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REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL Adenir Scopel de Oliveira Bona 1 Suzete Terezinha Orzechowski 2 RESUMO Este estudo, de natureza teórica e descritiva faz parte de um Projeto de Intervenção Pedagógica realizado no Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. O objetivo principal foi pesquisar e refletir sobre a relação trabalho/educação no Ensino Médio em uma perspectiva histórica e verificar propostas de uma educação democrática para este nível de ensino considerando o trabalho como princípio educativo, a partir do enfoque da orientação profissional. Para tanto foram obtidas informações por meio de publicações nacionais e sites governamentais. Apresenta-se também um projeto de intervenção prática, como alternativa de trabalho para os colegas atuantes no Ensino Médio. As conclusões desta pesquisa indicam que o entendimento das relações trabalho/educação contextualizadas historicamente conduzem a uma melhor compreensão sobre a escolha profissional. Neste sentido é preciso destacar a importância do educando ter acesso ao reconhecimento do direito ao trabalho e aos saberes sobre o mesmo os quais podem fazer parte do currículo possibilitando um repensar sobre o processo de orientação profissional como uma etapa que possibilita a reflexão sobre a relação com o mundo do trabalho contemplando a humanização. Palavras-chave: Ensino Médio. Trabalho-Educação. Orientação Profissional. O presente estudo pretende discutir o tema trabalho e educação no Ensino Médio tendo como foco principal a reflexão sobre a proposta de educação para o Ensino Médio paranaense considerando o trabalho como princípio educativo, enfocando a orientação profissional. Seu principal objetivo é pesquisar e refletir sobre a relação trabalho educação no Ensino Médio numa perspectiva histórica e verificar propostas de uma educação democrática para este nível de ensino. Para desenvolver tal pesquisa fizeram-se objetivos específicos: contextualizar historicamente a relação trabalho e educação como atividades especificamente humanas; analisar os aspectos históricos da ligação trabalho e educação no Ensino Médio brasileiro; estudar propostas e concepções de Ensino Médio e suas relações com o trabalho 1 Professora e Pedagoga, lotada no Colégio Estadual Olavo Bilac de Cantagalo participante do Programa de Desenvolvimento Educacional da SEED do Paraná. 2 Professora Orientadora Mestre em Educação, pertencnte ao quadro de pofessores do Curso de Pedagogia da UNICENTRO de Guarapuava.

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REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

Adenir Scopel de Oliveira Bona 1

Suzete Terezinha Orzechowski2

RESUMO

Este estudo, de natureza teórica e descritiva faz parte de um Projeto de Intervenção Pedagógica realizado no Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. O objetivo principal foi pesquisar e refletir sobre a relação trabalho/educação no Ensino Médio em uma perspectiva histórica e verificar propostas de uma educação democrática para este nível de ensino considerando o trabalho como princípio educativo, a partir do enfoque da orientação profissional. Para tanto foram obtidas informações por meio de publicações nacionais e sites governamentais. Apresenta-se também um projeto de intervenção prática, como alternativa de trabalho para os colegas atuantes no Ensino Médio. As conclusões desta pesquisa indicam que o entendimento das relações trabalho/educação contextualizadas historicamente conduzem a uma melhor compreensão sobre a escolha profissional. Neste sentido é preciso destacar a importância do educando ter acesso ao reconhecimento do direito ao trabalho e aos saberes sobre o mesmo os quais podem fazer parte do currículo possibilitando um repensar sobre o processo de orientação profissional como uma etapa que possibilita a reflexão sobre a relação com o mundo do trabalho contemplando a humanização.

Palavras-chave: Ensino Médio. Trabalho-Educação. Orientação Profissional.

O presente estudo pretende discutir o tema trabalho e educação no Ensino Médio

tendo como foco principal a reflexão sobre a proposta de educação para o Ensino Médio

paranaense considerando o trabalho como princípio educativo, enfocando a orientação

profissional. Seu principal objetivo é pesquisar e refletir sobre a relação trabalho educação no

Ensino Médio numa perspectiva histórica e verificar propostas de uma educação democrática

para este nível de ensino. Para desenvolver tal pesquisa fizeram-se objetivos específicos:

contextualizar historicamente a relação trabalho e educação como atividades especificamente

humanas; analisar os aspectos históricos da ligação trabalho e educação no Ensino Médio

brasileiro; estudar propostas e concepções de Ensino Médio e suas relações com o trabalho

1 Professora e Pedagoga, lotada no Colégio Estadual Olavo Bilac de Cantagalo participante do Programa de Desenvolvimento Educacional da SEED do Paraná.

2 Professora Orientadora Mestre em Educação, pertencnte ao quadro de pofessores do Curso de Pedagogia da UNICENTRO de Guarapuava.

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considerando que preparar para o mundo do trabalho é um dos objetivos deste nível de ensino.

Apresenta-se também um projeto de intervenção prática, como alternativa de trabalho para os

colegas atuantes no Ensino Médio.

Considerando a Identidade do Ensino Médio definida pela Secretaria de Estado da

Educação do Paraná que define “(...) a especificidade do Ensino Médio, enquanto Educação

Básica, não o afasta nem o dissocia da vida e do mundo do trabalho, mas não deve submetê-lo

aos interesses do mercado” (PARANÁ, 2007, p.9), a reflexão de que trabalho e educação são

atividades especificamente humanas (SAVIANI, 2007), a importância de contextualizar o

Ensino Médio com as mudanças do processo produtivo e a possibilidade de desenvolver um

trabalho educativo para este nível de ensino que pretenda estender aos excluídos os benefícios

da globalização (KUENZER, 2000) é que se decidiu elaborar o realizar o presente estudo.

