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1 REFLEXÕES ACERCA DA ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO DA METRÓPOLE DE CURITIBA: INDÚSTRIA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ARAUCÁRIA – PR Profª. MSc. Madianita Nunes da Silva 1 Este trabalho tem o objetivo de refletir acerca do processo de urbanização de Araucária, município integrante do aglomerado metropolitano de Curitiba, à luz do processo de industrialização ocorrido. O estudo do fenômeno tem como marco temporal a década de 1970, quando se instala no município a Refinaria de Petróleo Presidente Getúlio Vargas (REPAR), de propriedade da Petróleo Brasileiro SA (PETROBRAS). A argumentação se fará por meio de duas abordagens. Primeiro demonstra-se haver uma associação direta entre as transformações econômicas e sociais de escala nacional e a reestruturação do espaço urbano municipal. No segundo tópico, tendo como referência a aceleração dos processos de industrialização e urbanização, identificam-se as características da reestruturação espacial, as interações entre diferentes escalas geográficas, bem como as relações estabelecidas entre os espaços que compõem a estrutura intra-urbana do município. O desenvolvimento industrial e a origem das transformações socioespaciais Compreender a produção do espaço urbano de Araucária remete a uma leitura histórica das transformações econômicas e sociais ocorridas no município a partir da década de 1970, destacando-se no processo o papel do Estado e as características da conjuntura econômica mundial e nacional daquele momento. A importância dessa década é explicitada por FIRKOWSKI (2001, p.24) ao estudar o processo de industrialização do aglomerado metropolitano de Curitiba (MAPA 1). A autora afirma que o período é marcado pela explosão da industrialização, a aceleração da urbanização e do êxodo rural, fenômenos que se materializaram em determinados lugares e regiões do Brasil, e que no Paraná especificamente, concretizaram-se na região de Curitiba. Segundo HARVEY (1992 p. 135) na segunda metade da década de 1960, à política de substituição das importações adotada por vários países da América Latina, somou-se um processo inédito de instalação de multinacionais em territórios até então inexplorados pelo capitalismo industrial. SCHIFFER (2004, p. 84) esclarece que até 1960 a estrutura industrial brasileira, do ponto de vista da sua localização, caracterizava-se por indústrias produtoras de bens de consumo tradicionais dispersas pelo território nacional e indústrias dinâmicas concentradas no centro-sul do país, especialmente em São Paulo. A partir de 1970 inicia-se uma desconcentração das atividades industriais, a partir da metrópole paulista, num processo que privilegiou as regiões Sul e Sudeste do país instaurando uma nova fase de industrialização marcada pela expansão da indústria dinâmica. Neste cenário de transformações de escala mundial, em 1964 instaura-se no Brasil o golpe militar de Estado. Ao assumir, esse governo estruturou uma equipe econômica que defendia, para a retomada do desenvolvimento do país, a adoção de estratégias liberais baseadas na economia de mercado, reservando ao Estado a função de garantir a estabilidade monetária e um sistema de tributação que incentivasse o investimento. No plano político, o crescimento econômico almejado tinha o fim de legitimar perante a sociedade civil o governo autoritário que se impunha, num cenário marcado pelo crescimento do movimento estudantil, a instauração do Ato Institucional número cinco (AI5) e o início da luta armada no país. Para atingir tais objetivos, no início da década de 1970 2 , o governo federal apresenta dois planos, o Metas e bases para a ação do governo onde foram apresentados os objetivos e as metas estratégicas setoriais para o desenvolvimento pretendido; e o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) que definiu os programas prioritários para investimento, especialmente os direcionados ao fortalecimento da siderurgia, petroquímica, corredores de transporte, construção naval, energia elétrica e nuclear, comunicações e mineração.

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REFLEXÕES ACERCA DA ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO DA METRÓPOLE DE CURITIBA: INDÚSTRIA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ARAUCÁRIA – PR

Profª. MSc. Madianita Nunes da Silva 1

Este trabalho tem o objetivo de refletir acerca do processo de urbanização de Araucária, município integrante do aglomerado metropolitano de Curitiba, à luz do processo de industrialização ocorrido. O estudo do fenômeno tem como marco temporal a década de 1970, quando se instala no município a Refinaria de Petróleo Presidente Getúlio Vargas (REPAR), de propriedade da Petróleo Brasileiro SA (PETROBRAS).

A argumentação se fará por meio de duas abordagens. Primeiro demonstra-se haver uma associação direta entre as transformações econômicas e sociais de escala nacional e a reestruturação do espaço urbano municipal.

No segundo tópico, tendo como referência a aceleração dos processos de industrialização e urbanização, identificam-se as características da reestruturação espacial, as interações entre diferentes escalas geográficas, bem como as relações estabelecidas entre os espaços que compõem a estrutura intra-urbana do município.

O desenvolvimento industrial e a origem das transformações socioespaciais

Compreender a produção do espaço urbano de Araucária remete a uma leitura histórica das transformações econômicas e sociais ocorridas no município a partir da década de 1970, destacando-se no processo o papel do Estado e as características da conjuntura econômica mundial e nacional daquele momento.

