessa   forma,  o   trabalho,  estritamente  voltado  para   itens  

gramaticais,   utilizando   o   texto   como   mero   pretexto,   cedeu  

espaço   para   estudos   de   interpretação   e   produção   textual   dos  

mais  variados  gêneros.  Além  de  observar  os   tópicos  gramaticais  

por  meio  da  tríade  uso>reflexão>uso.  

 

O  modo   de   ensinar,   por   sua   vez,   não   reproduz   a  clássica   metodologia   de   definição,   classificação   e  exercitação,   mas   corresponde   a   uma   prática   que  parte  da  reflexão  produzida  pelos  alunos  mediante  a   utilização   de   uma   terminologia   simples   e   se  aproxima   progressivamente,   pela   mediação   do  professor,  do  conhecimento  gramatical  produzido.  (PCN,  1998,  p.29)    

Todavia,   tudo   isso   é   o   que   propõem   os   PCN,   não  

necessariamente  o  que,   realmente,   trazem  os  manuais.   Estudos  

apontam  as  diferenças  entre  o  que  determinam  os  PCN  e  o  que  

aparece   nos   livros   didáticos   de   língua   portuguesa   (LDP),  

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mostrando   que,   na   teoria,   os   LDP   já   estão   sendo   concebidos  

segundo   as   orientações   estabelecidas.   Entretanto,   ao   serem  

analisados,   percebe-­‐se   que   parte   das   antigas   práticas   continua  

sendo   executada.   Os   estudos   de   tópicos   gramaticais,   por  

exemplo,  ainda  são,  de  certa  forma,  descontextualizados,  não  se  

levando   em   consideração   a   teoria   sociointeracional   proposta.  

Assim,  continuam  sendo  trabalhados  com  base  em  fundamentos  

que  não  mais  dão  conta  dos  fenômenos  da  língua  e  de  um  ensino  

libertador.  

Portanto,  em  meio  a  este  cenário  confuso  entre  o  que  se  

propõe   e   o   que   realmente   é   posto   em   prática,   este   artigo   visa  

investigar,  em  duas  coleções  voltadas  para  o  Ensino  Fundamental  

(EF),   do   segundo   segmento,   sua   adequação   aos   PCN  quanto   ao  

assunto   “processos   de   referenciação”.   Analisaremos,   neste  

trabalho,  de  que  maneira  o  tópico  é  abordado  pelos   livros,  bem  

como  as   atividades  propostas.  A   ideia   é   ver   se,   realmente,   está  

sendo   realizada   uma   abordagem   sociointeracional   ao   serem  

explicados  os  processos  de  referenciação  e  sua  aplicabilidade  nos  

textos  das  coleções.  

Cabe  ressaltar  que,  em  virtude  do  grande  volume  de  texto  

presente   em   cada   coleção,   de   gêneros   variados,   para   a   análise  

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das  atividades  foram  selecionados  os  textos  jornalísticos,  a  fim  de  

tornar  a  apreciação  mais  enxuta  e  objetiva.  

Para   realizar   tal   investigação,   este   artigo   se   fundamenta  

nos   pressupostos   teóricos   da   Linguística   Textual,   conforme  

Cavalcante   (2011),   Koch   (2011),   Koch   e   Elias   (2011),   Koch   e  

Fávero,  (2008),  Koch  e  Marcuschi  (1998),  Marcuschi  (2001),  com  

foco   nos   processos   de   referenciação,   segundo   uma   abordagem  

sociointeracional.  No   item  a  seguir,   serão  aprofundados  os   seus  

conceitos  dessa  abordagem.  

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. A Linguística de Texto

 Até   a   década   de   60,   os   estudos   sobre   a   linguagem  

voltavam-­‐se  para   a   gramática  da   frase,   do  enunciado.   Porém,   a  

necessidade   de   preencher   algumas   lacunas   deixadas   pelas  

gramáticas   normativas  motivou   o   surgimento   desse   novo   ramo  

de   estudo:   a   Linguística   de   Texto   (LT),   termo   primeiramente  

empregado   por   Weinrich   (1966,   1967,   apud   FÁVERO   e   KOCH,  

2008,  p.11).    

Segundo  Fávero  e  Koch  (ibidem),  a  LT  tem  “como  objeto  

particular  de  investigação,  não  mais  palavra  ou  a  frase,  mas  sim  o  

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texto,  por  serem  os  textos  a  forma  específica  de  manifestação  da  

linguagem”.  Assim,  o  domínio  de  análise  deixou  de  ficar  restrito  a  

frases   retiradas   de   obras   literárias,   ou   até   mesmo   inventadas  

para   a   realização   dos   estudos   gramaticais.   O   texto,   tanto   oral  

quanto  escrito,  passou  a  ser  o  cerne  das  investigações,  com  todas  

as   suas   relações   lógico-­‐semânticas,   o   que   permite   concebê-­‐lo  

como  uma  unidade  de  sentido.  

Dentro   do   quadro   da   LT,   texto   é   todo   objeto   que   tem  

textualidade.   Para   Beaugrande   e   Dressler   (1981,   apud   KOCH   e  

TRAVAGLIA,   1999),   são   sete   os   fatores   que   determinam   sua  

existência:  a  situcionalidade,  a  intencionalidade,  a  aceitabilidade,  

a  informatividade,  a  intertextualidade  e  a  coesão  e  a  coerência  –  

sendo   as   cinco   primeiras   externas   ao   texto   e   as   duas   últimas  

centradas  no  texto.    

Com  base  nisso,  não  só  os  itens  cotextuais,  mas  também  

os  contextuais  passaram  a  fazer  parte  dos  estudos  do  texto,  que  

começou   a   ser   enxergado   como   um   construto   socialmente  

construído,   criado   por   uma   pessoa,   dirigido   a   outra(s)   com  

objetivos  e  finalidades,  de  maneira  interativa.  Isto  é,  

 

O  texto  passa  a  ser  considerado  o  próprio  lugar  da  interação  e  os  interlocutores,  como  sujeitos  ativos  que   –   dialogicamente   –   nele   se   constroem   e   são  construídos.  Desta   forma  há   lugar,   no   texto,  para  

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toda   uma   gama   de   implícitos,   dos   mais   variados  tipos,   somente  detectáveis   quando   se   tem,   como  pano   de   fundo,   o   contexto   sociocognitivo   dos  participantes  da  interação”  (KOCH,  2011,  p.  17)        

Dentro  dessa  abordagem,  um  dos  aspectos  citados  acima  

–   a   coesão   –   é   enxergado   de   outra   forma.   A   coesão   não   se  

encaixa   mais   na   conceituação   de   um   simples   mecanismo   da  

estrutura   superficial   do   texto,   capaz   de   realizar   retomadas   e  

projeções   correferenciais.   Sua   análise   tem   como  preocupação   a  

forma   como   é   estruturada   na   superfície   textual,   aliada   aos  

elementos  sociocognitivos,  para  a  criação  de  sentido.      

Na   segunda  metade   da   década   de   90,   o   estudo   desses  

aspectos   textuais   ganhou   espaço   e   novas   análises.   Assim,   a  

expressão  Referenciação   veio  à   tona,  com  trabalhos  de  diversos  

estudiosos   tentando   organizar   e   explicitar   os   processos  

referenciais   que   não   só   ocorrem   na   superfície   textual,   mas  

também  no  processo  interacional.  

 

2.2. Referência e Referenciação

 A  Referência  é  preocupação  constante  dos  estudiosos  da  

linguagem,  principalmente  daqueles  que  querem  entender  como  

as   línguas   se   referem   ao   mundo.   Segundo   Cavalcante   (2011,  

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p.19),   tal   estudo,   “por   um   longo   tempo,   ocupou   a   mente   dos  

filósofos  da  linguagem  e  dos  lógicos,  bem  antes  de  interessar  aos  

linguistas”.    

Existem  duas  visões  bem  opostas  em  relação  ao   tema.  A  

primeira  entende  que  há  uma  completa  correspondência  entre  as  

palavras   e   as   coisas,   ou   seja,   a   língua   é   um   “espelho   da  

realidade”.   Referir   significa,   portanto,   usar   meios   linguísticos  

para   representar   objetos-­‐do-­‐mundo,   de   maneira   estável   e  

discretizada.  

  A   outra   visão,   mais   atual,   na   qual   se   fundamenta   este  

artigo,  baseia-­‐se  na  concepção  de  que  “a   língua  é  heterogênea,  

opaca,  histórica,  variável  e  socialmente  constituída,  não  servindo  

como  mero   instrumento  de  espelhamento  da  realidade.”   (KOCH  

e  MARCUSHI,   1998,   p.   173).   Assim,   os   elementos   referidos   em  

um   texto   deixam   de   ser   objetos-­‐do-­‐mundo   e   passam   a   ser  

considerados   objetos-­‐do-­‐discurso.   Ou   seja,   entidades   que   são  

construídas  no  e  pelo  discurso.    

Como   afirmam   Marcuschi   e   Koch   (1998,   p.   5),   não   é   o  caso  de  

 

negar  a  existência  da   realidade  extra-­‐mente,  nem  estabelecer   a   subjetividade   como   parâmetro   do  real.   Nosso   cérebro   não   opera   como   um   sistema  fotográfico   do  mundo,   nem   como  um   sistema  de  espelhamento,   ou   seja,   nossa   maneira   de   ver   e  

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dizer   o   real   não   coincide   como   o   real.   Ele  reelabora   os   dados   sensoriais   para   fins   de  apreensão  e  compreensão.  E  essa  reelaboração  se  dá   essencialmente   no   discurso.   Também   não   se  postula   uma   reelaboração   subjetiva,   individual:   a  reelaboração  deve  obedecer  a  restrições  impostas  pelas   condições   culturais,   sociais,   históricas   e,  finalmente,   pelas   condições   de   processamento  decorrentes  do  uso  da  língua.  

 

De   acordo   com   esta   concepção,   os   referentes   não   são  

estáveis  e  pré-­‐existentes,  mas  criados  e  recriados,  de  acordo  com  

o  ponto  de  vista  dos  interlocutores.  Assim,  não  cabe  mais  usar  o  

termo  Referência,  associado  a  uma  visão  representacionalista  da  

língua,  estática.    O   termo  mais  apropriado  é  Referenciação,  que  

traz  a  noção  de  processo,  atividade  dinâmica  que  se  constitui  na  

interação  discursiva.  

Quanto  a  essa  nova  perspectiva,   segundo  Koch   (2001,  p.  

81),  

 

Esta  posição  implica,  necessariamente,  uma  noção  de   língua  que  não   se   esgota   no   código,   nem   seja  concebida   apenas   como   um   sistema   de  comunicação   que   privilegia   o   aspecto  informacional   ou   ideacional.   A   discursivização   ou  textualização  do  mundo  por  via  da  linguagem  não  se  dá  como  um  simples  processo  de  elaboração  de  informação,   mas   de   (re)construção   do   próprio  real.   Ao   usar   e   manipular   uma   forma   simbólica,  usamos  e  manipulamos  tanto  o  conteúdo  como  a  estrutura   dessa   forma.   E,   deste   modo,   também  

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manipulamos  a  estrutura  da  realidade  de  maneira  significativa.   E   é   precisamente   neste   ponto   que  reside   a   ideia   central   de   substituir   a   noção   de  referência   pela   noção   de   referenciação,   tal   como  postulam  Mondada  e  Dubois  (1995).  

 

2.3. A Referenciação

 Segundo  Koch  e  Elias  (2011,  p.  123),    

 denomina-­‐se   referenciação   as  diversas   formas  de  introdução,   no   texto,   de   novas   entidades   ou  referentes.  Quando  tais  referentes  são  retomados  mais  adiante  ou  servem  de  base  para  a  introdução  de   novos   referentes,   tem-­‐se   o   que   se   denomina  progressão  textual.  (grifos  do  autor).    

 

Além   disso,   tanto   a   referenciação   quanto   a   progressão  

textual   estão   envolvidas   na   “construção   e   reconstrução   de  

objetos  de  discurso”  (ibidem).  Entretanto,  as  duas  estratégias  são  

englobadas   pelo   nome   Referênciação,   que   é,   portanto,   uma  

atividade  discursiva.  

Em   obra   recente,   Cavalcante   (2011)   descreve   toda   a  

evolução   dos   estudos   de   referenciação   e   busca   formatar   um  

quadro  teórico  com  os  diferentes  tipos  de  processos  referenciais.  

Com  base  nessa  obra,  e  também  em  textos  de  Koch  e  Marcuschi,  

explicitaremos  tais  processos  e  suas  caraterísticas.    

 

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2.3.1. Os processos referenciais:

Introdução referencial e

anáfora direta

 Assim  como  Koch,  Marcuschi  e  outros  autores,  Cavalcante  

afirma   que   os   processos   inferenciais   se   dividem   em   dois  

agrupamentos   principais:   a   introdução   de   novos   referentes   e   a  

manutenção  desses  referentes  no  texto.    

O  primeiro  grupamento  caracteriza-­‐se  pelo  aparecimento  

de  entidades  no   texto  pela  primeira   vez,   recebendo  o  nome  de  

introdução   referencial,   como   observamos   no   exemplo   de  

Cavalcante  (2011,  p.  54):  

 O  sujeito  chega  para  o  padre  e  pergunta:  –   Padre,   o   senhor   acha   correto   alguém   lucrar   com   os  erros  dos  outros?  –  É  claro  que  não,  meu  filho!  –  Então  me  devolve  a  grana  que  eu  te  paguei  para  fazer  o  meu  casamento.  

(piada,  As  melhores  piadas  de  Casseta  e  Planeta,  v.4).    

  No   exemplo   em   questão,   os   termos   “sujeito”   e   “padre”  

introduzem  referentes  que  ainda  não  foram  citados  no  texto.  Ou  

seja,  aparecem  pela  primeira  vez,  sem  nenhum  antecedente.  

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  O   segundo   agrupamento,   responsável   pela   manutenção  

dos   referentes   no   texto,   denominado   pela   autora   como   “reino  

das   anáforas”   (2003,   p.   108),   diz   respeitos   aos   processos  

anafóricos,   sejam   eles   diretos,   indiretos,   com   dêiticos   ou   sem  

dêiticos;   de   maneira   remissiva,   prospectiva,   ou   para   ambas   as  

direções.   A   fim   de   podermos   apresentar   suas   especificidades,  

apresentaremos  as  anáforas  diretas   (AD)  e  as  anáforas   indiretas  

(AI)   em   tópicos   distintos.   Em   virtude   do   espaço,   não   serão  

tratadas,  aqui,  as  nuances  dos  dêiticos.  

  As   anáforas   diretas   se   caracterizam   pela   relação   de  

correferencialidade   entre   dois   elementos   do   texto.   Isto   é,   um  

termo   é   retomado   de   maneira   direta   por   outro   elemento   do  

contexto,  como  vemos  no  exemplo  de  Koch  e  Elias  (2011,  p.  124):  

 Nova  espécie  de  ave  é  descoberta  na  Grande  SP  O   Ibama   anunciou   ontem   a   descoberta   de   uma  nova  ave,  o  bicudinho-­‐do-­‐brejo-­‐paulista.  O  Stymphalornissp.nov  (a  terminação  indica  que  o  animal   não   recebeu   a   denominação   definitiva   da  espécie)   foi   encontrado   pelo   professor   Luís   Fábio  Silveira,  do  Departamento  de  Zoologia  da  USP,  em  áreas   de   brejo   nos   municípios   de   Paraitinga   e  Biritiba-­‐Mirim,  na  Grande  São  Paulo,  em  fevereiro.  O   pássaro   tem   pouco  mais   de   10   centímetros   de  comprimento,   capacidade   pequena   de   voo   e  penugem  cinza.  

 

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  A   introdução   referencial,   sublinhada,   é   retomada   pelas  

anáforas   diretas,   destacadas   em   cinza.   Observe   que   é   possível  

ancorar   cada   retomada   na   introdução   referencial,   presente   no  

cotexto.  

  Cabe   ressaltar   que,   segundo   Cavalcante   (2003),   as  

correferências   podem   ser   de   três   tipos:   co-­‐significativas,  

recategorizadora  sou  nenhuma  das  duas:  

1) Anáfora   correferencial   co-­‐significativa:   termo   retomado  

por  meio  de  expressões  sinônimas  ou  repetições   (apesar  

de   nem   toda   repetição   ser,   necessariamente,   co-­‐

significação).  

2) Anáfora   correferencial   recategorizadora:   retomada   por  

meio   da   “renomeação”   do   termo,   conforme   as  

necessidades   e   estratégias   discursivas,   podendo   ser  

realizada   por   hiperônimos,   expressões   definidas,   nomes  

genéricos   e   pronomes   Como   afirma   a   autora:   as  

recategorizações  

 remodulam   a   forma   de   designação,  transformando-­‐a,   ou   seja,   recategorizando-­‐a,   ou  pela  utilização  de  um  termo  superordenado,  para  que   o   enunciador   se   esquive   de   repetições  estilisticamente  indesejáveis,  ou  pela  utilização  de  expressões   com   alguma   carga   avaliativa.”  (CAVALCANTE,  2003,  p.  110)    

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3) Anáforas   correferenciais   não-­‐co-­‐significativas   e   não-­‐

recategorizadoras:   retomadas   realizadas   por   meio   de  

pronomes  pessoais.  

 

Essas   subdivisões   são   válidas   para   as   anáforas  

correferenciais  totais.  A  autora  divide  as  anáforas  correferenciais  

em  totais  e  parciais;  para  esta  última,  as  estratégias  são  outras:    

 Para  não  confundir  com  as  anáforas  indiretas,  que  se   instauram   muitas   vezes   por   uma   relação   de  parte-­‐todo,  optamos  por  circunscrever  estes  casos  às   repetições   do   sintagma   antecedente,  precedidas   de   um   quantificador,   ou   de   um  adjetivo,  imprimindo  ao  anafórico  a  idéia  de  parte  de   um   conjunto   não-­‐unitário.   Por   vezes,   o   nome  nuclear   é   elidido   por   economia   lingüística   e   por  razões  de  estilo  [...]  (CAVALCANTE,  2003,  p.  112)    

    Percebe-­‐se,  portanto,  que,  independente  das  subdivisões,  

para   as   anáforas   diretas   o   importante   é   ressaltar   o   seu   valor  

correferencial.  A  âncora  do  termo  referido  está  presente  no  texto  

de   maneira   clara.   É   possível   identificá-­‐la   sem   grandes   esforços  

cognitivos.  

     

 

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2.3.2. A questão das anáforas

indiretas

 Opostamente   às   AD,   as   anáforas   indiretas   (AI)   são  

caracterizadas   por   não   apresentar   correferencilidade   com  

nenhum  termo  do  texto.  Segundo  Marcuschi  (2001,  p.  217),  a  AI,  

geralmente,  é  

 

constituída   por   expressões   nominais   definidas   ou  pronomes   interpretados   referencialmente   sem  que   lhes   corresponda   um   antecedente   (ou  subseqüente)  explícito  no  texto.  Tratamos  de  uma  estratégia   endofórica   de   ativação   de   referentes  novos   e   não   de   uma   reativação   de   referentes   já  conhecidos,   o   que   constitui   um   processo   de  referenciação  implícita.    

       Em   conformidade   com   o   autor,   Koch   (2011,   p.   107)  

afirma  que  as  anáforas  indiretas  consistem  

 no   emprego   de   expressões   definida   anafóricas,  sem   referente   explícito   no   texto,   mas   inferível   a  partir  de  elementos  nele  explícitos,  isto  é,  trata-­‐se  de  uma  configuração  discursiva  em  que  se  tem  um  anafórico   sem   antecedente   literal   explícito   [...],  que  pode  ser  reconstruído,  por  inferência,  a  partir  do  co-­‐texto  precedente.  

 

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  Na   mesma   linha   de   raciocínio,   Cavalcante   (2011,   p.   58)  

explicita   que   ocorre   a   AI   quando   não   há   correferencialidade  

entre   os   termos   (o   introduzido   e   o   retomado)   e,   por   isso,   é  

necessário   recorrer   a   nexos   cognitivos   mais   complexos.Para  

corroborar  tal  descrição,  a  autora  utiliza  o  seguinte  exemplo:  

 O  Prefeito  foi  visitar  o  hospício  a  cidade.  Chegando  na   biblioteca,   percebe   que   tem   um   louco,   de  cabeça   para   baixo,   pendurado   no   teto.  Preocupado,  comenta  com  o  diretor  do  hospício:  –  O  que  é  que  esse  louco  está  fazendo  aí  no  teto?  –  Ele  pensa  que  é  um  lustre.  –   Mas   é   muito   perigoso,   ele   pode   cair   e   se  machucar.  –  Por  que  vocês  não  o  tiram  do  teto?  –  Mas  e,  à  noite,  como  é  que  a  gente  vai  fazer  para  ler  no  escuro?    

(piada,  Coleção  50  piadas  –  loucos,  de  Donaldo  Buchweitz)  

 

  A   partir   do   exemplo,   a   autora   mostra   que   os   termos  

“Prefeito”   e   “hospício”   introduzem   novos   referentes.   Outros  

termos   e   expressões,   como   “esse   louco”   e   “ele”,   retomam   um  

referente   presente   no   texto   de   maneira   direta:   “um   louco”.  

Porém,  “biblioteca”,  “diretor”  e  “um  louco”  são  exemplos  de  AI,  

pois  se  referem  à  expressão  “hospício  da  cidade”  não  de  maneira  

direta,  mas  por  relações  metonímicas  e  funcionais.  A  “biblioteca”  

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faz  parte  do  hospício,  já  “diretor”  e  “um  louco”  são  agentes  desse  

ambiente.  

Percebe-­‐se,   assim,   que   a   AI   tem   uma   dupla   função.  Nos  

dizeres   de   Marcuschi   (2001,   p.   224),   ela   produz   uma  

“tematização   remática”,   porque   ativa   um   novo   referente   e,   ao  

mesmo   tempo,   o   ancora   em   um   universo   textual   já   dado.  

Segundo  o  autor  (ibidem):  

 

Há,  pois,  algo  similar  a  uma  ativação-­‐reativação  na  continuidade   do   domínio   referencial.   Assim,  podemos   dizer   que   a   AI   é   uma   espécie   de   ação  remática   e   temática   simultaneamente   na  medida  em  que  traz  a  informação  nova  e  a  velha,  ou  seja,  produz  uma  "tematização  remática.    

 Marcuschi  (2001,  p.  226)  propõe  ainda  uma  tipologia  das  

AI,   subdividindo-­‐as   em   dois   tipos:   tipos   semanticamente  

baseados  e  tipos  conceitualmente  baseados:  

 Para   sua   solução,   os   tipos   (I)   exigem   estratégias  cognitivas   fundadas   em   conhecimentos  semânticos   armazenados   no   léxico   (mais  especificamente   ligadas   a   âncoras   lexicais  precedentes)   e   estão   vinculados   a   papéis  semânticos.   Já   os   tipos   (II)   exigem   estratégias  cognitivas   fundadas   em   conhecimentos  conceituais   baseados   em   modelos   mentais,  conhecimentos   de  mundo   e   enciclopédicos   (mais  especificamente   vinculados   ao  modelo  de  mundo  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

textual   presente   no   co(n)texto)   e   mais   ligados   a  processos  inferenciais  gerais.  

   

  Ao   final   de   seu   estudo,   o   autor   postula   ainda   que   as   AI  

possam  ser  um  caso  de  subespecificação  da  língua,  em  relação  a  

uma   das  máximas   griceanas   –   “seja   relevante”.   De   acordo   com  

essa  máxima,  não  devemos  ser  simplistas  demais,  em  um  texto,  a  

ponto   de   deixar   lacunas,   porém   não   devemos   ser   prolixos  

demais,   explicitando   a   mais   do   que   seria   necessário.   Dessa  

forma,  a  AI  funcionaria  como  pistas  de  informações  inferíveis  por  

parte  do  receptor,  que  auxiliam  o  entendimento.  

 

2.3.3. As anáforas indiretas

encapsuladoras

 Segundo   Cavalcante   (2011,   p.   73),   as   anáforas  

encapsuladoras  são   tidas  como  um  tipo  peculiar  de  AI,  uma  vez  

que   não   retomam   nenhum   objeto-­‐do-­‐discurso   pontualmente,  

mas  se  referem  a  conteúdos  espalhados  pelo  texto.  Assim,    

 

há  uma  recuperação  difusa  de   informações  e  que  este   é   o   traço   mais   típico   das   anáforas  encapsuladoras;  é  o  que  lhes  confere  o  caráter  de  anáfora  também  indireta:  ser  não  correferencial  e  ter  um  poder  de  resumir  informações  cotextuais  e  contextuais.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

  Ainda   segundo   a   autora,   o   que   diferencia   as   AI  

propriamente  ditas  das  encapsuladoras  é  o  poder  destas  últimas  

de   resumir,   sintetizar   conteúdos   proposicionais,   inteiros,  

precedentes   ou   subsequentes.   Há   autores   que   especificam   os  

rótulos  de  maneira  distinta  das  anáforas  encapsuladoras.  Porém,  

não  faremos  essa  distinção  aqui,  seguindo  o  mesmo  raciocínio  de  

Cavalcante  (2011).  

  Para   exemplificar   as   anáforas   encapsuladoras,   vejamos  

um  exemplo  de  Koch  e  Elias  (2011,  p.  130).  

 Gosto   de   beber   uma   cervejinha,   falo   palavrão   e  

não  vou  deixar  de  ter  amizade  com  alguém  por  ser  

gay,  assim  como  acredito  que  o  uso  da  camisinha  é  

importante  para  prevenir  doenças  e  até  mesmo  a  

gravidez”,   diz   Érika   Augusto   da   Silva,   20,   cabelos  

avermelhados,  quatro  furos  na  orelha.  

O   depoimento   não   faria   diferença   se   tivesse   sido  

colhido   em   um   colégio   ou   numa   rave.   Mas   o  

ambiente   de   Érika   é   outro.   Única   católica  

praticante   da   família,   neta   de   evangélicos,   ela  

frequenta  um  grupo  de  jovens  católicos  há  quatro  

anos   e   vai   à   igreja   pelo   menos   duas   vezes   por  

semana.  

Page 183: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Em   agosto,   pretende   realizar   um   desejo   antigo:  

participar   de   sua   primeira   Jornada   Mundial   da  

Juventude.   [...]   Fonte:   Folha   de   S.   Paulo,   10   abr.  

2005.  

 

O  Primeiro  referente  (sublinhado)  sumariza  tudo  o  que  foi  

dito  pela  entrevistada.  Assim,  não  é  possível  encontrar  um  termo  

específico   ao   qual   o   referente,   “o   termo”,   se   ligue.   O   mesmo  

ocorre   para   o   referente   destacado   em   cinza.   A   única   diferença  

entre   os   dois   é   que   o   primeiro   é   retrospectivo,   e   o   segundo,  

prospectivo.  

Cabe   ressaltar,   ainda,   o   valor   avaliativo   presente   nas  

anáforas   encapsuladoras.   Ao   resumir   conteúdos   proposicionais  

em   uma   determinada   expressão   ou   termo,   a   escolha   lexical  

realizada  apresenta  o  ponto  de  vista  do  enunciador,  contribuindo  

para  a  “transmissão  de  impressões  avaliativas  e  para  a  condução  

argumentativa  do  texto”  (CAVALCANTE,  2011,  p.  76).  

Para  tentar  agregar  tudo  o  que  foi  dito  até  agora,  abaixo  

segue   o   quadro,   criado   por   Cavalcante   (2011,   p.60),   a   fim   de  

sintetizar  os  processos  de  referenciação.  

 

 

 

Page 184: Referenciação e Ensino

   

183

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Processos  referenciais  atrelados  à  menção  

Introdução  

Referencial  

Anáforas  

Anáforas  Diretas  

(correferenciais)  

Anáforas  Indiretas  (não  correferenciais)  

Anáforas  Indiretas  

Propriamente  

Ditas  

Anáforas  Indiretas  

Encapsuladoras  

 

3. O QUE OS LDLP FALAM SOBRE

REFERENCIAÇÃO

 

Com   base   no   aporte   teórico   aqui   explicitado   e   também  

nas  orientações  dos  PCN,  será  feita  uma  análise  de  duas  coleções  

de  LDLP:  Português:  a  arte  da  palavra,  de  Gabriela  Rodella,  Flávio  

Nigro  e  João  Campos;  e  Português:  ideias  &  linguagens,  de  Dileta  

Delmanto   e   Maria   Da   Conceição   Castro.   Tal   análise   visa  

identificar  a  maneira  como  tais  materiais  abordam  os  processos  

de  referenciação.  

A   fim   de   tornar   o   levantamento   mais   objetivo,   cada  

coleção   será   abordada   separadamente.   Além   disso,   para   a  

apreciação   das   atividades   propostas,   serão   levados   em  

consideração  apenas  os  textos  jornalísticos,  em  virtude  o  espaço  

para   a   investigação.   Ao   final   das   análises,   serão   propostas  

atividades  a  partir  de  um  texto  presente  em  uma  das  coleções.  

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184

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Vale   esclarecer   que   ambas   as   coleções   foram   aprovadas  

pelo   PLND-­‐EF/2011,   consideradas   de   boa   qualidade   e  

condizentes  com  os  PCN.  Assim,  a  análise  a  seguir  não  pode  ser  

tomada   como   base   para   crítica   da   coleção   em   sua   totalidade,  

pois  será  feita  uma  reavaliação  de  um  único  aspecto.  

 

3.1. COLEÇÃO PORTUGUÊS: A ARTE

DA PALAVRA

 

3.1.1. Análise Teórica

 Nesta   coleção,   cada   capítulo   focaliza   um   gênero   textual  

específico   para   trabalhar   os   itens   relacionados   à   língua:  

interpretação   textual,   produção   textual,   oralidade   e  

gramática.Cada   capítulo  divide-­‐se,   basicamente,   em   três  partes:  

estudo  do  texto,  expressão  escrita  e  oral  (às  vezes  os  dois,  outras  

apenas  um  deles)  e  estudo  da  língua.  

O   primeiro   conteúdo   relacionado,   de   alguma   forma,   aos  

processosde   referenciação   aparece   no   volume   do   6°   ano,   no  

tópico   que   fala   sobre   o   uso   dos   Pronomes.   Após   uma   extensa  

explanação  gramatical  das  características  e  uso  dos  pronomes,  os  

autores   citam,   em   três   linhas,   que   eles   “são   importantes  

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185

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

elementos   na   construção   do   texto”   (p.   137).   Afirmam   também  

que   “como   eles  muitas   vezes   se   referem   a   substantivos   que   já  

apareceram   antes,   acabam   criando   ligações   entre   as   diversas  

partes   do   texto”   (p.   137).   Entretanto,   a   questão   não   é  

aprofundada.   Abaixo   desse   comentário   há   um   exercício   de  

identificação  de  referentes.  

Até  mesmo  as  questões  relativas  às  pessoas  do  discurso  (o  

caráter  dêitico  dos  pronomes  pessoais,  por  exemplo),  apontadas  

e  discutidas,  anteriormente,  na  parte   teórica  deste  volume,  não  

são   retomadas   nessa   atividade.Abordar   esse   aspecto   seria   de  

grande   valia,   principalmente   porque   o   gênero   trabalhado   no  

capítulo  são  as  cartas  e  outras  correspondências.  

No   Manual   do   Professor,   ao   final   do   livro,   consta   a  

seguinte  orientação:    

 

Aqui   [se   referindo   ao   tópico   sobre   pronomes]   se  tratam  de  atividades  de   identificação  das  pessoas  do   discurso   a   partir   dos   pronomes   em   textos  narrativos   e   dissertativos,   assim   como   atividades  de   substituição   de   repetições   por   pronomes,  sempre   enfatizando   a   coesão   textual   (grifos  nossos).  (p.  63)  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

No  entanto,   percebe-­‐se  que   a   “ênfase”  na   coesão  não  é  

trabalhada,  e  o  único  aspecto  coesivo  dos  pronomes  explicado  é  

a  pura  e  simples  substituição.  

No  último  capítulo  do  volume  direcionado  ao  6°  ano,  que  

trata  do  gênero  notícia,  a  coesão  é  retomada  como  um  tópico  de  

estudo  específico.  Todavia,  mais  uma  vez  o  aspecto  enfocado  é  a  

substituição:   na   página   224,   há   uma   notícia   e,   a   partir   dela,  

trabalha-­‐se   o   conceito   da   substituição   como   estratégia   com   o  

seguinte  comentário:  

 

Quando   escrevemos   um   texto,   temos   alguns  recursos  para  nos  referir  a  uma  palavra  que   já   foi  usada  alguma  vez  nele.    Um   desses   recursos   é   substituir   essa   palavra   por  um  pronome  [...].  Outra  maneira   de   evitar   repetições   é   substituir   a  palavra   já   usada   por   uma   outra   que   tenha   um  sentido  equivalente.  

 

  A  explanação,  mais  uma  vez,  é  bem  resumida  e  centrada  

na   simples   substituição   por   pronome.   Agora,   os   autores  

adicionam  ainda  o  caráter  de  o  substantivo  realizar  essa  função,  

mas   não   exploram   suas   potencialidades.   No   próprio   texto  

exposto   por   eles,   uma   notícia   que   relata   um   assalto   a   uma  

joalheria,   fica   patente   a   capacidade   de   o   substantivo   funcionar  

como  uma  anáfora  recategorizadora  e  de  apresentar  o  ponto  de  

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187

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

vista   do   enunciador.   Na  manchete   da   notícia,   aparece   o   termo  

“ladrão”,   retomado   pelos   termos   “homem”,   “distraído   rapaz”,  

“ele”   e   “mané”.   Porém,   a   peculiaridade   da   escolha   lexical   no  

momento   da   substituição   por   parte   do   enunciador   não   é  

discutida,  mesmo  havendo,  no  capítulo,  um  tópico  específico  que  

apresenta  a  ilusória  neutralidade  nos  textos  jornalísticos.  

  Nos   volumes   do   7°   e   9°   anos   da   coleção   em   análise,  

nenhum   dos   tópicos   faz   referência   aos   processos   de  

referenciação.  Apenas  no  volume  do  8°  aparece  a  seção  “Coesão:  

a  substituição”,  retomando  o  tópico,  mas  com  enfoque  um  pouco  

mais   aprofundado.   Os   autores   levantam   a   questão   da  

recategorização,   das   novas   possibilidades   de   sentido   cada   vez  

que  um  termo  é  retomado  por  um  sinônimo.    

 

A   substituição   de   uma   palavra   por   um   sinônimo  ou   por   uma   palavra   de   sentido   aproximado  garante   que   o   texto   seja   construído   de   maneira  encadeada,   pela   retomada   dos   mesmos   tópicos.  Dessa   maneira,   a   continuidade   do   assunto   é  preservada.   Além   disso,   a   cada   nova   palavra,  novos   sentidos   são   atribuídos   ao   que   se   diz,  enriquecendo-­‐se  o  texto.  (p.  35)    

Porém,   a   explanação   se   resume   ao   trecho   destacado  

acima   e,   posteriormente,   não   há   atividades   que   estimulem   a  

capacidade  do  aluno  em  encontrar  termos  referentes  e  as  novas  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

concepções  que  eles  agregam  aos  termos  retomados.  Há  apenas  

um  exercício,  reproduzido  a  seguir:  

 

1.  Releia  o  trecho  da  biografia  de  Paulo  Coelho,  abaixo,  e  observe  as  palavras  

grifadas.  

Paulo  Coelho  de  Souza  nasceu  em  uma  chuvosa  madrugada  de  24  de  agosto  

de   1947,   dia   de   São   Bartolomeu,   na   Casa   de   Saúde   São   José,   no   Humaitá,  

bairro   de   classe  média   do   Rio   de   Janeiro,   Brasil.   Nasceu  morto.   Os  médicos  

previam  dificuldades  naquele  parto,  o  primeiro  da   jovem  dona  de  casa  Lygia  

Araripe  Coelho  de  Souza,  de  23  anos,  casada  com  o  engenheiro  Pedro  Queima  

Coelho  de  Souza,  de  33  anos.  O  bebê  não  seria  apenas  o  primogênito  do  casal,  

mas  também  o  primeiro  neto  dos  quatro  avós  e  o  primeiro  sobrinho  de  tias  e  

tios  de  ambos  os  lados.  Os  exames  iniciais  apontavam  um  risco  considerável:  a  

criança   parecia   ter   ingerido   uma   mistura   fatal   de   mecônio   –   ou   seja,   suas  

próprias   fezes   –   com   líquido   amniótico.   Depois   disso,   só   um  milagre   o   faria  

nascer  com  vida.  Inerte  no  ventre  materno,  sem  manifestar  qualquer  intenção  

de  mover-­‐se   em   direção   ao  mundo,   o   recém-­‐nascido   teve   de   ser   retirado   a  

fórceps.  

 

Fernando  Morais.  O  mago.  São  Paulo:  Planeta,  2008.  P.  63.  

 

a. A  quem  elas  se  referem?  

b. Qual   nova   informação   a   palavra   primogênito   traz   a   respeito   do  

biografado?  Se  necessário,  procure  as  palavras  desconhecidas  no  dicionário.  

 

Page 190: Referenciação e Ensino

   

189

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Observa-­‐se,  nessa  atividade,  que  o  texto,  apesar  de  curto,  

oferece   uma   gama   de   palavras   que   podem   ser   discutidas   e  

analisadas,  porém  os  autores  se  restringem  a  apenas  uma  delas  –  

“primogênito”.  Além  disso,  poderiam    orientar,  de  alguma  forma,  

a   ideia   de   que   as   anáforas   não   fazem   referência   apenas   ao  

cotexto,  mas   também   aos   conhecimentos   partilhados,   uma   vez  

que  consideraram  o  primeiro  referente,  “Paulo  Coelho  de  Souza”,  

uma   AD,   em   vez   de     uma   introdução   referencial;   assim,   já   se  

parte   do   pressuposto   de   que   sabemos   de   quem   se   trata   e  

queremos  apenas   ler   sua  história  de  vida.   Isso  acontece  porque  

essas   informações   foram   apresentadas   no   capítulo,  

anteriormente   à   questão,   e   foram   esclarecidas.   Dessa   forma,   a  

retomada  é  possível,  mas  precisa  de  inferências.  

Concluindo,   na   abordagem   teórica   desta   coleção,   apesar  

de   haver   um   movimento   na   tentativa   de   apresentar   algumas  

estratégias   de   referenciação,   elas   continuam   a   ser   vistas   sob   a  

ótica   rígida   da   coesão.   Isto   é,   como   um     mero   mecanismo   de  

articulação   da   estrutura   textual,   a   fim   de   evitar   repetições   e  

deixar   o   texto   mais   enxuto,   excluindo   todo   o   aparato  

sociointeracional  que  a  elas  se  associa.  

 

Page 191: Referenciação e Ensino

   

190

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

3.1.2 Análise das Atividades com

textos jornalísticos

 Na  coleção  em  análise,  os  textos  jornalísticos,  no  primeiro  

volume,  aparecem  no  capítulo  que  versa  sobre  o  gênero  notícia.  

Em   nenhuma   das   atividades   é   trabalhada   a   referenciação.   Em  

apenas  uma  delas,  na  página  210,  há  um  exercício  que  explora  o  

conceito   de   associação.   Ele   pede   que   o   aluno,   a   partir   da  

manchete,   correlacione   a   notícia   a   uma  determinada   sessão  do  

jornal.   Porém,  não  há  nenhuma  conceituação  prévia   sobre  esse  

tipo  de  conhecimento  trabalhado  na  questão.  

No  segundo  volume,  destinado  ao  7°  ano,  há  alguns  textos  

jornalísticos   no   capítulo   que   trabalha   o   gênero   entrevista,   mas  

nenhuma   das   atividades   referentes   aos   textos   ao   menos  

tangenciam  o  estudo  da  referenciação.  

No   terceiro   volume   (8°   ano,   p.   67),   que   trata   do   gênero  

textual   teatro,   há   um   texto   jornalístico   da   Folha   de   São   Paulo.  

Nas   atividades   propostas   sobre   o   texto,   há   uma   questão   sobre  

anáfora  direta.O   texto  em  questão  versa  sobre  uma  Companhia  

de  teatro   (Companhia  do  Feijão)  e  sua  última  adaptação,  a  qual  

fez  muito  sucesso.  No  texto,  é  utilizada  a  expressão  “camaleões  

do   Feijão”   para   retomar   “atores”,   fazendo   referência   a   sua  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

capacidade   de   transformarem-­‐se   em   diversos   personagens.  

Observe  o  trecho:  

 

Montagem  mergulha  público  no  silêncio  dos  excluídos  

Sergio  Salvia  Coelho  –  Crítico  da  Folha  

[...]  

                       Pedro  Pires  e  Zernesto  Pessoa,  adaptadores  e  encenadores,  entrelaçam  

20   contos   curtos   com   uma   arrojada   sintaxe   cinematográfica,   a   partir   de  

improvisos  de  atores  preparados  não  só  para  trocar  de  personagem  sem  apoio  

de   figurino   ou  maquiagem,   como   sugerir   o   cenário   pela  marcação   e   fazer   a  

sonoplastia  em  cena.  

E   esses   camaleões   do   Feijão   também   alternam-­‐se   na   narração,   indicando  

mudanças  de  tempo  e  local  às  quais  o  resto  do  elenco  se  adapta  em  segundos,  

e  na  paisagem  sonora,  por  onomatopeias  e  discretas  percussões.    

[...]                              

Folha  de  S.  Paulo,  quinta-­‐feira,  17  de  abril  de  2003.  

 

A   atividade   se   destacada   por   não   se   restringe   à  

identificação   do   referente   apenas.   Ela   pede   também   que   se  

explique  o  que  o  texto  quis  dizer  com  a  expressão  utilizada  para  

realizar  a  retomada.  Dessa  forma,  o  aluno  tem  que  ter  entendido  

todo   o   conteúdo   proposicional   anterior   para   chegar   ao  

significado  da  expressão,  criando  uma  recategorização  do  termo  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

retomado   “atores”.  No   entanto,   é   o   único   texto   jornalístico   em  

todo  o  volume.  

Por   fim,   no   último   volume   da   coleção   (9°   ano),   há   um  

texto  opinativo,  da  Folha  de  São  Paulo.  Nas  atividades  propostas  

em  relação  a  esse  texto  (p.  192),  há  uma  questão  que  trabalha  o  

conceito  de  anáfora  prospectiva  a  partir  do  título  do  texto,  mas,  

nesse  caso,  a  explora-­‐se  apenas  o  reconhecimento  do  referente.  

Reproduzimos  abaixo  a  parte  inicial  do  artigo  para  vermos  como  

a   expressão   referente   ao   termo   “atividade”,   no   título,   é  

esclarecida  logo  no  início  do  texto:  

 

Atividade  expõe  tensão  entre  direitos  Gilberto  Dimenstein  –  Colunista  da  Folha  A   pichação   é   umas   das   expressões   mais   visíveis   da   instabilidade  

humana.   São   mais   do   que   rabiscos.   São   uma   forma   de   estabelecer   uma  

relação   de   pertencimento   coma   comunidade   –   mesmo   que   por   meio   da  

agressão  –  e,  ao  mesmo  tempo,  de  dar  ao  autor  um  sentido  de  autoridade.  [...]  Folha  de  S.  Paulo,  21  jan.  2006.    

 

A  questão  pede  para  que  o  aluno   identifique,   segundo  o  

texto,  qual  é  atividade,  mas,  nesse  caso,  não  explora  nada  além  

da  simples   identificação  de  referente.  Entretanto,  cabe  ressaltar  

que  é  a  primeira  de  oito  atividades  sobre  o  texto.  Assim,  poderia  

Page 194: Referenciação e Ensino

   

193

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ser   considerada  uma  atividade  de   reconhecimento,   introdutória  

para  as  demais  questões.  