Também se leva em consideração os fins da educação na Lei de Diretrizes e Bases para a

Educação Nacional 9394/96, que apresenta em seu artigo 35o as finalidades do Ensino Médio,

das quais se destaca a “Preparação para o trabalho e exercício da cidadania”, diante deste

contexto justifica-se a presente pesquisa.

Diante destes estudos chega-se a identificar, nas considerações finais, que o

entendimento das relações trabalho e educação, contextualizadas historicamente, conduzem a

uma melhor compreensão de que a escolha profissional leva as pessoas a participarem

diretamente do mundo do trabalho, deixando de ser apenas consumidores para ser também

produtores. Esse conhecimento possibilitará compreender que a escolha profissional possui

graus de liberdade e que o indivíduo não é o único responsável por sua trajetória. Assim, a

reflexão com os educandos a respeito dos determinantes sociais de suas escolhas no mundo do

trabalho profissional se dará de forma mais consciente e comprometida com a realidade

visando encontrar uma síntese consistente diante da complexidade e não apenas submetê-los

às limitações da realidade.

2. Fundamentos históricos da relação trabalho-educação como atividade especificamente

humana.

Segundo Saviani (2007), trabalho e educação são atividades especificamente humanas,

ou seja, apenas o ser humano trabalha e educa. Diferente do animal que vem programado pela

natureza e não projeta a sua existência, apenas se adapta e responde instintivamente ao meio,

os seres humanos criam e recriam pela ação consciente do trabalho sua própria existência,

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afirma Lukács (apud FRIGOTTO, 2002). Os homens adaptam a natureza a si, agindo sobre

ela transformando-a e ajustando-a conforme suas necessidades:

Podemos distinguir o homem dos animais, pela religião ou por qualquer

coisa que se queira. Porém o homem se diferencia propriamente dos animais

a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo

esse que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir

seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua vida material. Marx

& Engels, (apud SAVIANI 2007, p. 154, grifos do original).

O ato de agir sobre a natureza adaptando-a em função das necessidades humanas é o

que denominamos trabalho. A essência humana não é dada ao homem e também não precede

a sua existência, mas é produzida pelos próprios homens.

(...) o trabalho é a relação social fundamental que define o modo humano de

existência, e que enquanto tal, não se reduz à atividade de produção material

para responder à reprodução físico-biológica (mundo de necessidade), mas

envolve as dimensões sociais, estéticas, culturais, artísticas, de lazer, etc.

(FRIGOTTO, 200 p. 14).

O trabalho é a relação fundamental que define o modo humano de existência e não

pode reduzir-se apenas à dimensão da subsistência, mas a todas as outras dimensões que

compõem a vida humana.

Nesse sentido Saviani (2007) afirma que o homem não nasce homem, ele necessita

aprender a ser homem, produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é ao

mesmo tempo a formação do homem e um processo educativo. Dessa forma pode-se defender

que a origem da educação coincide com a origem do homem. O homem ao produzir-se e

transformar a realidade a sua volta se educa. Esta produção humana que é entendida como

trabalho relaciona-se, portanto, à educação. Trabalho e educação acontecem simultaneamente,

um transformando o outro.

Os homens, nas comunidades primitivas, aprendiam a produzir a sua existência

lidando com a natureza. Relacionando-se uns com os outros se apropriavam coletivamente

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dos meios de produção, educavam-se e educavam as novas gerações. Não havia divisões de

classes e a educação identificava-se com a vida. Educação e trabalho coexistiam produzindo-

se e transformando-se.

O desenvolvimento da produção e a apropriação privada da terra conduziram à

divisão do trabalho e ao fim da unidade das comunidades primitivas. Assim configuram-se

duas classes sociais fundamentais: a classe dos proprietários e dos não proprietários. Esse fato

é importantíssimo para a história da humanidade e a sua compreensão, pois se afirmou

anteriormente que o trabalho define a essência do homem, ou seja, é impossível viver sem

trabalhar. Mas o controle privado da terra tornou possível aos proprietários viverem do

trabalho alheio.

Essa divisão dos homens em classes irá provocar também uma divisão na educação. A

partir do escravismo antigo teremos modalidades diferentes de educação: uma para a classe

proprietária (centrada nas atividades intelectuais, na arte da palavra e da guerra) e outra para a

classe não proprietária assimilada no próprio processo de trabalho. Dessa forma consumou-se

a separação entre educação e trabalho que só foi possível a partir da própria determinação do

processo de trabalho, ou seja, o modo como se organiza o processo de produção é que

permitiu a organização da escola como um espaço separado da produção.

Com o surgimento da sociedade capitalista (economia de mercado) em substituição a

sociedade feudal (economia de subsistência) a relação trabalho/educação irá sofrer uma nova

determinação. A estrutura da sociedade deixa de fundar-se em laços naturais para pautar-se em

laços sociais (produzidos pelos homens). O domínio de uma cultura intelectual passa a ter

mais importância e a escola é erigida como principal via de acesso a esse tipo de educação.

Segundo Frigotto (2005), a revolução capitalista imprime um caráter civilizatório em

relação aos modos de produção pré-capitalistas, porém os avanços desse novo sistema são

restritos e relativos a uma pequena parcela da sociedade detentora dos meios de produção.

Neste aspecto o trabalho, a propriedade, a ciência e a tecnologia não são mais produtores de

valores dos trabalhadores. Agora a força de trabalho se transforma em produtora de valores de

troca com o fim de gerar mais lucro, reduzindo-se à mercadoria a força de trabalho tendendo a

confundir-se com emprego. Assim o capital detém os meios e instrumentos de produção e a

classe trabalhadora apenas a sua força de trabalho para vender. Ao capitalista interessa

gerenciar e comprar o tempo de trabalho do trabalhador pelo menor valor possível e pagando,

ao final de um determinado período, de forma que o pagamento (salário) represente apenas

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uma parte do tempo pago sendo que a outra irá se transformar em lucro para o capitalista.