A importância dessa década é explicitada por FIRKOWSKI (2001, p.24) ao estudar o processo de industrialização do aglomerado metropolitano de Curitiba (MAPA 1). A autora afirma que o período é marcado pela explosão da industrialização, a aceleração da urbanização e do êxodo rural, fenômenos que se materializaram em determinados lugares e regiões do Brasil, e que no Paraná especificamente, concretizaram-se na região de Curitiba.

Segundo HARVEY (1992 p. 135) na segunda metade da década de 1960, à política de substituição das importações adotada por vários países da América Latina, somou-se um processo inédito de instalação de multinacionais em territórios até então inexplorados pelo capitalismo industrial.

SCHIFFER (2004, p. 84) esclarece que até 1960 a estrutura industrial brasileira, do ponto de vista da sua localização, caracterizava-se por indústrias produtoras de bens de consumo tradicionais dispersas pelo território nacional e indústrias dinâmicas concentradas no centro-sul do país, especialmente em São Paulo. A partir de 1970 inicia-se uma desconcentração das atividades industriais, a partir da metrópole paulista, num processo que privilegiou as regiões Sul e Sudeste do país instaurando uma nova fase de industrialização marcada pela expansão da indústria dinâmica.

Neste cenário de transformações de escala mundial, em 1964 instaura-se no Brasil o golpe militar de Estado. Ao assumir, esse governo estruturou uma equipe econômica que defendia, para a retomada do desenvolvimento do país, a adoção de estratégias liberais baseadas na economia de mercado, reservando ao Estado a função de garantir a estabilidade monetária e um sistema de tributação que incentivasse o investimento. No plano político, o crescimento econômico almejado tinha o fim de legitimar perante a sociedade civil o governo autoritário que se impunha, num cenário marcado pelo crescimento do movimento estudantil, a instauração do Ato Institucional número cinco (AI5) e o início da luta armada no país.

Para atingir tais objetivos, no início da década de 19702, o governo federal apresenta dois planos, o Metas e bases para a ação do governo onde foram apresentados os objetivos e as metas estratégicas setoriais para o desenvolvimento pretendido; e o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) que definiu os programas prioritários para investimento, especialmente os direcionados ao fortalecimento da siderurgia, petroquímica, corredores de transporte, construção naval, energia elétrica e nuclear, comunicações e mineração.

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MAPA 1 – Aglomerado metropolitano de Curitiba, Município e área urbana de Araucária: localização, limites e municípios

componentes – 2006 FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 12.

De acordo com COMIN (1998, p. 22), os PNDs tiveram como objetivo planejar e direcionar a participação do Estado no desenvolvimento industrial, conjugando esforços de modo a criar condições atrativas para o capital, em especial o estrangeiro. Buscavam ainda a desconcentração industrial visando alcançar maior equilíbrio regional nos investimentos industriais, até então predominantes no eixo São Paulo – Rio de Janeiro.

No Paraná, à implantação dessa política de desenvolvimento nacional baseada na industrialização, somou-se o acelerado processo de urbanização ocorrido no Brasil a partir de 1960, fenômeno que no estado, segundo FIRKOWSKI (2001, p. 31), foi intensificado pela crise do café e a mecanização da agricultura e que teve como uma das principais conseqüências a migração da população do campo em direção às cidades, elevando os índices de desemprego na região de Curitiba.

Na esfera regional, às estratégias federais e estaduais de desconcentração e reforço da industrialização, somaram-se as ações de planejamento urbano implementadas pela Prefeitura Municipal de Curitiba na década de 1970, que culminaram com a criação da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) em 19733. Sua criação teve como um dos objetivos principais a atração de empresas multinacionais, articulando-se assim ao novo momento do capitalismo mundial e às estratégias de planejamento econômico delineadas no governo federal.

Neste contexto, Araucária passa a fazer parte da história da industrialização do Paraná e Região Metropolitana de Curitiba (RMC), quando a PETROBRAS define uma área dentro de seu território para instalar a REPAR4 no ano de 1972, decisão alinhada às estratégias do I e do II

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PND. A situação geográfica do município em relação à CIC e as características presentes em seu território incorporam-no às estratégias de desenvolvimento industrial da região, e a criação do Centro Industrial de Araucária5 (CIAR) em 1973 tem relação direta com esses elementos (MAPA 2). Nesta época delimitou-se uma área com 21.437.500 m2 para o CIAR, contígua à CIC, que incorporou os 10.000.000 m2 onde a PETROBRAS havia decidido implantar a refinaria.

MAPA 2 – Localização da Cidade Industrial de Curitiba e do Centro Industrial de Araucária FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 21.

Quatro anos após a criação do CIAR, a Prefeitura Municipal num convênio entre a Secretaria de Estado de Planejamento (SEPL) e a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC), com financiamento do Banco Nacional da Habitação (BNH), elabora o primeiro Plano de Desenvolvimento Urbano do município. A sua execução alinhava-se às estratégias da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), contidas no II PND, que considerava a recém criada RMC uma área urbana a ser controlada e disciplinada pelo planejamento, de modo a não alcançar o comprometimento já atingido pelos pólos nacionais de São Paulo e Rio de Janeiro.