 

3.2. COLEÇÃO PORTUGUÊS: IDEIAS E

LINGUAGENS

3.2.1. Análise Teórica

 A   coleçãoé   dividida   em   unidades   e,   cada   uma   delas,  

aborda   um   tema.   Cada   unidadetrabalha,   basicamente,   os  

seguintes   itens:   estudo   do   texto,   expressão   escrita   e   oral   e  

estudo  da  língua.  

No   primeiro   volume   da   coleção,   voltado   ao   6°   ano,   os  

substantivos   são   abordados   na   unidade   3.   Após   toda   a  

explanação   gramatical   sobre   essa   classe   de   palavras,   há   uma  

atividade  em  que  o  conceito  de  coesão  é  pontuado:  

 

3.  Quando  escrevemos,  precisamos  nos  preocupar  em   “amarrar”   as   frases,   observar   se   possuem  vínculo   entre   si,   para   não   deixar   o   nosso   leitor  perdido.  Há  vários   recursos  que  conferem  coesão  a   um   texto.   Um   deles   é   a   correta   retomada   de  palavras  que   já   foram  mencionadas,   sem  precisar  repeti-­‐las  o  tempo  todo.  Você  pode,  por  exemplo,  empregar   um   substantivo   abstrato   para   retomar  um  verbo  que   já   foi  enunciado  anteriormente.   (p.  97)  

 

Page 195: Referenciação e Ensino

   

194

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Ao  observarmos  o  enunciado  da  atividade,  já  percebemos  

o   conceito   de   coesão   e   o   uso   dos   substantivos,   segundo   as  

autoras:   evitar   repetições.   Em   relação   à   questão   em   análise,  

especificamente,   é   trabalhada   a   alternância   entre   verbo   e  

substantivo,   como   mostra   o   modelo   apresentado   pelas  

estudiosas:   “Quando   ouviram   o   sinal,   os   alunos   correram   em  

direção  ao  pátio,  atropelando-­‐se  uns  aos  outros.  A  corrida  só  foi  

interrompida  com  a   chegada  da  diretora”   (p.  97).   Em  momento  

algum  o   caráter   recategorizador   das   retomadas   exercidas   pelos  

substantivos  e  sua  importância  nos  textos.  

  Ainda  no  primeiro  volume,  na  unidade  8  (p.  216),  o  tópico  

pronomes   é   trabalhado   sem   mencionar   sua   relação   com   as  

estratégias  de  retomadas  e  seu  caráter  “neutro”.  Porém,  em  uma  

das   atividades   propostas,   exige-­‐se   o   reconhecimento   dos  

referentes  em  um  pequeno  texto,  reproduzido  a  seguir:  

 

Espertinho  

No  parque,  o  garoto  pede  dinheiro  a  sua  mãe  para  dar  a  um  velhinho.  

Sensibilizada,  ela  dá  o  dinheiro,  mas  lhe  pergunta:  

-­‐  Para  qual  velhinho  você  vai  dar  o  dinheiro,  meu  querido?  

-­‐  Para  aquele  que  está  gritando  “Olha  a  pipoca  quentinha!”.  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Em  nenhum  dos   demais   volumes   é   discutida,   de   alguma  

forma,   a   questãoda   referenciação.  Ou   seja,   apenas   no   6°   ano   é  

feita  uma  tímida  menção  teórica  sobre  o  assunto,  que,  nos  anos  

posteriores,  não  é  retomado.  

Cabe  aqui  um  comentário  sobre  um  conceito  que  aparece  

no  último  volume,  dentro  do  tópico  Produção  Textual.  As  autoras  

intitulam   o   assunto   como  A   importância   da   focalização,   com   o  

objetivo   de   apresentar   como   os   textos   focalizam   determinados  

objetos-­‐de-­‐discurso   e   “obscurecem”   outros,   deixando  

transparecer  o  ponto  de  vista,  a  ótica  do  enunciador.  As  autoras,  

nesse   momento,   falam   especificamente   de   textos   descritivos   e  

narrativos,  mas  poderiam  aproveitar  o  assunto  para  trabalhar  as  

estratégias   de   referenciação,   que   têm   o   caráter   de,   como  

apontam  Koch  e   Elias   (2011,   p.   125-­‐126),   introduzir   objetos-­‐de-­‐

discurso,  retomá-­‐los  (manter  em  foco)  e  desfocalizá-­‐los.  

 

3.2.2. Análise das atividades

com textos jornalísticos

 Em  virtude  de  a  coleção  ora  em  análise  ser  organizada  em  

temas,  os  textos  jornalísticos  encontram-­‐se  distribuídos  ao  longo  

da  coleção.  Serão  observadas  as  atividades  propostas  relativas  a  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

esses  textos,   independente  da  unidade  em  que  apareçam,  a  fim  

de   analisarmos   se,   ao   menos   nos   exercícios,   os   processos  

dereferenciação  são  trabalhados.  

Após   buscar   em   cada   volume   os   textos   jornalísticos,  

constatamos   que   a   maior   parte   deles   aparece   como   textos   de  

“reflexão”,  no  início  das  unidades,  ou  fazendo  parte  da  coletânea  

de  textos  para  auxiliar  na  produção  textual.  Isto  é,  nesses  casos,  

não  há  atividades  relativas  ao  texto.  

Os   poucos   textos   jornalísticos   vêm   com   perguntas  

relacionadas  à  identificação  de  informações  explícitas,  tais  como  

o   que   aconteceu?,   onde?,   quando?   etc.,   e   à   tipologia   textual,  

com   foco   na   estrutura   –   manchete,   lead,   subtítulo,   corpo   do  

texto.  

Dessa   forma,   percebemos   que   a   coleção   não   aborda   o  

conceito   da   referenciação   de   forma   teórica,   nem   propõe  

exercícios   que   levem   os   alunos   a   uma   reflexão   acercados  

processos   referenciais   na   constituição   de   um   texto,   como   a  

retomada   por   diferentes   escolhas   vocabulares,   ou   mesmo   as  

anáforas   indiretas   e   encapsuladoras.   Além  disso,   nesta   coleção,  

os   textos   jornalísticos   não   são   trabalhados   do   ponto   de   vista  

sociointeracional.   As   explicações   e   atividades   se   restringem   a  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

determinar  a  estrutura  do  texto  e  fazer  uma  análise  superficial  de  

seus  elementos.  

 

4. PROPOSTA DE ATIVIDADE

 

As   análises   realizadas   mostraram   que   as   atividades  

(quando  há)  que  utilizam  os  conceitos  de  referenciação  ainda  os  

trabalham  de  maneira   tímida  e  pouco  aprofundada.  Poucas   são  

as   questões   que   exigem   dos   alunos   uma   reflexão   além   da  

substituição   de   termos.   Não   há   um   trabalho   voltado   para   a  

análise   textual,   fazendo   os   alunos   pensarem,   no   caso   das  

anáforas  diretas,  o  que  determinadas  escolhas  lexicais  geram  no  

texto.   Os   demais   tipos   de   anáfora   nem   sequer   aparecem   nas  

atividades.  

Sendo   assim,   a   partir   de   um   texto   do   gênero   notícia,  

propomos   aqui   algumas   atividades   que   poderiam   constar   nos  

livros   didáticos.   A   seguir,     reproduzimos   a   notícia,   retirada   da  

coleção  Português:  a  arte  da  palavra  (vol.  1,  p.  221).    

 

 

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Uol  tecnologia  –  12/12/2006  –  10h16  

Homem   na   Alemanha   acompanha   roubo   de   sua  

casa  no  Brasil  pela  Web  

por  Alberto  Alerigi  

SÃO  PAULO  (Reuters)  –  A  tecnologia  ajudou  a  

evitar  um  assalto  no   litoral   de   São  Paulo  neste   fim  

de   semana,   quando   um   empresário   que   estava   na  

Alemanha   viu   imagens   de   sua   residência   sendo  

roubada   por   um   ladrão.   As   imagens   foram  

transmitidas   por   câmeras   conectadas   à   internet   de  

sua  casa  e  o  ladrão  foi  preso  depois  que  a  polícia  foi  

acionada.  

O   empresário   estava   na   cidade   alemã   de  

Colônia  e  recebeu  um  alerta  em  seu  celular  vindo  da  

casa  litorânea,  no  outro  lado  do  Atlântico.  

O  alerta  foi  acionado  no  dia  10  pelo  sistema  

de   segurança   da   casa,   localizada   na   praia   de  

Pernambuco,  no  Guarujá.  

O  empresário   ligou   seu   laptop   após   receber  

o   aviso   eletrônico   de   invasão   de   sua   residência   e  

pela  internet  conseguiu  ver  uma  pessoa  rondando  e  

usando  objetos  da  casa.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A   vítima   então   avisou   sua   mulher,   que  

chamou   as   autoridades   e   manteve   contato   com   a  

polícia  durante  o  cerco  da  residência.  

“Ela   passou   detalhes   para   a   gente   de   como  

era  o  ladrão  e  onde  ele  estava  enquanto  estávamos  

cercando  a  casa”,  contou  à  Reuters,  por  telefone,  o  

cabo   Américo   Rodrigues,   da   5a   companhia   do   21°  

Batalhão   do   Interior   da   Polícia   Militar.   “Isso   foi  

crucial  para  que  a  gente  agisse  com  objetividade.  A  

ação   não   demorou   mais   que   15   minutos”,  

acrescentou  o  policial  que  participou  do  cerco.  

Segundo   ele,   o   ladrão   usou   uma   escada   da  

própria  residência  para  entrar  na  casa  pelo  primeiro  

andar.  

Os   donos   puderam   ver   o   ladrão   provando  

roupas,   e,   quando   os   policiais   entraram   na   casa,  

uma  série  de  objetos,  entre  eles  eletrodomésticos  e  

ferramentas,   estavam   embalados   em   sacos   na  

cozinha,  prontos  para  serem  levados.  

O   ladrão   não   desconfiou   que   estava   sendo  

vigiado  a  milhares  de  quilômetros  de  distância.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

“Ele  ficou  surpreso  quando  soube  que  estava  

sendo   visto   por   câmeras   pela   internet”,   disse  

Rodrigues.  

Os   donos   da   casa   foram   procurados   pela  

Reuters,   mas   não   puderam   ser   encontrados   para  

comentar  o  ocorrido.  

Folha  Online.  Disponível  em:  

http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/reuters/2006//

12/12/ult3949u596.jhtm.  Acesso  em:  21  ago.  2008.  

 

Questões:  

1   –   Muitas   foram   as   formas   utilizadas   por   essa   notícia   para  

retomar  diversos  referentes.  Preencha  a  tabela  abaixo  com  essas  

formas.  

 

Homem     Ladrão   Américo  Rodrigues  empresário   pessoa   policial  

vítima   ele   ele  donos     Rodrigues  

 2   –De   acordo   com   a   leitura   do   texto,   podemos   afirmar   que   o  

homem   que   colocou   câmeras   em   sua   casa   pode   ser   retomado  

como  “a  vítima”?  Justifique  sua  resposta.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

R:  Sim,  pois  ele  teve  sua  casa  assaltada,  sendo,  assim,  alvo  de  um  

crime,  a  vítima.  

3  –  Podemos  entender  como  encapsuladores  termos  de  natureza  

nominal  ou  pronominal  que  resumem  indiretamente  informações  

do  texto  e  do  contexto.  Assim,  analisando  a  fala  do  cabo  Américo  

Rodrigues  (6°  parágrafo),  quando  diz  “Isso  foi  crucial”,  ao  que  ele  

se  refere?    

R:  O  policial  se  refere  ao  fato  de  a  mulher  do  empresário  ter  dado  

detalhes  da  movimentação  do   ladrão  e  de   como  ele   era  para   a  

polícia  enquanto  a  casa  era  cercada.  

4   –   Na  manchete   da   notícia,   aparece   a   expressão   “Web”,   que  

está   diretamente   ligada   à   área   tecnológica.   Ao   longo   do   texto,  

outras   expressões   do   campo   semântico   da   tecnologia   surgem  

para   explicar   a   maneira   como   o   assalto   foi   evitado.   Retire   do  

texto  essas  palavras.  

R:   “câmeras   conectadas   à   internet”,   “celular”,   “sistema   de  

segurança”,  “laptop”,  “aviso  eletrônico”  e  “internet”.  

5   –   Nos   três   primeiros   parágrafos,   o   texto   usa   algumas  

expressões   alternando   os   artigos   que   a   precedem.   Identifique  

que  expressões  são  estas  e  justifique  essa  alternância.  

R.:   um   empresário/o   empresário;   um   ladrão/o   ladrão   e   um  

alerta/o   alerta.   O   texto   precede   as   expressões   com   artigo  

Page 203: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

indefinido   quando   estas   aparecem   pela   primeira   vez   no   texto,  

isto   é,   não   são   de   conhecimento   do   leitor,   pois   não   foram  

citadas  antes.  Quando  realiza  a  retomada,  o  texto  utiliza  o  artigo  

definido,  deixando  para  o   leitor   a  pista  de  que  este   termo   já  é  

conhecido,  já  apareceu  anteriormente.  

 

  Essas   são   algumas   possibilidades   de   abordagem   das  

estratégias   de   referenciação   que   poderiam   ser   cobradas   nos  

livros   didáticos.  Não   queremos,   com   isso,   postular   que   a   teoria  

completa   seja  abordada,  especificando  o  nome  dos  processos  e  

suas   peculiaridades.   Queremos,   antes,   que,   no   momento   do  

trabalho   com   os   textos,   seja   realizado   um   percurso   que   leve   o  

aluno   a   enxergar   esses   mecanismos,   tão   importantes   para   a  

construção   textual   e   para   uma   leitura   menos   ingênua   e   mais  

crítica  de  qualquer  gênero.  

   

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

  As   orientações   dos   PCN   de   Língua   Portuguesa,   baseadas  

em   estudos   de   longa   data,   buscam   um   ensino   mais   crítico   e  

reflexivo,   uma  metodologia   que   leve   o   aluno   a   refletir   sobre   o  

Page 204: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

uso   da   língua,   e   não   apenas   a   classificar   e   identificar   termos   e  

elementos  gramaticais.  

  Entretanto,   no   tocante   ao   ensino   das   estratégias   de  

referenciação,  as   tentativas,  quando  existem,  são  tímidas  e  sem  

uma   apreciação   teórica   bem   fundamentada.   Apesar   de   os   PCN  

orientarem   um   trabalho   com   o   texto   sob   o   ponto   de   vista  

sociointeracional,  entendendo  o  texto  como  o  lugar  da  interação  

–como  Koch  e  Marcuschidefendem  desde  a  década  de  60  –,  na  

realidade  dos  livros  didáticos  isso  ainda  não  acontece.  

  Os   autores   ainda   repassam   os   conhecimentos   coesivos  

sob  o  rótulo  da  substituição  com  o  objetivo  de  evitar  repetições  

desnecessárias.  Como  essas  substituições  são  feitas,  quais  são  as  

suas   consequências,   os   seus   efeitos   discursivos,   nada   disso   é  

discutido  nas  duas  coleções  analisadas.  

  Em   consequência   disso,   os   professores   podem   acabar  

passando   adiante   tais   conhecimentos   ultrapassados,   pois  

também  não  têm  a  seu  dispor  um  material  que  dê  suporte  a  seu  

autodesenvolvimento.  Sem  um   local  adequado  de  consulta,  que  

no   geral   é,   em   primeira   instância   o   LD,   o   profissional   não  

consegue   se   atualizar   em   relação   a   alguns   conteúdos   e  

abordagens   e   não   tem   tempo   de   organizar   materiais   paralelos  

para  suprir  tantas  lacunas.  

Page 205: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Enfim,   na   análise   feita   em   relação   à   abordagem   da  

referenciação   nos   livros   didáticos   de   Língua   Portuguesa   do  

segundo  ciclo  do  ensino  fundamental,  podemos  perceber:  

 

-­‐   que   não   há   uma   correspondência   da   perspectiva   de   ensino  

indicada  pelos  PCN  e  os  LD;  

-­‐   quando   há   algum   item   que   se   aproxime   das   estratégias   de  

referenciação,   este   ainda   é   abordado   de   maneira   superficial,  

restringindo   a   retomada   à   substituição   de   termos   para   evitar  

repetições;  

-­‐  o  manual  do  professor  não  alicerça  o  docente  quanto  à  teoria  e  

metodologia  de  estudo  do  fenômeno;  

-­‐  as  atividades  propostas  não  exigem  do  aluno  reflexões  de  cunho  

sociointeracional.Solicitam,   grande   parte   das   vezes,   apenas   a  

identificação  dos  termos  retomados  nos  textos  por  substantivos  

equivalente  e  pronomes.  

 

  Sendo  assim,  é  necessário  pensar  como  incluir  o  processo  

de   referenciação   nos   LDLP,   a   fim   de   tornamos   os   discentes  

leitores  mais  astuciosos  e  críticos,  mostrando-­‐lhes  que  um  texto  

vai  muito  além  do  que  está  escrito.  Abrir  seus  olhos  para  além  do  

papel,  para  que  eles  possam  perceber  os  mecanismos  de  que  eles  

Page 206: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

mesmos  se  valem  no  momento  de  escrever  um  texto  e,  após  essa  

consciência,  possam  escrever  textos  ainda  melhores.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 CAVALCANTE,   M.   M.   Expressões   referenciais   –   uma   proposta  

classificatória.Caderno   de   Estudos.   Linguísticos,   Campinas,  vol.  44,  2003.  p.  105-­‐118.  

 ______.   Referenciação:   sobre   as   coisas   ditas   e   não   ditas.  

Fortaleza:  Edições  UFC,  2011.    KOCH,  I,  G.  V.  &  MARCUSCHI,  L.  A.  Processos  de  referenciação  na  

produção   discursiva.   D.E.L.T.A.,   vol.   14,   Número   especial,  1998.  p.  169-­‐190.  

 ______.  TRAVAGLIA,  L.  C.  Texto  e  coerência.  São  Paulo:  Contexto,  

1999.    ______.  FÁVERO,  L.  L.  Linguística  Textual:  Introdução.  São  Paulo:  

Cortez,  2008.      ______.  Desvendando   os   segredos   do   texto.   São   Paulo:   Cortez,  

2011.    ______.  ELIAS,  V.  M.  Ler  e  Compreender  os  sentidos  do  texto.  São  

Paulo:  Contexto,  2011.    MEC/SEF:   SECRETÁRIA   DE   EDUCAÇÃO   FUNDAMENTAL.  

Parâmetros  Curriculares  Nacionais:  terceiro  e  quarto  ciclos  do  ensino  fundamental:  língua  portuguesa.  Brasília,  1998.    

Page 207: Referenciação e Ensino

   

206

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

MARCUSCHI,   L.   A.   Anáfora   Indireta:   o   barco   textual   e   suas  âncoras.Revista   Letras,   n°.   56,   Curitiba:   Editora   da   UFPR,  2001.  p.  217-­‐258.  

 ______.   KOCH,   I.   V.   Estratégias   de   referenciação   e   progressão  

referencial   na   língua   falada.   In   ABAURRE,   M.B.   (org.)  Gramática   do   português   falado,   vol.   VIII,   Campinas:   Ed.   da  UNICAMP/FAPESP,  1998.p.  31-­‐56.  

 

 

MANUAIS DIDÁTICOS

RODELLA,   G.   NIGRO,   F.   &   CAMPOS,   J.   Português:   a   arte   das  palavras.  São  Paulo:  AJS,  2009.  

 DELMANTO,  D.&  CASTRO,  M.   C.  Português:   ideias   e   linguagens.  

13°  ed.  São  Paulo:  Saraiva,  2009.  

Page 208: Referenciação e Ensino

   

207

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A construção de objetos de discurso pelo léxico: uma

abordagem relevante ao ensino

ALVES  JÚNIOR,  Mário  Acrisio  (UFRJ)  

1. INTRODUÇÃO

 

Considerando   que   os   processos   referenciais,   além   de  

garantirem  o  encadeamento  e  a  coerência   textuais,  constituem-­‐

se   como   excelentes   ferramentas   de   persuasão,   sobretudo  

quando,  em  sua  base,  os  elementos  linguísticos  empregados  são  

da   ordem   do   léxico,   este   artigo   focaliza   a   abordagem   da  

referenciação   no   ensino   de   língua   portuguesa.   Como   alvo   de  

análise,   tomamos   duas   coleções   de   livros   didáticos   de   língua  

portuguesa  dirigidas  ao  ensino  fundamental.  

Para   além   do   papel   meramente   coesivo   dos   elementos  

referenciais,  o  debate  sobre  suas  funções  argumentativas  é  hoje  

uma   das   mais   relevantes   discussões   em   pauta   nos   estudos  

textual-­‐discursivos.   Embora  muitos   autores,   desde   os   trabalhos  

Page 209: Referenciação e Ensino

   

208

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

inaugurais  de  Mondada  e  Dubois   (MONDADA,  1994;  MONDADA  

&  DUBOIS,  1995)  sobre  “a  construção  dos  objetos  de  discurso”,  já  

apontem   para   a   natureza   intencional,   ideológica   e   subjetiva   da  

referenciação,   é   necessário   dizer   que   o   tema   não   se   esgota,  

principalmente   no   que   concerne   à   sua   aplicação   nas   atividades  

de  leitura,  compreensão  e  produção.  

Partindo   desses   princípios   e   apoiando-­‐se   em   um  quadro  

teórico   já   definido   pela   linguística   interacional,   este   trabalho  

segue  dividido  em  outras  cinco  seções:  nas  próximas  três,  serão  

retomados  os  aspectos  teóricos  sobre  a  referenciação,  bem  como  

o  papel  argumentativo  dos  objetos  de  discurso  –  com  focalização  

das  modalidades  anafóricas  –,  a  partir  de  autores  consagrados  na  

área,  como  Mondada  e  Dubois  (2003),  Koch  e  Marcuschi  (1998),  

Koch   (2004,  2005),  Marcuschi   (2004,  2005)  e  Cavalcante   (2011);  

na  quinta,   será  observado,  primeiramente,   se  e   como  o   tema  é  

abordado   nos   livros   didáticos   analisados   e,   em   seguida,   serão  

propostas  atividades  em  torno  de  um  texto   jornalístico  extraído  

de  uma  das  coleções;  a  última  parte  é  dedicada  às  considerações  

abstraídas  a  partir  da  articulação  entre  o  percurso  teórico  feito  e  

as  análises  desenvolvidas.  

 

Page 210: Referenciação e Ensino

   

209

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

2. O PARADIGMA DA REFERENCIAÇÃO

 

A   fim   de   discutir   questões   teóricas   concernentes   ao  

quadro   amplo   da   referenciação   e,   na   seção   seguinte,   sobre   a  

função  de  orientação  argumentativa  das  expressões  referenciais  

no  texto,  estabelecemos  um  diálogo  entre  autores  reconhecidos  

por  dedicar  boa  parte  de   suas  pesquisas  ao  estudo  do   tema  no  

campo  mais  amplo  das  teorias  do  texto  e  do  discurso.  

Uma  vez  que  a  questão  da  referência  é  assunto  dos  mais  

frequentes   nos   debates   sobre   a   relação   entre   linguagem   e  

mundo,  é   importante,  a  princípio,   trazer  à   tona  a   lembrança  de  

que  a  teoria  da  referenciação  surge  como  uma  resposta  a  outro  

modelo   teórico   que   corresponde   a   uma   visão   puramente  

referencialista  da  linguagem,  na  qual  referir  significa  representar  

diretamente   e   extensionalmente   os   objetos   do   mundo.   Essa  

tendência  pressupõe  a  estaticidade  da   língua  e  não   considera  a  

interferência   dos   sujeitos   na   construção   dos   sentidos,   o   que  

ilustra  claramente,  na  crítica  de  Mondada  e  Dubois  (1995,  p.19),  

“um  poder  referencial  da  linguagem  que  é  fundado  ou  legitimado  

por   uma   ligação   direta   (e   verdadeira)   entre   as   palavras   e   as  

coisas”.  

Page 211: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Alves  Jr.  (2011)  comenta  que,  ao  questionar  a  concepção  

referencialista,   essas   autoras   operam   um   aprofundamento   na  

noção   de   referência,   descartando   a   suposta   relação   de  

correspondência   e   estabilidade   entre   as   palavras   e   as   coisas.  

Passa-­‐se,  então,  no  contexto  da  virada  cognitivista,  a  considerar  

as  experiências  perceptiva  e  cognitiva  no  quadro  da  significação  

referencial,   na   busca   por   compreender   “como   as   atividades  

humanas,  cognitivas  e  linguísticas  estruturam  o  mundo  e  lhe  dão  

um   sentido”   (MONDADA   &   DUBOIS,   1995,   p.20).   No   interior  

desse   novo   paradigma,   não   se   focalizam   mais   as   relações  

referenciais  em  si,  mas  o  processo  desencadeado  a  partir  dessas  

relações:  a  referenciação.  

O   paradigma   cognitivo   logo   é   ampliado   para   uma  

perspectiva   sociointeracionista,   e   passa-­‐se   a   conceber   o   papel  

ativo   dos   sujeitos   na   construção   de   sentidos   no   (e   pelo)   texto.  

Essa   mudança   de   uma   tendência   extensionalista   da   linguagem  

para  uma  de  teor  interacional  e  discursivo  é  bem  explicitada  por  

Koch   e   Marcuschi   (1998,   p.173),   no   que   tange   à   atividade  

referencial:  

Referir   não   é   mais   atividade   de   "etiquetar"   um  mundo  existente  e   indicialmente  designado,  mas  sim  uma  atividade  discursiva  de  tal  modo  que  os  referentes  passam  a  ser  objetos-­‐de-­‐discurso  e  não  

Page 212: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

realidades  indepndentes.  Não  quer  isso  dizer  que  tudo   se   transforma   numa   panacéia   subjetivista,  mas   que   a   discretização   do   mundo   pela  linguagem  é  um  fenômeno  discursivo.  Em  outros  termos,   pode-­‐se   dizer   que   a   realidade   empírica,  mais   do   que   uma   experiência   estritamente  sensorial   especularmente   refletida   pela  linguagem,   é   uma   construção   da   relação   do  indivíduo  com  a  realidade.  

 

Enfim,  o  estudo  da  referenciação  permite  uma  formulação  

cada   vez   mais   consensual   de   que   os   referentes   ou   objetos   de  

discurso  são  construídos  e  reconstruídos  pelos  sujeitos  –  “atores  

sociais”  –  no  curso  das  atividades  cognitivo-­‐discursivas  que  são  as  

práticas   de   linguagem.   Nesse   novo   paradigma   não   há   espaço  

para   se   afirmar   que   a   realidade   é   concebida   em   termos   de  

correspondência  com  um  mundo  previamente  discretizado,  pois  

isso  eliminaria  a  singularidade  de  cada  ato  de  enunciação,  o  qual,  

sabe-­‐se,  diz  respeito  a  um  evento  discursivo  único  e  irrepetível.  

No   bojo   dos   processos   de   referenciação,   estão   os  

elementos   lexicais,   por   meio   dos   quais   fica   mais   evidente   o  

caráter  variável  das  relações  entre  linguagem  e  mundo,  por  ser  o  

léxico,   de   acordo   com   Marcuschi   (2004,   p.270),   “o   nível   da  

realização   linguística   tido   como   o  mais   instável,   irregular   e,   até  

certo   ponto,   incontrolável”.   Grosso   modo,   é   dito   que   tal  

Page 213: Referenciação e Ensino

   

212

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

instabilidade  é   fruto  da  variabilidade  das   situações  de   interação  

com   que   os   indivíduos   se   deparam   e,   em   contrapartida,   da  

limitação  do  léxico,  quando  considerado  em  sua  sistematicidade.  

Em  um  nível  discursivo,  que  inclui  a  língua,  mas  também  o  

contexto   sociocognitivo   e   os   atores   sociais   envolvidos   na  

interação  com  suas  ações  e  intenções,  o  funcionamento  do  léxico  

está  muito  mais   ligado  às  atividades  de  manuseio  da   língua  por  

seus   usuários,   isto   é,   como   eles   agem   sobre   o   léxico   para  

produzir   sentido.   Em   síntese,   são   os   contextos   linguístico   e  

sociocultural   que   definem   o   sentido   de   determinada   expressão  

nominal  empregada  em  uma  situação  de  interação.  Por  exemplo,  

o   termo   “furacão”   pode   se   referir   (e   essas   acepções   não   são  

raras):   a   uma   mulher   que   causou   um   enorme   reboliço  

sentimental   ao   passar   pela   vida   de   um   homem;   a   uma   banda  

musical   de   sucesso   que   tem   levantado   muitos   seguidores;   ou,  

mesmo  em  seu  sentido  mais  primitivo,  ao  fenômeno  natural  que  

costuma  causar  grandes  estragos  onde  ocorre.  

 

 

 

3. REFERENCIAÇÃO, LÉXICO E ENSINO

Page 214: Referenciação e Ensino

   

213

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

   

Como  frutos  dos  processos  de  referenciação,  é  posto  que  

os   objetos   de   discurso   são   construídos   pelos   sujeitos   no   curso  

dos  eventos  discursivos   “em   função  de  um  querer-­‐dizer”,   como  

afirma   Koch   (2005,   p.35).   Dessa   forma,   a   autora   atesta   que   as  

escolhas  lexicais  não  são  aleatórias,  mas  operadas  de  acordo  com  

os  propósitos  comunicacionais  e  com  a  situação  de  comunicação.  

Dito   isto,  é  possível  pensar  na  relevância  dessas  escolhas  

quando  a  intenção  do  sujeito  é  persuadir  o  interlocutor,  levando-­‐

o  a  aderir  a  uma  ideia,  a  uma  proposta  sobre  o  mundo.  No  que  se  

refere  às  expressões  nominais  referenciais,  vale  destacar  que  não  

é   apenas   o   nome   nuclear   que   pode   assumir   um   papel   de  

orientador   argumentativo,   mas   também   os   modificadores  

nominais   que   eventualmente   entram   nessas   construções.   Basta  

pensar   nos   termos   em   destaque   nas   seguintes   construções:   o  

furacão   devastador,   a   cena   impressionante,   sérios   problemas,  

notável   saber.   Imaginar   tais   expressões   sem   os   termos  

destacados  leva  a  concluir  o  forte  papel  avaliativo  que  cumprem  

ao  serem  empregadas  como  formas  referenciais.  

Koch   (2005,   p.35)   defende   que,   quando   expressões  

nominais   são   empregadas,   “uma   de   suas   funções   textual-­‐

Page 215: Referenciação e Ensino

   

214

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

interativas  específicas  é  a  de  imprimir  aos  enunciados  em  que  se  

inserem,   bem   como   ao   texto   como   um   todo,   orientações  

argumentativas   conformes   à   proposta   enunciativa   do   seu  

produtor”.  

É   necessário   esclarecer,   quando   se   fala   em   orientação  

argumentativa,  que  a  noção  de  argumentação  a  que  essa  função  

se   refere   em   nada   se   refere   àquela   ligada   à   estrutura  

argumentativa   ou   ao   modo   de   organização   argumentativo  

(CHARAUDEAU,   2008).   Tal   conceito   diz   respeito   ao   nível  

macrotextual,  e  pode-­‐se  dizer,  didaticamente  falando,  que  é  um  

conceito  mais  produtivo  no  ensino  de  produção  de  textos  do  que  

no   de   leitura.   A   função   de   orientação   argumentativa   das  

expressões  nominais  referenciais  é  assim  denominada  por  conta  

do  caráter  avaliativo  de  certas   construções,  e  diz   respeito,  pois,  

ao  nível  microtextual.  Basta  verificar,  ao  longo  de  um  texto,  como  

essas   expressões,   quando   são   avaliativas,   orientam   o   leitor   em  

direção   a   um   posicionamento,   um   ponto   de   vista   colocado   no  

texto.  

Partindo   desse   pressuposto,   defendemos   que   as  

atividades   com   textos   em   sala   de   aula   devem   contemplar   a  

abordagem   da   referenciação,   por   entendermos   que   os  

mecanismos  de  operação  desse  processo  dão  estrutura  e  sentido  

Page 216: Referenciação e Ensino

   

215

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

aos   textos.   Esse   posicionamento   encontra   apoio   na   seguinte  

afirmação  de  Cavalcante  (2011b,  p.157):  

 

Cremos  que  explorar,  em  sala  de  aula,  os  papéis  que  os  processos  de  referenciação  desempenham  na  construção  dos  textos  e  dos  discursos  é  muito  importante   para   o   desenvolvimento   das  habilidades   de   leitura   e   de   produção   textual   (...)  [e]   para   a   melhoria   no   desempenho   da  (re)construção  da  coerência.  

 

Também   os   autores   de   livros   didáticos   de   língua  

portuguesa   não   podem   negar   esse   conteúdo,   haja   vista   sua  

ligação  direta  com  a  “competência  textual”  ou  “comunicacional”,  

tão  claramente  especificadas  nos  PCN.  Mas,  mesmo  que  os  livros  

didáticos  não  ofereçam  tal  conteúdo,  o  professor  deve  estar  apto  

e  bem  disposto  a  trabalhá-­‐lo  a  partir,  por  exemplo,  de  um  texto  

do   próprio   livro,   levando-­‐se   em   conta   que   este   não   é   um  

instrumento   único   e   autônomo   de   ensino/aprendizagem.   Ao  

discutir   sobre   o   que   se   poderia   levar   sobre   os   processos   de  

referenciação   ao   ensino,   Cavalcante   (2011b,   p.165)   recomenda  

que  “mergulhar,  pacientemente,  junto  com  os  alunos,  nesse  mar  

de   riquezas   é   uma   oportunidade   a   que   o   professor   de   língua  

portuguesa  não  deveria  se  furtar”.  

Page 217: Referenciação e Ensino

   

216

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

É   com   essa   visão   sobre   a   relevância   dos   processos   de  

referenciação  para  o  ensino  de  língua  portuguesa  que  o  presente  

artigo   busca   propor   a   abordagem   específica   da   função  

argumentativa   projetada   a   partir   das   (re)categorizações  

avaliativas,   as   quais,   no   amplo   universo   das   estratégias  

referenciais,   transformam   os   referentes   pela(s)   mudança(s)   de  

designação   ao   longo   do   texto.   Para   Matos   (2005),   essas  

transformações  por  que  passam  os  objetos  de  discurso  resultam  

de   decisões   semântico-­‐estruturais   determinadas   por   fatores  

extralingüísticos,   tais   como   os   propósitos   comunicativos   e/ou  

persuasivos  do  locutor.  

Assim,   o   trabalho   em   sala   de   aula   com  a   argumentação,  

observando   os   índices   lexicais,   é   um   campo   muito   farto   e  

interessante  a  explorar,  e  seguir  esse  caminho  a  partir  da  noção  

de   recategorização   avaliativa   parece   ser   uma   opção   produtiva  

como  proposta  de  ensino  numa  perspectiva  textual.  

Considerando,   pois,   a   referenciação   como  um   fenômeno  

discursivo,   que   consiste   na   introdução,   manutenção   e/ou  

reconstrução  de  objetos  de  discurso,  o  que  se  apresenta  a  seguir,  

de   forma   bem   sucinta,   são   os   pressupostos   dos   processos  

referenciais.   Para   isso,   entendemos   ser   necessário   acompanhar  

Page 218: Referenciação e Ensino

   

217

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

de   perto   alguns   aspectos   vinculados   à   noção   de   progressão  

referencial  claramente  abordada  em  Koch  (2002;  2004).  

Koch   (2004,   p.60)   defende   que   “a   referenciação,   bem  

como   a   progressão   referencial,   consistem   na   construção   e  

reconstrução   de   objetos   de   discurso”.   Para   a   autora   (2002),   na  

construção   de   um   modelo   textual,   estão   envolvidos   três  

princípios  básicos  de  referenciação:  

 

1.  ativação:  ocorre  quando  um  referente  textual  é  introduzido  de  

forma   inédita   no   texto,   permanecendo   a   expressão   linguística  

que  o  representa  cognitivamente  disponível  na  memória  de  curto  

termo;  

2.   reativação:   um   nódulo   (“endereço”   cognitivo,   locação)   já  

introduzido  é  reativado  por  meio  de  uma  forma  referencial;  

3.   de-­‐ativação:   desloca-­‐se   o   foco   de   atenção   para   um   outro  

referente   textual,   desativando-­‐se   o   referente   anterior.   O  

referente  anteriormente  em  evidência,  contudo,  “continua  a  ter  

um   endereço   cognitivo   (locação)   no   modelo   textual”,   podendo  

ser  reativado  a  qualquer  momento.  

 

Page 219: Referenciação e Ensino

   

218

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Retomando  Schwarz,  Koch  (2002,  p.83)  salienta  que,  “pela  

repetição   cíclica   de   tais   procedimentos,   estabiliza-­‐se,   por   um  

lado,   o   modelo   textual;   por   outro   lado,   porém,   ele   é  

continuamente   elaborado   e   modificado   por   meio   de   novas  

referenciações”.   Ainda   conforme   a   autora   (id.,   p.85),   o   uso   de  

pronomes   ou   elipses,   de   expressões   nominais   definidas   e   de  

expressões  nominais   indefinidas   são  as  principais  estratégias  de  

progressão  referencial,  que  “permitem  a  construção,  no  texto,  de  

cadeias   referenciais   por   meio   das   quais   se   procede   à  

categorização   ou   recategorização   discursiva   dos   referentes”.   A  

seguir,  será  dado  prosseguimento  a  essa  discussão,  privilegiando-­‐

se  as  modalidades  anafóricas.  

 

4. AS MODALIDADES ANAFÓRICAS

 

 Desde   o   advento   da   Linguística   de   Texto,   a   questão   da  

correferência   é   constantemente   abordada.   Nos   momentos  

iniciais,   os   processos   correferenciais   (anafóricos   e   catafóricos)  

constituíam   basicamente   o   centro   do   estudo   das   relações  

referenciais.  Eram  poucos  os  autores  que   faziam  referência,  por  

exemplo,   às   anáforas   indiretas,   hoje   consideradas   fenômenos  

Page 220: Referenciação e Ensino

   

219

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

remissivos   não   correferenciais.   Ainda   nesse   momento   inicial,  

também,   pouco   se   considerava   a   possibilidade   de   retomada  

anafórica  de  porções  textuais  de  maior  ou  menor  extensão,  como  

acontece   com   muita   frequência   quando   do   uso   de  

demonstrativos,  geralmente  neutros  (isto,  isso,  aquilo,  o)  (KOCH,  

2004,  p.04).  

Resumidamente,   o   que   se   considerava,   nas   primeiras  

abordagens   do   tema,   eram   as   relações   coesivas,   anafóricas   ou  

catafóricas,  com  retomada  explícita  de  elementos  textuais.  Aliás,  

somente  em  estudos  mais  recentes  sobre  progressão  referencial  

é   que   tem   sido   conferido  maior   espaço   às   relações   referenciais  

anafóricas  operadas  entre  dois  (ou  mais)  itens  lexicais  do  texto,  o  

que,  de  acordo  com  Jubran  (2003,  p.95),  

 

“engloba   e   ultrapassa   a   definição   tradicional   de  anáfora   como   estratégia   de   retomada,  geralmente   pronominal,   de   um   item   lexical  colocado   anteriormente   no   texto,   com  correferencialidade   entre   os   elementos   em  relação”.  

 

Com   a   evolução   dos   estudos   em   Linguística   de   Texto   e,  

sobretudo,  com  a  abordagem  interacionista  da  linguagem,  cresce  

Page 221: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

o   interesse   pelo   fenômeno   da   referenciação,   bem   como   por  

outras  questões  decorrentes  (progressão  referencial,  progressão  

tópica,  formas  de  articulação  textual  e  outras),  e  hoje  é  mais  do  

que   consensual   que   o   emprego   de   formas   de   ativação  

‘ancoradas’   –   isto   é,   formas   remissivas   cuja   interpretação   é  

viabilizada   por   inferenciação   ou   por   associação,   a   partir   de   um  

frame  ou  de  conhecimentos  enciclopédicos  –  constituem  fatos  da  

língua,   e   mais:   configuram-­‐se   como   formas   dinamicamente  

atuantes  na  progressão  do  texto  e  na  organização  do  discurso.  

Às   anáforas   correferenciais,   ficam   reservados   casos   de  

retomada  direta,  alguns  dos  quais  ocorrendo:  

 

• quando  o  núcleo  da  forma  nominal  repete,  na  íntegra  ou  

parcialmente,   o   núcleo   do   antecedente   que   está   sendo  

retomado;  

• quando  a  retomada  ou  a  predição  referencial  se  efetuam  

por   meio   de   expressões   sinônimas   ou   quase-­‐sinônimas  

(parassinônimas);  

• quando   a   retomada   se   dá   por  meio   de   um   hiperônimo,  

um  nome  genérico,  ou  de  uma  descrição  nominal.  

Page 222: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Sobre  as  anáforas  diretas  (AD),  Marcuschi  (2005,  p.55)  faz  

uma  observação  esclarecedora:  

 

Em   geral,   postula-­‐se   que   as   AD   retomam  referentes   previamente   introduzidos,  estabelecendo   uma   relação   de   correferência  entre   o   elemento   anafórico   e   seu   antecedente.  Parece   haver   uma   equivalência   semântica   e,  sobretudo,   uma   identidade   referencial   entre   a  anáfora   e   seu   antecedente.   Na   realidade,   a  anáfora  direta  seria  uma  espécie  de  substituto  do  elemento   por   ela   retomado.   A   noção   de  correferencialidade   é   nestes   casos   crucial,  embora  nem  sempre  se  dê  de  modo  estrito.  

 

  Para  além  das  formas  não  ancoradas,  representadas  assim  

pelas   anáforas   diretas,   há   ainda   que   registrar   certos  

“movimentos   abruptos,   fusões   e   alusões”,   correspondentes   às  

formas  ancoradas  de  ativação  pelas  quais   “a  progressão   textual  

renova  as  condições  de  textualização  e  a  consequente  produção  

de  sentido”  (cf.  KOCH,  2002,  p.85).  São  casos  em  que  as  relações  

anafóricas  ocorrem  com  base  em  um  já  dito  ou  no  que  será  dito,  

mas  trata-­‐se  de  uma  relação  sugerida  pelo  cotexto,  ou  seja,  uma  

relação   indireta,   motivo   pelo   qual   são   assim   nomeadas   as  

anáforas   indiretas.   De   modo   geral,   sempre   que   um   objeto   de  

Page 223: Referenciação e Ensino

   

222

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

discurso  é  introduzido  sob  o  modo  do  dado,  em  virtude  de  algum  

tipo  de  associação  passível  de  ser  estabelecida  via  inferenciação,  

caracteriza-­‐se  um  caso  de  anáfora  indireta.  

  A  literatura  sobre  o  tema  é  clássica,  e,  somente  a  título  de  

rememoração,   retoma-­‐se   um   exemplo   extraído   de   Koch   (2004,  

p.65):  

 

Uma  das  mais  animadas  atrações  de  Pernambuco  é  o  trem  do  forró.  

Com  saídas  em  todos  os  fins  de  semana  de   junho,  ele   liga  o  recife  à  

cidade  de  Cabo  de  Santo  Agostinho,  um  percurso  de  40  quilômetros.  

Os   vagões,   adaptados,   transformam-­‐se   em   verdadeiros   arraiais.  

Bandeirinhas   coloridas,   fitas  e  balões  dão  o   tom   típico  à  decoração.  