No plano das ideologias constrói-se a representação de que o ganho do trabalhador é

justo, pois o mesmo vende a sua força de trabalho para os detentores do capital numa situação

de igualdade e por sua livre escolha. Dessa forma, a classe detentora do capital torna-se

hegemônica apagando os processos históricos que transformaram as relações de classe. Essa

dissimulação fica mascarada por meio do contrato de trabalho que legaliza uma relação

desigual.

A educação tem sido utilizada, em contextos históricos diversos, como suporte

ideológico dessa dissimulação mediante as noções de capital humano, sociedade do

conhecimento e pedagogia das competências para a empregabilidade. Passa-se a idéia de que

os países pobres, regiões e grupos menos favorecidos economicamente assim o são por

investirem pouco em educação. Mas como investir bastante em educação se são pobres? Seria

mais coerente afirmar que essa condição os impede de investir em educação por terem sido

expropriados de diferentes formas. Nesse contexto, afirma o autor, cinicamente as vítimas da

espoliação passam a serem culpados por serem explorados.

De acordo com Saviani (2007) o advento da indústria moderna trouxe a

universalização da escola básica a qual se bifurcou em escolas de formação geral e escolas

profissionais devido às necessidades provocadas pela Revolução Industrial. Esta separação

entre escolas profissionais para os trabalhadores e “escolas de ciências e humanidades” para

os futuros dirigentes (escola dualista) distribui os educandos conforme as funções sociais a

que se destinam em consonância com sua origem social.

Esta forma de organizar a educação está permeada por um discurso liberal, que aponta

para uma igualdade social, mas que na prática continua mantendo as diferenças. A partir do

séc. XX este discurso esteve presente nos textos e na fala dos educadores que defendiam uma

escola pública, obrigatória e gratuita. Mas na realidade o que prevaleceu foi uma escola

propedêutica e preparatória para a universidade para os filhos da burguesia e uma educação

direcionada às atividades práticas para os filhos dos trabalhadores, ou seja, a escola pública

para a maioria da população não aconteceu. Assim nasce a divisão da escola pública e privada

concretizando-se a chamada escola para classes sociais distintas. Portanto, uma escola para

ricos outra para pobres.

Considerando estas argumentações cabe agora refletir sobre a relação educação e

trabalho e o delineamento do Ensino Médio brasileiro contextualizado historicamente.

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3. O Binômio Educação-Trabalho e o Ensino Médio no Brasil: Aspectos Históricos

A identidade do Ensino Médio esteve, ao longo da história, vinculada a dois aspectos:

um que privilegia a formação do aluno para o mercado de trabalho e outro voltado para a

continuidade dos estudos. Esta dicotomia está historicamente ligada à organização e a

permanência da sociedade de classes. (PARANÁ, 2007)

No Brasil esta ligação institucionalizou-se com a Primeira República e a abolição dos

escravos, quando a educação era entendida como um instrumento que poderia garantir a

ordem via submissão do trabalho ao capital atendendo aos interesses da classe dominante

conforme afirma Kuenzer:

Essas escolas, antes de pretender atender às demandas de um

desenvolvimento industrial praticamente inexistente, obedeciam a uma

finalidade moral de repressão: educar, pelo trabalho, os órfãos, pobres e

desvalidos da sorte, retirando-os da rua. Assim, na primeira vez aparece a

formação profissional como política pública, ela o faz na perspectiva

moralizadora da formação do caráter pelo trabalho. (KUENZER, 2000,

p.27).

Essa tendência hierarquizante aprofundou-se a partir do Estado Novo (1937-1945).

Nesta época surgiram novos ramos profissionais e foi regulamentado o ensino técnico, que

não possibilitava o acesso ao ensino superior (procurado pela classe média) paralelo ao ensino

clássico, que possibilitava o acesso ao ensino superior (procurado pela elite).

Do fim do Estado Novo até o início dos anos 60 o país viveu um período de

contradições político-ideológicas e era dominado pelo nacionalismo liberal. Em função de

pressões da clientela interessada, foi elaborada a Lei 4.024/61, a primeira que regulamentou a

educação em nível nacional. Esta Lei garantia a equivalência (para ingresso na universidade)

entre os cursos técnicos e propedêuticos, mantendo a dualidade estrutural da educação. É

importante destacar que esta equivalência e valorização dos cursos técnicos estiveram ligadas

ao crescimento dos setores secundário e terciário da economia. Do ponto de vista

administrativo o MEC administrava as escolas oficiais e o SENAI e SENAC, mantido pelas

empresas, ajustando-se a lei poderia equivaler os seus cursos profissionalizantes aos

oferecidos na rede oficial. (PARANÁ, 2007)

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Esta política permaneceu até o início dos anos 70 sendo que em 64 iniciou-se o

processo de internacionalização da economia brasileira e a escola foi responsabilizada pelo

atraso do país devido ao academicismo do curso propedêutico. Em 69, via decreto

presidencial, propôs-se a nova Lei da Educação a qual ficou pronta em 70 e promulgada no

ano seguinte sob a euforia do milagre brasileiro, a 5.692/71. Com relação ao Ensino Médio,

esta lei estabeleceu o ensino técnico compulsório para o segundo grau buscando resolver na

escola a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual e as diferenças de classe.