A nova fase do desenvolvimento industrial do Paraná significou para Araucária a instalação de gêneros industriais até então inexistentes no município. Esse novo momento foi identificado pelo Plano Urbanístico Básico do CIAR6, ao avaliar a evolução do emprego industrial na década de 1970 (ARAUCÁRIA, 1977a, p. 16). De acordo com o documento, os ramos da metalurgia, adubos e produtos químicos, artefatos plásticos e mecânica representavam no final da década de 1970 58% dos empregos industriais, enquanto as empresas de cerâmica, móveis e artefatos de madeira, óleos e cereais, praticamente exclusivas no início dessa década, significavam 31% do emprego industrial local.

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A importância das transformações ocorridas no período e suas repercussões na economia municipal ficam evidentes na análise da participação das indústrias na composição do valor adicionado (VA) municipal em 2002 (GRÁFICO 1). GRÁFICO 1 – Participação das indústrias na composição do VA por década de instalação no município de Araucária –

2002

%

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1970 1980 1990 2000

FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 32.

Verificou-se que do total do VA municipal produzido nesse ano, 91,07% é derivado de indústrias instaladas naquela década. Observou-se ainda, que a participação das indústrias dinâmicas na composição desse VA representa 97,48%, destacando-se o gênero química que sozinho contribui com 92,60% (TABELA 1). A REPAR tem um peso significativo na configuração desse cenário, e isolada responde por 88,36% do total do VA municipal. A refinaria ocupa o primeiro lugar entre os contribuintes do Paraná e responde por 16% do total da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no estado.

Excluindo-se a REPAR da participação dos gêneros industriais na composição do VA municipal, verificou-se que ainda assim as indústrias dinâmicas detêm a maior proporção do total, 79,87%, sendo possível afirmar que o peso dessas indústrias na economia municipal é um traço característico da estrutura produtiva industrial consolidada a partir de 1970 (TABELA 2). A especialização nos gêneros química e metalúrgica explicitou ainda o papel desempenhado pelo CIAR na distribuição da indústria no interior da metrópole.

A pesquisa demonstrou que se a implantação da REPAR motivou a criação do CIAR, a desconcentração da indústria de bens intermediários, ocorrida no Brasil entre 1970 e 1980 e associada às estratégias do II PND, contribuiu para a consolidação do espaço industrial do município. De acordo com TORRES (1993, p. 44), em 1970 as indústrias de bens intermediários7 detinham 29,99% da participação no valor de transformação industrial brasileiro, e as tradicionais 40,88%. Em 1985 essa relação se inverte, as intermediárias passam a contribuir com 36,76% do total enquanto as tradicionais somam 33,38%.

Pode-se afirmar, portanto, que o desenvolvimento industrial ocorrido em Araucária originou-se de um conjunto de ações que não foram formuladas a partir de uma iniciativa local ou de uma dinâmica econômica própria. Pelo contrário, a compreensão do fenômeno associa-se à instalação da indústria dinâmica no Paraná, e numa escala ampliada, a uma nova fase de industrialização nacional. No processo de transformação da estrutura produtiva municipal, o Estado desempenhou papel fundamental materializado inicialmente na instalação da refinaria, e cuja importância explicita-se no destaque assumido pela indústria na economia local e regional, responsável por desencadear a reestruturação espacial estudada.

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TABELA 1 – PARTICIPAÇÃO DOS GÊNEROS DE ATIVIDADE INDUSTRIAL NA COMPOSIÇÃO DO VA DO

MUNICÍPIO ARAUCÁRIA – 2002 GÊNERO DE ATIVIDADE INDUSTRIAL VA (R$) %

Química 6.266.786.970,00 92,6019Metalúrgica 201.722.220,00 2,9808Madeira 92.585.627,00 1,3681Mecânica 52.709.544,00 0,7789Papel e papelão 41.222.762,00 0,6091Diversas 28.466.451,00 0,4206Produtos de matéria plástica 25.045.052,00 0,3701Produtos alimentares 24.191.728,00 0,3575Material de transporte 21.380.630,00 0,3159Editorial e gráfica 12.530.714,00 0,1852Mobiliário 4.793.901,00 0,0708Minerais não metálicos 3.908.948,00 0,0578Perfumes sabões e velas 2.514.560,00 0,0372Extração de minerais 1.355.847,00 0,0200Vestuário, calçados e artefatos de tecidos 283.340,00 0,0042Material elétrico e de comunicações 70.894,00 0,0010Têxteis 0,00 0,0000Borracha -12.121.970,00 -0,1791Total 6.767.447.218,00 100,0000

FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 33.

TABELA 2 – PARTICIPAÇÃO DOS GÊNEROS DE ATIVIDADE INDUSTRIAL NA COMPOSIÇÃO DO VA DO

MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA EXCLUSIVE A REPAR - 2002 GÊNERO DE ATIVIDADE INDUSTRIAL VA (R$) %

Química 286.824.704,00 36,4228Metalúrgica 201.722.220,00 25,6160Madeira 92.585.627,00 11,7571Mecânica 52.709.544,00 6,6934Papel e papelão 41.222.762,00 5,2347Diversas 28.466.451,00 3,6148Produtos de matéria plástica 25.045.052,00 3,1803Produtos alimentares 24.191.728,00 3,0720Material de transporte 21.380.630,00 2,7150Editorial e gráfica 12.530.714,00 1,5912Mobiliário 4.793.901,00 0,6097Minerais não metálicos 3.908.948,00 0,4963Perfumes sabões e velas 2.514.560,00 0,3193Extração de minerais 1.355.847,00 0,1721Vestuário, calçados e artefatos de tecidos 283.340,00 0,0359Material elétrico e de comunicações 70.894,00 0,0090Têxteis 0,00 0,0000Borracha -12.121.970,00 -1,5393Total 787.484.952,00 100,0000

FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 34

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Industrialização e urbanização: a reestruturação do espaço urbano

As questões expostas anteriormente demonstraram que a década de 1970 inaugurou uma nova fase de industrialização no Paraná, que teve na RMC, especificamente em Curitiba e Araucária, o lócus privilegiado dos investimentos. Somado a esse processo, o município passou a vivenciar uma acelerada urbanização, responsável por transformar o processo de produção de seu espaço intra-urbano. No mesmo período ocorreu um expressivo crescimento da participação da população urbana no estado, marcando a instauração da metropolização8 no processo de urbanização do Paraná (ULTRAMARI e MOURA, 1994, p. 6).

O CIAR concretizou-se pela delimitação de uma área a nordeste do território municipal, contígua à CIC, onde foi determinado por meio da legislação urbanística o uso prioritariamente industrial. Verificou-se que a localização do distrito, ligada a interesses que extrapolaram a escala local, independeu da existência dos espaços que até então compunham sua estrutura intra-urbana: o centro urbano tradicional e a Colônia Thomaz Coelho (FIGURA 1).

FIGURA 1 – Estrutura espacial após a instauração do processo de desenvolvimento industrial, Município de Araucária –

1975/1998 FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. pp. 51-54 NOTAS: Metodologia baseada em VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: S. Nobel, 1998. 373 p.

Centro urbano tradicional (Século XVIII): sítio urbano original localizado no extremo oeste do perímetro urbano, às margens da Estrada Geral Curitiba – Lapa. Colônia Thomaz Coelho (Século XIX): localizada a nordeste do centro urbano tradicional limítrofe ao município de Curitiba e próxima à Estrada Geral Curitiba – Lapa, foi incorporada ao perímetro urbano na década de 1970. CIAR (Século XX): implantado na década de 1970 a nordeste do centro urbano tradicional, limítrofe à CIC, estruturou-se ao longo de importantes vias de ligação regional. Loteamentos residenciais populares: surgidos a partir da década de 1970, ocuparam prioritariamente a região sudeste e parte da região noroeste da área urbana.

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O diferencial do oeste da RMC, atrativo para a instalação da indústria, além de ser explicado pelas características ambientais presentes9, deveu-se ao fato de que a CIC e o CIAR são cortados por uma importante rede de circulação rodoviária e ferroviária, com acesso a outros estados, ao Porto de Paranaguá e aos países da América do Sul.

Para VILLAÇA (1998, p. 138), a instalação de indústrias voltadas ao mercado interurbano tem a escolha da sua localização ditada também por interesses interurbanos. Ou seja, a partir de 1970 a decisão da localização das indústrias que se instalaram no município orientou-se por forças e dinâmicas que não encontram explicação apenas no plano local.

O estudo demonstrou que o lugar escolhido para o CIAR representou também um fato espacial fundamental para a compreensão do processo de estruturação intra-urbana de Araucária. Verificou-se que a força econômica da indústria materializada espacialmente pela localização dos dois distritos industriais consolidou e acelerou a tendência já existente de expansão da malha urbana no sentido nordeste10 em direção ao pólo da metrópole (FIGURA 1).

Segundo VILLAÇA (1998, p. 140), tanto na escala local quanto na metropolitana, as zonas industriais e as regiões de concentração das classes de alta renda têm constituído os elementos mais poderosos nos processos de estruturação do espaço intra-urbano no Brasil. Os demais subespaços são mais influenciados por eles do que vice-versa, e afirma que esse poder se dá pela independência de seus agentes na produção de suas localizações. Para a indústria a escolha é definida por forças externas, e para as classes de alta renda pelos interesses de consumo que se concretizam pelo poder que exercem sobre o setor imobiliário. Para o autor, tais forças têm historicamente estruturado as cidades e regiões metropolitanas brasileiras, afirmação comprovada pelo fenômeno ocorrido em Araucária.

A pesquisa explicitou que o centro urbano tradicional e o CIAR não foram ocupados pelos empreendimentos imobiliários destinados aos loteamentos populares implantados depois de 1970 (FIGURA 1). A partir dessa década o espaço residencial das classes de baixa renda passou a ocupar prioritariamente os loteamentos surgidos à sudeste e norte do perímetro urbano (MAPA 3).

A agregação dos dados referentes à área total dos loteamentos residenciais produzidos no município indicou que os bairros com os maiores índices de parcelamento, Campina da Barra (18)11, Iguaçu (16) e Capela Velha (6), situam-se em áreas periféricas dentro desses setores. Os bairros que integram o CIAR12 e o centro urbano tradicional com seu entorno imediato13 apresentaram os menores índices.

A espacialização do parcelamento residencial na área urbana ao longo do tempo demonstrou, portanto, que a partir de 1970, o CIAR além de ter preservado o uso industrial pretendido, produziu uma nova diretriz de localização e direção da expansão dos loteamentos urbanos residenciais, que passaram a se instalar fora dos limites do distrito industrial (MAPA 3).