Os   bancos,   colocados   nas   laterais,   deixam   o   centro   livre   para   as  

quadrilhas.  

 

  Não  é  complexo  observar  a  relação  entre  os  termos  trem,  

vagões   e   bancos,   mas   essas   relações   não   se   estabelecem   no  

texto   de   forma   direta,   ou   seja,   não   se   trata   de   uma   relação  

correferencial  entre  esses  elementos.  No  processo  de  leitura,  não  

há  dificuldade  para  a  compreensão,  porém  é  certo  que  o  esforço  

cognitivo  é  mais  complexo  do  que  numa  relação  direta.  

Page 224: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Ao   abordar   o   uso   das   rotulações   (nominalizações)   no  

texto,   Francis   (2003)   fala   de   uma   “referência   difusa”   para  

designar  a  situação  em  que  não  é  possível  delimitar  precisamente  

a   porção   do   discurso   que   uma   expressão   rotuladora   encapsula.  

Nesses   casos,   certamente   a   interpretação   dessas   formas  

anafóricas   requer   uma   complexa   atividade   sociocognitiva.   A  

autora  atenta  para  o  fato  de  que  “nem  sempre  é  possível  decidir  

onde   se   encontra   o   limite   inicial   de   sua   base   de   referência”  

(p.200).   O   exemplo   a   seguir,   extraído   de   Alves   Jr.   (2011,   p.39),  

ilustra  essa  constatação:  

 

“Sob  a   justificativa  de  conter  a  criminalidade,  a  polícia  paulista  mata  

cada   vez   mais.   Relatos   sobre   abusos   policiais   e   casos   de   inocentes  

assassinados   por   engano   por   PMs   aumentaram  de  modo   alarmante  

este  ano,  chocando  a  população  e  até  as  autoridades  do  Estado.  Em  

2009,  a  Polícia  Militar  matou  524  pessoas  em  supostos  confrontos  em  

São   Paulo   –   33,7%   a  mais   do   que   em   2008.   De   janeiro   a   março,   a  

letalidade  saltou  40,8%,  se  comparada  ao  primeiro  trimestre  do  ano  

passado.   E   apesar   do   banho   de   sangue   não   se   verificou   a   alegada  

redução  nos  índices  de  criminalidade.  Os  delitos  contra  o  patrimônio  

permanecem   em   níveis   elevados   e   os   homicídios,   que   vinham   em  

queda   desde   o   início   da   década,   voltaram   a   crescer   [...]   Embora   a  

explosão  de  truculência  seja  preocupante,  especialistas  afirmam  que  

a   Polícia   Militar   não   está   fora   de   controle,   mas   sim   sob   um  

Page 225: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

equivocado   comando   das   autoridades   responsáveis   por   ela”   (ISTOÉ,  

19-­‐05-­‐2010  -­‐  Reportagem).  

   

Embora   seja   possível   proceder   a   algumas   suposições,   a  

tarefa   de   delimitar   com   precisão   a   exata   porção   de   texto  

encapsulada  pelas  expressões  a  letalidade,  o  banho  de  sangue  e  

explosão  de  truculência  se  torna  complexa.  

Assim,  pode  ser  que  o  referente  transformado  em  objeto  

de   discurso   pelo   rótulo   o   banho   de   sangue   seja   o   período  

anterior   [De   janeiro   a   março,   a   letalidade   saltou   40,8%,   se  

comparada  ao  primeiro  trimestre  do  ano  passado.]  ou  até  os  dois  

períodos   anteriores   [Em   2009,   a   Polícia   Militar   matou   524  

pessoas  em  supostos  confrontos  em  São  Paulo  –  33,7%  a  mais  do  

que  em  2008.  De   janeiro  a  março,  a   letalidade   saltou  40,8%,   se  

comparada  ao  primeiro  trimestre  do  ano  passado].  E  não  se  pode  

desprezar   o   fato   de   que   todo   o   conteúdo   anterior   ao   sintagma  

nominal   o   banho   de   sangue   pode   ser   compreendido   como   a  

porção   de   discurso   por   ele   encapsulada.   E   o   que   dizer   da  

expressão   metafórica   explosão   de   truculência,   cujo   referente  

não  é  possível  delimitar?  

Page 226: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Certamente,  as  três  rotulações  em  evidência  formam  uma  

cadeia   referencial   em   que   a   força   argumentativa   do   texto   é  

sugerida  por  uma  gradação,  de  acordo  com  a  ordem  em  que  elas  

aparecem   –   (1ª)   a   letalidade,   (2ª)   o   banho   de   sangue   e   (3ª)  

explosão   de   truculência.   Assim,   a   estratégia   argumentativa   se  

configura  pela  ascensão  avaliativa  das   três  expressões  no   texto,  

sendo  a  1ª  a  mais  neutra  e  a  3ª  a  que  expressa  um  juízo  de  valor  

mais   evidente   –   se   é   que   podemos   falar   em   uma   escala  

argumentativa.  

O   exemplo   acima   evidencia   o   papel   do   sujeito   nas  

escolhas   lexicais   para   essas   construções.   Nesse   sentido,   Koch  

(2001,   p.84)   destaca   que   “a   escolha   da   metáfora   adequada   é  

importante   para   realizar   a   avaliação   e,   em   decorrência,  

estabelecer  a  orientação  argumentativa  do  texto”.  

Francis  (2003,  p.211)  encara  a  rotulação  como  um  recurso  

de   coesão   textual,   mas   não   deixa   de   mencionar   o   poder   dos  

rótulos   ao   “adicionar   algo   novo   ao   argumento   indicando   a  

avaliação   do   escritor   das   proposições   que   eles   encapsulam”.   A  

autora  considera  ainda  que  “a  extensão  precisa  do  discurso  a  ser  

seccionada   pode   não   importar:   é   a   mudança   de   direção  

assinalada  pelo  rótulo  e  seu  ambiente  imediato  que  é  de  crucial  

importância  para  o  desenvolvimento  do  discurso”  (p.200).  

Page 227: Referenciação e Ensino

   

226

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

É  nessa  função  argumentativa  que  a  seção  seguinte  deste  

trabalho   se   concentra,   e   ela   não   se   restringe   somente   às  

rotulações.   Ocorre   também   por   meio   de   anáforas   diretas   e  

indiretas.   A   classificação   das   rotulações   como   uma   espécie   de  

anáfora   indireta   não   será   discutida   e   é   bem   explorada   por  

Cavalcante  (2011b).  

O   que   interessa   aqui   é   que   o   papel   argumentativo  

desempenhado  pelas  expressões  referenciais  anafóricas  é  algo  a  

ser  considerado  nas  atividades  de  leitura,  e  muito  relevante  para  

a  formação  de  leitores  conscientes  e  críticos,  que  saibam  avaliar  

as   opiniões   expressas   em   um   texto,   podendo   aderir   ou   não   a  

elas.  

 

5. REFERENCIAÇÃO NOS LIVROS

DIDÁTICOS

5.1 Análise das coleções

 

  Nesta   seção,   serão   breves   análises   de   duas   coleções   de  

livros  didáticos  de   língua  portuguesa,  buscando  observar  se  elas  

contemplam   a   abordagem   da   referenciação   por   meio   de  

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227

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

expressões  nominais  –  bem  como  sua  função  argumentativa  –  e  

que  relevância  é  dada  ao  tema  em  cada  uma  delas.  As  coleções  

são  destinadas  ao  ensino  fundamental  regular.  São  elas:  Para  ler  

o   mundo,   publicada   pela   Editora   Scipione   e   elaborada   pelas  

autoras  Graça  Sette,  Maria  Angela  Paulino  e  Rozário  Starling;  e  A  

aventura   da   linguagem,   publicada   pela   Editora   Dimensão   e  

elaborada   pelos   autores   Luiz   Carlos   Travaglia,   Maura   Alves   de  

Freitas  Rocha  e  Vânia  Maria  Bernardes  Arruda-­‐Fernandes.  

 

5.1.1 Para ler o mundo

 

Nesta  coleção,  no  volume  dedicado  ao  6º  ano,  a  primeira  

evidência  de  abordagem  da  referenciação  é  observada  na  seção  

Gramática  em  uso,  em  que  se  fala  sobre  “a  função  dos  numerais  

na   organização   de   um   texto”   (p.84)   e   sobre   as   formas   como  

certos   itens   lexicais   são   usados   para   se   referirem   a   nomes   e  

expressões   do   cotexto.   Esse   procedimento   se   repete   na   página  

132,  focalizando-­‐se  a  “função  dos  substantivos  e  dos  numerais  na  

construção   da   notícia”.   Ainda   nesta   página,   encontramos   uma  

atividade  relevante  de   interpretação  escrita  de  uma  notícia  cujo  

título   é   “Vira-­‐lata   salva   garotos   de   ataque   de   pit   bull”.   Na  

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228

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

atividade,   é   requerido   que   se   identifiquem,   dentre   quatro  

alternativas,   aquelas   que   confirmem   que   “a   jornalista,   além   de  

contar   os   fatos,   manifesta   sua   opinião”   através   de   marcas  

linguísticas  de  manifestação  da  subjetividade.  

No   volume   destinado   ao   7º   ano,   observamos   que,   em  

poucas   linhas,   os   autores   exploram   recursos   linguísticos  

empregados  para  retomar   ideias  (p.  44,  139),  elencando  nomes,  

pronomes  e  outras   expressões.  No  entanto,   nenhuma  atividade  

envolvendo  referenciação  e  argumentação  é  encontrada.  

No   volume   do   8º   ano,   destacamos   a   menção   às  

retomadas   por   meio   de   pronomes,   sinônimos,   hiperônimos   e  

repetição   de   palavras   (reiteração),   embora   os   autores   não  

explorem  essas  estratégias,  tão  comuns  na  progressão  referencial  

dos   textos   e   muito   produtivas   como   mecanismos  

argumentativos.   Um   exercício   na   página   202   aborda   “a   função  

argumentativa   dos   adjetivos   na   reportagem”.  Nele,   é   requerido  

que  se  identifiquem  adjetivos  que  expressem  avaliações  positivas  

dos   redatores   de   uma   reportagem   em   alguns   trechos.   Não  

observamos,  no  entanto,  o  cuidado  em  avaliar  o  adjetivo  em  seu  

contexto  linguístico  de  ocorrência,  como  a  expressão  referencial  

em  que  ele  se  insere  –  no  caso,  construções  como  belas  ruínas,  o  

antigo  pelourinho  e  estado  bruto.  

Page 230: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

O   último   volume   (9º   ano),   ao   contrário   do   que   se  

esperava,   não   apresenta   avanços   significativos   quanto   à  

abordagem   da   referenciação.   Como   a   maioria   dos   textos  

empregados  no  volume  é  do  universo  literário,  os  autores  optam  

por  destacar   fenômenos   como  os   coloquialismos,   elementos  da  

narrativa,  além  de  privilegiarem  conteúdos  gramaticais.  

 

5.1.2 A aventura da linguagem

 

A  maior   evidência   de   abordagem  da   referenciação  nesta  

coleção  é  verificada  na  seção  Aprendendo  mais  sobre  coesão,  que  

não  aparece  em  todos  os  capítulos  dos  volumes.  

No   volume   destinado   ao   6º   ano,   já   é   mencionada,   por  

exemplo,   a   substituição   de   palavras,   expressões   ou   trechos   por  

um   pronome,   a   fim   de   evitar   a   repetição   desnecessária,  

relacionar   os   elementos   do   texto   e   garantir   a   manutenção   do  

tema.   Da   mesma   forma,   a   elipse   também   é   elencada   como  

estratégia   de   coesão.   Ainda   no   mesmo   volume,   a   substituição  

pronominal   e   a   elipse   são   retomadas,   e   os   autores   acrescem,  

como  elementos  de  coesão,  os  advérbios   (“lá”,  “aqui”,  “ali”),  os  

pronomes  demonstrativos  (“isto”,  “isso”,  “aquilo”)  e,  por  fim,  as  

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230

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

anáforas   construídas   a   partir   de   um   substantivo,   formando  

expressões   nominais.   Entre   as   atividades   propostas,   os   autores  

questionam  sobre  a  diferença  entre  o  emprego  de  um  pronome  e  

o  emprego  de  uma  expressão  nominal  no  texto.  A  partir  de  uma  

sequência  de  texto,  os  autores  sugerem:  

 

Discuta  com  seus  colegas  e  diga  qual  é  a  diferença  entre  o  

emprego  de  “ele”  em  vez  de  “o  doido”.  

 

Destacam,  assim,  a  ideia  de  que  quando  um  autor  usa  um  

substantivo  como  recurso  de  coesão,  ele  escolhe  um  termo  que  

ajuda  a  mostrar  sua  opinião  sobre  o  assunto  (p.  241).  O  mesmo  é  

dito   sobre   os   adjetivos.   Nas   palavras   dos   autores,   “ao   usar   os  

adjetivos,  quando   falamos  ou  escrevemos  damos   características  

dos  seres,  ou  melhor,  apresentamos  os  seres  como  os  vemos  ou  

percebemos”  (p.214).  

No   volume   destinado   ao   7º   ano,   todas   as   definições   e  

explicações   encontradas   no   volume   anterior   são   revisitadas   de  

forma   breve,   e   na   primeira   aparição   do   tema   “coesão”,   os  

autores   mostram   como   os   numerais   (“primeiro”   /   “primeira”;  

“segundo”   /   “segunda”...)   podem   ser   produtivos   elementos   de  

retomada/referência.   Em   seguida,   é  proposta  uma  produção  de  

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231

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

texto   usando   esses   elementos.   As   atividades   propostas   neste  

volume   já   se   mostram   consideravelmente   mais   complexas   e  

relevantes,   entrando   em   evidência   os   efeitos   de   sentido   e   a  

subjetividade   provocados   pelo   emprego   de   certas   expressões  

coesivas,   especificamente   no   texto   jornalístico   (cf.   seção  

“Aprendendo  mais   sobre   coesão”,   p.   117).   Como   atividades   de  

compreensão,  os  autores,  após  uma  reportagem  apresentada  nas  

páginas  109-­‐112,  propõem:  

 

Na  reportagem,  o   jornalista  utiliza-­‐se  de  termos  diferentes  para  

se  referir  à  Maria  Marreta  como,  por  exemplo,  menina  pobre,  a  

primeira   e   única   boxeadora   amazonense   e   campeã   brasileira.  

Essa  forma  de  fazer  a  referência  é  uma  estratégia  que  possibilita  

ao   produtor   do   texto   construir   uma   imagem   progressiva   de  

Maria   Marreta,   ou   seja,   cada   termo   acrescenta   novas  

informações  e  ideias  a  respeito  da  mesma  pessoa  ou  ser.  

 1.   Que   outros   termos   são   empregados   no   texto   para  

caracterizar  Maria  Marreta?  

2.  Que  efeito  de  sentido  o  jornalista  acarretaria  se  tivesse  usado  

apenas  Maria  Marreta  em  todo  o  texto?  

 

São   atividades   desse   tipo   que,   a   nosso   ver,   estimulam  o  

senso  crítico  dos  alunos,  e  os   textos   jornalísticos  são  excelentes  

ferramentas   para   a   formação   de   leitores   competentes,   que  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

saibam  avaliar  as  opiniões  alheias  e,  ao  mesmo  tempo,  expressar  

seus  próprios  pontos  de  vista.  

No   volume   destinado   ao   8º   ano,   a   retomada   do   tema   é  

acompanhada  de  uma  novidade:  os  autores  mostram,  na  página  

335,   que,   entre   os   elementos   que   apontam   para   um   referente  

textual,   estabelecendo   a   coesão,   existem   aqueles   que  

“antecipam  outros  que  vão  aparecer  no  texto”,  o  que  caracteriza  

a   referência   prospectiva   (ou   catáfora).   Em   seguida,   propõem  

exercícios   de   identificação   dos   referentes   antecipados   por  

pronomes  e  expressões  nominais  que  atuam  prospectivamente.  

A   função  argumentativa,  no  entanto,  não  é  explorada  de   forma  

relevante  neste  volume.  

O  volume  destinado  ao  9º  ano  traz,  na  seção  Aprendendo  

mais  sobre  organizadores  textuais,  a  ideia  de  que  certas  palavras,  

expressões  ou  frases  “contribuem  para  articular  as  partes  de  um  

texto,   marcar   mudanças   no   assunto   tratado   ou   no   modo   de  

abordá-­‐lo”  (p.57),  garantindo,  entre  outros  aspectos,  a  coerência  

do   texto.   Alguns   desses   organizadores   textuais   (“a   partir   deste  

momento”,   “depois   disso”,   “por   esta   razão”),  

consequentemente,  atuam  como  elementos  referenciais,  embora  

isso  não  seja  mencionado.  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

6. PROPOSTAS DE ATIVIDADES

 

O  texto  a  seguir,  extraído  do  volume  do  7º  ano  da  coleção  

Para  ler  o  mundo,  será,  após  sua  transcrição,  o  ponto  de  partida  

para   uma   série   de   atividades   que   propomos   aqui   com   a  

finalidade   de   explorar   a   função   argumentativa   de   certas  

expressões   referenciais.   Trata-­‐se   de   uma   reportagem  

originalmente  publicada  no  Correio  Brasiliense.  

A   opção   por   propor   atividades   a   partir   de   um   texto  

extraído   da   coleção   Para   ler   o   mundo   decorre   da   menor  

relevância  dada  ao  tema  nesta  coleção,  visto  que,  nela,  é  possível  

ampliar   as   possibilidades   de   abordagem   da   referenciação.   Vale  

destacar,  contudo,  que  o  texto  é  bem  trabalhado  nas  atividades  

propostas  na   coleção  –   inclusive  no  que   se   refere  à  questão  da  

função  argumentativa  das  expressões  nominais   referenciais  –,  e  

que  o  objetivo  aqui  é  menos  o  de  lançar  um  olhar  crítico  do  que  o  

de   oferecer   alternativas   ao   professor   de   língua   portuguesa   que  

faz  uso  desta  coleção.  

 

Menino   resistiu   a  preconceitos   e   se   tornou  desenhista  de  projetos  

arquitetônicos  

Page 235: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Conceição  Freiras  –  Correio  Brasiliense  

 

Tarzan   era   o   apelido  do  professor   de   educação   física   da   3ª  

série   do  Colégio   Parisiense,   uma  escola   particular   do  Rio   de   Janeiro  

nos  anos  40.  O  homem  era  forte,  alto,  louro,  como  cabia  a  um  rei  das  

selvas.  Havia  um  único  aluno  negro  na  sala.  Chamava-­‐se  Willy,  tinha  8  

anos,  era  o  único  filho  de  Antônio  Bezerra  de  Mello,  motorista  de  táxi  

e   de   Carmem,   dona   de   casa   e   bordadeira.   E   sobrinho   único   de   tios  

maternos.   “Fui   o   menino   mais   paparicado   do   mundo”,   conta   hoje  

Willy,  65  anos  depois  do  acontecimento  que  se  segue.  

  O   professor   de   educação   física   pediu   aos   alunos   que  

corressem   em   volta   do   campo   de   futebol.   E   só   poderiam   parar   de  

correr  quando  ele  determinasse.  E  Tarzan  o  fazia  chamando  cada  um  

pelo  nome:  Pedro,  João,  Estefânia  e...  “Miquimba”  (em  iorubá,  termo  

depreciativo   que   pode   significar,   num   xingamento,   “coisa”   ou  

“macaquinho”).   “Miquimba,   para!”,   Tarzan   ordenou   olhando   para  

Willy.   “Esse   não   sou   eu”,   disse   para   si   mesmo   o   menino   negro.  

“Miquimba,   pode   parar!”.   O   garotinho   continuou   correndo   e  

repetindo:   “Esse   não   sou   eu”.   Willy   correu   até   que   as   pernas  

perderam  as  forças  e  ele  caiu.  Resultado:  Tarzan  lhe  deu  uma  bronca  

e  um  castigo.  Como  dever  de   casa   teria  de  preencher  uma   folha  de  

papel   almaço,   da   primeira   à   última   linha,   com   a   frase:   “Devo  

obedecer  meus  professores”,  método  pedagógico  muito  comum  nos  

anos  40  e  que  duraria  mais  um  bom  tempo.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Dona  Carmem  condoeu-­‐se  com  a  tripla  humilhação  do  filho,  

a  de   ter   sido   chamado  de  Miquimba,   a  de   ter   levado  uma  bronca  e  

ainda  a  de  ter  de  cumprir  um  castigo.  Mãe  e  filho  temiam  pela  reação  

do   pai,   um   negro   orgulhoso   da   cor   da   pele   que   convivia   com  

intelectuais  nos  bares  do  Rio  de  Janeiro  e  que  tinha  visto  de  perto  a  

vida   dos   negros   num  dos   países  mais   segregacionistas   do  mundo,   à  

época,  os  Estados  Unidos.  

“Cumpra  o  castigo,  entregue  para  o  professor,  mas  se  ele  te  

chamar  de  Miquimba  novamente,  aja  do  mesmo  jeito  que  agiu”.  Filho  

e  mãe  recobraram  as   forças.  E  ela  passou  a  noite  bordando  o  nome  

do  garoto  no  casaco  que  ele  usava  nos  dias  de  frio.  No  dia  seguinte,  o  

aluno   negro   do   professor   louro   chegou   à   mesa   dele,   entregou   o  

castigo,   apontou   o   dedinho   para   o   bordado   e   disse:   “Este   é   o  meu  

nome”.  

 

Orgulho  e  herança  

 

Willy  Bezerra  de  Mello  tem  esse  nome  em  homenagem  a  um  

grande   amigo   do   pai,   durante   o   tempo   em   que  morou   nos   Estados  

Unidos.   No   início   do   século   20,   Antônio   Bezerra   de  Mello   largou   a  

cidade   onde   nasceu,   Recife,   para   fugir   de   uma   epidemia   de   varíola,  

tomou  um  navio  às  margens  do  Rio  Capiberibe  e  passou  13  anos  no  

país  da  Ku  Klux  Klan.  Mas  os  filhos  e  oito  dos  nove  netos  de  Willy  têm  

nomes   africanos.   Os   filhos:   Kenya,  Mali,   Luena,   e   os   gêmeos   Ialê   e  

Kwane.  

Page 237: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Antes   de   cultivar   o   orgulho   pela   história   da   resistência   dos  

negros  às  humilhações  dos  brancos,  Willy  sempre  gostou  de  desenhar  

formas   arquitetônicas   (e   mais   tarde   formas   geométricas,   além   de  

figuras   negras).   Seu   traço   está   em   algumas   das   grandes   obras   de  

Brasília.  Ele  foi  um  dos  desenhistas  do  Departamento  de  Urbanismo  e  

Arquitetura  da  Novacap,  desde  o  tempo  do  barracão  construído  onde  

hoje   é   o   Palácio   da   Justiça.   Detalhou   projetos   de   arquitetura   de  

dezenas  de  obras  modernistas  da  cidade.  Os  banheiros  do  Congresso  

Nacional,   por   exemplo,   saíram   dos   esquadros   de   Willy.   Com   a  

inauguração  da  cidade,  o  desenhista  foi  chefiar  a  fiscalização  de  obras  

da  Novacap,  depois  trabalhou  na  Fundação  Cultural.  

Quando  veio  para  Brasília,  em  1958,  o  menino  que  correu  até  

cair   já  era  um  homem,  tinha  23  anos.  Deixou  no  Rio  uma  namorada  

firme,   hoje   sua   ex-­‐mulher,   e   uma  mãe   apreensiva:   “Onde   é   Goiás?  

Ninguém   sabe   onde   é   Goiás?”.   Era   longe.   Depois   de   mais   de   três  

horas  de   vôo,  Willy  desceu  no  aeroporto  de  Brasília   e  procurou  por  

um  carro  na  Novacap  que  o  estaria  esperando.  Era  um  sábado,  15  de  

agosto   de   1958.   Havia   muitos   táxis,   alguns   jipes   e   um   caminhão  

amarelo  com  a  inscrição  da  empresa  que  administrou  a  construção  de  

Brasília.   Todos   os   passageiros   encaminharam-­‐se   para   a   saída,  

entraram  nos   táxis   e  nos   jipes  e   foram  embora.   “Ficamos   só  eu  e  o  

caminhão.  Eu  digo:  Bom  o  jeito  é  pegar  uma  carona  ir  para  um  hotel  e  

esperar  segunda-­‐feira”.  

 

Bom  humor  

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237

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Procurou   pelo   motorista   do   caminhão   que   também   estava  

meio   atrapalhado.   “Estou   esperando   um   gringo   e   o   homem   não  

apareceu”.  Foi  quando  Willy  desconfiou  do  que  estava  acontecendo:  

“Como  é  o  nome  desse  gringo?”.  E  o  motorista:  “Um  tal  de  Willy”.  E  o  

tal   de  Willy:   “É,   eu   estava   esperando   um   carro,   veio   um   caminhão.  

Você   estava   esperando   um   gringo,   veio   um   negro.   Desse   jeito  

ninguém  ia  achar  ninguém”.  

O  artista  plástico  Olumello  e  o  desenhista  Willy  são  a  mesma  

pessoa.  Olumello  (“seu  Mello”,  em  iorubá)  foi  a  composição  que  Willy  

encontrou   para   se   livrar   da   inveja   que   tinha   do   nome   africano   dos  

filhos.  “Eu  ia  carregar  nome  de  gringo  pro  resto  da  vida?”,  pergunta  o  

artista,   meio   brincando,   meio   exercendo   seu   infatigável   ativismo  

negro.  Desde  menino,  Willy   fortaleceu  raízes  africanas.  Aos  12  anos,  

já   pertencia   à   Irmandade   de   Nossa   Senhora   do   Rosário   e   São  

Benedito  dos  Homens  Pretos,  ordem  religiosa  criada  entre  os  séculos  

17  e  18  para  proteger   sob  o  manto  do   sincretismo   religioso,  negros  

escravos  e  libertos.  Ele  e  a  ex-­‐mulher,  Lydia,  são  históricos  militantes  

do  movimento  negro,  primeiro  no  Rio  de  Janeiro,  depois  em  Brasília.  

Do   gosto   pelo   traço   livre   do   risco   arquitetônico,   do   fervor  

com  que  cultivou  a  herança  cultural  africana,  da  influência  de  Rubem  

Valentim   e   Athos   Bulcão   nasceu   o   artista   plástico   Olumello   que,  

desde  o  1º  Salão  de  Arte  Moderna  de  Brasília,  participa  de  exposições  

coletivas   e   individuais.   Sua  obra   está   no   acervo  do  Museu  Afro,   em  

São  Paulo.  Mas  a  maior  parte  dela  –  bico  de  pena,  colagem  tapeçaria,  

Page 239: Referenciação e Ensino

   

238

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

pintura  em  acrílico  –  está  nas  paredes  e  nos  armários  de  sua  casa,  no  

Guará  2.  

[...]  

 

Ø Proposta  de  atividade  1:  

O  texto  fala  sobre  a  trajetória  do  artista  plástico  Olumello.  Vários  

nomes  e  expressões   são  usados  para   se   referir   a  ele,   tais   como  

“menino”   (título)   e   “um  único   aluno   negro”   (linhas   3   e   4),   esta  

última,   aliás,   estrategicamente   utilizada   tendo   em   vista   a  

temática   do   preconceito   racial.   Nos   parágrafos   2,   4   e   7,  

identifique   e   transcreva,   após   atenta   leitura,   outras   expressões  

que  façam  referência  ao  protagonista  e  que  reforcem  a  discussão  

sobre  racismo  no  texto.  

Gabarito:   “o   menino   negro”   (linha   13);   “o   aluno   negro   do  

professor  louro”  (linha  29);  “o  menino  que  correu  até  cair”  (linha  

49).  

 

 

 

Ø Proposta  de  atividade  2:  

Page 240: Referenciação e Ensino

   

239

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Em   sua   opinião,   qual   é   o   objetivo   do   texto   ao   reiterar   o   termo  

Tarzan   para   se   referir   ao   professor   de   educação   física   nos  

primeiros  parágrafos?  

Gabarito:  Provavelmente  para  enfatizar  as  características   físicas  

dele   –   forte,   alto   e   louro  –   em  oposição  ao  aluno  negro.  Assim,  

fica  mais  evidente  a  atitude  preconceituosa  contra  o  menino.  

 

Ø Proposta  de  atividade  3:  

No   5º   parágrafo,   a   que   se   refere   a   expressão   “país   da   Ku   Klux  

Klan”?  Que  relação  pode  haver  entre  tal  expressão  e  a  temática  

abordada  no   texto?   (Você  pode  pesquisar  em  sites  de  busca  ou  

consultar   seu  professor   de  história   sobre  o   que   veio   a   ser   a   Ku  

Klux  Klan).  

Gabarito:   A   expressão   retoma   Estados   Unidos,   e   é   assim  

empregada   devido   à   fama   pela   qual   este   país   ficou   conhecido  

devido  a  um  violento  movimento  segregacionista  denominado  Ku  

Klux  Klan,  que  teve  início  no  século  19  e  se  estendeu  até  meados  

do  século  seguinte.  Tratava-­‐se  de  uma  ordem  de  homens  adeptos  

ao   protestantismo   e   ao   ideal   da   supremacia   branca,   e   que,   por  

conta  de  seu  obstinado  preconceito,  agrediam  de  diversas  formas  

e  matavam  pessoas  negras  em  certas  regiões  dos  EUA.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Já   que   o   texto   fala   sobre   um   personagem   que   teve   que   lutar  

contra   o   preconceito   racial,   podemos   notar   que   a   expressão   “o  

país  da  Ku  Klux  Klan”  realça  essa  ideia.  

 

Ø Proposta  de  atividade  4:  

a)   Como   Olumello   (ou   Willy)   encarou   a   difícil   trajetória   de  

preconceitos  durante  sua  vida?  

Gabarito:  Ele  encarou  com  muita  firmeza  e  coragem,  pois  apesar  

das   dificuldades   impostas   a   ele   e   à   família,   conseguiu   se   tornar  

um  importante  artista.  

 

b)   Nos   dois   últimos   parágrafos   do   texto,   o   personagem   central  

passa   a   ser   categorizado   por   meio   de   algumas   expressões   que  

acentuam   sua   ascensão   profissional.   Identifique   e   transcreva  

algumas  dessas  expressões.  

Gabarito:   “o   artista   plástico  Olumello”   (linha   65);   “o   desenhista  

Willy”  (linha  65);  “o  artista”  (linha  68).  

 

Ø Proposta  de  atividade  5:  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Explique   a   que   parte   do   texto   se   refere   a   expressão   “o  

acontecimento   que   se   segue”   (linha   7).   De   que   maneira   você  

qualificaria  esse  “acontecimento”  utilizando  um  adjetivo?  

Gabarito:  essa  expressão   faz   referência  a  um   fato  ocorrido   com  

Olumello   nos   tempos   de   escola,   ocasião   em   que   sofreu  

preconceito  por  parte  de  seu  então  professor  de  educação  física.  

Pode-­‐se  dizer  que  a  expressão  resume,  de  forma  antecipada,  todo  

o  parágrafo  seguinte.  

Em  minha  opinião,   esse   foi   um  acontecimento   “triste”,   “infeliz”,  

“desagradável”,  “marcante”  etc.  

 

7. CONCLUSÕES

 

  A   trajetória   percorrida   desde   as   considerações   teóricas  

até  a  análise  das  coleções  e  as  propostas  de  atividades  constitui-­‐

se,  a  nosso  ver,  em  uma  dupla  finalidade:  a  de  chamar  a  atenção  

sobre   as   ricas   contribuições   de   uma   abordagem   textual-­‐

discursiva,  como  perspectiva  teórica,  para  o  ensino  de  português;  

e   a   de   demonstrar   ao   professor   possibilidades   de   aplicar   essa  

abordagem  a  partir  de  uma  excelente  coletânea  de  textos  que  é  

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242

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

o   livro   didático.   Afinal,   o   professor   pode   propor   atividades   que  

não   são   contempladas   no   livro   didático,   e   que,   a   depender   do  

contexto  escolar,  podem  ser  mais  apropriadas.  

  A  reportagem  transcrita  na  seção  anterior  mostra  que  não  

são   somente   os   gêneros   textuais   de   caráter   opinativo   os  

responsáveis  por  defender  pontos  de  vista.  Muitas  pesquisas  têm  

confirmado  que   a   impessoalidade  no   texto   é  uma   ilusão,   e   que  

alguns   dos   gêneros   ditos   informativos   se   revestem   de   uma  

máscara   de   neutralidade   para   camuflar   a   parcialidade   da  

instância  enunciativa,  que  é  caracterizada  pela  subjetividade.  

Buscamos   mostrar,   dessa   forma,   que   certas   expressões  

constituem  marcas  que  denunciam  essa  subjetividade  nos  textos,  

que  é  o  que  os  tornam  veiculadores  de  pontos  de  vista,  opiniões,  

avaliações  sobre  fatos,  pessoas,  objetos.  Assim,  a  identificação  de  

índices   contextuais   que   levam  à   recategorização  do   referente   é  

muito  eficiente  para  se  observar  como  o  objeto  de  discurso  pode  

ser  introduzido,  transformado  e/ou  desativado  de  acordo  com  os  

propósitos  comunicativos  do  autor  do  texto.  

  Acreditamos   que   dedicar  mais   tempo   e   importância   aos  

aspectos  argumentativos  da  referenciação  no  ensino  de  língua  é  

um   caminho   muito   produtivo   para   a   formação   de   leitores  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

conscientes,   que   não   se   deixam   levar   pela   opinião   que   o   texto  

apresenta,   mas   que   avaliem   os   pontos   de   vista   expressos,  

podendo  concordar  ou  não  com  eles.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALVES   Jr.,   M.   A.   A   estratégia   discursiva   da   rotulação:   léxico,  argumentação  e  textualidade.  Dissertação  (Mestrado  em  Estudos  Linguísticos)   –   Centro   de   Ciências   Humanas   e   Naturais,  Universidade  Federal  do  Espírito  Santo  –  UFES,  Vitória,  2011.      CAVALCANTE,  M.  M.  Leitura,  referenciação  e  coerência.  In:  ELIAS,  V.   M.   (org.).   Ensino   de   língua   portuguesa:   oralidade,   escrita,  leitura.  São  Paulo:  Contexto,  2011a.  p.  183-­‐195.    ______.  Referenciação:  sobre  coisas  ditas  e  não  ditas.  Fortaleza:  Edições  UFC,  2011b.    ______  et  al.  Dimensões  textuais  nas  perspectivas  sociocognitiva  e  interacional.  In:  BENTES,  A.  C.;  LEITE,  M.  Q.  Linguística  de  texto  e  análise  da  conversação:  panorama  das  pesquisas  no  Brasil.  São  Paulo:  Cortez,  2010.  p.  225-­‐261.    CHARAUDEAU,  P.  Linguagem  e  discurso:  modos  de  organização.  São  Paulo:  Contexto,  2008.    FRANCIS,   Gill.   Rotulação   do   discurso:   um   aspecto   da   coesão  lexical  de  grupos  nominais.  In:  CAVALCANTE,  Mônica  Magalhães;  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 MATOS,   J.   C.   As   funções   discursivas   das   recategorizações.  Dissertação   (Mestrado   em   Linguística),   Programa   de   Pós-­‐Graduação  em  Linguística,  Universidade  Federal  do  Ceará  –  UFC,  Fortaleza,  2005.    MONDADA,  L.;  DUBOIS,  D.  Construção  dos  objetos  de  discurso  e  categorização:  uma  abordagem  dos  processos  de   referenciação.  In:  CAVALCANTE,  M.  M.  et  al.   (Orgs.).  Referenciação.   São  Paulo:  Contexto,  2003.  p.  17-­‐52.    COLEÇÕES ANALISADAS  SETTE,  G.;  PAULINO,  M.  A.;  STARLING,  R.  Para   ler  o  mundo.   São  Paulo:  Scipione,  2009.    TRAVAGLIA,  L.  C.;  ROCHA,  M.  A.  F.;  ARRUDA-­‐FERNANDES,  V.  M.  B.  A  aventura  da  linguagem.  Curitiba:  Editora  Dimensão,  2009.  

Page 247: Referenciação e Ensino

   

246

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A (nã0) abordagem da referenciação em dois livros

didáticos do Ensino Médio

TOMAZ,  Natália  Rocha  Oliveira  (UFRJ)  

1. INTRODUÇÃO

 

A  década  de  1990  representa  um  marco  para  a  Linguística  

de  Texto.   Isso  porque,  na  Suíça,  Lorenza  Mondada   introduzia  os  

primeiros   estudos   acerca   da   referenciação,   fundamentais   para  

redefinir   o   que   antes   se   convencionou   chamar   de  Mecanismos  

coesivos.  

Hoje,   além   de   Mondada,   Dubois,   Koch   e   Marcuschi   são  

nomes   indispensáveis  para  os  estudos  da   referenciação,   junto  a  

muitos   outros   pesquisadores   que   vêm   discutindo   novas   formas  

de   enxergar   os   processos   coesivos   no   texto.   É   fundamental,  

portanto,   percebermos   a   grande   transformação   do   conceito   de  

referente   como  uma   construção   coletiva  que  é  partilhada  entre  

os  coparticipantes  da  enunciação.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Assim,   após   o   contato   com   esses   estudos,   parece-­‐nos  

difícil   ainda   enxergar   a   referenciação   como   uma   relação   entre  

expressões   referenciais   e   marcas   cotextuais   explícitas  

(CAVALCANTE  et  al.,  2010,  p.  235)  quando  sabemos  que,  além  de  

elementos  linguísticos,  esse  processo  é  também  cognitivo.    

A  partir  desse  panorama,  analisaremos,  neste  artigo,  duas  

coleções   de   livros   didáticos   do   Ensino  Médio,   muito   diferentes  

entre   si   no   que   se   refere   ao   tratamento   da   referenciação:  

Português:   contexto,   interlocução   e   sentido,   de   Maria   Luiza   M.  

Abaurre,  Maria  Bernadete  M.  Abaurre  e  Marcela  Pontara  (Editora  

Moderna),   e   a   coleção   Viva   Português   -­‐   Ensino   Médio,   de  

Elizabeth   Campos,   Paula   Marques   Cardoso,   Silvia   Letícia   de  

Andrade  (Editora  Ática).  Nosso  objetivo  é  analisar  criticamente  o  

que  se  diz  ou  o  que  se  poderia  dizer  sobre  referenciação  nesses  

livros  didáticos,  considerando  que  são  livros  aprovados  pelo  MEC  

para  uso  em  sala  de  aula.    

De  acordo  com  os  PCN  de  Língua  portuguesa,  o  ensino  da  

Língua   deve   ser   baseado   em   três   objetivos   essenciais:   leitura,  

produção   textual   e   análise   linguística.   Segundo   Koch   e   Elias  

(2006,  p.  11):  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

   O  sentido  de  um  texto  é  construído  na  interação  

texto-­‐sujeitos   e   não   algo   que   preexista   a   essa  

interação.   A   leitura   é,   pois,   uma   atividade  

interativa   altamente   complexa   de   produção   de  

sentidos,   que   se   realiza   evidentemente   com  base  

nos  elementos  linguísticos  presentes  na  superfície  

textual  e  na  sua  forma  de  organização,  mas  requer  

a  mobilização  de  um  vasto  conjunto  de  saberes  no  

interior  do  evento  comunicativo.  

 

Dessa   forma,   para   integrar   o   conjunto   de   saberes   aos  

mecanismos  linguísticos,  o  estudo  da  referenciação  deveria  fazer  

parte  dos  livros  didáticos.  Nesse  processo  coesivo,  há  elementos  

linguísticos   com   múltiplas   funções:   indicar   pontos   de   vista,  

conduzir   os   direcionamentos   argumentativos,   recategorizar  

objetos   do   discurso.   Se   esse   estudo   é   ignorado,   o  

reconhecimento   da   unidade   do   texto   por   parte   do   aluno   pode  

não   se   efetivar.   Essa   falta   de   abordagem   da   referenciação   nos  

livros  didáticos  pode  culminar  em  uma  análise  estanque  de  frases  

soltas   que   não   correspondem   a   enunciados,   tampouco   fazem  

sentido  fora  de  contexto.  

Ainda   que,   neste   breve   artigo,   apenas   duas   coleções  

tenham   sido   privilegiadas,   nosso   maior   objetivo   é   tentar  

compreender  o  processo  de  referenciação  à  luz  da  Linguística  de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Texto,   relacionar   a   teoria   existente   à   realidade   da   sala   de   aula  

por   meio   dos   livros   didáticos   e   propor   possibilidades   de  

abordagem   do   assunto   nesses   livros.   O   material   didático   de  

Língua   Portuguesa   deve   ser   uma   tentativa   de   tornar   a   Língua  

pertinente   para   a   vida   dos   alunos,   fazer   uma   real   integração  

entre   as   áreas   básicas   em   que   se   divide   o   ensino   de   língua  

materna   e   formar   leitores   críticos,   falantes   e   escritores   mais  

competentes.  

 

2. OS PROCESSOS DE REFERENCIAÇÃO

 

Nos  anos  de  1980,  a  noção  de  referente  era,  certamente,  

bem  diferente  da  visão  atual.  Entendia-­‐se  como  referenciação  o  

processo   cotextual   pelo   qual   um   elemento   do   texto   remetia   a  

outro   com   que   tivesse   uma   relação   interpretativa.   Essa   visão,  

difundida   por   grandes   nomes,   como   Halliday   e   Hasan   (apud  

CAVALCANTE   et   al.,   2010),   foi,   sem   dúvida,   muito   importante  

para   os   avanços   dos   estudos   da   Linguística   de   Texto,   já   que   a  

limitação   dessa   classificação   gerou   a   necessidade   de   se  

ampliarem  os  estudos  para  além  da  superfície  do  texto.  

A   partir   desses   estudos,   o   conceito   de   referente   foi   se  

aprofundando   e   passou   a   ser   definido   como   uma   entidade  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

mental,   construída   coletivamente   pelos   participantes   da  

enunciação.  Assim,  não  se  pode  negar  que,  em  muitos  casos,  ele  

está   relacionado   às   estruturas   sintático-­‐semânticas   e   escolhas  

lexicais  presentes  no  enunciado,  mas,  acima  de  tudo,  o  contexto  

sociodiscursivo   e   cultural   é   fundamental   para   que   os  

participantes   da   enunciação   cheguem   à   plena   comunicação.  

Portanto,  podemos  afirmar  que  a  noção  de   referenciação  passa  

por   aspectos   linguísticos,   sociocognitivos,   discursivos   e  

interacionais.  

Segundo   Cavalcante   (2011),   o   referente,   nessa  

perspectiva,   é   uma   entidade   abstrata,   imaterial,   projetada   pelo  

enunciador   na   situação   de   comunicação   com   seu   interlocutor.  

Essa   representação   do   referente   varia   tanto   para   o   enunciador  

quanto   para   seu   coenunciador,   ainda   que   se   trate   do   mesmo  

objeto  de  discurso.  É  uma  realização,  pois,  subjetiva  e  instável.  A  

linguista  considera  ainda  que,  ao   fazer   referência  a  algo,  damos  

essência   substantiva   a   uma   entidade   abstrata.   Daí   serem   os  

sintagmas  nominais  –  e   também  os  pronomes  substantivos  –  as  

formas   mais   comuns   para   nomear   um   referente,   incluindo-­‐se  

nesse  processo  os  sintagmas  adverbiais.  

Page 252: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Segundo  Koch  e  Elias   (2006),   ao   construirmos   referentes  

textuais,   podemos   empregar   três   estratégias:   a   introdução  

(construção),  a  retomada  (manutenção)  e  desfocalização.    

