Reflexões sobre o atual estágio da sustentabilidade das empresas brasileiras

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Gestão Estratégica do Suprimento e o Impacto no Desempenho das Empresas Brasileiras Reflexões sobre o atual estágio da sustentabilidade das empresas brasileiras Lucas Amaral Lauriano, Eduarda Carvalhaes e Rafael Augusto Tello Oliveira Núcleo Petrobras de Sustentabilidade S FE1302 Mais que um tema em voga, a sustentabilidade é, para as empresas do mundo contemporâneo, um aspecto fundamental que deve ser cuidadosamente considerado. No Brasil, essa realidade não deve ser diferente. São muitos os aspectos a serem considerados em torno da questão, que passam a interferir diretamente no desempenho das organizações. Eles têm impactos diretos em todos os processos do dia a dia das empresas e passam a ser determinantes nos resultados dos negócios. Com o objetivo de avaliar a gestão de sustentabilidade nas empresas brasileiras à luz dos mais diversos aspectos, o Núcleo de Sustentabilidade da Petrobras (NPS) da Fundação Dom Cabral desenvolveu uma pesquisa intitulada “Estágio da Sustentabilidade das Empresas Brasileiras”, de autoria dos pesquisadores Lucas Amaral Lauriano, Eduarda Carvalhaes e Rafael Tello. O estudo contou com a participação de 172 empresas dos mais diversos setores econômicos e regiões do país. Desse total de entrevistados, 69% são formados por grandes empresas com mais de 250 funcionários. Para formatar sua análise, a pesquisa considerou os sete aspectos principais da sustentabilidade corporativa: Conceito de Sustentabilidade, Intenção Estratégica, Estrutura, Transparência, Capacidade de Resposta, Relacionamento com Stakeholders, Liderança. Foram incluídas também perguntas de caracterização dos respondentes e de suas empresas. Confira, a seguir, entrevista com Lucas Amaral sobre os sete aspectos da pesquisa, as conclusões e as perspectivas criadas pelo estudo. Você pode nos dizer como as empresas brasileiras enxergam e definem a sustentabilidade? em dúvida. Na pesquisa, as empresas concordaram enfaticamente que as organizações devem se preocupar com questões ambientais, econômicas e sociais, envolvendo seus colaboradores e a comunidade. Isso mostra que o conceito de sustentabilidade está bastante avançado nas organizações brasileiras. Contudo, há também a forte percepção de que muitas empresas permanecem no discurso com relação ao tema. Vale salientar que 98% das empresas concordam que as organizações devem operar com ética, sendo que 90% das empresas acreditam que a sustentabilidade deve ser uma prioridade empresarial. Por sua vez, 87% delas acham que muitas empresas promovem a sustentabilidade, mas não estão realmente comprometidas com a questão, e 31% das empresas pesquisadas concordam com que a sustentabilidade deve ser completamente voluntária; nenhuma lei deveria regulá-la.

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Lucas Amaral, do Núcleo Petrobras de Sustentabilidade, fala sobre os sete aspectos da pesquisa “Estágio da Sustentabilidade das Empresas Brasileiras”, as conclusões e as perspectivas criadas pelo estudo.

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Gestão Estratégica do Suprimento e o Impacto no Desempenho das Empresas BrasileirasReflexões sobre o atual estágio da

sustentabilidade das empresas brasileirasLucas Amaral Lauriano, Eduarda Carvalhaes e Rafael Augusto Tello Oliveira Núcleo Petrobras de Sustentabilidade

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FE1302

Mais que um tema em voga, a sustentabilidade é, para as empresas do mundo contemporâneo, um aspecto fundamental que deve ser cuidadosamente considerado. No Brasil, essa realidade não deve ser diferente. São muitos os aspectos a serem considerados em torno da questão, que passam a interferir diretamente no desempenho das organizações. Eles têm impactos diretos em todos os processos do dia a dia das empresas e passam a ser determinantes nos resultados dos negócios.

Com o objetivo de avaliar a gestão de sustentabilidade nas empresas brasileiras à luz dos mais diversos aspectos, o Núcleo de Sustentabilidade da Petrobras (NPS) da Fundação Dom Cabral desenvolveu uma pesquisa intitulada “Estágio da Sustentabilidade das Empresas Brasileiras”, de autoria dos pesquisadores Lucas Amaral Lauriano, Eduarda Carvalhaes e Rafael Tello.

O estudo contou com a participação de 172 empresas dos mais diversos setores econômicos e regiões do país. Desse total de entrevistados, 69% são formados por grandes empresas com mais de 250 funcionários.