Considerando a dinâmica de estruturação espacial estudada, identificou-se uma mudança no vetor da expansão urbana, que passou a se realizar da periferia em direção ao centro. Ou seja, a partir de 1970 instaurou-se um processo de parcelamento do solo, no caso dos loteamentos residenciais, e de ocupação, no caso da indústria, que teve início nas áreas periféricas limítrofes a Curitiba, e que com o tempo vem avançando em direção ao centro urbano tradicional.

A mudança de sentido do vetor de expansão urbana marcou também o momento de incorporação do município ao processo de metropolização, fenômeno responsável por alterar as relações entre centro e periferia. A partir desse momento, a pesquisa demonstrou que dependendo da escala espacial analisada, o estudo das relações entre centro e periferia permite mais de uma interpretação. Do ponto de vista intra-urbano, a estrutura espacial tornou-se mais complexa, mas o centro urbano tradicional continuou sendo o núcleo político e administrativo do município. Na perspectiva interurbana, ou do espaço metropolitano, o centro passou a ser o pólo da metrópole (Curitiba) e todos os demais espaços, inclusive o centro urbano tradicional, passaram a integrar a periferia.

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MAPA 3 – Evolução temporal do parcelamento do solo urbano em Araucária – 1970/2000 FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 66. No estudo do processo de produção do espaço identificou-se três principais forças

responsáveis pela reestruturação espacial ocorrida no município: a) a indústria, com a sua lógica aglomeradora; b) o poder público, estadual e municipal, pela implementação das políticas de

incentivo à industrialização, a definição e implementação da legislação urbanística e a alocação de investimentos públicos;

c) os incorporadores imobiliários e proprietários de terra, a partir dos novos loteamentos implantados.

A indústria constituiu um dos principais vetores que desencadearam a reestruturação espacial. Articulada ao poder público Municipal, os seus interesses materializaram-se pela criação e consolidação do CIAR e pela execução da regulamentação urbanística aprovada em 1978. De acordo com ARAUCÁRIA (1977b, p. 1) um dos objetivos fundamentais do Plano de

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Desenvolvimento Urbano era definir diretrizes de reorganização espacial e de uso do solo, capazes de garantir o desempenho futuro das novas motivações de desenvolvimento municipal, nesse caso o industrial. O termo “reorganização espacial”, deve ser traduzido como a garantia de que a área do CIAR seria destinada prioritariamente ao uso industrial. De acordo com a lógica presente nessa matriz de planejamento urbano, o controle pretendido se daria pela aplicação das leis de zoneamento de uso e ocupação e de parcelamento do solo, com execução e fiscalização exercida pelo poder público municipal, e que no caso do CIAR realmente aconteceu.

Garantida a exclusividade das funções do CIAR, verificou-se que a legislação urbanística viabilizou também a ampliação do mercado de terras. Neste caso, o novo perímetro urbano foi o instrumento com maior poder de transformação, produzindo a descontinuidade do tecido urbano. No final da década de 1970 o perímetro urbano passou de 2.490.000 m2 para 84.000.000 m2, aumentando em 34 vezes sua superfície original, e transformando grandes extensões de áreas antes rurais em urbanas. Considerando essa nova área, apenas 25% destinava-se ao CIAR, ampliando em 25 vezes a disponibilidade de áreas urbanas aptas ao parcelamento do solo, potencializando o interesse especulativo das imobiliárias e dos proprietários de terra.

Além da produção da descontinuidade do tecido urbano, observou-se um expressivo aumento de lotes não edificados, derivado da diferença de ritmo entre a produção de lotes, o crescimento demográfico e a capacidade de acesso à terra urbana pela crescente população, alterando a demanda solvável dos produtos imobiliários no município. Esse fenômeno foi comprovado pelos dados fornecidos pela Divisão de Rendas Imobiliárias14 para o ano de 2004. Segundo as informações do cadastro desse departamento, dos 34 mil imóveis urbanos tributáveis, apenas 41% encontravam-se ocupados no final desse ano.

A ação dos agentes imobiliários no processo de produção do espaço urbano foi também demonstrada pelo levantamento das áreas totais legalmente parceladas antes de 1970 e ao longo dos anos seguintes (GRÁFICO 2). Pode-se concluir, portanto, que a emergência do modelo de desenvolvimento urbano-industrial produziu a expansão territorial urbana marcada por uma dinâmica de especulação imobiliária, materializada na produção de loteamentos periféricos destinados aos segmentos de menor poder aquisitivo. GRÁFICO 2 – Área (m2) parcelada em loteamentos legais segundo décadas, Araucária – 2004

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1.000.000

2.000.000

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ANTERIORA 1970

1970 1980 1990 2000

m2

FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 64. NOTAS: Para 2000 os dados tabulados correspondem aos quatro primeiros anos da década.

Os dados referentes ao processo de produção do espaço apresentados demonstraram que

além do rompimento da continuidade do tecido urbano existente, consolida-se uma nova centralidade urbana - o CIAR, fazendo com que o distrito industrial passasse a desempenhar um novo pólo de estruturação urbana. Neste contexto, modificou-se também o papel do centro urbano tradicional, que antes era o espaço em torno do qual se articulavam todas as funções urbanas, e que concentrava a diversidade de relações socioespaciais. Apesar de continuar desempenhando o papel de centro político-administrativo, o centro urbano tradicional passou a ser reservado para a moradia das famílias tradicionais, espaço que devido a maior presença dos meios de consumo

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coletivo e individual, possibilitava um padrão de vida urbano superior ao espaço periférico recém produzido. Ele deixou também de ser o único pólo em torno do qual se dava a estruturação urbana, passando a dividir tal função com o CIAR.