No entanto, a dualidade não deixou de existir, pois a escolas particulares continuaram

oferecendo o curso propedêutico enfatizando as disciplinas clássicas em detrimento das

técnicas e as escolas públicas foram duplamente penalizadas por terem que reformular suas

grades curriculares sem recursos financeiros para implementar as disciplinas técnicas. O

resumo expandido apresentado por Silva & Gandra (2008), sobre o discurso do ministro

Jarbas Passarinho, demonstra a criação de cursos profissionalizantes para atender a

necessidade de mão-de-obra, configura ainda a dualidade de classes e despreza um projeto de

educação continuada e transformadora.

De fato, a Lei 5692/71, aprovada quarenta dias depois da publicação da

entrevista do ministro, pretendia que o segundo grau tivesse a terminalidade

como característica básica, através do ensino profissionalizante, contrapondo-

se à frustração da falta de uma habilitação profissional. Contudo, a oferta dos

dois diferentes níveis de formação profissional (o de segundo grau e o

superior) se revelou como estratégia duplamente orientada: para proporcionar

mão-de-obra ao setor produtivo e, ao mesmo, para conter o aumento da

demanda de vagas aos cursos superiores. Sobre as diferenças entre as duas

categorias de pessoas que se pretendia formar pela Lei 5692, o ministro

Passarinho já havia afirmado que “nem todos são migradores de grandes vôos.

Muitos se darão por satisfeitos antes da Universidade.” (Revista Veja 1971,

p.56). (SILVA & GANDRA, 2008, s/p.)

Do ponto de vista sócio-cultural e educacional esta mudança não atendeu aos anseios

populares que viam na educação uma forma de ascensão social e do ponto de vista produtivo

não havia demanda para absorver a mão-de-obra que saía da escola a cada ano.

Diante destas pressões, o Parecer 76 de 1975 modificou a lei 5.692/71 quando o

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segundo grau passou a “preparar” para a continuidade da escolarização e não mais qualificar

para o trabalho, ressurgindo uma espécie de dualidade implícita não declarada. Enfim, a Lei

7.044/82 extingue a escola única de profissionalização obrigatória que não chegou a existir

completamente na realidade. Neste período se fortalecem os cursos profissionalizantes

ofertados pelo SENAC, SEBRAE, SESI, e pelos CEFETs. Enfim, a dualidade,

profissionalização e preparação geral, continua.

Apesar das mudanças legais, percebemos que o tempo todo houve a separação entre a

educação para a elite e a educação profissional, aspectos coerentes com os princípios do modo

de produção capitalista. É importante destacar que a população menos favorecida e com

menos possibilidades de inserção social não tinha acesso à educação apesar das matrizes

curriculares deste período estarem fortemente vinculadas a estas classes sociais.

Na década de 90, a Lei 9394/96 suprimiu os cursos profissionalizantes em nível

médio estabelecendo a generalização do propedêutico o qual, segundo Ramos (2004, p. 39)

deveria “desenvolver competências genéricas e flexíveis, de modo que as pessoas pudessem

se adaptar facilmente às incertezas do mundo contemporâneo”. Em última análise, o foco da

formação para o mercado de trabalho é mantido.

No entanto, a lei 9394/96 permitiu o retorno da dualidade estrutural por meio do

ensino técnico e propedêutico ainda que com o “... intuito de tratar diferentemente os

desiguais, conforme seus interesses e necessidades, para que possam ser iguais.” (KUENZER,

2000, p. 36).

A posterior regulamentação da nova LDB possibilitou a criação de cursos técnicos em

três níveis: o Básico, independente de escolarização prévia com o objetivo de qualificação e

requalificação profissional para o qual se encaminham os mais carentes com a ilusão de um

emprego futuro; o Técnico, que confere habilitação aos matriculados ou egressos do Ensino

Médio e o Tecnológico, curso de nível superior, tecnológico, para os egressos do Ensino

Médio. Para o técnico e o tecnológico irão àqueles que, pelas mais diversas razões, não

entraram na universidade. (PARANÁ, 2007).

No Paraná, antecipando-se às reformas, através do PROEM – Programa Expansão,

Melhoria e Inovação do Ensino Médio, financiados pelo Banco Interamericano do

Desenvolvimento/BID são suprimidos os cursos profissionalizantes em nível médio. A partir

do decreto 2.208/97 o PROEM passou a financiar apenas o Ensino Médio uma vez que os

cursos de Educação profissional passaram a ser financiado pelo Programa de Expansão da

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Educação Profissional/PROEP também com financiamento parcial do BID. Esta política

contrariava a proposta nacional de Ensino Médio da lei 9394/96 que permite que a

profissionalização seja desenvolvida paralelamente ou posteriormente ao Ensino Médio e

constituiu-se numa regressão a dualidade que mantém duas redes de ensino: a propedêutica e

a profissional, destruindo a integração entre elas. Percebemos neste rápido apanhado histórico

do Ensino Médio que ele esteve, na maioria das vezes, centrado no mercado de trabalho e não

na pessoa humana.

Em 2003, com os novos rumos políticos assumidos pelo Brasil revoga-se o decreto

2.208/97 o qual foi substituído pelo decreto 5.154/2004, o qual, apesar das contradições

defende:

Consolidação da base unitária do Ensino Médio, que comporte a diversidade

própria da realidade brasileira, inclusive possibilitando a ampliação de seus

objetivos, como a formação específica para o exercício de profissões

técnicas. Em termos ainda formais, o decreto n.º 5154/2004 tenta

restabelecer as condições jurídicas, políticas e institucionais que se queira

assegurar na disputa da LDB na década de 1980. Daqui por diante,

dependendo do sentido que se desenvolva a disputa política e teórica, o

‘desempate’ entre as forças progressivas e conservadoras poderá conduzir

para a superação do dualismo na educação brasileira ou consolidá-la

definitivamente. (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005, p. 37-380).