A   introdução  ocorre  quando  um  “objeto”  ou   referente  é  

introduzido   pela   primeira   vez   em   um   texto   a   partir   de   uma  

expressão  linguística  que  se  destaca,  que  é  focalizada  no  texto.  

Já   a   retomada   acontece   se   houver   a   reativação   de   um  

referente   já   expresso   no   texto,  mantendo   o   objeto   de   discurso  

em   evidência.   É   importante   ressaltar   que   quando   não   há  

manutenção  de  um  “objeto”  introduzido  explicitamente  no  texto,  

trata-­‐se   do   caso   das   anáforas   indiretas,   em   que   os   seus  

referentes   não   podem   ser   recuperados   pelo   cotexto,   o   que  

veremos  mais  adiante.  

A   desfocalização,   por   sua   vez,   trata   da   sobreposição   de  

um  novo  referente  que  passa  a  ser  o  foco  do  texto  em  um  dado  

momento,   reduzindo   a   evidência   de   “objeto”   anterior.  

Entretanto,   Koch   e   Elias   (2006,   p.   126)   afirmam   que   “O   objeto  

retirado   de   foco,   contudo,   permanece   em   estado   de   ativação  

parcial  (stand  by),  ou  seja,  ele  continua  disponível  para  utilização  

imediata  sempre  que  necessário”.  

Tomando   como   base   as   introduções   referenciais,   se   a  

criação   de   um   referente   se   estabelece   por   instâncias   de   ordem  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

subjetiva,   podemos   afirmar   que   as   expressões   referenciais  

carregam   pontos   de   vista.   A   referenciação,   portanto,   pode  

revelar   a   intencionalidade   do   enunciador   e   orientar   o  

interlocutor   na   construção   dos   sentidos,   que,   ainda   assim,  

dependerão   das   vivências   socioculturais   particulares   de   ambos,  

num  processo   singular,   inédito  e  que  não  se   repete.  Sobre  esse  

teor   argumentativo   dos   processos   de   referenciação,   Cortez  

(2005,  p.  318)  afirma  que:  

 

[...]   referência   como   um   processo   realizado   no  

discurso   e   [...]   referentes   como   objetos-­‐de-­‐

discurso,   que,   apresentados,   construídos   e  

desenvolvidos  discursivamente,  contribuem  para  a  

orientação  argumentativa  do  texto  e  a  articulação  

de  um  “projeto  de  sentido”.    

 

A   ideia   de   Cortez   só   pode   ser   compreendida   se  

entendermos  que  a  referenciação  é  uma  forma  pessoal  de   ler  o  

mundo,   se   considerarmos   as   coisas   do  mundo   como   referentes  

construídos   e   reconstruídos   no   discurso.   Assim,   a   referenciação  

consiste   na   construção   de   objetos   de   discurso,   não   como  

referentes   presentes   no  mundo,   já   que   é   o   sujeito   que   está   no  

centro  da  criação  do  discurso,  e  depende  do  ponto  de  vista  dos  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

participantes   da   enunciação   e   do   contexto   de   interação.   De  

acordo   com  Marquesi   (2007,  p.   218),   “a   realidade  é   construída,  

mantida   e   alterada   não   somente   pela   forma   como  

sociocognitivamente   se   interage   com   ele:   interpretam-­‐se   e  

constroem-­‐se   mundos   por   meio   da   interação   com   o   entorno  

físico,   social   e   cultural”.   Considerando   que   não   há   uma   única  

versão   do   mundo   ou   verdade   universal   sobre   ele,   podemos  

afirmar   que   toda   referência   é   construída   de   maneira   social   e  

intersubjetivamente   pelos   sujeitos   enunciadores,   de   modo   que  

nenhum  enunciado  é  neutro.  

Quando   passamos   a   enxergar   os   processos   de  

referenciação   como   construções   coletivas,   percebemos   que   um  

objeto   de   discurso   é   dinâmico   o   suficiente   para   que   a  

manutenção   do   tópico,   na   progressão   textual,   passe   por  

modificações,   desativações   ou   reativações.   A   essas  

transformações  chamamos  recategorização  de  um  referente.    

Assim,   os   processos   referenciais   recategorizáveis   estão  

presentes  no  transcurso  da   interação,  pois  são  responsáveis  por  

comprovar   que   um   objeto   de   discurso   se   reconfigura,   se  

transforma,   seja   em   estruturas   sintático-­‐semânticas,   seja   pela  

apreensão  do  contexto  sociodiscursivo  e  cultural  do  enunciador  e  

de  seu  coenunciador.  

Page 255: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

3. AS ANÁFORAS NOS PROCESSOS DE

REFERENCIAÇÃO

 

Outro  conceito  que  se  ampliou  nos  estudos  da  Linguística  

de   Texto   é   a   anáfora.   Antes   caracterizada   como   expressões  

referenciais  do  cotexto  que  fazem  remissão  a  outro  elemento  do  

texto,  a  anáfora  passou  a  abarcar  também  uma  dimensão  em  que  

não   há   mais   obrigatoriedade   em   explicitar   a   expressão  

referencial.   É   preciso   reiterar   que   estamos   tratando   da   anáfora  

como   um   processo   de   referenciação   atrelado   aos   aspectos  

linguísticos,   sociocognitivos,   discursivos   e   interacionais.   Assim,  

não   há   mais   espaço   para   uma   visão   apenas   linguística,   que  

privilegie  unicamente  o  campo  cotextual,   relacionada  à  anáfora.  

Essas   transformações   no   campo   da   referenciação   implicam  

alterações   nos   estudos   não   só   das   anáforas,   mas   também   das  

introduções   referenciais,   já   que   o   antecedente   de   uma   anáfora  

pode  não  estar  explícito  no  cotexto.  

Quando   tratamos   das   introduções   referenciais,   estamos  

nos   referindo   a   expressões   que   não   estão   relacionadas   a  

elementos   anteriores   do   cotexto,   são   referentes   novos.  

Entretanto,  quando  uma  expressão  referencial,  por  meio  de  uma  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

remissão  direta,  alude  a  esses  referentes  novos,  então  temos  um  

caso  de  anáfora,  mais  precisamente  de  uma  anáfora  direta,  ainda  

que  nessa  anáfora  o  referente  seja  recategorizado.  

A   distinção   crucial   entre   uma   anáfora   direta   e   uma  

indireta  está  na  relação  entre  essas  formas  de  referência  e  seus  

termos-­‐âncora.   Por   âncora   entende-­‐se   a   relação   de   inferência  

entre   uma   expressão   referencial   e   conhecimentos   diversos  

ativados   pela   memória   dos   coenunciadores.     Dessa   forma,   as  

âncoras  são  fundamentais  para  os  dois  tipos  de  anáforas,  seja  em  

uma  relação  correferencial  –  anáforas  diretas  –  seja  em  uma  não  

correferencialidade  –  anáforas  indiretas.  

Nos  casos  em  que  ocorrem  anáforas  diretas,  a  expressão  

referencial   recupera   o   mesmo   objeto   de   discurso   antes  

introduzido.   Entretanto,   se   nos   voltamos   para   as   anáforas  

indiretas,   percebemos   que   o   que   se   recupera,   na   verdade,   são  

referentes   novos   não   depreensíveis   do   cotexto   anterior,   mas  

pressupostos   por   meio   de   pistas   do   contexto   ou   âncoras  

presentes  no  texto.  Vejamos  o  que  diz  Koch  (apud  CAVALCANTE,  

2011,  p.  57  -­‐  58)  a  esse  respeito:  

 

As  anáforas  indiretas,  por  seu  turno,  caracterizam-­‐

se   pelo   fato   de   não   existir   no   cotexto   um  

antecedente   explícito,   mas   sim   um   elemento   de  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

relação   (por   vezes   uma   estrutura   complexa),   que  

se   pode   denominar   âncora   (SCHWARZ,   2000)   e  

que  é  decisivo  para  a  interpretação;  ou  seja,  trata-­‐

se   de   formas   nominais   que   se   encontram   em  

dependência   interpretativa   de   determinadas  

expressões   da   estrutura   textual   em  

desenvolvimento,   o   que   permite   que   seus  

referentes   sejam   ativados   por  meio   de   processos  

cognitivos   inferenciais   que   mobilizam  

conhecimentos   dos   mais   diversos   tipos  

armazenados  na  memória  dos  interlocutores.  

 

Nessa   perspectiva,   parece-­‐nos   claro   que   a   melhor  

distinção  entre  a  anáfora  direta  e  a  indireta  está  na  manutenção  

de  um  referente  já  explicitado  para  aquela  e  na  não  retomada  do  

mesmo   referente   para   esta.   As   anáforas   indiretas   não  

apresentam   um   antecedente   explícito   no   cotexto,   mas   âncoras  

que   são   essenciais   como   elementos   de   relação   entre   os  

significados.    

Sendo  anáforas  diretas  ou  indiretas,  o  importante  é  que  a  

progressão   referencial   é   projetada   no   texto   por   processos   de  

inferência   requisitados,   nesse   caso,   pelas   anáforas   a   partir   da  

troca  coletiva  entre  os  participantes  da  enunciação.  

 

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257

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

4. ENCAPSULADORES: UM TIPO

ESPECIAL DE ANÁFORA INDIRETA

 

Ao  falar  de  anáforas  indiretas,  não  podemos  nos  esquecer  

de   que   há   um   tipo   particular   muito   comum   nos   textos:   os  

encapsuladores.  Sua  classificação  como  anáfora   indireta  decorre  

da   retomada   ou   antecipação   de   um   referente   que   recupera  

informações   espalhadas,   não   pontuais   do   texto,   por   isso   não  

conseguimos  encontrar  termos-­‐âncora  na  superfície  do  texto.  Já  

a   sua  natureza  encapsuladora  está   relacionada  à   capacidade  de  

resumir,  sintetizar  conteúdos.  

Criados  a  partir  de  uma  informação  velha  com  referências  

novas   e   resumitivas,   os   encapsuladores   podem   trazer   consigo  

mais  do  que  a  simples  retomada  sintética  de  referentes.  Também  

podem  ser  cruciais  na  argumentação,  quando  por  meio  de  certas  

escolhas  lexicais  um  ponto  de  vista  é  defendido.  Para  esse  fim,  as  

recategorizações   de   referentes   são   muito   empregadas   nos  

encapsulamentos,   já   que   indicam   a   forma   particular   como   o  

enunciador  enxerga  o  referente.  

A   visão   de   Francis   (apud   CAVALCANTE,   2011)   a   respeito  

dos   rótulos   apresenta   algumas   singularidades   em   relação   aos  

encapsuladores.   Para   a   autora,   os   rótulos   são   também   formas  

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258

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

resumitivas   de   conteúdos   do   texto,   mas   dispõem   de   um   traço  

essencial:  manifestam-­‐se  por  sintagmas  nominais.    

Parece-­‐nos   que   a   visão   de   Cavalcante   em   não   distinguir  

rótulos  de  encapsuladores  é  a  mais  coerente  para  nosso  estudo,  

voltado   à   aplicação   da   referenciação   nos   livros   didáticos   e   em  

sala  de  aula,  uma  vez  que  a  função  textual  de  ambos  é  a  mesma  –  

sintetizar  conteúdos.  

Portanto,   devemos   destacar   a   função   coesiva   dos  

encapsuladores.   Seu   emprego   auxilia   na   progressão   e  

manutenção   de   tópicos   discursivos,   porque   marca   o  

encerramento   de   uma   porção   textual,   direcionando   o  

interlocutor  para  o  próximo  estágio.  

 

5. ANÁLISE DA REFERENCIAÇÃO NOS

LIVROS DIDÁTICOS

 

Nas   coleções   de   livros   didáticos   Português:   contexto,  

interlocução   e   sentido   e   Viva   Português   –   ambas   voltadas   ao  

Ensino   Médio   e   aprovadas   pelo   PNLD   –,   podemos   constatar   a  

precariedade  da   abordagem   sobre   a   temática   da   referenciação.  

Segundo  o  Guia  PNLD  2012  de  Língua  Portuguesa  para  o  Ensino  

Médio  (p.  12-­‐13):  

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259

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Experimentando   diferentes   caminhos,   e   com  

diferentes   graus   de   eficácia,   todas   elas   trazem  

textos,   informações,   conceitos,   noções   e  

atividades   capazes   de   colaborar,   em   maior   ou  

menor   medida,   com   os   objetivos   oficiais  

estabelecidos   para   cada   um   dos   quatro   grandes  

objetos   de   ensino   da   disciplina:   leitura,   produção  

de   textos   escritos,   oralidade   e   conhecimentos  

linguísticos.  

 

É   surpreendente   perceber   que   a   ausência   de   um  estudo  

que   privilegie   a   referenciação   como   um   processo   coesivo  

diretamente  relacionado  à  leitura,  à  produção  de  textos  escritos  

ou  orais  e  aos  conhecimentos  linguísticos  não  tenha  sido  notada,  

já   que   se   consideram   as   duas   coleções   aqui   tratadas,   além   das  

demais  que  constam  do  guia,  como  satisfatórias  nesses  aspectos.  

   

5.1. Coleção Viva Português

 

Tomando   por   base   a   coleção   Viva   Português   -­‐   Ensino  

Médio,   de   Elizabeth   Campos,   Paula   Marques   Cardoso   e   Silvia  

Letícia   de   Andrade   (Editora   Ática),   percebemos   que   há   muitas  

propostas   interessantes,   como   a   concretização   por   parte   dos  

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260

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

alunos   de   projetos   diversos   que   se   baseiam   nos   mais   variados  

gêneros.  Esse  projetos  são  divididos  por  etapas  ao  longo  do  ano  e  

devem   ser   orientados   pelo   professor   a   partir   da   divisão   em  

grupos   de   alunos.   Porém,   as   etapas   dos   projetos   que   se  

relacionam  ao  texto  escrito  ou  oral  não  aproveitam  para  abordar  

os   conceitos   imbricados   no   campo  da   referenciação.   Aliás,   essa  

temática   não   é  mencionada   no   volume   da   3ª   série,   último   ano  

letivo   do   aluno,   que,   teoricamente,   está   prestes   a   ingressar   no  

Ensino   Superior.  Assim,   o   reconhecimento  e   emprego  de   certas  

referências  pode  se  tornar  tarefa  difícil  para  o  universitário,  que  

se  depara  com  um  ambiente  mais  exigente  no  campo  da  leitura  e  

da  escrita.  

No  volume  1,  destinado  à  1ª  série,  encontramos  algumas  

menções  à   referenciação.  No  entanto,   as  autoras,  nesses   casos,  

permaneceram   adotando   uma   visão   já   ultrapassada   sobre   os  

processos   de   referenciação,   focando   apenas   em   marcas  

cotextuais,   perspectiva   que   já   se   ampliou,   conforme   vimos   no  

início   deste   artigo.   Vejamos,   por   exemplo,   a   atividade   proposta  

no  referido  volume  (p.  89):  

 

Lisbela  e  o  prisioneiro    

                                                           Osman  Lins  

[...]  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Lisbela:   Meu   pai,   a   Vitória   está   parecendo   uma  

terra  sem  dono.  (Vendo  Leléu).  Ah,  o  senhor!  

Leléu:  Visitando  os  amigos.  

Lisbela:  Agora,  vamos  ter  sossego  lá  em  casa.  

Leléu:  Queira  Deus.  

Lisbela:  Então,  lhe  prenderam  de  novo.  

Leléu:   Me   prenderam,   dona,   mas   eu   acho   que  

valeu  a  pena.  Só  poder  ver  a  senhora  outra  vez!  

Ten.   Guedes:   Você   não   tem   o   que   fazer   aqui,  

Lisbela?  Pode  voltar,  não  fale  com  esse  homem.  

Lisbela:  O  que  é  que  tem?  O  senhor  não  achou  que  

podia  levá-­‐lo  lá  pra  casa?  

Ten.  Guedes:  Aquilo  foi  um  erro.  Um  erro  triste.  

Lisbela:  Quero  que  ele   saiba  de  uma  coisa:  eu   fui  

contra  aquela  história  de  levá-­‐lo.  

Leléu:  Por  quê?  

Lisbela:  Não  era  direito.  

Leléu:   (Com   alívio.)   Ah,   sim!   Com   isso,   me  

contento.   Mas   fiquei   triste   quando   não   lhe   vi  

naquele  dia.  A  senhora,  no  circo.  Tinha  me  batido  

tantas  palmas!  

Ten.  Guedes:  Vá  pra  casa,  Lisbela.  

Lisbela:   (Sem   dar-­‐lhe   atenção.)   Como   é   que   você  

pode   se   lembrar   de   mim?   Todo   mundo   bateu  

palmas.  

Leléu:   Eu   só   via   as   da   senhora,   moça.   Num  

domingo   de   tarde.   A   senhora   estava   na   segunda  

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262

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

fila  de  cadeiras,  de  blusa  branca  e  uma   fita  verde  

no  cabelo.  Eu  vi.  [...]  

4)  Os  textos  lidos  neste  capítulo  são  compostos  de  

diversas   frases   que   formam   uma   unidade.   Essa  

unidade   resulta   do   emprego   de   alguns   recursos  

coesivos.  Por  exemplo:  aquilo  que  foi  dito  em  uma  

frase  é  retomado  nas  frases  seguintes  com  outras  

palavras,   assim   o   autor   pode   fazer   o   assunto  

avançar,   ao   mesmo   tempo   que   mantém   o   leitor  

sempre   ligado   à   ideia   central   do   texto.     Releia   o  

trecho  que  vai  da   fala  43   (Meu  pai,  a  Vitória  está  

parecendo...)   à   58   (Eu   só   via   as   da   senhora...)   do  

texto  Lisbela  e  o  prisioneiro.  

a)   Quais   são   os   termos   empregados   nas   falas   de  

Lisbela   para   essa   personagem   se   dirigir   ou   se  

referir  a  Leléu?    

b)  Que  termos  são  empregados  nas  falas  de  Leléu  

para   essa   personagem   se   dirigir   ou   se   referir   a  

Lisbela?    

 

Acrescentemos   ainda   que   as   respostas   são,   segundo   o  

gabarito   presente   no   livro,   respectivamente:   “o   senhor,   lhe,   lo,  

ele,   você”   e   “dona,   a   senhora,   lhe,   (d)a   senhora,   moça”.   Há,  

inclusive,   uma   nota   para   o   professor   no   rodapé   desta   mesma  

página:  “Prof.(a),  chame  a  atenção  dos  alunos  para  o  fato  de  que  

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263

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

os  termos  encontrados  nos  itens  a  e  b  são  pronomes  pessoais  e  

de  tratamento”.  

A  redução  da  importância  da  referenciação  é  tão  explícita  

em   ocorrências   como   essa,   que   tendemos   a   acreditar,   a   partir  

dessa   forma   de   abordagem,   que   o   assunto   se   restringe   a  

aspectos   gramaticais,   já   que   apenas   os   pronomes   recebem  

importância  nos  processos  coesivos.  

 Em  outro  momento,  ainda  no  volume  1,  a  explicitação  da  

análise   da   referenciação   como   uma   relação   entre   termos   do  

cotexto  é  reiterada  por  meio  de  um  box   (p.  230):  “A  coesão  é  a  

ligação   entre   os   elementos   de   um   texto”.   Por   essa   lógica,   fica  

evidente   que   a   visão   privilegiada   se   restringe   a   elementos  

cotextuais  apenas.  

Com   relação   ao   volume   2   para   a   2ª   série,   da   mesma  

coleção  Viva  Português,  encontramos  uma  referência  à  anáfora,  

porém  numa  perspectiva  desatualizada.  Vejamos  a  definição  e  o  

exemplo   de   anáfora   (p.   71)   constante   do   volume   que   estamos  

analisando:  

 

Anáfora  é  um  recurso  linguístico  de  coesão  textual  

em  que  um  termo  gramatical  (pronome,  advérbio,  

substantivo)   recupera   um   outro   termo   ou  

expressão.  

Page 265: Referenciação e Ensino

   

264

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

As   pessoas   saíam   aos   poucos   da   igreja.   O  

problema  é  que  o  lugar  estava  muito  quente.  

 

É   importante   relembrar   que,   segundo   as   concepções   da  

LT,  a  anáfora  teve  sua  dimensão  textual  ampliada,  a  ponto  de  não  

apresentar   mais   a   obrigatoriedade   de   explicitar   a   expressão  

referencial   no   texto,   o   que   vai   de   encontro   ao   que   as   autoras  

determinam  em  sua  coleção  no  Manual  do  Professor.  

Na  continuação  dessa  conceituação  de  anáfora,  o  volume  

passa   a   abordar   os   processos   de  hiperonímia   e   hiponímia.  Aqui  

também  não  há  novidades:  o  assunto  se  restringe  a  vocabulário  

geral   ou   específico   e   são   apresentados   sem   relação   com   a  

referenciação.   Koch   e   Elias   (2006),   por   exemplo,   tratam   da  

hiperonímia  e  homonímia  como  casos  de  anáfora  especificadora,  

já   que   são   formas   refinadas   de   especificação   de   um   referente.  

Seria  interessante  que  as  autoras  demonstrassem,  ao  menos,  que  

hiperônimos  e  hipônimos  são  conceitos  relacionados  à  anáfora  e  

não   separassem   os   dois   assuntos   como   se   fossem   tópicos  

distintos.  

De   modo   geral,   se   analisarmos   quantitativamente   os  

momentos  em  que,  de  alguma  maneira,  a  coleção  Viva  Português  

menciona  a  referenciação,  ainda  que  com  outras  nomenclaturas,  

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265

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

chegaremos   à   conclusão   de   que   os   volumes   praticamente  

ignoraram   a   existência   do   assunto.   A   abordagem   é   rápida,  

pontual  e  restrita  aos  dois  primeiros  volumes.  Qualitativamente,  

é   preciso   que   haja   atualização   sobre   os   processos   de  

referenciação.  

 

5.2. Coleção Português: Contexto,

interlocução e sentido

 

Diferentemente   da   coleção   anterior,   os   volumes   de  

Português:   Contexto,   interlocução   e   sentido,   de  Maria   Luiza  M.  

Abaurre,  Maria  Bernadete  M.  Abaurre  e  Marcela  Pontara  (Editora  

Moderna),   parecem   estar   no   caminho   para   uma   visão   mais  

moderna   acerca   dos   processos   de   referenciação.   Porém,   esse  

progresso  está  particularmente  presente  em  apenas  um  volume,  

o   que   compromete   a   proposta   da   coleção   como   um   todo   se  

analisarmos  os  demais  volumes.  

Tal   qual   ocorreu   em   Viva   Português,   também   não  

encontramos  qualquer  menção  à   referenciação  no   volume  3  da  

coleção  Português:  Contexto,  interlocução  e  sentido.  Os  capítulos  

da   parte   de   gramática   ficam   restritos   ao   estudo   das   orações,  

crase  e    pontuação.  Ainda  nessa  parte,  a  unidade  4,  “Articulação  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

dos   termos   na   oração”,   poderia   tratar   do   referente,   mas  

concordância   e   regência   são   os   conceitos   aprofundados   ali.   Em  

seguida,  em  outra  parte,   “Produção  de   texto”,  privilegiam-­‐se  as  

características   de   gêneros   textuais.   Em   vários   gêneros  

apresentados  pelas  autoras,  a  referenciação  poderia  ser  inserida,  

seja   abordando   sua   importância   na   construção   de   sentido   dos  

textos,  ou  mesmo  na  elaboração  textual.  Nada  disso  ocorre.  

No  volume  1,  há  vários  momentos  em  que  a  referenciação  

poderia  estar  mais  clara.  As  autoras  exploram  teorias  e  exercícios  

voltados,  por  meio  das  variações  linguísticas,  a  gírias  ou  jargões.  

Afirmam   que   quem   não   tem   conhecimento   específico   das  

referências   dessas   expressões   não   compreenderá   os   termos.   E  

ainda   acrescentam   que   essas   expressões   fazem   parte,   muitas  

vezes,   do   vocabulário   de   um   grupo   específico   e   definem   quem  

são  os  interlocutores  do  texto.    

Embora   não   mencionem   diretamente   os   conceitos  

envolvidos   na   referenciação,   as   autoras   valorizam,   na   relação  

comunicativa  de  expressões  e  significados,  o  aspecto  interacional  

do  discurso,  o  que  já  é  um  fator  positivo  na  coleção.  

O  volume  1  traz  ainda  (p.  265)  uma  parte  que  se   intitula  

“Usos   das   relações   lexicais   na   construção   da   coesão   textual”,  

porém   dá-­‐se   ênfase   a   retomadas   vocabulares   de   referentes  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

explícitos.  Por  outro  lado,  as  autoras  valorizam  a  ideia  de  campo  

semântico   como   fator   responsável   pelas   relações   de   sentido  

construídas  em  um  texto.  

As   autoras   surpreendem   nesse   mesmo   volume   quando  

comentam   o   texto   “Vaguidão   específica”,   de   Millôr   Fernandes,  

em  que  a   falta  de   referentes  explícitos  é  o  elemento  de  humor  

para  o  leitor.  Após  o  texto,  afirmam  (p.  243):  

 

A  leitura  do  texto  sugere  que  essas  duas  mulheres  

sabem  muito   bem   sobre   o   que   estão   falando.   O  

leitor,   porém,   não   é   capaz   de   identificar   as  

referências   que   podem   atribuir   um   sentido  

específico   aos   enunciados   do   diálogo.   Isso  

acontece   porque   ele   não   tem   conhecimento   do  

contexto  em  que  se  produziu  essa  interlocução.  O  

humor   do   texto   nasce   da   impossibilidade   de  

compreensão  da  conversa  das  duas  mulheres.  

Esse   texto   é   um   exemplo   extremo   da   exploração  

de  uma  característica  marcante  da   linguagem:  ela  

é   indeterminada.   Isso   significa   que   a  

responsabilidade  por  dizer  ou  não  dizer  algo,  pelo  

grau   de   explicitação   a   que   se   quer   chegar,   pela  

escolha  de  enunciados  ambíguos,  é  do  falante,  que  

tem   sempre   um   trabalho   a   realizar   a   partir   das  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

possibilidades   que   a   língua   coloca   à   sua  

disposição.  

 

Nesse   fragmento,   podemos   notar   a   valorização   das  

autoras   aos   aspectos   linguísticos,   sociocognitivos,   discursivos   e  

interacionais   dos  processos  de   referenciação.   Seria   interessante  

que   se   destacasse   a   importância   da   construção   coletiva   do  

referente  a  partir  do  papel  fundamental  também  do  interlocutor.    

Já   no   volume   2,   as   autoras   retrocedem   dessa   visão,   por  

exemplo,   quando   em  um  box   definem   anáfora   como   “processo  

linguístico  por  meio  do  qual  um  termo  recupera  outro  termo  que  

o  antecedeu  em  um  texto”  (p.  368).  Fica  claro  que  estão  tratando  

do   conceito   antigo   de   anáfora,   que   privilegiava   apenas   os  

mecanismos  linguísticos  explícitos  do  texto.  

O  volume  2  traz,  inclusive,  uma  seção  dedicada  à  coesão  e  

coerência,   tratando  dos  conceitos  de  anáfora  e,  agora,  catáfora.  

A  abordagem,  no  entanto,   se   volta  apenas  para  os  mecanismos  

linguísticos   de   retomada   ou   antecipação,   de   substituição,   de  

repetição   ou   reiteração   e   de   contiguidade.   O   volume   2   não  

amplia  o  conceito  de  referente  como  ocorreu  no  volume  1.  

Assim,   comparando   as   coleções   Português:   Contexto,  

interlocução   e   sentido   com  Viva   Português,   percebemos   grande  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

diferença   em   relação   à   abordagem   sobre   referenciação.  

Acreditamos  que,  se  houvesse  uma  continuidade  nos  volumes  2  e  

3   do   estudo   feito   no   volume   1   em   Português:   Contexto,  

interlocução   e   sentido,   os   conceitos   de   referenciação   poderiam  

ser  construídos  pelos  alunos  de  forma  mais  completa,   intrínseca  

e  natural  ao  chegarem  à  3ª  série,  mas  o  que  vimos  foi  um  estudo  

que  principia   em  uma   razoável   abordagem  da   referenciação   no  

volume  1  e  desaparece  nos  dois  volumes  seguintes.  

 

6. PROPOSTAS DE ATIVIDADES

 

Com   base   nos   conceitos   mais   recentes   relacionados   à  

referenciação  e  tendo  em  vista  a  abordagem  insuficiente  ou  nula  

–   em   alguns   momentos   –   desse   estudo   pelas   coleções   aqui  

analisadas,   propomos   atividades   baseadas   no   texto   “Um   tipo  

inesquecível”,   de   Silvio   Lancellotti,   retirado   de   Viva   Português,  

volume  3  (p.  248):  

 

Um  tipo  inesquecível  

Silvio  Lancellotti  

Criada   em   1922,   a   revista   Seleções   do   Reader’s  

Digest,   até   hoje   publicada   em  mais   de   70   países,  

ostenta  uma  rubrica  que  sempre  me   fascinou:   “O  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Meu   Tipo   Inesquecível”.   Pessoas   várias   enviam  

textos  a  respeito  de  outras  que,  de  alguma  forma,  

encantaram   os   seus   destinos.   Neste   começo   de  

2010  eu  utilizo  este  “Quintal  Paulistano”  a   fim  de  

eleger  meu  tipo  inesquecível  no  ano  que  acabou.  

Trata-­‐se   de   Frederico   Marcondes   de   Carvalho,  

nascido   em   Santos,   em   março   de   1981,   um  

produtor  do  “Pontapé  Inicial”,  o  programa  matinal  

do   qual,   eventualmente,   participo   no   canal   ESPN  

Brasil.   Filho   de   um   neurologista   e   de   uma  

enfermeira,   por   incrível   que   pareça,   Frederico  

padeceu   no   parto.  O   cordão   umbilical   se   enrolou  

no   seu   pescoço   e   praticamente   o   enforcou.   Por  

falta   do  oxigênio   crucial,   se   tornou  um  deficiente  

físico,  na  sua  mobilidade  e  na  sua  fala.  

Deficiente?  Absolutamente,  não.  À  parte  o  fato  de  

ele   torcer   para   o   “Peixe”,   em   que   fulgurou   um  

certo  Pelé,  que  Frederico  jamais  viu  jogar  ao  vivo  e  

em   cores.   Um   absurdo   de   inteligência   e   de  

criatividade,   ele   aprendeu,   nas   suas   palavras,   “a  

aceitar   o   fato   de   ser   diferente”.   Completou,   em  

escolas   convencionais,   o   curso   colegial.   E   se  

diplomou  em  jornalismo.  

Na   faculdade,   mesmo   com   todas   as   dificuldades  

de  dicção,  conduziu  um  programa  de  rádio  no  qual  

alinhavou   entrevistas   inesquecíveis   com   Mário  

Soares,   líder   político   de   Portugal,   com   o  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

presidente   Fernando   Henrique   Cardoso   e   com  

Chico  Buarque.  

O   esforço   e   o   sucesso   cativaram   José   Trajano,  

diretor   da   ESPN,   que   lhe   abriu   um   espaço,   em  

2004.  Apaixonado  por  música,  dono  de  uma  vasta  

coleção   de   CDs   de   todos   os   estilos,   da   MPB   ao  

fado,  do  jazz  ao  tango,  ele  é  hoje  responsável  pela  

trilha  sonora  que  escolta  o  “Pontapé”.  

Do   chefe,   recebe   broncas,   quando   escorrega,  

como   qualquer   funcionário   da   emissora.  

Invariavelmente,   porém,   responde   com   um   bom  

humor  cativante.  

Emociona   testemunhar   o   seu   esforço   e   a   sua  

competência.   E   saber   que   Frederico,   atualmente,  

faz   aulas   de   teclado   e   de   canto.   Que   Frederico,  

apesar  das  dificuldades  na  fala  e  na  mobilidade,  é  

um   jovem   feliz.   Eu   o   admiro.   Aqui,   peço   que   ele  

enquadre   e   dependure   este   “Quintal”   na   parede  

do  seu  quarto.  

Revista  da  Folha,  10  jan.  2010.  Folhapress.  

 

1) Ao  caracterizar  Frederico  Marcondes  de  Carvalho,  

no   3º   parágrafo,   o   escritor   Silvio   Lancellotti   demonstrou   não  

concordar  com  a  escolha  do  time  do  amigo.  Frederico  torce  para  

o  “Peixe”.  Apesar  de  não  haver  referência  direta  no  texto,  a  não  

Page 273: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ser   uma  pista   de   que   Pelé   foi   jogador   desse   time,   você   saberia  

identificar  de  que  clube  se  trata?  

Trata-­‐se  do  Santos,  time  no  qual  Pelé  se  consagrou.  

 

2) “Rubrica”   é   uma   palavra   que   pode   apresentar   vários  

significados:  

I  -­‐  Assinatura  abreviada.  

II  -­‐  Descrição  em  detalhes  sobre  como  um  ator  deve  encenar  

seu  personagem  no  teatro.  

III  -­‐  Programa  ou  atração  de  rádio  ou  televisão.  

a) O  significado  de  “rubrica”  no  1º  parágrafo  do  texto  

corresponde   a   algum   dos   sentidos   acima?   Em   caso   negativo,  

explique  qual  é  o  seu  significado.  

Não.   Rubrica   significa   coluna   ou   seção   da   revista   a   que  

Silvio  Lancellotti  se  refere.  

b) Que  passagens  ou  expressões  referem-­‐se  à  palavra  

“rubrica”  e  dão  pistas  de  seu  significado?  

O   próprio   nome   da   seção,   “O   Meu   Tipo   Inesquecível”,  

para  onde  as  pessoas  enviam  “textos  a  respeito  de  outras  que,  de  

alguma  forma,  encantaram  os  seus  destinos”.  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

3) Os  processos  coesivos  são  fundamentais  para  que  

haja   progressão   textual.   Nesse   sentido,   a   referenciação   é  

comumente   empregada   nos   textos   para   retomar   ou   antecipar  

termos  ou  ideias  compartilhadas  com  o  leitor.  Baseando-­‐se  nisso,  

complete   o   quadro   abaixo   com   fragmentos   do   2º   parágrafo   do  

texto  que  cumpram  as  funções  especificadas  em  cada  coluna:  

 

Expressão  introduzida  pela  primeira  vez  no  parágrafo  

Expressão  que  a  retoma  

Frederico  Marcondes  de  Carvalho  

   

um  produtor  do  “Pontapé  Inicial”      /  

Filho  de  um  neurologista  e  de  uma  enfermeira  

“Pontapé  Inicial”    

o  programa  matinal  

 

4) Antes  mesmo  de  falar  sobre  Frederico  Marcondes  

de   Carvalho   no   2º   parágrafo,   o   autor   antecipa   essa   referência,  

utilizando   uma   determinada   expressão   no   1º   parágrafo.  

Destaque-­‐a   e   comente   a   respeito   da   escolha   dessa   expressão  

para  tratar  de  Frederico.  

A  expressão  “meu  tipo  inesquecível”  no  final  do  primeiro  

parágrafo   já   antecipa   a   referência   a   Frederico   Marcondes   de  

Carvalho.  A  escolha  dessa  expressão  se  deve  ao  autor  considerar  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

que   Frederico   é   uma   pessoa   que   marcou   sua   vida,   seu   tipo  

inesquecível,  já  que  só  são  escolhidas  pessoas  que  “encantaram”  

o  destino  de  alguém.  

 

5) A  referenciação  pode  ocorrer  em  um  texto,  muitas  

vezes,  por  meio  da  omissão  de  um  termo  ou  até  por  outro  termo  

ou   expressão   que   tenha   relação   de   significado   com   o   anterior.  

Releia  o  trecho  seguinte,  retirado  do  1º  parágrafo  do  texto:  

Pessoas  várias  enviam  textos  a  respeito  de  outras  (...)  

A   referência   adequada   que   se   pode   fazer   do   termo  

destacado  indica  que  se  trata  de:  

a) situações.  

b) publicações.  

c) pessoas.  

d) revistas.  

e) rubricas.  

 

7. CONCLUSÃO

 

Não   são   poucos   os   artigos   publicados   acerca   da  

preocupação  de  muitos  especialistas  em  Língua  Portuguesa  com  

o   livro   didático   usado   nas   escolas.   A   inquietação   desses  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

profissionais   é   justificada   pela   qualidade   duvidosa   de   alguns  

manuais   levados  à  sala  de  aula,  que,  devendo  ser  uma  fonte  de  

estímulo  e  desafio  para  o  discente,  acabam  se  transformando  em  

um   fim   em   si   mesmo.   Apesar   de   apresentarem   uma   razoável  

variedade   de   textos   que   permitem   um   bom   trabalho   da  

construção  do  referente,  esses  livros  perdem  a  oportunidade  de  

fazê-­‐lo,  quando  privilegiam,  ora  questões  puramente  gramaticais,  

ora  interpretações  sem  propósito.  

A  referenciação  parece-­‐nos  de  vital  importância  porque  se  

relaciona   à   cadeia   de   construção   dos   sentidos,   essenciais   à  

interpretação  e  à  produção  textual.  É  por  meio  dela  que  o  aluno  

constrói   inferências   e   se   posiciona   como   enunciador   ou   como  

coenunciador  em  uma  interação.  Enfocar,  nos  livros  didáticos,  os  

processos   de   referenciação   é   propiciar   ao   aluno   um  

aprofundamento  em  um  estudo  concreto,  que  se  reflete  no  seu  

cotidiano  e  que,  portanto,  ele  reconhecerá  como  fundamental.  

Dessa  forma,  os  livros  didáticos  devem  se  preocupar  com  

essa   proposta   se   querem   atender   aos   Parâmetros   Curriculares  

Nacionais.   A   visão   dos   PCN   de   Língua   Portuguesa   do   Ensino  

Médio  (p.  5)  acerca  da  linguagem  é  bastante  clara:  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A   linguagem   é   considerada   aqui   como   a  

capacidade   humana   de   articular   significados  

coletivos   e   compartilhá-­‐los,   em   sistemas  

arbitrários   de   representação,   que   variam   de  

acordo  com  as  necessidades  e  experiências  da  vida  

em   sociedade.   A   principal   razão   de   qualquer   ato  

de  linguagem  é  a  produção  de  sentido.  

 

E  ainda:  

 

Não  há  linguagem  no  vazio,  seu  grande  objetivo  é  

a  interação,  a  comunicação  com  um  outro,  dentro  

de  um  espaço  social,  como,  por  exemplo,  a  língua,  

produto  humano  e  social  que  organiza  e  ordena  de  

forma   articulada   os   dados   das   experiências  

comuns   aos   membros   de   determinada  

comunidade  linguística.    

 

Dentre  os  diversos  processos  envolvidos  na  construção  do  

sentido,  a  referenciação  também  deve  ter  seu  espaço  assegurado  

pelos   livros   didáticos   e   pelos   professores   em   sala   de   aula.   Se   a  

linguagem   está   íntima   e   diretamente   relacionada   à   vida   em  

sociedade,   ao   indivíduo   e   às   experiências   comuns   com   que   vai  

construindo   seu   repertório   de   conhecimento,   o   estudo   da  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

referenciação   também  deve   figurar  em  meio  a   tantos  pretextos  

para  usos  do  texto.    

Todo   esse   conhecimento   beneficia   os   estudantes,   que  

têm   o   privilégio   de   compreender   melhor   o   processo   de  

referenciação   nos   diversos   textos   –   orais   e   escritos   –   que  

produzem,   leem   ou   ouvem.   No   entanto,   as   escolas   e   os   livros  

didáticos   não   têm   contribuído   para   o   alcance   desse   ideal,  

reproduzindo  –  muito  raramente  –  visões  ultrapassadas  sobre  as  

questões   que   envolvem   a   referenciação   textual   ou   sequer  

mencionando   a   existência   desse   assunto   –   o   mais   comum   dos  

casos,  como  vimos  nas  duas  coleções  analisadas.  

A   abordagem   da   referenciação   nas   duas   coleções   que  

analisamos   está   muito   aquém   do   que   deveria.   Ainda   assim,  

Português:   contexto,   interlocução   e   sentido   parece   considerar  

uma   relativa   importância   do   assunto,   já   que   em   certos  

momentos   menciona-­‐o   de   acordo   com   as   novas   teorias   da  

Linguística  de  Texto,  o  que  não  ocorre  com    Viva  Português.  

É   preciso   que   leitura   e   produção   textual   sejam   o   centro  

dos  estudos  de  Língua  portuguesa  em  sala  de  aula.  Para  tanto,  a  

referenciação  deve  ser  incluída  efetivamente  nos  livros  didáticos,  

que,   muitas   vezes,   norteiam   o   trabalho   do   professor.   Se   a  

abordagem   desse   assunto,   presente   no   ambiente   escolar   e   na  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

vida  do  aluno,  fosse  considerada  com  a  mesma  importância  que  

os  estudos  dos  aspectos  gramaticais  do   texto   têm  nesses   livros,  

certamente  a  situação  da  referenciação  seria  outra.    

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL.  Guia  de   livros  didáticos:  PNLD  2012:  Língua  Portuguesa.  Brasília:  Ministério  da   Educação,   Secretaria  de   Educação  Básica,  2011.    ______.   Parâmetros   Curriculares   Nacionais   –   Ensino   Médio,  Língua  portuguesa.  Brasília:  Ministério  da  Educação,  Secretaria  de  Educação  Média  e  Tecnológica/MEC,  1999.    CAVALCANTE,   Mônica   Magalhães.   Referenciação:   sobre   coisas  ditas  e  não  ditas.  Fortaleza:  EdUFC,  2011.    CORTEZ,  Suzana.  Referenciação  e  ponto  de  vista:  constituição  de  instâncias   discursivas   para   orientação   argumentativa   na   crônica  de  ficção.  In:  KOCH,  Ingedore  V.;  MORATO,  Edwiges  M.;  BENTES,  Anna   C.   (Orgs.)   Referenciação   e   discurso.   São   Paulo:   Contexto,  2005,  p.  317  –  338.    KOCH,   Ingedore   Grunfeld   Villaça;   ELIAS,   Vanda   Maria.   Ler   e  Compreender   os   sentidos   do   Texto.   Ed.   São   Paulo:   Contexto,  2006.    MARQUESI,   Sueli.   Referenciação   e   intencionalidade:  considerações   sobre   escrita   e   leitura.   In:   CARMELINO,   A.   C.;  PERNAMBUCO,  J.;  FERREIRA,  L.  A.  (Orgs.).  Nos  caminhos  do  texto:  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

atos   de   leitura.   Col.   Mestrado   em   Linguística,   v.   2.   São   Paulo:  EdUnifran,   2007.   p.   215-­‐233.   (Disponível   em  http://publicações.unifran.br/index.php/coelcaoMestradoEmLinguistica/issue/view/59)    LIVROS DIDÁTICOS  ABAURRE,  Maria  Luiza  M.;   ABAURRE,  Maria  Bernadete  M.;  PONTARA,   Marcela.  Português:  contexto,  interlocução  e   sentido.  3  v.  São  Paulo:  Moderna,  2010.      CAMPOS,   Elizabeth;  CARDOSO,  Paula  Marques;  ANDRADE,   Silvia  Letícia.  Viva  português.  3  v.  São  Paulo:  Ed.  Ática,  2011.    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

A referenciação em duas coleções didáticas

 MARQUES,  Matheus  Odorisi  (UFRJ)  

     

 1. INTRODUÇÃO     Quando   pensamos   no   estudo   da   língua   portuguesa   em  

salas  de  aula  brasileiras,  várias  questões  vêm  à  tona.  Uma  delas,  

primordial,   mas   que   há   séculos   constitui   um   problema   não  

resolvido,  é  o  ensino  da  língua  não  vinculada  ao  texto.  A  negação  

da   textualidade   no   ensino   imprime   um   caráter   sistemático   às  

análises,   fazendo   com   que   sejam   geralmente   superficiais   .   Esse  

fato   lembra-­‐nos  uma     comparação   feita  por  Marcos  Bagno,  que  

lança  mão   do   exemplo   da   água   e   do   peixe.   Para   o   autor,   seres  

humanos  são  como  peixes  que  vivem  imersos  em  linguagem,  das  

quais   possuem   uma   dependência   intrínsica.   Essa   relação  

peixe/água   também   pode   ser   pensada   no   que   toca   à   relação  

entre  a  linguagem  e  o  texto.  Uma  palavra  ou  uma  frase  solta,  fora  

do   contexto,   seria   como   um   peixe   fora   d'água,   teria   sua  

existência  comprometida.  Bagno   (Bagno,  2012  p.  12)  diz  que  “o  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

texto  é  o  ambiente  natural  para  qualquer  palavra,  qualquer  frase.  