Derivada da relação industrialização / urbanização e produto de interações inter e pluri-escalares, a morfologia espacial consolidada com a instauração dos fenômenos estudados, revelou também uma contradição. A desconcentração da indústria, justificada pelo Estado pela necessidade de reduzir os desequilíbrios regionais no Brasil, materializou-se no Paraná e RMC por meio de uma estratégia de incentivo ao desenvolvimento industrial caracterizada pela concentração espacial dessa atividade. Tal concentração foi reafirmada pelo Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Curitiba, elaborado em 1978, que tinha entre as principais diretrizes de organização territorial, a localização prioritária do parque industrial à oeste da região (FIRKOWISKI, 2001, p.65).

Do ponto de vista das transformações na escala local, o fato de Araucária situar-se a oeste do aglomerado, significou que, a partir daquele momento o município passou a desempenhar um papel central no desenvolvimento industrial da região e do Paraná. A emergência desse novo papel no plano regional representou a reestruturação de seu espaço no plano intra-urbano, marcada por rupturas, descontinuidades e desigualdades. O reconhecimento de que o desenvolvimento industrial está na origem desse fenômeno espacial é fundamental para a compreensão da dinâmica em análise, e permite relacioná-lo à gênese do processo de expansão urbana, ao surgimento da nova centralidade e a re-significação do centro urbano tradicional.

No plano das relações interurbanas a manifestação espacial dessas transformações explicitou-se pela expansão da mancha urbana de Curitiba para além de seus limites territoriais, incorporando municípios limítrofes. Verificou-se ainda, no que tange a abrangência do processo, que a expansão contínua dessa mancha restringiu-se a seis desses municípios16 e em Araucária espacializa-se pela conurbação entre a CIC e o CIAR.

Na dimensão intra-urbana esse processo socioespacial ficou claramente explicitado quando se georreferenciou a localização e a data de implantação das indústrias no município. Tal análise revelou que da década de 1970 em diante estruturaram-se dois eixos de ocupação industrial, articulados espacialmente, ao longo dos quais foram implantados a maior parte dos estabelecimentos (MAPA 4). Esses eixos, representados por duas vias que conectam o CIAR à CIC, a BR 476 – Rodovia do Xisto e a Avenida das Araucárias, têm importância fundamental para a compreensão das relações interescalares e do par industrialização / urbanização, elementos integrantes no processo de produção do espaço estudado.

Entre 1970 e 1980 as indústrias localizaram-se prioritariamente ao longo desses eixos de circulação, próximos da divisa com Curitiba, mas restritos aos limites do CIAR (MAPA 4). A partir de 1990 verificou-se a continuidade da expansão da indústria ao longo da BR – 476, fora dos limites do centro industrial em áreas cada vez mais próximas do centro urbano tradicional. A análise temporal do fenômeno de consolidação do território da indústria no município, possibilitou a verificar que o sentido do movimento de reestruturação do espaço intra-urbano deu-se de fora dos seus limites territoriais para dentro, ou seja, do pólo da metrópole em direção ao centro urbano tradicional.

O reconhecimento dessa dinâmica viabilizou a identificação da emergência de um processo de competição por localização no plano intra-urbano, em que o uso industrial vem substituindo os usos residencial e comercial dos espaços correspondentes ao centro urbano tradicional e aos bairros residenciais lindeiros a essas vias. Tal processo tem promovido ao longo do tempo, mesmo contrariando em alguns casos a legislação urbana vigente, a transformação dos valores de uso e de troca e a reestruturação espacial de tais espaços.

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PERÍMETRO URBANO

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7170000

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Curitiba

CENTRO URBANO TRADICIONAL 1 0 1Km

MAPA 4 – Indústrias existentes no município de Araucária no ano de 2002, segundo décadas de instalação – 1970/2002 FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 82. Complementarmente, a espacialização dos estabelecimentos industriais segundo o grau

de participação no VA municipal, possibilitou outra leitura (MAPA 5). Tendo como base esse indicador restringiram-se aos limites do CIAR as indústrias responsáveis por contribuir com a maior parcela do VA produzido, incluídos os 17 estabelecimentos que juntos somam 98,52% do total.

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PERÍMETRO URBANO

#R$ 115.000.000,00 - R$ 6.000.000.000,00

# R$ 90.000.000,00 - R$ 114.999.999,00

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R$ 50.000.000,00 - R$ 89.999.999,00 #R$ 15.000.000,00 - R$ 49.999.999,00

# MENOR QUE R$ 14.999.999,00LEGENDA

NLIMITES CIAR

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Curitiba

1 0 1Km

CENTRO URBANO TRADICIONAL

MAPA 5 – Agrupamento das indústrias conforme participação na composição do valor adicionado, Araucária - 2002 FONTE: SILVA, M. N. Indústria e produção do espaço urbano em Araucária. Curitiba, 2006. 114 f. Dissertação

(Mestrado em Geografia) – Universidade Federal d Paraná. p. 84.