Para formatar sua análise, a pesquisa considerou os sete aspectos principais da sustentabilidade corporativa: Conceito de Sustentabilidade, Intenção Estratégica, Estrutura, Transparência, Capacidade de Resposta, Relacionamento com Stakeholders, Liderança. Foram incluídas também perguntas de caracterização dos respondentes e de suas empresas.

Confira, a seguir, entrevista com Lucas Amaral sobre os sete aspectos da pesquisa, as conclusões e as perspectivas criadas pelo estudo.

Você pode nos dizer como as empresas brasileiras enxergam e definem a sustentabilidade?

em dúvida. Na pesquisa, as empresas concordaram enfaticamente que as organizações devem se

preocupar com questões ambientais, econômicas e sociais, envolvendo seus colaboradores e a comunidade. Isso mostra que o conceito de sustentabi l idade está bastante avançado nas organizações brasileiras. Contudo, há também a forte percepção de que muitas empresas permanecem no discurso com relação ao tema.

Vale salientar que 98% das empresas concordam que as organizações devem operar com ética, sendo que 90% das empresas acreditam que a sustentabilidade deve ser uma prioridade empresarial. Por sua vez, 87% delas acham que muitas empresas promovem a sustentabilidade, mas não estão realmente comprometidas com a questão, e 31% das empresas pesquisadas concordam com que a sustentabilidade deve ser completamente voluntária; nenhuma lei deveria regulá-la.

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2Como está a sustentabilidade das empresas brasileiras? ou Reflexões sobre o atual estágio da sustentabilidade das empresas brasileiras

Qual é o objetivo da sustentabilidade nas empresas e o que elas tentam alcançar com isso?Nós percebemos, ao analisar os resultados, que a principal intenção estratégica das empresas brasileiras com a sustentabilidade está relacionada aos ganhos de reputação ou ganhos financeiros advindos da utilização de menos recursos naturais. Além disso, as parcerias também são motivadas pelos ganhos de reputação e inovação.

Os dados indicam que 92% das empresas concordam que a sustentabilidade melhora sua reputação e imagem; 75% delas possuem a iniciativa de reduzir custos por meio de melhorias na eficiência do uso de materiais; e 74% dos respondentes concordam que suas empresas possuem a sustentabilidade como parte das tradições e valores. E ainda: 67% das empresas afirmam realizar parcerias para obter benefícios financeiros ao identificar oportunidades de inovação; 66% delas dizem que realizam parcerias com o objetivo de melhorar sua reputação; e 48% das organizações ouvidas utilizam a sustentabilidade como diferencial mercadológico.

Há uma percepção das ações que podem levar as empresas a novas oportunidades por meio de iniciativas ligadas à sustentabilidade?Com certeza. A iniciativa mais recorrente nas empresas, apontada por 75% dos entrevistados, é a redução de custos através de melhorias na eficiência do uso de materiais. Aumentar a conscientização da marca como “verde” ou socialmente responsável, por sua vez, é a iniciativa menos realizada pelas empresas, sendo apontada por 23% dos respondentes.

Como as responsabilidades para a sustentabilidade são geridas? Podemos afirmar que as ações e setores de sustentabilidade são “ilhas” dentro da organização ou existe uma integração entre elas?Podemos afirmar que, apesar de já existir alguém ou uma equipe responsável por questões relacionadas à sustentabilidade nas empresas brasileiras, ainda há procedimentos a serem desenvolvidos pelas empresas. A falta de metas individuais aos gestores em questões que levem em consideração aspectos de sustentabilidade mostra a dissociação entre a

estrutura organizacional e a integração da área de sustentabilidade com as outras áreas. Isso faz com que as equipes responsáveis pela sustentabilidade se tornem “ilhas” dentro das empresas. Outra questão importante é o treinamento das equipes de diversas áreas para lidar com questões de sustentabilidade. Sem essa conscientização individual, a concretização das metas individuais estabelecidas é comprometida.

E quais foram os dados obtidos na pesquisa nesse tópico?Pois bem, 67% das empresas brasileiras afirmam possuir alguém ou uma equipe responsável por questões relacionadas à sustentabilidade, e 63% delas creem possuir políticas ou declarações escritas sobre a sustentabilidade. Por outro lado, 49% das organizações afirmam que gestores individuais possuem metas relacionadas a melhorias na educação, treinamento e carreira dos trabalhadores; contra 48% que afirmam que gestores individuais possuem metas de performance relacionadas à responsabilidade ambiental.