Fora  do  texto,  a  palavra  sufoca,  a    palavra  estrebucha  e  morre.”.  

  Podemos  lançar  mão  de  outra  comparação  para  tratar  da  

questão,  ao  pensarmos  no  papel  das  palavras  como  ativadores  de  

sentido,   o   que   já   leva   o   nosso   pensamento   para   teorias   da  

Linguística  Textual  mais  moderna.  Pensemos  em  um  tangram  (ver  

imagem  1),  que  é  um  quebra  cabeça  chinês.  Muito  antigo,  o  jogo  

é   formado   por   sete   peças   -­‐   5   triângulos,   1   quadrado   e   1  

paralelogramo   –   que   combinadas,   podem   formar  mais   de   1500  

figuras   diversas.   O   jogo   é   utilizado   para   treinar   habilidades   de  

rociocínio  lógico  em  aulas  de  matemática.  

     

Ao   combinarmos  as  peças  do   jogo,   formamos   imagens  que  dão  

sentido   às   simples   formas   geométricas   que   constituem   o  

Ilustração  1:  Formas  do  jogo  Tangram  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Tamgram,  transformando  a  linguagem  matemática  na  linguagem  

representacional  dos  desenhos,  como  podemos  ver  na  figura  2:  

 

 

  Podemos   pensar   que   as   palavras   ou   frases   soltas   são   as  

formas  geométricas  que  compõem  o  jogo.  Cada  uma  delas  é  uma  

forma  que  funciona  separadamente,  assim  como  cada  palavra  ou  

construção   ativa  um   sentido.   Porém,  o  que  dá  base  para  que   a  

linguagem  adquira  existência  é  a  dimensão  textual,  assim  como  a  

linguagem  geométrica  das  figuras  do  tangram  adquire  existência  

representacional   ao   se   combinarem.   O   estudo   de   formas  

Ilustração  2:  Imagens  formadas  a  partir  das  formas  do  Tangram  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

separadas   das   figuras   do   tangram   nada   nos   diz   sobre   as  

possibilidades   imagéticas   que   elas   possibilitam.   Cada   figura  

montada  com  as  peças   traz  à   tona   sentidos  diversos  que   fazem  

parte   de   contextos   diversos,   numa   cadeia   significativa   e  

correlacional,   o   que   torna   a   busca   pelo   sentido   uma   tarefa  

profunda   e   fascinante.   Isolar   as   peças,   assim   como   isolar   as  

palavras  nos  estudos  da  língua  portuguesa,    é  fugir  dessa  análise.    

  O   problema   maior   ocorre   quando   privamos   os   alunos  

desses   processos   em   sala   de   aula,   numa   prática   perpetuada  

durante   gerações,   que   ensina   o   aluno   a   fazer   análises   pontuais  

dos   elementos   linguísticos.   E   o   que   cada   vez   mais   está   sendo  

discutido,  até  mesmo  pelo  MEC  como  podemos  ver  no  conteúdo  

cobrado   pelo   ENEM,   é   a   questão   da   língua   amparada   sempre  

pelo   texto:   palavras,   frases,   orações,   imagens,   e   tudo  mais   que  

constitui  linguagem  sendo  analisadas  em  seus  habitats  naturais.  

  O   artigo   que   aqui   apresentamos   busca   analisar   como  

manuais   que   auxiliam   os   professores   de   ensino   fundamental   a  

orientar   os   alunos   em   relação   a   questões   textuais   tratam   um  

ponto   fundamental:  a   referenciação.  Esse  ponto   relaciona-­‐se  de  

maneira  cíclica  com  a  visão  de  texto  como  base  para  o  estudo  da  

língua.   Se,   por   um   lado,   para   entendermos   a   referenciação   é  

necessária   a   visão   do   todo,   da   dimensão   textual,   estudando  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

referenciação  solidificamos  essa  mesma  ideia,  de  texto  como  um  

constructo   relacional.   A   necessidade   de   ensinar   referenciação  

para   a   compreensão   do   processo   produtivo   e   interpretativo   do  

texto  justifica  uma  abordagem  comprometida  das  operações  que  

utilizamos  para  tal,  que  constroem  sentidos  por  meio  de  ativação  

e   reativação   de   conceitos,   e   exercitam   também   uma   das   mais  

importantes    funções  da  linguagem:  a  ideologia.  

 

2. SOBRE O CONCEITO DE TEXTO

 

  É  mais   fácil   definirmos  o  que  não   constitui   texto  do  que  

definir   o   que   é   texto,   já   que   compartilhamos   da   ideia   de   que  

“conjuntos   aleatórios   de   palavras   ou   frases   não   constituem  um  

texto”   (Bagno,   2010   p.   30).   Outro   consenso   é     que   textos  

preveem   inicialmente   situações   comunicativas   que   envolvem  

emissores  e  interlocutores  e  pressupoem  um  evento  social,  com  

algum  propósito  e  alguma  função  em  um  deteminado  contexto.  

A  concepção  de  ato  comunicativo  leva  o  texto  a  um  patamar  em  

que   operam   ações   que   vão   além   da   linguística,   como   as   ações  

sociais  e  cognitivas.  

  Koch   (2010)   percorre   algumas   definições   de   texto  

lançadas  ao   longo  dos  estudos  da  Linguística  de  Texto.  A  autora  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

afirma   que,   quando   a   língua   era   vista   como   representação   do  

pensamento,   o   texto   era   considerado   como   um   produto   lógico  

do   pensamento   do   autor,   o   que   dava   ao   leitor   o   papel   de  

captador  desse  pensamento  e  de   suas   intenções   (cf.   Koch  2010  

p.11)   ,   em   um   exercício   como   procurar   ideias   em   um   saco   de  

frases.  Já  quando  a   língua  é  vista  como  uma  estrutura,  o  sujeito  

do   texto   torna-­‐se   assujeitado   pelo   sistema,   preso   em   amarras  

estruturais.  Nessa  visão  de  língua  como  um  código,  o  texto  acaba  

se   tornando   um   produto   de   codificação   de   um   emissor   a   ser  

codificado  pelo   leitor,  em  um  processo  explicado  por  uma  visão  

simples  e  horizontal  da  teoria  da  comunicação  de  Jakobson.  Uma  

fuga   a   essas   possíveis   simplicações   do   texto   seria   justamente   a  

concepção   interacional     da   língua,   na   qual   os   sentidos     são  

construídos  na  interação.  

  Essa  nova  abordagem  conceitual  do  texto  justifica-­‐se  pela  

necessidade  de  abandonar  a  noção  de  que  ele  seja  um  produto,  

para   passar   a   observá-­‐lo   como   processo,   dinâmico,   social   e  

cognitivo.   Pauliukonis   (2009)   discorre   sobre   o   real   processo  

interpretativo   de   que   se   constitui   a   leitura   de   um   texto  

considerando  uma  abordagem  processual:  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Um   novo   enfoque   de   texto   visto   como   discurso  

tem   por   objetivo   considerar   a   importância   da  

compreensão   do   seu   sentido   global   pelo   exame  

dos  mecanismos  produtores  desse  sentido.  Em  vez  

de  simplesmente  fixar  o  conteúdo  das  proposições  

–   ou   o   que   o   texto   diz   –   evidenciar   o   processo  

interacional   entre   um   enunciador   e   um   leitor,   o  

qual  se  torna  um  co-­‐enunciador  do  texto;  analisar  

como   o   texto   diz   algo   e,   ao   dizer,   que   efeitos   de  

sentido   consegue   transmitir   e,   ainda,   o   mais  

importante:  de  que  meios  linguísticos  e  operações  

discursivas  se  vale  a  estruturação  textual  como  um  

todo  

 

  O  texto  é  antes  de  mais  nada,  um  processo  de  construção  

de   sentido,   e   como   o   sentido   é   algo   dinâmico,   não   estático,   o  

texto   teria   essa  mesma   característica.   Dessa   forma,   o   papel   do  

leitor   é   ativo,   no   momento   em   que   constrói   sentido   e   acessa  

informação   necessárias,   guiado   pelos   rastros   deixados   pelo  

autor.    

  Observemos   o   exemplo   abaixo,   retirado   da   coluna   do  

jornalista  Ancelmo  Góis,  do  site  do  jornal  O  Globo:  

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

(1)  Dilma  perdeu  

Dilma   viajou   a   Salvador   no   fim   da   tarde   de   ontem   para   um  

comício  do  petista  Nelson  Pelegrino.  

Pelo   programa,   coitada,   estaria   no   avião   de   volta   a   Brasília   na  

hora  do...  capítulo  final  de  “Avenida  Brasil”.  

(disponível   em   http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/,   acessado  

em  20/010/2012)  

 

  A   pequena   nota,   característica   das   postagens   na   coluna  

do   jornalista,  tem  como  título  uma  oração  em  que  o  sujeito  é  a  

presidente  Dilma,  seguido  de  um  verbo  sem  seu  complemento.  O  

sentido   produzido   pelo   complemento   omitido   na   oração,  

somente   é   captado   se   pensarmos   em   um   ambiente   textual  

sociocognitivo.  O  que  está  em  jogo  no  título  da  nota  está  muito  

além  do  publicado  no  jornal.  O  texto  inclui  a  situação  enunciativa  

em   que   temos   o   último   capítulo   de   uma   novela   televisiva   de  

grande  sucesso  de  audiência,  “Avenida  Brasil”,  cuja  exibição  era  

esperada   por   muitos   telespectadores.   Há,   no   texto,   um   eco  

situacional,  provocado  por  várias  notícias  vinculadas  na   semana  

em   que   o   capítulo   em   questão   seria   exibido,   de   que   “todos”,  

incluindo   personalidades   como   políticos   e   celebridades,   iriam  

assistir   o   final   do   folhetim.   O   título   da   nota,   então,   nega   essa  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

expectativa   de   que   todo   mundo   assistiu,   ao   informar   que   a  

presidente   perdeu.   Nota-­‐se   que   o   complemento   incialmente  

omitido   no   título   só   aparece   no   final   do   texto.   O   vazio   inicial  

deixado  pelo  autor  é  recuperável  tanto  textualmente  no  sentido  

strictu   sensu,  quando  o   termo  omitido  aparece  no   final,  quanto  

socialmente,   já   que   a   informação   de   que   todos   assistiriam   o  

programa  é  obtida  por  conhecimento  de  mundo.  

  Segundo  Paulikonis  (2009),  o  conceito  que  temos  de  texto  

influencia   o   tipo   de   abordagem   prática   que   faremos   e     os  

elementos  que   levaremos  em  consideração  para  a  sua  análise  e  

produção.  Transportando  esse  pensamento  para  a  sala  de  aula,  o  

conceito   de   texto   como   discurso   é   fundamental   para   que   se  

trabalhe   de   maneira   efetiva   os   mecanismos   linguísticos   que  

levam   à   construção   e   manutenção   de   ideias   dentro   do   texto.  

Dentre  esses  mecanismos,  temos  a  referenciação.  

  Partimos,   então   da   noção   de   texto   como   processo  

cercado  por  fatores  sociais  e  psicológicos.      Ao  olhar  para  o  texto  

sob  essa  perspectiva,  ele  não  será  “uma  superfície  material  que  

conduz   ao   discurso”   (Koch   2002),  mas   indissociável   dele,   assim  

como   de   seu   uso,   “das   relações   culturais,   sócio-­‐históricas,   em  

processos   intercognitivos,  considerados  sob  uma  perspectiva  de  

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cognição   interacionalmente   situada”   (Cavalcante  et  al.,  2010,  p.  

227).  

  O   constructo   textual   é   formado   por   mecanismos   que  

levam   o   leitor   a   construir   sentidos   a   acessar   a   realidade,  

contribundo   de   maneira   co-­‐autoral.   Veremos   adiante   como   a  

referenciação  é  valiosa  dentre  esses  mecanismos.  

 

3. SOBRE A REFERENCIAÇÃO

 

  O  dinamismo  do  texto  como  processo  cria  uma  condição  

para  que  haja  nele  uma  mobilidade  de  sentidos,  constituindo  um  

jogo   contínuo   de   ativação   de   referentes.   Estes,   vistos   sob   uma  

ótica   cognitivista,   constituirão   elementos   que   contribuem   para  

que  conceitos  sejam  elevados  na  mente  do  leitor,  o  que  colabora  

para  o  acesso  do  conhecimento  linguístico  e  de  mundo.  

  Essa   visão   torna   complexos   os   fatores   textuais,   como   a  

coesão,   construída   em   parte   por   práticas   referenciais.  

Precisamos,   antes   de   tudo,     prever   o   leitor   como   atuante   do  

processo,   para   que   se   estabaleçam   esses   tipos   de   de   fatores.  

Cavalcante  et  al.  (2010,  p  227)  tocam  na  questão  ao  introduzir  o  

conceito  de  processos  referenciais:  “A  ideia  de  que  os  processos  

referenciais   se   edificam   nas   representações   mentais   dos  

Page 291: Referenciação e Ensino

   

290

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

interlocutores,  num  jogo  de  negociação  que  envolve  estratégias  

inferenciais   ainda   pouco   explicadas,   encontra-­‐se   baseada   em  

autores   que   já   a   debatem   há   algum   tempo.”   Dessa  maneira,   a  

referenciação   está   vinculada   diretamente   a   processos  

interacionais  de  contrução  textual.  Ainda  segundo  os  autores,  os  

referentes   possuem   características   instáveis,   por   poderem   ser  

acessados   e   reacessados,   construídos   e   reconstruídos,   não  

existindo   senão   no   ato   da   enunciação.   A   referenciação   é   assim  

definida:  

 

A   referenciação   é   o   processo   pelo   qual,   no  

entorno   sociocognitivo-­‐discursivo   interacional,   os  

referentes   se   (re)constroem.   Trata-­‐se,   portanto,  

de  um  ponto  de  vista  cognitivo  discursivo,  e  é  por  

isso  que  se  diz  que  a  referenciação  é  um  processo  

em  permanente  reelaboração,  que,  embora  opere  

cognitivamente,  é  indicado  por  pistas  linguísticas  e  

completado   por   inferências   várias.   (Cavalcante   et  

al,  2010,  p  233)  

 

  Assumimos,   portanto,   que   a   referenciação   depende   de  

interação   e   construção   de   sentido.   Ao     assumir   também   que  

texto  e  contexto  não  são  instâncias  separadas  e  incluir  o  discurso  

e   o   conceito   de   enunciação   ao   processo,   tornamos   a  

Page 292: Referenciação e Ensino

   

291

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

referenciação  também  um  ato  cognitivo  e  interacional.  Segundo  

Cavalcante   (2011,   p   21)   “não   poderíamos   falar   de   referência  

considerando  apenas   a  palavra   fora  de   contexto,   em  estado  de  

dicionário  […],  pois  só  se  identifica  o  referente  correspondente  a  

um  nome  quando  se  analisa  o  enunciado  e  o  contexto  de  uso  em  

que  esse  nome  foi  empregado”  .  

  Cavalcante   (2011)   divide   os   processos   referenciais   entre  

aqueles   nos   quais   introduzimos   o   referente   pela   primeira   vez,  

chamados   de   introduções   referenciais,   e   aqueles   com   os   quais  

damos    continuidade  ao  referente,  que  já  foi  evocado    no  texto,  

as   anáforas.   Estas   podem   ser   diretas,   cujo   referente   está  

presente  de  maneira  mais   substancial   e   concreta   no   texto,   que  

recuperam  algo  mencionado  diretamente  ;  ou  indiretas,  quando  

a   menção   de   um   novo   referente   relaciona-­‐se   a   outro   citado  

anteriormente  de  maneira  a  configurar  uma  pista  formal  no  texto  

para  o   seu   reconhecimento,   como   se  o  dado   já   fosse   velho   (cf.  

Cavalcante,  2011  p.  61).  Observemos  o  texto  seguinte:  

 

 

(2) "Mendigo   de   Curitiba"   é   conhecido   por   moradores   do  

centro  da  cidade  e  seria  usuário  de  crack  

Page 293: Referenciação e Ensino

   

292

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Depois   de   virar   um   dos   assuntos   mais   comentados   do  

Facebook,   nesta   quarta-­‐feira   (17),   após   ter   uma   foto   sua  

compartilhada  cerca  de  37  mil  vezes,  o  homem  que  vem  sendo  

chamado   nas   redes   sociais   de   o   “mendigo   de   Curitiba”   virou  

alvo   de   especulações.   A   reportagem   do   UOL   foi   até   a   praça  

Tiradentes,  local  no  centro  da  capital  paranaense  onde  a  foto  foi  

feita,   para   conversar   com   usuários   de   drogas,   comerciantes   e  

integrantes   do   Movimento   Nacional   da   População   de   Rua  

(MNPR)  e  descobriu  que  o  rapaz  é  conhecido  na  região.  

  Segundo   o   Movimento   Nacional   da   População   de   Rua  

(MNPR),   que   auxilia   moradores   de   rua,   ele   chegou   a   ser  

encaminhado  para  a  Casa  de  Acolhimento  São  José.  "O  problema  

dele   é   o   crack”,   afirmou   Regiane   da   Silva   Keppe,   integrante   da  

organização.  

Os   comerciantes   da   região   também   lembram   da   figura.  

"Ele  aparece  aqui  quase  toda  noite.  Parece  meio  louco,  acho  que  

por   causa   das   drogas”,   afirmou   Jefferson   Alves   Leite,   que  

trabalha   em   uma   barraca   de   cachorro-­‐quente   no   local.   O  

proprietário  do  estabelecimento,  Edgar  Weber,  também  conhece  

o  rapaz:  “Essa  história  só  vai  deixar  ele  mais  perdido”,  afirmou.  

  Uma   funcionária   da   região,   que   não   quis   se   identificar,  

disse:  "Ele  é  bonito  mesmo,  devia  ser  modelo."  

Page 294: Referenciação e Ensino

   

293

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Mas  não  é   só  pela  beleza  que  o   rapaz   é   lembrado  pelas  

pessoas   que   circulam   no   centro   de   Curitiba.   Segundo   Luciano  

Romão,  proprietário  de  um  quiosque  na  praça,  o  morador  de  rua  

é   “muito   chato”   e   nem   mesmo   os   outros   usuários   de   drogas  

gostam   dele.   “Ele   fica   ‘zanzando’   por   aqui.   Enche   o   saco   das  

pessoas,  pede  coisas  e  depois  sai  por  aí,  sem  rumo”,  disse.  

  “O   cara   vive   andando,   é   pilhado,   e   perturba   um   pouco,  

mas   não   chega   a   incomodar”,   afirmou   Carlos   Humberto,   mais  

conhecido  como  “Pulga”,  um  morador  de  rua  da  área.  

  Benedito  Antonio  da  Silva,  atendente  de  uma  lanchonete  

ali,   também   confirma   que   o   “mendigo   de   Curitiba”   costuma  

perambular  pela  praça.   “Olha,  ele   dorme  por  aí.   Sempre  o   vejo  

na   hora   do   almoço   ou   um   pouco   antes.   Não   incomoda,   mas  

dizem  que  ele  realmente  é  um  chato.”  

 

(disponível   em   http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-­‐

noticias/2012/10/18/mendigo-­‐de-­‐curitiba-­‐e-­‐usuario-­‐de-­‐crack-­‐e-­‐

preocupa-­‐a-­‐familia.htm,  acessado  em  20/10/2012)  

 

  O   texto  acima  dá   informações  sobre  um  morador  de   rua  

que   virou   uma   celebridade   de   internet   após   ter   sua   foto  

divulgada  por  um  usuário  na  rede  social  Facebook,  sua  aparência    

Page 295: Referenciação e Ensino

   

294

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

destoa  da  maioria  dos  mendigos.  No  título  da  reportagem,  há  o  

que   podemos   classificar   como   introdução   referencial   em  

"Mendigo  de  Curitiba".  Não  há  nada  presente  anteriormente  no  

texto   que   remeta   ao   referente,   o   que   não   nos   possibilita  

construí-­‐lo  previamente.  Por  outro   lado,  há  termos  no  corpo  do  

texto  que  tornam-­‐se  pistas  ou  indícios  que  nos  levam  a  construir  

e   reconstruir   o   referente   inicial   do   mendigo.   Em   um   primeiro  

momento,   o   termo   o   homem   que   vem   sendo   chamado   nas  

redes   sociais   de   o   “mendigo   de   Curitiba”   é   o   start   para  

ativarmos   o   que   já   foi   mencionado   no   título,   porém   com   a  

informação  acrescida  de  que  o  título  veio  dos  usuários  de  redes  

sociais.   Logo   após,   temos   termos   como  o   rapaz,    dele,     figura,    

ele,     e   o   morador   de   rua,   que   apontam   para   o   referente  

introduzido   incialmente,   suportando   a   construção   de   sentido,  

além  de  guiar  o  leitor  a  ler/construir  o  texto  como  uma  unidade.  

Esses  elementos  são  chamados  de  anáforas.    

  Elementos   introdutórios   e   anafóricos   constituem   um  

recurso   que   constitui   para   o   enunciador   a   possibilidade   de  

trabalhar   com   o   sentido.   Pode   ser   também   uma   maneira   de  

deixar  pistas  que  podem  levar  o  leitor  a  construir  um  sentido  de  

cunho  ideológico.  Observe  o  exemplo  a  seguir:  

 

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295

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

 

(3)  Dilma  inicia  'road  show'  eleitoral  

Presidente  começou  por  Salvador,  na  sexta,  e  segue  a  agenda  de  

campanha  neste  sábado  com  comícios  em  Campinas  e  São  Paulo  

 

A   presidente   Dilma   Rousseff   iniciou,   na   sexta-­‐feira,  uma  

série   de   comícios   de   apoio   a   correligionários   e   a   aliados   neste  

segundo  turno  das  eleições  municipais.  Os   locais  escolhidos  têm  

em   comum   candidatos   adversários   de   partidos   que   estão   no  

arco  de  alianças  nacional  ou  que  são  apoiados  por  políticos  que  

poderão   estar   unidos   contra   ela   na   disputa   pela   reeleição  

presidencial  em  2014.  

Salvador   foi   a   primeira   parada   do  périplo   de   Dilma.   Em  

caso   de   vitória   de   ACM   Neto   (DEM),   adversário   de   Nelson  

Pelegrino   (PT),   a   capital   baiana   poderá   se   transformar   num  

centro   forte   de   oposição   tanto   ao   governo   estadual   de   Jaques  

Wagner  (PT)  quanto  ao  governo  federal.[...]  

 

(disponível   em   http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/dilma-­‐

inicia-­‐road-­‐show-­‐eleitoral  acessado  em  20/10/2012)  

 

Page 297: Referenciação e Ensino

   

296

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Em   (3)   podemos   observar   como   as   escolhas   referenciais  

têm   finalidades   maiores   do   que   apenas   indicar   elementos   no  

texto.   No   título   da  matéria,   usa-­‐se   a   expressão   em   inglês   road  

show   como   introdução   referencial   para   os   comícios   que   a  

presidente   brasileira   Dilma   Roussef   realizará   com   candidatos  

apoiados   pela   sua   legenda   partidária.   O   site   Dictionary.com  

define   road   show   como   “a   show,   as   a   play   or  musical   comedy,  

performed  by  a  touring  group  of  actors.”2.  Ao  chamar  os  comícios  

de   road   show,     define-­‐se  o   ato   como  uma  peça  de   teatro,   algo  

encenado   e   falso,   e   os   políticos   participantes   como   atores,   ou  

seja,  pessoas  que   interpretam  uma  realidade   fictícia.   Impossível  

não  perceber  a  carga  de  julgamento  na  definição.  O  referente  é  

retomado   via   anáfora   pelo   elemento   mais   genérico   comícios,  

seguido  por  uma  série  de  comícios  e  finalmente  por  périplo,  que  

significa  uma  viagem  que  tem  como  retorno  o  ponto  de  partida,  

termo   que   retira   um   sentido   político   maior   dos   atos   da  

presidente.   Quando   trata   dos   políticos   que   Dilma   apoiará,   a  

introdução  referencial  é  feita  com  os  termos  correligionários  e  a  

aliados,   que   contêm   explícito   o   interesse   político   partidário   do  

apoio.  O   texto  é  um  exemplo  de  como  o   julgamento   ideológico    

2   Um  show,  como  uma  peça  ou  comédia  musical,  performada  por  um  grupo  de  atores  que  viajam.  (tradução  nossa)  

Page 298: Referenciação e Ensino

   

297

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

está  presente  no  ato  de  referenciar,  já  que  o  texto  é  impregnado  

de   um   pensamento   contra   o   ato   de   apoio   da   presidente   aos  

prefeitos   aliados   do   PT.   Esse   pensamento   subjaz   nas   escolhas  

lexicais  das  operações  referenciais,  que  deixam  pistas  que  podem  

conduzir  o  leitor  a  formar  os  conceitos  sugeridos  na  enunciação.  

   A  importância  desses  recursos  referenciais  parece  não  ser  

entendida   em   vários   manuais   didáticos.   O   que   vemos  

comumente   no   que   toca   à   referenciação   nos   livros   de   ensino  

fundamental  é  um  tratamento  do  fenômeno  simplesmente  como  

indicador   de   referentes.   Essa   visão   diminui   o   valor   de   anáforas  

reduzindo-­‐as  a  elementos  indicadores  que  realizam  uma  simples  

troca   de   uma   palavra   para   outra.   Veremos   a   seguir   os   poucos  

momentos  em  que  duas  coleções  de  livros  didáticos  lançam  mão  

de   atividades   e   pequenas   discussões   sobre   a   referenciação,   e  

onde  haveria  espaço  para  tal.  

 

4. SOBRE A REFERENCIAÇÃO NAS

COLEÇÕES

 

  Nossa  análise  pretende  investigar  como  a  referenciação  é  

tratada   em   duas   coleções   de   livros   didáticos   voltados   para   o  

Page 299: Referenciação e Ensino

   

298

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

segundo  segmento  do  ensino  fundamental:  Para  Viver  Juntos,  da  

Editora  SM,  e  Diálogo,  da  Editora  FDT.    

  Sabemos   que,   dentre   as   funções   do   estudo   da   Língua  

Portuguesa   na   escola,   destaca-­‐se   a   produção   de   textos.  

Preparamos  nossos  alunos  para  situações  reais  de  comunicação,  

constituindo  nosso  objetivo  e  preocupação  maior  formar  leitores-­‐

produtores,  que  dominem  as  técnicas  textuais  em  vários  âmbitos,  

para   que   sejam   capaz   de   produzir   e   entender   textos   variados.  

Nos  Parâmetros  Curriculares  Nacionais  de  Língua  Portuguesa,  em  

vários  momentos  o  professor  é  orientado  sobre  a  importância  de  

formar  primeiramente,  antes  de  aluno  de  Língua  Portuguesa,  um  

leitor   em   Língua   Portuguesa.   É   sublinhada   a   importância   de  

tornar  o  aluno  um  cidadão  que  utilize  a  língua  de  maneira  não  só  

eficiente  gramaticalmente,  mas  também  comunicativa:  

 

A   linguagem   verbal   possibilita   ao   homem  representar   a   realidade   física   e   social   e,   desde   o  momento   em   que   é   aprendida,   conserva   um  vínculo   muito   estreito   com   o   pensamento.  Possibilita  não  só  a  representação  e  a  regulação  do  pensamento   e   da   ação,   próprios   e   alheios,   mas,  também,   comunicar   idéias,   pensamentos   e  intenções   de   diversas   naturezas   e,   desse   modo,  influenciar   o   outro   e   estabelecer   relações  interpessoais   anteriormente   inexistentes.   Essas  diferentes   dimensões   da   linguagem   não   se  excluem:   não   é   possível   dizer   algo   a   alguém   sem  ter  o  que  dizer.  E  ter  o  que  dizer,  por  sua  vez,  só  é  

Page 300: Referenciação e Ensino

   

299

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

possível   a   partir   das   representações   construídas  sobre   o   mundo.   Também   a   comunicação   com   as  pessoas  permite  a  construção  de  novos  modos  de  compreender   o  mundo,   de   novas   representações  sobre   ele.   A   linguagem,   por   realizar-­‐se   na  interação   verbal   dos   interlocutores,   não  pode   ser  compreendida  sem  que  se  considere  o  seu  vínculo  com  a  situação  concreta  de  produção.  É  no  interior  do   funcionamento   da   linguagem   que   é   possível  compreender   o   modo   desse   funcionamento.  Produzindo   linguagem,   aprende-­‐se   linguagem.  (Parâmetros   Curriculares   Nacionais   de   Língua  Portuguesa,  página  22)    

 

  Como   já   destacado,   a   referenciação   não   pode   ter   um  

papel  meramente   formal   e   indicativo   dentro   do   texto,   já   que   é  

uma  ferramenta  que  cria  uma  gama  de  possibilidades  de  criação  

de  sentido  e  expressa  ideologia.  

 

4.1. Coleção Para Viver Juntos

 

  Os  livros  da  coleção  Para  Viver  Juntos  apresentam    muitos  

textos  em  todas  as  suas  unidades,  que  se  estuturam  a  partir  de  

um   gênero   textual   comum.  Desse   gênero,   são   apresentados   de  

início   dois   textos   principais,   e   trechos   de   textos     menores   no  

momento   dos   exercícios.   Em   cada   unidade   há   o   que   o   livro  

chama  de  “Reflexões  Linguísticas”,  seção  com  questões  textuais  e  

Page 301: Referenciação e Ensino

   

300

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

gramaticais.   A   proposta   do   livro   se   preocupa   em   fazer   o   aluno  

perceber   a   estrutura   superficial   do   texto,   trabalhando   com  

esquemas   e   quadros.   Porém,   ao   lermos   os   exercícios   de  

estruturas,   que   podem   ser   úteis   ao   trabalhar   pontos   como  

tópicos   textuais,   esperamos   que   o   livro   toque   em  questões   um  

pouco  mais   profundas,   como   a   referenciação,   o   que   raramente  

acontece.  

  No  livro  de  sexto  ano  da  coleção,  que  se  dedica  ao  estudo  

principalmente   de   textos   narrativos   e   de   classes   de   palavras,   a  

questão   da   referenciação   aparece,   não   nomeada,   em   somente  

dois  momentos.  Vejamos:  

Page 302: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Ilustração  3:  página  64,  extraída  de  Costa  (2009),  6o  ano  

Page 303: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

  O  exercício  3,  que  faz  parte  da  lição  sobre  pronomes,  trata  

da  ambiguidade  referencial  no  uso  do  pronome  “ela”,  que  é  uma  

anáfora  direta.  No  exemplo  da  anedota,  a  anáfora  pode  ter  como  

referente  dois  elementos,  “cachorra”  e  “minha  casa”,  causando  o  

mal  entendido  que  é  o  motivo  do  humor.  Constitui  um  exercício  

simples   que,   com   a   orientação   do   professor,   pode   servir   para  

demonstrar  como  mesmo  em  casos  de  anáforas  diretas,  em  que  

podemos   “setar”   os   elementos,   o   processo   não   é   tão   simples  

assim,  e  ainda   frisar   a   importância  desse   tipo  de  processo,   cujo  

mal   uso   pode   comprometer   a   intenção   enunciativa,   ou   criar   o  

efeito,  no  caso,  o  humor.  

  Observemos   a   próxima   página   do   volume   do   6º   ano,  

última  menção  ao  processo  referencial  no  livro:  

Page 304: Referenciação e Ensino

   

303

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Ilustração  4:  página  215,  extraída  de  Costa  (2009)  6o  ano  

 

Page 305: Referenciação e Ensino

   

304

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  A  seção    fala  especificamente  do  papel  coesivo  do  uso  do  

pronome,   cuja   atribuição   demonstrada   é   referencial.   Os  

exercícios   são   de   identificação   de   referentes,   em   que   o   aluno  

precisa   identificar   o   elemento   substituído   pelo   pronome.   Há  

também   questões   de   cada   que   provocam   reflexão   sobre   a  

operação,   como   a   letra   “d”   do   exercício   1,   que   leva   o   aluno   a  

pensar  no  referente  do  pronome  possessivo,  ou  a   letra  “b”,  que  

questiona   o   uso   do   “esses”   a   fim   de   fazer   com   que   o   aluno  

chegue   a   pensar   na   função   restritiva   e   recaptulativa   do   uso  

referencial.  Esse  momento  torna-­‐se  oportuno  para  a  discussão  do  

papel  da  referenciação  na  estrutura  do  texto.  

  Ao   observarmos   o   livro   dedicado   ao   7º   ano   da   coleção,  

nos   deparamos   com   mais   atividades     sobre   a   referenciação.  

Vejamos  a  página  extraída  do  volume:  

Page 306: Referenciação e Ensino

   

305

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Ilustração  5:  página  59,  extraída  de  Costa  (2009,)  7o  ano  

 

  O   primeiro   exercício   trabalha   a   referenciação   como  

recurso  de  criação  de  sentido  no  texto,  no  caso,  a  expectativa.  O  

uso   do   pronome   “ela”   repetitivamente   faz   com   que   o   leitor  

Page 307: Referenciação e Ensino

   

306

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

procure  o  referente,  que  não  havia  sido  antecipado.  As  questões  

de   interpretação  que   seguem  o   texto   conduzem  o  aluno  a  uma  

pequena   reflexão   sobre   o   efeito,   mas   não   sobre   o   processo  

referencial.   O   exercício   seguinte   traz   outro   trecho   do   mesmo  

texto,   em   que   o   referente   fica   mais   explícito,   o   que   causa   um  

estranhamento  pela  “descoberta”  do  leitor.    

  Na   página   177   do   volume   7,   temos   uma   pequena  

definição   de   coesão   textual,   acompanhada   de   exercícios   que  

ultrapassam  a  esfera  da  “indicação  direta”  atribuída  a  operações  

de   referenciação,   ao   dar   espaço   para   que   se   trabalhe   o  

julgamento   ou   avaliação   presentes   em   determinações,  

adjetivações  e  substituições.    

  Ao  analisarmos  o   livro  do  8º  ano,   chegamos  à   conclusão  

de   que   o   assunto   da   referenciação   não   é   abordado.   Apesar   de  

tratar   de   estratégias   coesivas   em   alguns   momentos,   estas   se  

restringem  ao  uso  de  conjunções  –  é  abordado  um  pouco  de  seus  

papéis  semânticos  –  neste  volume.    

  No  último  volume  da  coleção  Para  Viver  Juntos  de  Ensino  

Fundamental,   a   questão   da   referenciação   é   tratada   em   apenas  

dois  momentos,  mas  de  maneira  superficial.  Vejamos  o  primeiro:  

Page 308: Referenciação e Ensino

   

307

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Ilustração  6:  página  25,  extraída  de  Costa  (2009),  9o  ano  

Page 309: Referenciação e Ensino

   

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  O  exercício  sobre  o  texto  dos  gatos  tem  como  objetivo  a  

localização   de   termos   que   subtituem   “gatos”   e   “Egito”.   Poderia  

ser   incluído   um   item   que   dissesse   respeito   aos   “ratos”,   que   no  

texto   são   anaforicamente   retomados   como   “roedores”.   Uma  

discussão  sobre  a  hiperonímia  seria  oportuna,  ,  com  o  objetivo  de  

fazer  o  aluno  perceber  a  relação  de  maior  abrangência  semântica  

de   termos   como  “bichanos”  e   “animais”   ,   em  contrapartida  aos  

mais  específicos,  como  o  referente  “gatos”.  No  momento  em  que  

o   livro   didático   lista   os   recursos   que   evitam   a   repetição   de  

palavras,  o  professor  atento  poderia  introduzir  a  ideia  de  que  as  

substituições   não   são   ingênuas,   mas   partem   de   escolhas   do  

enunciador,  o  que  enriqueceria  a  atividade.  

  Em  um   segundo  momento,   na   página   91,   o   livro   volta   a  

tratar   de   substituição   de   termos,   dessa   vez   com   pronomes  

relativos,  sem  aprofundar  o  assunto.  

 

4.2. Coleção Diálogo

 

  Os  livros  da  coleção  Diálogo  trabalham  em  suas  unidades  

com   textos  bases   seguidos  de   atividades   textuais   e   gramaticais,  

seguindo  o  modelo  da  maioria  dos   livros  didáticos.  O  diferencial  

da  coleção  é  a  presença  de  atividades  em  que  o  texto  é  abordado  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

também   em   jogos,   e   o   trabalho   com   textos   orais,   pouco  

presentes  nos  manuais  de  ensino  fundamental.  Ao  final  de  cada  

unidade,   a   coleção   apresenta   sempre   um   projeto,   que  

constituem  atividades  interessantes  para  a  produção  textual.  

  A   respeito   da   referenciação,   ao   analisarmos   o   volume  

indicado   para   o   6º   ano,   encontramos   alguns   exercícios   que  

abordam   superficialmente   a   questão   da   construção   referencial.  

Em  algumas   interpretações   de   textos,   como   a   da   página   108,   é  

pedido   ao   aluno   que   encontre   no   texto   o   que   lhe   dá   “o   tom  

fantasioso”,  ou  “o  mistério”.  Sabemos  que  a  escolha   lexical  está  

envolvida  nesse  processo  de  construção  do  que  o  livro  chama  de  

“tom  do  texto”,  e  esses  momentos  são  boas  oportunidades  para  

o  professor  trabalhar  tal  assunto.  Quando  o  mesmo  volume  fala  

de  pronomes,  aborda-­‐se  a  anáfora  direta  (nas  páginas  11  e  135),  

mas   em   exercícios   que   são   somente   de   identificação   do  

referente.    

  No   volume   voltado   para   o   sétimo   ano   da   coleção,   a  

referenciação   é   trabalhada   novamente   como   um   instrumento  

para   evitar   a   repetição   de   termos,   atrelado   ao   estudo   dos  

pronomes.  Um  exemplo  de  exercícios   retirado  do  7º  volume  do  

livro  da  coleção  é  reproduzido  a  seguir.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Ilustração  7:  página  212,  extraída  de  Beltrão  (2009),  7o  ano  

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  Se   no   sétimo   volume   da   coleção   a   referenciação   é  

trabalhada  em  um  único  momento,  no  oitavo  ela  não  aparece.  Já  

no   volume   nove,   temos   uma   rápida   abordagem  do   assunto,   na  

introdução   de   estudos   da   semântica.   Na   página   reproduzida   a  

seguir,   o   livro   traz   definições   de   algumas   relações   de   sentido   e  

seu  uso  na  referenciação.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Ilustração  8:  página  39  extraída  de  Beltrão  (2009)  9o  ano  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

  É   um   momento   propício     para   o   professor   abordar   a  

questão  dos  hipônimos  e  hiperônimos,  já  que  o  livro    cita  seu  uso  

para  a   “retomada  de  elementos   textuais  na  produção  de   textos  

orais  e  escritos”.   Infelizmente,  após  o  quadro  destinado  a  essas  

relações   de   sentido,   tal   questão   não   é   abordada   nos   exercícios  

posteriores,   cabendo,   mais   uma   vez,   ao   professor   sanar   essa  

deficiência.  

 

5. PROPOSTA DE EXERCÍCIOS

 

  Na  seção  destinada  à  análise  pontuamos  que  o  volume  8  

da   coleção   Para   Viver   Juntos   não   apresenta   atividades  

relacionadas   à   referenciação.   Notamos,   porém,   muitas  

oportunidades  perdidas  de  abordagem  do  uso  da  referenciação,  

já  que  encontramos  vários  textos  midiáticos  e  opinativos  no  livro,  

como  o  artigo  de  opinião  e  carta  de  leitor,  que  apresentam,  esse  

tipo  de  recurso.  O  texto  seguinte,  extraído  da  página  239,  é  um  

desses  exemplos  em  que  a  referenciação  poderia  ser  trabalhada:  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 Ilustração  7:  recorte  da  página  239  extraída  de  Costa  (2009)  8o  ano  

 

  O  texto  reproduzido  é  uma  resposta  de  um  leitor  a  outro  

texto,   também  presente  no   livro,   sobre   testes  de  produtos  com  

animais  de  laboratório.  A  rede  de  referenciação  criada  pelo  texto  

é   um   dos   recursos   argumentais   que   sustentam   a   opinião   do  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

leitor,   que   se   coloca   contra   os   testes.  Observamos   que   logo   na  

primeira   frase,   os   testes   com   animais   são   introduzidos  

referencialmente   como   “crimes   contra   os   animais”.     Outra  

estratégia   que   colabora   na   argumentação   de   que   não   se  

admitem   os   testes   contra   os   animais   é   construída   pela  

introdução   referencial   presente   na   quinta   linha,   em   que  

“humanos”  é  definido  como  “uma  espécie”,  na  mesma  frase  em  

que   temos   “as  outras  espécies”.  Definir  humanos   como  espécie  

não   é   um   ato   textual   desprovido   de   ideologia:   sublinha   que  

somos  uma  espécie  como  as  demais,  estabelece  igualdade  entre  

os  seres  humanos  e  os  outros  animais,  mais  especificamente,  os  

que   são   utilizados   para   testes.   A   criminalização   dos   testes   é  

realizado   pelo   texto   ainda   quando   este   a   define,   de  maneira   a  

tornar   mais   grave,   como   tortura.   Essa   definição   é   sustentada  

quando   se   usa   os   termos   “mutilar   e   cegar”   (linha   13)   e   “infligir  

tanta   dor”   (linha   15),   que   se   encaixam   na   ideia   de   tortura   que  

compartilhamos  mentalmente.  

  Dessa  forma,  concluímos  que  o  texto  exemplificado  seria  

um   bom   instrumento   para   se   trabalhar   referenciação,   assunto  

não   tratado   neste   volume   de   8º   ano   da   coleção.   Segue,   então,  

uma   sugestão   de   exercícios   que   poderiam   acompanhar   o   texto  

para  sanar  tal  falta:  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

 

Sugestões   de   exercícios   relativos   ao   texto   “Pesquisa   com  

animais”  

 

1) Como   percebemos   que   este   texto   tem   como   base   um  

outro?  

2) Identifique   e   retire   do   texto   o   sintagma   nominal  

responsável   pela   introdução   do   assunto   principal   a   ser  

abordado.    

3) Podemos   dizer   que   a   introdução   do   assunto   principal  

simplesmente   lança   o   conceito   ou   há   nela   um  

julgamento?  Explique.  

4) Sobre  o  trecho:  “Uma  espécie  que  deseja  prolongar  a  vida  

de  seus   indivíduos  à  custa  da  tortura  de  demais  espécies  

não  merece  ser  salva”  (linha  5  e  6),  responda:  

a)  A  que  espécie  o  texto  primeiramente  se  refere?    

b)  Como  são  referenciados  os  animais  utilizados  nos  testes?    

c)  Podemos  dizer  que  as  referenciações  destacadas  em  “a”  e  

“b”   são   escolhas   ideológicas?   O   que   essas   escolhas  

demonstram?  