A expressiva participação de Araucária na geração da riqueza do Paraná e da metrópole, marcada pelo peso significativo de poucos estabelecimentos industriais, revelou também algumas particularidades do espaço industrial consolidado no município:

a) a centralidade do CIAR no âmbito da rede de relações que se estabelecem nos planos intra e interurbano. Nele estão instaladas as empresas que contribuem para a posição diferenciada do município no âmbito da economia do estado;

b) a centralização dos estabelecimentos de maior peso na geração do VA municipal dentro do CIAR, significando no que tange ao processo de reestruturação do espaço intra-urbano, a procura por localizações fora dos seus limites por aproximadamente 45% das indústrias instaladas, mas cujo VA não chega a somar 3% do total produzido no município.

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A centralidade e a centralização expressam a seletividade manifestada no espaço, observando-se o controle, a imposição e a garantia do uso industrial sobre os demais, bem como a localização periférica das indústrias e dos gêneros menos significativos para a produção do VA do Município. Demonstram ainda que a presença da indústria tornou mais complexa a estrutura urbana de Araucária. Primeiro, porque ao consolidar um novo17 espaço, inicialmente desconectado do centro urbano tradicional, conformou uma nova centralidade no plano intra-urbano. Segundo, porque imprimiu novos significados e conteúdos aos demais espaços, marcados pela reestruturação das áreas ocupadas antes da industrialização, e pela estruturação de novas frentes de expansão urbana. A constituição de uma nova centralidade urbana, representada pelo território da indústria e pelo aumento dos fluxos nos planos intra e interurbanos, expressa ainda a transformação dos papéis desempenhados por Araucária no que tange à dinâmica metropolitana.

O poder da indústria sobre as demais atividades urbanas, além da constituição de uma nova centralidade, expressou-se também pela formação da periferia urbana. O espaço industrial manteve-se praticamente preservado dos loteamentos residenciais surgidos a partir de 1970, registrando-se fora do CIAR, nos vetores sudeste e noroeste do perímetro urbano as maiores proporções de áreas loteadas. A identificação da localização desses parcelamentos residenciais indicou não apenas o controle do uso do espaço exercido pela indústria, mas também demonstrou as características na quais se deu a estruturação da sua periferia urbana.

Dados sobre o parcelamento de solo no município comprovaram a evolução da produção e do comércio de lotes a partir de 1970, todavia, a explicação para a instauração dessa dinâmica está na redefinição da função econômica do município e no avanço da metropolização. A desconcentração espacial da população e das atividades industriais ocorridas tendencialmente do pólo da metrópole em direção ao município, caracterizou-se pela expansão da atividade industrial e pela emergência da segregação18 socioespacial, ocorrida entre as famílias tradicionais e a população imigrante. A primeira concentrou-se no centro urbano tradicional, e a segunda na periferia residencial recém produzida.

Foi possível identificar, portanto, que tal fenômeno tem relação direta com a periferização do aglomerado metropolitano, cuja dinâmica já havia sido identificada por ULTRAMARI e MOURA (1994, p. 31) ao estudar a expansão do anel periférico externo ao município de Curitiba. Segundo esses autores a periferização produziu a “insularidade” dos centros tradicionais dos municípios limítrofes ao pólo, caracterizada por extensos vazios sem ocupação entre as áreas urbanas recém parceladas e os centros político-administrativos pré-existentes. Considerações Finais

As reflexões apresentadas demonstraram que a relação responsável por desencadear a reestruturação urbana estudada derivou-se do par dialético industrialização / urbanização. Neste processo, cumpriram papel fundamental a desconcentração espacial da indústria no Brasil ocorrida na metade do século XX, e o Estado por meio das estratégias de desenvolvimento industrial, implantadas na RMC a partir de 1970.

Ao abordar a relação industrialização / urbanização, LEFEBVRE (2001, p. 9) afirma que estes fenômenos são ao mesmo tempo inseparáveis e conflitantes, e destaca que historicamente sempre existiram choques entre a realidade urbana e a industrial, cuja complexidade tem se revelado cada vez mais difícil de ser apreendida com o passar do tempo.

O reconhecimento das dinâmicas ora explicitadas permite-nos ainda afirmar, que a mesma lógica responsável por conformar o espaço urbano expandido de Araucária, viabilizou também a desconcentração e a expansão territorial de Curitiba, contribuindo para a consolidação da metropolização.

O estudo identificou a existência de profundas interações entre os fenômenos de industrialização, urbanização e metropolização, e confirmou que em realidades como a estudada, a dinâmica de produção do espaço não pode ser explicada ou compreendida sem a observação do

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todo. A partir da totalidade, a identificação de espacialidades, novas centralidades e novos centros depende de onde parte o olhar analítico, ou seja, da escala em estudo.

Conclui-se, portanto, que a reestruturação urbana ocorrida em Araucária é ao mesmo tempo resultante e resultado de uma realidade que se manifestou no espaço, por meio de uma morfologia espacial derivada da metropolização. A pesquisa alerta ainda para o fato de que tanto o território da metrópole quanto o de cada um dos municípios que a compõem, não podem ser reconhecidos nem compreendidos pelo fracionamento legal materializado nos limites político-administrativos desses entes, já que os mesmo integram um processo espacial único e indivisível.