A partir de 2004, houve no Paraná a abertura de cursos de Ensino Médio Integrado

atendendo a demandas regionais relacionadas a cursos profissionalizantes com a criação das

Escolas Técnicas e dos Centros Técnicos e/ou Tecnológicos. A dicotomia ainda persiste, mas

apontam-se discussões no sentido de “construir um projeto de ensino médio que supere a

dualidade entre a formação específica e a formação geral e que desloque o foco de seus

objetivos do mercado de trabalho para a pessoa humana” (RAMOS, 2004, p. 40),

possibilitando ao egresso desse nível de ensino, mais do que se inserir no mundo do trabalho,

compreender a realidade em que vive e sentir-se capaz de nela agir visando sua

transformação.

Nesse contexto, verificamos a importância de refletirmos sobre o currículo para o

Ensino Médio, suas principais definições, concepções, abordagens, finalidades e influências.

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4. Ensino Médio: o direito à reflexão sobre os saberes à luz dos conteúdos escolares na

preparação para a inserção no mundo do trabalho.

Fundamentados em Orlowski (2002), percebemos a necessidade de discutirmos a

prática curricular abordando as posturas curriculares mais freqüentes no cotidiano da escola.

Segundo a autora, no Brasil não existe um consenso acerca da conceituação de currículo. A

elaboração de um currículo é um processo social, onde convivem os fatores lógicos,

epistemológicos, intelectuais e determinantes sociais como poder, interesses, conflitos

simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça e

gênero. Considerando que é uma prática complexa, encontram-se enfoques diversos com

distintos graus de aprofundamento fundamentados em pressupostos de natureza filosófica.

Moreira (apud Orlowski 2002) aponta que desde a sua incorporação ao vocabulário

pedagógico os sentidos mais comuns ao termo currículo referem-se ao conhecimento escolar e

às situações vividas pelos alunos sob a orientação da escola. A superação do caráter técnico-

prescritivo no conceito de currículo só ocorre no final da década de 60, início da década de

70, quando surgem as abordagens mais críticas das questões curriculares. A teoria de Paulo

Freire foi o primeiro passo para enfocar currículo a partir de um interesse de emancipação,

propondo a superação de um currículo abstrato, teórico e dissociado da realidade. Ao longo do

tempo as idéias que fundamentaram as proposições curriculares acompanharam as

transformações econômicas, políticas, sociais de cada momento histórico brasileiro.

A visão contemporânea de currículo inclui planos e propostas (currículo formal), a

prática escolar efetiva (currículo em ação) e normas e valores implícitos nas relações em sala

de aula e transmitidos pela escola (currículo oculto). Da mesma forma que a educação, o

currículo também não é neutro, ou seja, as finalidades que se atribuem à escola refletem-se

nos objetivos que orientam o currículo. Neste sentido, destaca a mesma autora, nas discussões

sobre qualidade de ensino é importante ressaltar o papel do currículo como instrumento de

recuperação do valor da escola.

Com o objetivo de classificar as posturas curriculares mais freqüentes nas práticas

escolares, J. O. McNEIL, traduzido por SANTOS FILHO (apud ORLOWSKI, 2002)

agrupou-as nas seguintes categorias:

a) Currículo Acadêmico: O núcleo da educação é o currículo cujo

elemento essencial é o conhecimento, patrimônio cultural da humanidade,

transmitido às novas gerações por meio das disciplinas clássicas,

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acadêmicas e de natureza intelectual.

b)Currículo Humanístico: Desloca a atenção disciplinar para o

indivíduo visando sua libertação e auto-realização, cerne do currículo. Os

processos educacionais são conduzidos pelos próprios alunos visando

ajudá-los na integração de emoções, pensamentos e ação.

c)Currículo Reconstrutivista Social: Concebe o homem e o mundo

de forma interativa onde a educação é o agente social promotor de

mudanças. Nesta visão de currículo o indivíduo poderá refletir sobre si

mesmo e sobre o contexto social em que está inserido alterando a ordem

social. Sua preocupação não reside na informação e sim na formação de

sujeitos históricos, enfatizando as relações sociais.

d) CurículoTécnológico: Nesta perspectiva a educação consiste na

transmissão de conhecimentos e comportamentos que propiciem o controle social. O

professor é o detentor e controlador do processo educativo. Ao aluno cabe absorver

passivamente a eficiência técnica atingindo os objetivos propostos. O currículo é concebido

fundamentalmente no método e tem a função de identificar meios para atingir resultados pré-

determinados. Dessa forma percebemos que as práticas curriculares brasileiras nunca foram

“puras” revelando influências de várias racionalidades e diferentes posturas curriculares.

Saviani (2007), inspirado nas reflexões de Gramsci sobre o trabalho como princípio

educativo da escola unitária procurou delinear a conformação do sistema de ensino em

consonância com as condições da sociedade brasileira. Conforme Gramsci, a escola unitária

corresponderia, no Brasil, hoje a educação básica, mais especificamente ao ensino médio e

fundamental. No Ensino fundamental a relação entre trabalho e educação é implícita e

indireta. Aprender a ler, escrever e contar, conhecer rudimentos das ciências naturais e sociais

são requisitos para entender o mundo e a incorporação pelo trabalho dos conhecimentos

científicos no âmbito da vida em sociedade.

Se no Ensino Fundamental a relação é implícita, no Ensino Médio o papel da escola

deveria ser o de recuperar essa relação entre a prática do trabalho e o conhecimento. Trata-se

de explicitar as relações entre o domínio teórico e prático sobre o modo como o saber se

articula com o processo produtivo, desvelando a realidade a partir dos conteúdos escolares

que iluminam os saberes analisando-os, refletindo-os e transformando-os em conhecimentos

capazes de levar os sujeitos à compreender de forma crítica a sua inserção no mundo do

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trabalho.