5) No   texto,  os   testes   com  animais   são   caracterizado   como  

tortura.  Localize  um  trecho  que  comprove  a  afirmativa.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

6) Marque  os  itens  presentes  no  texto  que  sustentam  que  os  

testes  com  animais  são  torturas:  

(      )  lucro  financeiro  

(      )  experimentos  

(      )mutilar  e  cegar  

(      )  cura  do  câncer  

(      )  infligir  tanta  dor  

(      )  privados  da  natureza  e  do  convívio  apropriado  com  a  sua  

espécie  

 

Gabarito  sugerido  

 

1) Através   da   introdução   do   texto,   que   informa  que   é   “em  

relação   à   reportagem  Vetada   na   UE,   cobaia   é   usada   no  

Brasil”,  além  da  citação  do  que  dizem  os  entrevistados  de  

tal  reportagem.  

2) Crimes  contra  os  animais.  

3) Há   um   julgamento   negativo   por   tratar   as   experiências  

como  crimes.  

4)  

a) Aos  humanos.  

b) Demais  espécies.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

c) Sim.   As   escolhas   demonstram   que   o   autor   do   texto  

considera   que   humanos   e   outros   animais   pertencem   a  

mesma   categoria,   por   tratar   ambos   como   espécies   de  

animais.  Esse  pensamento  é  um  argumento  para  que  haja  

uma   igualdade   de   tratamento   em   relação   a   todas   as  

espécies  de  animais,   indo  contra,  portanto,  os  testes  que  

utilizam  animais  como  cobaias.  

5) São  cães,  camundongos  e  coelhos,  dentre  outras  espécies,  

cujas   peles   e   cujos   olhos   são   submetidos   a   substâncias  

corrosivas,  cancerígenas,  etc.  

6) Terceiro,  quinto  e  sexto  itens.  

 

 

  Os   exercícios   sugeridos   têm   como   objetivo   tratar   os  

pontos   discutidos   que   são   trazidos   à   tona   por   meio   da  

referenciação.    Percebemos  que  pouco  é  trabalhado  em  relação  à  

referenciação   que   foge   ao   estudo   dos   pronomes,   e   que   não   se  

trate   de   operações   de   anáfora   direta.   Esse   fato   pode   ser  

contornado   pelo   professor   ao   utilizar   também   outros   tipos   de  

fontes  e  preparar  exercícios  extras  ao  conteúdo  do  livro  didático.    

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

6. CONCLUSÃO

 

  Percebemos,   na   breve   análise   aqui   realizada   que   a  

referenciação   é   tratada   de   maneira   superficial   nos   manuais  

didáticos.   Se   considerarmos   que   os   livros   didáticos   aqui  

escolhidos   são   de   coleções   recentes   e   aprovadas   pelo   MEC,  

concluiremos   que:   (i)   há   uma   continuidade   da   tradição   de    

abordagem   dos   processos   referenciais   somente   como   índices  

textuais;   e   (ii)   há   uma   despreocupação   das   editorias   em   cobrar  

tal  estudo  como  importante  para  o  desenvolvimento  de  um  leitor  

com  plenas  habilidades  textuais.  

  Ao  reduzir  o  estudo  dos  processos  referenciais  ao  estudo  

dos  pronomes  nos  livros  avaliados,  cria-­‐se  a  ideia  de  que  eles  são  

as   únicas   ferramentas   para   esse   tipo   de   operação.   De  maneira  

geral,  na  tradição  escolar,  a  referenciação  está  ligada  somente  ao  

uso   dos   pronomes,   enquanto     percebemos   que   ao   tratar   de  

referenciação   por   sinônimos,   por   exemplo,   há  muitas   questões  

mais   interessantes  que  poderiam  ser  trabalhadas,  como  no  caso  

das   construções   com   hiperônimos,   pouco   trabalhados   nos  

manuais.      

  Outro  ponto  é  a  forma  como  a  referenciação  é  trabalhada  

nos   livros   didáticos:   somente   com   anáforas   diretas.       O   aluno  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

pode   pensar   que   essa   é   a   única   forma   de   criar   uma   referência  

anafórica.  Mesmo  com  exemplos  em  que  utilizamos  os  pronomes  

para   referenciar,   é   possível   criar   uma   discussão   mais   ampla,  

como  demonstrado  com  o  cartaz  na  seção  anterior.  

  Pontuar   questões   como   ideologia   na   referenciação,   uso  

do   encapsulador   ou   anáforas   indiretas,   com   as   devidas  

adaptações  segundo  o  nível  de  cada  série,  exigem  raciocínio  mais  

profundo   do   que   simplesmente   indicar   referentes.   O   material  

midiático  presente  no  dia  a  dia  dos  alunos  contém  diversos  usos  

que  passam  despercebidos  para   a  descrição,  mas   cumprem   seu  

papel   comunicativo.   Fazer   com   que   os   alunos   percebam   esses  

usos   e   se   apropriem   deles   está   diretamente   ligado   ao  

compromisso  de  formar  leitores  capazes  e  ativos,  construtores  e  

modificadores  de  pensamento.    

  Promover  análises   linguísticas  utilizando  material  em  uso  

é   ensinar  utilizando   como  base  o   texto,   compromisso  que  deve  

ser  comum  a  todo  professor  de  língua.  Porque  restringir  o  estudo  

da   referenciação   na   maioria   dos   casos   na   seção   de   estudo   de  

pronomes?   Por   que   não   incluí-­‐la   nos   estudos   de   sinônimos,  

aprofundando  a  questão  da  intenção  do  autor  na  escolha  lexical,  

e  até  mesmo  quando  se  estuda  morfologia,  como  nos  casos  em  

que   a   criação   de   nomes   a   partir   de   verbos   ou   no   sentido  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

contrário   se   faz   por   conta   de   uma   necessidade   de   referência   e  

não  repetição?  Todas  essas  questões  devem  ser  preocupações  do  

professor,   que,   mesmo   quando   amparado   por   manuais  

incompletos,  deve  procurar  trabalhar  com  a  língua  em  uso.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTUNES,   I.   Análise   de   textos:   fundamentos   e   práticas.   São  Paulo:  Parábola,  2010.    BRASIL.   Secretaria   de   Educação   Fundamental.   Parâmetros  curriculares   nacionais:   língua   portuguesa.   3.   ed.   Brasília:  MEC/SEF,  2001.    CAVALCANTE,   M.M.   Referenciação:   Sobre   Coisas   Ditas   e   Não  Ditas.  Fortaleza:  Edições  UFC,  2011.    CAVALCANTE,  M.  M.  et    al.  Dimensões  textuais  nas  perspectivas  sociocognitiva   e   interacional.   In:   BENTES,   A.   C.   &   LEITE,   M.   Q.  Linguística  de  texto  e  análise  da  conversação.  São  Paulo:  Cortez,  2010.    PAULIUKONIS,   M.   A.   L.   Desafios   atuais   no   ensino   de   língua:  reflexões   e   propostas.   In:   Diadorim,   n.6.   Rio   de   Janeiro:   UFRJ,  2009.  p.  37-­‐54.          

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

LIVROS DIDÁTICOS ANALISADOS  BELTRÃO,  E.  L.  S.  Diálogo.  São  Paulo:  FDT,  2009.  vol.  6-­‐9.    COSTA,  C.L.  Para  Viver  Juntos.  São  Paulo:  Edições  SM,  2009.  vol6-­‐9.  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Propostas de atividades

 As  atividades  a  seguir  foram  elaboradas  pelos  autores  dos  artigos  deste   e-­‐book,   com  base   em  notícias   de   jornal   (versão   online)   a  respeito   das   chuvas   que   atingiram   a   Serra   Fluminense   (RJ),   em  janeiro  de  2011.  São  atividades  pensadas  para  alunos  de  Ensino  Fundamental   e   Médio,   propondo   leitura,   produção   e   análise  linguística,   enfatizando   aspectos   relacionados   aos   processos  referenciais.   Algumas   questões   apresentam   sugestões   de  gabarito,  em  vermelho.        TEXTO  1:  Aniversário  da  tragédia  na  serra  terá  bolo  de  lama  Em   Teresópolis,   Petrópolis   e   Nova   Friburgo,   uma   série   de  atividades  vai  marcar  o  aniversário  da  enxurrada  que  matou  mais  de  900  pessoas.  Na  programação,  há  missas  e  protestos    

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Chuva destrói calçamento no bairro Jardim Califórnia, em Nova Friburgo (Severino Silva/ Ag. O Dia) A tragédia da região serrana do Rio de Janeiro, que deixou mais de 900 mortos, completa um ano nesta quinta-feira. De lá para cá, os habitantes desses municípios têm enfrentado dias de penúria e desilusão, sobretudo após os escândalos de corrupção. Em Nova Friburgo, um bolo de lama será levado para a Praça Demerval Barbosa Moreira, no Centro, às 17h, para lembrar o aniversário do desastre, num protesto contra a falta de ações concretas das autoridades. "Até agora, só vimos lama. Então, nada mais justo que um bolo de lama. Tivemos a tragédia climática e também a política. São três prefeitos em um ano. A instabilidade política é muito grande. Até agora, não temos nenhuma casa construída e sequer um projeto", afirma Edil Nunes, coordenador do Fórum Sindical Popular. Durante os últimos 12 meses, o processo de reconstrução dos municípios atingidos manteve-se nos noticiários mais pelos escândalos de corrupção do que por resultados concretos. Dos 780 milhões de reais destinados pela União para obras de habitação, contenção de encostas e prevenção de desastres, pouco mais de 100 milhões foram empregados. Em Friburgo, suspeitas de desvios de verba levaram ao afastamento do prefeito em exercício, Dermeval Barbosa Moreira Neto. Ele passara a ocupar o cargo em setembro de 2010, quando o prefeito Heródoto Bento de Mello sofreu um acidente na Suíça. Hoje, o município está nas mãos do presidente da Câmara de Vereadores, Sérgio Xavier. Mas ainda há rumores sobre um possível retorno de Demerval ao posto. Em Teresópolis, a situação é bastante parecida. Primeiro, denúncias de desvios de verba levaram ao afastamento do prefeito Jorge Mario Sedlack, que teve o mandato cassado por unanimidade pelos vereadores. Então, o vice-prefeito Roberto Pinto assumiu, mas morreu de infarto apenas dois dias após sua posse. Acabou sobrando para o presidente da Câmara, Arlei de Oliveira Rosa. Nesta quinta-feira, haverá uma série de manifestações em Teresópolis. A programação começa às 14h, com o encontro das famílias dos desaparecidos na Praça Santa Teresa, no Centro. Às 17h, haverá a leitura de uma carta aberta das vítimas da tragédia de janeiro do ano passado. Ainda está programado um minuto de silêncio, às 18h. "Teremos a adesão até dos ônibus, que vão parar durante o minuto de silêncio. Pedimos que todos na cidade parem o que estiverem fazendo", afirma Nina Benedito, diretora da Associação das Vítimas das Chuvas de Teresópolis (Avit). Como forma de lembrar as vítimas da catástrofe, a prefeitura de Teresópolis inaugura, às 15h, no Cemitério Municipal Carlinda Berlim, um memorial em homenagem aos 392 mortos do município. Também será celebrada uma missa

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

ecumênica às 19h, no Ginásio Poliesportivo Pedro Jahara (Pedrão), local que chegou a servir de abrigo para as vítimas da chuva. A maioria dos eventos é organizada por ONGs, que pedem à população para pendurar bandeiras brancas nas janelas de casa e fitas nos carros. Também estão previstas manifestações e protestos isolados, pela manhã, em bairros castigados pelas chuvas de 2011. Em Nova Friburgo, representantes de movimentos sociais se reúnem a partir das 14h, na Praça Demerval Barbosa Moreira, no Centro. Com a presença de psicólogos, o intuito é relembrar a tragédia. Às 17h, tem início um ato público que deve seguir pelas ruas da cidade, com faixas e cartazes. Lá, as atividades estão sendo articuladas pelo Fórum Sindical Popular, que congrega 23 sindicatos e mais a associação de moradores. Eles denunciam que mais de 2 mil pessoas ainda vivem em área de risco e não recebem o aluguel social. Em Petrópolis, haverá uma missa de um ano da tragédia, às 19h, na Igreja do Divino, no Vale do Cuiabá. Os desabrigados e desalojados na enxurrada do ano passado ainda aguardam a ajuda do poder público. Segundo a prefeitura, atualmente está em andamento a construção de casas nos seguintes bairros: Posse (144 unidades), na Mosela (140 unidades) e no Cuiabá (61 unidades em parceria com a Firjan). (Rafael lemos, Veja On line (12/01/2012 - 11:43) 1.  A  expressão  “bolo  de   lama”,  presente  na  manchete,  pode  ser  interpretada  de  duas  maneiras  diferentes.    a)  Explique  o  sentido  denotativo  da  expressão.  Denotativamente,  a  expressão  “bolo  de  lama”  representa  o  bolo  que  foi  levado  para  a  ruía,  durante  as  manifestações.    b)  Explique  o  sentido  conotativo  da  expressão.  Conotativamente,  o  “bolo  de  lama”  representa  a  corrupção  e  os  desvios   de   verbas   públicas   relacionadas   à   reconstrução   das  cidades  atingidas  pelas  chuvas  de  janeiro  de  2011.        

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

2.   Ao   longo   do   texto,   o   fenômeno   climático   que   ocorreu   na  região   serrana   do   Rio   de   Janeiro,   em   2011,   é   retomado   por  diferentes  palavras.  Cite,  pelo  menos,  três  delas.  “Tragédia  da  região  serrana”,  “desastre”,  “tragédia  climática”  são  exemplos   de   expressões   que   fazem   referência   ao   fenômeno  climático  que  ocoreu  na  região  serrana  do  Rio  de  Janeiro.      3.   No   texto,   o   advérbio   “lá”   aparece   nos   1º   e   9º   parágrafos.   É  possível   dizer   que   ambos   apresentam   o   mesmo   referente?  Justifique  sua  resposta.  O  advérbio   lá,  no  1º  parágrafo,  tem  valor  temporal,   indica  o  dia  em  que  ocorreu  a  tragédia  na  região  serrana.  Já  no  9º  parágrafo,  o   advérbio   faz   referência   à   local   onde   ocorreriam   as  manifestações.    4.   Que   expressão   estabelece   a   coesão   entre   os   4º   e   5º  parágrafos?  A  expressão  “a  situação  é  bastante  parecida”  funciona  como  um  elo  coesivo  entre  os  4º  e  5º  parágrafos.    5.  Para  se   referir  às  pessoas  diretamente  atingidas  pelas  chuvas  de   janeiro   de   2011,   em   Teresópolis,   o   jornalista,   nos   6º   e   7º  parágrafos,  emprega  cinco  diferentes  expressões.  Identifique-­‐as.  As   expressões   que   fazem   referência   à   pessoas   atingidas   pelas  chuvas   são:   “desaparecidos”,   “vítimas   da   tragédia”,   “vítimas   da  catástrofe”,  “mortos”,  “vítimas  das  chuvas”.    6)  Explique  a   ironia  da  manifestação  dos  moradores  da  Serra  ao  “comemorarem”   o   aniversário   da   tragédia   com   um   “bolo   de  lama”,  conforme  informa  a  manchete  da  notícia.  Se   é   comum   associarmos   aniversários   a   bolos   para  comemoração,  então,  no  caso  dos  moradores  da  Serra,  o  bolo  é  de   lama,  pois  em  seguida,  a  notícia   inclui  a  fala  do  coordenador    

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do  Fórum  Sindical  Popular  que  afirma  que  a  população  até  agora  só  viu  lama,  daí  a  referência  ao  bolo  de  lama.    7)  No  primeiro  parágrafo  do  texto,  a  expressão  desses  municípios  faz   uma   referência   explícita   ou   implícita   a   conteúdos   do   texto?  Justifique  sua  resposta,  indicando  quais  conteúdos  são  esses.  Uma  referência  direta,  que  só  é  recuperada  quando  o  leitor  volta  à   chamada   da   notícia,   abaixo   da   manchete:   “Teresópolis,  Petrópolis  e  Nova  Friburgo”.    8)   Pode-­‐se   definir   dêixis   como   sendo   expressões   que   exigem   o  conhecimento   do   lugar   ou   do   tempo   em   que   se   encontra   o  enunciador.    Assim,   transcreva   do   texto   ao   menos   duas  expressões  dêiticas  e  justifique  suas  escolhas.    No  primeiro  parágrafo,  a  expressão  “nesta  quinta-­‐feira”  é  dêitica,  porque  só  pode  ser  compreendida  se  o  leitor  considerar  que  seria  a   quinta-­‐feira   da   semana   do   dia   12   de   janeiro   de   2012.   Já   no  terceiro   parágrafo,   a   expressão   “Durante   os   últimos   12  meses”  também  necessita  de  que  o   leitor   saiba  que   se   trata  do  ano  de  2011,  já  que  se  tem  como  referência  o  ano  atual,  2012.    9)   Muitas   foram   as   formas   utilizadas   por   essa   notícia   para  nomear   o   que   ocorreu   na   região   serrana   do   Rio   em   janeiro   de  2011,   resumindo   e   ao   mesmo   tempo   revelando   um   ponto   de  vista.  Cite  dois  termos  que  cumprem  essa  função  no  texto.  A  notícia  trata  do  que  aconteceu  como  “tragédia”  e  “catástrofe”.    10)  Releia  o  seguinte  parágrafo:  Em   Teresópolis,   a   situação   é   bastante   parecida.   Primeiro,  denúncias   de   desvios   de   verba   levaram   ao   afastamento   do  prefeito   Jorge  Mario   Sedlack,   que   teve   o  mandato   cassado   por  unanimidade   pelos   vereadores.   Então,   o   vice-­‐prefeito   Roberto  Pinto  assumiu,  mas  morreu  de  infarto  apenas  dois  dias  após  sua  

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posse.   Acabou   sobrando   para   o   presidente   da   Câmara,   Arlei   de  Oliveira  Rosa.    A  afirmação  coloquial  e  de  tom  pessoal:  Acabou  sobrando  para  o  presidente  da  Câmara  (...)  não  deixa  claro  o  que,  de  fato,  “acabou  sobrando”   para   o   presidente,   mas   é   possível   perceber   certa  intenção  e  subjetividade  presentes.   Identifique  a  que  situação  a  expressão  faz  referência.  Tendo   em   vista   que   se   relata   o   que   aconteceu   com   os   dois  prefeitos  anteriores,   fica  claro  que  o  presidente  da  Câmara  teve  de   assumir   a   prefeitura   em   uma   situação   muito   difícil.   O   que  sobrou  a  ele,  portanto,   foi  a  difícil   tarefa  de  assumir  o  mandato  nas  condições  precárias  em  que  se  encontra  a  cidade.        TEXTO  2:  Uma  casinha  na  serra   Muitos moradores das encostas de Teresópolis afirmam ter recebido "certificados" de posse no governo de Mario Tricano, ex-prefeito por três mandatos. Hoje processado sob a acusação de envolvimento no jogo do bicho, ele é tido como o principal responsável por ocupações irregulares na cidade nos últimos 20 anos. Na vizinha Friburgo, houve a mesma combinação de negligência com o interesse de criar currais eleitorais. As duas cidades da serra fluminense têm perto de 20 mil pessoas em lugares de risco, sobressaltadas desde a tempestade de 2011, que deixou 900 mortos na região. Embora grande, o contingente equivale a menos de 6% da população dos dois municípios. Resolver o problema não deveria ser difícil, mas a construção de casas para a transferência dessa gente a locais seguros virou um périplo burocrático-legal. Em Friburgo, um terreno desapropriado pelo prefeito da época da tragédia - Dermeval Barbosa, depois afastado sob a acusação de desviar verbas emergenciais - revelou-se um pântano. Foi preciso esperar um ano para que o Estado garantisse a posse de outra área, por R$ 2,8 milhões. Em Teresópolis, os donos da fazenda onde serão erguidas as moradias recorreram do valor fixado pelas autoridades, R$ 2 milhões. Pediram R$ 24 milhões, e só agora a Justiça bateu o martelo em R$ 11 milhões.

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Para complicar o processo, nenhuma construtora apresentou-se no ano passado para as obras, bancadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida. Para atrair interessados, o Estado negociou o aumento do valor de cada habitação, de cerca de R4 50 mil para R$ 65 mil. As primeiras unidades poderão ser entregues no fim do ano, mas os novos bairros completos não ficarão prontos em menos de 18 meses. É menos complicado fazer uma casa oscilante em cima do morro, e rezar para não chover mais.  1.   Ao   ler   o   título   do   texto,   é   possível   pensar   que   a   expressão  “casinha   na   serra”   pode   apresentar   uma   conotação   positiva   ou  negativa.      a)  Explique  o  sentido  positivo  que  a  expressão  sugere.  A  expressão  sugere  um  lugar  calmo,  bucólico.      b)  Ao  longo  do  texto,  esse  sentido  positivo  se  mantém?  Justifique  sua  resposta.  Os   termos   que   retomam   o   referente   “uma   casinha   na     serra”,  mas,   ao   mesmo   tempo,   desconstroem   sua   imagem   bucólica   e  sossegada   são:   “encostas”,   “ocupações   irregulares”,   “lugares  de  risco”,  “pântano”.    2.  Para  informar  sobre  a  ação  governamental  para  a  reconstrução  das   cidades   atingidas   pelas   chuvas   de   janeiro   de   2011,   há   no  texto   emprega   outras   expressões   para   se   referir   à   “casinha   na  serra”.      a)  Identifique  três  delas.  Destacam-­‐se   os   seguintes   termos:   “casas”,   “locais   seguros”,  moradias”,  habitação”,  “unidades”,  novos  bairros”.      b)   Explique   o   porquê   da   mudança   na   forma   de   se   referir   às  habitações.  

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Para  se   referir  à  ação  governamental,  a  autora  emprega  termos  mais  neutros,  sem  carga  emotiva,  já  que  as  construções  são  feitas  em   série   e   não   remetem   a   lares,   famílias,   são   apenas   obras,  números  para  o  governo,  produtos  vendidos  pelas  construtoras.      3.   Que   expressão,   empregada   no   2º   parágrafo,   retoma   o  conteúdo  do  1º   e   também  denuncia   a  opinião   crítica  da   autora  em  relação  à  política  habitacional  da  serra  fluminense?  A  expressão  que  estabelece  a  coesão  entre  os  parágrafos  citados  é:  “...houve  a  mesma  combinação  de  negligência  com  o  interesse  de  criar  currais  eleitorais.”    4.  São  apresentadas  expressões  quantitativas  diferentes,  nos  2º  e  3º   parágrafos,   para   se   referir   às   pessoas   que   habitam   áreas   de  risco.    a)  Quais  são  essas  expressões.  As  expressões  são  “20  mil  pessoas”  e  “6%  da  população”    b)  Em  que  contexto  essas  expressões  foram  empregadas?  No  3º  parágrafo,  a  autora  emprega  um  número  absoluto  (20  mil)  para  mostrar  que  ainda  é  alarmante  a  quantidade  de  pessoas  que  mora   em   áreas   de   risco.   Entretanto,   no   4º   parágrafo,   a  porcentagem  evidencia   que   esse   número   equivale   a   apenas   6%  da  população  total,  o  que  representa  um  problema  relativamente  pequeno   e   que,   por   isso,   já   deveria   ter   sido   resolvido   pelas  autoridades.      5.   O   emprego   do   adjetivo   “menos   complicado”   sugere   a  comparação  entre  dois  elementos  do  texto.      a)  O  que  está  sendo  comparado?  

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O   texto   apresenta   uma   comparação   entre   “fazer   uma   casa  oscilante   em   cima   do   morro,   e   rezar   para   não   chover   mais”   e  esperar   que   as   autoridades   providenciem   locais   seguros   para   a  população  atingida  pelas  chuvas  de  janeiro  de  2011.      b)  Explique  a  crítica  implícita  nessa  comparação.  O   texto   chama   a   atenção   para   a  morosidade   e   desinteresse   do  governo   em   resolver   o   problema   habitacional   das   pessoas  atingidas  pelas  chuvas.        TEXTO  3:  Personagens-­‐símbolo  da  tragédia  na  serra  fluminense  contam  como  vivem  Susto  e  tensão  pela  enxurrada  fizeram  Tainá  entrar  em  trabalho  de  parto.  Dona  Ilair  foi  salva  da  correnteza  com  ajuda  de  vizinhos  por  uma  corda.  Pai  e   filho  que   ficaram  soterrados  por  15  horas  foram  resgatados  com  vida.      

No estado do Rio de Janeiro, um ano depois da destruição provocada pelas chuvas na Região Serrana, o Jornal Nacional reencontrou alguns personagens-símbolo da tragédia. A reportagem é de Bette Lucchese.

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“Quando chove, a gente fica pensativo. Pensa: ‘ai meu Deus, será que vai cair barranco de novo?”, diz Tainá. “Esquecer, a gente não vai esquecer nunca”, garante Dona Ilair. “A fé é tudo. Se você não viver a fé, você não vive a vida”, destaca Wellington. Marcos André completou um ano. Poucas horas antes de o menino nascer, a família viveu momentos de pavor, quase foi arrastada pela enxurrada, que destruiu a casa. O susto e a tensão fizeram Tainá entrar em trabalho de parto. Ela estava grávida de oito meses. A equipe de reportagem do JN junto com os bombeiros ajudou a jovem através do Globocop. A adolescente, de 16 anos, não é mais a mesma: “Com a tragédia e com a chegada do meu filho, mudou muita coisa. A nossa família está muito mais unida, graças a Deus”, ela conta. Todos os meses, a família de Tainá depende de R$ 500 do governo para pagar o aluguel. Casa simples, cheia de problema. “Fica muito difícil para gente dormir, fazer alguma coisa dentro de casa”, ela diz. Ela espera que as casas prometidas para Teresópolis fiquem logo prontas: “Que saia logo, porque viver no aluguel é muito ruim, é muito difícil”. Um ano atrás, um prédio em São José do Vale do Rio Preto passava por uma reforma. O que ninguém poderia imaginar é que uma corda, deixada na cobertura pelo pintor, ajudaria a salvar uma vida. “Aquilo ali foi a mão de Deus mesmo. Você viu que aperto. A casa dele despencando, eu só ali”, lembra Dona Ilair. O cachorro de estimação, a casa dela, do irmão e de vizinhos foram levados pela correnteza. Mas Dona Ilair diz que teve a oportunidade de nascer de novo. Com a vida nova, vieram presentes do programa Caldeirão do Huck. “Ganhei uma casa. Um cachorro novo, uma cadela nova. Tenho meus filhos vivos, graças a Deus, com saúde. Isso é importante na vida da gente”, afirma. Uma das encostas que deslizaram em janeiro de 2011 fica no centro de Nova Friburgo. Os destroços das casas foram retirados, se não fosse um estacionamento aberto na região, pouco teria mudado. No local, pai e filho ficaram soterrados por 15 horas. Os bombeiros ouviram um pedido de socorro. E quando finalmente retiraram o sobrevivente, o que parecia inacreditável aconteceu: no meio de toneladas de escombros, surgiu o pequeno Nicolas. Alguns minutos depois, o pai que salvou o filho mantendo o bebê apertado contra o peito também fiu retirado. “Eu juntava saliva na boca para dar nele. Para, pelo menos, molhar a boca dele”, lembra Wellington. A família dormia na hora do desastre. A mulher de Wellington não resistiu e morreu na hora. A sogra também. “As pessoas falam: ‘o sobrevivente’. Não! O sobrevivente, não, a pessoa que está aprendendo, realmente, a dar valor ao que

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tem dar valor, dar importância ao que tem que dar importância, valorizar o que tem que ser valorizado: família, amigos”, garante. Wellington é um pai dedicado. Nicolas está com um ano e meio. “Com ele, aprendi viver. Essa é a palavra”. “A Região Serrana está precisando de apoio. Não de palavras, de apoio. Você vê notícias de superfaturamento, de desvio de verbas. Atitude! Vamos cobrar, vamos cobrar”, pede Wellington. Jornal Nacional (Edição do dia 13/01/2012, Atualizado em 13/01/2012 21h15)http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/01/personagens-simbolo-da-tragedia-na-serra-fluminense-contam-como-vivem.html 1.  Segundo  a  reportagem  do  Jornal  Nacional  sobre  a  tragédia  na  serra   fluminense,   a   quem   o   termo   “personagens-­‐símbolo”   faz  referência?  Por  que  eles  recebem  esse  nome?    O   termo   faz   referência   à   adolescente   Tainá,   à   Dona   Ilair,   ao  Wellington  e   seu   filho   (Nicolas).   São   considerados  personagens-­‐símbolo  por  terem  sobrevivido  à  tragédia  de  modo  inacreditável:  Tainá   entrou   em   trabalho  de  parto   logo   após   sua   família   quase  ter   sido   arrastada   pela   enxurrada,   tendo   a   sua   casa   destruída;  Dona  Ilair  conseguiu  se  salvar  com  uma  corda  deixada  pelo  pintor  na  cobertura  do  prédio;  e  Wellington  e  o   filho   ficaram  15  horas  soterrados.    2.   As   anáforas   encapsuladoras   são   aquelas   que   não   recuperam  um   referente   específico,   mas   conteúdos   inteiros   do   texto,  precedentes  e/ou  consequentes,   a   fim  de   resumi-­‐los.  Com  base  nisso,  observe  a  seguinte  fala  de  Dona  Ilair  e  responda  ao  que  se  pede:  “Ganhei  uma  casa.  Um  cachorro  novo,  uma  cadela  nova.  Tenho  meus  filhos  vivos,  graças  a  Deus,  com  saúde.  Isso  é  importante  na  vida  da  gente”.      

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a)   Qual   termo   está   funcionando   como   uma   anáfora  encapsuladora  nesse  trecho?  O  pronome  demonstrativo  “isso”.  b)  O  que  essa  anáfora  está   recuperando?  Recupera   toda  a   fala  anterior  de  Dona  Ilair  (o  fato  de  ela  ter  ganhado  uma  casa  e  uma  cadela  novas  e  de  ter  os  filhos  vivos,  com  saúde).    3.   De   acordo   com   a   leitura   do   texto,   podemos   afirmar   que  Wellington   se   identifica   com   o   referente   “o   sobrevivente”,  atribuído  pelas  pessoas  a  ele?  Justifique  sua  resposta.    Não.  Ele  não  se  considera  um  sobrevivente,  mas  alguém  que  está  aprendendo   a   dar   valor   ao   que   realmente   importa   na   vida:   a  família  e  os  amigos.    4.   Identifique,   no   texto,   palavras   ou   expressões   que   façam  referência  à  Tainá,  uma  das  sobreviventes.  “Ela”;  “a  jovem”;  “a  adolescente”.    5.   Algumas   expressões   referenciais   só   fazem   sentido   se   forem  analisadas  dentro  do  contexto,  ou  seja,  exigem  o  conhecimento  do   lugar,   da   pessoa   e   do   tempo   em   que   se   encontra   o  enunciador.   Diante   disso,   observe   os   fragmentos   a   seguir,   com  depoimentos  das  vítimas  da  tragédia,  e  responda  ao  que  se  pede:  “Quando  chove,  a  gente  fica  pensativo.  Pensa:  ‘ai  meu  Deus,  será  que  vai  cair  barranco  de  novo?’”(Tainá)  “A  casa  dele  despencando,  eu  só  ali”  (Dona  Ilair)    a)   Destaque   os   elementos   dêiticos   de   cada   depoimento.   “a  gente”;  “dele”;  “eu”;  “ali”.  b)   Indique   as   referências   de   cada   um   desses   elementos,  considerando  o  contexto  em  que  se  encontram.  “a   gente”   =   Tainá   e   sua   família;   “dele”   =   algum   vizinho;   “eu”   =  dona  Ilair;  “ali”  =  dona  Ilair  segurando  na  corda  para  se  salvar.    

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 TEXTO   4:   No   meio   da   serra   fluminense,   o   grito   dos  sobreviventes  ainda  reverbera,  um  ano  depois:  “não  está  tudo  bem”      

Vem cá, moça. A gente precisa falar o que tá acontecendo aqui: não tá tudo bem”.

A frase foi o primeiro contato da reportagem do UOL com moradores da região serrana do Rio, no início deste mês, na viagem de quatro dias pelos municípios mais afetados pela enchente e pelos deslizamentos do fatídico 12 de janeiro de 2011. A partir da capital, a equipe seguiu para Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo --em ordem crescente, onde foi registrada a maioria das quase 1.000 mortes consideradas pelas estatísticas oficiais.

A autora é uma comerciante de Petrópolis --ou melhor: “do distrito de Itaipava” (como tantas vezes a administração local fez questão de ‘corrigir’, nos primeiros dias após a tragédia, a pretexto de o turismo ‘em Petrópolis’ não ser afetado). Dos 74 mortos registrados no município, todos eram do distrito. Todos, de um vilarejo rural conhecido como vale do Cuiabá e do qual pouco sobrou.

O curioso é que, uma palavra mudada aqui, outra ali, com um tom de revolta mais ou menos acentuado, isso seria ouvido até o último dia de jornada da equipe. Mais que “moradores” da região serrana, as pessoas fazem questão de se apresentar como “sobreviventes” daquele que ficou marcado como o pior desastre natural da história do Brasil.

E se revoltam: 12 meses depois, não bastasse muito pouco ter sido recuperado, tentar esquecer os momentos de maior desespero é uma luta diária tão árdua quanto recuperar o bem material que se perdeu. Afinal, os escombros e a infraestrutura urbana destruída estão ali tão presentes quanto as encostas que ainda exibem, ameaçadoras, as marcas da destruição. “As crianças crescem com essas imagens aí na cabeça”, lamenta seu Sebastião, comerciante em Teresópolis. Não só elas, seu Sebastião. Os esqueletos da destruição e as placas oficiosas

Nas três cidades, as localidades mais afetadas pelos deslizamentos guardam entre si a semelhança de ainda portarem muitos esqueletos do que restou de casas, hotéis, pousadas e bares.

Guardam também a riqueza de detalhes com que cada sobrevivente lembra do próprio apuro na madrugada do dia 12 de janeiro e do destino de parentes e amigos mortos ou salvos em galhos de árvores. E uma queixa comum: segundo uma gama variada de entrevistados, administrador público

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pouco ou nada é visto nesses pontos, ainda que o talonário do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), em alguns bairros, tenha vindo em 2012 com reajustes consideráveis.

Em Teresópolis, uma situação curiosa: a contar pelas volumosas placas anunciando investimentos, a recuperação da cidade vai de vento em popa. Lama no que era um importante ponto turístico como a Cascata do Imbuí e pichações de “corrupto” em algumas dessas mesmas placas contradizem a propaganda oficial da recuperação a olhos vistos. A sabedoria popular do "enxuga-gelo" e as flores do caminho

Gíria para ineficiência, a expressão “enxugar gelo” é outra a que os sobreviventes das três cidades recorrem para avaliar as poucas obras em andamento. Não é difícil compreender o sentido: montes de areia na beira de um rio que precisa ser desassoreado, aprende uma criança na aula de Ciências, é facilmente transportável para o mesmo rio pela ação do tempo.

Casas à beira de encostas nuas, se aprende com a experiência do fato vivido, são risco iminente e chance fácil para o azar. Estradas inacessíveis a quem delas depende para escoar a produção, ensina o homem do campo, é falta de comida na mesa --ou uma incômoda dependência da boa vontade de quem assume o papel do Estado em ação voluntária, mas de alcance limitado.

O “não tá tudo bem” de dona Sandra, comerciante em Petrópolis --pois é para a prefeitura de lá que ela paga impostos, não Itaipava--, tem um corpo definido para a equipe ao fim da viagem. Seja pelo que se ouve, seja pelo que se vê.

Mas algumas flores que insistem em surgir em meio a rochas imensas que rolaram sobre o bairro de Campo Grande, em Teresópolis, ajudam a apontar algum caminho de mudança: seja pela artista plástica que recolheu dezenas de cães da enchente, seja por dona Maria, de Nova Friburgo, que mostra a casinha sendo refeita cômodo por cômodo ao lado de duas vira-latas que recolheu dos escombros, seja pelos jipeiros que deixam o conforto do fim de semana no Rio para levar água e comida a isolados na zona rural --isolados um ano depois.

São os exemplos pontuais, ainda que singelos, que ajudam a afastar algumas nuvens pesadas da serra fluminense. E a prontidão de um "a resposta será dada nas urnas”, como a reportagem ouviu nas três cidades neste 2012 de eleições municipais, é a que talvez, lá adiante, explique ao comerciante do devastado Vale do Cuiabá a dúvida expressada sob um sol forte das duas da tarde: “será possível que todo ano vai ser a mesma tragédia?” Em tempo: a qualidade da reconstrução do que foi destruído e do recomeço de uma nova etapa de desenvolvimento dependem também da resposta que a Justiça dará aos desvios de dinheiro público constatados nos últimos 12 meses

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por órgãos como MPF (Ministério Público Federal) e MPE (Ministério Público Estadual), além de CGU (Controladoria Geral da União).

Como simples e sabiamente definiriam os sobreviventes, chega de enxugar gelo. Janaína Garcia, Do UOL, em São Paulo. Notícias UOL - 17/01/2012 06h00 http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/01/17/no-meio-da-serra-fluminense-o-grito-dos-sobreviventes-ainda-reverbera-um-ano-depois-nao-esta-tudo-bem.htm 1.  De  acordo   com  o   texto,   explique  qual   a   diferença  entre  usar  “distrito  de   Itaipava”  e  usar  “Petrópolis”  para  se   referir  ao   local  da  tragédia.    As   vítimas   da   tragédia   dizem   que   são   de   Petrópolis,   mas   a  administração   local   prefere   falar   que   o   acidente   aconteceu   no  distrito   de   Itaipava   para   que   o   turismo   de   Petrópolis   não   seja  afetado  e,  assim,  para  que  eles  não  tenham  prejuízo  financeiro.    2.  Transcreva  do  texto  duas  expressões  que  a  jornalista  usa  para  se   referir   ao   episódio   de   enchentes   e   deslizamentos   na   serra  fluminense.  “enchente  e  deslizamentos  do  fatídico  12  de   janeiro  de  2011”  e  “o  pior  desastre  natural  da  história  do  Brasil”.    3.   Explique   como   as   expressões   destacadas   na   resposta   acima  contribuem  para  transmitir  um  ponto  de  vista  acerca  da  tragédia.  Ao   usar   essas   expressões,   a   jornalista   reforça   a   ideia   de   que   o  acontecimento   foi   muito   grave   e   acentua   a   revolta   diante   do  pouco  que   foi   feito  um  ano  depois  para   resolver  ou  amenizar  a  situação.      

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4.   Segundo   o   texto,   explique   como   as   vítimas   da   tragédia   se  referem  a  si  mesmas.  Elas   se   referem   a   si   mesmas   como   “sobreviventes”,   porque   a  referência   de   “moradores   da   região   serrana”   se   tornou   pouco  diante  da  gravidade  da  situação  pela  qual  passaram.  TEXTO   5:   O   município   de   Teresópolis,   um   dos   mais   afetados  pelas   chuvas   do   começo   do   ano   passado   no   Rio   de   Janeiro,  ainda  tenta  se  recuperar  dos  estragos  deixados.    Um ano depois das fortes chuvas e dos deslizamentos que deixaram centenas de mortos e destruíram comunidades inteiras, a cidade de Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, ainda tenta se reconstruir e retomar a normalidade do dia a dia. A prefeitura de Teresópolis afirma que, somente no município, que continua em estado de calamidade pública, as enchentes e desabamentos ocorridos na madrugada de 12 de janeiro de 2011 deixaram 392 mortos confirmados, além de 180 desaparecidos, nas 80 localidades atingidas. No bairro de Campo Grande, o deslizamento de terra causado pelo acúmulo de água no topo de um morro causou uma enxurrada de lama e pedras que praticamente dizimou a comunidade, a mais atingida pelo desastre. A tragédia atingiu outras localidades, como o bairro de Posse. Somado com os de outros municípios da serra fluminense, como Nova Friburgo e Petrópolis, o número de mortos devido às chuvas de janeiro de 2011 superou os 900, segundo dados das prefeituras. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) aponta que 345 pessoas estão desaparecidas, segundo dados de março do ano passado. Posse

Na Estrada da Posse, rota que leva às áreas mais devastadas em Teresópolis, muitas propriedades que foram destruídas pela enchente e pelos desabamentos estão sendo reerguidas aos poucos, enquanto outras, que ficavam à beira do rio Paquequer, foram totalmente demolidas. Nos bairros adjacentes à estrada, como Granja Florestal e Cascata do Imbuí, muros de contenção estão sendo construídos à beira de encostas, para evitar novos deslizamentos. Já as paredes das casas interditadas pela Defesa Civil apresentam inscrições em vermelho, com as iniciais de cada bairro ("CI" para Cascata do Imbuí e "CG" para Campo Grande, por exemplo) seguidas de um número de identificação. O economista Martinho Ferreira dos Santos, 63 anos, mora no bairro da Posse há sete, junto da mulher. Ambos estavam em casa na madrugada de 12 de

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janeiro de 2011, quando ocorreu o deslizamento. "Eu estava dormindo e não ouvi nada na hora, foi a minha mulher que disse que havia alguém na rua pedindo socorro", disse Santos à BBC Brasil. A residência do economista - uma casa de dois pisos, construída há 70 anos em um terreno de 2 mil m²- fica à beira do córrego do Príncipe, que vem do bairro vizinho de Campo Grande e corta o bairro da Posse. Um ano após o desastre, o córrego, que "mal encobria o pé da gente", segundo Santos, ganhou volume e força, ficando com mais de 1 m de profundidade. "Foi promovido a rio", ironiza o morador. No dia da tragédia, no entanto, o córrego deu lugar a uma enxurrada de lama e rochas que vinham da direção do bairro do Campo Grande. A casa do economista, assim como as de seus vizinhos, ficou dois meses sem água e luz, e chegou a ser interditada, devido ao risco de novos desabamentos. Tomado pela lama, o terreno de Santos acabou sendo invadido até por animais, como um cavalo de raça. "Era um mangalarga lindo, mas todo machucado", diz. Hoje, supervisionando reparos feitos no portão de entrada de sua propriedade, o economista diz não ter medo de uma nova tragédia, mas afirma que as ações do poder público para recuperar a sua zona são lentas demais. "A gente vê muros de contenção sendo feitos em outros lugares, o que é importante, mas aqui foi feita muito pouca coisa." Campo Grande Mais adiante, fica Campo Grande, o bairro mais afetado pelo desastre. Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada. Retroescavadeiras ainda trabalham no local, tentando remover a terra que chega a quase 2 m de altura por sobre alguns pontos da estrada. Um verdadeiro mar de rochas enormes agora faz parte da paisagem local, que parece intocada desde os desabamentos de janeiro de 2011. Em todo o bairro, dezenas de casas semidestruídas estão vazias, interditadas pela Defesa Civil. Estima-se que dezenas de corpos ainda estejam encobertos pela lama e pelos escombros. Moradores afirmam que, há uma semana, ossos humanos foram desenterrados por funcionários das obras de recuperação. Uma das residências liberadas para morar é a do motorista Anísio Siqueira da Silva, 52 anos. Ele afirma que não tem medo de permanecer no local, mesmo que a parte dos fundos, onde residia a sua filha, tenha sido abandonada por ordem da Defesa Civil. Nos fundos, à beira do Córrego do Príncipe, ele aponta para o local onde moravam seis sobrinhos seus. Todos foram mortos pela enxurrada de 2011, diz o motorista. Além deles, segundo Silva, vários vizinhos morreram ou desapareceram devido à tragédia, "Moro aqui desde que eu nasci. O que tinha que acontecer, já aconteceu, não tenho medo de ficar", diz Silva, que mora junto da mulher e de quatro filhos.