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COMIN, A. De volta para o futuro: política e reestruturação industrial do complexo automobilístico nos anos 90. São Paulo: Annablume FAPESP, 1998. p. 21-95.

DELGADO, P.; DESCHAMPS, M. V.; MOURA, R. Estrutura sócio-espacial da Região Metropolitana de Curitiba: tipologia e mudanças no período 1980/ 1991. In: Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. 1 CD-ROM.

FIRKOWSKI, O. L. C. F. A nova territorialidade da indústria e o aglomerado metropolitano de Curitiba. São Paulo, 2001. 278 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Línguas e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992. p. 135-184.

LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. 145 p.

PETROBRAS. Mapa das refinarias. Caderno da PETROBRAS. Rio de Janeiro: n. 3, p. 08-09, ago. 2003.

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2 Segundo PRADO E EARP (2003, p. 221), no governo do presidente General Emílio Garrastazu Médici, o regime militar assumiu sua fase mais autoritária e repressiva. Neste período, a equipe econômica era formada pelos Ministros Delfin Netto da Fazenda e João Paulo Reis Velloso do Planejamento. 3 Neste ano, a Prefeitura Municipal de Curitiba declarou de utilidade pública 43,7 milhões de metros quadrados, com uso prioritariamente industrial, dos quais 63,15% foram desapropriados pelo município. 4 De acordo com PETROBRAS (2003, p. 54) a refinaria começou a ser construída em 1973 e entrou em operação em 27 de maio de 1977. Responsável por 12% da produção nacional de derivados de petróleo, ela destina 85% dos seus produtos ao Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, além da região sul de São Paulo. Os demais 15% completam o abastecimento de outras regiões ou são exportados. 5 No ano de 1978 pela Lei Municipal 536/78 foram incorporados ao CIAR 13.000.000,00 m2 denominada CIAR II, e em 1981, a Lei Municipal 584/81 incorporou mais 11.700.000,00 m2 CIAR III. Atualmente o CIAR tem área total de 46.137.500,00 m². 6 Integrante do Plano de Desenvolvimento Urbano do Município de Araucária elaborado em 1977. 7 Pela definição dos gêneros no Censo Industrial, a indústria de bens intermediários agrega os minerais não metálicos, metalurgia, papel e papelão e química; a tradicional os gêneros madeira, mobiliário, couros e peles, têxteis, vestuário, alimentícia, bebidas, fumo, editorial e gráfica e diversas, e a tecnológica os gêneros mecânica, material elétrico e de comunicações, material de transporte, borracha, farmacêuticos, perfumaria, sabões e velas e plásticos. 8 A metropolização no Paraná caracterizou-se por um elevado processo de concentração urbana, num ritmo acelerado e em curto espaço de tempo, onde Curitiba e as áreas limítrofes constituíram o principal destino dos migrantes (DELGADO, DESCHAMPS e MOURA, 2004, p. 1). 9 Segundo FIRKOWSKI (2001, p. 3) à leste da RMC localizam-se os principais mananciais de água da região e um conjunto de importantes rios. Tais condicionantes induziram o planejamento metropolitano, elaborado no final da década de 1970, a estimular a instalação industrial à oeste como forma de evitar possíveis conflitos de usos e atividades. 10 O centro urbano original desenvolveu-se num ponto alto da topografia, na margem direita do Rio Iguaçu, ladeando a Estrada Geral Curitiba – Lapa. A barreira física representada pelo rio com suas extensas várzeas alagáveis e a relação socioeconômica entre a Freguesia do Iguaçu e a capital Curitiba, definiram a localização, a direção e o ângulo prioritário da expansão urbana, que historicamente apresentou como tendência o sentido nordeste. 11 O número após o nome dos bairros tem o objetivo de identificar a localização geográfica nos mapas. Araucária possui 18 bairros denominados: (1) São Miguel, (2) Barigüi, (3) Tomaz Coelho, (4) Tindiqüera, (5) Chapada, (6) Capela Velha, (7) Sabiá, (8) Estação, (9) Fazenda Velha, (10) Boqueirão, (11) Passaúna, (12) Porto das Laranjeiras, (13) Vila Nova, (14) Centro, (15) Cachoeira, (16) Iguaçu, (17) Costeira e (18) Campina da Barra. 12 Integram o CIAR a grande maioria das áreas pertencentes aos bairros Tindiqüera (4), Chapada (5), Barigüi (2), Tomaz Coelho (3) e Passaúna (11) e uma pequena área dos bairros São Miguel (1), Capela Velha (6), Boqueirão (10) e Fazenda Velha (9). 13 Porto das Laranjeiras (12) e Vila Nova (13). 14 Departamento da Secretaria Municipal de Finanças da Prefeitura Municipal de Araucária. 16 Almirante Tamandaré, Araucária, Campo Magro, Colombo, Pinhais, São José dos Pinhais. 17 No processo de reestruturação estudado, o espaço industrial consolidado pós 1970 pode ser chamado de “novo” tanto do ponto de vista da ocupação quanto das atividades e funções urbanas nele desenvolvidas. 18 Para VILLAÇA (1998, p. 142) “segregação é um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole”.