Nesse sentido, a concepção de Ensino Médio seria aquela que busca uma progressiva

generalização como formação necessária para todos, independente da ocupação que terão na

sociedade. Seria uma escola do “saber desinteressado”, expressão e conceitos criados por

Gramsci e que se contrapõe ao saber “interesseiro, individualista, de curta visão, imediatista e

até oportunista”. (NOSELLA, 1992, p. 18).

Para superação dos interesses hegemônicos do capital, o proletariado,

partindo das condições de trabalho concretas, deve construir sua própria

pedagogia do trabalho, cujas bases serão os seus próprios interesses

hegemônicos e dentre os quais a qualificação compreendida como domínio do

conteúdo do trabalho é fundamental. (SILVA, 2008, VII Jornada do

HISTEDBR)

Neste sentido, Arroyo (2007) afirma que o trabalho é inerente a condição humana e

que reconhecer o direito ao trabalho e ao saberes sobre o mesmo deve ser o ponto de partida

para indagar os currículos, indo além do referente mercantil, do aprendizado de competências.

Segundo Frigotto (1999), os processos educativos que interessam aos trabalhadores não

podem ter no mercado e no capital seu horizonte conceptual e prático.

Devido à histórica dicotomia deste nível de ensino e a possibilidade de se considerar

trabalho como princípio educativo remete-se a necessidade de repensar o currículo. O grande

desafio a ser enfrentado é a busca de um currículo através do qual o aluno possa se apropriar

dos conhecimentos historicamente constituídos, desenvolvendo um olhar crítico e reflexivo

sobre os mesmos, e por outro lado possibilite uma compreensão da lógica e dos princípios

técnicos científicos que marcam o atual período histórico e afetam as relações sociais e de

trabalho. Uma proposta de educação que possibilite ao estudante condições tanto de se inserir

no mundo do trabalho quanto de continuar seus estudos.

Equacionar o currículo no referente ao direito do ser humano à produção cultural da

humanidade será torná-lo mais rico e plural onde o trabalho com a oralidade, a escrita, a

matemática, as ciências, as técnicas de produção, o domínio dos instrumentos e equipamentos

culturais produzidos para qualificar o trabalho como atividade humana, serão contemplados.

No referente ético, as inovações tecnológicas na comunicação e informação, os sistemas

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simbólicos e de linguagens e o domínio de lógicas e formas de pensar e aprender irá capacitar

as novas gerações para pensar e agir. (LIMA, 2007).

Arroyo (2007) defende que este currículo pautado pelo referente ético da garantia do

direito irá ampliar a experiência humana dos educandos sobre os processos de produção, as

relações sociais de produção, as vivências do trabalho, as negações do trabalho, a exploração

do trabalho, o trabalho pela sobrevivência, a falta de horizontes no trabalho, etc.

Há muitos conhecimentos acumulados na Sociologia, Economia, História do Trabalho

sobre o desemprego, as desigualdades, a segregação, e a exclusão dos setores populares, das

pessoas com necessidades especiais, por diferenças de gênero e raça, cidade ou campo. É

importante abordar as formas de trabalho na produção camponesa, na agricultura familiar, a

resistência dos povos do campo à destruição dessas formas de produção e de trabalho.

O acesso a esses conhecimentos, dentro dos conteúdos escolares, proporcionaria ao

aluno o conhecimento da perversa realidade social e econômica do mundo do trabalho.

Possibilitaria aos alunos se reconhecerem como sujeitos de direito ao trabalho e se

conhecerem nos limites desse direito. Nesse sentido Kuenzer (2000) afirma que o Ensino

Médio deve superar a sua versão conteudista e propedêutica para promover mediações

significativas entre os jovens e o conhecimento científico, articulando saberes tácitos,

experiências e atitudes. A aproximação das finalidades do Ensino Médio será feita por

diferentes mediações conforme a realidade de cada escola, região e clientela. Essa mudança é

importantíssima para a sobrevivência num mundo imerso em profunda crise econômica,

política e ideológica em que a falta de alternativas de vida com dignidade tem levado o jovem

ao individualismo, ao hedonismo e a violência em virtude da perda de significado da vida. O

projeto político pedagógico definido teórica e praticamente nas escolas apresenta-se como

uma das alternativas possíveis, dentro desta realidade histórica.

Arroyo (2007) escreve que a renovação curricular se enriquece na medida em que for

dada a devida centralidade ao direito humano ao trabalho e aos saberes acumulados sobre a

nossa condição de trabalhadores. Nesse sentido a pedagogia crítica dos conteúdos tem

contribuído sobre o direito aos saberes sobre cidadania, porém o direito ao trabalho (e aos

saberes sobre o trabalho) base da cidadania, ainda não tem recebido a devida atenção. Ou

melhor, tem uma atenção voltada à mercantilização da educação, preparando os alunos

cidadãos, mas como mercadorias a serem qualificadas e inseridas no mercado. As demandas

exigidas pelo capital têm maior destaque nos currículos do que os direitos aos saberes sobre o

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trabalho. O mesmo autor defende a importância de repensarmos o currículo onde os

educandos passem de mercadoria para sujeitos do direito ao trabalho e aos saberes sobre o

mesmo.