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A família do motorista chegou a ficar dois meses em um abrigo, mas conseguiu voltar para casa sem maiores perdas. Agora, Silva diz que aguarda uma maior ação do governo para melhorar a estrutura do bairro. "Tem que ajeitar a rua, trazer os ônibus de volta, dar luz para quem precisa, ajudar a gente", afirma o morador. Caleme No bairro do Caleme, outra localidade fortemente atingida pelos deslizamentos, moradores aguardam a liberação definitiva das autoridades para permanecer em casas situadas em áreas de risco moderado, chamadas de "linha amarela". Segundo a Defesa Civil de Teresópolis, as construções localizadas na "linha amarela" ficam próximas de áreas com risco de desabamento, mas sem apresentar risco iminente - diferentemente das zonas mais perigosas, interditadas permanentemente, conhecidas como "linha vermelha". A dona de casa Raquel Laje Siqueira, 25 anos, mora na "linha amarela", perto de um morro que desabou em janeiro de 2011. No topo do morro, cerca de 200 m acima da rua, duas rochas grandes são visíveis em meio à terra molhada pela chuva. Mesmo com essa aparente ameaça, Raquel diz que não cogita sair de casa, e que não tem medo que aconteça um novo desastre. "Quando é para acontecer, acontece em qualquer lugar", disse ela, que mora com marido e um filho. A Defesa Civil alega que um laudo técnico do Departamento de Recursos Minerais (DRM) do Estado do Rio apontará se a "linha amarela" será liberada ou não para ser habitada. O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Caleme (Amac), Jeová dos Santos Silva, conta que uma das medidas de prevenção adotadas foi a entrega de um pluviômetro pelo governo do Estado à sua entidade. Quando o aparelho indicar chuvas acima de 60 mm, um alerta é feito via rádio à Defesa Civil. Além disso, duas sirenes foram instaladas no bairro, além da fixação de placas indicando rotas de fuga em caso de enchentes e deslizamentos. No entanto, Silva diz que ainda faltam medidas de saúde no bairro, como a criação de um posto de atendimento e ações para evitar doenças como a leptospirose. A prefeitura de Teresópolis afirma que o governo federal repassou ao município R$ 7,241 milhões, sendo que cerca de R$ 1 milhão foi bloqueado, segundo a administração municipal, devido a problemas administrativos ocorridos na gestão do prefeito Jorge Mário (PT), afastado no ano passado. O restante das verbas, de acordo com a prefeitura, foi utilizado para locar equipamentos para a limpeza das áreas atingidas e para o atendimento às vítimas. Já o governo do Estado liberou para Teresópolis R$ 4,19 milhões, que foram utilizados, segundo a prefeitura, para a compra de medicamentos e materiais para o atendimento de saúde. O saldo restante, de R$ 1,854 milhão, está sendo aplicado na recuperação de postos de saúde, de acordo com a administração municipal.

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http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5552774-EI8139,00- Um+ano+apos+chuvas+Teresopolis+ainda+guarda+marcas+da+tragedia.html 1.   Identifique   no   fragmento   que   segue   todos   os   termos   que  retomam  os  vocábulos  destacados:    Um   ano   depois   das   fortes   chuvas   e   dos   deslizamentos   que  deixaram  centenas  de  mortos  e  destruíram  comunidades  inteiras,  a   cidade   de   Teresópolis,   na   região   serrana   do   Rio   de   Janeiro,  ainda  tenta  se  reconstruir  e  retomar  a  normalidade  do  dia  a  dia.  A   prefeitura   de   Teresópolis   afirma   que,   somente   no  município,  que   continua  em  estado  de   calamidade  pública,   as  enchentes  e  desabamentos  ocorridos  na  madrugada  de  12  de  janeiro  de  2011  deixaram  392  mortos   confirmados,   além  de   180   desaparecidos,  nas  80  localidades  atingidas.  No   bairro   de   Campo  Grande,   o   deslizamento   de   terra   causado  pelo   acúmulo   de   água   no   topo   de   um   morro   causou   uma  enxurrada   de   lama   e   pedras   que   praticamente   dizimou   a  comunidade,   a   mais   atingida   pelo   desastre.   A   tragédia   atingiu  outras  localidades,  como  o  bairro  de  Posse.    2.  Leia  o  fragmento:    O   economista  Martinho   Ferreira   dos   Santos,   63   anos,  mora   no  bairro   da   Posse   há   sete,   junto   da   mulher.   Ambos   estavam   em  casa  na  madrugada  de  12  de  janeiro  de  2011,  quando  ocorreu  o  deslizamento.  "Eu  estava  dormindo  e  não  ouvi  nada  na  hora,  foi  a  minha   mulher   que   disse   que   havia   alguém   na   rua   pedindo  socorro",  disse  Santos  à  BBC  Brasil.  A  residência  do  economista  -­‐  uma  casa  de  dois  pisos,  construída  há  70  anos  em  um  terreno  de  2  mil  m²-­‐  fica  à  beira  do  córrego  do  Príncipe,  que  vem  do  bairro  vizinho  de  Campo  Grande  e  corta  o  

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bairro   da   Posse.   Um   ano   após   o   desastre,   o   córrego,   que   "mal  encobria  o  pé  da  gente",  segundo  Santos,  ganhou  volume  e  força,  ficando  com  mais  de  1  m  de  profundidade.  "Foi  promovido  a  rio",  ironiza  o  morador.    Todas   as   palavras   que   seguem   retomam   a   expressão   O  economista  Martinho  Ferreira  dos  Santos,  exceto:  letra  B    a)  ambos                                b)  alguém                            c)  Santos                        d)  o  morador                    e)  economista    3.   Assinale   a   proposição   em   que   o   antecedente   do   termo  sublinhado  não  pode  ser  localizado  no  mesmo  segmento  do  texto  que  está  entre  aspas:  letra  D    a)  “Mais  adiante,  fica  Campo  Grande,  o  bairro  mais  afetado  pelo  desastre.   Poucas   pessoas   são   vistas   circulando   pela   localidade,  aparentemente  semiabandonada.”  b)   “Poucas   pessoas   são   vistas   circulando   pela   localidade,  aparentemente   semiabandonada.   Retroescavadeiras   ainda  trabalham  no  local,  tentando  remover  a  terra  que  chega  a  quase  2  m  de  altura  por  sobre  alguns  pontos  da  estrada.”  c)   “Um   verdadeiro   mar   de   rochas   enormes   agora   faz   parte   da  paisagem  local,  que  parece   intocada  desde  os  desabamentos  de  janeiro  de  2011.”  d)   “Um   verdadeiro   mar   de   rochas   enormes   agora   faz   parte   da  paisagem  local,  que  parece   intocada  desde  os  desabamentos  de  janeiro  de  2011.”  e)  “Mais  adiante,  fica  Campo  Grande,  o  bairro  mais  afetado  pelo  desastre.   Poucas   pessoas   são   vistas   circulando   pela   localidade,  aparentemente  semiabandonada.”      

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4.   Assinale   a   alternativa   em   que   o   vocábulo   destacado   não  retoma  outro(s)  elemento(s)  citado(s)  anteriormente.  letra  D    a)   “Um   ano   depois   das   fortes   chuvas   e   dos   deslizamentos   que  deixaram   centenas   de   mortos   e   destruíram   comunidades  inteiras...”  b)   “A   prefeitura   de   Teresópolis   afirma   que,   somente   no  município,  que  continua  em  estado  de  calamidade  pública...”  c)   “o   deslizamento   de   terra   causado   pelo   acúmulo   de   água   no  topo  de  um  morro  causou  uma  enxurrada  de  lama  e  pedras  que  praticamente  dizimou  a  comunidade...”  d)  “O  Ministério  Público  do  Rio  de  Janeiro  (MPRJ)  aponta  que  345  pessoas   estão   desaparecidas,   segundo   dados   de  março   do   ano  passado.”  e)  “Na  Estrada  da  Posse,  rota  que   leva  às  áreas  mais  devastadas  em  Teresópolis,  muitas  propriedades  que   foram  destruídas  pela  enchente  e  pelos  desabamentos...”    5.  Leia  o   fragmento  que  segue  e  marque  o  referente  da  palavra  sua:  letra  D    “O  presidente  da  Associação  dos  Moradores  e  Amigos  do  Caleme  (Amac),   Jeová  dos   Santos   Silva,   conta   que  uma  das  medidas   de  prevenção   adotadas   foi   a   entrega   de   um   pluviômetro   pelo  governo  do  Estado  à  sua  entidade.”    a)   associação   dos   moradores             b)   amigos   do   Caleme           c)  governo  do  Estado    d)  Jeová  dos  Santos  Silva                          e)  Amac      6.  Leia  o  excerto:    

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Mais   adiante,   fica   Campo   Grande,   o   bairro   mais   afetado   pelo  desastre.   Poucas   pessoas   são   vistas   circulando   pela   localidade,  aparentemente   semiabandonada.   Retroescavadeiras   ainda  trabalham  no  local,  tentando  remover  a  terra  que  chega  a  quase  2  m  de  altura  por  sobre  alguns  pontos  da  estrada.  Um  verdadeiro  mar   de   rochas   enormes   agora   faz   parte   da   paisagem   local,   que  parece  intocada  desde  os  desabamentos  de  janeiro  de  2011.  Em  todo   o   bairro,   dezenas   de   casas   semidestruídas   estão   vazias,  interditadas  pela  Defesa  Civil.    Para   que   haja   progressão   do   texto,   o   autor   empregou   outras  expressões  ou  palavras  para  retomar  o  vocábulo  Campo  Grande.  Assinale  a  alternativa  em  que  aparece  um  termo  que  não  cumpre  essa  função:  letra  E    a)  o  bairro                      b)  localidade                        c)  no  local                d)  em  todo  o  bairro                  e)  a  terra      7.  Leia:    “A   casa   do   economista,   assim   como   as   de   seus   vizinhos,   ficou  dois  meses  sem  água  e  luz,  e  chegou  a  ser  interditada,  devido  ao  risco  de  novos  desabamentos.”    a)  O  termo  as  destacado  no  texto,  faz  alusão  a  um  elemento  que  não   aparece   de   forma   explícita   no   fragmento.   Pelo   contexto,   é  possível  inferir  que  esse  elemento  de  coesão  refere-­‐se  a  quê?  b)  A  expressão  seus  vizinhos  refere-­‐se  a  que  termo  mencionado  no  texto  anteriormente?  c)  A  forma  verbal  “ser  interditada”  refere-­‐se  a  que  vocábulo?  A  casa  do  economista    

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8.  Leia:    “Na  Estrada  da  Posse,  rota  que  leva  às  áreas  mais  devastadas  em  Teresópolis,   muitas   propriedades   que   foram   destruídas   pela  enchente   e   pelos   desabamentos   estão   sendo   reerguidas   aos  poucos,  enquanto  outras,  que  ficavam  à  beira  do  rio  Paquequer,  foram  totalmente  demolidas.”    Analise   as   proposições   que   seguem   e   depois   assinale   a  alternativa  incorreta:  letra  D    a)   as   formas   verbais   “foram   destruídas”   e   “sendo   reerguidas”  referem-­‐se  a  “muitas  propriedades”.  b)   na   passagem   “que   ficavam   à   beira   do   rio   Paquequer”,   a  palavra   que,   de   forma   implícita,   retoma   a   expressão   “muitas  propriedades”.  c)  em  “rota  que   leva  ás  áreas  mais  devastadas...”  a  palavra  que  refere-­‐se  à  palavra  “rota”.  d)   a   forma   verbal   “foram   totalmente   demolidas”   refere-­‐se   a  “áreas  mais  devastadas  em  Teresópolis...”  e)  o  vocábulo  “outras”  retoma  o  termo  “muitas  propriedades”.      9.  Considere  as  seguintes  sentenças:  letra  D    I.   “Uma   das   residências   liberadas   para  morar   é   a   do  motorista  Anísio  Siqueira  da  Silva,  52  anos.  Ele  afirma  que  não  tem  medo  de  permanecer  no  local...”  II.   “Ele   afirma   que   não   tem   medo   de   permanecer   no   local,  mesmo  que   a   parte   dos   fundos,   onde   residia   a   sua   filha,   tenha  sido  abandonada  por  ordem  da  Defesa  Civil.”  

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III.  Ele  afirma  que  não  tem  medo  de  permanecer  no  local,  mesmo  que   a   parte   dos   fundos,   onde   residia   a   sua   filha,   tenha   sido  abandonada  por  ordem  da  Defesa  Civil.  IV.  “Estima-­‐se  que  dezenas  de  corpos  ainda  estejam  encobertos  pela   lama  e  pelos  escombros.  Moradores  afirmam  que,  há  uma  semana,  ossos  humanos  foram  desenterrados...”    Com  base  apenas  nos  trechos  citados  acima,  identifique  aqueles  em   que   as   expressões   grifadas   retomam   termos   citados,  cumprindo  a  função  de  elementos  coesivos:    a)  I,  II  e  IV  b)  II,  III  e  IV  c)  I,  III  e  IV  d)  I,  II  e  III  e)  III  e  IV      10.   Na   coesão   textual,   os   pronomes   são   empregados,   muitas  vezes,  com  o  objetivo  de  ligar  o  que  está  sendo  dito  e  o  que  já  foi  enunciado   anteriormente.   Assinale   a   alternativa   em   que   o  pronome   não   estabelece   ligação   com   o   que   já   foi   mencionado  anteriormente  nas  passagens  que  seguem.  letra  D    a)   "Eu   estava   dormindo   e   não   ouvi   nada   na   hora,   foi   a   minha  mulher  que  disse  que  havia  alguém  na  rua  pedindo  socorro"  b)  “A  casa  do  economista,  assim  como  as  de  seus  vizinhos,  ficou  dois  meses  sem  água  e  luz,  e  chegou  a  ser  interditada...”  c)  “Nos  fundos,  à  beira  do  Córrego  do  Príncipe,  ele  aponta  para  o  local   onde   moravam   seis   sobrinhos   seus.   Todos   foram   mortos  pela  enxurrada  de  2011,  diz  o  motorista.”  d)  “Nos  fundos,  à  beira  do  Córrego  do  Príncipe,  ele  aponta  para  o  local  onde  moravam  seis  sobrinhos  seus.”  

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e)  “Mesmo  com  essa  aparente  ameaça,  Raquel  diz  que  não  cogita  sair   de   casa,   e   que   não   tem   medo   que   aconteça   um   novo  desastre.   "Quando   é   para   acontecer,   acontece   em   qualquer  lugar",  disse  ela,  que  mora  com  marido  e  um  filho.”      -­‐-­‐>   QUESTÃO   pré-­‐textual   (TEXTO   6):   Observe   a   manchete   da  notícia  que  você  irá  ler  e  explique  com  suas  palavras  a  que  pode  se   referir   a   expressão   destacada:  Um  ano   após   tragédia,   bairro  de  Nova  Friburgo  parece  cidade  fantasma.    TEXTO  6:  Um  ano  após   tragédia,   bairro  de  Nova   Friburgo  parece  cidade  fantasma  Deslizamentos  que  atingiram  a  região  serrana  em  2011  causaram  mais  de  900  mortes    Repleto de casas destruídas e interditadas, o bairro de Córrego Dantas, em Nova Friburgo, mais parece uma cidade fantasma, um ano depois da enchente e dos deslizamentos que atingiram a região serrana do Rio de Janeiro, causando mais de 900 mortes. De acordo com a Defesa Civil, 429 pessoas morreram em Nova Friburgo devido à tragédia de janeiro de 2011. Praticamente todos os bairros da cidade foram atingidos pelas enchentes e desmoronamentos, inclusive o centro, onde vários prédios foram afetados. No município, 44 pessoas continuam desaparecidas. Situado entre dois morros e às margens do curso d'água que dá nome à comunidade, Córrego Dantas foi o bairro mais afetado pelos deslizamentos de terra e pelas fortes chuvas. Dezenas de casas tiveram as paredes totalmente arrancadas. Várias delas estão sendo demolidas. Praticamente todos os moradores já abandonaram o bairro. Alguns deles acompanham os trabalhos das retroescavadeiras usadas para reverter o assoreamento do Córrego Dantas, além dos tratores que realizam as demolições. [...] A Defesa Civil afirma que, além de Córrego Dantas, outros bairros fora do centro urbano de Nova Friburgo que tiveram muitos danos devido às chuvas de 2011 foram Duas Pedras, Jardim Califórnia, Floresta, Jardinlândia e Campo do Coelho. No centro da cidade, a vida parece ter voltado à normalidade, embora muitos prédios ainda estejam interditados.

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O teleférico localizado na praça do Suspiro, um dos principais cartões postais da cidade, ainda não foi reaberto, já que a área onde ficam as suas torres foi muito atingida. Além do teleférico, a igreja Santo Antônio, situada na mesma praça, também está fechada. Um abrigo municipal continua em funcionamento, onde cerca de 20 pessoas que perderam suas casas estão instaladas, segundo a Defesa Civil. [...] Rafael Spuldar, da BBC Brasil | 13/01/2012 às 07h41 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120112_teresopolis_cidade_fantasma_rs.shtml

1.  Explique  como  título  e  subtítulo  se  relacionam.    2.   Identifique   ao   longo   do   texto   as   expressões   anafóricas   que  fazem  referência  ao  termo  tragédia,  apresentado  no  título.      3.  Com  base  na   leitura  do  texto,   indique  a  que   local  a  expressão  cidade  fantasma  se  refere:  (      )  Córrego  Dantas        (      )  Duas  Pedras                (      )  Jardim  Califórnia            (      )  Floresta                  (      )  Jardinlândia  (      )  Campo  do  Coelho                    (      )  Centro  da  cidade  

 4.   Explique   por   que,   no   título   do   texto,   a   expressão   cidade  fantasma  é  usada  para  caracterizar  um  bairro  de  Nova  Friburgo.      TEXTO  7:  Tragédia  no  Rio:  abandono  já  dura  um  ano    Em janeiro de 2011, região serrana foi palco de uma tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados. Até hoje, novas casas e sistema de prevenção contra chuvas prometidos não foram entregues. Um ano depois da tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados na região serrana do Rio, o estado ainda não conseguiu entregar nenhuma das cerca de 5 mil casas prometidas para as vítimas das chuvas. De acordo com a secretaria de Obras, as primeiras unidades só deverão ser concluídas a partir de março. Mas a maioria delas só ficará pronta em 2013. Vice-governador e coordenador de infraestrutura do estado, Luiz Fernando Pezão culpou a

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burocracia e a falta de interesse dos empresários pela demora: “Ali você não tem uma área abundante, plana, segura para construções. Ou você está na encosta ou na beira do rio. Isso dificulta muito. Áreas para as quais conseguimos viabilizar o processo de desapropriação acabaram descartadas pelo Ministério do Meio Ambiente. Então é difícil colocar estas pessoas de novo em um lugar que não tenha problemas.” Para mitigar o problema, o governo prometeu pagar aluguel social a 7.372 famílias até o fim de 2012. No entanto, muitas das famílias beneficiadas voltaram para as casas interditadas pela Defesa Civil — por estarem em áreas de risco — após as chuvas de 12 de janeiro de 2011. Outros permanecem em locais improvisados. É o caso das 35 pessoas que invadiram um canteiro de obras onde seria construído um hospital, em Sumidouro. Ou das famílias que permanecem, desde fevereiro de 2011, num ambulatório transformado em abrigo em Nova Friburgo. O abrigo tem hoje oito famílias remanescentes da chuva de janeiro de 2011 instaladas em consultórios médicos transformados em quartos. São 36 pessoas, sendo 16 crianças e 12 adolescentes. O secretário municipal de Ação Social, Josué Ebenézer, diz que quatro delas recebem o aluguel social há alguns meses. E que as outras devem passar a receber o benefício este mês, um ano depois da tragédia. [...] Publicado em 13/01/2012 http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1212317

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5.   Observe   o   título   do   texto   II   e   explique   como   é   possível  confirmar  o  tempo  que  dura  o  abandono  referente  à  tragédia  no  Rio.  

 6.   Considerando   o   gênero   textual   notícia   e   suas   características  sociocomunicativas,  pode-­‐se  dizer  que  este  texto  teria  a  mesma  função  enunciativa  se  lido  daqui  a  alguns  anos?      7.   Observe   a   frase   destacada   no   quarto   parágrafo   do   texto   I:  Praticamente   todos   os   moradores   já   abandonaram   o   bairro.  Compare-­‐a  com  o  título  do  texto  II:  Tragédia  no  Rio:  abandono  já  dura   um   ano.   Explique   a   diferente   interpretação   da   expressão  abandono  nesses  trechos.  

 8.   Identifique   ao   longo   do   texto   II   as   expressões   anafóricas/   os  termos   que   fazem   referência   ao   termo  abandono,   apresentado  no  título.   9.  Observe  as  seguintes  frases  destacadas  do  texto  2  e  explique  a  que  problema  cada  uma  se  refere.    Então  é  difícil  colocar  estas  pessoas  de  novo  em  um  lugar  que  não  tenha  problemas.  (Última  frase  do  segundo  parágrafo)  

 Para   mitigar   o   problema,   o   governo   prometeu   pagar   aluguel  social   a   7.372   famílias   até   o   fim   de   2012.     (Primeira   frase   do  terceiro  parágrafo)  

 10.   Observe   o   que   diz   o   vice-­‐governador   e   coordenador   de  infraestrutura  do  Estado,  Luiz  Fernando  Pezão,  e   reflita:  a  quem  se   refere   o   pronome   em   destaque?   Ele   se   refere   a   alguém   em  especial  ou  é  usado  com  valor  indeterminado?    

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 Ali   você   não   tem   uma   área   abundante,   plana,   segura   para  construções.   Ou   você   está   na   encosta   ou   na   beira   do   rio.   Isso  dificulta  muito.      TEXTO   8:   Secretaria   de   Estado   de   Turismo   lança   campanha  publicitária  da  Região  Serrana    

A campanha “Suba a Serra do Rio de Janeiro e veja a vida de um novo ângulo”, que foi inteiramente filmada e fotografada na Região Serrana (com o apoio das cidades envolvidas: Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis), mostra as belezas e o prazer de descobrir ou redescobrir destinos maravilhosos, segundo o diretor de Marketing da TurisRio, Guto Graça.

Na cidade do Rio de Janeiro, aproveitando o grande fluxo de turistas por ocasião da Rio+20, a Secretaria de Estado de Turismo está fazendo uma grande cobertura de mobiliário urbano e marca presença também nos cinemas da cidade neste mês de junho.

Tanto na TV aberta como na TV fechada, foi feita uma vasta cobertura e um planejamento de mídia que segue critérios técnicos para melhor otimização dos investimentos.

Chegar ao produto final foi uma construção que teve nas figuras do secretário de Estado de Turismo, Ronald Azaro, e do Ministro Gastão Vieira, o exemplo do trabalho em parceria entre as esferas de poder. Um resultado objetivo que seguiu uma linha clara de trabalho, que vem sendo posta em prática, de somar forças. E através deste alinhamento, cada envolvido pode se sentir parte integrante de um todo. Seja no Estado, em Brasília ou nos municípios de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis.

Segundo a secretária de Turismo de Nova Friburgo, Bianca Tempone Felga, que participou de reuniões, junto com representantes dos municípios de Teresópolis e Petrópolis na Secretaria de Estado de Turismo, sobre a proposta de Campanha para a Região Serrana, a veiculação deste material chega em boa hora na Região Serrana e no Estado. Segundo Bianca, o momento é de mostrar ao Rio de Janeiro e a todo Brasil que a região está recuperada e aguardando a visita dos turistas. http://novafriburgo.rj.gov.br/2012/06/secretaria-de-estado-de-turismo-lanca-campanha-publicitaria-da-regiao-serrana/#ixzz1y0vkaPPg Publicado em 12 de junho de 2012

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11.  Diferente  dos  primeiros   textos,  é  possível  notar  que  o   texto   III  apresenta  referências  positivas  em  relação  à  região  serrana  um  ano  após  a  destruição  causada  pelas  chuvas.  Destaque  do  texto  algumas  expressões  que  comprovam  isso.    12.   Por   que   o   texto   III,   em   especial,   apresenta   essas   referências  positivas   em   relação   à   cidade   de   Nova   Friburgo   e   a   toda   região  serrana  do  Rio?    13.   Observe   que,   no   texto   III,   a   secretária   de   turismo   Bianca  Tempone   Felga   afirma   que   a   região   serrana   está   recuperada,  sem,  no  entanto,  mencionar  a  condição  de  destruição  da  qual  a  região  se  recuperou.  Essa  omissão  foi  intencional?  Justifique.    14.   Forme   um   grupo   com   outros   dois   colegas   de   sua   turma.   O  grupo  deverá  montar  uma  encenação  de  um   telejornal,   com  os  seguintes   personagens:   o   prefeito   de   uma   cidade   da   região  serrana   do   Rio   de   Janeiro,   uma   vítima   das   fortes   chuvas   e   o  jornalista.  De  acordo  com  a  fala  de  cada  personagem  a  respeito  da   condição   atual   da   região   serrana,   a   turma   terá   como   tarefa  registrar   as   expressões   referenciais   que   apresentam,  explicitamente,   como   cada   enunciador   avalia   a   condição   das  regiões   atingidas   pelas   fortes   chuvas.   Em   seguida,   a   turma  discutirá   sobre   a   função   argumentativa   da   referenciação   na  construção  do  texto.        TEXTO   9:   Chuvas   deixam   pelo   menos   cinco   mortos   na   região  serrana  do  Rio  de  Janeiro  

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Maior   parte   dos   problemas   se   concentra   no   município   de  Teresópolis  

A forte chuva registrada nesta sexta-feira no Rio de Janeiro castigou os moradores da região serrana. Pelo menos cinco pessoas morreram no início da noite no município de Teresópolis, segundo o Corpo de Bombeiros do estado fluminense. Em Nova Friburgo, também na serra, um rio transbordou e alagou ruas e casas. As informações são da Globo News.

As mortes ocorreram em Teresópolis, nos bairros de Bom Retiro, onde dois corpos foram encontrados nos escombros de um desabamento, Santa Cecília e Quinta Lebrão, além da comunidade Pimentel. Em Quinta Lebrão, um adolescente morreu soterrado por um muro que desabou. Já em Santa Cecília, uma mulher foi localizada embaixo dos escombros.

Segundo o comandante do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Sérgio Simões, o número de desalojados e desabrigados passa de 500.

De acordo com a Defesa Civil do Rio de Janeiro, o sistema de alerta sonoro foi acionado nos pontos da cidade com maior risco de deslizamento. Houve pelo menos oito desabamento no município. A chuva obrigou a Polícia Rodoviária Federal a bloquear totalmente a rodovia Rio-Teresópolis.

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/04/chuvas-deixam-pelo-menos-cinco-mortos-na-regiao-serrana-do-rio-de-janeiro-3719803.html Zero Hora Rio Grande do Sul - Região castigada 06/04/2012 | 23h15 Atualizada em 07/04/2012 | 04h11

1)   Que   efeito   de   sentido   gera   a   expressão   “pelo   menos”,  presente  na  manchete  da  notícia?    2)   Após   ler   a   notícia,   quais   seriam   os   problemas   apontados   no  subtítulo  “Maior  parte  dos  problemas  se  concentra  no  município  de  Teresópolis”?    3)  Observe  o  início  do  segundo  parágrafo  da  notícia,  que  começa  referindo-­‐se  a  algumas  mortes  que  ocorreram  em  Teresópolis.    a-­‐  Que  mortes  são  essas?  b-­‐   É   a   primeira   vez   que   essas  mortes   são   citadas   no   texto?   Se  não,  onde  apareceram  pela  primeira  vez.    

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4)   Além   da   tragédia   com   as   moradias   e     as   mortes,   qual   foi   a  outra  consequência  da  forte  chuva?    

   

TEXTO  10:  Chuva  forte  castiga  região  serrana  do  Rio  de  Janeiro   Temporal em Nova Friburgo e Teresópolis mata cinco pessoas e deixa cerca de mil desabrigadas. Defesa Civil mandou homens e máquinas para trabalhar na remoção de entulhos Rio de Janeiro (ABr) - Pouco mais de um ano depois da tragédia que atingiu cidades da região serrana do do Rio de Janeiro, matando cerca de mil pessoas e deixando centenas de desaparecidos, as chuvas voltam a castigar as cidades de Nova Friburgo e Teresópolis. Em Teresópolis, pelo menos cinco pessoas morreram e cerca de mil estão desabrigadas. Elas foram deslocadas para alojamentos disponibilizados pela prefeitura. O último dos cinco corpos, que estava soterrado, foi resgatado no final da madrugada. A vítima é uma mulher ainda não identificada, moradora do bairro de Santa Cecilia, um dos mais atingidos pelo temporal.

Segundo a Defesa Civil do estado, em pouco mais de quatro horas choveu na região serrana 160 milímetros, volume que se esperava para todo o mês. Em consequência, segundo o Inea, todos os rios da região serrana estão em estágio de atenção.

A chuva só deu uma trégua por volta das 23h de ontem, mas o dia amanheceu nublado na região, o que levou o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) a divulgar boletim colocando os municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo em estado de vigilância, assim como Macaé e todas as cidades localizadas no norte e noroeste do estado.

O secretário estadual de Defesa Civil e comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, coronel Sérgio Simões, esteve na região acompanhando os trabalhos de auxílio às vítimas e de resgate das pessoas ilhadas. Por medida de segurança, a concessionária que administra a Rio-Teresópolis fechou o trecho da serra, entre o km 89 e o km 104, por volta das 19h da sexta-feira, e só o reabriu às 23h30.

Na RJ-142, um deslizamento de terra na estrada que liga os distritos de Mury a Lumiar levou à interdição parcial da rodovia e os motoristas devem dirigir com a atenção redobrada.

O governo do Estado do Rio de Janeiro enviou a Teresópolis 10 caminhões e cerca de 80 homens para remover a lama que se acumulou nas ruas e prometeu mandar retroescavadeiras e caminhões-pipa para reforçar o

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trabalho da defesa civil. De acordo com informações da assessoria de imprensa, um posto de comando foi montado na sede da Secretaria Municipal de Segurança Pública, na Várzea, com equipes da Defesa Civil e de Segurança Pública, a fim de concentrar informações e determinar as ações de pronto-atendimento aos moradores das áreas atingidas.

O sistema de alerta sonoro foi acionado em comunidades com áreas de risco e moradores estão sendo orientados a seguir para os pontos de apoio. Por medida de precaução, equipes também foram mobilizadas em Nova Friburgo, onde o Rio Bengalas permanece em estágio de atenção. Também houve interdição de um trecho da RJ-142, em Nova Friburgo, que liga os distritos de Mury e Lumiar.

Na manhã deste sábado, a prefeitura de Teresópolis lançou um apelo pedindo a doação de água potável, cestas básicas e colchonetes para atender aos desabrigados. Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, as doações podem ser entregues no Ginásio Pedrão. Já os colchonetes e cestas básicas estão sendo providenciados pela prefeitura, em parceria com o Governo do Estado.

Tribuna do Norte Publicação: 08 de Abril de 2012 às 00:00 http://tribunadonorte.com.br/noticia/chuva-forte-castiga-regiao-serrana-do-rio-de-janeiro/217067

1)  De   acordo   com  o   texto,   foi   a   primeira   vez   que  uma   tragédia  como  essa  aconteceu  na  Região  Serrana?  Justifique  sua  resposta:    2)   A   quem   se   refere   o   pronome   de   terceira   pessoa   no   trecho  “Elas   foram   deslocadas   para   alojamentos”,   no   segundo  parágrafo?    3)   O   que   significa   a   expressão   “deu   uma   trégua”,   no   terceiro  parágrafo?    4)  O  texto  informa  que  a  estradas  foram  bloqueadas  “por  medida  de  precaução”,  o  que  significa  dizer  isso?      

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5)   No   último   parágrafo,   o   redator   informa   sobre   o   pedido   de  doação  e  utiliza  a  palavra  “apelo”  para  fazer  referência  a  ele.  Que  efeito  de  sentido  é  gerado  por  essa  escolha  vocabular?    

   

TEXTO  11  (fragmentos):  Os  esquecidos  da  Região  Serrana  Há   um   ano,   sete   municípios   da   região   viviam   a   pior   tragédia  climática   da   história   do   país.   Hoje,   moradores   ainda   convivem  com  o  medo  quando  começa  a  chover.    Os esquecidos da Região Serrana Moradores se desesperam ao menor sinal de chuva, desabrigados sofrem com desinformação, obras andam em ritmo lento e corrupção traga recursos da reconstrução. Quase um ano depois, Fórum conta histórias desoladoras da região que protagonizou a pior tragédia climática brasileira. Entre a noite do último dia 11 de janeiro e a manhã do dia seguinte, um temporal de proporções épicas atingiu a região serrana do estado do Rio de Janeiro. Em 24 horas, choveu o previsto para o mês inteiro. Nos dias seguintes, as imagens da catástrofe e o número de mortos não deixaram dúvidas: aquela foi a maior tragédia climática da história do Brasil. [...] Quase um ano depois, às vésperas de outro verão chuvoso, Fórum visitou a região para saber o que feito e como estão vivendo os sobreviventes da tragédia. “Vocês estão medindo minha casa pela metade” O caminho até o ponto final do Vale do Cuiabá, em Itaipava, distrito de Petrópolis, é longo. São pelo menos 30 minutos de ônibus entre o centro petropolitano e Itaipava, onde fica a fábrica de cerveja de mesmo nome, e outros 40 até a região que foi devastada pelas chuvas de janeiro. O lugar é famoso por abrigar mansões luxuosas de políticos e capitães da indústria fluminense, haras e pousadas chiques. Moradores contam que, semanas depois da catástrofe, donos de haras ofereceram polpudas recompensas para quem encontrasse pedaços dos cavalos perdidos entre os escombros. Só assim eles poderiam receber os seguros pagos pelos animais. Entre as muitas mortes que ocorreram ali, as que mais comoveram a opinião pública foram oito familiares do economista Erik Conolly de Carvalho, executivo do Icatu. Ele perdeu três filhos, os pais, a irmã, o cunhado e o sobrinho. A casa em que estava o grupo pertencia a Ângela Gouvêa Vieira, cunhada de Eduardo Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Moradora da região desde que nasceu,

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há 67 anos, a aposentada Edilma Vieira desenha no ar um mapa imaginário do Vale do Cuiabá e mostra onde estava a casa com a família Conolly. “Só sei que era gente importante. Quando os repórteres chegavam aqui, iam direto para lá”. [...] José Fonseca está inconformado porque funcionários do governo demoliram o que sobrou da casa sem avisá-lo. “Tinha um monte de telha, maçanetas e outros materiais que eu podia ter vendido”. Assim como todos os presentes na hora da inspeção, Fonseca não tem ideia de quando, ou mesmo se vai receber uma casa nova ou indenização do governo, como foi prometido com pompa e circunstância pelo governador Sérgio Cabral no calor dos acontecimentos. Apesar de receberam um aluguel social do governo de até R$ 500, os moradores reclamam que nenhuma das casas prometidas há quase um ano foi construída. [...] Solução é sair de casa Dez meses depois da tragédia, qualquer sinal de chuva causa pânico nos moradores de Nova Friburgo. Quando a água começa a cair com um pouco mais de veemência, mães correm para buscar os filhos nas escolas, comerciantes fecham as portas e o medo se instala no rosto das pessoas. Em Friburgo, os sinais das chuvas de janeiro ainda são visíveis no centro da cidade, que é cortada por um rio. Na Praça do Suspiro, o teleférico, que era a grande atração turística do local, está do mesmo jeito que estava em 12 janeiro. As cadeiras ainda estão lá, como em um trem fantasma abandonado. [...] De fato, poucas intervenções urbanas foram realizadas no período, e o ritmo das obras em andamento é lento. Técnicos são unânimes em dizer que não há mais tempo de fazer nada além de preparar um esquema de retirada das famílias de áreas de risco em caso de chuva forte. “As primeiras habitações só ficarão prontas no verão de 2013. Fizemos análises de investimentos e concluímos que não foi investido quase nada em Defesa Civil e contenção de encostas”, afirma o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB), presidente da CPI da Região Serrana. Ele aponta para o caos político da região, onde dois prefeitos, o de Nova Friburgo e o de Teresópolis, foram cassados, entre outros motivos, por desvios de verbas emergenciais. Mas pontua que falta organização ao governo estadual. “A CPI não achou informações centralizadas sobre o que está sendo feito. As demandas caíram na rotina das secretárias. O ideal era que a operação toda ficasse em um centro”. Um secretário municipal da Região Serrana que cuida da interface com o governo estadual nos projetos de reconstrução conversou longamente com a reportagem, mas pediu que seu nome fosse preservado. Ele concorda com a avaliação do presidente da CPI e vai além. “Além de o processo estar dividido em muitas secretarias, o estado não divide responsabilidades com as prefeituras. O governador não abre mão do poder político das obras. Ocorre que a máquina

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do estado é paquidérmica”. Ele cita um exemplo. “Colocaram duas dragas e três caminhões para fazer a dragagem em um trecho de rio, mas mandaram despejar a terra a 30 quilômetros de distância. Resultado: os caminhões são enchidos rapidamente e demoram horas para ir, despejar a terra e voltar. As dragas ficam paradas quase o dia inteiro. O cara que tomou essa decisão está no Rio de Janeiro e não conhece a região”. Ele diz, ainda, que ficará feliz se o estado conseguir construir 380 das 1,5 mil casas prometidas na sua cidade até 2013. Detalhe: todos os prefeitos da Região Serrana são aliados do governador Sérgio Cabral. [...] Pelo ralo Além da lentidão do governo estadual, as cidades da Região Serrana sofrem com o caos político local. Grande parte dos recursos enviados pelo governo federal para ajudar na reconstrução das cidades escorreu pelo ralo da mais mesquinha corrupção. Relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União apontaram irregularidades em contratos sem licitação assinados pelas prefeituras e governo do estado. Em Nova Friburgo, nada menos que R$ 10 milhões enviados de Brasília evaporaram. O Ministério Público Federal instaurou dez inquéritos civis públicos na cidade. Em Teresópolis, o MP revelou um esquema entre empreiteiras e autoridades, que cobrava até 50% de propina na execução de obras. Em Nova Friburgo, o TCU mostrou que a prestação de contas enviada pela prefeitura estava cheio de buracos. Nenhuma das prefeituras das cidades atingidas conseguiu fazer uma prestação de contas decente. O Ministério da Integração Nacional enviou R$ 30 milhões para serem divididos entre os municípios. [...] Antes de deixar a Região Serrana, assisti a uma reunião da CPI municipal das chuvas na Câmara dos Vereadores de Nova Friburgo. Apenas sete pessoas, entre elas quatro jornalistas locais, acompanhavam o depoimento do secretário José Ricardo Carvalho. Sentado ao lado de seu advogado, ele tentava convencer os vereadores da mesa diretora que o dinheiro desapareceu por causa do caos da chuva. “As circunstâncias eram muito precárias. Havia dificuldade na oferta de serviço. Não era todo mundo que tinha confiança de receber ou queria arriscar seus equipamentos. Não havia internet. Quando a equipe dizia que a empresa era idônea, eu assinava”. À medida que as perguntas se tornaram mais específicas e passaram a citar nominalmente contratos, valores e erros de procedimento, o advogado passou a bater boca com os depoentes. Formou-se então um grande teatro. Enquanto isso, assessores observavam pela janela a chuva que caía cada vez mais forte... (In: http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9660/, acesso em 31 de maio de 2012) Por Pedro Venceslau [12.01.2012 14h15]

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TEXTO  12:  Um  ano  após  a  tragédia,  o  medo  de  novas  chuvas  Um  dos  laços  culturais  mais  fortes  a  unir  o  Brasil  e  a  Suíça,  a  bela  Nova  Friburgo,  no  Rio  de  Janeiro,  atravessa  momentos  de  tristeza  pela  proximidade  de  uma  data  que  ninguém  na  cidade  gosta  de  lembrar.    Em 12 de janeiro, se completará um ano da tragédia, causada pelas fortes chuvas de verão, que custou a vida de 918 pessoas (além de 215 desaparecidos) em sete municípios da Região Serrana do Rio, fazendo a metade dessas vítimas em Nova Friburgo. Apreensiva, a população friburguense vê a volta das chuvas fortes, acompanhada da constatação de que quase nada foi feito pelo poder público para evitar novos deslizamentos e enchentes nos inúmeros pontos vulneráveis da cidade. Após passar a noite de Ano-Novo sob chuva fina, Nova Friburgo reviveu o pesadelo durante a madrugada do dia 2 de janeiro, quando as pancadas de chuva e a elevação das águas de alguns rios que cortam a cidade fizeram soar sirenes de alarme em 14 bairros, o que acabou gerando algum pânico entre a população. Segundo o serviço meteorológico, naquele dia choveu em 24 horas cerca de 100 milímetros, ultrapassando o limite de segurança previamente estabelecido pela Defesa Civil. Não houve vítima na cidade, mas foram registrados pequenos deslizamentos de terra nas localidades de Mury, Braunes e Campo do Coelho. A Praça do Suspiro, principal ponto turístico de Nova Friburgo e que sequer havia sido restaurada, voltou a sofrer deslizamentos, tornando-se símbolo da difícil situação em que se encontra a cidade. Quase totalmente destruído pela força das águas e das rochas trazidas pela enxurrada há um ano, o bairro de Córrego D’Antas viu o rio Bengalas transbordar novamente e assustar a população: “Quando chove, ninguém dorme”, disse a costureira Maria da Penha de Souza, em imagem captada pelas câmeras de televisão. A preocupação dos moradores é grande, pois no último dia 19 de dezembro uma forte pancada de chuva fez o rio subir, invadir algumas casas e, para desespero de muitos, arrastar a ponte que, improvisada há um ano, serve como único ponto de contato entre Córrego D’Antas e o resto do mundo. Somente após esse incidente, a Defesa Civil anunciou a construção de uma ponte definitiva no local. É em Córrego D’Antas que a Associação Fribourg-Nova Friburgo, que administra a aplicação de parte dos donativos oferecidos pela Suíça à cidade brasileira, toca o projeto de construção de uma creche.