Vamos falar de transparência. As empresas estão hoje abertas em relação a sua performance ambiental, econômica e social?Percebemos que as empresas brasileiras já começam a reportar suas atividades relacionadas à sustentabilidade, mas muitos dos impactos socioambientais das organizações ainda não são mensurados, o que compromete quantitativamente e qualitativamente as informações contidas nos relatórios. Já há algumas iniciativas para o reporte dessas informações, mas sua capacidade de se tornar insumo para melhorias na gestão é limitada pela falta de informações sobre algumas atividades.

Os levantamentos apontam que 59% das empresas afirmam reportar as iniciativas voltadas à sustentabilidade; 51% dizem medir os impactos de suas iniciativas ambientais em seus negócios; outros 45% das entrevistadas afirmam medir os impactos sociais de suas iniciativas sociais; e 32% delas medem os impactos de suas iniciativas sociais nos negócios.

E qual é a capacidade de resposta das empresas em termos de políticas de sustentabilidade, programas e performance? É possível observar certo nível de preocupação com os impactos ambientais causados pelas atividades

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das empresas brasileiras, além de repassar essas informações aos consumidores, medir a performance e buscar ganhos econômicos com a diminuição de recursos ambientais gastos nas linhas de produção. Contudo, essa mesma preocupação não é tão clara quando se trata de questões sociais, como a inclusão de populações economicamente desfavorecidas no mercado de trabalho ou como consumidores. Além disso, as questões emergentes relacionadas a funcionários, como diversidade e direitos humanos, também ainda precisam ser trabalhadas.

Os principais dados desse item indicam que 71% das pesquisadas afirmam possuir metas e objetivos relacionados à responsabilidade ambiental; 66% dizem possuir metas e objetivos relacionados a produtos e serviços sustentáveis; 66% têm metas e objetivos relacionados a educação, treinamento e carreira dos trabalhadores; e 55% das organizações garantem ter metas e objetivos relacionados ao apoio à comunidade.

E elas apontam as áreas que consideram prioritárias nesse processo?Sim. Tendo como base os recursos investidos em atividades de apoio à comunidade – como dinheiro, tempo, produtos e serviços de doações –, perguntamos também às empresas quais foram as três áreas priorizadas no ano passado. A área que recebe maior atenção das empresas, apontada por 52% dos entrevistados, é o treinamento de trabalho, seguido pela educação, com 49%, e questões ambientais, com 48%.

Como as empresas se engajam com seus stakeholders nessa questão?No caso brasileiro, é possível observar que a comunicação tem sido desenvolvida com stakeholders específicos, como os clientes e ONGs, mas a relação fraca na formação de parcerias com outras partes interessadas mostra a necessidade de se avançar nesse aspecto.

Em termos percentuais, temos o seguinte: 61% das empresas afirmam discutir sobre sustentabilidade fora da empresa com stakeholders, como fornecedores, consumidores, reguladores, ONGs etc.; 57% delas dizem se envolver consideravelmente na provisão de oportunidades de treinamento e desenvolvimento para empregados com menor remuneração; 52% das entrevistas apoiam o balanceamento das práticas laborais para todos os empregados, inclusive para os remunerados por hora; 46% afirmam se envolver consideravelmente no oferecimento de programas de treinamento a pessoas em comunidades economicamente desfavorecidas; e, por fim,

38% consideram a possibilidade de contratar pessoas de comunidades mais pobres ou menos favorecidas.

Uma das questões essenciais nessa conversa tem a ver como as lideranças. Podemos dizer que esses gestores apoiam a sustentabilidade ou fazem esforço por garanti-la?O fator mais importante para a sustentabilidade corporativa de uma organização é o apoio da liderança. Nas empresas brasileiras, os líderes deveriam estar à frente dos esforços para a sustentabilidade, o que não ocorre de maneira significativa. Além disso, o conselho também não possui uma participação clara nas questões de sustentabilidade. Do total de entrevistadas, 51% das empresas afirmam que o CEO lidera a agenda da sustentabilidade dentro da organização e igual percentual concorda enfaticamente que o conselho da empresa revê e aprova o programa de sustentabilidade.

Bem, após a análise dos sete aspectos avaliados, vamos ver algumas questões que merecem também uma reflexão. Como, por exemplo, as empresas brasileiras podem avançar na gestão da sustentabilidade?Na pesquisa, torna-se clara a dissociação da percepção do que é a sustentabilidade e sua aplicação nas organizações. O conceito de sustentabilidade já é compreendido pelas empresas brasileiras, mas percebemos que elas ainda não estão preparadas para lidar com as demandas socioambientais de seus diversos stakeholders. Para que as organizações brasileiras possam avançar, é preciso construir capacidades internas de maneira a sanar os gaps encontrados com a pesquisa.