Ciavatta (2006) destaca o papel dos profissionais da educação como formadores de

cidadãos emancipados promovendo a análise crítica da informação e de todas as formas

ideologizadas que escondem a submissão e a opressão. Infelizmente não há receitas prontas,

mas existem critérios de análise da realidade social que podem mostrar o lado oculto, aquele

que está além das aparências que contraria os padrões de dignidade a que tem direito o ser

humano. Nesta tarefa torna-se imperativo uma boa dose de utopia, pois sem esta não há

educação e nem futuro humano. É a utopia que nos ajuda a afirmar os princípios da igualdade,

solidariedade e generosidade humana. (FRIGOTTO, 2001).

5. O Trabalho pedagógico e a Orientação profissional: uma proposta de atuação Apresentamos uma proposta de orientação profissional baseada nos trabalhos de

Lucchiari (1993) e Orzechowski (2000), não com o intuito fornecer uma receita, mas apenas

servir de sugestão, a qual poderá ser adaptada e transformada de acordo com a realidade de

cada escola. Estas sugestões pretendem desencadear um rol de novas formas de perceber a

orientação profissional, dinamizando e desafiando o trabalho sobre o referido assunto.

Conforme a proposta teórico-metodológica abordada neste trabalho, as atividades

podem ser realizadas coerentes com o assunto em questão e consideradas no âmbito em que se

inserem. Apresenta-se a seguir a organização de um projeto de aplicação prática na escola.

TÍTULO: O Trabalho pedagógico e a orientação profissional -Uma proposta de

atuação.

TEMA: Orientação Profissional

SÉRIE: 3º ano do Ensino Médio

PROBLEMATIZAÇÃO:

Durante muito tempo a Orientação Profissional tem trabalhado assumindo os

princípios do liberalismo no processo de escolha profissional, pois enquanto admite a

existência de falhas no processo de escolhas profissionais considera que as mesmas são

“falhas” do indivíduo, sendo que para resolvê-las bastaria habilitá-lo a fazer escolhas mais

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adequadas. Teoricamente todos teriam a mesma liberdade para fazer suas escolhas, de acordo

com suas aptidões e características pessoais, respeitando as limitações impostas pela

realidade. As opções inadequadas são de responsabilidade individual e devem ser creditadas

ao indivíduo que escolhe. Dessa forma a Orientação Profissional ajudou a manter as

discriminações sociais admitindo o potencial individual como o único determinante, sem

considerar as condições de vida que influenciaram profundamente este potencial.

(FERRETTI, 1992)

Os temas trabalho e orientação profissional são extremamente complexos, pois

permeiam muitas esferas da vida humana criando condições e condicionamentos. Nesse

sentido propõe-se uma abordagem a partir da análise crítica dos valores dos alunos como

consumidores e/ou produtores de bens. Essa linha de atuação mostra-se muito produtiva para

os alunos porque pode gerar condições para que ao refletir sobre a sua prática social possam

ter dela uma visão crítica para realizar opções mais conscientes, com maior autonomia e

segurança.

JUSTIFICATIVA:

Considerando que a ação educativa é mediação para a aquisição de conhecimentos sobre a

realidade e pode servir tanto para a reprodução das condições existentes quanto à sua

contestação, é nesse espaço de contradições que surgem as oportunidades para novas opções e

propostas de orientação profissional. Entendendo que a escola é responsável pela formação

integral do aluno dando-lhe condições favoráveis (ferramentas) para a ampliação de sua visão

do mundo do trabalho e ressaltando a importância da escolha profissional como um projeto de

vida a ser desenvolvido é que se justifica este estudo. A reflexão sobre o trabalho enquanto

atividade social, processo de modificação da natureza e determinante de relações sociais é

fundamental, tanto para os que optam como para aqueles que não o fazem, para que

desenvolvam uma consciência crítica dessa atividade humana que influencie o seu exercício

profissional. Nesse sentido faz-se necessário realizar um projeto que aborde as questões

sociais, éticas e econômicas possibilitando ao jovem realizar escolhas profissionais autônomas

e conscientes ampliando a visão do mesmo sobre o mundo do trabalho.

Buscando atender as dificuldades do adolescente atual diante da urgência em tomar

uma decisão cada vez mais cedo frente à instabilidade social e a forma atual de organização

do trabalho, complexa e injusta, e visando possibilitar ao jovem vislumbrar formas de

inserção social através de uma opção profissional acertada, justifica-se o presente projeto.

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OBJETIVO GERAL:

Auxiliar o jovem a tomar conhecimento dos inúmeros fatores que interferem na sua

escolha profissional facilitando esse processo a fim de que ele possa escolher com a maior

autonomia possível.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

- Discutir e refletir com os educandos sobre as relações educação-trabalho.

- Aprimorar os conhecimentos dos alunos a respeito da realidade do mundo do

trabalho.

- Proporcionar aos alunos oportunidades de adquirir informações reais e críticas sobre

as diversas profissões.

- Estimular a exploração de fontes de informações sobre as profissões, cursos e

escolas.

- Possibilitar condições de visitas às Universidades, informações pertinentes a

Vestibulares e cursos oferecidos.

- Criar espaços de discussão e reflexão sobre o processo de escolha profissional.

– Favorecer contato com profissionais atuantes no mercado de trabalho e com ex-

alunos universitários e recém-formados.

DESCRIÇÃO DO PROJETO:

Este projeto é composto por temas que serão trabalhados nas turmas dos terceiros anos

do Ensino Médio do período diurno, no contra turno do horário de aula. Os encontros serão

semanais, com duração de duas horas/aulas, durante um semestre letivo (terceira etapa do

Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE). Na medida do possível será desenvolvido

um tema e/ou subtemas em cada encontro, sempre complementado e enriquecido com

atividades práticas e dinâmicas de grupo.