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Diretor cultural da Casa Suíça de Nova Friburgo, Maurício Pinheiro, relata o ambiente na cidade: “As pessoas estão com medo, principalmente aqueles que moram em áreas de risco. Medo da chuva, medo dos deslizamentos, medo de ter medo. Esse assunto está sempre presente, mesmo nos momentos de lazer. O problema maior é que mesmo as chuvas moderadas são capazes de inundar as ruas, uma vez que as galerias continuam obstruídas e os rios assoreados em diversos pontos”. A volta das chuvas de verão e dos riscos de nova tragédia tornou evidente a morosidade na reconstrução das cidades da Região Serrana do Rio. O governador Sérgio Cabral foi o primeiro a reconhecer o atraso: “Ainda temos uma tarefa gigantesca pela frente, e essa recuperação não se conclui em um ano”, disse. O prefeito em exercício de Nova Friburgo, Sérgio Xavier, afirma que seu antecessor - Demerval Barbosa Neto, afastado em novembro por decisão da Justiça - iniciou apenas 40% das obras necessárias à recuperação da cidade. Demerval foi afastado do cargo por sonegar ao Ministério Público informações no inquérito que investiga o desvio das verbas destinadas pelo governo federal à recuperação de Nova Friburgo. (In: http://www.swissinfo.ch/por/especiais/Tragedia_e_reconstrucao_na_Regiao_Serrana/Um_ano_apos_a_tragedia,_o_medo_de_novas_chuvas.html?cid=31922378, acesso em 31 de maio de 2012) : 01. Fevereiro 2012 - 10:08Por Maurício Thuswohl, swissinfo.ch  1.  O   título  do   texto   I   trata  dos   “esquecidos  da  Região  Serrana”.  IDENTIFIQUE   as   expressões   que,   nos   dois   primeiros   parágrafos,  representam  esses  “esquecidos”.    2.   Ainda   nessa   primeira   parte   da   matéria,   o   autor   utiliza   cinco  expressões   para   se   referir   ao   que   aconteceu,   em   janeiro,   na  Região  Serrana  do  Rio  de  Janeiro.      a)  IDENTIFIQUE  essas  expressões.  b)  Que  ideia  é  reforçada  por  meio  dessas  escolhas  lexicais?    3.   Observe   as   expressões   abaixo,   utilizadas   no   texto   I   para   se  referir  a  diferentes  personagens  que  sofreram  com  as  chuvas  da  

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Região   Serrana   (todas   as   expressões   encontram-­‐se   no   segundo  parágrafo   da   segunda   parte   da  matéria,   “Vocês   estão  medindo  minha  casa  pela  metade”).      Moradores   –   donos   de   haras   –   familiares   do   economista   Erik  Conolly  de  Carvalho  –  o  grupo  –  Moradora  da  região  desde  que  nasceu.    a)  SEPARE  essas  personagens  em  dois  grupos,  tendo  em  vista  sua  denominação.    b)   De   que   modo   a   diferença   na   denominação   dessas   pessoas  reforça  a  ideia  de  desigualdade  que  há  entre  elas?  c)   IDENTIFIQUE   a   expressão,   presente   na   fala   da   moradora  Edilma   Vieira,   que   reforça   ainda   mais   essa   situação   de  desigualdade.    4.   A   Revista   Fórum,   periódico   de   onde   o   texto   I   foi   retirado,  caracteriza-­‐se   por   buscar   “uma   visão   de   mundo   diferente   da  presente   nos   grandes  meios   de   comunicação”.  RELEIA   o   trecho  transcrito  a  seguir  e  EXPLIQUE  de  que  modo  as  escolhas  lexicais  do  texto  deixam  subentendida  uma  crítica  à  imprensa  tradicional.    “Entre   as   muitas   mortes   que   ocorreram   ali,   as   que   mais  comoveram   a   opinião   pública   foram   oito   familiares   do  economista  Erik  Conolly  de  Carvalho,  executivo  do  Icatu.”    5.  No  terceiro  parágrafo  da  segunda  parte  do  texto  I,  o  jornalista  afirma   que   Fonseca   não   sabe   quando   vai   receber   uma   “casa  nova”.      a)   IDENTIFIQUE   a   expressão   que,   na   continuidade   desse  parágrafo,  substitui  o  referente  “casa  nova”.  b)  Ao  fazer  essa  substituição,  qual  ideia  se  está  defendendo?    

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6.  Observe  a  descrição  que  é  feita  da  promessa  de  Sérgio  Cabral  ainda  neste  terceiro  parágrafo:    “Assim   como   todos   os   presentes   na   hora   da   inspeção,   Fonseca  não   tem   ideia   de   quando,   ou   mesmo   se   vai   receber   uma   casa  nova  ou  indenização  do  governo,  como  foi  prometido  com  pompa  e   circunstância   pelo   governador   Sérgio   Cabral   no   calor   dos  acontecimentos.”    a)   Pode-­‐se   dizer   que,   no   trecho   sublinhado,   a   descrição   foi  utilizada   em   função   de   uma   argumentação,   ou   seja,   manifesta  um   ponto   de   vista?   JUSTIFIQUE   sua   resposta   com   base   nas  escolhas  lexicais  do  autor.  b)   IDENTIFIQUE  a  expressão  que,  no  trecho  transcrito,   refere-­‐se  ao   período   da   tragédia   e     EXPLIQUE   como   ela   manifesta   um  ponto  de  vista  do  texto.    7.  Luiz  Paulo  Correa  e  um  secretário  municipal  da  Região  Serrana  foram  ouvidos  pelo  jornalista  do  texto  I.  Embora  ambos  apontem  para  o  caos  político  da  região,  o  secretário  municipal  é  bem  mais  enfático  em  suas  críticas.      a)  Se  Luiz  Paulo  Correa  quisesse  ser  mais   incisivo  em  sua  crítica,  por   que   outro   referente   ele   poderia   substituir   a   expressão  “demandas”  em  “As  demandas  caíram  na  rotina  das  secretárias”.  b)   IDENTIFIQUE   o   referente   utilizado   pelo   secretário   para   se  referir  à  pessoa  que  criou  a  estratégia  para  fazer  a  dragagem  em  um  trecho  de  um  rio.  Ao  ler  essa  expressão,  que  imagem  o  leitor  cria  dessa  pessoa?    c)   O   secretário   municipal   também   descreve   a   “máquina   do  estado”.  Pode-­‐se  dizer  que  essa  descrição  foi  utilizada  em  função  de   uma   argumentação,   ou   seja,   manifesta   um   ponto   de   vista?  JUSTIFIQUE  sua  resposta  com  base  nas  escolhas  lexicais.    

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8.  No  último  parágrafo  do   texto   I,  o   jornalista   trata  da  “reunião  da  CPI  municipal  das  chuvas”.      a)   IDENTIFIQUE   a   expressão   que,   na   continuidade   desse  parágrafo,   substitui   o   referente   “reunião   da   CPI   municipal   das  chuvas”.  b)   Ao   fazer   essa   substituição,   que   ideia   o   jornalista   está  defendendo?    9.  No  último  parágrafo  do  texto  I,  o  jornalista  é  bastante  irônico.  EXPLIQUE  o  porquê  dessa  ironia.      10.  Compare  os  trechos  a  seguir  que  tratam  de  um  mesmo  ponto  turístico  de  Friburgo:    “Na   Praça   do   Suspiro,   o   teleférico,   que   era   a   grande   atração  turística  do  local,  está  do  mesmo  jeito  que  estava  em  12  janeiro.  As   cadeiras   ainda   estão   lá,   como   em   um   trem   fantasma  abandonado.”  (Texto  I)  “A  Praça  do  Suspiro,  principal  ponto  turístico  de  Nova  Friburgo  e  que  sequer  havia  sido  restaurada,  voltou  a  sofrer  deslizamentos,  tornando-­‐se   símbolo   da   difícil   situação   em   que   se   encontra   a  cidade.”  (Texto  II)    a)   IDENTIFIQUE   o   elemento   que,   no   texto   I,   refere-­‐se   ao  teleférico   e   o   elemento   que,   no   texto   II,   refere-­‐se   à   Praça   do  Suspiro.  b)   Tendo   em   vista   sua   resposta   à   questão   anterior   (11a),  DIFERENCIE   os   dois   textos   no   que   diz   respeito   à   linguagem  utilizada  para  criticar  a  situação  da  Região  Serrana  hoje.    12.  Observe  o  trecho  a  seguir,  retirado  do  texto  II:  “Medo  da  chuva,  medo  dos  deslizamentos,  medo  de  ter  medo.”  

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Sabe-­‐se   que,   com   vistas   à   redação   de   um   texto  mais   elegante,  costumam-­‐se   evitar   repetições   de   vocábulos.   Entretanto,   há  casos   em   que   tais   repetições   são   legítimas,   como   no   trecho  acima.  EXPLIQUE  qual  é  o  sentido  da  recorrência  do  substantivo  “medo”  no  período.    TEXTO  13:  FÚRIA  CLIMÁTICA:  Tragédia  no  RJ  coloca  o  Brasil  no  mapa-­‐múndi  das  catástrofes  Calamidade  natural  na  região  serrana  do  Rio  foi  o  terceiro  maior  desastre  em  número  de  mortes  no  ano  passado,  segundo  a  ONU    As inundações e os deslizamentos de terra na região serrana do Rio de Janeiro, que vitimaram pelo menos 900 pessoas no verão de 2011, colocaram o Brasil em posição de destaque mundial nas estatísticas de tragédias climáticas. O episódio foi o terceiro maior desastre natural em número de mortes entre os registrados no ano passado, ficando atrás apenas do terremoto seguido de tsunami no Japão, que totalizou 19.846 mortes em março, e das tempestades tropicais nas Filipinas em dezembro, com 1.430 mortes. Os dados fazem parte de um levantamento da Estratégia Internacional para Redução de Desastres, órgão das Nações Unidas, e do Centro de Investigação sobre a Epidemiologia dos Desastres. O mapeamento divulgado em janeiro mostrou que 302 desastres naturais foram registrados em 2011 no mundo, provocando a morte de 29.782 pessoas e afetando 206 milhões. A quantidade de desastres é inferior à de 2010, que teve 373 ocorrências. Apesar dessa queda, a tendência observada nos últimos 20 anos é de crescimento, analisa o diretor do Centro de Apoio Científico em Desastres da Universidade Federal do Paraná, Renato Eugênio de Lima. Ele aponta que, a médio prazo, existem países que vêm contabilizando cada vez mais prejuízos e vítimas, entre eles o Brasil. “Começamos a aparecer [na lista de países com mais mortes] há cerca de três a quatro anos. Agora, existe a necessidade de esforço nacional para reverter essa tendência”, diz. A tragédia no Rio é considerada a maior da história brasileira. No ano passado, o Brasil reportou seis desastres naturais significativos, ficando na nona posição entre os países com mais ocorrências, de acordo com o levantamento. Preparo O estudo destaca que países com renda média e alta registraram grandes catástrofes, apesar de terem mais recursos para melhorar os sistemas de

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prevenção. O Brasil, por exemplo, gasta 8,5 vezes mais em reconstrução do que em prevenção, de acordo com um levantamento da ONG Contas Abertas. Falta no país um planejamento urbano para o crescimento ordenado das cidades, observa o professor de Geografia da Pon-tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Marcelo Motta. “As chuvas torrenciais são o único problema natural no Brasil e nós não sabemos lidar com ele”, afirma, lembrando que o país está livre de outros desastres como terremotos, vulcões e furacões. Para o engenheiro florestal e advogado Paulo de Tarso Lara Pires, pós-doutorando em Direito Ambiental e Desastres Naturais na Universidade de Berkeley, a população brasileira vem sofrendo com desastres naturais considerados de fácil solução, mas de grande impacto. Ele aponta que o Brasil começa a se preparar, mas sem uma política clara de prevenção. “No caso do Brasil, quanto maior o investimento público em obras de prevenção e quanto mais preparada estiver a população, menores serão os riscos de que esses eventos se transformem em desastres naturais.” 04/02/2012 Bruna Maestri Walter http://www.jornaldelondrina.com.br/online/conteudo.phtml?id=1220164 TEXTO  14:  Após  um  ano,  mais  de  200  continuam  desaparecidos  na  serra  do  Rio    Ainda restam 215 pessoas desaparecidas desde as fortes chuvas que causaram enchentes e desabamentos em diversos municípios da região serrana do Rio de Janeiro há exatamente um ano, deixando mais de 900 mortos confirmados. Atualizados no início de janeiro, os números do PIV (Programa de Identificação de Vítimas) indicam que 137 pessoas ainda estão desaparecidas no município de Teresópolis, enquanto Nova Friburgo tem 44, Petrópolis 18 e Sumidouro uma; outros 15 desaparecidos não tiveram a localidade informada. O Programa de Identificação de Vítimas faz parte de outro mais amplo, o Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos), mantido em parceria entre o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e a Polícia Civil, e que conta com a colaboração de outros órgãos públicos, como a Defesa Civil, o Detran e o Corpo de Bombeiros. A ação do programa consiste em identificar as pessoas cujo desaparecimento foi comunicado por parentes. Segundo o coordenador do Plid, o promotor de Justiça Pedro Borges, foram feitas 698 comunicações relacionadas à tragédia na serra fluminense. No caso de Teresópolis, onde comunidades inteiras foram dizimadas pela enxurrada de lama e pedras, acredita-se que vários corpos ainda estejam soterrados pelos escombros. Moradores afirmam que ossos humanos são

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encontrados semanalmente por funcionários que trabalham em obras de reparação. Técnicas de identificação A identificação das vítimas é feita basicamente por meio de três técnicas: a papiloscopia (recolhimento de impressões digitais), exames de arcada dentária e verificação de DNA. O coordenador do Plid afirma que, para a identificação por meio de digitais, a maior dificuldade é a decomposição dos corpos e os danos causados a eles pelos desmoronamentos. Já o exame de arcada dentária é dificultado, segundo ele, pelo fato de muitas vítimas serem de baixa renda e não terem prontuário odontológico registrado em dentistas. Para a identificação por DNA, segundo Borges, a maior dificuldade decorre do deterioramento dos restos mortais encontrados sob a lama e os escombros, que gera a contaminação das amostras, prejudicando a análise. Além disso, de acordo com o promotor, a dificuldade em fazer a identificação por DNA é maior de acordo com o grau de parentesco da pessoa que busca com a vítima encontrada. Se a relação for direta, como de mãe e filho, o trabalho é mais rápido do que se os restos mortais forem de um familiar mais distante. Segundo o coordenador do Plid, 110 mortos cujo desaparecimento foi comunicado por parentes foram identificados por meio de exame papiloscópico. Já o exame de arcada dentária permitiu a identificação de apenas duas vítimas, enquanto 35 foram identificadas por meio de material genético. Até janeiro deste ano, 342 pessoas cujo desaparecimento foi comunicado foram encontradas com vida em seis municípios da serra fluminense. Esperança Àqueles que desejam pelo menos encontrar os restos de seus familiares, a fim de realizar um sepultamento, o promotor pede que mantenham as esperanças. "A Operação Serra (nome dado aos esforços para identificação das vítimas das enchentes de 2011) só será encerrada quando zerarmos o número de comunicações de desaparecidos", diz. Borges diz que, mesmo um ano após a tragédia, muitas pessoas ainda são localizadas com vida, por vários motivos. Um deles é o fato de que o reaparecimento de diversos moradores dados como desaparecidos - que somente estavam incomunicáveis durante as chuvas - acabou não sendo relatado às autoridades. "Já nessa semana houve o caso de uma pessoa que deixou sua família no período exato da tragédia. Assim, o que parecia um desaparecimento devido à chuva tratava-se tão somente de um abandono de lar", afirma o promotor.

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"Ou seja, este é um universo variado. Nada pode ser presumido, tudo tem de ser esgotado." Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/bbc/1033328-apos-um-ano-mais-de-200-continuam-desaparecidos-na-serra-do-rio.shtml 12/01/2012 - 09h05 DA BBC BRASIL  1.   Os   dois   textos   acima,   embora   tratem   do   mesmo   assunto,  focalizam   aspectos   distintos.   Qual   é   o   foco   de   cada   um   dos  textos?    2.  A  tragédia    à  qual  o  primeiro  texto  se  refere  diz  respeito  a  um  acontecimento   recente,   ocorrido  há  poucos  dias?   Justifique   sua  resposta   destacando   trechos   que   mostrem   o   momento   da  tragédia.    3.  Localize,  no  terceiro  parágrafo  do  primeiro  texto,  um  pronome  pessoal   empregado   para   retomar   um   referente,   identificando  esse  referente.      4.   As   palavras   “tragédia”,   “calamidade”,   “catástrofe”   e  “desastre”,   entre  outras,   aparecem  com   frequência  no  primeiro  texto.   Explique   como   o   emprego   desses   termos   pode   ajudar   o  leitor   a   compreender   a   opinião   expressa   no   texto   sobre   o   que  houve  na  região  serrana  do  Rio  de  Janeiro.    5.   O   segundo   texto,   assim   como   o   primeiro,   fala   de  acontecimentos  ocorridos  na  “região  serrana  do  Rio  de  Janeiro”.  Supondo  que  você  não  conhece  o  Rio  e  que  não  acompanhou  as  notícias   na   época   em   que   ocorreram   os   episódios,   é   possível  identificar  essa  “região”  por  meio  da  leitura  do  texto?  Explique.    

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7.  No  sétimo  parágrafo  do  texto  2,  o  termo  “três  técnicas”  aponta  para  qual   referente?   É   possível   dizer   que   esse   termo  encapsula  (resume)  o  referente?  Por  quê?      8.  Na  última  parte  do  segundo  texto,  a  que  ESPERANÇA  o  autor  se  refere?    9.   Que   diferença   há   entre   o   emprego   das   palavras   “pessoas”   e  “vítimas”  ao  longo  do  texto?    10.  Aponte,  no   segundo   texto,   alguns  adjetivos  que   contribuem  para   compreender   o   ponto   de   vista   do   texto   sobre   os  acontecimentos  noticiados.      TEXTO  15:  Tragédia  na  Serra  Em   2011,   as   chuvas   impiedosas   causaram   destruição   na   região  serrana   do   Rio   de   Janeiro   e   geraram   imagens   que   ficarão   para  sempre  na  memória  do  país.  Um  ano  e  muitas  promessas  depois,  a  situação  de  risco  insiste  em  permanecer.    O ano passou rápido. As imagens ficaram na cabeça. Foi em fevereiro de 2011. Subimos a região serrana do Rio de Janeiro em um dia nublado. Ligamos o rádio e os locutores só falavam naquilo: um temporal destruiu bairros inteiros, bombeiros procuram os mortos. O clima de emergência estava no ar. Helicópteros mergulhavam e saíam das nuvens em missão de resgate. Carros de polícia, caminhões carregados de água mineral, barreiras caídas – o clima era de desastre. Mas ninguém poderia imaginar o tamanho do desastre: 894 mortos, ruas riscadas do mapa, famílias desfeitas e, no ar, o cheiro dos destroços molhados e dos corpos esperando enterro em morgues improvisados. Como foi possível tudo isso? Por que não estávamos preparados? Quais lições vamos aprender com a tragédia? As perguntas se sucediam, mas não era um bom momento para elas. À medida que subia para o ponto mais atingido de Teresópolis – o bairro de Campo Grande –, eu cruzava com as famílias batendo em retirada, com as

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poucas coisas que salvaram, cachorros e gatos de estimação. Carregavam o que podiam, inclusive a angústia de escolher o que salvar. Abraçada a um poodle, a mulher o mostrava orgulhosamente. Mas a voz do marido, alguns metros atrás, era implacável: “O cachorro que estava velho e cego você deixou para trás.” Naqueles primeiros momentos, ainda havia o risco de novas chuvas. Só usavam máscaras os parentes que iam reconhecer corpos, os funcionários e os voluntários no IML. Um caminhão frigorífico de uma peixaria foi colocado na porta para recolher os corpos excedentes. Nem todos os moradores isolados estavam a salvo. Às vezes, o mau tempo mantinha os helicópteros no solo. Equipes de TV encontraram uma grávida em trabalho de parto. E a trouxeram, perguntando com insistência, ao microfone, se estava se sentindo bem, se era menino ou menina. Mas nem todos foram ajudados. Um homem retirou o corpo do próprio filho dos escombros, conservou-o em uma geladeira, improvisou um caixão e o enterrou. Havia, então, dois obstáculos: os novos temporais e os boatos sobre arrastões e rompimento de represas que não ocorreram. Em Friburgo, um repórter de TV perguntava às autoridades o que fazer: “Fugir ou subir no prédio mais alto?” A resposta: “Não sabemos, pode ser que os prédios desabem também”. Mas o medo real era de um novo temporal. Alcancei para o bairro de Campo Grande, quando todos o abandonavam, e passei algumas horas examinando os escombros. No caminho, vi carros cobertos de lama, piscinas invadidas pelo barro, portões soltos na rua, uma igreja isolada pelos escombros. Mas o que impressionava era olhar para cima e ver a quantidade e o tamanho das pedras que rolaram da montanha. Cheguei andando ao bairro destruído. Nosso Gol ficou no caminho, incapaz de vencer os obstáculos – pedras, buracos, inundações. Lá em cima, vi algo parecido com o fim do mundo. Não havia quase nada em pé. O interior das casas estava revirado. Algumas pessoas vasculhavam os escombros. As nuvens tornaram-se ameaçadoras e os helicópteros passavam apressados. Alguém disse: “Olha a chuva aí!”. Com a chuva batendo forte, descemos rapidamente. Voltaria muitas vezes, ao longo do ano para entender o que passou e o que estava sendo feito para atenuar a dor daquelas pessoas. Era uma promessa. Fonte: http://www.rollingstone.com.br/edicao/edicao-65/tragedia-na-serra Ed. 65, Fev./2012, FERNANDO GABEIRA  1)   Ligamos   o   rádio   e   os   locutores   só   falavam   naquilo:   um  temporal   destruiu   bairros   inteiros,   bombeiros   procuram   os  mortos.  (1º  parágrafo)  

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Embora  o  pronome  demonstrativo  “aquilo”,  no  que  diz  respeito  à  coesão   textual,   seja   frequentemente   utilizado   para   retomar   um  referente,  no  caso  acima,  seu  uso  foi  diferente.  Indique  a  que  ele  se  refere  no  texto,  explicitando  também  sua  referência  temporal.  No   texto,   o   pronome   “naquilo”   faz   referência   a   algo   posterior:  “um   temporal  destruiu  bairros   inteiros,  bombeiros  procuram  os  mortos.”   Sua   referência   temporal   revela   uma   lembrança   do  autor,  ou  seja,  um  passado  distante,  nesse  caso,  o  ano  anterior.    2)  Ao  empregar  a  palavra  “desastre”,  no  final  do  1º  parágrafo,  o  autor  resume  subjetivamente  o  que  viu  em  fevereiro  de  2011  na  região   serrana   do   Rio   de   Janeiro.   O   que   ele   considera   como  “desastre”?  Ele  caracteriza  como  desastre  um  temporal  que  atingiu  a  região  serrana   do   Rio   de   Janeiro   e   destruiu   bairros   inteiros,   a  necessidade  de  busca  de  sobreviventes  por  parte  dos  bombeiros,  da  polícia  e  de  helicópteros  e  a  queda  de  barreiras.    3)  Como  foi  possível  tudo  isso?  A  pergunta  acima,  feita  por  Fernando  Gabeira  no  2º  parágrafo  do  texto,   revela   o   espanto   do   autor   diante   da   gravidade   do  problema.   Que   expressão   foi   usada   na   pergunta   que   gera   esse  efeito?  Indique  a  que  ela  faz  referência.    A  expressão  “tudo  isso”,  pois  ao  questionar  sobre  a  possibilidade  de   “tudo   isso”   ter   ocorrido,   o   autor   faz   referência   à   grande  tragédia   que   houve,   seu   elevado   número   de   mortos   e   à  modificação   do   mapa   da   cidade   devido   à   atual   inexistência   de  certas  ruas.      4)   No   5º   parágrafo,   fala-­‐se   de   dois   obstáculos:   os   novos  temporais  e  os  boatos  sobre  arrastões  e  rompimento  de  represas  que  não  ocorreram.  

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Por  que  foram  utilizados  artigos  definidos  para  determinar  essas  dificuldades  se  era  a  primeira  vez  que  apareciam  no  texto?  Porque   o   referente   já   era   conhecido   pelo   leitor   por   meio   da  expressão  “obstáculos”,  citado  anteriormente.    5)  Podemos  entender  como  encapsuladores   termos  de  natureza  nominal   e,   às   vezes,   subjetiva   que   resumem   indiretamente  informações  do  texto  e  do  contexto.  Assim,  analisando  o  último  parágrafo  do  texto,  complete  o  quadro  abaixo  com  um  exemplo  retirado  dessa  parte  do  texto  para  cada  coluna.        Termo  encapsulador   Referência  textual  retomada      promessa    

 Voltaria  muitas  vezes,  ao  longo  do   ano   para   entender   o   que  passou   e   o   que   estava   sendo  feito   para   atenuar   a   dor  daquelas  pessoas.  

   6)  A  assinatura  da  autoria  do  texto  por  Fernando  Gabeira  atribui  

pessoalidade   e   subjetividade   à   descrição.   Identifique   elementos  

que  comprovem  a  afirmativa.  

 

7)   Identifique   no   primeiro   parágrafo   os   elementos   textuais   que  

criam  o  campo  semântico  de  guerra  e  o  cenário  apocalíptico  para  

a  referida  tragédia.  

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8)   No   trecho   abaixo,   os   termos   separados   por   colchetes   têm  funções   diferentes   em   relação   ao   mesmo   conteúdo.   Explique  quais   são   essas   funções   que   fazem   os   termos   serem  relacionados.    "Mas   ninguém  poderia   imaginar   o   tamanho   do   [desastre]:   [894  mortos,   ruas   riscadas   do   mapa,   famílias   desfeitas   e,   no   ar,   o  cheiro  dos  destroços  molhados  e  dos  corpos  esperando  enterro  em   morgues   improvisados.]   Como   foi   possível   tudo   [isso]?   Por  que   não   estávamos   preparados?   Quais   lições   vamos   aprender  com  a  tragédia?  As  perguntas  se  sucediam,  mas  não  era  um  bom  momento  para  elas."    9)   O   texto   promove   uma   mudança   de   tratamento   sobre   o  

assunto:  de  início,  o  que  houve  é  tratado  como  tragédia;  depois,  

passa-­‐se   a   problematizá-­‐lo   como   consequência   de   má  

administração.   Como   os   referentes   “culpa”,   ‘mecanismos”,  

“solução”  contribuem  para  essa  formação  de  sentido?  

 TEXTO  16:  Tragédia  no  Rio:  abandono  já  dura  um  ano    CALAMIDADE Em janeiro de 2011, região serrana foi palco de uma tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados. Até hoje, novas casas e sistema de prevenção contra chuvas prometidos não foram entregues Somente parte das promessas foi cumprida: Reconstrução de pontes Das 75 prometidas, apenas uma foi entregue, sendo aberta ao tráfego semana passada, ainda em obras. Parques fluviais Importantes para impedir a ocupação das margens de rios, eles ainda não saíram do papel.

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Centro operacional O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais foi criado no fim de 2011, mas apenas 56 dos 251 municípios de alto risco de desastres naturais do país contam com análise e mapeamento de riscos. Sirenes e pluviômetros O sistema de alerta foi instalado em 50 comunidades da Serra. Chegou a ser acionado durante as chuvas do início deste mês, mas precisa ser ampliado. Radares meteorológicos Anunciados, eles só devem chegar em março de 2013. Obras Contenções não estão prontas Um ano após os temporais provocarem 777 deslizamentos em sete municípios da região serrana, fluminense a maioria dos pontos não recebeu obras de contenção. O subsecretário de Interior do governo do estado, Affonso Monnerat, estimou que R$ 1 bilhão ainda terão de ser gastos nas encostas para torná-las seguras. Ele não incluiu os investimentos para recuperar áreas consideradas de menor risco, por estarem em locais isolados. Na conta também estão fora os R$ 147 milhões que estão sendo investidos em 30 pontos considerados prioritários. As primeiras obras acabam este mês em Petrópolis, mas a maioria deve prosseguir até março. As obras se limitaram às cidades maiores. Os 30 pontos estão em Friburgo (8), Teresópolis (12) e Petrópolis (10). Sumidouro, Bom Jardim, Areal e São José do Vale do Rio Preto, que somaram quase 200 deslizamentos, ainda esperam recursos. Em vistoria feita na região, porém, o CREA só encontrou oito pontos em obras. Um ano depois da tragédia que deixou 918 mortos e 8,9 mil desabrigados na região serrana do Rio, o estado ainda não conseguiu entregar nenhuma das cerca de 5 mil casas prometidas para as vítimas das chuvas. De acordo com a secretaria de Obras, as primeiras unidades só deverão ser concluídas a partir de março. Mas a maioria delas só ficará pronta em 2013. Vice-governador e coordenador de infraestrutura do estado, Luiz Fernando Pezão culpou a burocracia e a falta de interesse dos empresários pela demora: “Ali você não tem uma área abundante, plana, segura para construções. Ou você está na encosta ou na beira do rio. Isso dificulta muito. Áreas para as quais conseguimos viabilizar o processo de desapropriação acabaram descartadas pelo Ministério do Meio Am--biente. Então é difícil colocar estas pessoas de novo em um lugar que não tenha problemas.” Para mitigar o problema, o governo prometeu pagar aluguel social a 7.372 famílias até o fim de 2012. No entanto, muitas das famílias beneficiadas voltaram para as casas interditadas pela Defesa Civil — por estarem em áreas de risco — após as chuvas de 12 de janeiro de 2011. Outros permanecem em

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locais improvisados. É o caso das 35 pessoas que invadiram um canteiro de obras onde seria construído um hospital, em Sumidouro. Ou das famílias que permanecem, desde fevereiro de 2011, num ambulatório transformado em abrigo em Nova Friburgo. O abrigo tem hoje oito famílias remanescentes da chuva de janeiro de 2011 instaladas em consultórios médicos transformados em quartos. São 36 pessoas, sendo 16 crianças e 12 adolescentes. O secretário municipal de Ação Social, Josué Ebenézer, diz que quatro delas recebem o aluguel social há alguns meses. E que as outras devem passar a receber o benefício este mês, um ano depois da tragédia. O secretário estadual de Obras, Hudson Braga, sustenta que o estado deve entregar, até março, 96 unidades habitacionais em Nova Friburgo. Segundo ele, as casas já estavam sendo construídas antes da tragédia e serão compradas pelo estado. Todas as outras, no entanto, só devem ser entregues a partir do fim do ano. Segundo a secretaria, está em andamento, no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, a contratação de 5.459 unidades habitacionais e comerciais, com investimento de R$ 452,6 mi--lhões. As primeiras 2.166 começam a ser construídas este mês, segundo o governo. “Enfrentamos dificuldades para encontrar áreas e levantar se essas áreas são seguras. Uma das que identificamos como adequada foi avaliada em R$ 2 milhões, mas o proprietário acabou pedindo R$ 10 milhões”, conta Hudson. Outro problema, segundo o secretário, é o custo das construções. Ele diz que foram feitas sete convocações, pelas regras da Caixa, para a apresentação de propostas, uma por município, envolvendo 14 terrenos. Mas só cinco entregaram propostas: duas para Teresópolis, uma para Friburgo, uma para São José do Vale do Rio Preto e uma para Bom Jardim. Fonte: Do jornal Gazeta do Povo, do Paraná. Texto publicado em 13/01/2012.  1)   A   estruturação   do   texto   jornalístico   permite   atribuições   de  

valor,   além   de   adiantar   o   assunto   tratado   para   o   leitor.  

Identifique   o   primeiro   elemento   estrutural   “da   página”   que  

realiza  essa  função  e  qual  a  ideia  introduzida.  (aba  da  página)  

 

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2)   No   lead   da   matéria,   qual   a   relação   entre   o   elemento  

sublinhado   e   a   referência   mais   presente   para   o   ocorrido   na  

região  serrana?  

 

3)  De  que  maneira  os  elementos  sublinhados  no  texto  constroem  

a  ideia  de  que  o  ocorrido  teve  como  agente  a  natureza?  

 

 

Texto   17:  Os   jornalões   como   cúmplices   da   tragédia   no   Rio   de  Janeiro  No momento em que este post é escrito, o número de mortos nas enchentes e deslizamentos no Rio de Janeiro já chegam quase a três centenas. Parece apenas um número, mas são famílias destroçadas, vidas reais que acabam de uma hora para a outra e que causam sofrimentos múltiplos e intensos, muito mais fortes do que os números são capazes de dizer. Tragédias como essas se repetem. Nos dias anteriores aos acontecimentos do Rio, fora São Paulo quem sofrera com problemas semelhantes. No início de 2010 foi a mesma coisa. Durante o último ano as enchentes se repetiram em São Paulo. No Alagoas, também. Todos os Estados brasileiros enfrentam, em medidas, níveis e momentos diferentes, esse tipo de dificuldade. E, tragédia após tragédia, os diversos governos se dizem surpresos com a intensidade das chuvas, culpam a população por jogar lixo nas ruas, culpam, literalmente, deus e o mundo. E a mídia tradicional vai no mesmo embalo. Dependendo do governo e do momento político, as causas estruturais dos problemas são ignoradas. A responsabilidade do Estado é omitida pela velha mídia, e nos casos mais recentes de São Paulo e do Rio de Janeiro foi / está sendo desse jeito. Problemas de limpeza urbana e das vias de escoamento, construções ilegais nas encostas (sejam mansões construídas por ricaços irresponsáveis, sejam barracos construídos por quem não tem onde morar). Praticamente ou totalmente ignoradas pela grande mídia as necessidades de uma profunda reforma urbana, de fiscalização em áreas de risco, de maiores cuidados de manutenção das estruturas das grandes cidades. Uma passagem pelos portais dos três maiores jornais do país e pelo G1 mostra essa omissão. Às 22h30 desta quarta-feira (13/01), são 40 chamadas nos quatro sites (nove no

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G1, 14 no O Globo, dez na Folha de S. Paulo, sete no Estadão). Nenhuma das 40 chamadas refere-se às causas político-sociais da tragédia. Entre os quatro textos principais, apenas duas rápidas referências a essas causas, no Estadão e no O Globo. Mas bem rápidas. O que aconteceu foi, novamente, um verdadeiro crime cometido pelo Estado contra a sociedade. Ao calar-se, a mídia torna-se cúmplice dessas centenas de assassinatos. Vale destacar que hoje as emissoras de televisão começaram a falar das responsabilidades do governo do Rio de Janeiro, curiosamente omitidas no caso de São Paulo. Quarenta chamadas, nenhuma falando em causas além da chuva. Para não responsabilizar ninguém, responsabiliza-se “a chuva” ou “as enxurradas”. G1: Chuva faz 267 mortes em três cidades do RJ Dilma libera R$ 780 milhões para municípios atingidos por chuvas Bebê é resgatado após 15 horas Equipe que atuou no Bumba e no Haiti reforça buscas a vítimas Chuva em SP e em Nova Friburgo ultrapassa média histórica, diz Inpe Estilista morta em chuvas terá homenagem Franco da Rocha decreta emergência (SP) Veja imagens da tragédia no RJ Enchente traz maior risco para a saúde O Globo: Já passa de 260 o total de mortos pelas enxurradas em 3 cidades da Região Serrana Tragédia deixa 16 mortos em um sítio em Petrópolis Tragédia em Itaipava Região Serrana pede alimentos, colchões e doações de sangue Dilma Rousseff visita o Rio amanhã e deve liberar R$ 700 milhões Cabral pede ajuda à Marinha Mais de 15 frentes de ações emergenciais abertas, diz Minc Veja fotos da tragédia na Serra Pousada Tambo Los Incas é arrasada pela cheia em Itaipava Nas redes sociais, preocupação com parentes Em Itaipava estilista Daniela Conolly, 7 parentes e babá morrem Chuvas deixam moradores incomunicáveis Temporal deixou 75 mil clientes sem luz na Região Serrana BR-116 está interditada Folha: Chuva mata ao menos 257 na região serrana do Rio; 130 são de Teresópolis Escola vira necrotério em Nova Friburgo

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Era inevitável abrir comporta, diz Sabesp Veja imagens dos estragos causados pela chuva Franco da Rocha (SP) permanece alagada SP registra chuva do mês todo de janeiro Dilma vai sobrevoar região serrana amanhã Governo libera R$ 780 milhões para Estados afetados Chuva destrói hotel e teleférico de Nova Friburgo Lama dificulta ajuda, ouça relato do enviado Estadão: Chuva mata 257 pessoas na Serra do Rio Previsão é de mais chuvas para a região Marinha cede helicópteros para resgate Tragédia é pior do que em Angra dos Reis, diz vice-governador do Rio Dilma vai para o Rio nesta quinta Estilista e família morrem em sítio Diretor do Icatu perde oito familiares Do blog Jornalismo B, do Rio Grande do Sul. Texto publicado em 12/02/2012 1)  O   texto   seleciona   alguns   título   de  manchetes   que   têm   como  

assunto  comum  a  tragédia  ocorrida  na  região  serrana.  Identifique  

e   transcreva   alguns   desses   títulos   que   sirvam   para   justificar   a  

seguinte  afirmativa  presente  no  sétimo  parágrafo  do  texto:  “Para  

não   responsabilizar   ninguém,   responsabiliza-­‐se   'a   chuva'   ou   'as  

enxurradas'”.    

 

2)   Como   o   texto   cria   a   forte   crítica   à   administração   pública  

lançando  mão  do  campo  semântico  de  "crime"?  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Sobre os autores

Amanda Heiderich Marchon

Doutoranda  em  Língua  Portuguesa  pela  Universidade  Federal  do  

Rio  de  Janeiro,  desenvolve  um  projeto  de  pesquisa   intitulado  As  

escolhas   lexicais   em   gêneros   jornalísticos:   uma   interface   com  o  

ensino   de   Língua   Portuguesa.     Atualmente,   é   professora   da  

Universidade  Candido  Mendes  e  de  colégios  públicos  e  privados  

em  Nova  Friburgo.  Na  Fundação  Centro  de  Ciências  e  Educação  

Superior   a   Distância   do   Estado   do   Rio   de   Janeiro   (Fundação  

CECIERJ),  trabalha  como  conteudista  do  Programa  Nova  EJA.    

E-­‐mail:  [email protected]    

 

Fabiana Gonçalo

Mestre  em  Língua  Portuguesa  pela  Universidade  Federal   do  Rio  

de   Janeiro.   Bacharel   e   Licenciada   em   Letras  

(Português/Literaturas)   pela   mesma   instituição.   Integrante   do  

projeto   de   pesquisa   Abordagem   textual   no   ensino   de   Língua  

Portuguesa:  Problemas  e  Perspectivas  (Coord.:  Profa.  Dra.  Leonor  

Werneck  dos  Santos).    

E-­‐mail:  [email protected]  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Fábio Gusmão da Silva

Doutorando  em  Letras  Vernáculas  pela  Universidade  Federal  do  

Rio  de  Janeiro.  Professor  de  Língua  Portuguesa  do  Ensino  Médio,  

é   especialista   em   Linguística   Aplicada   ao   Ensino   de   Língua  

Portuguesa   pela   Universidade   Federal   do   Paraná,   pós-­‐graduado  

em   Currículo   e   Prática   Educativa   pela   Pontifícia   Universidade  

Católica  do  Rio  de   Janeiro,  Mestre  em  Estudos   Linguísticos  pela  

Universidade  Federal  do  Paraná.    

E-­‐mail:  [email protected]  

 

Karine Oliveira Bastos

Mestranda  do  Programa  de  Pós-­‐graduação  em  Letras  Vernáculas  

da   Universidade   Federal   do   Rio   de   Janeiro   (UFRJ),   com  

Bacharelado   e   Licenciatura   em   Letras   (Português/Literaturas)  

pela   mesma   instituição.   Atua   como   professora   de   Língua  

Portuguesa,   no   Município   do   Rio   de   Janeiro   e   na   Escola  

Politécnica  de  Saúde  Joaquim  Venâncio  (EPSJV/Fiocruz),  e    como  

coordenadora  da  Educação  de  Jovens  e  Adultos  da  EPSJV/Fiocruz.  

E-­‐mail:  [email protected]  

 

 

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Leonor Werneck dos Santos

Mestre  e  Doutora  em  Língua  Portuguesa  pela  UFRJ,  onde  leciona  

desde  1995.  Foi  professora  de  Ensino  Fundamental  e  Médio  em  

escolas   particulares   e   na   rede   pública.   Atua   em   cursos   de  

graduação  e  pós-­‐graduação,   incluindo  o   curso  de  Especialização  

em   Literatura   Infantil   e   Juvenil.   Já   participou   dos   programas   de  

seleção  de  livros  de  literatura  infantil  e  juvenil  Mais  Cultura/2007  

e   2010   (Biblioteca   Nacional/MEC)   e   PNBE   (MEC),   além   de   ter  

participado   do   PNLEM/2009   (MEC).   Dentre   suas   publicações,  

estão  os   livros  Articulação   textual  na   literatura   infantil   e   juvenil  

(Lucerna),   Estratégias   de   leitura:   texto   e   leitor   (co-­‐autoria,  

Lucerna),   Literatura   infantil   e   juvenil   na   prática   docente   (co-­‐

autoria,   Ao   Livro   Técnico)   e   Análise   e   produção   de   textos   (co-­‐

autoria,  Contexto).      

Email:  [email protected]  

Website:  www.leonorwerneck.com                  

 

Luana Maria Siqueira Machado

Doutoranda  em  Língua  Portuguesa  pela  UFRJ,  Mestre  em  Língua  

Portuguesa   pela   mesma   instituição.   Atua   com     pesquisas   de  

interface   entre   as   áreas   Fonética   Acústica   e   Linguística   de  

Texto/Análise  do  Discurso,  vinculada  às  linhas  de  pesquisa  Língua  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

e   Ensino   e   Língua   e   Acústica.   Professora   da   Rede  Municipal   de  

Ensino  do  Rio  de  Janeiro.    

E-­‐mail:  [email protected]  

 

Manuela Colamarco

Doutoranda  em  Língua  Portuguesa  pela  Universidade  Federal  do  

Rio   de   Janeiro.   Mestre   em   Língua   Portuguesa   pela   mesma  

instituição,  onde  também  cursou  Bacharelado  e  Licenciatura  em  

Letras  (Português/Literaturas).  Integrante  do  projeto  de  pesquisa  

Abordagem  textual  no  ensino  de  Língua  Portuguesa:  Problemas  e  

Perspectivas.  (Coord.:  Profa.  Dra.  Leonor  Werneck  dos  Santos).    

E-­‐mail:  [email protected]  

 

Mário Acrisio Alves Junior

Doutorando  em  Letras  Vernáculas  pela  Universidade  Federal  do  

Rio   de   Janeiro.   Licenciado   em   Letras-­‐Português,   com  Mestrado  

em   Estudos   Linguísticos   (2011)   pela   Universidade   Federal   do  

Espírito   Santo.   É   colaborador   do   programa  Universidade  Aberta  

do   Brasil   (UAB/CAPES),   pelo   qual   atua   como   tutor   EAD   de   pós-­‐

graduação  lato  sensu.    

E-­‐mail:  [email protected]  

 

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Matheus Odorisi Marques

Professor  de  Língua  Portuguesa,  Redator  de  Conteúdo  on-­‐line  e  

Revisor   de   Texto.   Doutorando   em   Língua   Portuguesa   na  

Universidade  Federal  do  Rio  de   Janeiro,   trabalha  com  o  aparato  

teórico   da   Linguística   Cognitiva,   com   o   qual   atualmente   estuda  

questões   morfológicas   de   formação   de   compostos   a   partir   do  

Inglês.    

E-­‐mail:  [email protected]    

 

Natália Rocha

Mestranda   em   Língua   Portuguesa   pela  Universidade   Federal   do  

Rio   de   Janeiro,   na   área   de   Análise   do   Discurso.   Graduada   em  

Letras  –  Português  /  Espanhol  pela  UFRJ  e  professora  de  Língua  

Portuguesa   e   Literatura   Brasileira   do   Colégio   e   Curso   Miguel  

Couto.   Também   é   coautora   do   material   didático   de   Língua  

Portuguesa  do  Ensino  Fundamental  do  Sistema  Miguel  Couto.  

E-­‐mail:  [email protected]  

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Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Ensino de Leitura: fundamentos, práticas e

reflexões para professores da era digital

Referenciação e Ensino: análise de livros didáticos

Leonor Werneck dos Santos

(Org.)