Antes de encerrarmos, é preciso fazer uma pergunta que não pode deixar de ser feita: como garantir que sustentabilidade não é apenas um “tema bonito e na moda”, e sim um princípio que deve fazer parte do DNA da organização?Essa é uma questão muito importante. O primeiro ponto a ser observado é a necessidade de conscientizar todas as pessoas da organização. De nada adianta ter uma

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área de sustentabilidade que atua isoladamente, ou sem a devida compreensão do resto da organização. Da mesma forma, de nada vale um líder conscientizado que demanda metas globais de sustentabilidade para a empresa se seus colaboradores não compreendem a sustentabilidade e como se dá sua gestão.

Dessa forma, deve haver um grande processo de conscientização que envolva todas as áreas e setores, com o objetivo de mostrar a sustentabilidade como um tema transversal, estratégico e que influencia diretamente no desempenho da organização, e não somente um ideal bonito que envolve questões ambientais, econômicas e sociais.

Um caminho para isso seria criar metas que envolvam todos os colaboradores?Sem dúvida. É preciso elaborar metas individuais, pois o que se observou é uma disparidade entre a existência de algumas metas para toda a organização e para os gestores individuais. Além disso, diversos aspectos da sustentabilidade ainda precisam ser trabalhados, como direitos humanos e diversidade.

Outra estratégia importante é buscar novas parcerias?Sim. Para lidar com esses novos temas, muitas organizações percebem a necessidade de buscar parcerias com outros atores, como escolas, empresas com as mesmas atividades e os mesmos fornecedores. Assim, a realização de parcerias com diversas partes interessadas é uma alternativa para a construção de capacidades internas nas empresas brasileiras, fazendo com que, em um futuro próximo, as organizações passem para um estágio mais avançado de sustentabilidade corporativa.

Quais as conclusões a que você já chegou com a pesquisa?A abordagem de estágios de sustentabilidade se mostra interessante por apresentar a oportunidade de comparação ao longo do tempo. Com a pesquisa, foi possível gerar uma amostra de como está a gestão da sustentabilidade nas empresas brasileiras. A amostra de 172 empresas está concentrada em organizações de grande porte, e nas próximas edições será preciso angariar mais respostas de micro, pequenas e médias empresas. Com relação aos estados brasileiros, a

pesquisa possui representantes de todas as regiões do Brasil, mas as regiões Norte e Nordeste ainda possuem presença fraca. Dessa forma, nas próximas edições será preciso buscar mais respondentes dessas regiões.

Fale então das perspectivas desse trabalho...Até aqui, focamos nos resultados globais da pesquisa. Todavia, pela riqueza e quantidade de dados obtidos, diversos outros estudos podem ser feitos, com o objetivo de verificar os estágios de sustentabilidade nos diversos setores da economia, ramos de atividades e até mesmo a percepção por idade dos respondentes.

Cite alguns aspectos que ainda podem ser abordados.Veja bem, a pesquisa abre diversas oportunidades, por meio de diversos questionamentos que podem ser incorporados. Já fizemos uma listagem com alguns deles, que seriam:

C • omo criar capacidades internas dentro das empresas?

Como balancear as demandas das partes •interessadas e a capacidade das empresas atendê-las?

Por que a conscientização para a sustentabilidade •como um tema estratégico ainda não é uma prioridade empresarial?

Como transformar metas empresariais em metas •individuais?

Quais são os tipos de projetos que demandam •parceria das empresas com seus diversos stakeholders?

Algo mais a acrescentar daqui pra frente?Esses questionamentos são apenas alguns dos muitos incitados pelo estudo e dão insumo para pesquisas futuras. Há ainda a oportunidade de realizar estudos de casos de empresas que estejam em estágios altos de sustentabilidade com o objetivo de servirem de exemplo para organizações em estágios mais baixos. Outra possibilidade é a utilização da metodologia para avaliação da gestão da sustentabilidade de uma empresa específica visando à melhoria de sua atuação nas questões avaliadas.

O Relatório da Pesquisa na íntegra, pode ser encontrado no site do Núcleo Petrobras de Sustentabilidade, http://www.fdc.org.br/pt/pesquisa/sustentabilidade/construcao/Paginas/conteudo.aspx