ESTRATÉGIAS:

- Conversa inicial sensibilizando toda a comunidade escolar sobre o tema do projeto;

- Sondagem e discussões com os alunos sobre suas experiências pessoais e planos

profissionais;

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- Estabelecimento de um contrato de trabalho com os envolvidos no projeto;

- Trabalhos em grupos;

- Apresentação de seminários;

- Visitas às Universidades e feiras de profissões;

- Palestras com profissionais de diversas áreas;

- Construção de painéis informativos;

- Mostras de material áudio-visual;

- Entrevistas com profissionais de diversas áreas;

- Debates sobre o tema entre os alunos;

- Dinâmicas de grupos sobre o tema;

- Leituras de material específico sobre o assunto.

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CRONOGRAMA – 2009

Atividades Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Julho Ago. Set. Out. Nov. Dez.

Fundamentação e adaptação do projeto

X X

Divulgação do projeto para a comunidade escolar

X

Implementação do projeto de Intervenção ped. junto a comunidade escolar.

X X X X X

Avaliação do projeto X XElaboração de relatório final e artigo completo.

X X X X X

TEMAS QUE SERÃO ABORDADOS:

Construção da identidade:

- Puberdade e adolescência;

- Autoconhecimento (interesses, características, habilidades e capacidades);

- Formação da personalidade;

- Valores;

- Projeto de vida.

O mundo do trabalho:

- O que é trabalho?

- Carreira e ocupação;

- Mercado de trabalho;

- O que eu espero do mundo trabalho;

- Minha experiência de trabalho.

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Informação profissional

- O que é profissão;

- Informação sobre as diversas profissões e suas subdivisões;

- Conhecendo alternativas e possibilidades de cursos, faculdades e instituições de ensino

profissionalizantes oficiais e não oficiais;

- Enem;

- Vestibular;

- PROUNI;

- FIES.

Escolha profissional

- Escolher é um processo contínuo em nossas vidas;

- Fatores intervenientes na escolha profissional;

- Calma, refletir e pesquisar é muito importante!

- Estabelecendo objetivos de longo prazo;

- As profissões na sociedade;

AVALIAÇÃO

Será realizada durante e ao final de cada encontro através da participação e interação

dos alunos nas atividades propostas, por meio da auto-avaliação. Também será elaborada uma

avaliação de todo o projeto para ser aplicada ao final do mesmo.

Acredita-se que este projeto pode contribuir para a formação dos alunos sobre a

relação trabalho/educação. É um projeto que poderá compor as atividades extra-classe, como

mais uma atividade que a escola oferta aos seus educandos.

6. Considerações finais

Ao concluirmos esta breve reflexão sobre as relações trabalho e educação

contextualizadas com a orientação profissional, observamos que as mesmas conduzem a uma

melhor compreensão de que a escolha profissional faz com que as pessoas passem a participar

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diretamente do mundo do trabalho, deixando de ser apenas consumidores para ser também

produtores.

Verificamos que o trabalho pode ser entendido como toda a ação sobre a natureza com

o objetivo de transformá-la para atender a uma determinada necessidade sendo que ao

transformar a natureza o homem também se transforma. O homem tornou-se capaz de

planejar a sua ação e transmitir às gerações futuras a cultura material e intelectual que

produziu atingindo o progresso atual. Apesar do homem ser capaz de tal evolução, nem todos

têm acesso aos bens materiais e intelectuais produzidos porque, ao que tudo indica, esse

progresso foi alcançado em benefício de poucos à custa do sacrifício de muitos. Enquanto que

nos animais motivação e execução são inseparáveis, no homem a unidade de concepção e

execução pode ser dissolvida. Existem aqueles que planejam a ação e aqueles que apenas

executam o trabalho. A diferença entre ambos é que o primeiro detém o poder econômico e o

segundo não. Surge o trabalho alienado e desumano onde o progresso de alguns acontece

devido ao retrocesso da maioria que não tem acesso aos benefícios dessa evolução.

Percebemos nesse contexto a importância de um espaço para a discussão sobre a

necessidade do educando ter acesso ao reconhecimento do direito ao trabalho e aos saberes

sobre o mesmo os quais deveriam fazer parte do currículo. Dessa forma entendemos o valor

de repensarmos sobre o processo de orientação profissional como uma etapa que possibilite ao

sujeito refletir sobre a sua relação com o mundo do trabalho optando por caminhos que o

levem a humanização.

Sugerimos que os profissionais da educação que atuam no Ensino Médio conheçam a

realidade social, política e econômica em que os alunos estão inseridos. Esse conhecimento

possibilitará compreender que a escolha profissional possui graus de liberdade e que o

indivíduo não é o único responsável por sua trajetória. Assim, a reflexão com os educandos a

respeito dos determinantes sociais de suas escolhas no mundo do trabalho profissional se dará

de forma mais consciente e comprometida com a realidade visando encontrar uma síntese

diante da complexidade e não apenas submetê-los às limitações da realidade.

Esta pesquisa contribuiu para a melhoria de minha prática profissional na medida em

que oportunizou a aquisição de conhecimentos fundamentais para realizar um trabalho de

orientação profissional dentro de uma proposta crítica e que pretenda auxiliar o jovem em

suas escolhas profissionais para que as mesmas aconteçam de forma consciente e autônoma.

Possibilitou um aprofundamento maior sobre o tema trabalho e educação no Ensino Médio

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articulado com o processo de orientação profissional, que apesar de ser modesto pode servir

de indicação para reflexões futuras. Através deste estudo não tivemos a pretensão de esgotar a

temática, mas apenas levantar algumas questões para futuras discussões, e pesquisas.

Lembramos também a necessidade de serem estabelecidas políticas públicas que

institucionalizem o trabalho de orientação profissional nas escolas do estado possibilitando

um atendimento contínuo e organizado aos alunos destes estabelecimentos.

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